DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2000n2p9 BRASIL NOS ANOS NOVENTA: OPÇÕES ESTRATÉGICAS E DINÂMICA REGIONAL TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO R E S U M O O texto reproduz, no essencial, as idéias apresentadas em mesa-redonda do 8º Encontro Nacional da ANPUR, realizado em Porto Alegre, em 1999. Após um breve exame das principais características e tendências do ambiente mundial e brasileiro neste final de século, em especial a partir dos anos 70, examina-se os impactos dessas tendências na dinâmica regional no Brasil, nos anos recentes. A seguir, identificam-se as escolhas estratégicas feitas pelas forças sociais e econômicas que dominam o cenário político do País, as políticas principais que as implementam, nos anos 90, e busca-se especular sobre os prováveis impactos na dinâmica regional brasileira. Argumentos são, então, apresentados sobre duas hipóteses principais: a do estancamento da tendência à desconcentração, que dominou dos anos 70 até meados dos 80, e a tendência à fragmentação do País. Ao final, identificam-se algumas contratendências e destaca-se a importância de o Governo Federal definir e implementar uma política nacional de desenvolvimento regional. P A L A V R A S - C H A V E Desenvolvimento regional; globalização e dinâmica regional; Nordeste brasileiro. TENDÊNCIAS GERAIS DO AMBIENTE MUNDIAL E BRASILEIRO AMBIENTE MUNDIAL Nos anos mais recentes, ocorrem, no mundo, mudanças de grande profundidade. As décadas finais do século XX vão ser marcadas por, pelo menos, três grandes movimentos, que afetam profundamente a dinâmica e a forma de funcionamento da economia mundial, e por outros movimentos relevantes, que operam na esfera político-institucional. O primeiro é o da globalização, movimento resultante da intensificação do secular processo de internacionalização dos mercados, dos principais fluxos econômicos e da atuação dos principais agentes econômicos. Estes agentes — os conglomerados transnacionais — consolidam suas estratégias de atuação e têm presença cada vez mais difundida no espaço econômico terrestre. Internacionaliza-se, também e crescentemente, o capitalismo, impondo-se como o modo de produção hegemônico em cada vez mais numerosas formações econômico-sociais. Quando se fala em globalização, está-se querendo ressaltar a maturidade de uma tendência antiga, que vai superpondo à internacionalização do capital e dos fluxos mercantis a internacionalização produtiva e, especialmente, a financeira. O certo é que neste final de século XX, como bem define François Chesnais, vive-se uma “etapa avançada e específica do movimento de internacionalização” (1997). R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 9 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A O segundo é o movimento de crise do regime de acumulação anterior, com a crescente dificuldade encontrada pelos agentes econômicos para gerarem riqueza e se reproduzirem, de forma ampliada, na esfera produtiva da economia mundial. Ao mesmo tempo, verifica-se a consolidação de uma importante reestruturação produtiva, no meio da qual se processa uma nova revolução tecnológica — a revolução da microeletrônica. Quando se fala em reestruturação produtiva, está-se querendo referir ao conjunto de importantes transformações, também em curso, que definem um novo “padrão produtivo”. São mudanças das quais emergem novos setores dinâmicos na economia mundial (informática, telecomunicações, robótica, produção de novos materiais, entre outros); mudanças no como se produz e que resultam, sobretudo, da revolução científico-tecnológica produzida pela crescente hegemonia do paradigma microeletrônico, que quebra a cadeia fordista e cria as condições para a produção flexível; mudanças nas formas de organizar e gerir a produção, organizar os meios que a geram e os homens que a realizam; mudanças nas formas de organizar os mercados, com a tendência à formação de grandes blocos econômicos, entre outras. O terceiro é o processo, cada vez mais intenso, de financeirização da riqueza, ou seja, da crescente possibilidade exercitada pelos agentes econômicos — sobretudo os maiores —, de ampliar seu patrimônio, de valorizar seu capital na esfera financeira da economia. Quando se fala em financeirização da riqueza, está-se querendo ressaltar a fantástica possibilidade atual de criar riqueza, ampliar patrimônio, acumular capitais na esfera financeira, operando no mercado cambial, nas bolsas de valores, no mercado de títulos públicos, no mercado de derivativos, entre outros. É um movimento que marca a fase de hegemonia da acumulação rentista em que a economia mundial mergulha, sobretudo após os anos 70. É um movimento importante para se entender muito do que se passa no Brasil contemporâneo. Uma das causas mais relevantes da exacerbação do rentismo e da hegemonia da financeirização da riqueza em escala mundial foi a decisão política dos EUA de romperem, em 1979, com as recomendações do FMI. O senhor Volker, então presidente do Federal Reserve (FED), retirou-se ostensivamente de uma reunião do Fundo e comunicou ao mundo que seu país não permitiria que o dólar continuasse a ser desvalorizado. Em seguida, subiu violentamente a prime rate para assegurar que o dólar manteria sua condição de padrão internacional. Buscava restaurar a hegemonia da moeda americana, mesmo que o preço dessa decisão fosse alto. E foi, como destaca Maria da Conceição Tavares (1997). Essa “diplomacia do dólar”, como a chama a economista citada, sustentada por uma taxa de juros astronômica (a prime rate pula de cerca de 8% para mais de 21% em pouco tempo), impôs, de início, uma recessão importante aos EUA e ao mundo. Essa decisão fez, também, muitos países “quebrarem” (os que se haviam endividado na fase anterior), como a Polônia, o México, a Argentina, o Brasil, entre outros. Não é à toa que no início dos anos 80 mergulhamos na “crise da dívida”, cujas conseqüências ainda amargamos. Crise que se firma com o “choque dos juros”, como se verá adiante. No país de Mr. Volker, um monumental déficit fiscal (que, em 1985, já atingia a gigantesca cifra de US$ 1,6 trilhão, ou seja, 80% da circulação monetária total no mercado interbancário mundial da época) fez da dívida pública dos EUA um poderoso instrumento de captação do capital financeiro dos principais rentistas mundiais. O preço dessa estratégia, vitoriosa para os EUA — que vão virar o século com forte dinamismo de 10 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O sua base produtiva, com taxas de desemprego muito baixas, para os atuais patamares internacionais, e com uma hegemonia política evidente —, tem sido a submissão dos demais países à “diplomacia do dólar”. Houve