A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E O ENTENDIMENTO DA PAISAGEM DA RPPN CISALPINA: COMPREENDENDO IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS A PARTIR DA PERSPECTIVA SISTÊMICA Katia Kayahara da Silva. Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD Mestranda em Geografia [email protected] Charlei Aparecido da Silva Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho, em fase inicial, faz parte dos esforços para a elaboração de uma dissertação de mestrado, cujo enfoque principal se encontra na análise da Paisagem da Reserva Natural do Patrimônio Natural (RPPN) Cisalpina, que ainda está em processo de instalação e o seu entorno (Figura 1). Reserva que pertence a CESP (Companhia Energética de São Paulo), e faz parte das medidas de ajuste de conduta pela construção a Usina Hidroelétrica Engenheiro Sergio Motta. O projeto realizado para sua elaboração vincula-se ao Laboratório de Geografia Física e ao Grupo de Pesquisa Sócio-econômico-ambiental de Mato Grosso do Sul, composto por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD. Sabe-se que de certa forma as questões ambientais estão ligadas a uma forma de pensar o mundo que separa o que é humano e o que é natural, nesse contexto, pensando a relação homem natureza de maneira sistêmica, o homem explora a natureza em um sistema de input (entrada) e output (saída), havendo assim uma dinâmica de matéria e energia constante. Quando extrai dela (natureza) as matérias primas necessárias para a sociedade o sistema produtivo devolve uma série de processos e resíduos que acabam por modificar a natureza. Essas modificações acabam por se materializar, seja na estética ou na forma de organização do sistema natural, na paisagem. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 Figura 1: RPPN Cisalpina e entorno 02/09/2009. Imagem LANDSAT 7, bandas 1, 2, 3. Elaboração: Katia Kayahara da Silva, 2010. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 OBJETIVOS A paisagem é o conceito chave para a elaboração deste trabalho, portanto a compreensão do mesmo sob o ponto de vista geográfico é grande importância para que os objetivos propostos sejam alcançados em sua plenitude. Assim, objetiva-se com este artigo compreender o conceito de paisagem e sua construção ao longo da historia da Geografia, e, também, fora dos limites desta ciência, essa proposição permitirá se verificar o conceito pode ser aplicado no estudo da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Cisalpina e seu entorno. Acredita-se que a compreensão do conceito de paisagem será de fundamental importância quando da análise dos impactos socioambientais decorrentes do enchimento do lago da UH Engenheiro Sérgio Motta. METODOLOGIAS Como foi dito na introdução deste artigo, este trabalho faz parte dos esforços para a elaboração de uma dissertação de mestrado, ainda em fase inicial. Por ser um trabalho iniciado recentemente, o roteiro teórioco-metodológico tem primado pelo aprofundamento nas referências bibliográficas que tratam do tema proposto. O texto em questão, portanto trata fundamentalmente do levantamento bibliográfico. Optou-se pela utilização do conceito de paisagem, pois este se mostra eficiente para alcançar a superação da dicotomia Homem/Natureza, que passa a ser predominante com o advento do positivismo e das ciências modernas. Sabe-se que os conflitos advindos da relação homem-natureza em grande parte dizem respeito à construção de um conceito de natureza com bases utilitaristas. A ação antrópica nesse sentido se dá visando a conquista da natureza para transformá-la em matéria-prima. Isso pode ser verificado segundo CAMARGO, 2005 através da nossa visão de natureza e sua relação com o conceito de espaço absoluto newtoniano “o fato da exterioridade da natureza é o bastante para a dominação da mesma”: Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 “Ampliando o debate sobre espaço absoluto, compreende-se também como e por que o homem moderno torna a natureza um elemento a parte, exterior a sua existência, pois a idéia de espaço absoluto, associada a tória da totalidade como máquina, cujos elementos constituem o somatório interno de suas partes, garante ao modo de produção dominante a contínua exploração e transformação dos recursos naturais, fragmentando a natureza, o modo de produção dominante tem a possibilidade de imobilizar os processos