8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política

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8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política
01 a 04/08/2012, Gramado, RS
Área Temática 5: Estado e Políticas Públicas
Política metropolitana do clima em São Paulo: dilemas de formulação no
contexto do federalismo brasileiro.
Dr. Marcelo Coutinho Vargas - [email protected]
Professor Associado
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos – SP
Resumo:
Ao aderir à Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas e ao Protocolo de
Kyoto, o Brasil tornou-se ator relevante no regime internacional dedicado ao
tema, dando início à formulação de uma política nacional nesta área. Foram
criados a Comissão Interministerial, o Fórum Brasileiro, o Plano, além da
Política e do Fundo Nacional de Mudanças Climáticas. Face às fragilidades
inerentes aos regimes internacionais, indicadas na literatura, o país também
tem envolvido atores subnacionais na formulação de políticas de mitigação e
adaptação de âmbito estadual e local. Porém, no tocante às áreas urbanas, a
despeito da atuação de redes de cooperação entre cidades, faltam políticas
que articulem os municípios e os estados na escala metropolitana para
enfrentar os principais riscos decorrentes deste fenômeno. O texto procura
entender os obstáculos político-institucionais à formulação de uma política
metropolitana do clima no âmbito do federalismo brasileiro, a partir de reflexões
situadas no contexto paulista, apoiando-se em resultados parciais de pesquisa
na Região Metropolitana da Baixada Santista.
Palavras chave:
Mudança climática – políticas de mitigação e adaptação – áreas metropolitanas
Restrita inicialmente aos meios científicos, a preocupação com o aquecimento
global, e prováveis conseqüências para as pessoas, o meio ambiente e a
economia, foi paulatinamente ganhando espaço em círculos sociais mais
amplos. Tornou-se não apenas um assunto que chama a atenção da grande
mídia e inquieta a opinião pública no mundo inteiro, mas também um dos
principais temas na agenda política internacional contemporânea. A crescente
midiatização e politização desta questão mobilizaram diversas lideranças da
comunidade científica, da política e do movimento ambientalista mundial, além
das principais organizações multilaterais, cujas ações culminaram na
constituição de um tênue regime internacional para enfrentar a mudança
climática global. Tendo aderido a este regime, consubstanciado na Convenção
da ONU e no Protocolo de Kyoto, o Brasil assumiu compromissos e formulou
uma
política
nacional
de
mudança
climática,
com
seus
respectivos
instrumentos, metas e recursos, sumariamente descritos adiante.
Contudo, diante das fragilidades inerentes aos regimes internacionais,
indicadas na literatura especializada, outros atores têm se envolvido na
formulação de políticas de mitigação e adaptação de âmbito estadual e local. 1
Porém, no tocante às áreas urbanas, a despeito da atuação de redes de
cooperação internacional entre cidades, faltam políticas que articulem os
municípios e os estados na escala metropolitana para enfrentar os principais
riscos decorrentes deste fenômeno. Este trabalho procura entender os
obstáculos à formulação de uma política metropolitana do clima no contexto
brasileiro, apoiando-se em resultados parciais de pesquisa realizada na
Baixada Santista (SP), associados ao debate teórico sobre os dilemas do
federalismo em nosso país.2
O texto a seguir divide-se em três seções, seguidas de algumas considerações
finais. A primeira seção aborda a inserção do Brasil no regime internacional de
mudança climática, descrito em linhas gerais, analisando as principais ações,
obstáculos e limites envolvidos na formulação e implementação de uma política
1
Cf. Betsill & Bulkeley (2004); Martins & Ferreira (2011) e Romeiro & Parente (2011), entre
outros.
2
A pesquisa mencionada refere-se à vulnerabilidade da infraestrutura e dos serviços de
saneamento básico à mudança climática na Baixada Santista, fazendo parte do projeto
temático Crescimento Urbano, Vulnerabilidade e Adaptação: dimensões sociais e ecológicas
da mudança climática no litoral de São Paulo, financiado pela FAPESP (proc. nº2008/58159-7).
nacional de mudança climática. A segunda examina os impactos gerais da
mudança climática sobre as cidades e os efeitos do processo de urbanização
sobre este fenômeno, destacando o papel das políticas subnacionais de
adaptação e mitigação. A terceira, focalizada no estado de São Paulo,
desenvolve esta questão, discutindo as razões e as consequências da
ausência de uma política metropolitana do clima num estado que tem
procurado assumir certo protagonismo nesta área no contexto brasileiro.
1.
O Brasil no regime internacional de mudança climática
Embora as primeiras análises sobre o fenômeno do aquecimento global
remontem ao século XIX, foram necessárias décadas de pesquisa científica
para que a complexidade deste problema e a gravidade de suas
consequências fossem compreendidas e assimiladas pelas lideranças políticas
mundiais (cf. Abranches, 2010), as quais se mobilizaram, ao lado de cientistas
e ambientalistas, para constituir um Regime Internacional voltado para a
governança do clima. 3
O primeiro passo concreto nesta direção se deu na “Cúpula da Terra”, a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 1992, que deu origem à Convenção Quadro
das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, doravante denominada
Convenção da Mudança Climática (CMC). Contando com a adesão da maior
parte dos países desenvolvidos, bem como dos emergentes e dos menos
desenvolvidos, a CMC iniciou-se com um tímido compromisso assumido por
parte dos primeiros: manter “congeladas” suas respectivas emissões de Gases
do Efeito Estufa (GEE) nos níveis de 1990, a partir do ano 2000. Diante da
insuficiência desta proposta, na IV Conferência das Partes da CMC, em 1997,
foi elaborado o Protocolo de Kyoto. Firmado em 1999, tal protocolo entrou em
vigor somente em fevereiro de 2005, com a adesão da Rússia, a qual lhe
permitiu ser ratificado por 55 países, representando 55% das emissões de GEE
inventariadas em 1990. De acordo com este protocolo, não ratificado pelos
3
Pode-se definir “regime internacional” como um sistema de regras explicitadas em tratado
internacional, pactuado entre governos de diferentes países, que regula as ações dos diversos
atores envolvidos no tema em pauta, permitindo reduzir os custos de transação entre os
Estados nacionais aderentes (Viola, 2001; Vargas & Freitas, 2009). Na agenda política destes
regimes encontram-se problemas cujas causas, consequências e soluções implicam relações
de interdependência e cooperação entre países diversos, limítrofes ou não (Ribeiro, 2001).