resistências, é claro, cada um tentando à sua maneira e com as armas de que dispunha. Mas o que se verifica é uma gradual e crescente submissão de outras economias ao rentismo. Essa é a tendência mais visível, neste final de século. Sua manifestação mais aparente está na “crescente defasagem, por prazos longos, entre os valores dos papéis representativos da riqueza — moedas conversíveis internacionalmente e ativos financeiros em geral — e os valores dos bens e serviços e bases técnico-produtivas em que se funda a reprodução da vida e da sociedade”, como define José Carlos Braga (1997). Esse autor ressalta que “a financeirização estabelece contornos paradoxais e perversos à dinâmica sistêmica. Os constrangimentos ao produtivismo, neste padrão de geração de riqueza, problematizam o desenvolvimento das bases produtivas”. Limitam, assim, o crescimento na esfera produtiva. Geram “disparidades crescentes de renda, de riqueza, de sociabilidade (compreendidas como acesso ao emprego, à expansão vital e cultural, à convivência democrática e civilizada)”. Embora concomitantes e dominantes, os três movimentos, antes referidos, põem em destaque elementos diferenciados do ambiente econômico contemporâneo. Por sua vez, na dimensão político-institucional, outros movimentos merecem referência. De um lado, o avanço de uma onda liberal, batizada de neoliberal para adequar-se às contingências da contemporaneidade; de outro, a inusitada hegemonia dos Estados Unidos no ambiente que emerge do Pós-Guerra Fria, especialmente após a Queda do Muro de Berlim, no final dos anos 80. O certo é que, com esses movimentos, o ambiente mundial se vê marcado por fatos e tendências que se apresentam cada vez mais hegemônicos e que estendem crescentemente sua influência. Dentre esses “fatos hegemônicos”, destacam-se: • a crescente competição imposta pelos “atores globais”, que aproximam os espaços econômicos uns dos outros, difundem seu padrão de competitividade na economia mundial e ameaçam atores e atividades menos competitivos em locais mais distantes e cada vez mais numerosos; • a facilidade com que tendem a circular tanto as mercadorias tradicionais como as novas (como a informação) no espaço econômico mundial. Isso acelera o dinamismo do comércio, especialmente porque a revolução das comunicações redefine as acessibilidades (o espaço das redes informatizadas promove conexões, em tempo real, que sobrepassam os “atritos” do espaço tradicional) e porque os custos dos transportes declinam a olhos vistos, facilitando a globalização dos mercados; • a crescente presença da “produção flexível”, viabilizada pelas tecnologias modernas — pela qual a produtividade cresce enormemente, enquanto se redefine o perfil da demanda pelo trabalho humano, requerendo-se menos mão-de-obra (o que amplia o desemprego), trabalhadores mais qualificados e mais aptos ao trabalho em grupo — e ao desempenho da polivalência, trabalhadores que têm de inserir-se na produção por meio de relações instáveis e precárias; • a redefinição das relações entre os produtores e seus fornecedores e entre os produtores e seus clientes; • a crescente difusão dos padrões dos agentes econômicos e dos países mais fortes, levando a uma cada vez mais nítida “homogeneização” de padrões de produção, de gestão, de competição e até de consumo, nos espaços econômicos mais diversos; R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 11 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A • a pressão pela implementação de políticas de corte liberalizante, em especial as de desestatização e de desregulamentação (pela qual se reduzem os “entraves” à globalização, com a crescente flexibilização de regras e normas das economias nacionais). Por sua vez, a crise financeira de Estados Nacionais e a conseqüente dificuldade de manterem ou ampliarem as políticas públicas, em especial as de proteção social, tem marcado fortemente o ambiente econômico mundial contemporâneo. O AMBIENTE BRASILEIRO Enquanto os anos 70 marcam a entrada no atual “ciclo de baixa” da dinâmica econômica mundial, no Brasil, a crise é mais recente. O governo Geisel, nos anos 70, com um ousado programa de investimentos públicos, financiado, em grande parte, com o endividamento externo, conseguiu manter a economia do País crescendo a uma taxa média anual excepcional (cerca de 7%). Megaprojetos, como a hidrelétrica de Itaipu, o Grande Carajás, entre muitos outros, estimularam a produção no setor privado e promoveram uma “fuga para a frente” em meio à crise mundial. Assim, o Brasil chega ao final da década de 70 como a oitava maior e mais diversificada base industrial do mundo. Para completar o longo ciclo expansivo que vivia desde os anos 50, o Estado desenvolvimentista brasileiro foi levado a atuar até a exaustão, no período pós-primeiro choque do petróleo. A crise brasileira instala-se nos anos 80, quando o “choque dos juros” atinge de frente o Estado brasileiro, patrocinador principal do “crescimento em meio à crise”, promovido nos anos 70. A dívida externa havia mais do que quadruplicado, passando dos US$ 12 bi para US$ 54 bi, no período Geisel, e seu principal tomador — o setor público — é que vai receber o impacto principal do “choque dos juros”. Os encargos dessa dívida explodem e instala-se a crise financeira do setor público brasileiro. Crise, aliás, que só tendeu a se agravar, na década seguinte. Um de seus principais efeitos é que a sociedade brasileira, acostumada a conviver com um Estado desenvolvimentista e superavitário, patrocinador do avanço das forças produtivas, da construção do Brasil Potência, como o definiram os governos militares, passa a conviver com um Estado deficitário, em crise financeira agônica, refém de seus credores poderosos (internos e externos). Enquanto resistia a entrar na crise, a aprofundar sua inserção na globalização que avançava mundo afora, a render-se à financeirização, o Brasil viveu uma fase importante na sua dinâmica regional. Estudos diversos, como o de Leonardo Guimarães Neto, constatam que, nos anos 70, os megaprojetos públicos, implantados em várias regiões do País, fortaleciam uma tendência importante: interromper a forte concentração de investimentos, e, portanto, do dinamismo econômico, na região Sudeste (Guimarães Neto, 1995); tendência à concentração que se vinha consolidando desde o início do século XX, quando a industrialização se acelera a partir daquela região, exacerbando diferenciações e desigualdades inter-regionais. À medida que o Sudeste passava a comandar a acumulação de capitais em escala nacional, ia-se soldando o mercado interno brasileiro, com o aumento da concentração de riqueza e renda naquela região. Com 11% do território brasileiro, o