A EXPANSÃO DAS REDES DE SUPERMERCADO EM BRASÍLIA (DF) THE EXPANSION OF SUPERMARKET CHAINS IN BRASILIA (DF) Juscelino Eudâmidas Bezerra Professor Adjunto do Departamento de Geografia (UnB). E-mail:[email protected] Marcelo Ramalho Agner Discente Geografia (UnB), Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail:[email protected] George Luís Sampaio Azevedo Filho Discente Geografia UnB, Bolsista PIBIC/FAPDF. E-mail: [email protected] RESUMO O objetivo da presente pesquisa é analisar a expansão das redes de supermercado em Brasília de forma a verificar o perfil dos estabelecimentos, a origem do capital e sua inserção nas regiões administrativas com maior renda. A metodologia adotada na pesquisa foi estruturada em torno de três eixos: a organização de uma pesquisa bibliográfica, a construção de um banco de dados estatísticos, e, por fim, a realização de trabalhos de campo. Em Brasília é possível encontrar as principais redes varejistas do mundo demonstrando a importância da capital federal como espaço de consumo na economia globalizada. A pesquisa contribuiu para demonstrar a heterogeneidade do setor na cidade sendo possível encontrar diferentes perfis de loja considerando o formato, as estratégias de comercialização, participação de grupos familiares e localização. Palavras-chave: geografia econômica; supermercados; Brasília. ABSTRACT The purpose of this research is to analyze the expansion of supermarket chains in Brasilia in order to identify the profile of establishments, the origin of the capital and its insertion in the administrative regions with the highest income. The methodology used in the research was structured around three themes: the organization of a bibliographical research, the construction of a database, and finally, the realization of fieldwork. In Brasilia it is possible to find the world's leading retailers demonstrating the importance of the federal capital as consumer space in the globalized economy. The research helped to demonstrate the heterogeneity of the sector in the city where you can find different store profiles considering the format, marketing strategies, participation of family groups and location. Keywords: economic geography; supermarkets; Brasília. INTRODUÇÃO A Geografia tem desenvolvido inúmeras reflexões sobre a relação entre o urbano e o rural na contemporaneidade. Muito embora a perspectiva predominante seja a de considerar o campo e a cidade como realidades amalgamadas, percebe-se ainda uma clara dificuldade em conduzir pesquisas que possam romper tal segmentação no interior do campo disciplinar (SPOSITO, 2006; ELIAS, 2013). Uma proposta que coaduna tal preocupação reside na apreciação sobre o estudo da comercialização dos alimentos na cidade, as mudanças no consumo de alimentos industrializados, a forma de abastecimento e a relação entre produtores e consumidores como nexos teóricos e empíricos para o entendimento da cidade e do campo. Dentre as inúmeras possibilidades aventadas, defende-se que a análise do papel dos supermercados pode contribuir de forma significativa em tal intento. A visita semanal ou mesmo diária aos supermercados representa um dos principais hábitos da sociedade urbana. Portanto, parte do ethos fundado na conformação de um comportamento específico inerente à vida nas cidades. Dessa forma, uma atividade aparentemente simples, como a de abastecer a residência com alimentos perecíveis, frutas, vegetais e itens de utilidade doméstica é, na verdade, uma prática que cotidianamente anima o movimento de uma extensa rede de produção global. Os supermercados enquanto espaço de consumo exercem enorme centralidade na vida cotidiana das grandes e médias cidades uma vez que os mesmos são responsáveis por parte preponderante da comercialização de alimentos no mundo. O papel dos supermercados nesta nova configuração econômica da rede agroalimentar supera a simples comercialização e distribuição de alimentos e passa a influenciar diretamente os padrões de produção e de consumo e, portanto, conduzem a decisão do que será produzido, onde e qual padrão será adotado (LAWRENCE; BURCH, 2007). O fortalecimento das redes varejistas tem promovido uma nova configuração na estrutura de poder particularmente pela formação de um oligopólio, mediante a atuação de um pequeno grupo de empresas que dominam o mercado a partir de sua atuação global (FUCHS et al 2009; VORLEY,2007). As principais redes, notadamente as líderes mundiais Wal-Mart e