EU SEI QUE TU ME SONDAS

Propaganda
WALDO LUÍS VIANA
EU SEI QUE TU ME SONDAS...
Depoimento pessoal e intimista
sobre uma caminhada espiritual
RIO DE JANEIRO
2008
DEDICATÓRIAS
Nos três meses em que escrevi este livro sofri de uma cruel solidão. Embora
não tenha sido interrompido pelas chatices cotidianas que habitualmente incomodam
os escritores, e fazem parte do folclore literário, para mim, como autêntico libriano,
sempre foi difícil suportar esse estado em que ficamos condenados a nos suportar a
nós mesmos. No entanto, mesmo sob protesto, consegui dirigir os pensamentos mais
doces para três pessoas: minha filha, Alana, que afinal tanto amo; minha mãe, Ângela,
cujo padecimento em virtude do câncer no pâncreas (que finalmente a levou deste
plano) me reensinou a viver e minha mulher, Rosana, em cujos olhos cheios de amor e
mãos, repletas de perdão, pude me espelhar para, após grave acidente, voltar a crer
na vida. A elas, minhas queridas, a mensagem irresistível e agradecida de um grande
afeto...
Também não posso esquecer de agradecer também a Ângela Gerber, amiga
evangélica que, certo dia, ao me sentir perdido, me ofereceu uma Bíblia...
2
SUMÁRIO –
Introdução: O Desastre... .......................................................................
1 – Retornando ao Sagrado .....................................................................
1º Intervalo – Oração ao Senhor .............................................................
2 – Anjos ou Macacos? .............................................................................
3 – As Contradições da Bíblia ..................................................................
2º Intervalo – A Contabilidade Sideral .....................................................
4 – O Problema da Fé ...............................................................................
3º Intervalo – O Rondó da Criatura .........................................................
5 – Jesus vivo ou mito? .............................................................................
6 – A solução protestante ..........................................................................
4º Intervalo – O desmonte das lágrimas ...................................................
7 – Templo é Dinheiro! ............................................................................
5º Intervalo – A Separação ......................................................................
8 – A Alternativa Espírita ..........................................................................
9 – A Reencarnação .................................................................................
6º Intervalo – A Promessa ........................................................................
10 – A História da Luz .............................................................................
11 – Os Doces Mistérios Cristãos ............................................................
12 – Os Véus da Trindade .........................................................................
7º Intervalo – O Ombro Estraçalhado .......................................................
13 – Um Muro de Virtudes .......................................................................
8º Intervalo – A Recuperação ....................................................................
Um Desamor à Igreja Católica ...................................................................
O Óbolo de São Pedro ..............................................................................
14 – Os Extraterrestres e as Moradas do Pai..............................................
9º Intervalo – “Quem São os Extraterrestres?” .........................................
“A Regra Áurea” ........................................................................................
15 – A Reconciliação dos Cristãos .............................................................
3
10º Intervalo – Um Anjo Salvou Minha Vida .............................................
Os Sinais ......................................................................................................
Epílogo: Uma Caminhada Espiritual ...........................................................
SUMÁRIO DAS ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – A Bíblia e a Teoria da Prosperidade ........................................
Quadro 2 – A Bíblia e a Reencarnação ........................................................
Quadro 3 – A História da Luz ......................................................................
Quadro 4 – A Bíblia e a Trindade ................................................................
Quadro 5 – A Bíblia e o Livre Exame ..........................................................
Quadro 6 – A Bíblia e as Imagens ................................................................
4
– INTRODUÇÃO:
O DESASTRE...
“Se você não teve dificuldade para encontrar Deus,
talvez não tenha sido Deus o que você encontrou.”
Thomas Merton
5
Comecei a me interessar por escrever sobre pontos de vista religiosos a partir
de um drama pessoal: fui agredido miseravelmente no Rio de Janeiro, sem
possibilidade de defesa, tendo feito uma operação delicadíssima no braço direito. Hoje
tenho uma prótese de titânio, de vinte centímetros e quatro parafusos, tendo sofrido
demais após a cirurgia, que foi realizada em hospital público. O meu período de
recuperação fez-me repensar a vida e me aproximar da religião de meus pais e avós.
Era uma espécie de ovelha desgarrada, um boêmio de vida desregrada, que passou a
desejar a volta ao rebanho, não só por causa do sofrimento, mas pela consciência de
que aquele grave acontecimento separou minha existência em duas partes.
Por que o sofrimento nos faz pensar de novo em Deus e refletir sobre a
necessidade de sua existência em nossa vida? Que miseráveis criaturas somos nós que,
quando vivemos o júbilo da alegria e do sucesso só pensamos em nós, esquecendo-nos
do Pai. E com que rapidez, deitamos no chão os joelhos para lembrar na desgraça e na
tragédia que somos filhos do mesmo Senhor e clamamos por sua misericórdia?
Esse depoimento é pessoal e muito simples. Não é um tratado de teologia nem
uma tentativa de provar qualquer coisa em matéria de religião. Aliás, o senso comum
sempre nos aconselhou a não discutir religião, futebol e política, o que, somado a meiadúzia de outros temas polêmicos, condenaria a humanidade a não sair do lugar e a não
experimentar nenhuma inovação ou progresso históricos. Quem não aprofunda nada
em termos de discussão, nem tenciona buscar a verdade, pelo menos como meta, acaba
sob o domínio da ditadura da opinião, do “achismo”.
O medo de falar sobre assuntos controversos aponta sempre para os espíritos
secos, descarnados de criatividade, afeitos à omissão e ao dar de ombros. Não é o caso
aqui. Vou ousar e me expor, mesmo que digam que exagerei, de que fui além do
esperado pelos conservadores de plantão.
Jamais fui conservador. Sempre enfrentei, de peito aberto, as polêmicas, os
assuntos que dividem e ganhei muita incompreensão e alguns inimigos. Escrevi vários
livros e eles sempre tocaram em temas difíceis, como política, drogas, alcoolismo,
religiões comparadas e costumes. Percorri vários caminhos, como se não soubesse nem
o que queria, mas não me arrependo dos resultados.
O indivíduo que é comumente apontado como intelectual e poeta fica
geralmente muito vaidoso. A desgraça é que acaba por deixar de perceber a linha
comum que o liga aos demais mortais no sentido social ou de cidadania. O intelectual
quer ficar numa espécie de céu inatingível, numa redoma, em que os demais lhe
prestem várias homenagens e, como no Brasil existe uma tendência à valorização da
mediocridade principalmente na mídia, acaba frustrado com as incompreensões e
praguejando contra os outros, como se os brasileiros fossem realmente uns
despreparados. Isso é outro exagero que cai por terra quando olhamos uma nação com
quase 200 milhões de habitantes, que detém quantidade enorme de homens e mulheres
notáveis.
Alguns livros meus ficaram encalhados, não por total incompetência, mas
porque as editoras, com o sentido de comércio, preferem apostar em livros de grande
apelo popular, deixando para trás aquilo que consideram que não ficará na lista dos
mais vendidos. É o espírito do capitalismo, para elas muito natural e que não se pode
6
lamentar. Nesse país, paradoxalmente, existem mais escritores do que leitores e esse
fosso estranho é difícil de cobrir, a não ser com educação e incentivo governamental à
leitura.
Ouso dizer que vou falar sobre religião e Cristianismo, assuntos que me
despertam bastante curiosidade e que não domino plenamente, o que não me inibe e até
estimula. Não me furtei a convidar para o ensaio diversos autores que compartilharam
comigo o debate e gravaram informalmente as suas opiniões. Não tive vergonha de
utilizar amplamente a Internet, porque ela veio para ficar e transformar nossa cultura,
queimando etapas com a sua velocidade. Agora, neste momento de outono, a vida
convida-me a uma suma, a um resumo espiritual necessário, mas jamais suficiente. Os
espaços vazios naturalmente serão ocupados, depois, pela reflexão do leitor...
Estudei em colégio de padres. Tive educação bastante satisfatória, não só pela
erudição dos professores, como pela companhia dos colegas, alguns hoje muito
famosos na sociedade. Eram filhos de gente rica e eu, um rapaz de classe média, num
tempo em que se dizia que se houvesse muito estudo e aplicação os empregos seriam
garantidos. No entanto, quando terminei a faculdade de Economia, o mercado já não
oferecia esse automatismo. Nem sempre quem terminava a graduação conseguia lugar
ao sol, especialmente no setor em que havia terminado o curso.
No período de formação escolar e acadêmica, reli a Bíblia umas quatro vezes,
pelo menos nos trechos mais importantes: o Pentateuco, os cinco livros de Moisés, os
evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos, Lucas e João), os salmos, os profetas Isaías e
Daniel, os Atos dos Apóstolos, também escritos por Lucas, as epístolas de Paulo e o
Apocalipse de João. Alguns amigos que encontrei pela vida achavam muito chato ler a
Bíblia. Os nomes e localidades hebraicos, a linguagem às vezes cifrada, afugentavam
muitas pessoas, embora se saiba que o Livro Sagrado seja o mais lido e comentado do
mundo.
Apesar disso, sabemos que o Cristianismo, quando dividido pelas inúmeras
confissões e seitas, não é mais a religião majoritária, vez que superada pelo islamismo
e acompanhada de perto pelo hinduísmo1, o que demonstra que a Casa do Pai tem
realmente várias moradas e os buscadores do bem podem ser encontrados inclusive
entre aqueles que não reconhecem Jesus como o único Salvador.
A esse propósito, quando estudamos religiões comparadas, descobrimos vários
princípios comuns, porque não se concebe um ser religioso que pretenda a destruição
de um irmão pela violência ou pela opressão. Aliás, a tese deste livro é bastante
simples: as religiões são parecidas e propõem, todas elas, uma linguagem de amor,
tolerância e compaixão. No entanto, quando crescem e se solidificam na elegância do
tempo, transformam-se em instituições e se tornam exigentes e dogmáticas na
sociedade. Para manter e defender seus princípios, usam de violência, intolerância e
perseguem os não seguidores, chamando-os de “ímpios”, “iníquos” ou infiéis,
desfigurando totalmente o que disseram, de início, os chamados “mestres-fundadores”.
Principais Religiões no mundo: Islamismo – 1,2 bilhões/hab; Catolicismo – 1,1 bilhões/hab;
Hinduísmo – 900 milhões/hab; Protestantes – 750 milhões/hab; Budismo – 400 milhões/hab; Ortodoxos
– 280 milhões/hab; Outras – 1,4 bilhões/hab. Fonte: Principais Religiões (nº de adeptos ONU/2000).
1
7
Quanto mais institucionalizada, mais uma religião reivindica ser “a melhor” e “a
única” que deva ser seguida. E ai daqueles que se aventurarem a pensar diferente...
As idas e vindas dessa história é o que me comprometo a contar – mercê da
paciência do leitor –, frisando que vou escoimar toda a complicação que poderia exibir
num livro com temas religiosos e bíblicos, inclusive o verbo escoimar.
E que Deus me ajude e que os homens não muito afeitos a aceitar novas
interpretações me perdoem. Porque o perdão, este sim, é uma ciência e aqueles que são
capazes de exercê-lo os realmente vencedores.
Teresópolis, 1º de novembro de 2008.
O autor.
8
–1–
RETORNANDO AO SAGRADO
“Muitos sabem falar de Deus. Alguns sabem falar
com Deus. Mas quase ninguém sabe calar perante
Deus para que Deus lhe possa falar.”
Huberto Rohden
9
Como já disse, estudei em colégio de padres. A maioria era constituída de
eruditos que me despertaram a atenção para a cultura e o valor da catolicidade, uma
coleção de informações profundas, transmitida por diversos autores por quase dois
milênios.
Ao lado da chatíssima educação tradicional, exigida pelos currículos do
Ministério da Educação e Cultura, aprendíamos a raciocinar e a criticar, apesar de meu
aprendizado no curso secundário ter sido reprimido pelas normas do período de
ditadura militar (1964-1985). Até a aterradora disciplina “Moral e Cívica” era servida
com molho especial, preparando os jovens tenros e atentos naquelas carteiras
enfileiradas a virarem futuros e decididos cidadãos.
Ocorreu, porém, fato curioso: quase todos aqueles padres eruditos deixaram o
celibato para resolver casar. Havia um professor de matemática, velho sacerdote cheio
de manias, que arranjou uma namorada e sumiu! Muitos de meus colegas e até meu
irmão, que também estudava em outro colégio católico tradicional, me confessavam
que para virar bons ateus bastava freqüentar aqueles grandes colégios, controlados por
salazaristas, beneditinos e jesuítas.
Por meu turno, resolvi desconfiar da desconfiança. Apesar de tudo, a Igreja
mantinha-se de pé, ensinando-me e com ótimos resultados. Passei brincando em dois
vestibulares e comecei a fazer duas faculdades: Economia e História. O primeiro curso
era em universidade particular, pela manhã; o segundo, em estabelecimento público
estadual, à noite.
Deixei o curso de história, porque precisava trabalhar e lamento muito ter
preferido continuar e concluir o curso de Ciências Econômicas, porque na época era
moda ser economista. Deixei de ser historiador, operador de história (ou qualquer
nome que se lhe dê) para tentar seguir os passos de quem acreditava no milagre
econômico dos denominados “anos de chumbo”.
A Economia é fascinante e quando ajuntamos a ela o adjetivo “Política”, passa
a ser objeto de grande interesse para um jovem estudante que vivia enfurnado na
biblioteca da faculdade. Só muito mais tarde, soube que a freqüência às bibliotecas é
hábito muito comum no estrangeiro, em países desenvolvidos, mas num subúrbio do
Rio de Janeiro, em 1972, tal conduta era vista como cometida por um ET...
Formei-me com 23 anos, sem a menor noção da importância do instrumental
que tinha nas mãos. À época, já estava afastado de Deus, preocupado com outros
interesses de juventude: namorar, passear no fim-de-semana e fazer todas as bobagens
que eram permitidas a um jovem de classe média.
Havia lido a Bíblia no colégio, obrigado pelas aulas de religião, mas a minha
posição era de completa alienação e desligamento. Li o Livro Sagrado como as misses
percorriam o livrinho de Saint-Exupéry “O Pequeno Príncipe”, aquele com a frase
célebre e sempre lembrada: “tu te tornas responsável por aquilo que cativas...”
A Bíblia para um adolescente é uma fábula, na medida em que lhe fervem os
hormônios e ele se aproxima do sexo, pé ante pé, como se estivesse rasgando com
10
coragem os véus do pecado. Se um religião lhe proibisse o sexo, pior para a religião. E
não fugi à regra, não sem uma pontinha desafinada de complexo de culpa!
O Pequeno Príncipe
Sempre gostei de ler, depois que desisti de ser jogador de futebol, por
insistência de minha família, porque, na época, não era profissão digna da classe
média. Jogava até bem, mas era menino de 15 anos obediente e passei a me dirigir para
a biblioteca do colégio. Passei a gostar do silêncio e da companhia dos livros, que não
brigavam nem gritavam comigo.
Dentre tantos livros “lidos”, passei as retinas pelo “O Pequeno Príncipe” do
célebre autor francês Saint-Exupéry, embora tenha absorvido muito pouco de seu
significado. Pareceu-me uma estória bonita quanto tantas outras e até pensei que
poderia virar mero desenho animado. Esse dado é muito importante para o que falarei a
seguir. O cérebro humano, na adolescência, tende à fabulação e ao sonho, repudiando
inconscientemente as mais elaboradas categorias racionais. A própria concentração, tão
necessária a estudos mais refinados, é uma conquista da maturidade, sendo o jovem um
ser naturalmente desatento e realmente preocupado com assuntos particulares, que, não
raro, nada tem a ver com temas eruditos ou cultos. O jovem quer conquistar o dia a dia,
divertir-se, que em latim significa “desviar-se de”, quer fazer tudo o que não seja
obrigação, mas lhe lembre festejos e festas (hoje chamam “baladas”). E isso é muito
natural. Comigo acontecia a mesma coisa.
A leitura do best-seller francês não me despertou qualquer entusiasmo e li
aquelas páginas como se fossem uma esquecível estória em quadrinhos. Nada mais que
isso. O principezinho representava apenas um menino solitário a fazer observações
sobre a vida de maneira nobre e completamente distante da minha realidade brasileira.
Anos depois, ao reler o livro, é que percebi a grandeza daquela obra universal, que
canta a relação de abandono do homem em relação ao universo, muito maior do que
consegue entender a pobre compreensão mortal.
Anos além, tornei-me amigo e assistente de um juiz, no Rio de Janeiro, que me
ensinou uma regra de ouro, que jamais deixei de recordar: o importante não são os
livros lidos, mas os “relidos”. A princípio não entendi o que aquilo significava, mas o
reforço dos anos, com os inevitáveis sofrimentos da experiência, conduziu-me a lhe dar
inteira razão. Assim como não podemos desprezar os grandes filmes, vendo-os apenas
uma vez, os livros são inúmeros e não dá para ler todos no pequeno espaço de uma
existência. Então, o que resta a nós, pobres mortais, senão tão somente fixar a atenção
nos melhores autores, voltando sempre a eles, como se necessitássemos de uma
cintilação de luz abaixo de um disfarçado e escondido véu de ignorância?
Um reencontro digital...
Imediatamente o espírito voltou-se para os livros que jaziam na minha pequena
biblioteca, a maioria deles lidos, sublinhados, riscados e com observações nas margens.
Sempre cultivei o hábito de estragar os livros que passavam por minhas mãos,
11
discutindo por escrito com os autores, ressaltando os pensamentos mais importantes,
sublinhando-os com régua ou sem régua, sempre à caneta, de sorte que quando a
leitura era concluída, eles estavam completamente ultrajados em sua pureza. Mal
ficavam de pé as páginas, em que colocava um molho de opiniões, às vezes descabidas
(perceberia posteriormente), mas para mim seria tortura deixar as folhas impressas
totalmente passivas, sem ser incomodadas ou remexidas. Um hábito meio mórbido,
meio necessidade visceral da qual não conseguiria nunca mais fugir. Era um vício
desses que nos permitimos na solidão diante de páginas silenciosas, apenas nossas...
Assim estavam os livros nas prateleiras e voltei a olhá-los com simpatia, ao
invés de percorrer apressadamente livrarias e sebos em busca de títulos novos. Quem
sabe eu já tivesse tudo ali...
Com o advento do computador, então, minhas entranhas ficaram ainda mais
calmas, porque a possibilidade de pesquisa ficou ao alcance de um clique, sem
demoras ou problemas. A velocidade substituiu a procura e hoje a juventude, tendo nas
mãos a selva eletrônica, não precisa mais se preocupar com a acumulação do
conhecimento, mas com o treinamento em buscar informações, saber onde estão e
como combiná-las. Os professores e pedagogos que se revoltarem contra essa
inevitável realidade estarão em menos de dez anos completamente superados.
Meu reencontro com a Bíblia deu-se digitalmente. Desloquei um programa para
o computador com todo o texto e adaptei o desktop para receber passagens bíblicas
todas as vezes que voltava à área de trabalho. Aí aconteceu dentro de mim grande
transformação.
Já havia casado e tinha uma filha, separei-me e vivia sozinho – a Bíblia passou,
então, num passe de mágica, a ter sentido, a princípio como suave tônico moral, que
acalmava como água fresca a fronte, depois como depósito de grande conhecimento e
reflexão espiritual à disposição, mas que antes, por imaturidade, não dera a menor
atenção.
Casei-me na Igreja católica, com tudo o que tinha direito: noiva de branco,
grávida, festa em clube e lua-de-mel. Separei-me e me informaram que, pelo direito
canônico, já não poderia receber a comunhão. Tive outras esposas e, por conseguinte,
era uma católico muito triste, expulso da comunidade pela porta dos fundos!
Infelizmente ou não, um escritor e poeta gosta muito de sexo e de mulher (sou
um homem primitivo!). Isso parece não ser bem compreendido pelas autoridades
eclesiásticas que recomendam o casamento eterno e monogâmico, o que escapa um
pouco da gravidade nesses tempos conturbados.
Isso, todavia, não me impediu nem me censurou quanto à leitura dos textos
bíblicos. Meu trabalho, como jornalista, função que exercia desde 1979, portanto antes
da exigência de diploma, no Brasil, levou-me a escrever sobre religiões comparadas e
história mística, ou seja, aquela que vem sendo pesquisada antes de Menés, que fundou
o Egito aos 3200 a.C. (antes de Cristo) e iniciou a história ocidental consentida. A
pergunta que me impulsionava, à época, era: de onde veio aquele negro, que inaugurou
a história do jeito que a conhecemos?
12
Minha curiosidade não aceitava as respostas prontas da arqueologia e da
etnologia. Eu queria ir além. Comecei a estudar o chamado realismo fantástico e
autores como Robert Charroux, Erich Von Daniken, Louis Pauwels e Jacques Bergier,
que direcionavam suas pesquisas para respostas menos caretas sobre os problemas de
origem da humanidade. Nem é preciso dizer que, em tempos de ditadura militar,
pesquisar assuntos como o desaparecimento da Atlântida ou a Teoria da Terra Oca
não gerava complicações com a censura ou com o temido Departamento de Ordem
Política e Social. Para complicar ainda mais, recebia monografias da Ordem Rosacruz,
que discutia e aprofundava esses assuntos de maneira sistemática, dando inclusive um
tratamento todo especial ao papel de Jesus no mundo. Cheguei ao décimo grau da
Ordem e depois desisti, até hoje nem sei mesmo o motivo, embora mantenha comigo o
material, que, de vez em quando, consulto.
Partindo dessa barafunda espiritual, num salto no tempo, vi-me com 45 anos de
idade (nasci em 1955) num reencontro inesperado e computacional com a chamada
“Palavra de Deus”, que Daniken, na década de 70, tentou provar que era manifestação
de seres extra-terrestres soprada nos ouvidos de pastores semi-analfabetos e machistas,
que constituíam então as tribos de Israel.
Os cometas seriam uma espécie de espermatozóides celestes que polinizariam a
terra em tempos imemoriais, depositando o sêmen da vida nas águas de nosso planeta,
cuja evolução, através de milhões de anos, foi conduzindo a vida para a terra firme.
Como prova, o autor normalmente se reportava aos relatos bíblicos sobre carruagens de
fogo e o célebre primeiro capítulo do livro de Ezequiel – que seriam indícios da visita e
interferência de discos voadores na história humana. Não seria a sarça ardente de
Moisés somente a manifestação mecânica de extra-terrestres, transferindo
conhecimento moral a tribos despreparadas para uma transformação revolucionária em
tempos de disseminado paganismo2?
Aliás, o repúdio ao culto de ídolos e de falsos deuses, em favor de um Deus
único e pessoal, é a constante do texto bíblico durante todo o Antigo Testamento,
assim como a idéia de povo escolhido, em detrimento de todos os outros. Tais idéias,
que prevaleciam nos textos antigos, foram superadas, no Novo Testamento, pela
dilatação do Evangelho para todos os povos, mesmo os denominados gentios e não
circuncidados. A linha de ligação no texto sagrado, no entanto, sempre foi a recusa
radical à idolatria, ao culto de falsas divindades e das exterioridades, em nome de uma
autêntica vida espiritual.
Qual não foi a minha surpresa ao presenciar o retorno agressivo da idolatria em
nosso tempo, com o capitalismo emporcalhando todas as festas religiosas com a
ideologia onipotente do comprar e vender objetos: desde ovos de páscoa a
eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Mede-se a felicidade e bondade humanas pela
quantidade de dinheiro, objetos e posses que cada indivíduo possua e não pela
espiritualidade original que foi fixada pela sucessão de datas no calendário religioso.
Do latim “paganismus”, conjunto de idéias dos povos “pagãos”, que habitavam os campos e não eram
propensos à cultura dos cidadãos das cidades, mais preparados e esclarecidos pelo ensino. Hoje,
consideram-se pagãos aqueles que não receberam o sacramento do batismo ou não aceitam a ortodoxia
da religião.
2
13
E o mais grave é a mitificação de ídolos populares de música pop, rock e outros
ritmos, a ponto de se perceber uma substituição perversa da vida espiritual para a
exaltação pura e simples de indivíduos envolvidos com hábitos não muito
recomendáveis, incluindo aí o delírio das drogas e da sexualidade desenfreada. Esse
retorno à idolatria, ao contrário de ajudar a melhorar a vida humana, precipitou as
pessoas, principalmente nas grandes cidades, em graves problemas psicológicos de
solidão, depressão e violência – fenômenos agravados e incitados pela mídia, que
depende da manutenção da mesma idolatria para continuar funcionando...
14
1º INTERVALO –
ORAÇÃO AO SENHOR
Meu Senhor,
Sei que Tu me sondas
E procurei ser forte,
Na franca medida de minha fraqueza,
Meus pés fraquejaram ao perseguir limites,
Em que não sabia se desmaiava
Ou sobrevivia.
Sei que Tu me sondas
E até me indicará caminhos,
Sinto-me ansioso por novas jornadas,
Os fins, os desafios (quais serão?)...
Meu Senhor,
Quão complexo é para mim
O discernimento de Tuas diretrizes,
Mas percebi, pelo menos,
Em meio a dores e certa tragédia,
Desmedida,
Os Teus dedos luminosos
Finalmente tocarem em mim.
Deus meu,
Não me sinto derrotado,
És meu freio de arrumação,
Quando pensava, em pobre orgulho,
Que urdia um vôo de águia,
No entanto, nada havia,
A algaravia ficou simbolizada
Nos cacos alquebrados
Do ombro direito,
Explodido pelo cabo de um fuzil,
Bala perdida ao contrário,
A desviar meu destino em direção a Ti.
Ó meu Senhor,
Tu me sondas e me fez chorar,
Como menino sozinho,
De dor, pânico e estupor,
Mas deu-me compreensão
Para entender a humana natureza
E a sua natural torpeza
De fazer sofrer
A quem diz que mais ama,
Pelo fio do poder,
Do controle e da opressão.
15
Meus olhos, meu Senhor,
Estão ensaboados de lágrimas
E nem consigo ter ódio no coração,
Sabes, aquele ódio de bandido celerado
Que se compraz na vingança,
Porque entendi, pela primeira vez,
Como é que o Senhor opera:
Não vale a pena sujar as mãos
Com o sangue dos que nos ofendem,
Em virtude de que És quem chama para Ti
O supremo julgamento,
Sem o qual as violências jamais seriam mitigadas,
Nem ser teria o menor sentido.
Se fizeres por mim um renascimento,
Já terá valido a pena ter vivido,
Ter meu cérebro poupado,
As vísceras, o andar
E a capacidade total de amar de novo.
Que essa oração tão dorida,
Em forma de lamento,
Caia em Teu colo tão divino
E converta minha dor,
Particular e egoísta,
Em momento de reabilitação
Para o sofrimento de outro semelhante,
Mais carente.
Quando vejo a meu lado
Os que mais sofrem,
Morro de imensa vergonha
De Te pedir:
Afasta de mim este cálice de dor,
Porque confesso que aprendi
E consegui ver, em silêncio,
Sozinho, trêmulo e abandonado,
Que Tua luz rebrilhava
E que me mandaste um Anjo.
Esteja certo, Deus meu,
Cumprirei a minha parte
E até acho ter ultrapassado
Alguns limites por pré-julgamento,
Mas será que o Senhor me permitiria
Diminuir tanta dor em meu corpo,
Embora ela tenha sido útil
Para purgar os pecados de minh'alma?
Volvo a Ti, em comedimento,
16
Um sinal, porta fora, porta adentro,
Ó meu Senhor,
Perdoa Tua pobre criatura,
Senhor,
Livra-me de mim...
7 de agosto de 2008.
17
–2–
ANJOS OU MACACOS?
“Tanto o nascimento da espécie como o do indivíduo
são partes daquela série de acontecimentos que a nossa
inteligência recusa a aceitar como efeito cego do acaso.”
Charles Darwin
18
Não há dúvida de que o problema da expansão do Evangelho pelo mundo não é
mais questão de convencimento – já que as igrejas católica e protestante se espalharam
pelo mundo – mas um tema de ordem social, quando se confronta o poder religioso em
relação ao crescimento e predomínio do Estado nacional moderno, a partir do século
XVI.
Pouco a pouco, o Estado foi tomando para si a autoridade política, pondo as
igrejas em situação paralela, em primeiro lugar; numa fase intermediária, as
instituições religiosas passaram a lhe ser subordinadas e, modernamente, a maioria das
sociedades ocidentais optou por separar as igrejas do Estado e ele passou a ser laico e
secular, ou seja, não religioso, partidário de um código de leis completamente separado
de eventuais ou permanentes crenças religiosas.
Essa separação entre igrejas e Estado influenciou de forma determinante na
educação e nas teorias aceitas sobre a origem do homem e do Universo, embora muitos
conflitos tenham se estabelecido na fixação de políticas públicas de ensino que
evitassem essas questões centrais do pensamento religioso.
É interessante observar que todos os países que optaram por regimes de estados
teocráticos, vale dizer, sustentados por uma ideologia religiosa e o mandonismo de
uma casta de sacerdotes, sempre abrem enormes janelas para as inquisições, com
extensa gama de acusações falsas, prisões injustificadas, violências, torturas e grandes
injustiças. Assim, tivemos episódios sangrentos nas inquisições espanhola, portuguesa
e das cidades italianas, nos séculos XVI e XVII, e, modernamente, em estados
islâmicos controlados pelo fundamentalismo religioso xiita, como o Irã, a partir de
1979.
O fundamentalismo é a resposta religiosa contra os costumes modernos,
tentando restaurar um estado de poder anterior, geralmente com origem na Idade
Média, em que a religião tinha o foco central e influenciava totalmente a vida das
populações. As cruzadas na Idade Média contra os muçulmanos, as perseguições aos
judeus, que chegaram até o século XX e a demonização de grupos minoritários como
os ciganos e outras minorias étnicas sem pátria ou território definido – são exemplos
típicos dos injustificáveis procedimentos adotados por seres humanos perturbados
psicologicamente que, ao se investirem de algum poder, resolviam promover processos
de limpeza étnica, com o genocídio de milhares de pessoas.
Por sua vez, se a Igreja optou por reconhecer como doutrina religiosa
incontestável o chamado criacionismo, isto é, que existiria um princípio inteligente
(Deus) por baixo da criação de tudo, do céu, da terra e do homem, as doutrinas
protestantes, principalmente em solo norte-americano, procuraram manter o ensino da
doutrina de maneira universal nas escolas, a ponto de contrariar os princípios
constitucionais do Estado laico, previstos na própria Constituição daquele país.
Uma embriaguez científica
A reação social a essa intromissão indevida da religião na interpretação
científica das origens do Universo e da vida humana produziram a princípio na França
o movimento iluminista, no século XVIII. Tal movimento – o nome já sugere –
procurava trazer a luz do conhecimento onde só existiam pretensamente as trevas
19
mantidas pelos preconceitos religiosos. As ciências receberam grande revitalização e
os pesquisadores já não eram punidos por estudos e teorias. Tal tendência evoluiu no
século XIX para uma atmosfera de valorização das descobertas e experimentação
científicas, apartando o pensamento humano e livre da censura religiosa e de suas
espantosas exigências do passado.
Foi nesse clima de embriaguez que surgiram as célebres obras de Charles
Darwin3 que sacudiram as academias de ciência e os espíritos predispostos a expulsar
de vez os princípios religiosos do privilégio de explicar temas que os estudiosos
consideravam privativos da reflexão científica.
São bem conhecidos os princípios da sobrevivência do mais apto e da seleção
natural das espécies, com a manutenção daquelas mais resistentes na sua interação com
o meio ambiente selvagem. Charles Darwin descobrira que a luta frenética entre os
animais em busca de sustento formaria uma cadeia alimentar entre as espécies, capaz
de promover o equilíbrio na natureza e a adaptação de algumas espécies e o
desaparecimento de outras.
Tais idéias foram aproveitadas pelos perseguidores do pensamento religioso
para contestar o predomínio ideológico do pensamento bíblico, com a antiga história
do Gênesis, da criação do mundo em seis dias, a existência de um casal humano
original, expulso do paraíso por haver comido da árvore do conhecimento.
Não admitindo nem a utilidade moral do posicionamento religioso sobre o
início da Criação, os cientistas contestavam a história como sendo uma fábula sem
qualquer valor, incorrendo, a meu ver, no mesmo erro estratégico dos criacionistas:
invadir com argumentos científicos a seara bíblica, assim como aqueles que desejam
impingir pelo ensino a doutrina criacionista como se fosse uma incontestável verdade
científica.
O que sobrou, na prática, na mente popular, foi a percepção imprecisa de que o
homem descenderia do macaco, como se essa fosse uma punição para o nosso
orgulho, que, por séculos, acreditou que éramos filhos de Deus, criados à sua imagem
e semelhança.
Na verdade, quando retornamos à raiz dos termos bíblicos, ao hebraico,
percebemos que as palavras Adão e Eva não significam a existência de um casal
concreto, como João e Maria, típicos do nosso tempo. O idioma hebraico tem a
propriedade de expressar numa palavra diversos significados. Adão, por exemplo,
significa o homem, o vinho, a cor vermelha. Na língua suméria “adamu” significa
“imagem”, como se fosse uma feição genética interna4, sendo que “adamah” quer dizer
“o terráqueo” e o sufixo “dam” significa “sangue”. Em suma, em língua suméria Adão
quer dizer “feito de sangue”5. Por seu turno, Eva, no hebraico, vem de “Ava”, que
significa a mãe, o branco, o leite e aquela que tem vida. Em língua suméria, a palavra
“Ti” pode equivaler, curiosamente, tanto à palavra vida quanto ao vocábulo “costela”6.
3
A Origem das Espécies (1859) e A Origem do Homem (1871).
Cf. SITCHIN, Zecharia. Gênesis Revisitado, p. 167, tradução de Evelyn Kay Masssaro e Marcília
Britto, 7ª edição, São Paulo, Editora Best Seller, 1990.
5
Idem, p. 168.
6
Idem, p. 191.
4
20
Essas observações, um pouco complicadas, servem apenas para esclarecer que a
Bíblia não é coisa simples como uma narrativa linear, tendo enormes ciladas de
significado a ser interpretadas pelos espíritos abertos. Jamais consegui entender, por
exemplo, como Adão e Eva foram expulsos do Paraíso por haverem comido da árvore
do conhecimento, através da sedução diabólica da serpente, e Caim, ao ter matado o
irmão Abel, no primeiro e terrível homicídio registrado, ter tido somente, como
punição de Deus, uma marca na testa e o exílio, para fundar novas cidades7. O crime de
Caim pareceu-me sempre muito mais grave. No entanto, quem sou eu para julgar as
soluções divinas, que sempre chamei, jocosamente, de contabilidade sideral?
A solução dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos foi a de impedir
que o criacionismo fosse ensinado nas escolas como doutrina oficial, referendando os
princípios constitucionais de separação entre Religião e Estado (Estado laico e
secular).
De qualquer modo, apesar do sucesso popular e da penetração das idéias
evolucionistas, as mais recentes pesquisas no campo da genética, da arqueologia e da
paleontologia apontam para uma origem unitária da humanidade a partir do Norte da
África e que os macacos e o homem derivam de um tronco comum. No entanto, a
partir de certo momento, que a Bíblia refere como um sopro em suas narinas, o homem
distanciou-se dos primatas, queimando etapas evolucionárias até ser o que vemos hoje
com toda a sua variedade e beleza.
Ao mesmo tempo, se a inteligência dependesse apenas do tamanho do cérebro,
elefantes e baleias seriam muito mais inteligentes e preparados que os homens e, por
conseguinte, os verdadeiros reis da criação...
7
Cf. Gn., 4: 14-17.
21
–3–
AS CONTRADIÇÕES DA BÍBLIA
“Poucos conhecem a fundo as máximas e os provérbios do
Evangelho. A razão disso está, em grande parte, na dificuldade
que a leitura do Evangelho apresenta: entendimento
muito difícil para um grande número de pessoas.
A forma alegórica, o misticismo intencional da linguagem
fazem com que a maioria o leia por desencargo de consciência
e por dever, como lêem as preces, quer dizer, sem proveito.”
Allan Kardec
22
A Bíblia engloba os aspectos mais importantes da vida humana, formulando um
projeto que força o crente ou seguidor de suas palavras a uma incontestável adesão a
princípios sólidos. Certo? Não, errado. Nem sempre é assim, a começar pelo tipo de
interpretação que se adota: aquela que compreende a Bíblia ao pé da letra, isto é, tudo
o que lá foi escrito seria a pura expressão da verdade, como, por exemplo, que os
primeiros homens foram Adão e Eva e outra, mais elaborada, que permitiria o
reconhecimento da metáfora de seus ensinamentos, como afirmamos, Adão vem do
hebraico “Adam”, que significa “o homem” e Eva, significa “Ava”, “a mulher”, sendo
uma representação do alvorecer da humanidade com as suas sementes iniciais.
Incontestavelmente, Deus, no texto sagrado, identifica-se com o gênero
masculino, criando o homem “à sua imagem e semelhança”8, fazendo-o “governar” a
mulher9, orar, segundo os ensinamentos de Jesus, o “Pai-Nosso” e realizando a sua
vontade10. É adotado, também, um modelo patriarcal de sujeição da mulher ao marido,
recomendando-se que “as mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao
Senhor”11 assim como “também os maridos devem amar a sua mulher como ao
próprio corpo”12, “porque, primeiro, foi formado Adão, depois Eva; todavia, será
preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, amor, e
santificação, com bom senso”13. A “missão de mãe”, naturalmente, refere-se à
procriação e criação dos filhos, fugindo ao modelo feminista que está na moda em
nossos tempos.
O sexo à moda antiga
Foi permitido, pela tradição judaica do Antigo Testamento, o exercício da
poliginia (mais de uma mulher para um homem)14 sendo que Esaú teve três mulheres,
Jacó queria Raquel e acabou tendo quatro mulheres15, Moisés teve duas mulheres e o
rei Davi, ascendente do Messias, teve oito mulheres16. Salomão, por sua vez, filho de
Davi, conseguiu a proeza de manter 700 mulheres e 300 concubinas17. A bigamia
também existia: Lemeque praticou-a, com suas esposas, Ada e Zilá18 e Elcana, pai de
Samuel, que esposou Ana e Penina19 também foi relatado o amor intersexual entre
Noemi e Rute20 e entre Jônatas e Davi21. De qualquer maneira, não havia casamentos
“por amor”, como modernamente o concebemos (e fingimos que dá sempre certo),
8
Cf. Bíblia Sagrada, Gn., 1: 26-27, traduzida em português por João Ferreira de Almeida, Revista e
Atualizada no Brasil, 2ª edição, São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
9
Idem, Gn., 3: 17
10
Cf. Mt., 6: 9-10.
11
Cf. Ef. 5: 22.
12
Cf. Ef. 5: 28.
13
Cf. 1 Tm. 2: 13, 15.
14
Dt., 21: 15. Segundo a etnologia, a poliginia também seria uma prática social, ou regime matrimonial,
no qual um homem pode casar-se duas ou mais mulheres que sejam irmãs entre si o que comumente
ocorria nas tribos judaicas. Nesse sentido, ela difere da poligamia, que é o casamento de um homem com
várias mulheres não importando a origem de sangue.
15
Cf. Gn., 29: 29 a 31:17.
16
Cf. 2 Sm., 3: 2, 5.
17
Cf. 1 Rs., 11: 3.
18
Cf. Gn., 4: 19.
19
Cf. 1 Sm., 1: 2.
20
Cf. Rt., 1: 15, 18.
21
Cf. 1 Sm., 20: 17 e 2 Sm., 1: 26.
23
havendo espaço para arranjos e negociações entre as famílias e tribos, visando sempre
à descendência.
É preciso notar que a sobrevivência do clã ficava acima de imperativos morais,
como na célebre passagem:
“Vem, façamo-lo beber vinho, deitemo-nos com ele e conservemos a
descendência de nosso pai. Naquela noite, pois, deram de beber vinho a seu
pai, e, entrando a primogênita, se deitou com ele, sem que ele o notasse, nem
quando ela se deitou, nem quando se levantou.”22
Um outro trecho, porém, contradiz tal tendência, condenando de modo enérgico
o incesto:
“Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne para lhe
descobrir a nudez. Eu sou o Senhor. Não descobrirás a nudez de teu pai e de
tua mãe; ela é tua mãe; não lhe descobrirás a nudez. Não descobrirás a nudez
da mulher de teu pai; é nudez de teu pai. A nudez de tua irmã, filha de teu pai
ou filha de tua mãe, nascida em casa ou fora de casa, a sua nudez não
descobrirás.”23
No entanto, mesmo tendo sido fixada a proibição, Amnon manteve relações
incestuosas com Tamar, sua irmã a quem dirigiu depois sua aversão, despertando a ira
de Absalão, seu irmão, que a acolheu, embora a impedisse de protestar, e do próprio rei
Davi. Passados dois anos, Absalão mata Amnon pela vergonha passada por sua irmã.
Nesse sentido, vemos o incesto e o fratricídio (assassinato de irmão), aliás não raro em
páginas bíblicas.24
O estupro e abuso sexual, sugeridos em Sodoma e Gomorra25 são relatados, de
igual modo, em Juízes, quando uma concubina virgem é oferecida a viajantes que,
embriagados, a molestaram a noite inteira. Com o amanhecer, o seu senhor a faz entrar
em casa e a despedaça em doze partes26.
Em Levítico, temos explícita a proibição da pedofilia e de qualquer ato sexual
no período da menstruação:
“A nudez duma mulher e de sua filha não descobrirás; não tomarás a
filha
de seu filho, nem a filha de sua filha, para lhe descobrir a nudez; parentes são;
maldade é. (...) Não te chegarás à mulher para lhe descobrir a nudez, durante a
menstruação.”27
No mesmo livro, foram consideradas “abomináveis” as práticas homossexuais,
sendo que, explicitamente, fala-se na condenação à morte dos praticantes de relações
dessa natureza:
22
Cf. Gn., 19: 32, 33.
Cf. Lv., 18: 6, 9.
24
Cf. 2 Sm., 13.
25
Cf. Gn., 19: 5.
26
Cf. Jz., 19: 20 a 29.
27
Cf. Lv., 18: 17, 19.
23
24
“Com homem não te deitarás, como se fosse mulher, é abominação. (...) Se
também um homem se deitar com outro
homem, como se fosse mulher,
ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre
eles.”28
Os atos sexuais com animais foram proibidos, embora não com tanta
veemência, embora se chamando a atenção para os perigos dessa ação sobre a saúde:
“Não te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a
mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele; é confusão.”29
Em Deuteronômio, por seu turno, há duas citações importantes, uma contra o
“travestimento” e outra de segregação a castrados:
“A mulher não usará roupa de homem, nem o homem, veste peculiar à
mulher, porque qualquer que faz tais coisas é abominável ao Senhor teu
Deus.”30
“Aquele a quem forem trilhados os testículos ou cortados o membro viril
não entrará na Assembléia do Senhor.”31
O Novo Testamento, em que a novidade é a transmissão da Palavra não mais
exclusivamente a judeus, mas a todos os povos32 dedica uma famosa passagem de
Jesus não condenando um ato de adultério que, pela Lei Mosaica, era sempre punido
com apedrejamento33.
Seus discípulos mais chegados, todavia, chamados apóstolos, tiveram grande
trabalho em adaptar a mentalidade dos povos às intenções do Evangelho de Jesus.
Recordavam sempre que os povos deveriam abster-se da contaminação dos ídolos
(idolatria), bem como “das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e
do sangue.”34
Essas coisas eram consideradas, essenciais e dispensadas a circuncisão, antes
considerada, no Velho Testamento como exigência:
“Todo macho entre vós será circuncidado. Circuncuncidareis a carne
do
vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós. O que tem
oito dias será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações, tanto
o escravo nascido em casa como o comprado a qualquer estrangeiro que
não for da tua estirpe. Com efeito, será circuncidado o nascido em tua casa e
o comprado por teu dinheiro; a minha aliança estará na vossa carne e será
aliança perpétua. O incircunciso, que não for circuncidado na carne do
28
Cf. Lv., 18: 22 e 20: 13.
Cf. Lv., 20: 13.
30
Cf. Dt., 22: 5.
31
Cf. Dt., 23: 1.
32
Cf. Mt., 28: 19.
33
Cf. Jo., 8: 1, 11.
34
Cf. At., 15: 20.
29
25
prepúcio, essa vida será eliminada do
aliança.”35.
seu
povo;
quebrou
a
minha
Em diversos pontos do Novo Testamento, por conseguinte, faz-se menção à não
necessidade do instituto da circuncisão como forma de agradar a Deus e obter a
salvação:


