X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 SOBRE A PESQUISA E O ENSINO DE NÚMEROS RACIONAIS NA SUA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA Tânia Maria Mendonça Campos Universidade Bandeirantes - UNIBAN [email protected] Sandra Maria Pinto Magina Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP Raquel Factori Canova Universidade Bandeirante – UNIBAN Angélica da Fontoura Garcia Silva Universidade Bandeirante - UNIBAN Resumo: Este artigo apresenta parte dos resultados de um estudo de intervenção de ensino realizado com 138 alunos da 3ª e 4ª séries da Educação Básica de uma escola pública do estado de São Paulo no que se refere o conceito de fração a partir de quatro diferentes significados. O referencial teórico escolhido foi a Teoria dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud (1990). Os alunos foram distribuídos em quatro grupos experimentais (dois de 3ª série e dois de 4ª série) e dois grupos controle (um de cada série). Para avaliar o alcance dessa intervenção um pré-teste e um pós-teste foram aplicados a todos os alunos envolvidos no estudo. Os resultados apontam desempenhos significativamente melhores das crianças dos grupos experimentais, principalmente no que se referem a situações de frações com significado quociente. Palavras-chave: Ensino de Fração; Aprendizagem de fração; Ensino Fundamental; Significados de Fração. INTRODUÇÃO Esta pesquisa trata de um estudo de intervenção realizado em uma escola estadual localizada na cidade de São Paulo. O objetivo geral é identificar que contribuições um ensino de fração, sendo introduzido a partir de um determinado significado – seja partetodo, quociente, quantidades intensivas ou operador multiplicativo – traz para o bom desempenho dos alunos de 3ª e 4ª séries da Educação Básica ao lidar com situações de fração com os outros significados. No entanto, neste trabalho estamos analisando os Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 1 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 resultados dos pré-testes e pós-testes aplicados aos grupos experimentais e controle, assim como o desempenho geral dos alunos, por série e por grupo, ao terem um ensino baseado nos fundamentos da Teoria dos Campos Conceituais, mais precisamente, considerando os invariantes operatórios. A motivação para a realização do estudo centra-se em algumas razões: o trabalho escolar com frações no Brasil inicia-se, em geral, na 3ª série da Educação Básica (com crianças na faixa de 9 a 10 anos de idade), e é retomado, sistematicamente, nas séries subseqüentes. No entanto, pesquisas recentes desenvolvidas no Brasil (Rodrigues, 2005, Canova, 2006, Silva, 2007, Campos et al.,2009) mostram que alunos têm pouco domínio desse conceito, fato comprovado em diferentes avaliações externas. A segunda razão vem da própria literatura sobre os estudos e pesquisas com os números racionais (Nunes et al. 2003, Behr et al., 1992, Streefland, 1991, para citar apenas alguns), que apontam diversas dificuldades apresentadas por alunos nos vários níveis de escolarização e que afirmam ainda existir muitas questões nesse campo conceitual que merecem especial atenção de pesquisadores. Parece consenso entre as pesquisas citadas reconhecer que crianças têm dificuldade tanto em entender fração como sendo um ente matemático (um número ou uma quantidade) quanto em construir significados para fração. Segundo Streefland (1991), o que está por trás do fracasso na aprendizagem de frações é a complexidade desse conceito, somada a uma abordagem tradicional que a escola utiliza ao trabalhar fração: o ensino é, muitas vezes, dissociado da realidade e prioriza, desde o começo, a transmissão de regras, ignorando completamente o conhecimento informal que a criança já adquiriu a partir de experiências vividas fora da escola. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O referencial teórico utilizado no estudo apoiou-se na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud (1990) e na classificação de fração proposta por Nunes (2005). As situações envolvem quatro significados: parte-todo, quociente, operador multiplicativo Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 2 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 e quantidades intensivas; os invariantes operatórios: equivalência e ordem e as representações possíveis: as fracionárias e pictóricas. De fato, existem diferentes classificações, a priori, dos tipos de significados dos números racionais, sem que a importância dessas classificações para o ensino tenha sido esclarecida. Apresentamos aqui uma síntese da classificação proposta por Nunes (2005), identificando quatro (04) significados possíveis, a saber: 1. A fração como uma relação parte-todo – A idéia presente nesse significado é a da partição de um todo em n partes iguais, em que cada parte pode ser representada como 1 . n Assim, assumiremos como o significado parte-todo, um dado todo dividido em partes iguais em situações estáticas, na qual a utilização de um procedimento de dupla contagem é suficiente para se chegar a uma representação correta. Por exemplo, se um todo foi dividido em cinco partes e duas foram pintadas, os alunos podem aprender a representação como uma dupla contagem: acima do traço escreve-se o número de partes pintadas, abaixo do traço escreve-se o número total de partes. Exemplo: Uma barra de chocolate foi dividida em quatro parte iguais. João comeu três dessas partes. Que fração representa o que João comeu? 