Carrefour, participam cada vez mais de mercados distantes de seu lugar de origem. Cita-se, por exemplo, o caso da América Latina no qual as três principais empresas com maior receita anual são estrangeiras (Planet Retail Report, 2012; REARDON;BERDEGUÉ,2002). A presença dessas gigantes em mercados externos foi fruto da fusão e aquisição de empresas nacionais, fato esse que se tornou uma estratégia comum para ampliar a participação do mercado e aniquilar a concorrência. Ainda de acordo com Lawrence e Burch (2007) em 2004 as trinta principais redes de supermercado do mundo controlavam 33% do total mundial da comercialização de alimentos. No Brasil, a concentração do varejo também avança e somente as três gigantes Carrefour, Wal-Mart e o Grupo Pão de Açúcar foram responsáveis por 47% do faturamento brasileiro do setor em 2012 (FERREIRA, 2013). Por tudo isso, devemos considerar que as redes de supermercados exercem cada vez mais seu poder de governança do setor agroliamentar. Por governança devemos entender a capacidade de articular formas de controle exercidas por agentes públicos e/ou privados e toda diversidade de atores não estatais visando a co-ordenação social, política e econômica da sociedade. No caso da Geografia devemos mencionar que as redes varejistas possuem estratégias espaciais que precisam ser consideradas ao tratar, por exemplo, da sua relação com a cidade e o campo, conformando novas lógicas econômicas ligadas à localização dos estabelecimentos comerciais e sua inserção no tecido urbano, o surgimento de novos formatos de loja, as demandas dos consumidores, a logística de abastecimento e a relação com os fornecedores. Lefebvre (1999) já nos advertida que a cidade reúne todos os mercados atraindo para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares. Ou seja, ela centraliza todas as criações. A nosso ver, os supermercados cada vez mais parecem sintetizar materialmente a perspectiva da cidade como lócus da produção humana. Fundamental nessa centralização, os supermercados funcionam muitas vezes como o grande empório e único canal para a comercialização dos alimentos. O que caracteriza o varejo de alimentos é que os mesmos possuem uma elevada frequência de compra o que favorece um contato muito próximo com os consumidores. Os supermercados operam com baixa margem e uma elevada concorrência (SERRENTINO, 2010). Por isso mesmo, a busca por lucratividade no setor é uma tarefa extremamente complexa, pois necessita de uma constante negociação com seus fornecedores que podem ser desde gigantes da indústria alimentícia até pequenos agricultores das áreas rurais próximas. Isso sem esquecer que as redes varejistas não produzem aquilo que comercializam mesmo com o advento das marcas próprias. Outro fato importante é que os estabelecimentos de varejo são lojas de contatos próximos e a despeito do crescimento do comércio virtual, eles exigem inexoravelmente a necessidade da presença física do consumidor. Logo, os supermercados dependem de uma eficiente escolha locacional, tema esse de importância capital na Geografia (BEZERRA, 2015). As variáveis que conferem a localização ótima a um supermercado variam de acordo com o tempo. Podemos citar o exemplo dos hipermercados com suas amplas superfícies comerciais que surgiram no contexto de ampliação do processo de urbanização e metropolização. Com a valorização do mercado imobiliário nas grandes regiões metropolitanas e cidades médias, a procura por espaços amplos e com rede viária adequada tornou-se uma variável com forte impacto financeiro nos investimentos realizados pelas grandes redes varejistas. Nesse sentido, mantém-se a tendência da criação de lojas de maior porte próximas às rodovias de grandes fluxos localizados nas periferias das grandes cidades com o objetivo de reduzir os custos. Podemos citar como exemplo o crescimento dos “atacarejos”, um novo formato de loja que reúne características do atacado de autosserviço, porém com operação aberta ao público final. No período de 2000 a 2009, houve um acréscimo de mais de 200 % no número de lojas de atacarejo (SERRENTINO, 2010). A valorização dos terrenos mais bem localizados aliado ao crescente trânsito nas cidades e a diminuição do tempo disponível para alimentação doméstica fez com que os supermercados reavaliassem toda sua estratégia de localização e de tipologia de lojas. O Brasil segue o movimento mundial da transformação no setor supermercadista que preconiza a criação de lojas de