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artigos
A doação renal em textos científicos:
entre as metáforas do presente e da mercadoria
Luciana Freitas Fernandes1
Idilva Maria Pires Germano2
FERNANDES, L.F.; GERMANO, I.M.P. Kidney donation in scientific texts: between the
metaphors of gift and commodity. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.38,
p.765-77, jul./set. 2011.
This study consisted of a literature review
that examined discursive production on
kidney transplantation with a living
donor. It sought to understand the
interpretative repertoires of living kidney
donation that have been constructed and
disseminated in the medical literature,
through examination of a selection of
scientific papers. Eighty-nine articles
published in international journals
between 1999 and 2010 were analyzed.
The analysis highlighted a set of topics
that could be grouped along two
thematic strands: psychosocial aspects of
donation and strategies for increasing the
number of living donors. These strands
are anchored in the metaphors of “gift”
and “commodity”. Both of them aim
towards promoting organ donation and
have specific effects. The gift metaphor
compels individuals to make a
spontaneous and altruistic donation; the
commodity metaphor constructs the body
as a collection of recyclable parts that are
subject to commercial exchange.
Keywords: Kidney transplantation. Living
donors. Discourse.
Este trabalho de revisão analisa a
produção discursiva sobre o transplante
renal com doador vivo, buscando
compreender os repertórios
interpretativos da doação renal intervivos
construídos e disseminados na literatura
médica, mediante análise de uma seleção
de artigos científicos. Analisaram-se 89
artigos veiculados, entre 1999 e 2010,
em periódicos internacionais. A análise
destaca um conjunto de tópicos que
podem ser enquadrados em dois eixos:
aspectos psicossociais da doação e
estratégias de ampliação do número de
doadores vivos. Esses eixos ancoram-se
nas metáforas do “presente” e da
“mercadoria”, ambas a serviço da
promoção da doação de órgãos e com
efeitos específicos. A metáfora do
presente constrange os indivíduos à
doação espontânea e altruísta; a da
mercadoria constrói o corpo como um
conjunto de partes recicláveis, passíveis
de troca comercial.
Palavras-chave: Transplante de rim.
Doadores vivos. Discurso.
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Hospital Universitário
Walter Cantídio,
Universidade Federal do
Ceará (UFC). Rua Capitão
Francisco Pedro, 1290.
Fortaleza, CE, Brasil.
60.430-370.
[email protected]
2
Departamento de
Psicologia, Programa de
Pós-Graduação em
Psicologia, UFC.
1
v.15, n.38, p.765-77, jul./set. 2011
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A DOAÇÃO RENAL EM TEXTOS CIENTÍFICOS: ...
Introdução
O transplante de órgãos surgiu na década de 1950 e tem chamado a atenção da sociedade,
invocando diversas considerações clínicas, sociais, psicológicas e, sobretudo, bioéticas. O uso rotineiro
de partes do corpo como “ferramentas terapêuticas” (Lock, 2002), que traduz o poderoso imaginário
mecanicista na biomedicina, tem um lugar privilegiado no tratamento de pacientes crônicos. A prática
do transplante de órgãos, portanto, equilibra-se entre os valores e possibilidades da tecnologia em
crescente avanço e os aspectos éticos e morais implicados nas demandas, políticas e ações do sistema
de saúde coletiva.
No início, os transplantes renais foram feitos predominantemente com doadores vivos, em virtude da
precariedade dos imunossupressores e dos métodos de conservação do órgão (Linden, 2009).
Posteriormente, o transplante renal com doador cadáver ganhou maior expressão. Atualmente, o
transplante renal intervivos chega a ser preferido em alguns centros no exterior (Birkeland, 2006;
Lennerling, Forsberg, Nyberg, 2003). De acordo com Andersen et al. (2005), se comparado ao
transplante com doador cadáver, o transplante renal com doador vivo está associado a alguns benefícios
que encorajam o uso desses doadores: aumenta a sobrevida do paciente e do enxerto, possibilita
cirurgias sincronizadas de receptor e doador, e favorece a redução do tempo de espera pelo transplante.
Se comparado com a diálise, o transplante renal aumenta a qualidade de vida e sobrevida do paciente
(Gaston et al., 2006).
No Brasil, o rim pode advir tanto de um doador cadáver, quanto de um doador vivo. O doador
cadáver é o indivíduo em morte encefálica cuja família autoriza a retirada dos órgãos para transplante. O
doador vivo relacionado é um parente até quarto grau ou cônjuge. O doador vivo não relacionado é
alguém sem nenhum vínculo familiar com o receptor, que decide, espontaneamente, sem coerção ou
remuneração, doar um de seus rins.