EUA, os países desenvolvidos, listados no Anexo 1, assumiram o compromisso
de cortar ao menos 5,2% de suas emissões de GEE medidas naquele ano
durante o primeiro período de compromisso, de 2008 a 2012, podendo fazê-lo
diretamente ou através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que
permite o comércio internacional de “créditos de carbono” e o financiamento de
projetos de redução de emissões nos países em desenvolvimento. 4
Embora possamos dizer que a CMC e o Protocolo de Kyoto (PK) configuram
em si mesmos um “Regime Internacional de Mudanças Climáticas”, visando o
enfrentamento do problema de maneira articulada na escala planetária, trata-se
de um regime muito tênue que se encontra em processo de transformação. De
fato, a comunidade internacional reconheceu a necessidade de ir além do PK,
cujas metas, insuficientes, não estão sendo globalmente alcançadas, seja pelo
descumprimento de boa parte dos países do Anexo 1, seja pelo aumento das
emissões de GEE dos países em desenvolvimento, que já representam mais
da metade do total mundial. No entanto, as negociações para substituí-lo ou
aprofundá-lo pouco avançaram, e o PK estava se encaminhando para a
extinção em 2012. Mas, a 17ª Conferência das Partes da CMC realizada em
Durban (África do Sul), no final de 2011, obteve sua prorrogação por um
período suplementar de pelo menos cinco anos.
Apesar da Rússia, do Japão e do Canadá terem se retirado do PK, alguns
avanços foram obtidos na Conferência de Durban. Além da prorrogação do
protocolo, os países em desenvolvimento aceitaram comprometer-se com
metas de corte de emissões, assim como o fizeram os EUA, por meio de um
“compromisso legalmente vinculante”, superando as promessas de cortes
voluntários acordadas nas conferências de Copenhague (2009) e Cancun
(2010). Porém, o patamar destes cortes não foi sequer definido, devendo ser
detalhado apenas em 2015 para aplicação a partir de 2020.
As dificuldades de aprofundamento e implementação do PK, que refletem a
diversidade de interesses de quase duas centenas de países signatários,
sugerem que a governança do clima global não pode se restringir às iniciativas
tomadas nos planos internacional e nacional, devendo necessariamente incluir
4
O MDL é o principal “mecanismo de flexibilização” das metas de cortes de emissão adotadas
pelos países desenvolvidos (ou industrializados) no Protocolo de Kyoto. Para maiores detalhes
sobre estes mecanismos, ver Vargas & Freitas (2009)
estratégias de cooperação descentralizada que envolvam governos e iniciativas
de âmbito subnacional, especialmente nas grandes cidades e regiões
metropolitanas. Porém, antes de aprofundar esta questão no contexto
brasileiro, cabe ainda examinar a inserção do país no cambaleante Regime
Internacional de Mudança Climática (RIMC).
1.1.
O Brasil no Regime Internacional de Mudança Climática
O Brasil já participa plenamente do RIMC. Além de ter sediado e firmado a
CMC, ratificando-a por Decreto Legislativo em fevereiro de 1994, nosso Estado
nacional também aderiu posteriormente ao Protocolo de Kyoto, ao assiná-lo em
29 de abril de 1999 e ratificá-lo em 23 de agosto de 2002. Essa adesão, por
sua vez, desdobrou-se em diversas medidas internas. Assim, dois meses
depois do país ter firmado o mencionado Protocolo, foi criada por decreto
presidencial, em 7 de julho de 1999, a Comissão Interministerial de Mudança
Global do Clima, tendo como principais objetivos: i) coordenar e articular, no
âmbito da administração pública federal, políticas destinadas a reduzir as
emissões de GEE, promover a adaptação e reduzir a vulnerabilidade
socioeconômica e ecológica aos efeitos negativos das mudanças climáticas; ii)
emitir pareceres sobre planos, programas e projetos de políticas setoriais,
normas técnicas e legislação de interesse para a política nacional de mitigação
e adaptação à mudança climática global. 5
A Comissão Interministerial foi composta inicialmente por representantes dos
seguintes ministérios: Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Relações
Exteriores, Agricultura, Transportes, Minas e Energia, Desenvolvimento e
Comércio Exterior, Orçamento e Gestão, além da pasta da Fazenda.
Posteriormente, foi agregado o Ministério das Cidades, criado no início do
governo do presidente Lula. A presidência da CIMC foi atribuída ao Ministro da
Ciência e Tecnologia, cuja pasta também assumiu as funções de Secretaria
Executiva desta comissão.
Por “mitigação”, ou políticas de mitigação, entende-se iniciativas que promovam o
corte de emissões de GEE, agindo sobre as causas do aquecimento global. Por
“adaptação”, ou políticas de adaptação, entende-se ações voltadas para reduzir a
vulnerabilidade e os riscos da população e dos lugares aos efeitos negativos do
aquecimento global ou para aproveitar benefícios potenciais.
5
Além das atribuições gerais mencionadas acima, cabe igualmente a esta
Comissão Interministerial representar o importante papel de autoridade
nacional oficialmente designada tanto para aprovar os projetos de MDL, cujos
resultados serão convertidos em créditos de carbono, como para credenciar as
“entidades operacionais designadas” que deverão verificar e validar tais
resultados em termos de corte efetivo de emissões ou sequestro de carbono.
Tal papel foi formalmente reconhecido em 2002, quando a CMC foi registrada
enquanto “autoridade nacional designada” junto ao Conselho Executivo do
MDL na ONU. E, neste papel, também cabe a esta comissão definir critérios
nacionais específicos de elegibilidade e priorização para os projetos de MDL.
Aliás, cumpre lembrar que o Brasil teve um papel pioneiro tanto na concepção
quanto na aplicação deste “mecanismo de flexibilização”, sendo o primeiro país
do mundo a ter um projeto de MDL aprovado junto à ONU: o aterro sanitário de
Nova Iguaçu (RJ), que permite capturar as emissões de metano do lixo
orgânico para a produção de biogás, resultando em créditos de carbono
vendidos para a Holanda.