“A circuncisão, em si, não é nada; a incircuncisão também nada é, mas o que
vale é guardar as ordenanças de Deus.”36;
“Porque em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor
algum, mas a fé que atua pelo amor.”37
Instaurava-se uma nova noção de moralidade, mas ajustada à tolerância e ao
congraçamento entre os povos. Um conjunto de preceitos mais tolerantes, incluindo a
nova disciplina do matrimônio monogâmico. Passou-se a dizer: “aquele que pratica a
imoralidade peca contra o próprio corpo”38. A viuvez da mulher tornou-se um
acontecimento social importante, passando a “cancelar o adultério”39 e o Apóstolo
Paulo institui o grande preceito, pelo qual o casamento se torna importante
disciplinador de mentes, que, de outro modo, poderiam queimar em fantasias sexuais:
“E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado
em que também eu vivo. Caso, porém, não se dominem, que se casem;
porque é melhor casar do que viver abrasado.”40
Como é natural que “todos pecaram e carecem da Glória de Deus”41 é preciso
vencer a tentação, para a qual Deus fornecerá os limites para suportá-la42, pedindo
algo que transcende os prazeres da carne, limpando o próprio coração e humilhando-se
na presença do Senhor43.
Paulo também denuncia os homossexualismos feminino e masculino como
práticas inadequadas aos planos de Deus e a correta direção dos homens:
“...até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por
outro, contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando
o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade,
cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si
mesmos, a merecida
44
punição do seu erro.”
Além da lembrança dos males das doenças sexualmente transmissíveis,
facilmente sugeridas no trecho acima, Paulo faz um julgamento prévio daqueles que
não alcançarão o futuro Reino de Deus:
35
Cf. Gn., 17: 9, 14.
Cf. 1 Co., 7: 19.
37
Cf. Gl., 5: 6.
38
Cf. 1 Co., 6: 18.
39
Cf. Rm., 7: 3.
40
Cf. 1 Co., 7: 8, 9.
41
Cf. Rm., 3: 23.
42
Cf. 1 Co., 10: 13.
43
Cf. Tg., 4: 1, 10.
44
Cf. Rm., 1: 26, 27.
36
26
“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não
vos
enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem
sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem
maldizentes,
nem
45
roubadores herdarão o reino de Deus.”
Ao final, Paulo, na epístola aos Hebreus, faz menção explícita às relações
sexuais ideais, tipificando o que resultaria na contribuição mais significativa do
Cristianismo à formação e estabilidade das famílias:
“Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem
mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros.”46
Pelo que vimos nas diversas citações bíblicas, o Livro Sagrado não pode ser
acusado de não haver definido claramente os balizamentos do que considera uma sadia
vida cristã, embora saibamos que vivemos tempos muito conturbados, em que as
relações sexuais pervertidas, o homossexualismo disseminado, a idolatria para com
animais e, mais recentemente, a pedofilia, que tem obtido muitos adeptos pela Internet,
vêm demonstrando desequilíbrios que, segundo a Bíblia, revelam que os tempos são
chegados.
Na primeira epístola aos Tessalonicenses, Paulo nos diz claramente que “o Dia
do Senhor virá como ladrão de noite”47 e o Apocalipse afirma que o seu reino se
implantará apesar da importância da Grande Babilônia, a mãe das meretrizes e das
abominações, a cidade que domina sobre os reis da Terra48. Em lugar dela, surgirá a
Nova Jerusalém, em que “nunca haverá qualquer maldição”49.
Fulminado pela face de Deus
É necessário, pois, compreender que a Bíblia supera a discussão meramente
banal sobre a sexualidade, trazendo do passado todo um simbolismo do que deve fazer
o homem para se manter puro diante de um mundo que sistematicamente recusa a
transcendência. Não admira que a frase mais importante da modernidade, proferida por
Nietzsche, Deus está morto, profetizando o fim da metafísica e da religião, foi
contraposta pelo trecho famoso de Dostoievsky, no seu famoso romance, Os Irmãos
Karamazov, “se Deus não existe, tudo é permitido...”
Na verdade, o direito constitucional de emitir opinião não pode nem deve ser
evitado, principalmente porque, em se tratando da obra mais lida em todo mundo, a
Bíblia representa um sentido de perenidade, ligando os velhos e novos tempos da
humanidade por um fio condutor, que tem o mérito de explicar a própria razão de ser
de estarmos ainda nesse planeta.
Podemos perceber no texto bíblico, em termos de simplificação psicanalítica,
um processo de internalização da culpa pelo terrível pecado de desobediência ao Pai,
45
Cf. 1 Co., 6: 9, 10.
Cf. Hb., 13: 4.
47
Cf. 1Ts., 5: 2.
48
Cf. Ap., 17: 5.
49
Cf. Ap., 22: 3.
46
27
que retira de nós, suas criaturas, o privilégio do Paraíso, para lançá-las, a seguir, no
mundo do sofrimento e do trabalho “com o suor do rosto”50 ou seja, uma passagem do
princípio do prazer para o princípio da realidade. Ao longo de suas páginas, o livro
sagrado aponta um caminho para a administração moral da culpa, a descida do Filho
unigênito51 do Pai à Terra para redimir nossos pecados, o seu sacrifício físico para nos
salvar, a ressurreição da Carne e a aposta no retorno de Jesus para nos julgar e povoar a
Terra com seus obedientes seguidores.
Nesse sentido, administrar a culpa e fugir do pecado, que significa “desvio de
alvo”, leva-nos à submissão a um código de conduta que abrange vários setores da
convivência social, desde o modo de proceder na comunidade, de contrair matrimônio,
de tratar a riqueza e os negócios, de aceitar regras de conduta pessoal e familiar, de
adorar um Deus pessoal e único, com a vantagem de que temos aí não um modelo
propriamente humano, mas outro, mais imperativo, porque sugerido pelo próprio Deus.
Muitos ateus opinam, inclusive, que a Bíblia pode justificar qualquer
argumento, seja a favor ou contra o próprio autor e que suas páginas exibem diversas
contradições. A tradição freudiana da psicanálise, por seu turno, tentou espalhar a
percepção de que a culpa original e as derivadas do pecado só forçavam o homem em
direção à neurose e à psicose, causando, na prática, graves danos psicológicos.
Essa conduta ficou muito popular a partir dos anos 50 do século passado,
quando as preferências pelo marxismo e o existencialismo tornaram-se muito fortes na
Europa, que, por sua vez, expandia para os países de Terceiro Mundo os seus
modismos intelectuais.
Virou moda pinçar no texto bíblico uma série de contradições para tentar fazer
com que mais e mais pessoas abandonassem suas crenças cristãs e repudiassem a
divindade de Cristo. Voltamos àquela discussão em duas faces: ou a Bíblia fala
totalmente a verdade, devendo ser interpretada ao pé da letra, ou deve ser encarada
como uma fábula, um conjunto de livros qualquer.
Vários problemas são encontrados no texto sagrado que podem despertar
desconfiança, como, por exemplo, a questão da validade ou não de exibição de
imagens. Se olharmos para o Antigo Testamento, em que a luta contra a idolatria e o
paganismo eram uma constante, vários trechos mostram que a sua exibição eram
consideradas abominação aos olhos do Senhor:




Não farás para ti imagens de escultura52;
Não farás para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem de escultura
nem estátua53;
Maldito o homem que fizer imagem de escultura, ou de fundição,
abominável ao Senhor54;
Por que me provocaram à ira com as suas imagens de escultura, com
vaidades estranhas?55
50
Cf. Gn. 3: 19.
Único gerado, filho único...
52
Cf. Êx 20: 4.
53
Cf. Lv 26: 1.
54
Cf. Dt 27: 15.
51
28
E, ao mesmo tempo, os textos antigos admitem “imagens esculpidas”:



Farás dois querubins de ouro batido nas duas extremidades do
propiciatório56;
Disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente abrasadora, põe-na sobre
uma haste, e será que todo mordido que a mirar, viverá57;
Tinham painéis que estavam entre molduras, sobre os quais haviam leões,
bois e querubins58.
Outra questão bastante controvertida nos textos sagrados relaciona-se com a
contemplação ou não da face de Deus, se ele poderia ser visto face a face, pelas costas
ou jamais pudesse ser visto por um mortal. As três possibilidades estariam previstas
nos textos:
Deus visto face à face:






Jacó chamou àquele lugar Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a
minha vida foi poupada59;
Falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu
amigo60;
Subiram Moisés e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel, e
viram o Deus de Israel. Debaixo dos seus pés havia como que uma calçada
de pedra de safira que se parecia com o céu na sua claridade. Mas Deus
não estendeu a sua mão contra os escolhidos dos filhos de Israel; eles
viram a Deus, e comeram e beberam61;
Vi o Senhor em pé junto ao altar, e ele me disse: Fere os capitéis para que
estremeçam os umbrais62;
Apareceu-lhe o Senhor, e disse: Não desças ao Egito; habita na terra que
eu te disser63;
Quem me vê, vê o Pai (...) Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está
em mim?64
Deus visto pelas costas:

Depois, quando eu tirar a mão, me verás pelas costas; mas a minha face
não se verá65.
Deus jamais podendo ser visto:
55
Cf. Jr 8: 19.
Cf. Êx 25: 18.
57
Cf. Nm 21: 8.
58
Cf. 1Rs 7: 28-29.
59
Cf. Gn., 32: 30.
60
Cf. Êx., 33:11.
61
Cf. Êx., 24: 9-11.
62
Cf. Am., 9: 1.
63
Cf. Gn., 26: 2.
64
Cf. Jo., 14: 9-10.
65
Cf. Êx., 33: 23.
56
29





Ninguém nunca viu a Deus...66;
Ninguém viu ao Pai, a não ser aquele que é de Deus; só este viu ao Pai67;
Ninguém jamais viu a Deus...68;
Não poderás ver a minha face, pois homem nenhum pode ver a minha face,
e viver69;
Aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem
nenhum dos homens viu nem pode ver; ao qual seja honra e poder
sempiterno. Amém70.
De qualquer forma, o que ressalta das duas partes gerais da Bíblia, o Antigo e o
Novo Testamento, é a presença de um Deus exigente e vingativo na primeira,
contrastando com um Deus misericordioso e compassivo na segunda...
66
Cf. Jo., 1: 18.
Cf. Jo., 6: 46.
68
Cf. 1Jo., 4: 12.
69
Cf. Êx., 33: 20.
70
Cf. 1Tm., 6: 16.
67
30
2º INTERVALO –
A CONTABILIDADE SIDERAL
Meu Senhor,
Sinto-me envergonhado
em procurá-lo neste momento,
em que está tão ocupado com outros homens,
solapados por problemas maiores que os meus.
Mas, na tibieza de meus propósitos,
de simples criatura sem escoras,
parece-me haver surgido bem à frente a hora
de vergar a coluna ao peso de sua majestade.
E lhe pedir, Meu Deus, que me ajude,
enquanto pobre figura encarnada,
a não submergir no mar infinito de meus erros
e na tentação, sempre presente, de não guardar a fé.
Neste mundo, tão sem sentido – convenhamos –,
é difícil compreender o seu silêncio,
bem como sua intrincada contabilidade sideral,
embora, mesmo submetido aos mais cruéis castigos,
ao ser humano só reste o consolo de saber
que, quando lhe pede alguma coisa,
o Senhor lhe faz sempre saber, com diligência,
que existe alguém por aí muito pior...
Ó, meu Senhor,
Que minha vaidade se esqueça de si mesma
e eu possa adorá-lo, como devia,
que minha soberba e ingratidão se desvaneçam
sob a capa esvoaçante de sua luz;
que eu me torne um menino limpo
à simples espera de sua presença,
como um terno e merecido presente
longamente esperado e bem-querido.
Que ao lhe implorar conforto e algum abrigo,
jamais ignore de que já fui poupado de graves tristezas,
e que, mesmo assim, insisto como mau discípulo
em fazer reivindicações descabidas
a quem tem ciência de sobra do que eu preciso
e de como me comportarei, mesmo sem sabê-lo.
Senhor, alivie-me o pranto
e seja compassivo com minha fragilidade...
Senhor, ensina-me a viver...
Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2003.
31
–4–
O PROBLEMA DA FÉ
“Basta um mistério para que tudo se ilumine.”
Gilbert Keith Chesterton
“O essencial é invisível para os olhos.”
Antoine Saint-Exupéry
32
A fé é uma grande dificuldade para a criatura. O estado de revolta e dúvida
parece ser o estado normal do ser humano, enquanto acreditar incondicionalmente, a
exceção. Esse comportamento não é privilégio apenas dos desajustados e das pessoas
normais (que vivem de acordo com as normas e os costumes aceitos), mas é
corriqueiro na vida dos maiores santos. Muitos deles sofreram na pele as dificuldades
na relação com um Deus único, muitas vezes silencioso, aparentemente ausente e
irônico que parece não responder nossas orações.
Normalmente, os ateus argumentam que não podem compreender as tragédias
naturais, terremotos, enchentes, incêndios, desastres e naufrágios, a não ser como
provas de que não existe uma força superior a governar nossos destinos. Tive, nesse
sentido, a experiência de ouvir de um ator famoso, já falecido, a opinião de que se
Deus existisse, ele positivamente não sabia o que Ele realizava (“se existe, não sei o
que faz...”), porque, diante do assassinato de inocentes, a fome e doença de crianças
sem culpa, as injustiças que nos afligem não eram diminuídas pela ação de Deus.
Ter fé num mundo interconectado pela mídia, em que os grupos criminosos
muitas vezes prevalecem sobre a lei e o poder econômico oprime os mais pobres, sem
qualquer punição – convida-nos, sem constrangimento, a duvidar da atuação de Deus
na Terra. Santa Clara até opinava em suas orações, refletindo sobre o desconcerto do
mundo, que era por toda aquela aparente omissão que Deus realmente detinha tão
poucos amigos...
É preciso anotar, de princípio, que a vida humana não seria possível sem
constantes atos de fé. Quando atravessamos uma rua, sob sinal vermelho, a primeira
fila de carros é constituída de motoristas desconhecidos. No entanto, calmamente
atravessamos, num ato de fé completo, de que ninguém nos atingirá com um súbito
movimento dos carros então parados. Ao tomarmos um ônibus, temos fé que o
motorista desconhecido irá nos levar pelo itinerário previsto. Ao entrarmos num
elevador, acreditamos que os seus construtores o fizeram para nos fazer subir em plena
segurança. Ao chegarmos em casa, acendendo a luz, não sabemos quem está por trás
do interruptor, operando a usina de energia, mas acreditamos que o serviço nos será
concedido.
Temos que exercer em nossa vida cotidiana diversos atos de fé e disso não nos
apercebemos. Não seria de todo uma ação não religiosa agradecer aos desconhecidos
que nos cercam as práticas cotidianas que nos poupam da insegurança e da morte.
Assim, a partir do dia a dia, podemos entender primitivamente como Deus atua...
A perseguição do invisível
Quando se trata, porém, de uma convicção religiosa, em que não lidamos
apenas com os nossos sentidos, a coisa se complica porque nos envolvemos com o que
é invisível. Lembro-me de um teólogo espanhol71 que argumentava que explicar Deus
a alguém descrente é a mesma coisa que definir a cor amarela a um cego de nascença.
Não adianta esclarecer aquilo que fica muito além de nós, de nossa pequena
compreensão...
71
Cf. LARRAÑAGA, Inácio. Mostra-me o teu rosto, para a intimidade com Deus, pp. 84-85, 20ª
edição, São Paulo, Ed. Paulinas, 1999.
33
Crer passa a ser então um ato de disponibilidade e de coragem da criatura
diante de um mundo adverso, que, geralmente, está disposto de tal modo que o força
todo dia a desistir. As violências, os desentendimentos e assassinatos, as doenças
avassaladoras e o sofrimento onipotente faz com que muitos espíritos sensíveis
desistam mesmo de crer. Outros, por sua vez, crêem por causa desses mesmos
sofrimentos e por um dispositivo de medo e pânico que se estabelece no fundo de suas
mentes.
Ambas as posturas, aparentemente opostas, têm origem na fraqueza da criatura,
na impossibilidade de raciocinar convenientemente enquanto sofre alguma dor ou
grande injustiça.
As promessas de Deus, expressas por Cristo e outros místicos iluminados, não
podem ser equiparadas, por exemplo, às propostas dos políticos, geralmente
desprezadas durante seus mandatos. Quando depositamos com o voto, num típico ato
de fé, a confiança num representante, muitas vezes pessoalmente desconhecido, o
fazemos com cautela, sabendo que ao longo do tempo poderemos ser enganados. Isso é
típico do mundo dos homens.
Na dimensão divina, porém, não é assim que as coisas ocorrem. Recebemos um
sistema, um pacote completo de justificativas, formuladas para fazer cessar todas as
dúvidas. O problema desloca-se para outra órbita: aceitar o invisível, quando nas
operações diárias somos forçados a utilizar atentamente nossos cinco sentidos e
interagir com pessoas que também fazem o mesmo.
É aí que surge o desespero da criatura que quer acreditar mas não consegue.
Muitos chegam ao ponto de se apegar a rituais exteriores das religiões sem crer em
qualquer palavra do que ouvem dos sacerdotes.
Lembro-me de que, certa vez, meu pai relatou-me uma lembrança de infância,
no interior da Bahia, que me deixou chocado. Contou-me que meu avô costumava
receber o padre da paróquia da cidadezinha aos domingos para almoçar. À tarde,
conversavam preguiçosamente e o padre se despedia por volta das 17 horas. Num
desses domingos, meu pai presente, ainda menino, presenciou o padre a confessar-se
com meu avô, dizendo que não acreditava em nada do que fazia: não tinha crença
alguma nas palavras da missa, nem que conseguisse realmente consagrar as hóstias. Na
verdade, confessou-se realmente um ateu. E daí meu avô principiou a tentar convencêlo do contrário, da existência de Deus e da importância de seu trabalho. Isso marcou
profundamente meu pai, que passou a desconfiar dos religiosos de maneira marcante,
estendendo esse comportamento por toda a vida.
Tornei-me jornalista um dia, como meu pai, e a matéria do jornalismo é a
dúvida e a desconfiança. Temos que ouvir, como juízes, os dois lados da verdade e
muitas vezes não chegamos a conclusão alguma. No entanto, devo declarar que a
dúvida jamais me fez uma pessoa melhor e de bem com a vida. Pelo contrário.
Aperfeiçoou em minha personalidade uma conduta irônica, destruidora e às vezes
capaz de rompantes que fabricaram mais inimigos que amigos.
Hoje, ultrapassados os 50 anos, no outono da vida, confesso que tenho
necessidade de algo maior para não me sentir miserável, uma vítima da noite escura
34
dos sentidos. Percebi, não sem muita teimosia e tempo perdido, que os prazeres
mundanos podem até existir, mas se transformam em ressaca e memória. Perdem-se no
tempo e não voltam mais, além da enorme quantidade de dinheiro que perdemos no
processo.
Gosto muito de ver filmes sobre a máfia, procurando entender os valores que
sustentam a vida das famílias dos criminosos. Eles transgridem as leis, traficam
tóxicos, fazem contrabando, exploram o jogo e a prostituição sempre para produzir
grandes lucros. Procuram ter famílias respeitáveis de fachada e promovem orgias
sexuais. Em casas panorâmicas, reúnem mulheres de programa e fazem muito sexo e
esse é o único prazer que o seu materialismo permite exercer. Perseguem o orgasmo, a
única coisa a que se permitem, como materialistas, na busca de algo invisível, porque o
prazer profundo é algo que não se pode pegar, só sentir. O materialista compromete-se
a ganhar muito dinheiro, mas os seus meios de satisfação sensuais são bastante
limitados e, em geral, conduzem à depressão e ao desentendimento.
Esse processo, entretanto, não é universal para todos os ateus, porque há muitos
que obedecem as leis e são pessoas muito éticas e algumas contribuem brilhantemente
para o desenvolvimento da sociedade. Não ter uma religião, não crer em Cristo, não
conduz necessariamente como uma lei à desgraça de homens e mulheres. Muito ao
contrário. Se fosse assim, todos os ateus seriam destruídos pela ira divina e tal
realmente não acontece.
O que é paradoxal, no entanto, é que a perseguição do invisível, a tentativa de
crer com certeza nas palavras de Cristo, torna-se problema para o crente, aquele que
diz para si mesmo que realmente tem fé e pratica a religião com fidelidade. Enquanto o
ateu luta encarniçadamente para não crer – porque existe um magnetismo interno entre
a criatura e o Criador – o crente luta desesperadamente para não ter dúvidas, para não
se sentir tentado pelas ondulações hipnóticas do mundo.
Essa dialética entre os dois tipos, o ateu e o crente, lembra um pouco a tortura
mental. Nenhum grupo comporta-se com naturalidade e serenidade. A morte de entes
queridos, a grandiosidade da natureza e sua enorme beleza e a experiência do invisível,
para além dos sentidos – põem interrogações em todos nós, muito difíceis de resolver.
Os que não crêem usam em geral a ciência como fiador de seus argumentos
contra Deus. Os que acreditam, utilizam-se da teologia para reunir argumentos a favor
da divindade. Tais atitudes são desnecessárias, porque como dizia Tomás de Aquino, o
maior doutor da Igreja, a teologia e a filosofia cuidam das causas primeiras; a ciência,
das causas segundas, portanto não se tocam ou, quando isso acontece, não precisam ser
inimigas.
O velho argumento materialista de que a ciência irá explicar tudo e expulsar
Deus pela porta dos fundos não se sustenta, até porque temos cientistas famosos nos
dois lados. Pessoalmente, uns são ateus, outros não, o que depõe contra a opinião de
que o exercício da ciência torna o homem descrente.
O invisível é um setor misterioso da vida humana e causa medo nos espíritos
menos preparados e desejo de investigação nas mentes mais prendadas. Atualmente,
temos diversos homens de ciência desafiando, através da hipnose, os portais da mente
35
humana e efetuando regressões a vidas passadas, tentando provar, com isso, a
existência da reencarnação.
Enquanto o fenômeno da reencarnação era mero objeto de fé espírita, as demais
confissões cristãs torciam o nariz para as argumentações, consideradas mentirosas,
mas, agora, com o assunto sendo objeto de ciência é preciso mais cuidado ao julgar o
tema. Estamos fazendo leve menção a isso agora, somente para assinalar que existem
argumentos dentro da Bíblia contra e a favor da reencarnação que podem ser alinhados
um ao lado do outro e satisfazer as duas vertentes, os que crêem e os descrentes. Tal
atitude não invalida as pesquisas nem contribui para impedir que elas se realizem, já
que o Estado é laico e as pessoas são livres pelo imperativo das leis para exercer suas
crenças. Esse é realmente um enorme progresso conquistado a duras penas pela
humanidade.
Mente ou mecanismo?
Você que está lendo o que digo, deve ter percebido que não estou procurando
apresentar provas da existência de Deus nem o contrário. Existem centenas de livros de
teologia e filosofia abarcando os dois lados da questão e não é esse o meu interesse.
Apenas sugiro pontos de reflexão, sublinhando o meu caminho espiritual, não cheio de
acidentes, buracos, pedras de tropeço e rochas de ofensa...
Fui durante muito tempo vítima de minhas próprias descrenças e debochava de
certos costumes, como o de ir à missa todos os domingos e ouvir sempre o mesmo
papo, que, à época, achava uma conversa fiada e repetitiva. Cheguei até a interpelar
um padre jovem sobre o assunto, dizendo que o calendário religioso trazia sempre as
mesmas coisas e não entendia porque a Igreja repetia tanto as orações e os trechos
bíblicos. O padre sorriu, botou a mão no meu ombro e exclamou: “meu caro, nem
assim eles aprendem!”
Novamente, só compreendi suas palavras bem mais tarde, porque também
achava extremamente careta a recitação do terço, como uma repetição vazia de orações
para entidades invisíveis que nem estavam me ouvindo. Aprendi a rezar, desde
pequeno, mas repudiei a faculdade de tentar me comunicar com Deus, porque não
sentia a fome de sua presença. Essa foi uma característica da mocidade e da pretensa
maturidade que, com o tempo, não conseguiu se sustentar como autonomia pessoal.
Hoje avalio, com muita nitidez, uma divisão de águas ideológica: os que não
acreditam que Jesus foi um homem-Deus, que morreu crucificado, desceu à mansão
dos mortos e ressuscitou ao terceiro dia positivamente não são cristãos. Essa conversa
recente de ver o Cristo como mero filósofo, mestre dos mestres, mas um homem como
outro qualquer, esvazia completamente a singularidade de sua caminhada e obra.
A fé é uma delegação de confiança, de modo ilimitado e integral. Ou é ou não
é. Mas é lenta, uma subida escarpada, cheia de cortes e espinhos, que custa a tomar
conta dos nossos órgãos e pensamentos em plenitude, até porque nos defrontamos com
o silêncio de Deus. No meio do caminho, vivemos as tentações dos prazeres mundanos
e às vezes não conseguimos superar as pobres fraquezas terrestres. Sem essa religação
com os poderes diáfanos celestes, ao perder a fé sobra-nos depressão, agonia e tristeza
mortais.
36
Outro balizamento essencial para a aceitação da fé é a escolha ideológica sobre
o significado do Universo. Se acreditamos em Deus, como bons religiosos e crentes,
concebemos o Universo como uma grande mente, que produziu um planejamento
intencional; em caso contrário, se somos ateus, o Universo é um mecanismo,
constituído pelo mero acaso e pela trêfega necessidade natural.
Ouso transcrever algumas passagens de dois grandes astrofísicos72, que não se
identificam como religiosos, mas somente como cientistas, trazendo luz a todos
aqueles argumentos que transitam em torno das interrogações da fé:

Nosso Universo é muito conveniente para a vida como a conhecemos. (...)
Os planetas, nossa menor janela astronômica, proporcionam um abrigo
para a vida. (...) As estrelas também são claramente importantes, pois
constituem a fonte de energia que impulsiona a evolução biológica. Elas
desempenham ainda um segundo papel fundamental, como alquimistas que
produzem elementos mais pesados que o hélio – o carbono, o oxigênio, o
cálcio e outros núcleos que compõem as formas de vida. (...) As galáxias
também são extremamente importantes. Sem sua influência agregadora, os
elementos pesados produzidos pelas estrelas se espalhariam pelo Universo.
(...) A atração gravitacional das galáxias garante que os elementos pesados
fiquem disponíveis para gerações sucessivas de estrelas e para a produção
de planetas rochosos como a nossa Terra. (...) Embora não tenhamos nada
que se aproxime remotamente de uma compreensão completa de vida e de
sua evolução, um requisito fundamental é relativamente certo: ela leva um
grande tempo;

O Universo como um todo, portanto, precisa viver bilhões de anos para
permitir o desenvolvimento da vida – pelo menos de uma biologia que se
assemelhe à nossa, ainda que vagamente. (...) O Universo poderia ter
terminado sem átomos de hidrogênio para formar moléculas de água e,
portanto, permitir o surgimento da vida comum;

Nosso Universo tem de fato as características especiais adequadas para
permitir nossa existência. Dadas as leis da física, determinadas pelos
valores das constantes físicas, pela intensidade das forças fundamentais e
pela massa das partículas elementares, nosso Universo produz
naturalmente as galáxias, as estrelas, os planetas e a vida. Com uma versão
apenas ligeiramente diferente das leis físicas, talvez ele fosse
completamente inabitável e empobrecido em termos astronômicos;

A situação interessante de um Universo repleto de galáxias e outras
grandes estruturas cósmicas requer uma conciliação razoavelmente
delicada entre a força da gravidade e a velocidade de expansão. E o nosso
Universo fez justamente essa conciliação;
72
ADAMS, Fred e LAUGHLIN, Greg. Uma Biografia do Universo, do Big Bang à desintegração final,
pp. 240-244, tradução de Vera Ribeiro, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.
37

Sem hidrogênio, o Universo não poderia conter água e, portanto, não
conteria nenhuma das variedades conhecidas das formas de vida.
Felizmente para nós, nosso Universo é abençoado com o tipo de interação
nuclear forte, que permite a formação do hidrogênio, da água, do carbono
e de outros ingredientes necessários à vida;

Se a duração máxima das estrelas ficasse aquém da marca de bilhões de
anos, o desenvolvimento da vida seria claramente dificultado. A magnitude
real da interação nuclear fraca, milhões de vezes menor do que a interação
forte, permite que o Sol queime seu hidrogênio com o vagar e a
tranqüilidade necessários à evolução da vida na Terra;

Os planetas precisam que a temperatura de fundo do Universo seja
suficientemente fria para que os sólidos se condensem. Se nosso Universo
fosse apenas seis vezes menor do que é hoje e, portanto, mil vezes mais
quente, os grãos de poeira interestelar se evaporariam e não haveria
matéria-prima para a formação de planetas rochosos. (...) Felizmente,
nosso Universo é frio o bastante para permitir o surgimento dos planetas;

Em nossa galáxia atual, as interações estelares e as aproximações são
raras e fracas, porque a densidade das estrelas é muito baixa. Se nossa
galáxia contivesse o mesmo número de estrelas, mas fosse cem vezes
menor, o aumento da densidade estelar levaria a uma altíssima
probabilidade de que outra estrela penetrasse em nosso sistema solar e
perturbasse as órbitas dos planetas. Esse tipo de colisão cósmica poderia
alterar a órbita da Terra e tornar nosso planeta inabitável, ou ejetá-lo por
completo do sistema solar. Num ou noutro caso, esse evento cataclísmico
marcaria o fim da vida;