As inovações da medicina criaram novas áreas de decisão para as pessoas em relação a seus corpos
(Radley, 2000). O transplante intervivos exige o posicionamento dos pacientes, familiares e equipes de
saúde em relação à retirada de um órgão de uma pessoa sã em prol de uma pessoa doente. A partir do
atendimento psicológico de doadores e receptores de órgãos para transplante renal, conduzido pela
primeira autora deste artigo, surgiram algumas indagações sobre o modo como as pessoas justificam sua
intenção ou ato de doar um órgão, considerando que, ao fazê-lo, aceitam subtrair uma parte de seu
corpo em nome de determinados valores e objetivos. Tais argumentos tendem a se sustentar em
discursos mais amplos, entre os quais se encontram os discursos científicos. Reconhecendo o papel
dominante dos discursos especializados do campo médico, aqui pretendemos identificar quais os
repertórios interpretativos disponíveis, na literatura acadêmica, sobre doação de órgãos intervivos, que
fornecem modos distintos de posicionamento em relação à questão, com potencial para estimular ou
constranger a prática.
Repertórios interpretativos são “elementos essenciais usados pelas falantes para construir versões das
ações, dos processos cognitivos e outros fenômenos”, e são constituídos por “uma gama limitada de
termos usados em construções estilísticas e gramaticais específicas” (Wetherell, Potter, 1988, p.65). É
comum que os repertórios envolvam uma ou mais metáforas-chave e um conjunto de tropos ou figuras
do discurso.
Nesse sentido, podemos perguntar: como as revistas científicas especializadas em transplante têm
construído a noção de doação intervivos e quais os repertórios interpretativos em circulação? Esta revisão
analisa a produção discursiva sobre o transplante renal com doador vivo, buscando compreender os
repertórios interpretativos da doação renal intervivos construídos no campo médico, mediante análise de
tópicos discutidos em uma seleção de artigos científicos.
Para tanto, realizamos uma revisão bibliográfica na base de dados Medline, através do portal da BVS
(Biblioteca Virtual em Saúde), no método integrado, com o campo de busca assunto e os termos
“doadores vivos” e “rim”. Inicialmente, a busca gerou 3.321 textos. Foram selecionados artigos e
editoriais em inglês e português, no período de 1999 a 2010, sendo utilizado, ainda, o filtro “doadores
vivos” (assunto principal) e “humano” (limites), resultando em 1.743 artigos. A partir de ferramenta
disponibilizada pela base de dados BVS (o filtro “revistas”), chegou-se à distribuição desses artigos em
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FERNANDES, L.F.; GERMANO, I.M.P.
artigos
seus respectivos periódicos. Dentre os cinco primeiros periódicos em número de artigos, optou-se por
trabalhar com quatro: Transplantation; American Journal of Transplantation; Nephrology, Dialysis,
Transplantation e Clinical Transplantation. Os periódicos foram selecionados por serem publicações
médicas já consagradas no campo dos transplantes de forma geral (Transplantation, American Journal of
Transplantation, Clinical Transplantation) e do transplante renal (Nephrology, Dialysis, Transplantation),
sendo bastante utilizados como fonte de consulta e publicação por profissionais de medicina.
Após exclusão dos artigos que se referiam aos aspectos clínicos e cirúrgicos da doação intervivos e
relatos de experiências de centros transplantadores, o corpus foi constituído por: 32 textos do
Transplantation, 26 textos do American Journal of Transplantation, 16 textos do Nephrology, Dialysis,
Transplantation e 15 textos do Clinical Transplantation. Os periódicos são dedicados à temática da
medicina, especialmente à do transplante, e os autores são predominantemente médicos, embora
também sejam desenvolvidas discussões de outros campos, como a antropologia, sociologia e
psicologia. Assim, entende-se que os periódicos selecionados nos fornecem uma amostra da produção
discursiva da ciência médica que contribui para a formação e circulação de repertórios interpretativos de
interesse desta investigação.
Com base na análise dos textos, destacamos alguns tópicos recorrentes e relevantes na produção de
sentidos sobre a doação intervivos. Tais tópicos podem ser enquadrados em dois grandes eixos – dos
aspectos psicossociais da doação e das estratégias de ampliação de doadores vivos – que, como
veremos, fazem circular as metáforas da doação de órgãos como “presente” e como “mercadoria”.
Embora, na organização do artigo, esses eixos e seus tópicos sejam discutidos separadamente, ressaltase que são aspectos profundamente imbricados e que não há descontinuidade entre eles nos debates
acerca da doação intervivos.
Aspectos psicossociais da doação intervivos
Fatores que favorecem ou dificultam a doação
Muitas pesquisas sobre transplante se voltam para a discussão da oferta de órgãos e concentram-se,
prioritariamente, nos fatores que podem contribuir para/ou dificultar a doação de órgãos. A pesquisa
serve como estratégia para identificar: subgrupos de não-simpatizantes da doação, que deveriam ser
alvo de esforços visando ampliar o número de doações (Haustein, Sellers, 2004); preocupações e medos
que interferem na vontade de doar (Boulware et al., 2002), ou, ainda, intervenções eficazes para ajudar
pessoas a conseguirem doadores (Reese et al., 2009).