Voltando ao processo de institucionalização interna do RIMC, cabe mencionar
outras inciativas tomadas pelo governo federal. A primeira delas foi a
elaboração de uma minuta de projeto de lei para instituir a Política Nacional de
Combate às Mudanças Climáticas, encaminhada ao Congresso Nacional em
junho de 2008. Após ter recebido emendas, com contribuições da sociedade
civil, tal projeto resultou na lei federal nº 12.187, aprovada em 29/12/2009, que
estabelece princípios, diretrizes e instrumentos para a política nacional de
mudança climática, além de formalizar as metas voluntárias apresentadas pelo
Brasil semanas antes na 15ª Conferência das Partes da CMC, em Copenhague
(cf. Infra). Porém, um dos mais importantes instrumentos desta política, o
Fundo Nacional de Mudança Climática, só foi regulamentado quase um ano
depois, via Decreto Federal 7343, publicado em outubro de 2010.
Outra iniciativa relevante do governo federal foi submeter a consulta pública,
em setembro de 2008, uma proposta preliminar de Plano Nacional de
Mudanças Climáticas (PNMC), preparada pelo Ministério do Meio Ambiente.
Baseada na identificação sumária de oportunidades de mitigação e adaptação,
o texto foi duramente criticado pelas entidades ambientalistas por não conter
metas quantitativas de redução de emissões. Pressionado, em comunicado
conjunto do presidente Lula e do Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o
governo anunciou uma versão diferente do PNMC, apresentada na 14ª COP,
em Poznam (Polônia), com a meta de reduzir progressivamente em 72% o
desmatamento na Amazônia (que corresponderia a cerca de 3/4 das emissões
de GEE do país) até 2017. Metas ainda mais abrangentes foram levadas
posteriormente à Conferência de Copenhague, no final de 2009, onde a
delegação brasileira apresentou proposta voluntária de redução nas projeções
de crescimento das emissões nacionais de gases de efeito estufa de 36,1% a
38,9% até 2020, tendo como base mudanças na agricultura, na matriz
energética, na siderurgia e, sobretudo, a redução nas taxas de desmatamento
da amazônia e do cerrado. Enfim, como vimos, o país aceitou estabelecer
metas de cortes de emissões através de “compromisso legalmente vinculante”
na Conferência de Durban no final do ano passado (2011).
Por outro lado, em movimento de desconcentração da política climática
nacional, o governo federal criou, através do Decreto nº 3515, de 20 de junho
de 2000, o Fórum Brasileiro de Mudança Climática (FBMC). Presidido pelo
Presidente da República, este fórum compõe-se de doze ministros de Estado,
juntamente com representantes do corpo técnico das pastas envolvidas; do
diretor-presidente da Agência Nacional de Águas; dos presidentes do BNDES,
da Petrobrás e da Eletrobrás; de dirigentes do Operador Nacional do Sistema
Elétrico, além de representantes de alguns segmentos da sociedade civil
(empresariado, ONGs, instituições de pesquisa) e personalidades com notório
conhecimento da matéria. De acordo com o decreto de criação do FBMC, este
amplo
colegiado
de
caráter
consultivo
teria
como
principal
objetivo
“conscientizar e mobilizar a sociedade para a discussão e tomada de posição
sobre os problemas decorrentes da mudança do clima por gases de efeito
estufa” (art. 1º), cabendo-lhe ainda promover projetos de MDL, bem como
auxiliar o governo federal a incorporar diretrizes de mitigação e adaptação às
mudanças climáticas no planejamento e gestão das políticas públicas setoriais.
Para além da esfera federal, diversas iniciativas têm sido tomadas pelos
governos subnacionais, com o apoio da sociedade, nas esferas estadual e
municipal. Diversos estados já criaram leis, planos e fóruns de mudança
climática, como Amazonas, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Piauí e São
Paulo. Medidas semelhantes foram tomadas por alguns governos municipais,
especialmente nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Portanto, podemos dizer que o processo de construção do RIMC, além de ter
se ramificado na esfera estatal, entre os diferentes níveis de governo, tem
estabelecido alianças estratégicas com o mercado e o chamado terceiro setor,
através de iniciativas as mais diversas, entre as quais se destacam políticas de
cooperação internacional descentralizada entre as grandes cidades (cf. Infra).
2. Urbanização e mudança climática: considerações gerais
Antes de abordar a cooperação internacional que vem sendo desenvolvida
entre as grandes cidades no campo examinado, e discutir suas limitações, é
preciso esclarecer as relações mais amplas que se estabelecem entre a
mudança climática global (MCG) e os diferentes aspectos da urbanização. O
caráter estratégico de um conhecimento mais aprofundado sobre a interação
entre esses dois processos foi plenamente reconhecido pelo IHDP, que
destacou a urbanização, pelos impactos que provoca e sofre na mudança
climática global, como objeto de um dos cinco programas centrais de pesquisa
desta organização científica multilateral, os denominados Core Science
Projects.6 De acordo com as diretrizes deste programa (IHDP, 2005), tais
relações devem ser analisadas em quatro planos interligados: 1º) o dos
processos urbanos que contribuem para a MCG; 2º) o dos impactos da MCG
sobre as cidades e a vulnerabilidade dos sistemas urbanos; 3º) o das respostas
desenvolvidas no âmbito das políticas urbanas de adaptação e de mitigação; e
finalmente, 4º) o do impacto provável de tais políticas nos rumos e efeitos da
“mudança ambiental global”.
Com relação ao primeiro plano, o IHDP (2005) considera que a urbanização,
enquanto fenômeno social e processo de transformação física da paisagem, do
uso e da ocupação do solo, “é uma das mais poderosas, irreversíveis e visíveis
forças antropogênicas sobre a Terra”. Além disso, observa que as cidades são
o principal cenário das transformações socioeconômicas ligadas aos processos
Criado em 1996, o International Human Dimensions Programme on Global
Environmental Change (IHDP), é um programa internacional de pesquisa
interdisciplinar coordenado pela UNESCO e apoiado por diversas entidades
científicas de vários países. Para maiores informações, cf. http://www.ihdp.org.