Que nosso Universo tem essas propriedades particulares, que acabam
dando origem à vida? É uma coincidência realmente notável que as leis
físicas sejam a conta certa para permitir nossa existência. É como se, de
algum modo, o Universo soubesse que íamos chegar. É claro que, se as
condições fossem outras, simplesmente não estaríamos aqui para
considerar essa questão. Mas persiste a incômoda pergunta: por quê?
Essas inúmeras “coincidências” (coincidência é o pseudônimo de Deus quando
Ele não quer assinar) traduzem a percepção de que o Universo fora concebido por uma
Grande mente, sem a qual as coisas não estariam tão bem arrumadinhas assim. Os
astrofísicos também não podem explicar porque a velocidade de rotação da Terra é
adequada à manutenção da vida em sua superfície. Se fosse um pouco maior, seríamos
eliminados da biosfera. Também a nossa distância do Sol é perfeita para a manutenção
da vida. Se estivéssemos mais perto ou mais longe, também seríamos eliminados, pelo
calor intenso ou pelo frio demasiado. Por que, num Universo com mais de dez bilhões
de anos, as leis da física permaneceram constantes? Por que o Universo está em
expansão, mas as galáxias não? Por que os planetas são redondos e não existem
estrelas quadradas?
Tais perguntas fazem-nos refletir sobre a mente de Deus que criou o Universo e
que a vida é um fenômeno velho, assim como o homem, um produto que levou mais de
38
dez bilhões de anos para ser produzido em sua complexidade, o que atualmente é
chamado de “princípio antrópico”. Se cada assassino ou “serial-killer”, desses que
vemos nos filmes norte-americanos, soubesse que ao matar um homem está destruindo
uma obra de Deus que levou mais de dez bilhões de anos para ser concebida, talvez
tivesse dúvidas em cometer tamanha atrocidade.
Por fim, gostaria de propor aos que ainda mantêm dúvida sobre ser cristãos ou
não a leitura de dois textos bíblicos muito simples: em primeiro lugar, leiam o capítulo
13 da Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios e, depois, o Sermão da Montanha,
contido no Evangelho de Mateus, entre os capítulos 5 e 8. Se não gostarem, não se
sentindo confortáveis, é certo que existe uma incompatibilidade com as teses cristãs e
devem procurar outros caminhos. Tal procedimento será, de qualquer modo, mais
sincero e honesto do que aquele cometido pelo padre da infância de meu pai...
39
3º INTERVALO –
O RONDÓ DA CRIATURA
Ter dúvida, praguejar,
Gritar solerte em blasfêmia,
Como é fácil se irritar
Com o silêncio de Deus?
É quase um divertimento,
Um rondó da rebelde criatura,
Bancar a mais forte,
qual rochedo invulnerável.
Como se turva a visão
Do homem maldito,
Temerário no prazer e na ação,
Pleno de orgulho e egoísmo...
Deus, irônico, prega-lhe então uma peça
E lhe entrega, de mansinho, pequena cruz,
Insuportável e incruenta,
Que mal ele consegue carregar.
Então o homem se volta,
Humilhado, às origens,
Sem perceber que ainda é egoísta,
Que quer somente se livrar do sacrifício.
Falta-lhe consciência de agradecimento e serviço,
Sem esquecer de que ainda ouve o tinhoso,
Que o aconselha a confiar no mundo transitório
E não confiar nas mãos de Deus, definitivas.
Eu estava exatamente assim:
A dúvida era a rainha,
A fé simples e inútil
E o resultado só infelicidade.
Duvidar de Deus
É olhar a própria miséria no espelho,
Vendo obscura e obscena criatura,
Esquecendo-se de quem lhe ligou na tomada.
O que o faz vibrar, sorrir e amar
É essa tal energia que você não vê,
Mas dá choque em seu ser
E não lhe faz mais um pobre caricato.
Fraquejei na fé e fiquei desfocado,
A manhã não clareava minha vista,
40
Porque a nitidez que procurava
não vinha da noite, vinha do Alto.
E que vertigem!
8 de agosto de 2008.
41
–5–
JESUS VIVO OU MITO?
“O cristão de amanhã será um místico,
alguém que experimentou
alguma coisa ou não será nada.”
Karl Rahner
42
A contestação mais interessante dos ateus militantes à aceitação pura e simples
de um ponto de vista cristão-religioso era formulada de maneira simples e até singela:
como você pode acreditar num homem que nunca existiu?
Parece brincadeira, mas isso era repetido na Europa, por volta dos anos 50 do
século passado e em meus tempos de adolescente e jovem, nos anos 70, porque os
argumentos e as modas chegam sempre atrasados à América Latina.
Jesus seria uma abstração, uma mentira, inventada pelos cristãos primitivos
para fazer valer seus argumentos. Nesse meio tempo, se “divertiam”, indo cantar diante
dos leões famintos nas arenas romanas, que os devoravam sem dó nem piedade. Talvez
fosse uma vocação coletiva para o suicídio ou uma espécie de histeria, só explicada
hoje com o instrumental da psicanálise, descoberta e desenvolvida por Freud e seus
continuadores...
Na verdade, o Império Romano anteviu a própria desgraça com a difusão
daquelas idéias, revolucionárias para a época, da existência de um só Deus, que pairava
acima dos Césares e da imensa quantidade de deuses e imagens confusos. A
continuação da presença das palavras de Jesus, espalhadas pelos quatro cantos do
mundo então conhecido, minava a autoridade dos interventores romanos sobre diversas
nações, gerando uma resistência cultural que pouco a pouco foi destruindo, de forma
contraditória, as bases territoriais do Império.
Muito já se escreveu sobre a realidade histórica de Cristo, mas nos esquecemos
de que tivemos regimes ditatoriais no século passado, em que a perseguição aos
devotos era a regra e as autoridades colocavam o Estado na outra ponta, ou seja,
enquanto os fundamentalistas desejavam manter teocracias autoritárias no Oriente
Médio e na América, os ateus da Ásia e do leste-europeu proclamavam a legitimidade
de constituições e governos que consideravam a religião como ópio do povo – como
ensinava Karl Marx. Na Polônia, onde nasceu o Papa João Paulo II, ser católico, por
exemplo, representava desde os anos 40 um grito de rebeldia revolucionária em relação
às idéias fascistas, nazistas e stalinistas que comandavam em parte o continente
europeu.
Voltando ao século I, no entanto, encontramos relatos insuspeitos da existência
de Jesus Cristo através das obras do historiador judeu Flávio Josefo, que nasceu pouco
após a morte do Nazareno, e que citou, em suas obras “Antiguidades judaicas” e “A
guerra judaica” várias passagens sobre um judeu, considerado O Messias, sacrificado
sob o governo de Pôncio Pilatos73.
Também os Tanaíns, doutores de Israel que sucederam aos Fariseus, no fim do
1º século e durante o segundo, testemunharam à sua maneira em favor da existência de
Jesus74. Tácito (115-116)75, historiador romano, falou em termos claros sobre Cristo,
ao comentar a perseguição de Nero aos cristãos: “esse nome vem-lhes de Cristo, a
quem, sob o principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos tinha entregado ao
73
JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas, XVII, 3:3 e XX, p. 1.
Cf. FEHNER, Henri. “O problema de Cristo” in Deus, o Homem e o Universo, pp. 380 a 383, trad.
Agostinho Veloso, S. J., Porto, Livraria Tavares Martins, 1956.
75
Cf. Tácito, Anais XV,44.
74
43
suplício”76. E ainda Suetônio, num volume sobre “A Vida dos Césares”, publicada
entre 115-122 refere-se a Cristo como provocador de desordens e fundador de uma
perigosa seita que trazia uma superstição nova. Admite-se geralmente que o
“Chrestus” assinalado por Suetônio é Jesus Cristo. Finalmente, Plínio o Moço, em
carta dirigida ao Imperador Trajano (111-113) pedia instruções de como deveria se
conduzir em relação aos cristãos, no que foi respondido pelo imperador de que usasse
de prudência na repressão77.
Já as fontes cristãs sobre tal existência podem ser encontradas na própria Bíblia
nos livros do Novo Testamento, nas Cartas do apóstolo Paulo e nos Atos dos
Apóstolos, escrito por Lucas. Além de muito conhecidas de todos, essas fontes não são
mais contestadas por historiadores sérios.78
Resolvida a contestação sobre a existência do Cristo, profundamente
comprovada, passou-se a discutir sobre sua dualidade de homem-Deus, tendência que
se acentuou nos períodos da Renascença (séculos XV e XVI) e do Iluminismo (séculos
XVII e XVIII), em que o resssentimento contra os desmandos históricos da Igreja
católica receberam mais adeptos. Se já não havia dúvidas sobre a existência do Cristo
histórico, Ele deveria ser considerado em sua verdadeira natureza, de sábio e mestre,
mas um homem como outro qualquer.
“O meu reino não é deste mundo...” (Jo., 18: 36)
Esse homem nasceu na Palestina, dividida em três províncias (Galiléia, Judéia e
Samaria) e governada por um usurpador de origem árabe, Herodes, que promoveu mais
de três mil crucificações sumárias com o seu modo de governar autoritário, cruel e
totalmente subordinado à Roma. Foi nesse ambiente brutal que Jesus nasceu, com os
judeus desesperados por aguardar o Messias libertador79, mas que não seria, de
nenhum modo, divino. O que os oprimidos queriam era a libertação do domínio
romano e para isso precisavam de um comandante militar supremo, capaz de libertar
Israel. 80
Jesus foi considerado por muitos um judeu de origem essênia 81, um grupo
muito bem treinado na arte de curar (como o eram o seu irmão Tiago e o primo João
Batista), descendente direto da Casa de Davi e que nasceu de Maria, uma Virgem, o
que se constitui no ponto fundamental da tradição cristã ortodoxa. A virgindade e
santidade de Maria virou objeto de discussão e divisão entre católicos, protestantes e
76
Cf. FEHNER, op. cit., pp. 382 e 383.
Idem, pp. 383 e 384.
78
Idem, pp. 384 a 386.
79
Messias significa “o Ungido”, do verbo hebraico “maisach”, “ungir”.
80
Cf. GARDNER, Laurence. A Linhagem do Santo Graal, a verdadeira história do casamento de Maria
Madalena e Jesus Cristo, p. 35
81
Essênio, termo oriundo do aramaico “assayya” e do grego “essenói”, que significa “médico”. O
adjetivo atribuído a Jesus, chamado “O Nazareno”, acompanhava aquela acepção, porque “nazareno”
significa “curador”...
77
44
evangélicos, criando problemas aparentemente incontornáveis, que discutiremos mais
adiante.82
O que nos importa agora é dimensionar a reinterpretação moderna do
significado da vida pública de Cristo. Teve realmente Ele um papel relevante no
movimento de libertação judaico? Afinal, a inscrição “Rei dos Judeus”, no alto da cruz,
foi conseqüência de uma acusação política?
Na verdade, os apóstolos não foram molestados pelo poder romano após a
morte de Jesus, porque com a crucificação do pretendente a Messias Pilatos considerou
o assunto liquidado. Somente a partir de Nero, 40 anos depois, é que os cristãos
começaram a ser sistematicamente perseguidos.83
Jesus não defendia a luta de classes nem uma guerra santa de libertação
nacional. Toda a Sua pregação girava em torno do amor ao Pai “que está nos céus” e
aos homens de boa vontade, que “servem a Deus e não a Mammon”. Ensinando que
deveria se dar a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus, não se recusava a
dividir a mesa com os publicanos, homens ricos na época, o que, para grupos
revolucionários como os zelotes, poderia parecer uma traição. 84
O sacrifício de Jesus é um cântico à não-violência, o que o equipara a mártires
do século XX, como Mahatma Ghandi e Martin Luther King, que igualmente
derramaram o próprio sangue por ideais pacíficos. Jesus indicou, do mesmo modo, o
caminho do protesto não-violento e a prontidão para o sofrimento, o que ultrapassa o
imediatismo da violência revolucionária, popular desde a Antiguidade.
Ele ensinava que a verdadeira libertação se iniciava no interior do indivíduo,
passando pelo perdão aos inimigos e chegando ao amor de Deus e ao amor do
próximo, tomando-se como modelo a própria pessoa (“...como a ti mesmo”), vale dizer,
Jesus aceitava de bom grado o narcisismo, que é amar-se primeiro e aplicar esse
sentimento ao outro.85
Segundo Gardner, os helenistas (judeus ocidentalizados) afirmavam que Jesus
era o Cristo legítimo (do grego “Christos” que significa “rei”) enquanto os hebreus
ortodoxos contestavam o título, atribuindo-o a Tiago86. O argumento persistiu por
“O primeiro Evangelho publicado, o de Marcos (66 d.C.), não menciona a Concepção Imaculada. Os
Evangelhos de Mateus e Lucas a destacam com variados graus de ênfase, mas a Concepção é totalmente
ignorada em João. (...) Para estudar a Concepção Imaculada, os estudantes da Bíblia são instruídos a
procurar Mateus e Lucas. (...) Mateus dizia que Maria era virgem, mas Marcos não; ou que Lucas
menciona a manjedoura onde Jesus foi colocado, enquanto os outros Evangelhos não; ou ainda que
nenhum dos Evangelhos faz a mais vaga referência a um estábulo, que se tornou parte integrante da
tradição popular.”, cf. GARDNER, op. cit., p. 45. Os Evangelhos aceitos oficialmente pela Igreja são
chamados sinóticos (Mateus, Marcos, Lucas e João). Sinóticos vem do grego “syn-optikos”, o que
significa “ver com os mesmos olhos”. Segundo GARDNER, a palavra original semítica “almah” foi
erroneamente traduzida como “virgem” (de virgo) e incorretamente interpretada como virgo intacta (op.
cit., p. 49).
83
Cf. HENGEL, Martin. Foi Jesus revolucionário?, p. 15, trad. De Frei Edmundo Binder, O.F.M.,
Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 1971.
84
Idem, pp. 17 e 18.
85
Idem, pp. 21 a 24.
86
Tiago era chamado de “irmão” de Jesus. Descendente de Abraão (Gal. 3:16), Filho de Davi (Rom. 1:
3, 15: 12) e vivendo entre judeus (Rom. 15:8 e I Tess. 2:15), Jesus foi verdadeiro homem, em tudo
82
45
muitos anos, mas, em 23 d.C., José (pai dos dois candidatos) morreu; tornou-se
imperativo, então, resolver a disputa de uma maneira ou de outra. 87
Vários historiadores, como Gardner, procuraram em vão explicações científicas
para os milagres de Jesus (a transformação de água em vinho, a multiplicação dos pães,
a visão permitida a um cego de nascença, a cura instantânea de leprosos e aleijados e a
ressurreição de Lázaro), mas os seus argumentos não convencem ou são inconclusivos.
Esses sinais atravessaram o tempo e não incorporaram explicações, mesmo com toda a
evolução da ciência.
Crendo-se, pois, na existência histórica de Jesus e na realidade de seus
milagres, resta aos ateus e agnósticos88 apenas uma atitude de negação pura e simples.
Tal atitude não deixa de ser um ato de fé, porque afirma não ser conhecido um ser que
habitou a Terra e causou efeito profundo nos rumos da História. É simplesmente
paradoxal, após se aceitar a realidade de Jesus, agir como se Ele não tivesse existido,
nem ensinado, nem interagido com os homens, mostrando o seu lado francamente
sobrenatural.
A propósito dos agnósticos, que vivem a posição cômoda de ficar em cima do
muro, temos valorosos cientistas que adotam tal modo de pensar, dando de ombros em
relação à perspectiva da existência ou não de Deus, bem como à questão complexa da
divindade de Jesus. Tomemos, como exemplo, o comentário pessoal de um dos
maiores astrofísicos do século XX, Fred Hoyle:
“Desejo agora considerar um pouco as convicções religiosas
contemporâneas. Há boa dose de cosmologia na Bíblia. Minha impressão é
que se trata de concepção notável, considerando-se a época em que foi
escrita. Mas creio que dificilmente se poderá negar que a cosmologia dos
hebreus antigos é apenas o mais
insignificante rabisco em comparação
com a arrasadora grandiosidade do quadro revelado pela ciência
moderna. Isso me leva a fazer a pergunta: será de algum modo razoável
supor-se ter sido dado aos hebreus compreenderem mistérios muito mais
profundos que tudo o que podemos compreender, quando está bem claro que
eles eram completamente ignorantes de muitas coisas que nos parecem
lugares-comuns? Não, a mim me parece
que a religião não passa de uma
tentativa
desesperada
de
encontrar
uma
fuga
da
situação
verdadeiramente
medonha em que nos encontramos. Aqui estamos nós
neste Universo inteiramente fantástico, sem qualquer indício de que a nossa
existência tenha significação real. Não surpreende, portanto, que
muitos
sintam a necessidade de alguma crença que lhes dê uma sensação
de
semelhante a nós (Rom. 5: 15 e I Cor, 21: 22), exceto no pecado (II Cor. 5: 21). Ter “irmãos” significa
em aramaico, como ainda hoje é em russo, ter “primos co-irmãos” (I Cor. 9: 5). Neste caso, porém,
alguns Padres da Igreja, designadamente S. Hilário, S. Cirilo de Alexandria e S. Gregório de Nissa,
supõem que os “irmãos” de Jesus eram filhos do primeiro matrimônio de S. José. (Cf. FEHNER, op. cit.,
pp. 387 e 388). José deriva do hebraico “Yosef”, que significa “ele acrescentará”.
87
Op. cit., p. 53.
88
Os que professam a doutrina do agnosticismo, que considera impossível conhecer ou compreender, e
portanto discutir, a realidade das questões da metafísica ou da fé religiosa (embora admita existirem,
como a existência de Deus), por não serem passíveis de análise e comprovação racional ou científica.
Este conceito é atribuído Thomas H. Huxley, que admitia que só o conhecimento adquirido e
demonstrado racionalmente é admissível.
46
segurança e também não é de se surpreender que fiquem muito zangados
com criaturas como eu, que dizem que essa segurança é ilusória. Mas eu
não gosto da situação mais do que eles. A diferença está em que não vejo
como poderei conseguir a mínima vantagem em enganar-me a mim
mesmo. Estamos em situação muito semelhante à de um homem que se
encontre em uma posição desesperadora e difícil em uma íngreme
montanha. Um materialista é como um homem que se
apega
a
um
penhasco e vai gritando: “Estou seguro!” pelo fato de não cair. A
pessoa de fé religiosa é como um homem que se coloca em outro extremo,
lançando-se pelo primeiro caminho que ofereça a mais vaga esperança de
escapatória, inteiramente descuidado dos precipícios escancarados que
lhe
89
estão por baixo.”
Como se vê, resta a esses dois grupos, os ateus e agnósticos, reduzirem o
Nazareno à condição de grande homem, uma personagem histórica como outra
qualquer. Para o ateu, a religião é um vício; para o agnóstico, um precipício de ilusões.
Despido de seu lado divino, descarnado das virtudes celestes, somos obrigados a
concordar com Tilgher90, quando afirma sobre Jesus:
“A mensagem de Cristo, expurgada de todo o elemento mágico, escatológico
e sobrenatural, reduzida a uma simples mensagem moral, foi
vivida
e
apregoada por Tolstoi. Mas como é esquálida essa mensagem! Como
é
pobre e sem eco!”91
É claro que se Jesus não tivesse objetivos nítidos em relação à humanidade
(judeus + gentios), apresentando-lhes um reino que não é desse mundo, jamais se
entregaria tão facilmente ao martírio, como os Evangelhos nos relatam. Como diz a
liturgia, Ele abraçou livremente a paixão, ou seja, recusou-se à razão, tal como a
conhecemos no mundo ocidental. Apaixonado pelos seres humanos, Ele não
comandava exércitos, mas era o tradutor do Pai, sob face humana e sacrificou a vida
para nos redimir de nossos pecados, porque só Ele detinha esse poder. Somente por
Ele, o Pai seria compreendido pelos homens, como sintetiza Mario Satz:
“O Mestre de Nazaré, conhecendo o mistério, de modo semelhante aos
profetas que o precederam, e aos iniciados de todas as latitudes, culturas,
épocas e idades, chegou para vivificar e curar nossos tecidos a partir
de
uma primeira célula geminal: a da compreensão.”92
89
Cf. HOYLE, Fred. A Natureza do Universo, pp. 128 e 129, trad. De Giasone Rebuá, Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1962.
90
Cf. TILGHER, A. Cristo e noi, Modena, 1934, apud. CERIANI, Grazioso, “Os Últimos Negadores da
Divindade de Cristo”, p. 32, in Heresias do Nosso Tempo, vários autores, Porto Livraria Tavares
Martins, 1956. Leon Tolstoi (1828-1910) foi um escritor russo muito famoso, autor de obras
monumentais como Guerra e Paz (1865-1869) e Anna Karenina (1875-1877). Ensinava que o homem
deveria abandonar os luxos da vida terrena e viver com a simplicidade dos camponeses.
91
Idem.
92
Cf. SATZ, Mario. Jesus, Terapeuta e Cabalista, p. 15, trad. Euclides Calloni, São Paulo, Editora
Ground, 1990
47
O Código da Vinci, uma fraude?
A tendência histórica de diversos filósofos e grupos de pensamento em retirar
as qualidades divinas de Jesus, transformando-o num personagem de importância, mas
simplesmente um homem como outro qualquer, chegou ao máximo no século XXI,
com a promoção do romance “O Código da Vinci”, de Dan Brown, publicado em 2003
e que se tornou um best-seller mundial, com mais de 60 milhões de cópias vendidas.93
O livro, uma estória de suspense, envolvendo organizações católicas secretas e
obras de arte, pretendia insinuar que Jesus fora esposo de Maria Madalena, uma de
suas seguidoras, que, por ocasião da crucificação do Mestre, estava grávida,
concebendo assim uma menina descendente sagrada de Cristo e que foi chamada
Sarah. A menina passou o resto da vida escondida e protegida pelo “Priorado de Sião”,
que teria jurado cuidar eternamente da descendência de Cristo. Seria então Madalena,
considerada como o verdadeiro Santo Graal. Seria uma mulher, capaz de mudar toda a
história contada pela Igreja Católica, mostrando que Cristo foi um homem como
qualquer outro, que se uniu a uma mulher, e gerou descendência secreta, protegida por
instituições também secretas, através dos séculos.
A lenda dizia que Madalena e a filha partiram para a Gália, onde fundaram a
linhagem dos merovíngios, origem da monarquia francesa e que o chamado Santo
Graal, o cálice sagrado, seria o sangue de Cristo retido no útero de Madalena enquanto
portava a gravidez. A Igreja, que desejava um salvador masculino e celibatário,
escondeu essas “verdades” e a “evidência” de que temos descendentes de Jesus,
Madalena e Sarah até nossos dias.
De acordo com o romance de Dan Brown, na origem do Cristianismo há um
desejo de reprimir as mulheres em sua expulsão da convivência com o sagrado, donde
se conclui que está envolto em diversas mentiras. Dentre 80 evangelhos, o Concílio de
Nicéia (ano 325), tutelado pelo imperador romano Constantino, escolheu
obrigatoriamente apenas 4 como “evangelhos oficiais ou sinóticos”, desdenhando toda
a riqueza dos relatos ditos apócrifos, que incluíam o papel relevante de Maria
Madalena, como a discípula preferida de Jesus. Um desses evangelhos – é interessante
notar – afirmava que Pedro tinha inveja de Madalena e que Jesus constantemente a
beijava na boca...
Dan Brown inspirou-se num livro da tradição esotérica de Michael Baigent94,
mas veio ao encontro de um desejo intenso de desmoralizar o cristianismo ortodoxo
que parece bastante careta para nossos tempos de globalização, pensamento único e
pós-modernidade. Em tempos de retorno à idolatria, como já nos referimos, qualquer
obra que venha a desviar o público das verdades bíblicas será bem aceita e acolhida,
desde que considere o livro sagrado um conjunto de obras reunidas de maneira
obrigatória para cumprir os objetivos de dominação política da Igreja romana.
93
Cf. BROWN, Dan, O Código da Vinci, tradução de Celina Cavalcante Falck-Cook, Rio de Janeiro,
Editora Sextante, 2004.
94
Publicado em português com o título A grande heresia: o segredo da identidade de Cristo, São Paulo,
Beca, 2000.
48
A pós-modernidade é sobretudo respeito à diversidade95, o que, em termos
religiosos, conduz a um retorno ao paganismo, isto é, à aceitação de uma multidão de
deuses e ídolos. Nesse sentido, um Deus único, que criou o Universo96 seria
interpretado em nosso tempo como algo ultrapassado ou, como no passado,
simplesmente uma idéia revolucionária.
Como afirma Erwin Lutzer97, o temor ao Cristianismo tinha raízes na
preocupação dos romanos com a sobrevivência do Império:
“Os romanos acreditavam que, se alguém tivesse um Deus acima de
César, não seria confiável durante uma emergência nacional
como
em,
por exemplo, a guerra. Era ordenado que todos os bons cidadãos “adorassem
o Espírito de Roma e o talento do Imperador”, conforme o texto do decreto.
Na prática, essa cerimônia se resumia a queimar incenso e dizer:
César
é Senhor”.”
O Código da Vinci põe erroneamente um grande peso no Concílio de Nicéia
(cidade que atualmente fica na Turquia) para a decisão sobre a divindade de Cristo, que
fora, na verdade, decidida muito antes, ainda nos séculos I e II pelos patriarcas da
Igreja. Além disso, escolhe aleatoriamente um evangelho apócrifo, o chamado
“Evangelho de Filipe”98, este sim sem qualquer valor histórico e que sugeria a
realidade de um deus andrógino, masculino e feminino. O mais paradoxal e cruel, é
que os adeptos da crença na continuidade do Cristianismo, através de Maria Madalena
e Sarah, desprezam olimpicamente a realidade de Maria, a mãe de Jesus, que
comandou a célebre reunião em que os apóstolos receberam o Espírito Santo. Tal
“feminismo”, esses adeptos da linhagem do Santo Graal não podem conceber, como o
verdadeiro momento de expansão das idéias cristãs para além das fronteiras de Israel.
O Cristianismo é realmente uma religião histórica e não apenas uma cultura de
representação – como querem alguns historiadores contemporâneos. Não é uma lenda
bem feita por um espírito com muita imaginação, mas a narrativa do que realmente
ocorreu na Palestina, no século I.
É curioso notar que esses inovadores simplesmente omitem o fato de que a
devoção por Maria Virgem, a intercessora, não a mediadora, é uma singular
demonstração da Igreja católica de valorização da mulher, que não encontramos entre
os protestantes, evangélicos e pentecostais. Para tais grupos, Maria era uma boa mulher
como outra boa mulher qualquer! Ora, uma mulher qualquer não carregaria no útero
um homem-Deus, a não ser que Ele fosse apenas homem! Se é nosso Senhor e Filho do
Pai, então o útero escolhido por Deus é soberanamente especial e sagrado! A aparição
do Anjo não seria uma brincadeira de criança ou uma ilusão patológica, típica de um
tempo em que se procuravam messias e profetas. Ali, na Anunciação, foi firmado um
compromisso e um juramento, iguais aos contratos de papel passado e carimbados de
nossos dias!
Respeito vem do grego (respeitós ) que significa “ver o outro com os olhos do outro”.
Universo significa “vertido do Um”.
97
Cf. LUTZER, Erwin. A Fraude do Código da Vinci, Toda a verdade sobre a ficção do momento, p.
36, trad. De James Monteiro dos Reis, São Paulo, Editora Vida, 2004.
98
“Os estudiosos situam a autoria do Evangelho de Filipe por volta do século III, cerca de duzentos anos
depois de Jesus. Não se trata exatamente de uma testemunha ocular!” – escreve LUTZER, op. cit., p. 78.
95
96
49
Outra lenda muito difundida foi a de que Madalena era um prostituta
arrependida e que passou a seguir Jesus, com devoção, fato escondido pelos primeiros
cristãos do século I, tendo em vista atender a um provável ciúme de Pedro em relação
ao que ela realmente representava. Confundida com Joana, administradora da casa de
Herodes, Suzana e Maria de Betânia, irmã de Marta e Lázaro, Maria Madalena, no
entanto, foi a primeira testemunha da ressureição do Senhor, assim como acompanhou
toda a sua agonia:
“O Ministério de Maria junto a Jesus colocou-a em contato com Salomé, mãe
de Tiago e João, e também com Maria, mãe do Senhor (Jo.,
19:
25).
Essas corajosas mulheres estavam ao pé da cruz quando Jesus morreu. Maria
Madalena ficou velando até que o corpo fosse descido, envolto em
linho
99
e depositado no sepulcro de José de Arimatéia.”
Após a ressurreição, porém, Madalena desaparece das páginas do Novo
Testamento, voltando a surgir séculos mais tarde, na mitologia dos ensinos ocultistas e
gnósticos, vinculados posteriormente ao movimento Nova Era100. Na verdade, isso
implica dizer que seria um exagero acreditar que ela e Jesus eram um par romântico e
que viviam casados101.
A hipótese, formulada por Dan Brown, de que o Novo Testamento, com seus
27 livros, é um conjunto de documentos fraudulentos não se prova na prática, pela
estreita correspondência que mantêm com a história da época. Alguns escritores viam
Cristo como um hippie adepto da contracultura, outros como um judeu reacionário ou
rabino carismático. Albert Schweitzer, o famoso humanitário, escreveu sua biografia
de Cristo, concluindo que foi a insanidade de Jesus que o levou a proclamar a própria
divindade102. Por sua vez, Nietzsche, precursor intelectual do nazismo, aquele da
famosa frase “Deus Está Morto!”, afirmava que não gostava do cristianismo por ser
uma religião de escravos...
Todas essas manifestações repetem os propósitos ideológicos por baixo de
opiniões tendenciosas vestidas com certo verniz intelectual, mas que são acolhidas
pelos que rejeitam realmente a divindade do Cristo. Quem as aceita, se agarra a
qualquer autor, mesmo que seja de ficção, se comprometendo a atingir um objetivo de
desmoralização da figura histórica de Jesus, transformando-o num gênio vulgar e
rejeitando tudo aquilo que Ele tem de singular, superior e divino. Essa tendência
sempre se confundiu, ao longo desses dois mil anos, com os esforços para diminuir o
poder da Igreja católica, o que foi conseguido parcialmente com a separação do Estado,
que se tornou gestor administrativo e legal da vida dos cidadãos, independente do
patrocínio espiritual da Igreja e sua interferência nos governos monárquicos da Europa,
99
Cf. LUTZER, op. cit., p. 74.
Idem, p. 76.
101
Idem, p. 81. “Dan Brown afirma que, na época de Jesus, era raro um homem não ser casado. Além de
tudo, sustenta que, por ser humano, Jesus teria desejado relações sexuais e a companhia de uma mulher.
Todavia, isso não prova que Jesus era casado. Sabemos com certeza que escritores do Novo Testamento
como Mateus e João, os quais conheciam muito bem a Jesus, não fazem nenhuma referência a esse
casamento. Ora, se tal casamento tivesse ocorrido, seria com certeza mencionado.”, cf. LUTZER, op.
cit., p.85.
102
Idem, p. 112.
100
50
e da Reforma Protestante, que expandiu um novo tipo de crença cristã, a partir das
idéias de Martinho Lutero, no século XVI.
51
–6–
A SOLUÇÃO PROTESTANTE
“Enquanto eu viver,
o perigo não será temível;
mas quando eu estiver morto,
o desamparo será grande. (...)
Eu não temo os papistas,
mas meus irmãos farão
um grande mal ao Evangelho.”
Martinho Lutero
52
A Reforma Protestante foi um movimento de rebeldia de cristãos contra os
desmandos da Igreja católica, entre os séculos XV e XVI. Imaginem Papas infalíveis
em matéria de fé e dogma, mas pouco piedosos em sua vida pessoal. Imaginem esses
pontífices nomeando parentes para altos cargos da hierarquia eclesiástica, além de
manter haréns secretos ou não tão secretos assim. Também suponham esses altos
prelados traficando os bens da Igreja e vendendo lugares no céu em troca de dinheiro e
moedas de ouro. Sem falar no Papa Alexandre VI, que dividiu o mundo entre Portugal
e Espanha através de uma Bula, o que gerou posteriormente o Tratado de Tordesilhas.
Seria o mesmo, hoje em dia, que conceber o Papa Bento XVI (2008) dividindo o
mundo entre Estados Unidos e Rússia, reinaugurando as desgraçadas lembranças dos
tempos da Guerra Fria (1945-1989), que expuseram o mundo às ameaças de uma
guerra nuclear! O curioso, como resultado do gesto inconseqüente do Papa Alexandre
VI, foi a reação de Francisco I, monarca francês, que mandava esquadras de corsários
invadirem e conquistarem as terras privadas de Portugal e Espanha, sempre se
justificando: “onde está o testamento de Adão?”
A Reforma Protestante, que começou na Alemanha, revelou um rebelde em
relação à conduta ética desviada da Igreja romana. Martinho Lutero (1483-1546), frade
agostiniano, foi o porta-voz da não-aceitação da autoridade papal, considerada por ele
e alguns outros pensadores europeus como uma tirania intolerável. Denunciava, ainda,
a corrupção e imoralidade de bispos, padres e monges, que abusavam das coisas santas
e ofendiam os mandamentos, chegando à beira do escândalo, principalmente em sua
terra natal, hoje, a Alemanha.
Contra a venda de lotes no céu, em troca de dinheiro sonante, doação de terras
ou tráfico de cargos eclesiásticos (as indulgências e simonias), Lutero, em 31 de
outubro de 1512, fixou na porta de uma capela do castelo de Vitemberg 95 teses contra
aquele estado de coisas. Depois, a 15 de junho de 1520, queimou publicamente a bula
Exurge Domine, que Leão X lhe havia dirigido em 15 de junho de 1520, para o
convidar a arrepender-se e a retratar-se. 103
Em sua época, o ofício religioso era falado em latim e o texto bíblico também
estava escrito na mesma língua (a Vulgata), o que afastava o povo, em sua maioria
analfabeto, da compreensão verdadeira da religião dominante. Lutero então traduziu a
Bíblia para a língua alemã, suplantando em qualidade algumas traduções solitárias,
feitas por especial autorização da Igreja, em virtude da nova tecnologia de imprensa
difundida por Gutenberg, a partir de 1543.
O fundador do protestantismo considerava a Bíblia como única fonte de fé e
que deveria ser interpretada pelo “livre exame”, isto é, sem a sombra indevida da
autoridade papal. Partindo do famoso ditado a ele atribuído: “peco intensamente, mas
ainda mais intensamente creio” – Lutero instituiu o princípio da “justificação passiva”,
pelo qual o homem é, ao mesmo tempo, justo e pecador: pecador na plenitude do
termo, mas justo em virtude da promessa, por imputação, podendo assim aspirar à
salvação, embora no desespero de jamais poder viver vida realmente moral. Se o
desespero se torna a via normal da justificação, o homem deve escapar para a
tranqüilidade e paz através do que chamou “fé-confiança”. Basta, então aceitar Cristo
como Salvador, isto é, crer com confiança no Deus-Pai, em vista dos méritos de Jesus,
Cf. DUHR, Joseph. “As Origens da Reforma Protestante”, p. 513, in Deus, o Homem e o Universo,
op. cit.
103
53
que não leva em conta as obras e os pecados do indivíduo, mas o verdadeiro tamanho
de sua fé. Se mantiver a fé-confiança, o crente alcançará a salvação, independente da
fase da vida que estiver vivendo.104
A difusão da doutrina do livre exame esfacelou o protestantismo em novas
comunidades, como os metodistas, de John Wesley, os calvinistas ou presbiterianos, de
João Calvino, os anglicanos, impulsionados pelo cisma entre Henrique VIII da
Inglaterra e o Papado, e os batistas, de John Smith.
João Calvino (1509-1564), teólogo cristão francês, teve grande influência
durante a reforma protestante que perdura até hoje. Suas idéias expandiram-se pela
Suíça, Inglaterra, Escócia, África do Sul, pelos Países Baixos e Estados Unidos.
Sua doutrina mais famosa é a predestinação, vale dizer, o planejamento do
próprio Deus para nossa vida. A predestinação de Deus é fruto de Sua vontade e
absoluta soberania, em relação as pessoas e acontecimentos. E numa forma insondável,
por muitas vezes não compreensível ao nosso entendimento, Deus age continuamente
com liberdade total, de forma a realizar a Sua vontade de forma completa. Tal doutrina
inspirou a célebre tese do sociólogo Max Weber que propôs que o espírito do
capitalismo, de busca de riqueza, derivou dessa crença original de Calvino, porque
quando os homens alcançavam a riqueza e a prosperidade, isso era sinal de que
estavam sendo auxiliadso e beneficiadso por Deus. A religião calvinista, propagandose através de povos navegadores para terras orientais e ocidentais recém-descobertas,
permitiu grande desenvolvimento da economia e do comércio, respondendo pelo
puritanismo e pelo espírito de conquista de povos anglo-saxões e germânicos.
Já os batistas, que se ramificaram em vários sub-grupos, são seguidores das
teses calvinistas, afirmando também que a justificação ou a graça é obtida mediante a
fé apenas, de tal modo que não admitem obras meritórias. A graça não apaga o pecado
do crente, mas tão somente o encobre. Os ritos do batismo e da Santa Ceia não são
comunicadores da graça, que só vem através da fé.
Quanto mais nos aproximamos da modernidade, mais o protestantismo tende a
posturas anti-intelectuais, não favoráveis ao estudo da Bíblia por métodos racionais e
enfatizando uma conduta de livre exame e interpretação da Bíblia ao pé da letra. Esse
fundamentalismo está presente entre grupos como os adventistas, mórmons,
testemunhas de Jeová e os múltiplos ramos pentecostais e evangélicos.
Os pentecostais argumentam que o verdadeiro momento inicial do Cristianismo
foi a reunião de 120 pessoas no cenáculo de Jerusalém, na manhã de Pentecostes, em
que os apóstolos assumem a sua verdadeira identidade de continuadores da obra de
Jesus, sem medo ou covardia, liberando-se do paganismo ritualista e do judaísmo
revolucionário. A emoção dos fiéis fica elevada acima do exame de teses intelectuais e
serve a um engajamento integral da pessoa à sua seita sem medo de ser rejeitada por
dificuldades de entendimento ou escolaridade.
O curioso é que todas essas seitas mantinham até metade do século passado um
grande preconceito em relação aos meios de comunicação contemporâneos (rádios e
104
Idem, pp. 520 e segs.
54
TVs), considerando-os “veículos do diabo”. No entanto, houve uma reviravolta
completa nessa mentalidade, a ponto de hoje encontrarmos em todos os países uma
pletora de canais abertos e por cabo a divulgarem, cada um a seu modo, as verdades do
Evangelho, competindo decisivamente com a Igreja católica, que obteve significativa
perda de fiéis para essas igrejas tele-assistidas...
Impulsionados pela predestinação calvinista, os protestantes e pentecostais
formaram pastores-apresentadores de TV, com um padrão de conduta praticamente
igual: cabelo cortado bem rente, ternos conservadores com gravatas sisudas, sapatos
engraxados e gestos comedidos, além do jargão típico: glória a Deus, aleluia, amém,
obrigado Jesus e a lembrança onipresente de Satanás, do diabo, do Inimigo como
ameaça constante na vida dos fiéis. Aos adeptos, resta ouvir, aceitar e, depois, pagar o
dízimo...
Dividindo o mundo entre Jesus e o Inimigo, parece também terem esquecido de
que a Igreja católica fora antes condenada por espalhar a crença da existência do céu e
do inferno, como forma de dominação do povo ignorante, até a eclosão da Revolução
Francesa (1789), com os seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.
Protestantes e pentecostais no Brasil
Segundo o Censo IBGE-2000, 1.062.144 brasileiros se declararam luteranos.
Os batistas contavam com 3.162.700 fiéis brasileiros. Os presbiterianos, com 981.055
fiéis e os metodistas com 340.967 fiéis. Ao somarmos o total de protestantes históricos
veremos que em 2000 representavam 5,0% do total da população brasileira. Em 1980,
os protestantes históricos representavam 3,4% da população brasileira e, em 1991, com
3,0% do total da população. A leve recuperação da tendência declinante ainda é
fenômeno a ser investigado. Todavia, duas hipóteses parecem razoáveis como
explicação para a recuperação: a aproximação das técnicas pentecostais de proselitismo
e as muitas adesões das igrejas pentecostais, embora parte de sua clientela migre para
as igrejas do protestantismo histórico.
Com a menção acima, tocamos numa das questões mais tematizadas no
universo protestante da atualidade, o pentecostalismo.
A Assembléia de Deus instalou-se no Brasil em 1911 e a Congregação Cristã
em 1910. São elas as duas maiores igrejas pentecostais do Brasil. As igrejas Deus é
Amor e Evangelho Quadrangular foram criadas em meados do Século XX. Já a Igreja
Universal do Reino de Deus foi organizada em 1977, por Edir Macedo. Essas são as
maiores igrejas pentecostais no Brasil.
De acordo com o Censo 2000 o quadro de fiéis em cada uma delas é o seguinte:
Assembléia de Deus – 8.418.154, Congregação Cristã do Brasil – 2.489.089, Igreja
Universal do Reino de Deus – 2.101.884, Evangelho Quadrangular – 1.318.812, Deus
é Amor – 774.827, Outras – 2.630.721.
55
Enquanto os protestantes históricos representam 5,0% do total da população
brasileira, os pentecostais representam 10,6% da população. Sob o rótulo
“pentecostais” agrupamos igrejas com ênfases e estilos bastante diferenciados.105
No entanto, dentre as comunidades pentecostais, a que mais se propaga
atualmente é a chamada “Igreja Universal do Reino de Deus”, fundada no Brasil, em
1977, por Edir Macedo Bezerra.
Nascido no Estado do Rio de Janeiro, Edir quis ser professor; todavia,
abandonou o curso universitário sem o concluir, pois era uma pessoa deprimida.
Procurou alívio na Igreja católica, mas não se satisfez. Passou então para o espiritismo
e freqüentou terreiros de macumba, mas também aí não encontrou as respostas
desejadas. Fez-se então membro da Igreja Pentecostal Nova Vida, onde permaneceu
até 1974. Deixou-a para pregar, por conta própria, a cura mediante a fé. Em 1974,
junto com Roberto Augusto Alves, Romildo R. Soares, seu cunhado, e os irmãos
Samuel e Fidélis Coutinho, fundou a Igreja Cruzada do Caminho Eterno. Em 1977 se
desentendeu com os irmãos Coutinho e ao lado do cunhado e de Roberto Augusto
inaugurou a Igreja Universal do Reino de Deus na Abolição (zona norte do Rio de
Janeiro).
Quatro anos após a fundação, Edir outorgou a si mesmo e a Roberto Augusto o
título de “bispo”. “Esse negócio de bispo é só um título para envolver os católicos” –
teria dito Edir Macedo, segundo depoimento de Roberto Augusto à imprensa106.
Depois, o próprio Roberto Augusto, que sagrou Edir como bispo, separou-se de
Macedo e retornou à Igreja da Nova Vida; algo semelhante fizeram vários
companheiros de Edir Macedo – entre os quais o famoso pastor Carlos Magno de
Miranda, que se retirou para fundar a sua Igreja, dita “do Espírito Santo de Deus”.
Romildo Soares, cunhado de Edir, afastou-se para constituir sua igreja, a “Igreja
Internacional da Graça de Deus”. Na verdade, a colaboração com Edir tornou-se
difícil por causa da prepotência do líder e em virtude do espírito mercantilista que cada
vez mais foi prevalecendo em suas atividades. Feito bispo monárquico, Edir criou para
si um vasto império. Como pregador do Evangelho e arauto de curas, foi adquirindo
vários meios de comunicação e outros bens materiais no Brasil e no exterior.
O culto exercido nas sessões da Igreja Universal do Reino de Deus é
predominantemente o de atendimento às pessoas que lá compareçam, afetados por
algum problema físico, psíquico, familiar ou econômico. Os pastores desta Igreja
atribuem o surto desses problemas à intervenção do demônio (não raro confundido
com a pomba-gira ou algum exu da Umbanda); conseqüentemente, aplicam exorcismos
– o que se faz em meio a gritos, lágrimas, gemidos, pancadas, aclamações e palmas.
Edir Macedo tem o dinheiro em grande estima: “o dinheiro é uma ferramenta
sagrada que Deus usa em sua obra”107 – daí a insistência no pagamento do dízimo e na
imposição de ofertas. Há diversos modos de estimular os fiéis à entrega de dinheiro,
exemplificando: são distribuídos envelopes aos crentes, aos quais é dado um prazo fixo
Cf. FERREIRA, Valdinei Aparecido. “O Protestantismo na atualidade”, in Revista Espaço
Acadêmico,
nº
59,
,abril
de
2006,
disponível
na
internet
em
http://www.espacoacademico.com.br/059/59ferreira.htm, 14/11/2008.
106
Cf. Jornal da Tarde, 2/4/1991, p. 16.
107
Cf. Jornal da Tarde, 6/4/1991, p. 14.
105
56
para que os devolvam com um fio de cabelo para ser benzido e a contribuição
monetária; são também motivo para arrecadar donativos os cultos considerados
especiais, que requerem unção com azeite, correntes de libertação, de prosperidade, de
Gideão e do amor...
Enfim, verifica-se que o grande interesse da Igreja Universal e de
demonstrações congêneres é o serviço do homem. Assim, faz-se da religião um sistema
mágico de solução de problemas materiais, um pronto-socorro capaz de realizar
aparentes prodígios, mediante a sugestão movida por temas religiosos, às vezes,
terminologias não-bíblicas inspiradas na macumba (descarrego, encosto, etc.). O culto
a Deus, em adoração e louvor, torna-se secundário; quando ocorre, é em função de
pretensas curas e façanhas “portentosas”.
Edir Macedo integrou ao seu sistema de pregação o sistema de pirâmide, pelo
qual o crente contribui com ofertas para beneficiar alguém que esteja desguarnecido
financeiramente, que, posteriormente, irá beneficiar outros e assim por diante. É claro
que o sistema não falha porque o fiador é Jesus, mantendo-se, contudo, uma visão
antropocêntrica das necessidades, o que constituiu o que se chamou no Brasil de Teoria
Evangélica da Prosperidade.
Os adeptos da Teoria da Prosperidade estão se multiplicando e se dividindo
quase como a multiplicação células num corpo que está sendo gestado. O que mais me
impressiona no processo da divisão e dissidência dos protestantes, no entanto, são dois
fatos singelos: além de não ser possível pagar o dízimo a tantas confissões evangélicas
que o pedem na televisão, não vejo nenhuma delas proferir em suas orações, sempre
individualizadas por um pastor e acompanhadas de copos com água (o que não é uso
bíblico), a oração que Jesus realmente nos ensinou: o Pai-Nosso108.
108
Cf. Mt., 6: 9-13.
57
4º INTERVALO –
O DESMONTE DAS LÁGRIMAS
“Bem-aventurado o homem que suporta,
com perseverança, a provação; porque,
depois de ter sido aprovado, receberá a coroa
da vida, a qual o Senhor prometeu aos que
o amam.”
Tiago, 1:12
Levarei ao conhecimento de todos, o que me aconteceu, entre 1º e 6 de julho de
2008, sem dúvidas e medo. Antes de mais nada, tenho 53 anos, sou escritor e poeta,
escrevi vários livros, alguns publicados, outros infelizmente ainda não, plantei árvores
e tenho uma filha linda.
Desde o início de julho, eclodiu uma tempestade em minha vida e agora, ao
final do mês, reuni forças até o limite para relatar essa estória. Costumo sintetizar ao
máximo as idéias para não cansar os outros, embora não tenha o limite preciso que
minha dor conceda para permitir prosseguir em antigos hábitos...
Vi o diabo e ele ofereceu-me um mundo imaginário. Porém, não é assim a vida,
falsa e coercitiva. Alguma coisa dentro de mim dizia que era preciso acordar, como
abrir os olhos de repente, após uma anestesia profunda em delicada operação.
Acordei, então, morrendo de dores e arrependimento. Estava só. Pelo menos
acreditava, desesperado, nisso. Mas não é que Deus estava lá fora, me esperando, na
companhia de seus anjos? Para eles, humilhei-me, recordando todo o filme de minha
vida. Lembrei-me de uma das frases do Mestre: "vinde a mim os que estão sofrendo e
vos aliviarei." Pois foi o que aconteceu: ultrapassei o rubicão e fiquei de pé, sem dever
nada a médicos, psiquiatras ou assemelhados. Senti somente a presença abonadora e
calmante de alguns anjos, que se apresentaram a mim, seletivamente.
Você acorda abruptamente, entra em pânico e começa a chorar. Tenta
levantar-se, olhar em torno, mas vem um estupor, uma fraqueza inaudita e você reza
para não desmaiar e cai numa cadeira, pedindo: meu Deus...
Foram quatro dias assim, sozinho, numa cidade pequena e acolhedora, em cuja
noite de inverno sentia como flecha a temperatura de cinco graus centígrados! Só
rádio, sem televisão e com as notícias habituais da violência crescente e incansável do
Rio de Janeiro, de onde me retirei para tentar a recuperação.
Enfrentar o frio do ambiente que, de alguma forma fortaleceu meu coração. O
homem que escapou dessa iniciação não pôde se considerar uma pessoa consagrada,
mas já não era um assombrado, tampouco uma ovelha desgarrada...
58
–7–
TEMPLO É DINHEIRO!
“Algumas pessoas imaginam a vida com Deus
como uma solução para seus problemas
e escolhem a Deus mais como alguém
escolheria um cônjuge numa cultura
de amor romântico, em busca de resultados desejáveis.
Esperam que Deus lhes traga coisas boas;
dão o dízimo porque crêem que o dinheiro volta dez vezes mais;
tentam viver corretamente na esperança de que Deus
as fará prosperar. (...) Na verdade, em alguns países,
tornar-se cristão é garantia de perder o emprego,
ser rejeitado pela família, odiado pela sociedade e até preso.”
Philip Yancey
“Deus permite a tempestade para que
o crente fiel desça a seu verdadeiro nível
e para que não se desvie pela soberba.
Muitas vezes, Deus permite a tempestade
em nossas vidas para sabermos
quem realmente somos.
A tempestade faz com que você saiba
a quem realmente está servindo.”
Silas Malafaya
59
A teoria da prosperidade109, também chamada de “Evangelho triunfalista”, ou
jocosamente “templo é dinheiro”, talvez seja o ponto mais elevado e doentio, do ponto
de vista psicológico e moral, do espírito do capitalismo aplicado à ética protestante. Na
verdade, Cristo era (ou comportava-se) como um mendigo, filho de carpinteiro, numa
nação subjugada, a Palestina dos judeus, e um profeta que pregou abusivamente contra
a acumulação de riquezas, como nos diz textualmente o Sermão da Montanha, talvez a
passagem mais preciosa e eloquente do texto sagrado.
Como afirma Bartimeu Qvê110, lamentavelmente, o Evangelho tornou-se para
um grande número de pessoas um meio totalmente eficaz de enriquecimento, fórmula
fácil e perfeita de ascensão financeira. Utilizam-se do Evangelho de forma muitas
vezes inescrupulosa, bombardeando os crentes com um marketing estrategicamente
elaborado, fazendo uso de linguagem cristã distorcida, dando roupagem aparentemente
evangélica ou gospel a vários de seus produtos. O capitalismo, sob camuflagem cristã,
penetrou no seio da igreja, conduzindo muitos crentes ao consumismo exacerbado e ao
materialismo desenfreado. O desejo pela prosperidade financeira suplanta, em algumas
denominações, o anseio pela intimidade com Deus. E o pior: a ambição pelo dinheiro
ganhou respaldo bíblico. Fazem uso da Bíblia para justificar as doutrinas de
prosperidade. O dízimo, que deveria ser dado com o intuito de manter a obra de Deus,
tornou-se espécie de “investimento” ou “fórmula mágica” para se obter dinheiro de
Deus: “Se você der tudo, receberá em dobro”, dizem alguns; e outros: “O diabo
segura a carteira do crente para ele não dar oferta”.111
A famigerada Teologia da Prosperidade, que é motivo de controvérsia entre as
diversas denominações evangélicas, ganhou terreno e já é naturalmente aceita por
inúmeras igrejas. Em muitos casos, é utilizada de forma apelativa, como um
chamamento para os que enfrentam algum tipo de dificuldade financeira ou males
físicos: “Se Jesus estivesse entre nós, hoje, ele sairia num Boeing particular e
compraria emissoras de rádio e televisão para pregar o mais rápido possível a sua
Palavra”, foi o que afirmou um pastor ligado ao movimento. Para muitos que
compartilham essas idéias, Jesus foi um grande milionário e até usava roupas de
grife.112
A prosperidade financeira transformou-se numa espécie de termômetro capaz
de medir o grau da fé que alguém atinge: se prosperou, a fé é grande; se fracassou, é
pequena. É muito cômodo a quem tem dinheiro e saúde proclamar, como um arauto,
que a escassez de dinheiro e a enfermidade significam ausência de fé! Para esses
pregadores, a fé só existe se vier acompanhada de bênçãos materiais.113
É possível conhecer pessoas sem fé que não somente têm dinheiro, como
também esbanjam saúde; também é fácil conhecer pessoas cristãs, sinceramente
cristãs, fiéis a Deus, que além de não terem saúde, têm escassez de dinheiro, vivem de
aluguel, ganham um ínfimo salário. Também pode-se inteirar do oposto: pessoas
ímpias que não tem nada, vivem na miséria, e pessoas cristãs que têm saúde e dinheiro.
109
Prosperidade (do latim prosperitate) refere-se à qualidade ou estado de próspero.
Cf. QVÊ, Bartimeu. http://www.vivos.com.br/171.htm.
111
Idem.
112
Idem.
113
Idem.
110
60
A diferença não está em nossos bolsos, em nossos corpos físicos: está dentro de nossos
corações.114
Tal teoria seria uma espécie de acordo entre o crente fiel e Deus, de receber
benesses materiais abundantes em troca da permanência de sua fé, alocando para a
respectiva igreja ofertas e dízimos, que lhe serão devolvidos por Deus, num toma-ládá-cá espiritual, onde Jesus faz o simplório papel de eterno fiador e pé-de-coelho. A
lógica fechada exibe uma espécie de predestinação calvinista pervertida, na qual se o
adepto não conseguir a bênção é porque a fé era insuficiente. De qualquer maneira, a
culpa é sempre dele, não da igreja que haja escolhido. A oferta não é mais voluntária, é
imposta com a finalidade de conseguir de Deus muito mais do que ofertou, e isso não é
oferta de amor ou voluntária, é troca comercial e de fundo capitalista.
Para os adeptos desse tipo de mercantilismo deslavado, existe um automatismo
entre o valor e o montante das doações e o tamanho do resgate de alguma coisa
intensamente almejada pela fé e que está ligada ao mundo material (carros, jóias,
apartamentos, lojas, casa própria, empregos, etc.), o que seria interpretado como sinal
divino de concordância e proteção, porque “Deus é fiel e cumpre o que promete”.
Na verdade, a técnica do “dar e receber” é bem mais comum do que se pensa,
não só em igrejas mas também em algumas seitas. Também não difere muito de
técnicas de auto-ajuda ou auto-programação positiva, da qual Joseph Murphy (18981981) foi sempre lembrado como ícone. Outro autor da indústria da auto-ajuda,
também pastor protestante, Norman Vincent Peale (1898-1993), em seu livro mais
famoso, “O Poder do Pensamento Positivo”, dizia entre outras pérolas que não
entendia o estresse em que vive o homem moderno, porque ele, quando se sentia
cansado ou nervoso, pegava um avião e ia para os bosques da Suíça descansar...
Ken Hagin, pregador batista e autor de vários livros, foi considerado o pai da
“teologia da prosperidade” (só não me perguntem quem foi a mãe!), cometendo
inúmeros erros teológicos, produtos de interpretação forçada e de uma ótica préestabelecida. Sua idéia de que a "maldição da lei"115 deveria ser interpretada como
miséria, enfermidade e morte, não tem respaldo bíblico nem na experiência. Hagin
acreditava que Deus era dono de todo ouro e prata existentes no mundo, argumentando
em seguida que se recebemos suas bênçãos então não devemos ser pobres, porque
“pobreza é coisa do diabo”.
Após Hagin surgiram diversos seguidores da Teologia da Prosperidade (TP).
Seu filho, Ken Hagin Jr., Oral Roberts, T.L. Osborn, Benny Hinn, Kenneth Copeland,
entre outros. Na visão desses pregadores, o fiel deve confessar a posse da bênção e
tudo o que for determinado verbalmente com fé será obtido.
No entanto, Jesus afirmou ser mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha116 do que um rico se salvar. Tal repúdio à soberba e o cultivo da humildade
114
Idem.
Gl. 3: 13,14 e 29.
Esse tipo de agulha não é a de costura. Agulha era o apelido das ruas estreitas de Jerusalém, que
existem até hoje. De fato, por elas um camelo não consegue andar. Do mesmo modo, a palavra
“camelo” era uma espécie de gíria de pescadores na palestina, designando uma corda entrelaçada de
115
116
61
demonstra que Deus não quer sua riqueza porque Ele já é rico, dono de todo ouro e de
toda a prata, mas com certeza não atribui a eles o mesmo valor que o ser humano
materialista lhes atribui.
Foi Jesus também quem disse que o nosso tesouro deve estar nos céus, porque
lá a ferrugem não o corrói. Por que será que em vez de ter nascido num esplendoroso
palácio, ele nasceu em uma manjedoura (tabuleiro em que se põe comida para os
animais nas estrebarias)?117
Os discípulos de Cristo também não eram ricos. O único que se deixou levar
pela ambição, Judas, teve um fim deveras trágico. Quando algumas pessoas ricas
abordavam Jesus, como é o caso de Zaqueu e do jovem rico, foram motivados por ele a
dividirem seus bens com o próximo.118
A Igreja primitiva tinha esse hábito. Diz a Bíblia que os irmãos prósperos
dividiam com os menos favorecidos socialmente os seus bens. O apóstolo Paulo não
teve, como alguns supõem, uma vida maravilhosa. Muito pelo contrário, sofreu pelo
nome de Jesus, não somente açoites, mas prisões, e mesmo a morte. Em uma de suas
epístolas, diz ter feito tendas para se manter, não querendo causar peso aos outros. Que
diremos de João que, mesmo estando preso numa ilha, permaneceu firme na fé, sem
jamais questionar os desígnios de Deus?119
Somos salvos pela fé, portanto, a fé não é uma fórmula mágica que faz surgir
do nada aquilo de que necessitamos. Oferecer algo a Deus é fé: Abel ofereceu a Deus o
mais excelente sacrifício, pelo que, diz a Bíblia, obteve testemunho de ser justo, tendo
a aprovação de Deus120. Agradar a Deus é fé: Enoque foi transladado para não ver a
morte, pois agradava a Deus121. Obedecer a Deus é fé: Noé seguiu os conselhos de
Deus, construiu uma arca sob à zombaria de seus conterrâneos, e desta forma deu
continuidade à espécie humana122. A fé fez com que Moisés abandonasse o conforto
do Palácio de Faraó, para sofrer por seu povo. Muitos, por sua fé, foram apedrejados,
provados, perseguidos, humilhados, açoitados, serrados pelo meio, mortos ao fio da
espada. Outros, pela fé, tiveram de andar peregrinos, vestidos de peles de ovelhas,
necessitados, aflitos, maltratados.123
Se existe uma “vítima” da chamada Teologia da Prosperidade é a própria
palavra escrita na Bíblia. Essa teoria (ou prática teológica) tem se disseminado de
forma surpreendente, e é defendida por evangélicos que crêem – grosso modo – que
Deus tem algum tipo de dívida para com o ser humano, ou que tem uma espécie de
acordo (com ares de obrigação) de dar-lhe riqueza e felicidade caso a pessoa realmente
sisal, muito grossa, utilizada para amarrar embarcações e redes. Nesse sentido, um “camelo” jamais
passaria pelo fundo de uma “agulha” (se fosse utilizada como instrumento de costura).
117
Cf. QVÊ, site citado.
118
Idem.
119
Idem.
120
Cf. Hb., 11:4.
121
Cf. Hb., 11:5.
122
Cf. Hb., 11:7.
123
Cf. QVÊ, site citado.
62
tenha fé e o queira. A contrapartida geralmente é o fiel desembolsar alguma riqueza
própria (dinheiro) em troca de riqueza maior futura.124
Os pastores e bispos adeptos da Teologia ou Teoria da Prosperidade fazem uso
da hermenêutica na leitura da Bíblia para garantir que o que estão fazendo não viola as
regras de Deus ou de Jesus. A Bíblia passaria por uma espécie de re-edição, sendo os
seus ensinamentos dispostos da melhor forma que interessasse aos adeptos da nova
teoria. Senão vejamos: a orientação divina para que os humanos não se percam em
desejos materiais em detrimento ao amor por Deus está citada duas vezes, de forma
muito semelhante, em dois diferentes Evangelhos. Por outro lado há outro trecho, em
Lucas, 11: 9, que diz que ao pedir algo a Deus o fiel simplesmente receberá o que
deseja (de acordo com o merecimento e fé – pressupõem-se). Mas sem precisar fazer
um carnê de desafio com uma igreja. Sem intermediários.125
Descaracteriza-se, assim, completamente, a essência do Cristianismo, com
convites distorcidos, como:




Venha para Jesus, porque se você é pobre, vai ficar rico;
Venha para Jesus que você terá um carro último tipo;
Venha para Jesus que você se livrará do aluguel e ganhará uma casaprópria;
Venha para Jesus que você saldará todas as suas dívidas; etc., etc.
Esse Evangelho triunfalista e de ilusão, no estilo “pequenas igrejas, grandes
negócios”, pode trazer complicações psicológicas aos fiéis que, quando não obtêm o
que querem no reino material são simplesmente acusados de não terem fé suficiente, de
não “tomarem posse da bênção” e “não terem permitido a Jesus que operasse a seu
favor”. Quando a pessoa não conquista as coisas é acusada de não ter fé, o que pode
conduzir o crente a severos complexos de ordem psicológica.
Muito ao contrário. Quem encontra a Palavra de Deus sabe que será por isso
mesmo sujeito a lutas, tribulações e tempestades até porque o cristão percebe, no
íntimo, que vive num vale de lágrimas.
E a palavra de Deus diz: Buscai primeiro o Reino de Deus e as demais coisas
vos serão acrescentadas126, o que solidifica a crença de que Deus só quer que você o
busque primeiro. Em outra famosa passagem bíblica127, Jó era um homem temente a
Deus e tinha tudo, mas não conhecia a Deus. Então Deus permitiu que Satanás tocasse
em seus bens, nas suas coisas, até seus filhos, menos em sua vida e de sua esposa.
Vendo, no entanto, que seu servo mesmo assim não desistira da fé, Deus deu-lhe tudo
em dobro, “tudo o que antes possuíra”128
124
Cf. GOMES, Cristiane Machado. Teoria da prosperidade, disponível na Internet em
5/03/2007,www.cezar.azevedo.nom.br .
125
Idem.
126
Lc., 12:31.
127
Jó., cap. 42.
128
Cf. Jó., 42: 10.
63
A teoria da prosperidade no Brasil
A teoria da prosperidade tem sido usada em várias igrejas para atrair os fiéis
para um novo padrão de vida. E esse movimento não é tão atual assim. Surgiu no
Brasil, entre outras igrejas, com a Igreja Universal do Reino de Deus do “Bispo” Edir
Macedo (1977), cuja doutrina interna afirma que a prosperidade é uma das promessas
de Deus, instruindo os seus fiéis para que “definam os seus pedidos e partam para o
sacrifício, lançando tudo (ou seja, dinheiro, cheques, ofertas e dízimos) no altar”.
Do mesmo modo, um cunhado e dissidente de Macedo, missionário Romildo
Ribeiro Soares (R. R. Soares), fundou, em 1980, a intitulada Igreja Internacional da
Graça de Deus, movimento neopentecostal que, além de pregar a teoria da
prosperidade, trouxe inovações quanto a liberdade nos costumes, com menos ênfase
nas manifestações pentecostais e colocando o louvor a Cristo como um processo mais
dinâmico e fácil de compreender na velha luta entre o Senhor e o “inimigo”.
A Igreja Apostólica Renascer em Cristo, por sua vez, fundada por Estevam e
Sonia Hernandez (atualmente presos por sonegação fiscal nos Estados Unidos e que, a
boca pequena são comentados nos meios evangélicos rivais: “o bispo e a bispa foram
ver o sol renascer quadrado nos States...”)129 e a Comunidade Sara Nossa Terra,
fundada por Robson Rodovalho – são as igrejas que surgiram ainda na década de 80 e
vieram a engrossar esse coro de prosperidade. Entretanto, um grande investimento na
mídia tem sido feito pelas igrejas que mais crescem no Brasil, como a Universal (cujo
sócio-fundador é proprietário de uma rede aberta de televisão) e a Igreja da Graça, que
ocupa em canal aberto um horário nobre, possuindo também canais de TV a cabo,
editoras e gravadoras, conseguindo atingir famílias que antes só assistiam novelas.
A teoria da prosperidade expandiu-se com facilidade em nossa sociedade
consumista e materialista, enraizando-se no coração dos cristãos que pouco conseguem
discernir entre o que é bíblico e o que é herético, por falta de compromisso com a
palavra de Deus. Essa teoria tem fundamento bíblico altamente questionável,
confundindo os cristãos porque seus líderes, usando versículos fora de contexto,
insistem em dar-lhe uma aparência oficial como o verdadeiro ensino do Evangelho.
Já existem fã-clubes130 para evangélicos e bloco carnavalesco evangélico.
Pedem-se autógrafos, e a tietagem é explícita entre os admiradores das estrelas
evangélicas. Hoje o cantor evangélico ganha Disco de Ouro e participa de grandes
festivais. Há algum tempo foi realizado o Troféu Talento, considerado o Grammy da
música evangélica, cujo objetivo era a premiação aos “melhores do show gospel”.
Muitos desses festivais possuem efeitos especiais e são realizados em casas de shows
de altíssimo nível. Em muitos casos há cobrança de ingressos. Os cachês de alguns
desses irmãos cantores são excessivamente elevados, e muitos não cantam se não
129
Estevam Hernandes e Sônia Hernandes, colecionam processos na Justiça. No Brasil o casal
responde por estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, o que culminou no bloqueio dos
bens dos Hernandes que abandonaram tudo e fugiram para os Estados Unidos. Chegando lá uma nova
ficha criminal foi aberta para ambos ao serem pegos pelo FBI logo ao tentarem enganar a alfândega.
Atualmente o casal responde em liberdade e mora em uma mansão em Boca Ratón, uma das cidades
mais luxuosas dos EUA.
“Fã”, redução de fanático, do latim “fanus”, templo, em referência aos adoradores da deusa Cibele,
cf. QVÊ, site citado.
130
64
houver cachê! Para muitos empresários do ramo, esses cantores são “máquinas de fazer
dinheiro”, e os evangélicos de um modo geral, nada mais são do que potenciais
consumidores. Em muitos casos não é possível identificar se o que há em alguns
templos é culto ou show. Várias igrejas estão perdendo sua identidade, passando a ser
conhecidas como “ a igreja do Pastor fulano”, “a igreja do cantor sicrano”, “a igreja
do jogador beltrano” etc. Alguns freqüentam estas igrejas porque lá congregam tal
atriz ou tal ator.131
No entanto, tais igrejas caminham para a prosperidade financeira, enquanto os
fiéis acreditam que, sacrificando o pouco que tem a favor delas, irão ter futuramente a
bênção desejada e, se não conseguem alcançá-la, voltam-se contra si mesmos como se
tivessem cometido erros na própria vida.
– QUADRO 1 –
A BÍBLIA E A TEORIA DA PROSPERIDADE
ARGUMENTOS BÍBLICOS A
FAVOR DA TEORIA DA
PROSPERIDADE
ARGUMENTOS BÍBLICOS CONTRA A
TEORIA DA
PROSPERIDADE
“Faço aliança contigo e com
“Não só de pão viverá o homem,
tua posteridade, uma aliança eterna, mas de toda palavra que procede da boca
de geração em geração, para que eu de Deus.” (Mt. 4 :4);
seja o teu Deus e o Deus de tua
posteridade.” (Gên., 17: 7);
“Não acumuleis para vós outros
tesouros sobre a terra, onde a traça e a
“Ele é a Rocha; suas obras são ferrugem corroem e onde ladrões
perfeitas, porque todos os seus escavam e roubam; mas ajuntai para vós
caminhos são justos; Deus é fiel e outros tesouros no céu, onde traça nem
sem iniqüidade; justo e reto é ele”. ferrugem corrói, e onde ladrões não
(Deut., 32: 4).
escavam, nem roubam; porque onde está
o teu tesouro, aí estará também o teu
"Eu o tenho dito; também já o coração.” (Mt. 6: 19, 20, 21)
chamei; eu o trouxe, e o seu caminho
será próspero." (Is 48: 15);
"Ninguém pode servir a dois
"Os seus caminhos são senhores; porque ou há de odiar a um e
sempre prósperos...” (Sl. 10: 5);
amar o outro, ou há de dedicar-se a um e
desprezar o outro. Não podeis servir a
“Cumpria, portanto, que Deus e às riquezas." (Mt. 6: 24);
entregasses o meu dinheiro aos
banqueiros, e eu, ao voltar, receberia
“Então disse Jesus a seus
com juros o que é meu. Tirai-lhe, discípulos: Em verdade vos digo que um
pois, o talento e dai-o ao que tem dez. rico dificilmente entrará no reino dos
Porque a todo o que tem se lhe dará, céus.” (Mt. 19:23)
131
Cf. QVÊ, idem.,
65
e terá em abundância; mas ao que
não tem, até o que tem lhe será
“...mas os cuidados do mundo, a
tirado.” (Mt. 25: 27, 28 e 29)
sedução das riquezas e a cobiça doutras
coisas, entrando, sufocam a palavra, e ela
“Por isso, vos digo: Pedi, e fica infrutífera." (Mc. 4: 19);
dar-se-vos-á, buscai e achareis; batei
e abrir-se-vos-á. Pois todo o que
“Então Jesus, olhando ao redor,
pede recebe; o que busca encontra; e disse aos seus discípulos: Quão
a quem bate, abrir-se-lhe-á (Lc. 11:9- dificilmente entrarão no reino de Deus os
10);
que têm riquezas! (...) É mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do
“Antes, como Deus é fiel, a que entrar um rico no reino de Deus.”
nossa palavra a vós não é sim e (Mc. 10: 23 e 25);
não.” (2 Cor., 1: 18);
“Quem tiver duas túnicas, reparta
“E, se sois de Cristo, também com quem não tem; (...) não cobreis mais
sois descendentes de Abraão e do que o estipulado; (...) e contentai-vos
herdeiros segundo a promessa.” com o vosso soldo.” (Lc. 3: 10, 12 e 14);
(Gal. 3: 29);
“Então, lhes recomendou: Tende
cuidado e guardai-vos de toda e qualquer
avareza; porque a vida de um homem não
consiste na abundância dos bens que
possui.” (Lc. 12: 15)
“E Jesus, vendo-o assim triste [um
homem
riquíssimo]
disse:
Quão
dificilmente entrarão no Reino de Deus os
que têm riquezas!” (Lc. 18: 24)
“... os que querem tornar-se ricos
caem em tentação e em laço, e em muitas
concupiscências loucas e nocivas, as
quais submergem os homens na ruína e na
perdição" (1 Tm. 6: 9);
A teoria da prosperidade é, em suma, a nosso ver (e assumimos toda a
responsabilidade por esse particular julgamento) um emporcalhamento das palavras de
Jesus em nome do mercantilismo e da idolatria, típicos de nossa época. Bem que Jesus
advertiu, em vários trechos de sua vida pública, assim como o apóstolo João, em
Apocalipse, o extremo cuidado que deveremos ter com falsos profetas.
66
5º INTERVALO –
A SEPARAÇÃO
Escrevo, a título de desabafo – a única válvula de escape dos escritores – e me
sinto um pedinte verdadeiro, à procura de luz, apesar de me saber poeta, que, como
disse um famoso compositor, pode ver na escuridão...
Meu relacionamento ficou sujo, sem mesuras e respeito. Acabou por um
conjunto de motivos, mas o mais proeminente fora aquele que apodrece diversas
famílias, quer dizer, o diabo aparece, travestido de necessidades financeiras e, logo
após, surge a procissão infindável de brigas, discussões e desentendimentos.
Ela era rica e eu, tão pobre... Ela, no entanto, faliu por conta própria, sem
qualquer interveniência minha em seus negócios, mas indiretamente, ou em silêncio,
talvez me acusasse intimamente de lhe trazer azar.
Não pensem que não passou por mim a idéia de suicídio. O sacrifício de minha
vida, ora em estado sórdido, soaria como pagamento existencial por minha vida louca,
desregrada e, agora, a beira de ser desonrada. Talvez fosse melhor que eu morresse
por dívidas imaginárias, intuídas ou todas as que tivesse acumulado sem qualquer
lembrança. “Seria bom para todo mundo” – uma sugestão de epígrafe no bolso do
cadáver, solução bem machadiana...
Alguma coisa, entretanto, deteve, minha mão justiceira. Talvez a lembrança
das coisas boas que realizei, os livros que escrevi, os poemas premiados, as árvores
que plantei e estão viçosas e, finalmente, a filha bela que inda tenho.
67
–8–
A ALTERNATIVA ESPÍRITA
“Nós somos espíritos que já estiveram aqui
muitas vezes, que escreveram os projetos
que estamos vivendo agora e que guardam
a divina promessa da eternidade no amor de Deus
que nos espera do Outro Lado.”
Sylvia Browne
68
Longe de mim discutir profundamente tão extensa e tão bela doutrina como a
espírita, em relação à qual quase todo brasileiro, adepto ou não, conviveu de alguma
forma ao longo da vida.132
Muito ao reverso da teoria da prosperidade pentecostal e evangélica, discutida
no capítulo anterior, o espiritismo não pede dinheiro a seus adeptos em forma de
dízimos ou patrocínios. Os lares espíritas e todas as escolas, orfanatos e asilos
sustentados pelos discípulos de Allan Kardec, obedecem a regras firmes de
contribuição voluntária e disponibilidade voluntária, o que não significa qualquer
obrigação.
Os lares e centros de inspiração kardecista funcionam como sociedades civis,
com balanços mensais de receitas e despesas à disposição dos irmãos, que, em sua
maioria, efetuam contribuições não monetárias, em geral ligadas a produtos
alimentícios, roupas, agasalhos e cobertores. Todas as doações financeiras, entretanto,
são efetuadas contra-recibo, postas ao conhecimento de todos os participantes do
núcleo e as atividades de cura e assistência (palestras, passes e cursos) são
completamente gratuitos.
Os princípios da doutrina
Allan Kardec (1804-1869) teve o grande mérito de codificar uma doutrina
espiritual em pleno ambiente de valorização da ciência e do materialismo, na segunda
metade do século XIX. Num tempo em que os cientistas acreditavam que a ciência já
havia descoberto tudo, que a física e a química tinham chegado a seus melhores
resultados – o codificador francês surgiu com idéias novas, distinguindo-as do
misticismo praticado por muitos charlatães que pregavam as maravilhas do
“mesmerismo”133 e da cura pelo magnetismo. Elaborou cinco livros básicos sobre a
doutrina, até hoje a formulação inicial de todo edifício espírita, enriquecido por
milhares de livros e autores.
132
“Uma pesquisa realizada por duas universidades brasileiras afirma que 11% dos brasileiros têm
mais de uma religião. O estudo divulgado nesta quinta-feira pelas universidades federais de São Paulo
(Unifesp) e de Juiz de Fora (UFJF) com 3 mil pessoas em todo o país aponta que 83% dos pesquisados
consideram a religião muito importante nas suas vidas. As principais religiões citadas como primeira
crença pelos entrevistados são catolicismo (68%) e evangélica (22%). Ao todo, 5% se declararam
praticantes de outras religiões – como protestantismo e espiritismo – e outros 5% se disseram sem
crença. Enquanto 15% dos entrevistados com nível de escolaridade superior têm o espiritismo como
primeira ou segunda religião, 17% dos com escolaridade primária e 22% daqueles que completaram o
antigo ginásio adotam o evangelismo, diz um dos autores do levantamento, Ronaldo Laranjeira, da
Unifesp.” (Cf. BBC em português, “Pesquisa diz que 11% dos brasileiros têm duas religiões”,
03/05/2008.
133
Uma fraude médica do século 18 desenvolvida por Franz Anton Mesmer (1734-1815), envolvendo as
suas sugestões e fazendo os seus clientes ficarem “mesmerizados” por ele. Ele usou os seus
extraordinários poderes de sugestão para colocar as pessoas em convulsão ou em transe. Foi tão bem
sucedido que o termo passou a descrever a influencia sobre os outros.
69
O “Livro dos Espíritos” (1857) seria a pedra de toque de sistematização
doutrinária e em sua introdução desenha as principais teses do que se convencionou
chamar de Espiritismo134:

Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo
e bom, tendo criado o Universo, que abrange todos os seres animados e
inanimados, materiais e imateriais;

Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres
imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos;

Os Espíritos revestem-se temporariamente de um invólucro material
perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui a liberdade. Entre as
diferentes espécies de seres corpóreos, Deus escolheu a espécie humana
para a encarnação dos Espíritos que chegaram a certo grau de
desenvolvimento, dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as
outras;

A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.
Há no homem três coisas: 1°) o corpo ou ser material análogo aos animais
e animado pelo mesmo princípio vital; 2°) a alma ou ser imaterial, Espírito
encarnado no corpo; 3°) o laço que prende a alma ao corpo, princípio
intermediário entre a matéria e o Espírito. Tem assim o homem duas
naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos
lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos;

O laço ou perispírito, que prende ao corpo o Espírito, é uma espécie de
envoltório semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais
grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que lhe constitui um corpo
etéreo, invisível para nós no estado normal, porém que pode tornar-se
acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede no fenômeno das
aparições. O Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só possível
de conceber-se pelo pensamento. É um ser real, circunscrito, que, em certos
casos, se torna apreciável pela vista, pelo ouvido e pelo tato;

Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais, nem em
poder, nem em inteligência, nem em saber, nem em moralidade. Os
Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se
melhoram passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita;

Deixando o corpo, a alma retorna ao mundo dos Espíritos. A encarnação
dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se que
a alma ou Espírito possa encarnar no corpo de um animal;

A alma possuía sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois
de se haver separado do corpo;
134
Cf. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, pp. 23-27, tradução de Guillon Ribeiro, 83ª edição, Rio
de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2002.
70

O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que
vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima
dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Os Espíritos
encarnados habitam os diferentes globos do Universo. Os não encarnados
ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita; estão por
toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de
contínuo. É toda uma população invisível, a mover-se em torno de nós;

Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e mesmo sobre
o mundo físico;

As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas.
As comunicações ostensivas se dão por meio da escrita, da palavra ou de
outras manifestações materiais, quase sempre pelos médiuns que lhes
servem de instrumentos. Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou
mediante evocação;

Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. Os Espíritos
superiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da
mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixão inferior; em resumo,
as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas
nos centros sérios, onde intima comunhão de pensamentos, tendo em vista o
bem;

A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta
máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos
fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem
uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores ações;