Diversos motivos para doação de órgãos têm sido identificados, tais como: altruísmo, obrigação
moral, crenças religiosas, pressão externa e culpa (Lennerling et al., 2004). Lennerling, Forseberg e
Nyberg (2003) identificaram sete categorias de motivos: desejo de ajudar, autoestima aumentada,
identificação com o paciente, benefício próprio pela melhora da condição de saúde do receptor, lógica,
pressão externa, e sentimento de dever moral.
Franklin e Crombie (2003) destacam outras motivações, como: ganhar aceitação da família,
impossibilidade de recusar a doação, e necessidade de recompensar os cuidados recebidos pela receptora
na infância. Tais aspectos evidenciam que as relações familiares são centrais na doação intervivos. Não
raro a doação é fruto de um processo onde a família vai escolher quem melhor cabe no papel de doador.
A decisão de doar, mesmo quando é espontânea (o doador se oferece), frequentemente acontece
dentro de um movimento familiar, e não de forma isolada. Em pesquisa de Walton-Moss et al. (2007),
metade dos doadores indicaram que a doação foi uma decisão partilhada na família.
Processo de tomada de decisão
O processo de tomada de decisão da doação, fortemente imbricado com as motivações para a
doação, é investigado por alguns autores. Na pesquisa de Andersen et al. (2005), um dos principais
motivos identificados para a doação era o papel do indivíduo na família. De acordo com os autores, ser
o irmão mais velho era crucial na decisão de doar. A decisão dos irmãos era vivida como autônoma,
mas, ao mesmo tempo, havia o reconhecimento de que era influenciada pelas expectativas da família.
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Os autores concluem que a decisão de doar é um processo complexo, e que a dinâmica da família e
expectativas relacionadas aos papéis dos sujeitos têm lugar importante nesse processo. No caso de
mães, o estudo de Franklin e Crombie (2003) ressalta que a doação é experienciada como uma
extensão natural do papel materno. O mesmo não foi observado em alguns pais e irmãos.
A pesquisa de Lennerling, Forseberg e Nyberg (2003) salienta o aspecto instantâneo da decisão,
predominantemente baseada nas emoções e anterior ao recebimento de maiores informações sobre o
transplante e a doação. Na pesquisa de Andersen et al. (2005), a decisão de doar foi imediata, com
pouca reflexão prévia acerca dos prós e contras da doação, em alguns casos, e fruto de um processo de
reflexão, em outros. Os autores destacam que a existência de mais de um potencial doador levava a
família a uma discussão que caracterizava uma tomada de decisão racional. Os doadores negaram
qualquer tipo de pressão para doar.
Franklin e Crombie (2003) e Reimer et al. (2006) também destacaram o aspecto imediato e
voluntário da oferta de doação. A maioria dos sujeitos ofereceu o rim espontaneamente, sem que fosse
solicitado. No estudo de Franklin e Crombie (2003), todos os pais e mães afirmaram que doar era a
coisa natural a fazer. A concepção da doação como a coisa natural a fazer também foi relatada por
Lennerling, Forseberg e Nyberg (2003), mesmo entre doadores não relacionados.
A aceitação da oferta de um doador vivo não é unânime e nem isenta de ambiguidades. Às vezes,
receptores têm de ser convencidos pelos doadores ou familiares (Schweitzer et al., 2003). Conforme
mostram Martínez-Alarcon et al. (2006), em uma pesquisa realizada na Espanha, apenas 35% dos
pacientes em uma lista de espera aceitariam receber órgão de doadores vivos. A maioria prefere esperar
na fila por um doador cadáver. Na pesquisa de Kranenburg et al. (2007), com pacientes renais em fila
de espera para transplante, 18% dos entrevistados não desejavam receber um rim de doador vivo e 3%
relataram dúvidas. Muitos pacientes não consideravam o transplante com doador vivo temendo os riscos
aos quais os doadores estariam submetidos. Dentre os pacientes que aceitariam um doador vivo, 80%
afirmaram que não pediriam um órgão para alguém. A oferta é que asseguraria a natureza espontânea
e voluntária da doação. Alguns entrevistados relataram temer uma resposta negativa à solicitação do
órgão, experiência que poderia trazer impactos indesejáveis à relação.
Riscos e repercussões
Na literatura médica sobre doação intervivos, também se sobressaem debates sobre questões éticas.
Alguns autores citam o princípio primum non nocere (princípio da não-maleficência) no cerne da
discussão acerca de doadores vivos (Barri et al., 2009; Kasiske, Eckardt, 2009). A despeito de ser um
procedimento correntemente aceito entre profissionais, e mesmo na sociedade, algumas discussões
acerca da validade de impingir um dano à saúde de um sujeito saudável em prol de uma pessoa doente
ainda resistem. Nesse sentido, a questão dos riscos para o doador parece ser central. Nos trabalhos há
uma preocupação com o consentimento informado (Hanto, 2008; Boulware et al., 2002): doador e
receptor devem estar conscientes dos riscos e benefícios do procedimento.