Sudeste respondia, em 1970, por 81% da atividade industrial do País, e São Paulo, sozinho, gerava 58% da produção da indústria existente. Vários elementos, porém, entre os quais as políticas regionais compensatórias do governo federal — ampliadas desde o governo de Juscelino Kubitscheck — e a política de 12 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O investimento das grandes estatais (Telebrás, Eletrobrás, Petrobrás, Vale do Rio Doce, entre outras) impulsionavam uma “modesta desconcentração regional” ao estimularem a ampliação de bases produtivas fora do foco dinâmico do Sudeste. Esse movimento que se iniciara via ocupação da fronteira agropecuária, primeiro no sentido do Sul e depois na direção do Centro-Oeste, Norte e parte oeste do Nordeste, a partir dos anos 70 se estende à indústria. À medida que o mercado nacional se integrava, a indústria buscava novas localizações, desenvolvendo-se em várias das regiões menos desenvolvidas do País, especialmente nas suas áreas metropolitanas. Em 1990, o Sudeste caiu para 69% seu peso na indústria do Brasil e São Paulo recuou sua importância relativa para 49%, enquanto o Nordeste passava de 5,7% para 8,4% seu peso na produção industrial brasileira, entre 1970 e 1990. O fato é que, embora a produção do País ainda apresentasse um padrão de localização fortemente concentrado, em 1990 a concentração era menor que nos anos 70. Entre 1970 e 1990, o Sudeste cai de 65% para 60% seu peso no PIB brasileiro, enquanto o Sul permanece estável, respondendo por cerca de 17% da produção nacional. Mas o Nordeste, Norte e Centro-Oeste ganham importância relativa (essas três regiões, juntas, passam de 18% para 23% sua participação no PIB do Brasil). Ao mesmo tempo que constatam a tendência a desconcentrar a dinâmica econômica no espaço territorial do País nas últimas décadas, vários estudos enfatizam a crescente diferenciação interna ocorrida nas diversas macrorregiões brasileiras. A entrada na crise, no início dos anos 80, portanto, não havia interrompido, de imediato, esse movimento desconcentrador, tanto porque atinge, de saída, os segmentos industriais mais fortemente concentrados no Sudeste (indústrias de bens de capital e de consumo durável), como porque, nas demais regiões, ainda maturavam os megainvestimentos iniciados nos anos 70. Mas a crise estende-se ao longo das décadas de 1980 e 1990, e mudanças relevantes vão sendo realizadas. Com mais clareza, essas mudanças se fazem nos anos 90, como se verá a seguir. ESCOLHAS ESTRATÉGICAS DOS ANOS 90 Nos anos 80, a crise vai ser enfrentada por uma política de ajuste influenciada pela ida do País ao FMI, no início dessa década, após a moratória decretada pelo México. Desacelera-se a demanda interna, promovem-se as exportações e seguem-se superávits crescentes na balança comercial — de onde provêm os dólares necessários para remunerar os credores externos. Internamente, o déficit público passa a ser financiado com uma crescente emissão de títulos da dívida mobiliária, cujo montante cresce rapidamente. Cresce, também, a taxa de inflação — que passa dos 100% anuais, no início dos anos 80, para 1.783% anuais, medida pelo IGP-DI da FGV, no final dessa década, apesar de sucessivos programas de estabilização (Cruzado 1 e 2, Plano Verão, Plano Bresser). Os anos 90 marcam, desde o início, novas escolhas estratégicas importantes. As aberturas financeira e comercial, patrocinadas pelo Governo Collor e aprofundadas no Governo Fernando Henrique, abrem a economia do País à competição com agentes de fora e à crescente internacionalização. A desnacionalização do sistema bancário e da base produtiva representa uma das marcas principais da fase recente da vida do País. Do ponto de vista comercial, a principal política foi a de redução das alíquotas do imposto de importação. Policarpo Lima, ao analisar tal política, constata que ela não foi neutra, regionalR. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 13 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A mente no Nordeste tem impacto mais negativo que no Sudeste, onde alguns segmentos conseguem níveis de proteção médios mais elevados, como é o caso do setor automotivo, muito concentrado naquela região (Lima, 1997). A adoção do modelo de estabilização, consubstanciado no Plano Real, marca, com mais evidência, a opção pela crescente importância da financeirização da riqueza, também no Brasil. O País tentou resistir, mas nossas elites — herdeiras do colonialismo e do ganho rentista — foram patrocinando a política da rendição, que se faz mais evidente a partir, sobretudo, dos anos 90. Com o Plano Real, o Brasil faz um novo “ajuste”. Ao mesmo tempo que controla o crescimento antes exacerbado dos preços internos, conquista o apoio popular (efeito esperado como resultado da queda brusca da inflação). Elegendo-se presidente, Fernando Henrique implementa políticas que tornam a economia brasileira necessitada e dependente do financiamento externo. A política cambial (câmbio fixo, que leva à sobrevalorização do Real) estimula as importações e gera déficits crescentes nas transações correntes do País. De um déficit insignificante (US$ 1 bi) em 1994, o Brasil passa a apresentar US$ 35 bi de déficit em 1998, o que representava 4,5% do PIB. Mais de US$ 100 bi de déficit externo foram acumulados, portanto, em poucos anos. Apesar da desvalorização do Real, realizada em janeiro de 1999, a rigidez do déficit externo permanece. Seu patamar não deve cair nos próximos anos (situando-se em cerca de US$ 24 bi/ano). Para financiar esse déficit, o País precisa recorrer aos aplicadores. Atrai Investimentos Diretos (IDE) que se destinam, mais que a criar novas unidades produtivas, a adquirir tanto empresas privadas existentes como ativos públicos (leiloados mediante ousado Programa de Privatizações), impulsionando importante onda desnacionalizadora da base produtiva brasileira. Precisa atrair, ainda, o capital de curto prazo, dando tratamento fiscal digno dos “paraísos”, pagando juros exorbitantes que levam o Brasil ao pódio mundial em termos de juros reais. Juros que permanecem elevados, mesmo depois de o País recorrer ao FMI, em outubro de 1998, e de submeter-se, mais uma vez, ao seu receituário. Juros que fazem explodir a dívida mobiliária (que pula dos R$ 60 bi, em 1994, para mais de R$ 500 bi, atualmente), absorvendo a maior parte das receitas que o governo capta na sociedade brasileira. Submisso ao rentismo mundial, o Brasil assiste à sua economia ser garroteada, apresentando desde 1994 taxas cada vez mais modestas de crescimento até chegar à recessão de 1999. Paralelamente, cresce com rapidez a taxa de desemprego, com o País apresentando cerca de 10 milhões de