menor porte voltadas para o atendimento de um novo perfil de cliente. A ideia de proximidade, conveniência e flexibilidade passa a atrair as demandas de um público cuja alimentação fora de casa é uma rotina. Ao mesmo tempo em que a busca por produtos com rápida preparação, comidas pré-prontas; semi-prontas, congeladas exige do setor a oferta de soluções devidamente sintonizadas como expressão de uma mudança significativa nos hábitos alimentares (OOSTERVEER et al, 2010). O redirecionamento estratégico para a criação de lojas de menor porte, capilarizada nos diferentes bairros tem provocado um aumento na concorrência. Invariavelmente o que temos é a diminuição paulatina das feiras de rua, dos mercados públicos, mercearias, pequenos mercados, bodegas, açougues e padarias contribuindo para a perda da diversidade comercial nas cidades. A logística de abastecimento e distribuição das redes de supermercado também comparece como aspecto importante na abordagem geográfica do setor varejista. A existência de vários formatos de loja (atacarejo, hipermercado, supermercado,minimercado) exige uma logística específica. O setor de frutas, legumes e verduras (FLV) é um caso exemplar dessa delicada operação. A perecibilidade dos produtos torna-se um desafio para a gestão de estoque , bem como a existência de uma rede de fornecedores que possa garantir a regularidade da entrega, além do compromisso da qualidade. Devido a importância da relação dos fornecedores com as redes de supermercados é que entendemos como importante investigar a ligação cidade e campo. São inúmeros os produtores que dependem diretamente dos supermercados como principal agente responsável por absorver a produção. As diferentes redes, a depender do porte, exercem maior ou menor controle sobre o seus fornecedores. Muitos agricultores tornam-se fornecedores exclusivos e no extremo oposto, as redes compram diretamente da Central de Abastecimento cujo contato com o produtor direto é praticamente inexistente. A dependência dos pequenos e médios produtores/fornecedores com relação às principais redes de supermercado tem sido vista como nociva. Os supermercados são constantemente criticados por explorar seus fornecedores através de inúmeros mecanismos, tais como: diminuição da margem de lucro entre os fornecedores; cobrança de taxas para a comercialização nas lojas; responsabilidade do prejuízo caso os produtos não sejam adquiridos; atrasos no pagamento; ameaças de quebra de contrato caso suas demandas não sejam atendidas. Com todas as exigências impostas pelos supermercados, muitos produtores de pequeno porte (da indústria alimentícia ou agricultores) são expulsos do mercado por não terem condições de concorrer com as empresas de maior vulto cuja produção em grande escala comparece como trunfo na relação com os supermercados aumentando seu poder de barganha. Nos últimos anos, paralelamente à guerra de preços instaurada no seio das grandes redes, consolida-se a estratégia da política de qualidade. Tal política é alicerçada na promoção de selos e certificações (sociais, ambientais e de origem) que funcionam como uma dos principais instrumentos de governança da rede agroalimentar por parte dos supermercados (BEZERRA 2014; 2012). O DESENVOLVIMENTO DE BRASÍLIA COMO IMPORTANTE CENTRO DE CONSUMO Os processos supramencionados têm ocorrido em diferentes escalas geográficas com ritmos e intensidades variadas. Na realidade de Brasília (considerando todas as suas 31 regiões administrativas) mediante o intenso processo de urbanização (PENNA, 2013) num padrão de cidade polinucleada (PAVIANI, 2010) e de forte crescimento populacional nas últimas décadas, pode-se verificar a coexistência de muitos elementos que indicam o fortalecimento do setor supermercadista. De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) presentes no Censo Demográfico de 2010, a população do Distrito Federal alcançou 2.570.160 habitantes. A renda per capita registrada em 2014 pela PNAD continua é a maior do país com R$ 2.055, sendo esta quase o dobro da renda nacional que foi de R$ 1.052. A área metropolitana de Brasília pode ser considerada um exemplo máximo do significado de uma metrópole terciária. Ancorada no setor público como principal empregador, a atratividade dos serviços ligados à gestão pública atraiu residentes de várias regiões brasileiras. A taxa média de crescimento populacional de Brasília é uma das mais elevadas do país fruto do aumento do fluxo de migrantes. A