O transplante com doador vivo é considerado um procedimento eficaz e seguro para os receptores
(Lima, Petroianu, Hauter, 2006; Lunsford et al., 2006). Entretanto, ao contrário da doação cadáver, a
doação intervivos envolve a possibilidade de complicações clínicas para o doador e problemas
psicológicos antes e depois da doação. Embora os riscos cirúrgicos a curto prazo sejam baixos, os riscos
a longo prazo ainda foram pouco estudados (Gibney et al., 2007; Gaston et al., 2006), havendo
referências a uma pequena parcela de sujeitos que doaram um rim e, posteriormente, vieram a
necessitar de transplante renal (Fehrman-Ekholm, 2006). Ainda assim, de acordo com Gaston et al.
(2006), os riscos associados à nefrectomia são eticamente justificáveis e clinicamente aceitáveis. O
processo de avaliação prévio ao transplante (Friedman, 2008; Birkeland, 2006) e o acompanhamento
sistemático e a longo prazo, após a doação ( Clemens et al., 2006), buscariam minimizar esses riscos.
De acordo com Boulware et al. (2002) e Weitz et al. (2006), diversos estudos indicam que as taxas
de complicação de doadores bem selecionados são baixas e consideradas como mínimas por
especialistas clínicos. Entretanto, ansiedade, depressão e conflitos conjugais foram relatados (Clemens
et al., 2006), bem como quadros depressivos associados à perda do enxerto por parte do doador
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artigos
(Fehrman-Ekholm et al., 2000) e transtorno de ajustamento (Smith et al., 2003). Na pesquisa de Reimer
et al. (2006), um número significativo de doadores vivos relatou apreensão em relação à possibilidade
de rejeição do órgão, bem como temor de consequências negativas para suas famílias, prejuízos para a
saúde e medo dos riscos da cirurgia.
Os trabalhos parecem oscilar entre a minimização do risco e a estimativa de um risco aceitável.
Steiner e Matas (2008, p.930) questionam a viabilidade da promessa de não causar danos e a
necessidade de aceitar que se pode “fazer mal eticamente”. Robert Steiner (2004) sugere que os
centros transplantadores aceitem a realidade do risco para o doador e o fato de que algumas pessoas
escolhem se submeter a esse risco. Segundo Weitz et al. (2006), uma relação risco/benefício aceitável
para doador e receptor é um pré-requisito para realizar transplante de rim de doadores vivos. Os riscos
parecem ser minimizados, uma vez que se espera que “a recompensa psicológica supere o risco de
danos físicos” (Boulware et al., 2002, p.186).
Observa-se ainda que a doação tende a ser apresentada, em alguns trabalhos, como um benefício
mútuo para doador e receptor. Diversas pesquisas citam as repercussões positivas da doação para os
doadores. Os benefícios citados na literatura incluem: melhoria das relações e aumento da autoestima
(Clemens et al., 2006), felicidade (Fehrman-Ekholm et al., 2000), bem-estar, satisfação e gratidão pela
oportunidade de doar (Mark et al., 2006).
A qualidade de vida aparece frequentemente como um indicador que confirma os benefícios da
doação para o doador. De acordo com Fehrman-Ekholm et al. (2000), a doação promove índices
superiores de qualidade de vida em relação à população em geral e aumenta a autoestima. Johnson et
al. (1999) realizaram um estudo para investigar a qualidade de vida de doadores após o transplante.
Segundo os autores, os escores do grupo superaram os da população na escala SF-36 - mesmo resultado
encontrado por Smith et al. (2003). Estudos brasileiros (Padrão, Sens, 2009; Lima, Petroianu, Hauter,
2006) mostraram resultados semelhantes em relação à qualidade de vida. De acordo com as
pesquisas, a qualidade de vida de doadores era igual ou, mesmo, superior à qualidade de vida do
grupo de controle.
Nejatisafa et al. (2008) avaliaram a qualidade de vida de doadores vivos não relacionados no Irã, não
sendo observada nenhuma melhoria. De acordo com os autores, o aumento da qualidade de vida é
observado em doadores relacionados cuja doação está associada a aspectos altruístas. No caso da
maioria dos doadores iranianos, a doação motivada por ganhos financeiros, em um contexto de pobreza,
não teria o impacto positivo na qualidade de vida.
De acordo com revisão de Clemens et al. (2006), a saúde psicossocial de doadores tende a não
melhorar ou, mesmo, se alterar com a doação. Poucos doadores apresentam repercussões negativas,
como: depressão, ansiedade, stress, diminuição da qualidade de vida e sintomas psiquiátricos. A revisão
também salienta que a maioria das pesquisas mostra que os sujeitos doariam novamente.
O arrependimento em consequência da doação é investigado em alguns estudos. Na pesquisa de
Fehrman-Ekholm et al. (2000), os doadores, um ano após a cirurgia, afirmam não terem se arrependido.