desempregados urbanos ao lado de outros 12 milhões em precárias condições de emprego. Enquanto bilhões são gastos, anualmente, para remunerar regiamente os aplicadores, credores do governo, faltam recursos para as demais políticas, inclusive para as políticas regionais. A prioridade à integração competitiva revela uma outra opção estratégica que vai se tornando cada vez mais evidente no que resta de política de médio prazo. Com ela, o que se busca é priorizar o aprofundamento da internacionalização da economia do País. O eixo principal é a internacionalização financeira e é ela que ganha destaque, como já se viu. A desregulamentação financeira e o patrocínio da desnacionalização do sistema bancário foram nitidamente promovidos no governo Collor e aprofundados no período de Fernando Henrique Cardoso. Na esfera produtiva muda, também, a prioridade. Ao invés de consolidar a integração do mercado interno, processo que se vinha acelerando nas décadas anteriores, passa-se a priorizar a inserção no mercado mundial das empresas, segmentos e 14 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O espaços econômicos mais competitivos. O choque de competitividade aplicado ao tecido produtivo nacional, com as diversas políticas adotadas nos anos 90 — em especial com a política de abertura comercial e a política cambial dos primeiros anos do Plano Real —, força muitas empresas a se reestruturarem, e as que não o conseguem tendem a desaparecer, fundindo-se a outras ou fechando. O número médio de fusões e aquisições quase dobra, passando de 212, nos últimos anos da década de 80 (1987-1989), para 413 nos anos finais da década de 90 (1995-1998), segundo levantamento da Price Water House Coopers (1999). A crescente desnacionalização do parque produtivo do País vai, ao mesmo tempo, tornando-se cada vez mais evidente, nos últimos anos. Do ponto de vista da dinâmica regional, tal opção estratégica tende a valorizar os espaços econômicos portadores de empresas e segmentos mais competitivos, com condições, portanto, de ampliar com mais rapidez sua internacionalização ou de resistir com mais força ao “choque de competição” praticado nos anos 90, no Brasil. E esse processo secundariza as regiões menos competitivas, as mais negativamente impactadas pela competição exacerbada ou as que se encontram em reestruturação. Finalmente, as reformas do Estado marcam outra opção estratégica importante, adotada nos anos 90. Elas têm impactos regionais ainda pouco analisados. No novo contexto vivido pelo País, realizam-se profundas modificações nas formas de atuação do Estado brasileiro e no seu relacionamento com os agentes econômicos privados. Nesse particular, o Estado, em suas diferentes esferas, transita para um contexto em que se verificam: sua menor presença no patrocínio do avanço das forças produtivas, a adoção de novas formas de articulação e parceria, uma menor importância das formas diretas de ação, uma tendência à descentralização e uma atuação voltada para a regulação de novas áreas. O surgimento de novos modelos de gestão de políticas públicas, menos centralizado e mais democrático, poderá, no futuro imediato, exigir uma mudança radical nas formas de atuação governamental, no que se refere às políticas de desenvolvimento regional. Embora nem todos os aspectos possam ser aqui considerados em todas as suas dimensões, eles constituem, não resta dúvida, marcos importantes que devem ser considerados no aprofundamento das discussões a respeito do desenvolvimento regional brasileiro. UMA NOVA DINÂMICA REGIONAL Nesse novo contexto, novas forças atuam, impactando a dinâmica regional do País. Tende a mudar a tendência à modesta desconcentração que predominara no período anterior. Por outro lado, o baixo dinamismo da economia nacional é comandado por “ilhas dinâmicas” localizadas nas diversas macrorregiões do País, enquanto outras áreas sofrem impactos mais adversos, por não serem tão competitivas ou por estarem submetidas a intensos processos de reestruturação. Isso tende a ampliar as diferenciações e a heterogeneidade intra-regionais. A tendência à fragmentação apresenta-se como uma das mais prováveis, nos anos 90, como destacou Pacheco (1998). Aos fatos e tendências econômicas mais relevantes associam-se tendências espaciais novas, umas concentradoras, outras não. Entre as que atuam no sentido de induzir à desconcentração espacial, destacam-se: a abertura comercial que tende a favorecer “focos exportadores” e mudanças tecnológicas que reduzem custos de investimento. Aumenta, também, a importância da proximidade do cliente final para diversas atividades e merece destaque a ação ativa de governos locais oferecendo incentivos e atuando no sentido da R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 15 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A desconcentração. Wilson Cano, em estudo recente sobre o tema, destaca ainda como relevantes, no caso brasileiro, além do fato de São Paulo ser o epicentro da crise, os investimentos no setor petrolífero (extração no Nordeste e Rio de Janeiro e refino no Paraná), a continuidade da desconcentração agrícola (nos cerrados e em algumas “manchas irrigadas” do Nordeste), a ação de governos estaduais e municipais por meio da guerra fiscal e a política de incentivo ao turismo que beneficia o Nordeste (Cano, 1997). Enquanto isso, outras forças atuam no sentido da concentração de investimentos nas áreas já mais dinâmicas e competitivas do País. Ressaltem-se, em especial, os novos requisitos locacionais da acumulação flexível, como a melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior proximidade dos centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais eficiente infra-estrutura econômica, proximidade dos mercados consumidores de mais alta renda. No estudo citado, Wilson Cano (1997) destaca, pela sua força reconcentradora, o desmantelamento do Estado nacional e, em especial, dos vários órgãos de promoção do desenvolvimento regional, o impacto da política de abertura na Zona Franca de Manaus, a sensível diminuição de preço de várias commodities, contendo o valor das exportações de várias regiões (e favorecendo relativamente as bases exportadoras de bens manufaturados), e a liderança de São Paulo na captação e expansão de segmentos de ponta, como a informática, microeletrônica, telecomunicações, serviços financeiros, entre outros. Alguns estudos também chamam a atenção para os condicionantes da reestruturação produtiva e, em especial, para a forma como se vem dando a inserção internacional do Brasil, principalmente no que diz respeito às estratégias das grandes empresas ante o cenário da globalização da economia mundial. E constatam que, ao contrário do que