sistêmicos, transformando-os em pedaços da totalidade, e assim, a exploração de um recurso isolado, ou mesmo um problema ambiental específico, torna-se apenas um elementos a ser substituído, domado pela tecnociência” (CAMARGO, 2005, 89 p.). CONJUNTURAS PRELIMINARES É fato que uma transformação do porte da construção de uma Usina Hidroelétrica traz profundas mudanças na paisagem dos locais afetados. Mas quais são estas transformações? E quais são suas conseqüências? Essas são questões que tentarão ser esclarecidas à medida que o trabalho de elaboração da dissertação for tomando corpo, porém, antes de tentar responder essas questões deve-se ter-se claro de que tipo de paisagem está se falando. Outra condição colocada é até que ponto a análise da paisagem pode ser útil na explicação e compreensão da realidade espacial de uma área. Sabe-se que o termo paisagem é antigo e muito usado em outros campos, relacionado na maioria das vezes com aquilo que pode ser abarcado pelo olhar. Mas o sentido que se pretende dar para a paisagem neste trabalho vai além desta relação. Dessa condição estática, cuja dinâmica e os conflitos da relação homem-natureza não se fazem presente. Nas palavras de SANTOS “A paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual” (SANTOS, 1996, 104 p.), assim através da paisagem pode-se observar um conjunto de elementos que possibilitem entender a construção do local ao longo do tempo e desta forma entender a atual configuração da paisagem. Porém a paisagem não é constituída apenas de formas, as formas são uma expressão visível das inúmeras relações que se dão no local estudado, desta maneira, para entender as formas é necessário também entender as relações que se estabelecem no local – principalmente quanto a relação do homem com seu local. Pode-se então considerar que a Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 relação entre os conceitos “Paisagem” e “Espaço” é mais complexa do que nos apresenta SANTOS: “Durante a guerra fria, os laboratórios do pentágono chegaram a cogitar a produção de um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada área, mas preservando todas as construções. O Presidente Kennedy afinal renunciou a levar a cabo esse projeto. Senão, o que na véspera seria o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem” (SANTOS, 1996, 106 p.). Se paisagem vai além das formas é, portanto, mais complexa do que aquilo que pode ser abarcado pelo olhar, de forma simplificada BERTRAND defini que: “A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução” (BERTRAND, 1972,1 p.). De certa forma, essa associação da paisagem com a percepção possivelmente tem ralação com o seu sentido fora dos domínios da Geografia, onde, aliás, seu uso é mais antigo nas artes gráficas e remonta ao século XV. Na literatura, é anterior ao século XVIII, com seu ápice, no fim do século XIX a partir da poesia parnasiana que a tem como tema central, todavia, “é com o romance de aventura e o romance regionalista que a paisagem ganha espaço na literatura” (PASSOS, 1988, 30 p.). Na Geografia efetivamente passa a ser utilizada apenas no século XIX e no início de sua utilização era concebida como “o conjunto de ‘formas’ que caracterizam um setor determinado da superfície terrestre” (PASSOS, 1988, 30 p.), concepção que considera puramente as formas e que ganha cientificidade com HUMBOLDT (PASSOS, 1988). E é CARL TROL que “incorporou ao conceito de paisagem as abordagens praticamente contemporâneas da ecologia” (PASSOS, 1988, 32 p.) a partir disto o conceito de sistema é “incorporado aos estudos da paisagem considerada como um sistema aberto” (PASSOS, 1988, 32 p.). Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 A extinta União Soviética também contribuiu de maneira significativa para a construção do conceito de paisagem, os estudos sobre paisagem iniciam-se no século XIX com o nome de Geografia Física. Seu uso advém da necessidade de se valorizar os espaços ocupados pelas estepes e DOKOUTCHAEV é tido como seu fundador, os estudos dos primeiros autores dedicados ao estudo da paisagem levam a “conceber a superfície terrestre como epigeosfera, isto é, não só como um complicado sistema, senão como algo constituído por sua vez de vários subsistemas, os complexos naturais” (PASSOS, 1988, 32 p.). Os anos 1950 e 1960 são importantes para a afirmação do conceito de paisagem, o surgimento