Mesmo resultado encontrado por Franklin e Crombie (2003), cujos entrevistados negaram
arrependimento, até nos casos em que algum conflito se instalou após doação. Resultados diferentes
foram relatados por Johnson et al. (1999). Dentre os entrevistados, 4% relataram arrependimento em
relação à doação, 4% acharam a experiência estressante e 8% extremamente estressante. Os autores
concluem que os doadores cujos receptores morreram apresentavam maior tendência a afirmar que não
doariam novamente, caso fosse possível. Lima, Petroianu e Hauter (2006) também encontraram um
índice significativo de arrependimento em relação à doação (6%) entre doadores. Uma parcela ainda
maior dos entrevistados (13%) relatou deterioração na relação como doador após o transplante.
Frequentemente, os riscos para os doadores são avaliados em termos de morbidade e mortalidade.
Poucos trabalhos se dedicam a aspectos como os efeitos na relação do doador com o receptor. Sanner
(2003) encontrou sentimentos de dívida em receptores de rim de doadores vivos, os quais se utilizavam
de dois mecanismos para lidar com tais sentimentos: salientar que o doador também se favoreceu com
a doação (por exemplo, angariando a admiração dos outros) ou minimizando a importância da doação.
Há relatos de consequências positivas da doação no vínculo afetivo da dupla. Na pesquisa de
Andersen et al. (2005), a percepção de que a relação com o receptor ficou mais estreita depois da
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doação foi um relato comum entre os entrevistados. De acordo com os autores, o ato de doar cria um
forte laço entre doador e receptor. Franklin e Crombie (2003) confirmam o fortalecimento de vínculo
percebido por pais doadores, embora alguns dos receptores declarassem alguma forma de conflito a
partir da doação.
Na pesquisa de Franklin e Crombie (2003), o sentimento de dívida nos doadores não parecia estar
presente de forma a causar impacto na relação entre irmãos; porém foi relatado por adolescentes que
receberam enxerto de um dos genitores.
Estratégias de ampliação dos doadores
Doadores não relacionados
A questão da oferta de órgãos para transplante parece ser um discurso presente de forma transversal
nos artigos sobre doação de órgãos intervivos. No campo dos transplantes, a demanda de órgãos excede
a disponibilidade, e a falta de doadores é apontada como fator limitante dos procedimentos (Gaston et
al., 2006).
A escassez de órgãos para transplante é utilizada como uma justificativa para que os centros
transplantadores examinem todas as possíveis alternativas (Mathieson et al., 1999). Uma delas é o
transplante de órgãos de pessoas não relacionadas. Frequentemente, esses doadores são esposas e
esposos; pessoas não relacionadas geneticamente, mas com um laço familiar e com interesses na saúde
do companheiro, o que configuraria uma doação eticamente justificável (Mathieson et al., 1999). A
maioria dos centros americanos também está disposta a considerar amigos próximos como doadores,
mesmo com algum desconforto em relação a essa fonte de doação (Spital, 2001).
Uma categoria mais controversa de doador vivo não relacionado seria composta por pessoas que se
oferecem para doar um rim para um estranho na lista de espera. Esses doadores são chamados de “bons
samaritanos” (Kranenburg, Weimer, 2008; Rodrigues et al., 2008), havendo uma ênfase do aspecto
altruísta de suas motivações. Esse tipo de doação ainda é polêmica, sendo ora considerada um ato de
heroísmo (Matas, Schnitzler, 2004), ora um ato irracional e patológico (Henderson et al., 2003). A
legislação brasileira não encoraja esse tipo de doação. Entretanto, em outros países, diversos centros
transplantadores começam a aceitar doação de rins por estranhos, quer seja não dirigida (o doador não
pode escolher o receptor) ou dirigida (Hilhorst et al., 2005).
Spital (2003) investigou a vontade de doar um rim a um estranho e o impacto da permissão da
doação direcionada. Cerca de um quarto dos entrevistados disse que doaria um rim a um estranho
gratuitamente, e a maioria deles doaria mesmo que eles não pudessem escolher os receptores.
Abordagem mercadológica
O mercado de órgãos é listado como uma alternativa para a escassez de órgãos, uma vez que o
sistema de órgãos baseado na doação seria inadequado para dar conta das necessidades presentes e
futuras de transplantes de rins.
Essa abordagem mercadológica prevê tanto a compra do órgão como incentivos indiretos para a
doação. Israni et al. (2005) fazem uma síntese das propostas de incentivo à doação de órgãos. O
modelo de remuneração de mercado, como em outros mercados, baseia-se nas leis da oferta e da
procura para determinar o valor do rim. Um segundo modelo prevê um valor fixo de compensação pelo
órgão e baseia-se no princípio de que contribuições semelhantes merecem remuneração semelhante. O
modelo do reembolso de despesas sugere que o doador tenha custeadas despesas eventualmente
relacionadas à doação, como alimentação, estacionamento e passagens. Esse modelo baseia-se no
princípio de que o doador não deve se beneficiar financeiramente com a doação, mas também não
deve ter prejuízos em virtude de sua contribuição.