combinação entre aumento populacional e a elevação dos salários no setor público permitiu a elevação de Brasília como um dos princípios espaços de consumo do Brasil. A empresa IPC Marketing Editora reúne dados sobre o Índice de Potencial de Consumo construído a partir da compilação de dados de variadas fontes sobre informações demográficas e de potencial de consumo de todos os municípios brasileiros. Para o ano de 2015, o IPC prevê que o consumo dos brasileiros deve chegar a R$ 3,730 trilhões. A Geografia do consumo mostra que os principais mercados concentram-se, sobretudo nas grandes cidades e regiões metropolitanas. Brasília ocupou a terceira posição no ranking do IPC considerando todos os municípios brasileiros com potencial de consumo de R$ 80,538 bilhões. Importante ainda ressaltar que os gastos previstos dos brasileiros com alimentação no domicílio em 2015 correspondem a 412,58 bilhões ou 11,9% do total ocupando a terceira posição entre os tipos de gasto realizados pelos brasileiros. Tal fato demonstra a importância dos estabelecimentos do setor do comércio varejista de alimentos como aqueles diretamente beneficiados com o padrão de consumo da população brasileira. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para Brasília no ano de 2014 apontam a existência de 1.476 estabelecimentos no setor do comércio varejista de mercadorias em geral (hipermercados, supermercados, minimercados, mercearias e armazéns) com predominância de produtos alimentícios. Nestes estabelecimentos foram empregados 27.853 trabalhadores. Em Brasília podemos encontrar as principais redes varejistas do mundo distribuídas eminentemente no plano piloto e nas demais regiões administrativas com destaque para a rede francesa Carrefour, a estadunidense Wal-Mart e a empresa brasileira com participação de capital francês, o Grupo Pão de Açúcar. As redes locais mais importantes são: Big Box e Super Maia que juntas possuem 29 lojas com faturamento de R$ 1.036.815.315,95 (Revista Supermercado Moderno) no ano de 2014. O contexto indicado sugere a proposição de questões norteadoras que possam balizar os objetivos da presenta pesquisa, são elas: Quais as transformações ocorridas no setor de autosserviço alimentar em Brasília? Como se deu a expansão das redes de supermercado internacionais no mercado regional e o papel das empresas locais? Quais foram as estratégias de localização das redes de supermercado em Brasília? A partir das indagações supracitadas estabeleceu-se como objetivo principal da pesquisa analisar a expansão das redes de supermercado em Brasília (DF) de forma a verificar o perfil dos estabelecimentos, a origem do capital e sua inserção nas regiões administrativas com maior renda. AS REDES DE SUPERMERCADO EM BRASÍLIA Para a consecução da pesquisa optou-se pela realização de trabalhos de campo de modo a catalogar todos os estabelecimentos do varejo alimentar existentes nas regiões administrativas (RA’s) de Brasília (Asa Sul e Asa Norte), Lago Sul, Lago Norte e Sudoeste/Octogonal. A escolha das RA’S em questão seguiu o objetivo inicial de analisar a presenças das redes varejistas no núcleo original de criação da capital federal em virtude não somente da sua importância histórica, como também por estar presente nas RA’s em tela grande parte do emprego e dos serviços, bem como a maior renda e potencial de cosumo no Distrito Federal. Para confirmar tal premissa, o estudo realizado pelos autores Silva et al (2012) demonstrou que as RAs selecionadas para a pesquisa obtiveram maior concentração no quesito renda per capita na área metropolitana de Brasília em 2011. O grande destaque foi a RA Lago Sul que obteve renda per capita de R$ 5.420. Em segundo lugar a RA Sudoeste/Octogonal com 4.792 seguida da RA Lago Norte com R$ 4.297 e a RA Brasília (Asa Sul e Asa Norte) com R$ 3.835. No total da pesquisa foram visitados 73 estabelecimentos dentro das quatro regiões administrativas estando as redes de supermercado dispostas conforme o gráfico abaixo. Lago Norte 8% Lago Sul 7% N° de supermercados total Noroeste 0% Sudoeste 13% Asa Norte 38% Asa Sul 34% Gráfico 1: Número de supermercados nas RA’s. Fonte: Pesquisa de Campo. Abril/2016 Como é possível apreender através do gráfico, a maioria dos estabelecimentos se concentra na região de Brasília (Asa Sul e Asa Norte), concentrando cerca de 72% de todos os estabelecimentos pesquisados. Essa concentração corresponde à área mais populosa e com maior presença de