6
de globalização (p. 8). A importância do processo de urbanização se expressa
nos seguintes fatos: i) mais da metade da população do planeta vive em áreas
urbanas; ii) projeções demográficas indicam que mais de 90% do crescimento
populacional futuro se concentrará nas cidades, sobretudo nos países menos
desenvolvidos; e iii) estimativas do C40, grupo que reúne as 40 maiores
cidades do mundo para desenvolver ações cooperativas, visando enfrentar a
MCG (cf. Infra), sugerem que as cidades seriam responsáveis por cerca de
75% do consumo mundial de energia e também das emissões de GEE. 7
No que tange à vulnerabilidade das cidades, da infraestrutura e dos serviços
urbanos aos riscos da MCG, há vários aspectos envolvidos. Para além dos
aspectos técnicos, econômicos e sanitários mais evidentes da noção de
vulnerabilidade, é preciso também considerar aspectos sociais, culturais e
psicológicos que repercutem nas diferenças de resiliência e capacidade de
adaptação da população e dos agentes sociais (Hogan & Marandola Jr., 2006).
Assim, podemos distinguir a vulnerabilidade das pessoas, dos lugares, dos
serviços e da infraestrutura às consequências de eventos hidrometeorológicos
extremos (chuvas torrenciais, estiagem prolongada, ondas de calor, etc.), tais
como inundações, deslizamentos de terra, propagação de doenças associadas
às enchentes, rompimento de barragens, pontes e estradas, colapso no
abastecimento de água; ou ainda, a vulnerabilidade das cidades costeiras aos
riscos derivados da elevação do nível do mar.
Os demais planos mencionados, o das respostas e resultados buscados no
campo das políticas de mitigação e adaptação dos sistemas urbanos, são
abordados no próximo tópico, a partir de reflexões sobre o caso da Grande São
Paulo. Antes disso, cabem algumas considerações sobre a cooperação
internacional descentralizada que vem sendo desenvolvida entre cidades de
grande e médio porte para enfrentar o desafio das mudanças climáticas.
2.1.
A cooperação internacional das cidades na mudança climática
Articulando governos subnacionais de caráter local e regional, a cooperação
internacional descentralizada teve início na Europa, depois da 2ª Guerra
Mundial, juntamente com a reconstrução dos países devastados pelo conflito. A
partir dos anos 60, foi se expandindo dentro e fora do continente europeu,
7
Cf. website do grupo: http://www.c40cities.org .
especialmente em direção aos países menos desenvolvidos do hemisfério sul.
Pode-se dizer que, nos dias atuais, a cooperação descentralizada tornou-se
multiforme, com iniciativas abrangentes, reunindo coletividades territoriais do
mundo inteiro, articuladas em redes temáticas multilaterais, as quais se apoiam
em fundos comuns, além de convênios com diversas agências da ONU
(Vargas & Freitas, 2009). Cabe destacar, aqui, ao menos duas destas redes,
cuja atuação no enfrentamento da mudança climática tem tido repercussões
significativas no Brasil, particularmente na cidade de São Paulo.
Fundado em 1990, o International Council for Local Environmental Initiatives, o
ICLEI, “rebatizado” posteriormente como ICLEI Local Governments for
Sustainability, foi a primeira grande rede de cooperação descentralizada
articulando cidades do mundo inteiro em torno de questões ambientais.
Atualmente, conta com mais de mil membros, incluindo municípios e outras
coletividades territoriais subnacionais, além de associações de governos locais
e regionais, em todos os continentes. Onze cidades brasileiras são membros
do ICLEI, dentre as quais São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e
Goiânia, que participam de maneira variável na campanha “Cidades para a
Proteção do Clima”. Lançada pelo ICLEI em 1993, esta campanha incentiva as
cidades a adotarem políticas para atingir reduções nas suas respectivas
emissões de GEE, melhorando a qualidade do ar e do meio ambiente urbano. 8
Em 2003, a cidade de São Paulo aderiu a esta campanha, assumindo cinco
compromissos: 1) fazer um inventário das emissões de GEE do município; 2)
definir uma meta de redução destas emissões; 3) elaborar um plano de ação
para alcançar a meta; 4) implantar medidas previstas no plano; 5) criar um
sistema para monitorar o plano e avaliar seus resultados.
Também merece destaque a rede de cooperação que articula as maiores
cidades do mundo no grupo Large Cities Climate Leadership, também
denominado C40. Criado em outubro de 2005, durante encontro de prefeitos de
18 grandes metrópoles de diferentes países, realizado em Londres, o grupo
cresceu e obteve apoio da Clinton Climate Initiative, no ano seguinte.9
Informações obtidas na página do ICLEI na internet: http://www.iclei.org.
Trata-se de campanha lançada pela fundação do ex-presidente dos EUA, Bill
Clinton, que procura envolver governos e empresários de todo o mundo, apoiando
iniciativas voltadas para três objetivos estratégicos: i) promover o aumento da
eficiência energética nas cidades; ii) viabilizar o fornecimento em larga escala de
8
9
Atualmente, conta com 40 cidades participantes, entre as quais se destacam
São Paulo e Rio de Janeiro. Dentre os principais objetivos do C40, podemos
citar: i) criação e implementação de métodos comuns para medir as emissões
de GEE das cidades; ii) criação de uma rede de informações on-line, visando
difundir conhecimento científico e divulgar experiências de adaptação e
mitigação das cidades associadas; iii) cooperação técnica para desenvolver
programas de redução no consumo de energia e uso de energias renováveis;
iv) auxílio na montagem de projetos MDL e na captação de recursos noutros
mercados de créditos de carbono; v) aquisição compartilhada, a custos
reduzidos, de sistemas de sequestro de carbono; e vi) promoção de encontros
periódicos para fortalecer e associar novos membros à rede.
Cabe observar que o município de São Paulo faz parte da coordenação
executiva do C40, bem como da direção mundial do ICLEI, e vem adotando
políticas públicas que refletem efetivamente as diretrizes, os objetivos e os
compromissos assumidos pela cidade com a “proteção do clima mundial”
perante tais organizações. Assim, depois de um amplo processo de discussão
iniciado em 2007, com a participação de técnicos de todas as áreas da
administração municipal, bem como de especialistas do ICLEI e da FGV, a
prefeitura de São Paulo preparou projeto de lei que institui a política de
climática do município, encaminhado à Câmara Municipal no final do ano
seguinte. Depois de receber emendas e alterações, o projeto transformou-se
na lei nº 14.933, aprovada em 5 de junho de 2009, que institui a Política
Municipal de Mudança Climática de São Paulo, cuja meta principal é reduzir em
30% as emissões de GEE da cidade até 2012, tendo como referência o nível
de emissões apurado em 2003.