Alguns autores defendem a regulação de um mercado de rins de doadores vivos como a única
solução para as grandes listas de espera (Matas, 2004; Matas, Schnitzler, 2004). Matas (2004) advoga
que uma solução possível para diminuir a morte de pacientes em fila seria o estabelecimento de um
sistema regulado de vendas de rim. De acordo com o autor, esse mercado aumentaria o fornecimento
de órgãos, não violaria nenhuma norma ética e teria chance razoável de ser estabelecido com sucesso.
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FERNANDES, L.F.; GERMANO, I.M.P.
artigos
Outros autores se colocam contrários ao mercado de órgãos (Caplan, 2004; Kahn, Delmonico,
2004). A questão da autonomia e da exploração é trazida como argumento basal dessa oposição.
Caplan (2004) discute a capacidade de escolha racional da pessoa que vende seu rim em um cenário de
falta de alternativas, uma vez que a venda estaria ligada a necessidades financeiras. Para Caplan, pessoas
envolvidas na venda de órgãos, mesmo em um mercado fortemente regulado, estariam violando a ética
médica, uma vez que profissionais estariam ajudando as pessoas a causarem prejuízos a si mesmas
exclusivamente por dinheiro. Consequências indesejáveis para a relação entre médico e paciente e
ameaças à bioética são argumentos contrários ao mercado de órgãos, que “diminui a dignidade humana
e desvaloriza a própria vida humana à qual os médicos dedicaram nobremente suas carreiras” (Kahn,
Delmonico, 2004, p.179).
Autores enfatizam a necessidade de se discutirem as implicações éticas e logísticas de se legalizar a
remuneração financeira para a doação de rim, diante da sabida existência de casos de comércio ilegal
de órgãos. Entretanto, em alguns países, o comércio de órgãos já é legalizado e suas consequências são
bastante discutidas. A legislação do Irã permite incentivos financeiros para doadores de rim e, embora a
doação seja voluntária, a pobreza é reconhecida como sendo uma motivação frequente em muitos
casos (Nejatisafa et al., 2008). De acordo com Budiani-Saberi e Delmonico (2008), 93% dos
paquistaneses que venderam um rim para saldar uma dívida relataram não ter tido melhoria financeira
significativa e permaneciam em débito. Os autores argumentam que o sistema de pagamento em
dinheiro tem como alvo os pobres, privilegia quem pode pagar, mina a oferta altruísta, e escapa à
regulamentação do governo.
Assim, parte do debate ético sobre comércio de órgãos parece polarizar-se entre o direito à saúde e
as necessidades dos pacientes que morrem na fila de espera para transplante e a necessidade de
proteção daqueles cuja carência financeira e direito de vender um rim operam uma condição de
vulnerabilidade.
Presente e mercadoria: metáforas persuasivas nos discursos científicos
Observa-se que as fontes analisadas produzem dois sentidos hegemônicos da doação de órgãos,
cada um ancorado numa metáfora específica: o presente e a mercadoria. Metáforas são repertórios
interpretativos e “são cruciais para a maneira como as pessoas consolidam e ampliam ideias sobre si,
suas relações e seu conhecimento do mundo” (Sparkes, Smith, 2004, p.613). Desta forma, metáforas
operam como recursos discursivos, moldam práticas sociais e fornecem tanto possibilidades como
constrangimentos para os discursos sobre doação de órgãos.
O sentido do presente ancora-se na metáfora da doação como “presente de vida” e está
indissociavelmente ligada ao discurso altruísta da doação. Os termos “presente” ou “dádiva” são
frequentemente empregados para se referir ora ao transplante, ora à doação, não só em textos
científicos, mas na mídia e nos argumentos de pacientes e profissionais de saúde da área.
Nessa perspectiva, o órgão é um “presente de vida”. Kaplan e Williams (2007, p.497) fazem a
ressalva de que não é “um presente trivial, nem pode ser minimizado o impacto na vida de quem
recebe o presente”. O que o presente possibilita é a continuidade da vida (no caso do coração, por
exemplo) ou a melhoria da qualidade de vida e aumento da sobrevida (no caso do rim). Nesse sentido,
como “presente de vida”, o transplante de órgãos opera como um poderoso símbolo de a capacidade
da ciência biomédica triunfar sobre a doença e a morte (Crowley-Matoka, 2005). Em especial o
transplante entre vivos é citado como um dos sucessos mais notáveis da medicina moderna (Spital,
Jacobs, 2007).
A metáfora do presente é predominante. O corpo e suas partes são recursos terapêuticos que não
devem ser vendidos, e sim ofertados. “Doar órgãos como presente implica em voluntarismo e
altruísmo”, destacam Spagnolo e Comoretto (2009, p.111). Desta forma, valores como solidariedade,
altruísmo e bondade costumam acompanhar as discussões acerca da doação de órgãos intervivos que
esta metáfora opera.