serviços, a região central de Brasília. Para melhor compreender o perfil dos estabelecimentos visitados optou-se por classificá-los em cinco grupos, quais sejam: estabelecimentos locais, redes locais, redes regionais, redes nacionais e redes multinacionais. A divisão foi estabelecida a partir dos critérios abaixo discriminados: Os estabelecimentos que só possuem um estabelecimento em Brasília serão classificados como estabelecimentos locais; As redes que possuem mais de um estabelecimento em Brasília são redes locais; As redes que possuem lojas em Brasília e em outros estados do Centro Oeste são redes regionais; As redes que possuem lojas em mais de uma macrorregião são consideradas redes nacionais; As redes que possuem lojas no Brasil e em outros países do mundo, bem como matriz estrangeira, são redes multinacionais; Em Brasília, segundo a classificação segundo a atuação das redes, temos a seguinte distribuição por sua localidade (Tabela 1). Tabela 1: Distribuição dos estabelecimentos varejistas segundo classificação Estabelecimento Local RA's Asa Norte Rede Local Rede Regional Rede Nacional Rede Multinacional 11 6 1 2 8 Asa Sul 9 4 1 4 6 Sudoeste 3 3 1 2 1 LagoNorte 0 4 1 0 1 Lago Sul 0 1 0 2 2 23 18 4 10 18 Total Fonte: Pesquisa de campo. Abril/2016 A tabela demonstra que em Brasília as redes multinacionais se encontram em mesmo número que as redes locais, e que os estabelecimentos locais possuem a maior quantidade de estabelecimentos. A maioria desses estabelecimentos locais se concentra na RA de Brasília, consequentemente a região mais antiga e que ainda abriga lojas de menor porte visando atender a uma demanda específica. Geralmente são empresas familiares constituídas apenas de 1 ou 2 checkouts com um mix reduzido de produtos e com poucos funcionários. A concentração das lojas na área mais populosa e mais intensa de fluxos pode ser corroborada por Parente e Kato (2001) quando trazem o debate sobre a área de influência dos supermercados, afirmando que: O desempenho de supermercados depende, grandemente, de sua localização, pois a maior parte das vendas de uma loja vem de clientes que moram dentro de uma área geográfica relativamente pequena em torno da loja. (PARENTE, KATO, 2001, p. 46) Brasília por sua elevada renda per capita e a característica de seu mercado de trabalho voltado fortemente para o setor público cujo crescimento dos salários e a garantia de estabilidade atraiu importante parcela da classe média, tornou-se uma localização privilegiada para o aporte de investimentos em inúmeras atividades econômicas. É o caso do setor do varejo que registrou um número crescente da instalação de lojas. A partir da pesquisa conduzida constatou-se que as redes multinacionais, por exemplo, desembarcaram em Brasília majoritariamente a partir dos anos 2000. A rede francesa Carrefour criou sua primeira loja em Brasília no ano 2000 e a concorrente norte-americana Wal-Mart instalou-se em Brasília no ano 2005. Já o Grupo Pão de Açúcar teve sua primeira loja em Brasília ainda na década de 1980. No entanto, após aquisição do grupo pela multinacional francesa Casino, o Grupo Pão de Açúcar vem diversificando seus investimentos com a instalação de várias lojas da rede. O crescimento das redes multinacionais tem sido uma tendência em todo o mundo alertando para a oligopolização do setor. No mercado brasileiro a participação das empresas multinacionais também chama atenção. Nesse sentido, verifica-se em Brasília o processo que Reardon e Berdegué (2002) chamaram de uma “segunda onda” de multinacionalizações do setor: A segunda, muito maior, onda de M&A, que começou do início para meados da década de 90, foi comandada por firmas de supermercado norte americanas e europeias investindo internacionalmente, motivadas por mercados locais saturados e levada por mercados com poucas lojas e muito lucro.