se poderia esperar, a globalização reforça as estratégias de especialização regional. A nova organização dos espaços nacionais tende a resultar, de um lado, da dinâmica da produção regionalizada das grandes empresas (atores globais) e, de outro, da resposta dos Estados Nacionais para enfrentar os impactos regionais seletivos da globalização. No Brasil dos anos recentes, essa resposta governamental é mais marcada pela passividade do que por políticas ativas, e isso causa impactos na nova dinâmica regional. O DEBATE SOBRE A DESCONCENTRAÇÃO-CONCENTRAÇÃO No Brasil dos anos 90, tende-se a romper o padrão dominante nas décadas anteriores, em que a prioridade era dada à montagem de uma base econômica que operava essencialmente no espaço nacional — embora fortemente penetrada por agentes econômicos transnacionais — e que ia lentamente desconcentrando atividades para espaços periféricos do País. O Estado Nacional desempenhava um papel ativo nesse processo, tanto por suas políticas explicitamente regionais, como por suas políticas ditas de corte setorial-nacional, como pela ação de suas estatais, como se viu anteriormente. Nos anos recentes, as decisões dominantes tendem a ser as do setor privado, dada a crise do Estado e as novas orientações governamentais, ao lado da evidente indefinição e atomização que têm marcado a política de desenvolvimento regional no Brasil. Embora as tendências ainda sejam muito recentes, estudos têm convergido e sinalizam, no mínimo, para a interrupção do movimento de desconcentração do desenvolvimento na direção das regiões menos desenvolvidas, enquanto há um reforço ao dinamismo dos espaços econômicos mais competitivos — como recomenda a opção pela prioridade à integração competitiva no mercado em globalização acelerada. 16 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O Alguns autores chegam a falar em tendência à reconcentração, como é o caso de Clélio Campolina Diniz, da UFMG. No caso da indústria, estudos recentes permitem falar de tendência à concentração do dinamismo em determinados espaços do território brasileiro. Clélio Campolina (1996), em estudo recente, localizou os atuais centros urbanos dinâmicos, em termos de crescimento industrial. Constatou que a grande maioria deles se encontra num polígono que começa em Belo Horizonte, vai a Uberlândia (MG), desce na direção de Maringá (PR) até Porto-Alegre (RS) e retorna a Belo Horizonte via Florianópolis (SC), Curitiba (PR) e São José dos Campos (SP). Das 68 aglomerações urbanas com intenso dinamismo industrial recente, 79% estão situadas nas regiões Sul-Sudeste, 15% no Nordeste e apenas 6% no Norte e Centro-Oeste. Na sua maioria, são capitais ou cidades de porte médio, muitas delas bases dinâmicas recentes, como Sete Lagoas, Divinópolis, Pouso Alegre e Ubá, em Minas Gerais; Araçatuba, Pirassununga, Jaú e Tatuí, em São Paulo; ou Pato Branco e Ponta Grossa, no Paraná; entre outras. As “deseconomias” de aglomeração tiram as maiores regiões metropolitanas, Rio de Janeiro e São Paulo, desse foco dinâmico industrial, mas esta última cidade concentra cada vez mais o comando financeiro da economia nacional. É certo que as conseqüências espaciais de políticas importantes, como as de abertura comercial e de integração competitiva, aliadas a aspectos importantes da política de estabilização (como câmbio valorizado, juros elevados e prazos curtos de financiamento), têm impactado negativamente vários segmentos da indústria instalada no Brasil e afetaram especialmente São Paulo. Estudo de Policarpo Lima afirma que a redução brusca das alíquotas do Imposto Sobre Importações, praticada como instrumento da política de abertura comercial, não foi regionalmente neutra. A redefinição dessa estrutura tarifária foi feita com a redução mais forte das alíquotas do Imposto de Importação sobre produtos intermediários e bens de capital, enquanto foi menor a de redução da proteção dos bens de consumo duráveis. Enquanto a alíquota média cai de 51%, em 1987, para 14,2%, em 1994, os bens duráveis tinham nesse último ano proteção média de 25,7% contra uma proteção que variava entre 7,6% e 13,1% para os chamados bens intermediários. Por sua vez, os bens não-duráveis de consumo ficaram com alíquotas médias variando de 8,6% (agrícolas) para 15,8% (manufaturados). Ora, a estrutura produtiva do Nordeste teve como especialização recente a produção de bens intermediários e de bens de consumo não-duráveis, enquanto no Sudeste se concentra a produção dos bens de consumo duráveis e dos bens de capital. Como bem ressalta Lima, a lógica da abertura comercial terminou sendo regionalmente perversa, posto que os segmentos dominantes no Nordeste ficaram menos protegidos e, portanto, mais submetidos aos impactos de uma maior competição. Mesmo assim, os mais competitivos vêm demonstrando capacidade de resistir à intensa competição com os importados, como é o caso dos produtos químicos (Bahia), do alumínio (Maranhão), de certos segmentos têxteis (especialmente do pólo de Fortaleza), e da produção de bebidas, esta por conta do peso dos custos de transporte (Lima, 1998). Tanto é assim que o Nordeste continua a perder posição relativa nas exportações brasileiras (era 17%, em 1975, passa para 11%, no início dos anos 80, e cai para 7,3%, em 1998). É certo, por outro lado, que algumas empresas de gêneros industriais mais intensivos em mão-de-obra (calçados e confecções, por exemplo) têm buscado relocalizar-se no interior do Nordeste, para competir com concorrentes externos (principalmente com os países asiáticos), atraídos pela superoferta de mão-de-obra, baixos salários, bem como pela possibilidade de flexibilizar as relações de trabalho (adotando subcontratação, por exemplo), ao se mudarem. R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 17 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A Mas esses fatos não alteram significativamente as tendências e as preferências locais identificadas pelos estudos de Campolina Diniz (1996). As tendências e preferências de localização continuam beneficiando as regiões mais ricas e industrializadas (o Sudeste e o Sul). Por sua vez, o professor Paulo Haddad (1996) tem chamado a atenção para o reforço dado pelo Mercosul a essa tendência de arrastar o crescimento industrial para o espaço que fica abaixo de Belo-Horizonte. No que se refere às tendências do investimento industrial no País, as informações disponíveis permitem apenas esboçar algumas possibilidades referentes à futura distribuição espacial da atividade econômica no espaço brasileiro. Em relatório elaborado para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Leonardo Guimarães Neto (1996) examinou algumas informações, notadamente do levantamento