Observa-se que, frequentemente, a metáfora do presente está a serviço da promoção da doação
intervivos e lança mão de um vocabulário moral onde a doação é construída como um ato valoroso e
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desejável: trata-se de reforçar valores universais vinculados à manutenção da vida e dos sentimentos, e
esforços humanos no sentido de favorecê-la. O doador pode se sentir uma pessoa melhor, “orgulhoso,
bravo, heróico” (Clemens et al., 2006, p.2971). O não-doador não se beneficia desse status, pois não
faz o que se espera dele, uma vez que a doação para um familiar é, de certa forma, presumida.
A metáfora do presente constrange os potenciais doadores a um tipo particular de doação, cujos
pressupostos são: é natural e desejável que um familiar doe, e essa doação deve ser altruísta. Do ponto
de vista do receptor, a doação envolve a necessidade de aceitar o presente e o interdito de solicitar a
doação, uma vez que o órgão deve ser ofertado. Ademais, conforme salienta Gordon (2001), o discurso
e o encorajamento da doação de órgãos intervivos como um “presente de vida” tendem a ignorar as
preocupações do receptor acerca dos prejuízos para si e para a relação.
No campo dos trabalhos científicos, a maioria dos autores equaciona a doação intervivos a um ato
altruísta, incorporado na metáfora do presente. Nancy Scheper-Hughes (2007) representa uma
contundente exceção quando apresenta a doação intervivos como um processo de captura de órgãos
dentro da família que envolve uma intensa e privada dinâmica familiar, frequentemente imperceptível
mesmo aos médicos mais cuidadosos. A autora salienta aspectos de coerção e o chamado ao
“sacrifício” por parte da família, cujos comportamentos “predatórios e violentos” estariam a serviço da
manutenção do grupo (Scheper-Hughes, 2007, p.507). Nesta perspectiva, a doação não é vista como
presente, mas antes com uma pilhagem, onde o doador é subtraído pela família e coagido ao sacrifício
pelos laços e regras familiares. Assim, a autora centra a problemática não nos riscos físicos da doação
intervivos, mas nos riscos sociais e familiares menos visíveis aos profissionais.
Embora o presente pareça ser a metáfora dominante, os textos científicos também apresentam o
órgão como uma mercadoria, algo que pode ser repassado numa relação de troca. Frequentemente, nos
artigos, os repertórios interpretativos incluem termos da economia, como “demanda”, “oferta”,
“suprimento”. O substantivo “órgão”, não raro vem acompanhado de adjetivos como “escasso”, como
uma mercadoria cuja falta deveria ser revertida: “Há apenas duas formas de eliminar a escassez de
órgãos. A primeira é reduzir a demanda. [...] A única outra solução é aumentar a suprimento de rins
transplantáveis” (Gaston et al., 2006, p.2548). Essa abordagem, geralmente, faz uso de um vocabulário
moral do direito e da autonomia, bem como do utilitarismo.
A metáfora da mercadoria está presente na própria discussão acerca da legitimidade ética da doação
intervivos. O transplante intervivos baseia-se na premissa de que a doação traz riscos mínimos para o
doador e é compensado pelas vantagens definitivas para o receptor (Emara et al., 2008). Caplan (2004)
salienta que a retirada de um rim fere o princípio primum non nocere, mas seria moralmente justificável
diante do desejo da pessoa de fazer o bem a outra. Assim, a questão da doação intervivos é ponderada
pela relação custo/benefício, frequentemente utilizada no campo econômico.
Entendemos que a discussão da abordagem de mercado ultrapassa a metáfora do rim como
mercadoria. Nessa discussão não se trata do rim “metaforizado” como uma mercadoria, é antes o rim
de fato mercantilizado. A prática da “doação” como fato mercantil explicita todas as suas dimensões
nesta afirmativa de Matas (2004, p.2008):
Por [mercado] regulado quero dizer um sistema no qual um preço fixo é pago ao doador
vivo ou vendedor (pelo governo ou por uma agência aprovada pelo governo); o rim seria
alocado por um critério previamente definido, similar ao utilizado com doadores cadáver (e
todos na lista de espera podem receber um rim vendido); critérios seriam definidos para
avaliação do vendedor, aceitação e acompanhamento posterior e com seguro para
resguardar a proteção do vendedor.
No tipo de relação encampado pela metáfora da mercadoria, doador e receptor são,
respectivamente, fornecedor (ou mesmo vendedor) e consumidor. Embora a relação que a metáfora do
presente opera tenda a ser considerada ideal para a doação de órgãos, observa-se que a crescente
ênfase no uso dos mais diversos fragmentos do corpo pela medicina parece estar solapando,
gradativamente, esse ideal.
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artigos
Considerações finais
Como vimos, na literatura médica, existem dois repertórios interpretativos recorrentes sobre a
doação de órgãos intervivos, ancorados em metáforas específicas: o presente e a mercadoria. Ambas
estão a serviço da solução do problema da escassez de órgãos, discurso transversal nos textos estudados
e na política de transplantes.
A discussão da doação como presente e mercadoria não é nova. O transplante de órgãos visto como
uma modalidade de troca é discutido por alguns autores no escopo da teoria de Marcel Mauss, que
presume três obrigações sociais acerca das trocas: dar, receber e retribuir (Gill, Lowes, 2008; Lamanna,
1997). Outros autores discutiram a mercantilização dos órgãos (Svenaeus, 2010; Steiner, 2004).