Resultando de um processo de inserção da cidade no debate mundial e
nacional sobre este tema, esta lei representa o coroamento de outras iniciativas
adotadas pelo município neste campo, como a criação do Comitê Municipal de
Mudanças Climáticas e Eco-Economia e a publicação do primeiro inventário de
emissões de GEE da cidade em meados de 2005 (Back, 2012). Contudo, resta
saber se a política municipal de mudança climática desenvolvida por São
Paulo, com o apoio de redes internacionais de cidades, é o melhor caminho
energia limpa; e iii) impedir o avanço do desmatamento.
para a formulação de políticas coerentes de adaptação e mitigação na escala
apropriada. Essa questão é aprofundada a seguir.
3. Política Metropolitana do Clima em São Paulo: o “elo perdido”.
Pode-se dizer que a inserção da cidade de São Paulo nas grandes redes de
cooperação descentralizada favoreceu a aprovação de uma lei com diretrizes
gerais e metas de redução de emissões bastante avançada. Entretanto,
verifica-se que as iniciativas previstas nesta lei (inspeção veicular, incentivos e
penalidades que favorecem o uso de tecnologia e energia limpa, nas áreas de
transporte e resíduos sólidos, entre outras) enfatizam muito mais as políticas
de mitigação do que as políticas de adaptação às mudanças climáticas.
Ora, nas áreas metropolitanas, as políticas de adaptação dependem
amplamente de medidas ancoradas no território, cuja adoção e implantação
envolvem articulação intersetorial e interurbana numa escala regional. Numa
metrópole como São Paulo, por exemplo, é inviável enfrentar os problemas
derivados de eventos hidrometeorológicos extremos (enchentes, inundações)
mediante intervenções localizadas no sistema de drenagem urbana da capital,
sem articulação com as cidades situadas a montante ou a jusante, no vale do
Tietê, muitas delas conurbadas (Silva & Porto, 2003). O mesmo pode ser dito
com relação ao abastecimento de água, face ao possível aumento na
freqüência de estiagens prolongadas, uma vez que a água potável distribuída
na Grande São Paulo já envolve o uso de mananciais e sistemas que
interligam diversas bacias hidrográficas numa escala meso-regional ou macrometropolitana. Portanto, a precariedade das iniciativas de adaptação previstas
na lei municipal de mudança climática expõe os limites da cooperação
internacional neste campo. Como ressaltado por Vargas e Freitas (2009):
“(...) por mais bem articuladas, concebidas e adequadamente planejadas que
sejam as políticas de enfrentamento da mudança climática desenvolvidas
através da cooperação multilateral entre as grandes cidades, tais políticas não
poderão jamais ser efetivamente bem sucedidas sem um alto grau de
cooperação interna, intermunicipal e federativa (...), devidamente articulada
nas escalas regional e metropolitana (p. 221).
Porém, a lei municipal de mudança climática de São Paulo não envolve
iniciativas de articulação regional com os municípios vizinhos, nem tampouco
com o Estado. Resta saber se a agenda climática estadual, discutida a seguir,
reserva espaço para uma política metropolitana do clima, que busque lidar com
a vulnerabilidade dos sistemas urbanos na escala apropriada.
3.1. A questão metropolitana na política estadual de mudança climática.
A questão da mudança climática está presente na agenda política paulista
desde meados de 1995, quando foi criado o Programa Estadual de Mudanças
Climáticas de São Paulo (PROCLIMA), mediante resolução da Secretaria de
Meio Ambiente, na gestão do secretário Fábio Feldmann, conhecido por sua
liderança no movimento ambientalista brasileiro. Coordenado pela CETESB, o
Proclima tem realizado cursos e seminários sobre o tema, bem como firmado
convênios e parcerias com entidades públicas e privadas para desenvolver
estudos, pesquisas e projetos voltados principalmente para a elaboração de
inventários e redução de emissões de GEE.10
Em 2005, o governo estadual instituiu o Fórum Paulista de Mudanças
Climáticas Globais e Biodiversidade, cujos principais objetivos são: i) participar
da formulação, implementação e avaliação da Política Estadual de Mudanças
Climáticas; ii) engajar o empresariado e a sociedade civil paulista em projetos e
políticas de mitigação de GEE, envolvendo captação e aplicação de recursos
do
MDL;
iii)
articular
secretarias
estaduais,
autoridades
federais,
representantes da sociedade civil e personalidades ligadas ao tema, sob a
presidência do governador, para subsidiar a formulação de políticas de
mitigação e adaptação às mudanças climáticas de âmbito estadual.
Como previsto, o fórum participou do processo de elaboração do anteprojeto de
lei voltado para criação da política climática estadual, coordenado pela
CETESB/Proclima. Depois de passar por consulta pública, o anteprojeto foi
submetido à Assembleia Legislativa, onde foi debatido e alterado, resultando
na lei nº 13.798, promulgada em 9 de novembro de 2009, que institui a Política
Estadual de Mudança Climática (PEMC) de São Paulo, com a meta de redução
de 20% das emissões estaduais de GEE até 2020. Para tanto, além de
princípios e diretrizes, a lei estabelece diversos instrumentos, estratégias e
medidas de mitigação e adaptação, que envolvem articulação entre diferentes
10
Há parcerias e convênios com a Petrobrás, o ICLEI, o Instituto Mauá e o Ministério das
Relações Exteriores do Reino Unido, entre outros. Informações detalhadas sobre o assunto
podem
ser
encontradas
na
página
da
CETESB/Proclima
na
internet:
http://www.cetesb.sp.gov.br/mudancas-climaticas/proclima (consultada em junho de 2012).
setores das políticas públicas e da economia estadual, cabendo destacar: i)
incentivos fiscais e financeiros à redução de emissões nas áreas de construção
civil (obras públicas), transportes, conservação de matas e florestas, pesquisa
e inovação tecnológica; ii) elaboração de Plano Participativo de Adaptação aos
Efeitos das Mudanças Climáticas e de Plano Estratégico para Ações
Emergenciais, à cargo da Defesa Civil estadual; iii) elaboração e divulgação
quinquenal da Comunicação Estadual sobre a política paulista de proteção ao
clima, contendo o Inventário de Emissões Antrópicas de GEE do Estado
(atualizado e elaborado a partir de metodologia reconhecida pelo IPCC), bem
como mapeamento de áreas de vulnerabilidade e referências a planos de ação
com medidas específicas de prevenção, mitigação e adaptação (artigo 7º).