2. A fração como descritora de uma quantidade intensiva – Algumas medidas envolvem fração por se referirem à quantidades intensivas, nas quais a quantidade é medida pela relação entre duas variáveis. Exemplo: Para fazer certa quantidade de suco são necessárias 3 medidas de concentrado de limão para 7 medidas de água. Que fração representa a medida de concentrado de limão em relação ao total de suco? 3. A fração como um operador multiplicativo – Como o número inteiro, as frações podem ser vistas como o valor escalar aplicado a uma quantidade. A idéia implícita é que o número é um multiplicador da quantidade indicada. Exemplo: Dei 3 das balas de um 4 pacote de 40 balas para meus irmãos. Quantas balas dei a eles? Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 3 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 4. A fração como quociente, indicando uma divisão e seu resultado – Este significado está presente em situações em que envolve a idéia de divisão – por exemplo, uma pizza a ser repartida igualmente entre 5 crianças. Nas situações de quocientes temos duas variáveis (por exemplo, número de pizzas e número de crianças), sendo que uma corresponde ao numerador e a outra ao denominador – no caso, 1 . A fração, nesse caso, corresponde à 5 divisão (1 dividido por 5) e também ao resultado da divisão (cada criança recebe 1 ). 5 Exemplo: Três chocolates devem ser divididos para 4 crianças. Que fração de chocolate cada criança irá receber? O ESTUDO O estudo foi realizado em uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na cidade de São Paulo, região central. O universo de alunos pesquisados foi de três classes da 3ª série e três da 4ª série, sendo que duas classes de cada série fizeram parte dos grupos experimentais (GE) e uma classe de cada série formaram os grupos de controles (GC). Desta forma, o estudo foi aplicado a 138 sujeitos, sendo 84 pertencentes ao GE – 36 advindos da 3ª série e 48 da 4ª – e 54 do GC – 20 da 3ª e 34 da 4ª série. Inicialmente foi aplicado um instrumento diagnóstico – pré-teste – nas seis classes. Este continha 22 questões referentes à fração que exploravam os significados de partetodo, quociente, quantidades intensivas e operador multiplicativo. O teste foi aplicado coletivamente em cada uma das seis classes, com as pesquisadoras lendo oralmente cada uma das questões e aguardando a resolução individual dos alunos antes de passar a ler questão seguinte. Três dias depois iniciou-se a intervenção de ensino. Aqui, as crianças de cada classe foram divididas em 4 grupos, compostos por 6 ou 7 crianças (a depender da quantidade de alunos de cada classe). Cada um desses grupos trabalhou com as pesquisadoras, em uma Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 4 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 única sessão de aproximadamente 90 minutos, um dos quatro significados da fração, a saber: parte-todo, quociente, quantidades intensivas, ou operador multiplicativo. Todo o trabalho de intervenção foi feito a partir da apresentação de situaçõesproblema, no programa power-point de um notebook, para serem resolvidas individualmente pelos alunos, com posterior, e imediata, discussão coletiva das estratégias utilizadas por eles na sua resolução. Para que não houvesse discrepância quanto ao intervalo de tempo entre o pré-teste e as intervenções pelas quais os seis grupos experimentais passariam, optou-se por trabalhar com classes matutinas e vespertinas. As classes foram escolhidas de maneira aleatória. Uma semana após os grupos experimentais terem passado pela intervenção, foi aplicado o mesmo instrumento diagnóstico (pós-teste) a todos os alunos. Esse intervalo de uma semana também foi respeitado para o grupo controle. Para efeito deste artigo, apresentaremos os resultados quantitativos obtidos pelos dois GE - um de cada série - e pelos dois GC. Isto significa que só serão aqui analisados os resultados dos desempenhos obtidos pelos quatro grupos nos dois instrumentos diagnósticos, quais sejam os pré e pós-testes. ANÁLISE DE DADOS A análise iniciar-se-á pela apresentação dos resultados gerais obtidos nos quatro grupos experimentais e de controle. Na sequência a análise prosseguirá apresentando e interpretando os resultados dos desempenhos dos grupos segundo cada um dos quatro significados da fração presentes nos pré e pós-testes. O gráfico 1 abaixo oferece um panorama geral do desempenhos dos grupos nos dois testes, com relação aos percentuais de acertos. Nele, como esperado, há uma nítida e maior evolução dos dois grupos experimentais em relação aos grupos de controle. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 5 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Pré-teste 3a série EXP 3a série CON Total Pre 4a série EXP Pós-teste 4a série CON Total Pós Gráfico 1: Desempenho geral dos grupos experimentais e de controle nos pré e pós-testes. O gráfico acima aponta que o trabalho de intervenção nos diferentes significados proporcionou uma melhoria expressiva no resultado do pós-teste dos alunos dos grupos experimentais. Isso nos remete a reflletir acerca da importância da intervenção. O baixo desempenho do GC ainda pode sugerir que o conceito de fração não foi apropriado por estes alunos, com o ensino tradicional, uma vez que os professores informaram ter ensinado tal conceito. É importante observar que estes dados confirmam os resultados obtidos nas pesquisas e nos estudos diagnósticos realizados por (Rodrigues, 2005, Canova, 2006, Silva, 2007, Campos et al., 2009). A questão que se coloca a seguir é saber se esse baixo desempenho dos grupos aplica-se a qualquer significado da fração, e ainda, se após intervenção esse desempenho passa a ser satisfatório entre os diferentes significados. Buscaremos essas respostas, posteriormente, a partir da análise qualitativa dos protocolos. No entanto, os primeiros resultados já podem ser vistos com o estudo do gráfico 2 apresentado a seguir. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 6 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 PT Quoc Qde Int Op Mult 3a Controle 3ª controle PT Quoc Qde Int Op Mult 4a Controle 4ª controle Pré-teste PT Quoc Qde Int Op Mult 3a Experim 3ª experimental PT Quoc Qde Int Op Mult 4a Experim 4ª experimental Pós-teste Gráfico 2: Desempenho dos grupos experimentais e de controle nos pré e pós-testes, considerando os quatro significados da fração. O primeiro dado que chama atenção no gráfico 2 é que o significado parte todo foi aquele que, de longe, apresentou maiores percentuais de sucesso no pré-teste para todos os grupos. Tal fato pode ter ocorrido por que os alunos tiveram o ensino de frações introduzido pelas suas professoras a partir deste significado. Nota-se ainda que o significado quociente foi o que obteve os mais baixos índices de sucesso no pré-teste, para todos os quatro grupos. Porém foi este o significado que apresentou maior salto entre o pré e pós-teste para os dois GE (aumentou 4,2 vezes no GE 4ª série e 6,4 vezes no GE 3ª série, embora os dois grupos tenham atingido pouco mais de 50% de acertos pós-teste). Esses resultados oferecem apoio empírico para a afirmação de Streefland (1991) de que o significado quociente é aquele mais facilmente entendido pelos alunos das séries iniciais. Observe-se que apenas uma sessão de intervenção foi suficiente para que essas crianças saissem de patamares de sucesso em torno de 10%, para patemares pouco acima dos 50%. Esse último gráfico ainda aponta que a maioria dos alunos das 3ª e 4ª séries foram capazes de lidar bem com as situações de fração que envolviam os significados quantidades intensivas e operador multiplicativo. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 7 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 CONCLUSÃO Os resultados apontam desempenhos significativamente melhores das crianças dos grupos experimentais, principalmente no que se refere a situações com significado quociente. Observamos, entretanto, que cada grupo de crianças, passou por intervenção com apenas um dos significados, e mesmo os que não tiveram intervenção com esse significado avançaram significativamente. Além disso, vale ressaltar que as situações elaboradas para intervenção considerou tanto os diferentes significados como os invariantes operatórios. O que nos faz inferir que uma boa compreensão da lógica das frações nos abre as portas para entender o conceito deste objeto matemático e suas operações. As frações, como os números naturais, envolvem a lógica de classes (1/2 = 2/4 = 3/6 etc) e a lógica das relações assimétricas (1/2 > 1/3 > 1/4 etc.). Uma questão fundamental para o ensino das frações é como as crianças desenvolvem essa lógica no contexto dos números racionais, na sua representação fracionária. Com base nos resultados apresentados acima, o estudo corrobora com as idéias de Vergnaud (1990), que defende como premissa que conhecimento se dá por meio de resolução de problemas e que na construção de um conceito é preciso vivenciar muitas situações. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BEHR, M. J.; HAREL, G.; POST, T.; LESH, R. Rational Number, Ratio, and proportion. In: GROUWS, D. A. (Ed.), Handbook of Research on Mathematics Teaching and Learning. New York: Macmillan, p. 296-333. , 1992. CAMPOS, T.M.M.; SILVA, A.F.G; PIETROPAOLO, R.C. Considerações a respeito do ensino e aprendizagem de representações fracionárias de números racionais. 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