do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, sobre as intenções de investimentos da iniciativa privada, além de indicadores da ação de alguns bancos oficiais, relativos ao financiamento dos investimentos. Em termos macrorregionais, os dados levantados por Guimarães Neto (1996) revelam que dos 73,4 bilhões de dólares de investimentos previstos para se efetivarem até o ano 2000 cerca de 64,3% deverão concentrar-se no Sudeste (sendo 28,2% em São Paulo), 17,6% no Nordeste e 9,4% no Sul. No caso nordestino, mais de metade dos investimentos previstos vão para um único Estado, a Bahia. E isso antes da definição da Ford sobre a instalação de uma montadora de veículos nesse Estado. Na análise da distribuição regional dos investimentos segundo os segmentos produtivos mais importantes, o estudo de Guimarães Neto destaca que os investimentos do grupo metal-mecânica, automobilística e química — segmentos básicos da chamada indústria pesada — tendem para o Sudeste. As indústrias de minerais não-metálicos, têxtil, de calçados, produtos alimentares e bebidas e papel e celulose têm um padrão de localização mais desconcentrado e tendem a buscar as demais regiões. A indústria eletro-eletrônica e de material de comunicações, por razões muito específicas, buscam a Zona Franca de Manaus. A tendência parece ser, portanto, do avanço, no futuro imediato, da consolidação dos segmentos básicos e estratégicos no Sudeste. Por outro lado, percebe-se o fortalecimento de especializações em outros Estados que, embora fora da região industrial tradicional, conseguiram, pelos mais diferentes fatores (recursos naturais, fortes incentivos regionais, condições de infra-estrutura), atrair segmentos específicos que definem subáreas dinâmicas e modernas, muitas vezes em contextos nos quais prevalecem, ainda, subáreas tradicionais e estagnadas (Guimarães Neto, 1996). Esse estudo ressalta, por outro lado, que a divisão do território brasileiro em macrorregiões cada vez esconde mais, em vez de revelar, a realidade do País. No que se refere ao grande investimento industrial, fica nítida uma grande seletividade espacial, notadamente quando o investimento se orienta para as demais regiões que não o Sudeste. No Nordeste, tal escolha seletiva está tendendo a privilegiar a Bahia. Portanto, não se pode assegurar que está em curso uma nova vaga concentracionista. A maioria dos estudiosos tende a concordar que os anos 90 interromperam a tendência à modesta desconcentração que se vinha desenvolvendo no País. A TENDÊNCIA À FRAGMENTAÇÃO Mais relevante que o debate anterior é a discussão sobre os novos rumos da dinâmica regional, vistos da perspectiva do processo de integração–desintegração dos diversos espaços econômicos do País. 18 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O O exame realizado por Leonardo Guimarães (1996) para o Ipea, já referido, permitiu destacar o caráter espacialmente seletivo dos investimentos industriais, que privilegiam alguns espaços específicos nas regiões, tornando-as ainda mais heterogêneas. Por sua vez, Carlos Américo Pacheco (1998), em estudo recente, salienta que “num contexto de estagnação da economia nacional e crise do Estado, acabaram-se criando alternativas pontuais de dinamismo em algumas poucas regiões”. Destaca, ainda, que esses “focos dinâmicos” nem são capazes de espraiar dinamismo nem de comandar um novo ciclo expansivo. Isso porque os determinantes da acumulação no Brasil, a esta altura, já estão muito associados aos segmentos produtores de bens de capital e de consumo duráveis e ao comportamento favorável do gasto público, o que não tem ocorrido nos anos 90. Do ponto de vista regional, esse “dinamismo localizado em alguns focos termina por reforçar a tendência de maior heterogeneidade intra-regional”, como destaca, também, Pacheco. Esse autor critica o “discurso da moda” que vaticina um Estado Nacional submisso à lógica privada e que se contenta em alavancar estratégias exitosas das grandes empresas, ao mesmo tempo que delega às esferas subnacionais um papel progressivamente mais importante na atração de investimentos. Isso, destaca Pacheco, termina por “reforçar disputas entre regiões e entre unidades da Federação, enquanto políticas federais, formuladas ad hoc, sancionam uma trajetória de conflito entre os diversos interesses regionais” (1998). Se o Estado Nacional, em lugar de coordenar ações convergentes, deixa que a disputa se instale, a hipótese da tendência à fragmentação da nação passa a ser cada vez mais provável. Do ponto de vista das tendências do mercado, se os espaços mais atraentes tendem a estar situados no Sul/Sudeste, do ponto de vista dos reduzidos investimentos patrocinados pelo governo federal (reduzidos porque a principal despesa do governo federal são os gastos com as dívidas interna e externa), era de se esperar ação efetiva no sentido de evitar a ampliação das disparidades, já gritantes no Brasil, e assegurar a compatibilidade entre inserção na globalização e integração dos diversos espaços do País. Mas os dados parecem sinalizar para a tendência a fortalecer (ao invés de contrabalançar) a concentração de novas atividades e novos investimentos em certos “focos competitivos”. Senão, observe-se o seguinte. O Programa Brasil em Ação, no qual o governo federal define, para o período 19961999, seus projetos prioritários de investimentos, desagrega tais projetos em dois grandes blocos: os projetos de infra-estrutura e os da área social. Para o que interessa neste trabalho, tomem-se os projetos de infra-estrutura, e, deles, aqueles que têm capacidade de definir articulações econômicas inter-regionais ou internacionais e, portanto, são capazes de influir na dinâmica regional do Brasil, em tempos de globalização. Os demais são projetos importantes, mas de impacto localizado, restritos a uma ou outra região do País (a exemplo da conclusão de Xingó, com impacto apenas no Nordeste). Por sua vez, de grande importância para a futura modelagem territorial do Brasil, ficou de fora dessa análise o Programa de Desenvolvimento das Telecomunicações (Paste), por não ter sido apresentado com o detalhe da localização regional de seus investimentos. Ora, a análise dos projetos prioritários de infra-estrutura econômica, estratégicos para a futura organização territorial do Brasil, revela algumas tendências importantes: • têm uma opção prioritária clara pela integração dos espaços dinâmicos do Brasil ao mercado externo, em especial ao Mercosul e ao restante da América do Sul, consistente com a opção brasileira de promover a integração competitiva. Essa orientação estratéR. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 19 B R A S I L 1 Mesmo na agenda do desenvolvimento social, o Sudeste leva R$ 35,2 bi e o Nordeste, R$ 33 bi. N O S A N O S N O V E N T A gica secundariza a integração nacional, quando a inserção do Brasil na globalização não precisa dar-se às custas da fragmentação do País, mas pode e deve ser conduzida compatibilizando essa inserção com a continuidade do processo de integração das regiões, que o Brasil vinha consolidando nas últimas décadas, mas esse é outro debate; • prioriza dotar de acessibilidade os focos dinâmicos do Brasil (agrícolas, agroindustriais, agropecuários ou industriais), deixando em segundo plano as áreas menos dinâmicas ou os tradicionais investimentos autônomos, nos quais o Estado patrocina investimentos que potencializam dinamismo econômico futuro. Na opção atual, o Estado segue o setor privado, enquanto, com os investimentos “autônomos”, antecipa-se a ele. Na opção do Brasil em Ação, o governo prioriza ampliar a competitividade de espaços já mais competitivos; • concentra os investimentos no Sul/Sudeste, na fronteira noroeste, e em pontos dinâmicos do Nordeste e Norte, seguindo os espaços que vêm concentrando maior dinamismo nos anos recentes. Conclusões semelhantes foram obtidas por professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, ao examinarem a proposta dos Eixos de Integração do programa Brasil em Ação aplicada ao caso mineiro (Brandão et al., 1998). Os analistas consideram que: • “o plano descarta uma visão mais articulada do planejamento regional e recusa-se a adotar políticas para áreas não eleitas no processo de globalização”. Ao contrário, como sua preocupação principal é criar estímulos que potencializem a integração competitiva, “sanciona e reforça fluxos econômicos já existentes”, ou seja, reforça as regiões com maior potencial de ampliar a internacionalização; • “revela sua desatenção para com as históricas funções de Minas Gerais no mercado interno brasileiro e reforça as porções territoriais mais desenvolvidas” do Estado; • procura apenas “viabilizar o escoamento da produção de específicas regiões singulares e criar atratividade para algumas modalidades de investimento privado”. Não é à toa que a Ferrovia Unaí-Pirapora e a duplicação da Rodovia Fernão Dias sejam as duas obras principais do Brasil em Ação; • A região central do Estado é a que “está no núcleo privilegiado da estratégia do Brasil em Ação”. Altera-se, assim, a conformação histórica da divisão territorial do trabalho em Minas Gerais e traça-se como cenário mais provável o que transforma Minas Gerais no grande ponto de passagem, via Belo Horizonte, de produtos diversos. Pelas conclusões acima dos professores mineiros, os investimentos propostos nos Eixos aprofundam, ao invés de buscarem reduzir, a heterogeneidade estrutural do Estado. Fragmentam, ao invés de integrarem. No programa de investimentos para o segundo período do governo Fernando Henrique Cardoso (PPA 2000–2003), as mesmas tendências permanecem. No Avança Brasil, a agenda de investimentos econômicos mais importante continua sendo a da infraestrutura. Isso porque, no mundo globalizado, a acessibilidade é fundamental. Lá se destacam R$ 70,2 bi de investimentos para o Sudeste, R$ 38,7 bi para o Sul e R$ 30,4 bi para o Nordeste. É a antipolítica regional.1 Por sua vez, a ausência de políticas regionais explícitas do governo federal abriu espaço, como se viu, à deflagração de uma guerra fiscal entre Estados e municípios que buscam contribuir para consolidar alguns “focos de dinamismo” em suas áreas de atuação. Se o setor privado, o governo federal e os governos locais concentram seus esforços nas áreas mais dinâmicas, vão-se deixando grandes áreas do País à margem: são os ditos espaços não-competitivos. 20 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O É importante acrescentar que, como se destacou anteriormente, foi bastante limitada a dimensão da desconcentração ocorrida nas décadas anteriores. Ela não alterou substancialmente a antiga divisão regional de trabalho, que concentrou a parte mais relevante da base produtiva nacional e, sobretudo, dos segmentos industriais estratégicos no Sudeste. Ademais, como também aqui foi mostrado, os estudos recentes sugerem o esgotamento do processo de desconcentração, relativamente curto, sem dúvida, quando comparado ao longo período de concentração, que data do início da industrialização brasileira até o auge da fase expansiva do “milagre econômico”, no final da primeira metade dos anos 70. Por sua vez, as tendências prováveis dos investimentos sugerem que, após a fase de desconcentração modesta, poderá ocorrer, num futuro imediato, um processo de concentração espacial do dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos). Isso significará que, mais uma vez, o País está na iminência de repetir uma trajetória de concentração espacial ou de acirramento de desigualdades regionais, agora num contexto extremamente mais difícil, de (i) inserção maior do País e das regiões na economia mundial, na qual se submeterão a uma acirrada competição; (ii) num Estado ainda extremamente débil para definir e implementar diretrizes que possam se contrapor aos custos sociais de uma maior desigualdade regional; e (iii) numa Federação em crise, como têm ressaltado vários estudos recentes da Fundap (Affonso e Silva,1995). A conclusão preocupante que emerge das observações e análises até aqui apresentadas é que, muito provavelmente, a inserção do Brasil na economia mundial globalizada tende a ser amplamente diferenciada, segundo os diversos subespaços econômicos deste amplo e heterogêneo País. Tal diferenciação tende a alimentar a ampliação de históricas e profundas desigualdades inter-regionais, entre e no interior das grandes macrorregiões brasileiras. Não se repetirão, certamente, as formas pelas quais se materializaram essas desigualdades ao longo do século XX, mas provavelmente se observará o aumento da heterogeneidade intra-regional, como supõe Pacheco (1998), posto que o próprio estilo de crescimento da economia mundial é profundamente assimétrico, e aos atores globais interessam apenas os espaços competitivos brasileiros, espaços identificados a partir de seus interesses privados e não dos interesses do Brasil. Os países, para esses agentes, são meras plataformas de operação. O quadro futuro tende a ser mais complexo que no passado recente, posto que em antigas áreas dinâmicas podem surgir bolsões de pobreza, áreas antes pouco exploradas podem ser “descobertas e dinamizadas”, e áreas dominantemente pobres podem abrigar “focos dinâmicos” restritos. Essa diferenciação irá requerer, mais que nunca, uma ação pública ativa (sobretudo ofertando elementos de competitividade sistêmica, como educação e infra-estrutura de