11
Além das medidas mencionadas acima, a lei 13.798/09 prevê estratégias de
articulação da política de mudança climática com as políticas estaduais de
energia, transportes, meio ambiente e recursos hídricos, entre outras, na
elaboração de planos e na aplicação de fundos setoriais específicos. Porém,
embora a lei procure estabelecer diretrizes de planejamento do uso e da
ocupação do solo no território paulista compatíveis com o enfrentamento das
mudanças climáticas, a questão metropolitana, crucial neste aspecto, não
recebe tratamento adequado em seu texto. É mencionada, sumária e
genericamente, como devendo ser considerada nas diretrizes gerais da PEMC
e nos programas de avaliação ambiental estratégica, enfatizando os aspectos
relacionados ao setor de transportes.12
Contudo, a questão metropolitana também foi parcialmente contemplada no
Conselho Estadual de Mudanças Climáticas. Previsto na lei examinada como
um colegiado de caráter consultivo e composição tripartite, com representantes
do Estado, dos municípios e da sociedade civil, esse conselho veio a ser
criado, em junho de 2010, pelo Decreto nº 55.447, que regulamenta a PEMC.
Conforme estabelecido neste decreto, o Conselho, presidido pelo governador,
é composto paritariamente por 42 membros titulares (e respectivos suplentes),
11
Algumas destas medidas já foram ou estão sendo implementadas. A Comunicação e o
Inventário das Emissões estaduais foram publicados em 2010, com estimativas de 1990 a
2008. Foi adotado o ano de 2005 como referência para a meta de cortar 20% das emissões até
2020. E o Plano Participativo de Adaptação já conta com um esboço que está em processo de
consulta pública.
12
O termo metropolitano (ou metropolitana) aparece somente quatro vezes no texto da lei
13.789, nos artigos 6º, 7º e 16º.
sendo 14 representantes de cada segmento. Os representantes do Estado são
fixos, pois, além do governador, envolvem os titulares das dez secretarias
estaduais mais relacionadas à agenda climática, os diretores-presidentes da
CETESB e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), e o procurador geral
do Estado.13 A representação dos municípios, por sua vez, foi estruturada da
seguinte maneira: os prefeitos dos municípios sede das regiões metropolitanas
de São Paulo, Campinas e Baixada Santista (Santos) têm “cadeira cativa”
neste colegiado; os demais onze representantes deste segmento serão
prefeitos, eleitos entre os pares, no âmbito dos comitês de bacias hidrográficas
do sistema estadual de recursos hídricos, agrupados dois a dois. 14 Quanto à
representação da sociedade civil neste Conselho, o arranjo adotado procurou
equilibrar diferentes visões e os principais interesses envolvidos na matéria,
fixando representantes de entidades chave, como as federações da Indústria
(FIESP), da Agricultura (FAESP) e do Comércio (FECOMERCIO) do Estado de
São Paulo, a FAPESP e as universidades estaduais paulistas, entre outras.
Ora, a fixação dos prefeitos dos municípios sede das principais regiões
metropolitanas do Estado de São Paulo no Conselho Estadual de Mudanças
Climáticas favorece o desenvolvimento de políticas supramunicipais de
adaptação e mitigação na escala apropriada para tais metrópoles, nas quais os
municípios envolvidos já se encontram parcialmente articulados entre si e com
o governo estadual na gestão do território. Os três prefeitos, agindo
conjuntamente como representantes das respectivas regiões metropolitanas,
com apoio dos municípios e organismos regionais envolvidos (fundos de
desenvolvimento, conselhos e agências de cada metrópole) têm condições de
desenvolver e aprofundar a PEMC na direção de uma descentralização
regionalizada, baseada em estruturas de “governança territorial” adaptadas às
especificidades das metrópoles15. Por outro lado, a articulação do Conselho e
da Política Estadual de Mudança Climática com o Sistema Estadual de Gestão
13
Tratam-se das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Transportes,
Transportes Metropolitanos, Agricultura e Abastecimento, Saúde, Fazenda, Economia e
Planejamento, Saneamento e Energia, Cultura, e Educação. Os secretários das duas últimas
pastas não têm status permanente, revezando-se nas reuniões do Conselho (art. 12). E cabe à
Secretaria de Meio Ambiente a vice-presidência e a função de Secretaria Executiva do
Conselho (art. 10).
14
O sistema paulista de gestão integrada dos recursos hídricos é composto por 22 comitês de
bacia hidrográfica, cobrindo as diferentes unidades hidrográficas do território estadual, além de
um colegiado central, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
15
Para uma visão mais aprofundada sobre a noção de governança territorial, ver Pires (2011).
dos Recursos Hídricos, tal como previsto em diversos artigos da lei 13.789/09,
foi extremamente oportuna, uma vez que os principais problemas de adaptação
às mudanças climáticas estão relacionados com a água (Vargas, 2011)
Contudo, o desenho institucional estabelecido na legislação da Política
Estadual de Mudança Climática de São Paulo, parcialmente favorável à
formulação de uma política metropolitana do clima nas principais aglomerações
urbanas do Estado, não garante a mobilização política e social necessária para
a formulação e implementação de políticas de adaptação e mitigação nesta
escala territorial. Foi o que se constatou em breve pesquisa de campo,
realizada em fevereiro de 2011, na Região Metropolitana da Baixada Santista,
focalizada na percepção dos atores regionais sobre a vulnerabilidade dos
sistemas de recursos hídricos e saneamento às mudanças climáticas,
conforme se discute a seguir, após uma descrição sumária da região.
3.2. Política climática na Baixada Santista: ecos de uma agenda ausente.
Formada por nove municípios, − Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém,
Peruíbe, Praia Grande, Mongaguá, Santos e São Vicente − a Região
Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), oficialmente criada pela lei
estadual complementar nº 815, aprovada em meados de 1996. Abriga hoje
mais de 1,6 milhão de habitantes, numa área de 2.373km 2, que se estende ao
longo da zona central do litoral paulista (CBH-BS, 2009).
Trata-se de uma região economicamente dinâmica, altamente industrializada e
urbanizada que, no entanto, apresenta fortes disparidades socioeconômicas
entre os municípios que a compõem.