A presente revisão acabou por se concentrar em artigos de outros países. Embora o transplante e a
doação de órgãos sejam fenômenos globalizados, é imprescindível atentar para as especificidades dos
contextos locais, da cultura, instituições e indivíduos envolvidos nesses processos. No Brasil, o comércio
de órgão é proibido por lei. Doar é nobre, comercializar é crime. Nesse contexto, o uso da metáfora do
presente atende a duas funções importantes: promove a doação de órgãos como ato altruísta e
valorizado, ao mesmo tempo em que separa o ato da doação dos atos de comércio, distanciando o
presente da mercadoria (Shaw, 2010).
Cada uma dessas metáforas opera de formas específicas, com efeitos nos indivíduos e nas políticas
de saúde. E ambas são eficientes na promoção da doação de órgãos para fins terapêuticos. A metáfora
do presente constrange os indivíduos a um tipo particular de relação de doação: é natural e desejável
que um familiar doe espontânea e altruisticamente, e essa doação deve ser aceita como algo valoroso.
Desta forma opera ainda como um imperativo moral para doação, cerceando a liberdade de um familiar
que não quer doar.
Já a metáfora da mercadoria enfatiza a noção do corpo como um conjunto de partes recicláveis,
passíveis de troca, minimizando as relações inseparáveis entre corpo e identidade, e favorecendo usos e
abusos do corpo pretensamente justificados pelo princípio da autonomia, como a venda de órgãos
motivada pela pobreza.
Embora esses discursos sejam antagônicos (o altruísmo opõe doação e comercialização), observa-se
que essas metáforas não são excludentes, antes se hibridizam nas práticas discursivas. Conforme salienta
Lock, as metáforas associadas com órgãos humanos encorajam uma confusão acerca do valor dos
mesmos:
A linguagem da medicina insiste que partes de corpos humanos são entidades materiais,
totalmente desprovidas de identidade quer estejam no doador quer no receptor. Entretanto,
para promover a doação, órgãos são animados com uma força vital que, argumenta-se,
pode ser presenteada, e as famílias dos doadores não são desencorajadas de entender a
doação como uma forma de permitir que seus familiares ‘vivam’ nos corpos dos receptores.
(Lock, 2002, p.1409)
Exemplo disso são as campanhas publicitárias pró-doação, que ora se utilizam da noção da vida
sendo presenteada e continuada no receptor (Santa Casa, s/d), e ora do corpo como reservatório de
recursos recicláveis doados gratuitamente e alienados de subjetividade (ATX-BA, s/d).
O transplante de órgãos trouxe, para alguns pacientes crônicos, a possibilidade de melhoria da
qualidade de vida e, mesmo, manutenção da vida onde antes não existia nenhuma. Não pretendemos
advogar contra ou a favor da doação de órgãos intervivos, mas antes refletir sobre as possibilidades e
limites dessa prática.
Como profissionais de saúde e pesquisadores sociais, entendemos a doação de órgãos como uma
prática social, e consideramos que doadores de órgão dão sentido à experiência recorrendo a repertórios
interpretativos que a cultura e os contextos locais disponibilizam. Os repertórios científicos são recursos
discursivos dominantes, com grande poder de se perpetuarem e orientarem ações. Desta forma, os
repertórios interpretativos acerca da doação renal, utilizados nos periódicos especializados, são de
particular interesse para a compreensão da produção de sentido e devem ser alvo de outros
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aprofundamentos e novas pesquisas. Destacamos, ainda, a relevância da exploração de outras práticas
discursivas, como as leis e a mídia e seus efeitos na experiência dos indivíduos, bem como na formação
da identidade e na relação entre corpo e identidade. Tal exploração é imprescindível para que possamos
fortalecer, transformar ou resistir às correntes formas de doar, favorecendo outras formas de ser (ou não
ser) um doador vivo de órgãos.
Colaboradores
Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.
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Este artículo de revisión de la literatura examina la producción discursiva sobre el
trasplante renal con donadores vivos, buscando comprender los repertorios
interpretativos de la donación de riñón a través del examen de una selección de
trabajos científicos. Se analizaron 89 artículos publicados entre 1999 y 2010 en
periódicos internacionales. El análisis pone de relieve una serie de temas que se pueden
clasificar en dos ejes: aspectos psicosociales de la donación y estrategias para ampliar el
número de donantes vivos. Estos ejes se refieren a en las metáforas del “regalo” y
“mercancías”, en el servicio de promoción de la donación de órganos y con efectos
específicos. La metáfora del regalo obliga a la donación espontánea y desinteresada; la
mercancía construye el cuerpo como una colección de piezas reciclables, susceptibles de
intercambio comercial.
Palabras clave: Trasplante de riñón. Donadores vivos. Discurso.
Recebido em 06/07/10. Aprovado em 04/02/11.
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