da Escola Siberiana de Geografia marca a passagem da tradicional sensibilidade ligada aos complexos naturais às “concepções sistêmicas das ciências contemporâneas”, principalmente com SOCHAVA, para ele: “Os geossistemas são os sistemas naturais, de nível local, regional ou global, nos quais o substrato mineral, o solo, as comunidades de seres vivos, a água e as massas de ar, particulares as diversas subdivisões da superfície terrestre, são interconectados por fluxos de matéria e energia, em um só conjunto” (SOCHAVA, 1978, in PASSOS, 1988, 36 p.). Para entender melhor a ligação entre os elementos da paisagem e, sua intrínseca relação com a questão dos impactos socioambientais, tomemos como exemplo, o enchimento do lago da Usina Hidroelétrica Engenheiro “Sergio Motta”, popularmente conhecida como “Porto Primavera”. A área em que atualmente está a RPPN Cisalpina faz parte da planície do rio Paraná e é resultado do antigo ambiente fluvial deste rio e em parte do Rio Verde e estava passando por um gradativo abandono e conseqüente ressecamento (Figura 2). Esse processo antecede a construção da Usina Hidroelétrica Engenheiro “Sergio Motta”, devido à manutenção de níveis fluviométricos do rio Paraná na cota 257 m, no remanso do reservatório de Porto Primavera, percebe-se um alagamento parcial dos paleocanais. Condição que se manifesta como um impacto socioambiental negativo que foi capaz de transformar consideravelmente a paisagem da área em questão. A desse breve exemplo apresentado pode-se associar o retorno da umidade na área da RPPN Cisalpina a matriz energética brasileira que, tentando ser “sustentável”, se baseia principalmente na energia gerada por usinas hidroelétricas, por considerar este tipo de energia Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 “limpa”, desconsiderando, muitas vezes impactos socioambientais que não se materializam diretamente ou rapidamente logo após a ação que o acarreta. Numa analise mais ampla este exemplo mostra também como decisões geradas fora do local afetam e o modificam de maneira significativa a paisagem e seu significado para os autóctones que, no cotidiano, convivem e se inter-relacionam com a mesma. Assim, se neste estudo, a analise da paisagem ficasse restrita ao visível, no campo meramente da observação, sem buscar-se os complexos processos de interação e interdependência existentes na relação homem-natureza se chegaria a conclusão de que o retorno da umidade ao local se deve ao enchimento do lago da Usina - o que, de fato é real. Porém, seria desconsiderado que construções deste porte são realizadas com o aval de forças que vem de fora do local que será afetado, e, com isso, relações que levam a construção de novas paisagens não são contabilizadas, mascarando dessa forma os conflitos e os impactos socioambientais que vierem a surgir. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 Figura 2: área da RPPN Cisalpina e entorna antes da inundação do lago da Usina Sergio Motta, Imagem LANDSAT 5, de 30/07/1985, bandas 1, 2 e 3. Organização: Katia Kayahara da Silva, 2010. TECENDO BREVES CONCLUSÕES As primeiras reflexões a respeito do referencial teórico metodológico escolhido para a elaboração do trabalho é de que sua proposta nas palavras de CAMARGO, 2005 de “suplantar a fragmentação e perceber os fenômenos a partir de sua interconectividade” auxilia Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 a percepção dos fenômenos de forma interligada, todos fazendo parte de uma complexa teia de relações que pode ser analiticamente dividida em sistemas menores. E particularmente no caso estudado entender está complexa teia que envolve os fenômenos e as relações que se estabelecem entre os elementos locais e externos permite que a proposta de utilizar o conceito de paisagem supere a dimensão do visível. BIBLIOGRAFIA ALTVALTER, E. O Preço da Riqueza. São Paulo: Editora da UNESP, 1995. 333 p. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9 BERTRAND, G. Paisagem e Geografia Física Global – Esboço Metodológico. Série caderno de ciências da terra N° 13. São Paulo: IGEOG/USP, 1972. CAMARGO, L. H. R. A Ruptura do Meio Ambiente:conhecendo as mudanças ambientais do planeta através de uma nova percepção da ciência a Geografia da complexidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, ANO, 205. DIAS, J. 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