Interno
Bruto
da
ordem
de
16
18,5
A RMBS, que ostenta hoje um Produto
bilhões
de
reais,
desenvolveu-se
historicamente em torno da atividade portuária de Santos e da instalação de
um forte parque industrial em Cubatão, concentrado na produção de bens
intermediários nos setores de petroquímica e metalurgia. Santos não é apenas
a capital administrativa, mas também a capital econômica da região. Além de
16
O PIB per capita de Santos, que atingiu quase 59 mil reais em 2008, é cerca de oito vezes
superior ao de São Vicente, o menor da região. Tais desigualdades também se refletem no
plano social: enquanto o IDHM de Santos (índice de desenvolvimento humano municipal,
calculado pela Fundação SEADE) é o terceiro maior do Estado de São Paulo, as demais
cidades da Baixada ocupam posições muito inferiores no ranking deste indicador, variando da
179ª (São Vicente) à 378ª (Cubatão) posição. Fontes: SEADE, apud CBH-BS (2007 e 2008).
sediar as instituições metropolitanas descritas adiante, é também a cidade mais
populosa da Baixada, seguida de São Vicente, Guarujá e Praia Grande. 17
Embora já apresentasse alguns problemas típicos de uma aglomeração
metropolitana no início dos anos 80 do século passado, tais como
especialização funcional, polarização centro-periferia e migração pendular
entre os municípios que a compõem, reclamando ações supramunicipais para
solucionar problemas na oferta de infraestrutura, especialmente nos setores de
transporte e saneamento, a região metropolitana da Baixada Santista só foi
criada oficialmente em 30 de julho de 1996, através da lei complementar
estadual nº 815. Para operacionalizar a governança metropolitana da região,
foram criados e regulamentados sucessivamente um Conselho (CONDESB),
um Fundo e uma Agência de Desenvolvimento da Baixada Santista (AGEM).
Esta foi criada pela lei complementar nº 853, de dezembro de 1998, como uma
entidade autárquica vinculada à Secretaria Estadual de Economia e
Planejamento, com a finalidade integrar a organização, o planejamento e a
execução das funções públicas de interesse comum da metrópole.
Além das instituições metropolitanas mencionadas acima, a Baixada Santista
também conta com uma organização voltada para garantir os usos múltiplos
dos recursos hídricos regionais de maneira sustentável, o Comitê da Bacia
Hidrográfica da Baixada Santista (CBH-BS). Criado em obediência à lei
nº7663/91, que estabelece a Política Estadual de Recursos Hídricos de São
Paulo, trata-se de um colegiado normativo e deliberativo, composto
paritariamente por representantes do Estado, dos municípios e da sociedade
civil da região, cujas principais atribuições legais são aprovar Planos de Bacia e
Relatórios de Situação dos Recursos Hídricos para a Baixada, deliberando
sobre a aplicação dos recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos
(FEHIDRO) destinados à região. 18 Desde que foi instalado em dezembro de
17
Porém, de acordo com dados do Censo 2010, o crescimento demográfico de Santos, que
atingiu 420 mil habitantes, praticamente estagnou na década passada, quando a população da
capital da RMBS cresceu menos de 0,5%, contra 9,5% de São Vicente e 34,7% de Praia
Grande, a cidade que teve a maior expansão populacional da região.
18
Seguindo diretrizes do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, os Planos de Bacia, de
âmbito regional e horizonte quadrienal, devem ser consolidados em um Plano Estadual de
Recursos Hídricos, a ser aprovado por lei. Os Relatórios de Situação, por sua vez, deveriam
ser publicados anualmente, representando um instrumento de avaliação da implementação dos
Planos de Bacia. Quanto ao FEHIDRO, trata-se de um fundo cujas principais fontes de
recursos são os royalties provenientes de hidrelétricas recebidos pelo Estado e a cobrança pelo
uso da água, de implantação ainda incipiente e limitada no âmbito estadual.
1995, o CBH-BS aprovou dois Planos de Bacia (2000-2003 e 2008-2011) e
dois relatórios de situação (Relatório Zero, 1999 e Relatório 1, 2006).
Atualmente, desenvolve estudos para implantar a cobrança pelo uso da água
na região, além de uma agência de bacia com funções executivas.
A bacia hidrográfica da Baixada Santista caracteriza-se por alta pluviosidade,
com uma precipitação média anual de 2.670mm, que não se distribui
linearmente no espaço regional, nem tampouco entre os doze meses do ano
(CBH-BS,
2009).
É
bastante
alta
de
novembro
a
janeiro,
caindo
consideravelmente de junho a agosto. As áreas urbanas dos nove municípios
são assoladas por alta vulnerabilidade a enchentes, devido a chuvas
convectivas e orográficas persistentes e chuvas de intensidade moderada com
duração prolongada, combinadas com o efeito das marés (idem).
As características gerais da Baixada Santista, descritas no item anterior,
indicam que a região é vulnerável a algumas das principais tendências
esperadas da mudança climática global, especialmente aos riscos relacionados
à água. Entre estes, Entre estes, cabe mencionar, primeiramente, o
agravamento de inundações, processos erosivos e deslizamentos de terras,
associados às previsões de maior frequência e intensidade dos eventos
hidrometeorológicos extremos (tempestades, chuvas torrenciais), assim como à
elevação do nível do mar, dificultando o escoamento das águas pluviais nas
áreas mais baixas; em segundo lugar, o provável aumento nos episódios de
interrupção temporária, ou mesmo duradoura, no abastecimento de água, bem
como na coleta e no tratamento de esgotos, decorrentes de grandes enchentes
urbanas, estiagem prolongada, ondas de calor ou dificuldades mais amplas de
planejamento e adaptação dos sistemas face às incertezas da maior
variabilidade climática esperada, com possíveis mudanças no regime
hidrológico dos rios.
Em breve pesquisa de campo realizada na RMBS em fevereiro de 2011,
buscou-se analisar como e até que ponto os riscos acima estão sendo
percebidos e enfrentados na região pelos poderes públicos direta ou
indiretamente envolvidos. A pesquisa limitou-se ao levantamento e análise de
dados, informações e documentação do comitê de bacias e da agência
metropolitana da Baixada Santista, além da realização de entrevistas com
representantes destes órgãos e da Defesa civil do município de Santos.
