artigo Neuropelveologia A neuropelveologia foi idealizada pelo ginecologista francês, radicado na Suíça, Marc Possover, que, ao começar a dissecar os nervos que cruzam a pelve para preservá-los em cirurgias radicais ginecológicas, abriu uma nova perspectiva na abordagem desses nervos. Esta nova visão abriu a possibilidade para uma série de diagnósticos e tratamentos antes impossíveis pela invasibilidade e dificuldade de acesso e visualização destes nervos pelas vias de acesso cirúrgico tradicionalmente utilizadas pela neurocirurgia e ortopedia. O estudo da anatomia laparoscópica dos nervos por meio da técnica LANN (Laparoscopic Neuronavigation) começou em 2003 e foi publicado pela primeira vez em 2005, no intuito de preservar os nervos esplâncnicos pélvicos – comumente lesados em cirurgias radicais ginecológicas, principalmente para tratamento do câncer do colo uterino e endometriose pélvica infiltrativa. Em 2007, Marc Possover publicou mais uma série de casos nos quais demonstrou o mapeamento das raízes e nervos do plexo sacral. O conhecimento da anatomia desses nervos começou, então, a abrir uma nova possibilidade de diagnósticos e tratamentos até então inéditos na medicina. Em 2007, Possover passa a descrever procedimentos neurocirúrgicos nestes nervos, com a publicação de três casos de endometriose isolada do nervo ciático e mais outros sete casos de neuralgia por causas intrapélvicas relacionadas a fibrose ou suturas por procedimentos cirúrgicos prévios, esclerose múltipla, secção cirúrgica acidental dos nervos iliohipogástrico, cutâneo-femoral lateral e pudendo e por uma doença desmielinizante. Nesta última publicação, Possover descreve os primeiros cinco casos de implante de neuroestimuladores e dá início aos procedimentos LION (Laparoscopic Implantation Of Neuroprosthesis). Em 2008, relata 134 casos de dor perineal de causa intrapélvica. Nesta enorme série de casos de pacientes operadas entre 2004 e 2007, encontra 18 casos de 16 síndrome do Canal de Alcock, 43 casos de infiltração ou fibrose por endometriose, 6 casos de compressão vascular e 53 casos de compressão por fibrose pós-operatória, suturas e clipes metálicos. Esta publicação traz dois aspectos a serem ressaltados: em primeiro lugar, a descrição dos diversos pontos passíveis de lesão do nervo pudendo, e a demonstração da importância do reconhecimento desses pontos de compressão, uma vez que somente 18 dos 134 casos apresentavam a compressão ao nível do canal de Alcock, descrita por Amarenco em 1988. Em 2009, Possover descreve sete casos de tratamento de dor visceral com neuromodulação, evitando a realização da neurectomia pressacral. Nesta mesma publicação, descreve, ainda, mais 113 casos de tratamento de lesões nervosas secundárias a procedimentos pélvicos a saber: linfadenectomias pélvicas, radioterapia pélvica, parametrectomias e histerectomias radicais, retopexias, sacropromontofixações retais e vaginais, procedimento de McCall e cirurgia radical para tratamento da endometriose. Ainda em 2009, descreve o uso da neuromodulação do plexo hipogástrico superior para tratamento da atonia vesical pós-operatória, secundária à lesão dos nervos esplâncnicos pélvicos em cirurgias pélvicas radicais. Em paralelo ao tratamento das síndromes dolorosas e das disfunções urinárias e evacuatórias secundárias a compressão nervosa e a doenças neurológicas, desenvolviam-se os estudos de reabilitação de pacientes paraplégicos. Em 2004, durante os estudos anatômicos da inervação pélvica, Possover começa a aventar a possibilidade da reabilitação de paraplégicos por meio da implantação laparoscópica de neuroestimuladores. Em 2008, Possover relata o primeiro caso de implantação laparoscópica de um neuroestimulador de Brindley em uma paciente paraplégica por trauma raquimedular em nível de T8. A paciente havia sido previamente submetida ao procedimento de Brindley (deaferentação S2-S4 e implante intracanal medular de um neuroestimulador) e o neuroestimulador precisou ser removido devido a uma aracnoidite. Com isso, demonstrouse a viabilidade da implantação laparoscópica como procedimento de resgate em pacientes com indicação de explantação de um neuroestimulador de Brindley. Estes achados foram confirmados em mais seis casos. Finalmente, em 2010, Possover publica os três primeiros casos de implantação laparoscópica primária de um neuroestimulador com o objetivo de prover a reabilitação de paraplégicos. A técnica permitiu o tratamento da espasticidade vesical, com aumento da capacidade cistométrica máxima de 210ml, 180ml e 130ml para 500ml a 550ml; e o esvaziamento vesical adequado, sem a necessidade de cateteres, com resíduo inferior a 100ml, em todos os pacientes; além de tratamento completo da incontinência urinária e anal; melhora da função erétil nos dois homens operados; inibição completa da espasticidade de membros inferiores; e, finalmente, dois dos três pacientes, por meio da contração do quadríceps e estabilização dos músculos isquiotibiais, conseguem, hoje, ficar de pé e caminhar com o auxílio de andador. Toda esta rápida e significativa evolução é o resultado de um “novo ponto de vista” sobre os nervos da pelve, que faz da Neuropelveologia uma nova esperança para pacientes paraplégicos, amputados com dor em membro fantasma nas pernas, pacientes com dores pélvicas e ciatalgias intratáveis, pacientes com doenças neurológicas que cursem com hiper/hipotonia vesical e/ou perda de força muscular nos membros inferiores, ou com hipotonia vesical ou neuralgia pós-operatória. Representa, também, uma alternativa cirúrgica segura para cirurgias radicais pélvicas, por meio de procedimentos neuropreservadores. Dr. Nucélio L. B. M. Lemos CRM 113015 coordenador do Setor de Neurodisfunções da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, é pioneiro em neuropelveologia no Brasil.