(REARDON, BERDEGUÉ, 2002, p. 378, tradução nossa) Através da identificação da tipologia das redes pode-se depreender que a chegada das redes multinacionais tenciona o mercado local. Já que o que se percebe é o investimento em vários formatos de loja (minimercados, supermercados, hipermercados, atacarejos etc). Vejamos o tipo de estabelecimento considerando o número de funcionários e o tamanho da loja (Tabela 2). Tabela 2 - Lojas nas RA’s segundo número de funcionários e m² Loja Número de m² funcionários Extra 470 120.000 m² Atacadão 234 14.000 m² Big Box 197 1200 m² Pão de Açúcar 153 2153 m² Big Box 140 1200 m² Dona de Casa 138 2000 m² Super Maia 135 ------Pão de Açúcar 135 ------Big Box 131 ------Rede Horti Mais 125 850 m² Big Box 112 400 m² Carrefour Bairro 110 Big Box 108 800 m² Carrefour Bairro 103 Carrefour Bairro 100 1700 m² Big Box 100 380 m² Pão de Açúcar 100 1100 m² Fonte: Pesquisa de campo. Abril/2016 Os estabelecimentos locais não possuem tamanho comparável ao de supermercado quando analisamos o tamanho da loja em m² e em número de funcionários, sendo as redes nacionais as maiores empregadoras do setor supermercadista de Brasília, como mostra a tabela . Os dados evidenciam ainda que nenhum estabelecimento local compete em tamanho ou número de empregados. Dentre as redes, vale destacar a forte presença multinacional do Pão de Açúcar e do Carrefour, apresentando lojas com um padrão entre 800 e 2000 m² juntamente com uma média de um pouco mais de 100 funcionários. O tipo de loja é padronizado e busca atender a uma estrutura que trabalha com redução de custos no autosserviço, como afirma Ortigoza: “[...] Os supermercados conseguiram baixar os custos de circulação significativamente, aumentando o lucro. O volume de vendas passou a operar no sentido de redução dos preços ao consumidor e, a partir daí, a concorrência, principalmente no setor de alimentos, tornou-se acirrada.” (ORTIGOZA, 1996, p. 30 apud SILVA, 2005, p. 616) As redes multinacionais praticam um padrão de loja específico de acordo com a demanda encontrada em Brasília. o formato adotado foi o formato de “bairro”, elegendo um tamanho entre 800 e 2000 m² no máximo e uma quantidade reduzida de funcionários para operar com baixos custos e atingirem nichos residenciais de Brasília. As redes locais são representadas na tabela basicamente pelo Big Box, notória rede local com nove lojas dentre as 73 pesquisadas. Na tabela é possível ver que esta rede local apresenta um elevado número de funcionários pelo tamanho da loja, sendo o Big Box a rede que mais possui estabelecimentos com maior número de empregados. Isso evidencia um padrão diferenciado de redes como Pão de Açúcar e Carrefour, que possuem um número menor de empregados em relação ao tamanho da loja. Não obstante a carência de informações quanto ao faturamento chamou atenção o fato de apenas uma loja ter faturado no ano de 2015 o total de R$ 390 milhões. Em matéria publicada pelo Correio Braziliense em 11/07/2010 intitulada “Renda alta faz Brasília bater recordes de consumo” os jornalista avaliam a representatividade de Brasília no consumo nacional. No exemplo referente ao setor do varejo, destacou-se o fato de a loja do hipermercado Extra do Grupo Pão de Açúcar localizada na Asa Norte ter sido a loja com o maior volume de vendas do Brasil na rede Extra em sete anos consecutivos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do levantamento de dados e dos trabalhos de campo realizados foram catalogados 73 estabelecimentos varejistas com foco na comercialização de alimentos nas regiões administrativas de Brasília (Plano Piloto), Lago Sul, Lago Norte e Sudoeste/ Octogonal. Percebeu-se que somente no plano piloto concentraram-se 70% do total de estabelecimentos. Há uma forte participação das redes internacionais no setor supermercadista de Brasília tendo como marco temporal de instalação o início da década de 2000. Ao considerar a área de comercialização existem lojas de diferentes portes variando entre 1.000 m² e 14.000 m² que juntas foram responsáveis por empregar 3.740 empregos. Não obstante a carência de informações quanto ao faturamento chamou atenção o fato de apenas uma loja ter faturado no ano de 2015 o total de R$ 390 milhões. Em Brasília é possível encontrar as principais redes varejistas do mundo demonstrando a importância da capital federal como espaço de consumo na economia globalizada. A pesquisa contribuiu para demonstrar a heterogeneidade do setor no qual podemos encontrar desde estabelecimentos familiares presentes desde a década de 1950 até atacarejos de redes internacionais que conformam a nova tendência do setor. REFEÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEZERRA, Juscelino Eudâmidas. Redes de supermercados como tema geográfico: implicações teóricas e empíricas. In: Anais do VII Simpósio Internacional/VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária, Goiânia, 2015. BEZERRA, Juscelino Eudâmidas. Governança da produção de frutas no Nordeste brasileiro: o papel dos supermercados. 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