Verificou-se que, a despeito de existirem estudos abrangentes sobre áreas
críticas sujeitas a riscos de inundação, deslizamento e erosão desenvolvidos
por iniciativa da AGEM para o conjunto da região metropolitana, tais estudos
não trazem qualquer referência à questão das mudanças climáticas. Refiro-me
ao Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Áreas Críticas a
Inundações, Erosões e Deslizamentos (PRIMAC), concluído em 2002, bem
como ao Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Habitações
Desconformes (PRIMAHD), encerrado três anos depois. Ora, das 323 áreas
críticas identificadas pelo PRIMAC na região, 79% concernem riscos
deinundação. Por outro lado, como notaram Carmo e Silva (2009), as obras de
drenagem eram responsáveis por mais de 50% dos recursos solicitados ao
FEHIDRO no âmbito Comitê de Bacia da Baixada Santista. No entanto,
observa-se que estas questões não vêm sendo tratadas na escala
metropolitana, mas antes através de soluções isoladas, sem articulação
regional. Afora a contratação dos estudos mencionados, cuja divulgação foi
precária e insuficiente,19 para não mencionar a implantação das obras
projetadas, a AGEM não tomou qualquer outra iniciativa para intervir no
planejamento da macrodrenagem da metrópole.
O mesmo se repete, por outro lado, quando se verifica a atuação do comitê da
bacia hidrográfica neste campo. Assim, de acordo com informações contidas
no último Plano de Bacia da Baixada Santista, cobrindo o período 2008-2011
(CBH-BS, 2009), dos nove municípios da região, apenas São Vicente, Praia
Grande e
Guarujá têm planos de macrodrenagem em curso, com
financiamento do FEHIDRO; Itanhaém e Bertioga têm projetos submetidos em
fase de avaliação. No Plano de Bacia, cuja formulação foi coordenada pelo
Comitê, não constam informações sobre planos regionais ou metropolitanos de
drenagem, que busquem integrar as obras, medidas e ações numa escala
supramunicipal. Ora, ainda que a drenagem urbana seja considerada uma
atribuição típica das prefeituras municipais, nas áreas metropolitanas a
19
Conforme opinião dos dois técnicos da Defesa Civil de Santos entrevistados na pesquisa,
que demonstraram desconhecimento de ambos estudos, embora os relatórios estejam
disponíveis para download na página da AGEM na internet (.http://www.agem.sp.gov.br).
macrodrenagem
poderia
ser
alvo
de
projetos
e
políticas
regionais
economicamente viáveis; as obras seriam deliberadas no âmbito do comitê de
bacia e coordenadas pelo DAEE, cujas atribuições legais dizem respeito à
gestão da disponibilidade quantitativa dos recursos hídricos (outorga de direitos
de uso, construção de reservatórios para controle de cheias, etc.). 20
Contudo, o fenômeno da mudança climática não é mencionado sequer uma
única vez nos Planos de Bacia ou nos Relatórios de Situação coordenados
pelo CBH-BS, mesmo que um dos Programas de Duração Continuada do
Plano Estadual de Recursos Hídricos incluídos nos Planos de Bacia da
Baixada Santista seja o “Programa de Prevenção e Defesa contra Eventos
Hidrológicos Extremos”. Assim, não surpreende que o secretário executivo
deste comitê tenha respondido de maneira tão direta ou evasiva nossas
indagações sobre o tema, durante a mencionada entrevista. Questionado a
respeito da percepção deste colegiado sobre os riscos ou impactos da
mudança
climática
na
disponibilidade
dos
recursos
hídricos
ou
na
macrodrenagem da bacia hidrográfica, respondeu singelamente: “no comitê, a
gente não trata muito da questão climática; o problema aqui é água mesmo.”
Ora, a pesquisa de campo realizada na RMBS em fevereiro de 2011, mais de
um ano depois da aprovação da lei da PEMC e seis meses após a publicação
do decreto que a regulamenta, demonstrou que a questão climática ainda não
entrou na agenda política das instituições metropolitanas da região, embora os
agentes da defesa civil de Santos tenham manifestado alguma preocupação
com o enfrentamento da mesma na escala regional. Veremos a seguir que, além
das dificuldades próprias ao tema, a formulação de uma política metropolitana do
clima enfrenta dilemas gerais inerentes ao federalismo brasileiro.
Considerações Finais
Nas áreas conurbadas e regiões metropolitanas, há problemas comuns entre
os municípios que transcendem suas respectivas capacidades de gestão e
regulação. Por esse motivo, há necessidade de coordenação e cooperação dos
municípios entre si, bem como com o Estado, ou mesmo a União, no
20
Trata-se do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo, autarquia
que tem atuação destacada no Sistema Estadual de Gestão Integrada de Recursos Hídricos,
ocupando a secretaria executiva dos principais comitês de bacia hidrográfica do Estado,
incluindo o CBH-BS.
planejamento e gestão de políticas públicas de escopo regional nas áreas de
recursos hídricos, saneamento básico (abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas
pluviais), meio ambiente, habitação, transporte, desenvolvimento urbano e
ordenamento territorial, entre outras. Trata-se de áreas que possuem ampla
interface com políticas de mitigação das causas e adaptação aos efeitos da
mudança climática (Martins & Ferreira, 2011), que se beneficiariam
enormemente de planejamento e ações coordenadas na escala metropolitana.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados a competência de instituir,
mediante lei complementar, “Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e
Microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum” (art.25, §3º). No entanto, a Constituição não define ou
fornece elementos que esclareçam quais são as funções públicas de interesse
comum, e a que esfera de governo cabe administrá-las (Arretche, 2010). Por
outro lado, contrapondo-se à centralização administrativa do regime militar, a
Constituição criou uma federação peculiar, que confere ampla autonomia
política e administrativa aos municípios, a despeito das enormes disparidades
de população, arrecadação e disponibilidade de recursos humanos que se
observam entre eles. Tais condições dificultam a institucionalização de
instrumentos eficazes de gestão metropolitana, pois implicam altos custos de
transação dos municípios entre si e com o governo estadual (Machado, 2009).
Neste quadro, para que uma política metropolitana do clima venha a ser
formulada e implementada no Estado de São Paulo, será preciso que as
prefeituras das cidades sede das metrópoles paulistas se articulem entre si e
assumam uma liderança proativa na mobilização das organizações regionais
de que fazem parte, e das demais cidades envolvidas, para incluir a questão
metropolitana na agenda da política climática estadual.
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