acessibilidade), para evitar a fragmentação do País ou a consolidação de uma realidade, na qual ilhas de dinamismo convivam com numerosas sub-regiões marcadas pela estagnação, pobreza, retrocesso e até isolamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mas há novos fatos e movimentos em curso. Entre eles, a emergência de atores locais ativos (governos estaduais, governos municipais, entidades empresariais locais) é um fato importante no contexto dos anos recentes. Embora sua presença crescente em cena R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 21 B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A não dispense uma ação firme do governo federal no campo do desenvolvimento regional, como ocorre até em blocos econômicos (como se vê no caso da União Européia, executora de políticas ativas de corte regional, implementadas por meio de mecanismo apropriado, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional – Feder), essa nova tendência deve ser valorizada, pois implica a atuação de novos e importantes atores. Em muitas áreas do País, atores locais têm-se articulado para pensar e propor estratégias de desenvolvimento local e regional. Planos estratégicos municipais e regionais têm-se tornado cada vez mais freqüentes, embora isso não dispense a ação coordenadora do Estado Nacional, como ocorre na Alemanha ou na Itália dos dias atuais. Por outro lado, na contramão dessas iniciativas locais contrárias ao movimento de integração seletiva e fragmentadora, há um processo igualmente fragmentador decorrente de desmembramento de municípios — “onda” de autonomia que criou milhares de novos municípios no Brasil dos anos recentes. No entanto, tem sido cada vez mais freqüente o recurso a estratégias de consorciação para a atuação em espaços territoriais e institucionais mais amplos. Diversos Estados já dispõem de leis regulando tais consórcios e os estimulam. Parte-se, assim, do nível estritamente local para propor e atuar em níveis regionais mais amplos. Problemas são, assim, mais bem enfrentados, e potencialidades, aproveitadas com mais vantagem. Trata-se, portanto, da reconstrução de espaços mais amplos de atuação de políticas públicas (nem todas executadas por entes governamentais), da redescoberta de identidades regionais e da necessidade de promover a integração de subespaços (regiões) deixados à margem pelo movimento mais geral e seletivo da inserção global dos focos dinâmicos. Integração importante num país heterogêneo e continental como o Brasil. Também é possível identificar, nos anos recentes, a emergência de novas concepções de desenvolvimento, entre as quais se destaca a do “desenvolvimento sustentável”. Preocupado com a abordagem da realidade em suas múltiplas dimensões, destacando-se a “solidariedade intergeração” (sustentabilidade ambiental), esse conceito, ao se aplicar no Brasil, tem destacado também a preocupação com a dimensão social e com a integração físicoterritorial (para o que investimentos em infra-estrutura econômica ganham relevo, uma vez que são capazes de redefinir territorialidades, num país ainda em processo de ocupação de seu vasto território). Assim, se, de um lado, parece claro que as tendências recentes apontam para o aprofundamento das diferenciações regionais herdadas do passado e para a fragmentação do Brasil — destacando os “focos de competitividade e de dinamismo” do “resto” do País para articulá-los à economia global —, de outro lado, há contratendências importantes, vindas de baixo para cima. A inserção seletiva terá como contraface da mesma moeda o abandono das “áreas de exclusão” (ditas não-competitivas). Estaria sendo traçado, assim, o roteiro da desintegração brasileira. A emergência de focos de um novo tipo de regionalismo, intitulado de “provincianismo mundializado” por Carlos Vainer, sinaliza nessa direção. São locais de grande dinamismo recente e bem dotados dos novos fatores de competitividade, que montam sua articulação para fora do País e tendem a romper laços de solidariedade com “o resto”, passando a praticar políticas explícitas de segregação contra emigrantes vindos de áreas não-competitivas. Buscam, assim, evitar “manchar” a “ilha” de primeiro mundo que julgam constituir (Vainer, 1995). Mas outros agentes estão se contrapondo a isso e articulam movimentos de base territorial que clamam por articulação em nível nacional e incluem-na em suas práticas. É o 22 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 T Â N I A B A C E L A R D E A R A Ú J O caso de movimentos como o dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o dos desalojados pelos projetos de barragens, entre outros, como também destaca Carlos Vainer. Faltaria ao governo federal atuar para evitar a fragmentação do País. Para isso, cabe-lhe conceber e implementar uma nova política de desenvolvimento regional. Ou melhor, uma política nacional de desenvolvimento regional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFFONSO, R., SILVA, P. L. B. (Orgs.). Desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo: Fundap/Editora Unesp, 1995. ARAÚJO, T. B. “Por uma política nacional de desenvolvimento regional”. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, Banco do Nordeste, v.30, n.2, abr-jun 1999. BRAGA, J. C. “Financeirização global”. In: TAVARES, M. da C., FIORI, J. L. (Orgs.). Poder e Dinheiro. 2.ed. Petrópolis: Vozes,1997. BRANDÃO, C. A. et al. “Brasil em ação: os possíveis impactos sobre Minas Gerais”. 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An examination of the impact of these trends on the regional dynamics of Brazil over recent years follows. The strategic choices made by the R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999 23 Tânia Bacelar de Araújo, economista, é professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernanbuco. E-mail: [email protected] B R A S I L N O S A N O S N O V E N T A social and economic forces that dominate the country’s political scenario and the principal policies that have implemented them in the 90s are then identified, followed by speculation on their probable impact on Brazilian regional dynamics. Arguments are subsequently presented in support of two principal hypotheses: the stalling of the deconcentrational trend that was dominant between the seventies and the mid-80s, and the trend towards the fragmentation of the country. Finally, some contra-trends are identified and the importance of the Federal Government defining and implementing a national policy for regional development is highlighted. K E Y W O R D S Regional development; globalization and regional dynamics; Northeast Brazil. 24 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 2 / NOVEMBRO 1999