Ensinam, finalmente, não haver faltas irremissíveis, que a expiação não
possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes
existências que lhe permitem avançar, conformemente aos seus desejos e
esforços, na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu destino final.
Eis aí o resumo ortodoxo da doutrina espírita, tal como formulada por Kardec,
o que não a impediu de ser contestada e desvirtuada por outras escolas espíritas que
apareceram depois, como a Umbanda e a Kimbanda e algumas seitas de origem
africana. Não há dúvida, também, que as noções de progresso e evolução dos Espíritos,
do menos para o mais, que traduz uma espécie de mecanicismo na exposição da
doutrina, sofre intensa pressão ideológica dos princípios mais populares no século
XIX, do evolucionismo de Darwin e da noção de progresso, difundida pelo positivismo
de Augusto Comte135.
135
O francês Augusto Comte (1798-1857), fundador do positivismo, negava que a explicação dos
fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos fatos
abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se pesquisa de suas
leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis. A partir da percepção do
progresso humano, Comte formulou a Lei dos Três Estados. Observando a evolução das concepções
intelectuais da humanidade, Comte percebeu que esta evolução passa por três estados teóricos
diferentes: o estado 'teológico' ou 'fictício', o estado 'metafísico' ou 'abstrato' e o estado 'científico' ou
'positivo'. Para Comte, "religião" e "teologia" não são termos sinônimos: a religião refere-se ao estado de
71
O que é e não é Espiritismo
Muitos cultos e religiões que praticam a comunicação com os espíritos e
aceitam a reencarnação, por outro lado, são confundidos erroneamente com o
Espiritismo. Na verdade, embora mereçam todo o respeito dos espíritas verdadeiros,
estas seitas são adeptas do espiritualismo ou esoterismo, e não do Espiritismo. Todos
aqueles que acreditam na existência do Espírito são espiritualistas. Mas nem todos os
espiritualistas são espíritas, praticantes do Espiritismo.136
Para que uma casa religiosa seja espírita, ela deve seguir os ensinamentos
contidos nas obras Básicas da Doutrina, os locais espíritas recebem o nome de: Centro,
Grupo, Casa, Sociedade, Instituição ou Núcleo Espírita. Deve ser legalmente
constituído, de acordo com as leis vigentes no país em que está instalado. Mesmo
ostentando este nome, quem os visita necessita estar atento para quais as atividades e
as formas como as mesmas são praticadas por seus dirigentes e auxiliares.137
O verdadeiro centro espírita não pratica em suas atividades nenhum tipo de
ritual. A Doutrina Espírita segue o que o Mestre Jesus ensinou: que Deus é Espírito, e
deve ser adorado em espírito e verdade. Portanto, sem a necessidade de nada material
para contatar com a espiritualidade.
Nas sedes dos verdadeiros centros espíritas não são encontradas imagens de
santos ou personalidades do movimento espírita, amuletos de sorte, figuras que afastem
ou atraiam maus Espíritos, incensos, velas e tudo o mais que seja material e que
teoricamente serviria de ligação com o mundo espiritual. O Espiritismo é contrário a
qualquer tipo de sacrifício animal. Espíritos que pedem este tipo de atividade são
atrasados, ignorantes da Lei de Deus e muitas vezes maléficos, que podem prejudicar a
vida de quem dá ouvidos aos seus baixos desejos.138
Os grupos espíritas têm reuniões específicas e íntimas para que os trabalhadores
da casa. Todo este cuidado baseia-se na orientação dos próprios Espíritos superiores,
responsáveis pela elaboração do Espiritismo, como também no alerta de João, o
Evangelista, que diz: "Amados, não creiais em todos os Espíritos, mas provai se os
Espíritos são de Deus"139. Agindo assim, o centro espírita evita o máximo possível a
influência de Espíritos zombeteiros e maldosos.A seriedade de reuniões fechadas os
intimida, favorecendo a presença dos Espíritos esclarecidos.140
Há alguns tipos de trabalhos mediúnicos, principalmente de psicografia (escrita
dos Espíritos através de médiuns), onde pessoas levam até lá o nome de entes
desencarnados para tentarem a comunicação dos mesmos através da mediunidade, e
unidade humana (psicológica, espiritual e social), enquanto a teologia refere-se à crença em entidades
sobrenaturais. Dessa maneira, grosso modo, a Religião da Humanidade consiste na incorporação da
teologia pelo humanismo e pela ciência – respeitando, reconhecendo e celebrando o papel histórico
desempenhado por estes estágios provisórios.
136
Cf. O que é e não é o Espiritismo, Grupo Espírita Apóstolo Paulo, Última atualização em 18/11/2002,
disponível em http://www.espiritismo.org/oqueeo.htm.
137
Idem.
138
Idem.
139
Cf. 1 Jo. 4:1.
140
Cf. O que é e não é o Espiritismo, site citado.
72
ficam observando a manifestação. O médium Francisco Cândido Xavier, conhecido
como Chico Xavier, oriundo da cidade mineira de Uberaba, foi um destes exemplos.
Porém, nestes casos, o Espírito não se comunica diretamente com seu parente. Apenas
influencia o médium, que escreverá, de forma discreta e ordenada, a mensagem do
além.
A doutrina Espírita explica que todo ser vivo tem mediunidade, pois é através
dela que os encarnados recebem influências boas e más do mundo espiritual, que
servirão de ajuda ou aprendizado no decorrer de suas existências terrenas. São
chamados de médiuns aqueles capazes de proporcionar a manifestação dos espíritos.
O Espiritismo adverte que para poder ampliar esta ligação com o mundo
espiritual, é necessário que o médium passe por uma série de preparativos. Anos de
estudo, maturidade, modificação moral constante, vida regrada, abstendo-se dos
vícios mais grosseiros, como o fumo e a bebida, são algumas das regras básicas para
que o indivíduo possa vir a desenvolver sua mediunidade, e estão contidas em "O
Livro dos Médiuns".
Os centros espíritas verdadeiros não aconselham a pessoa a trabalhar
mediunicamente sem antes passar por este período e preparação citados. Muito menos
diz que alguém “precisa” desenvolver a mediunidade. Tudo o que é forçado é
prejudicial ao homem.141
Qualquer lugar que prometa a cura de problemas espirituais ou materiais não é
um local espírita. Condicionar uma cura à freqüência exclusiva naquele ambiente, ao
pagamento de dinheiro ou bens materiais, ou mesmo à “força da casa” não tem base no
Espiritismo e foge do bom senso que regula as leis de Deus. Estas, não podem ser
modificadas de acordo com nossa vontade. Por isso, prometer algo que não depende
apenas de nós mesmos beira a irresponsabilidade e pode levar a pessoa desesperada ao
desequilíbrio total ou à descrença em Deus.142
O passe é um método utilizado dentro dos centros espíritas. Nada mais é do que
a simples imposição das mãos de médiuns sobre a fronte de outras pessoas,
transmitindo-lhes fluidos magnéticos e espirituais. Os passistas não ficam incorporados
pelos Espíritos, apenas recebem sua influência mental e fluídica.
Jamais há necessidade de o passista tocar a pessoa que recebe o passe.
Toques, apertos, carícias têm grandes possibilidades de serem mal-interpretados,
gerando confusões, e por isso são dispensados no centro espírita. Locais em que os
passes são aplicados com movimentos bruscos, utilizando objetos, baforadas de cigarro
ou charuto, estalando-se os dedos, repetindo mantras e cânticos, tocando várias partes
do corpo do receptor não são centros espíritas. Passistas que transmitem os passes
incorporados por entidades, fazendo orientações ou conversando normalmente, não são
médiuns espíritas.143
O verdadeiro centro espírita não cobra nenhuma orientação ou ajuda espiritual
de seu público, nem condiciona o recebimento de curas ou salvação às doações. Dar de
141
Idem.
Idem.
143
Idem.
142
73
graça o que de graça receber, ensinou Jesus, em alusão aos conhecimentos espirituais.
Não aceita dinheiro por serviços prestados mediunicamente. Seus dirigentes e
trabalhadores têm profissões próprias, que lhes dão o sustento financeiro necessário
para suas vidas.
Quem sustenta materialmente a casa espírita são seus trabalhadores, através de
doações mensais, destinadas ao pagamento de aluguéis, manutenção, divulgação
doutrinária e aquisição de alimentos, roupas e demais objetos a serem distribuídos às
famílias carentes ou instituições filantrópicas que sejam assistidas pelo grupo. Todo
local que cobra dinheiro, favores ou exige qualquer coisa ou favor material devido à
ajuda espiritual prestada não é um centro espírita. A cobrança financeira é própria de
pessoas que vivem da exploração da crença alheia, contrariando os ensinos de Jesus.
Há seitas que pedem dinheiro aos seus assistidos afirmando que será usado para o
feitio de trabalhos espirituais, como a compra de velas, comida, roupas e coisas do
gênero. Isso não é Espiritismo.
Espíritos que se prestam a fazer serviços espirituais em troca de coisas
materiais são entidades atrasadas, que nada de bom podem trazer aos que os
procuram. Não podemos comprar a paz de espírito e tranqüilidade que buscamos, é
isto que prega a Doutrina Espírita. Se não for esta a orientação do local, com certeza
não é um ambiente espírita.144
Os cinco livros de Kardec
Sem fazer comparação ao Pentateuco de Moisés, a doutrina básica do
Espiritismo é exposta em cinco livros, considerados básicos para o iniciante. Como já
vimos, “O Livro dos Espíritos”: lançado por Allan Kardec em 1857, é o principal livro
da Doutrina Espírita. Podemos chamá-lo de espinha dorsal, pois sustenta todas as
outras obras doutrinárias.
Divide-se em quatro partes: “As causas primárias”; “Mundo espírita ou dos
Espíritos”; “As leis morais”; e “Esperanças e consolações”. É composto de 1018
perguntas feitas por Kardec aos Espíritos superiores responsáveis pela vinda do
Espiritismo aos homens. O que é Deus? De onde viemos? Para aonde vamos? O que
estamos fazendo na Terra? Estas são algumas das questões respondidas pela falange do
Espírito de Verdade.
O segundo, chamado “Livro dos Médiuns”, teve seu lançamento em 1861. Nele,
Kardec mostra os benefícios e os perigos da mediunidade, ou seja, o canal que liga o
homem encarnado ao mundo espiritual. Demonstra que embora todos os seres vivos
possuam esta abertura de contato, há aqueles que a têm de uma forma mais abrangente.
Kardec e os Espíritos superiores alertam sobre a sutileza desta faculdade, para que uma
pessoa possa contatar os Espíritos sem ser prejudicada por entidades maléficas,
descontrolando sua mediunidade.
O terceiro livro, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, editado em 1864, pode
ser entendido como a parte moral da Doutrina Espírita. Nele, Kardec e os Espíritos
superiores comentam em linguagem acessível as principais passagens da vida de Jesus.
144
Idem.
74
Explicam suas parábolas e demonstram a grandiosidade do Mestre nos seus ensinos,
dando-nos, além disso, conselhos importantes sobre nossa conduta diária frente às
dificuldades e dúvidas da vida.
“Céu e o Inferno”, o quarto livro, lançado em 1865, demonstra-nos, através da
evocação dos Espíritos de pessoas das mais diferentes classes sociais, crenças e
condutas, como foi a chegada e a vivência espiritual destes seres após o seu
desencarne. Rainhas, camponeses, religiosos, assassinos, ignorantes e intelectuais são
alguns dos que contam o que os aguardava depois de suas atitudes terrenas e como
poderão ser suas vidas futuras.
Finalmente, em “A Gênese” (1868), Kardec explica a Gênesis Bíblica, a
formação do Universo, demonstrando a coerência da mesma quando confrontada com
os conhecimentos científicos, despida das alegorias próprias da época em que foi
escrita. Expõe o que são os milagres, explicados pelas leis da natureza, produtos da
modificação dos fluidos que nos cercam. Enfim, faz a religião e a ciência caminharem
juntas, fortalecendo a fé dos que crêem em Deus.145
A expansão da doutrina
Mesmo os que não aceitam as idéias espíritas em seu cotidiano, não poderão
deixar de concordar que as formulações de Kardec abriram caminho para reflexões
sobre as coisas invisíveis, principalmente com as descobertas da Teoria da
Relatividade de Albert Einstein (1905-1912) e do início dos estudos da física quântica,
conduzidos de princípio por Max Planck (1900). As transformações da física, ocorridas
no alvorecer do século XX, liquidaram com as noções de vácuo e éter, que
praticamente explicavam tudo sobre o Universo desconhecido que pairava acima de
nós, no século XIX.
Embora a influência materialista dos socialistas discípulos de Karl Marx, que se
estendeu desde a Revolução Soviética de 1917 até a queda do muro de Berlim (1989) –
a metodologia kardecista trouxe aconchego às idéias de investigação do mundo
psíquico, através da neurologia, da parapsicologia e das pesquisas, na segunda metade
do século XX, sobre as experiências de quase-morte.
Pesquisar o mundo espiritual, a existência de espíritos desencarnados
interferindo em nossa dimensão material deixou de ser mero preconceito e,
principalmente nos Estados Unidos, ganhou enorme desenvolvimento por cientistas
não preconceituosos. Milhares de depoimentos e experiências com pessoas idôneas
passaram a ser estudados com afinco, do mesmo modo como os estudos em torno de
Objetos Voadores Não Identificados foram realizados, partindo das premissas espíritas
de que existem mundos animados fora da Terra, com uma pluralidade enorme de
145
Cf. http://www.espiritismo.org/obrasbasicas.htm. É interessante anotar, de acordo com Allan Kardec,
que os milagres de Jesus da transformação de água em vinho e a multiplicação dos pães (ele não se
referiu aos peixes) são por ele considerados os mais elevados porque interferiram na realidade como
fenômenos materiais (Cf. A Gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo, pp. 338 e 339,
tradição de Guillon Ribeiro, 42ª edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2002).
75
civilizações tanto atrasadas e grosseiras quanto mais adiantadas e refinadas em sentido
espiritual.
A respeito desse tema, podemos citar os cálculos moderados dos astrofísicos
Fred Adams e Greg Laughlin sobre a existência de civilizações inteligentes, fora do
sistema solar:
“Com moderada confiança, podemos calcular que a galáxia contenha cerca
de um bilhão de planetas habitáveis. Todavia a parcela desses planetas
hipotéticos que conteria vida inteligente, capaz de comunicação interestelar,
está muito mais no âmbito da especulação desvairada que no das opiniões
esclarecidas. Uma das maiores incertezas concerne à fração dos planetas
habitáveis que de fato desenvolveriam algum tipo de vida. A história da vida
na Terra sugere que, uma vez iniciada a evolução biológica, o
desenvolvimento da complexidade, da inteligência e até da tecnologia é
razoavelmente provável. Com o risco de virmos um dia a soar
desoladoramente ingênuos, sugerimos que cerca de um em cada dez mil
planetas habitáveis poderia desenvolver vida. Juntando os fatores restantes e
presumindo (com pouca justificação) que as civilizações com capacidade
tecnológica não tendam a se destruir facilmente, estimamos que o total de
civilizações da galáxia seria de aproximadamente mil. Se essas civilizações
estiverem aleatoriamente distribuídas por todo o disco galáctico, a distância
típica entre civilizações vizinhas deverá ser de uns três mil anos-luz.”
Tais constatações científicas, que caem no reino da especulação, confirmam
que a crença em civilizações extra-terrestres, considerada um mito desagradável e até
perigoso para a ortodoxia da Igreja católica, até o início do século XX, passou a ser
objeto de consideração pelo Vaticano, que, recentemente, liberou um de seus cardeais
para declarar que se houver ET’s no Universo, esses habitantes alienígenas também
seriam nossos irmãos e igualmente filhos de Deus.
O Livro dos Espíritos fala sobretudo de mundos primitivos, mundos de
expiação e provas, mundos transitórios, mundos felizes e mundos celestes. Neles,
transitariam os Espíritos, de forma hierárquica, do mal para o bem e do menos para o
mais, em termos de Evolução. Nesse sentido, a doutrina não necessita das noções
também mecanicistas da Igreja, no Catecismo, que fala em inferno, purgatório, limbo e
céu, como as instâncias prováveis de alocação das almas, à espera da “Parusia” ou
segunda vinda do Cristo.
76
–9–
A REENCARNAÇÃO
“Enquanto não morreres e não
ressurgires novamente
serás um estranho à escura terra.”
J. W. Goethe
“Posso ler a Bíblia e encontrar provas da reencarnação
e você pode fazer exatamente o contrário.”
Edgar Cayce
77
A reencarnação é um fenômeno que tem despertado muito interesse ao longo da
história humana, principalmente entre as religiões orientais, que o encaram com
assombrosa naturalidade. Os Budistas, Tibetanos e Hinduístas, todos acreditam que
continuamos sempre a morrer e renascer. Todos vieram da morte e do renascimento.
Eles acreditam que a reencarnação é um fenômeno da natureza e que tudo nela obedece
a leis perfeitas e cíclicas. Dentre as religiões do Ocidente, no entanto, excetuando a
doutrina Espírita – que não se considera em si mesma uma religião na corriqueira
definição do termo – são oferecidas enormes resistências à discussão do tema, mesmo
tomando-o como mera hipótese de trabalho.
No Ocidente, onde o objetivo da vida é o sucesso comercial, financeiro, social
ou científico – isto é, lucro, engrandecimento e poder pessoais – a vida real do ser
humano recebe pouca atenção; e nós, ao contrário dos orientais, damos pouco
destaque à doutrina da pré-existência da alma e da reencarnação.
As definições básicas
Seria assim como se perguntássemos: o que fazer com as nossas antigas crenças
se realmente a reencarnação fosse comprovada? Antes de mais nada, porém, devemos
conceituar o fenômeno para depois estudá-lo.
A palavra “Reencarnação” significa que a nossa vida presente resulta de vidas
anteriores, e que a nossa vida futura estará de acordo com as que já vivemos e a
maneira como estamos agora vivendo146. Tudo na natureza mostra os esforços
repetidos neste sentido, com intervalos periódicos de repouso, entre os quais é
assimilada a experiência adquirida que serve de base para um novo esforço. O Homem
é submetido à mesma Lei universal, e, portanto espiritual, vai seguindo fielmente as
flutuações de nascimento, juventude, maturidade, velhice e morte, para renascer com
um corpo novo, moldado talvez para um desígnio melhor do que foi possível no corpo
anterior.147
Certos pesquisadores defendem que, durante os seis primeiros séculos de nossa
era, a reencarnação era um conceito admitido por muitos cristãos. De acordo com eles,
numerosos patriarcas da Igreja ensinaram essa doutrina e apenas no Segundo Concílio
de Constantinopla, no ano 553, é que a reencarnação foi proscrita formalmente da
igreja. Afirmaram ainda que Orígenes (185-253 d.C.), que influenciou bastante a
teologia cristã, defendeu a idéia da reencarnação, além dos escritos de Gregório de
Nisa (bispo da igreja Cristã do século IV) – testemunhos que são vistos por adeptos da
Nesse sentido, ressalta Allan Kardec, “a doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir
para o homem várias existências sucessivas, é a única que corresponde à idéia que fazemos da justiça
de Deus em relação aos homens que se acham numa condição moral inferior, a única que poderá
explicar o futuro e assentar nossas esperanças, por isso que ela nos oferece o meio de resgatarmos
nossos erros por novas provas. A razão no-la indica e os Espíritos no-la ensinam.”, cf. O Livro dos
Espíritos, p. 122, tradução de Guillon Ribeiro, 83ª edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira,
2002
147
Cf. http://www.portaldareencarnacao.com/secoes.php?c=8. Reencarnação significa a volta do
Espírito à vida corpórea, mas num outro corpo, sem qualquer espécie de ligação com o antigo. Usa-se
também o termo Palingenesia, proveniente de duas palavras gregas — Palin, de novo; genesis,
nascimento.
Cf.
GREGÓRIO,
Sérgio
Biagi,
Reencarnação,
in
http://www.ceismael.com.br/artigo/artigo095.htm, São Paulo, julho de 1999.
146
78
reencarnação como evidências de que ela era uma doutrina aceita no Cristianismo
primitivo.148
A Bíblia “fala”, sim, em reencarnação, tanto quanto em bombardeiros nucleares
feitos por velozes caças a jato. E não é tão difícil assim identificar os textos e abri-los
com as chaves apropriadas – basta ter olhos de ver, basta levantar a letra e procurar o
espírito que ela oculta. Para isso não é necessário nem mesmo ser Doutor da Lei; ao
contrário, Jesus certa vez orou a Deus agradecendo-lhe haver o Pai escondido certas
coisas dos sábios e as revelado aos pequeninos e humildes...
Aliás, documentos históricos como a Bíblia podem admitir reinterpretações
apoiadas em novos elementos informativos de absoluta confiança. Traduções forçadas
para permitirem a acomodação de idéias pessoais de seus tradutores ou copistas têm
sido comuns em todos os tempos e em muitos idiomas 149. Em resumo: em textos
históricos há espaço para interpretar o que está escrito, mas não para acrescentar,
subtrair, mutilar, deformar e falsear. As responsabilidades do pregador estão muito
bem definidas e a advertência é claríssima: atenção para o espírito, cuidado com a letra
morta. Muito cuidado, também, com a vaidosa erudição, que procura mais atentamente
os meios de exaltar-se do que a singela e direta abordagem dos simples. Nicodemos,
por exemplo, que era sábio e letrado, ignorava o sentido de importantíssimas passagens
bíblicas, enquanto para os apóstolos – rudes pescadores, artesãos e trabalhadores
braçais – a verdade se revelava em toda a beleza.150
Os teólogos católicos e evangélicos modernos e contemporâneos opõem-se a
esta teoria, argumentando que não há citações de outros Patriarcas da Igreja e que as
próprias afirmações de Orígenes e de Gregório de Nisa, que são trazidas pelos
estudiosos espíritas e de outras crenças espiritualistas, não são por aquelas citadas
senão para serem negadas. Na verdade, nenhum historiador da igreja católica – fosse
ele crente ou não –, nem mesmo Allan Kardec defendeu isso. Por seu lado, da análise
da atas conciliares do Concílio de Constantinopla (ano 381) pode-se constatar que os
teólogos nele reunidos nem sequer citaram a doutrina da reencarnação – fosse para a
afirmar ou para a rejeitar.
Mesmo assim, a idéia persistiu entre pessoas que tinham acesso aos filósofos
clássicos e ao contato com crenças antigas. Os Cátaros, no século XII, especialmente,
tinham uma visão cristã original, onde a idéia da reencarnação era vista como verdade
inquestionável. E foi esta crença, assim como o desenvolvimento material do sul da
França onde os pretensos heréticos viviam, fato que ameaçava o poder ideológico e
econômico da igreja de Roma, que levou à única cruzada em solo europeu, objetivando
eliminar o pensamento cátaro com uma violência assassina que parecia prever as
posteriores iniciativas macabras da Inquisição.
148
Cf. Wikipedia, in http://www.portaldareencarnacao.com/secoes.php?c=3.
Prevendo isso e no firme propósito de preservar a integridade e pureza do seu texto, João escreveu
em Apocalipse (22:18-19): "Eu testifico a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro: se
alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus lhe acrescentará as pragas escritas neste livro; e se
alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus lhe tirará a sua parte da árvore
da vida e da cidade santa, que estão escritas neste livro."
150
Cf.
MIRANDA,
Hermínio
C.
A
Reencarnação
na
Bíblia,
op.
cit.
in
http://www.portaldareencarnacao.com/secoes.php?c=1.
149
79
O movimento catarista foi um dos muitos precursores da inevitável reforma
protestante de Lutero e outros. Posteriormente aos cátaros, outros movimentos e
pessoas sentiram diretamente a mão de ferro da Inquisição, sendo o mais famoso
processo o que envolveu Giordano Bruno, queimado em 1600, e que defendia idéias
contra o sistema de crenças dogmáticas da Igreja de Roma e que defendia a idéia de
reencarnação151.
A reencarnação tem por finalidade o desempenho de tarefas especiais e
particulares do Espírito encarnado, no sentido de aperfeiçoar-se neste ou em outro
mundo. O Espírito resgata ou paga (expiação), através de seus sofrimentos, dívidas
cármicas que abrangem sofrimentos físicos e morais, bem como suplanta provas para a
própria purificação e adiantamento. Ao depurar-se nessas atividades, o Espírito
colabora com os outros, impulsionando a civilização no sentido do progresso e da
passagem evolutiva dos estados primitivos aos mais desenvolvidos.152
Os argumentos contrários
Em assunto tão controverso e que, com certeza, desperta paixões e divisões,
existem os que crêem ou não no processo reencarnatório, a ponto de se separarem em
doutrinas e seitas as mais diversas.
Para alguns, por exemplo, a reencarnação seria absurda porque abriria a
possibilidade renascermos como animais. Tal crença teve origem no Egito e foi
espalhada por grandes iniciados em conhecimentos ocultos, como Hermes Trimegistro
(2.300 a.C.). Naquela época, em face da inexistência do papiro, seus ensinamentos
eram gravados sob caracteres hieroglíficos nas colunas e paredes dos templos e
pirâmides.
A metempsicose também surgiu entre seitas indianas como o Vedismo,
Jainismo, Hinduísmo e Budismo, principalmente. Do Egito e da Índia, ela se estendeu
até a Grécia, levada pelo grande matemático e filósofo grego Pitágoras que, após 22
anos de ausência, retornou à Grécia para difundi-la.
Apressa-se, contudo, a doutrina Espírita em contestar a metempsicose,
argumentando que “o Espírito não retrograda, o rio não remonta à sua nascente153”.
Isto é, a consciência humana sempre volta num corpo humano, embora os antigos que
acreditavam no retorno do homem em forma de animal assim pensavam como se fosse
um processo de punição temporária por causa de crimes ou condutas imorais
primitivas. No entanto, o Espiritismo não aceita tal condição nem como castigo.154
151
Embora seja dever de justiça dizer que Kardec, em seu O Livro dos Espíritos, também se refere à
reencarnação como “dogma” (ponto básico e irrefutável de doutrina religiosa), p. 121, pergunta, 171,
op. cit.
152
Cf. GREGÓRIO, artigo citado.
153
Cf. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 302 (pergunta 612).
154
“Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período de
humanização, já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é alma dos animais, como a
árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do
corpo e do instinto de conservação inerente á matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a
encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem, não é
verdadeira.” Cf. KARDEC, op. cit., pp. 301-302.
80
Outra contestação, que envolve até certa reflexão científica, assinala que as
memórias de vidas passadas raramente podem ser comprovadas e são imprecisas as
lembranças reveladas pela regressão hipnótica.
Contra tais idéias, são famosas as experiências do Dr. Ian Stevenson,
psicanalista e um dos mais conceituados pesquisadores do tema, que, desde 1967 até
sua morte, em 2007, e sem recorrer a processos hipnóticos, recolheu lembranças
espontâneas de vidas passadas, especialmente em crianças. Stevenson fundou a
Divisão de Estudos da Personalidade no Departamento de Psiquiatria e Ciências
Neurocomportamentais da Universidade da Virgínia (EUA). Esse laboratório, que mais
tarde se tornou conhecido como a Divisão de Estudos Perceptivos, é especializado em
examinar crianças que se lembravam de vidas passadas, experiências de quase morte,
aparições e comunicações pós-morte, experiências extracorpóreas e visões no leito de
morte.
Alguns céticos, porém, não aceitaram os casos apresentados pelo médico, por
serem em sua maioria provenientes de países asiáticos, onde a crença na reencarnação
seria muito difundida. Na verdade, Stevenson jamais acreditou que suas pesquisas
provassem cientificamente a reencarnação, mas achava que, mais cedo ou mais tarde,
surgiria um caso ideal que poderia comprovar o fenômeno.155
O potencial de imprecisão das lembranças durante as regressões hipnóticas foi
provado com muita clareza num estudo conduzido por Nicholas Spanos, da
Universidade de Carleton, no Canadá. Os pesquisadores hipnotizaram 110 estudantes,
induzindo-os a recordar uma vida passada. Trinta e cinco descreveram a identidade de
uma vida anterior e vinte foram capazes de apontar o ano específico e o país onde
haviam estado. Mas a maioria apresentou detalhes incorretos.156
O lado mundano da regressão a vidas passadas tem se revelado, entretanto,
ótimo negócio para se ganhar dinheiro na venda de livros (Shirley MacLaine, Dr. Brian
Weiss) e conduzir consultórios de TVP (Terapia de Vidas Passadas). Para desbloquear
traumas adquiridos ao longo de várias vidas passadas, há que se fazer um bom número
de sessões de terapia, o que é financeiramente vantajoso para o psicólogo que as
conduz.157
A Terapia de Vidas Passadas (TVP) ou regressão é um alegado processo de
recuperação de vidas pré-uterinas. A terapia pode ser feita pela ajuda da hipnose, mas
alguns especialistas não necessitam deste método. É sugerida por terapeutas da Nova
Era nos Estados Unidos e por terapeutas espíritas e espiritualistas, no Brasil, para a
cura de pessoas com problemas físicos ou psicológicos.
Lembrando-se de experiências no passado ou traumas, uma pessoa pode
identificar a origem de seu problema e curá-lo. Um dos mais famosos escritores sobre
o assunto é Brian L. Weiss. Mas também já foi dito que a TVP pode ser desastrosa
155
Cf. PROPHET, Elizabeth Clare. Reencarnação: o elo perdido do Cristianismo, pp. 41-42, tradução
de Urbana Rutherford e Fanny Rosa Zygband, Rio de Janeiro, Record: Nova Era, 1997.
156
Idem., pp. 45-46.
157
Cf. SOARES, Jorge A. B., “Regressão a Vidas Passadas”, disponível em
http://www.geocities.com/paraciencia/regressao.html.
81
quando as memórias não são investigadas, como no caso de Bridey Murphy (que
lembrava na verdade de forma altamente detalhada de acontecimentos ocorridos e
presenciados na sua primeira infância).
Por isso é que pesquisadores sérios como o Dr. Ian Stevenson e sua equipe
trataram a questão de lembranças sobre vidas passadas de forma científica. A terapia
de vidas passadas costuma utilizar a técnica de hipnose para alcançar experiências
passadas não resolvidas. Terapeutas desse ramo afirmam que ajudam a resolver
problemas havidos em vidas passadas que podem estar afetando a saúde física ou
mental na presente existência.158
Entre os conhecidos terapeutas dos países de língua inglesa que utilizam e
ensinam a TVP incluem-se Bárbara Brennan e Ken Page, nos Estados Unidos, e o Dr.
John Plowman, no Reino Unido. No Brasil existe uma organização chamada SBTVP –
Sociedade Brasileira de Terapia de Vidas Passadas que congrega grande quantidade de
profissionais que aplicam e divulgam a técnica, oferecendo cursos destinados
exclusivamente a psicólogos e médicos. Em quase todos os grandes centros do Brasil
encontram-se psicólogos ou psiquiatras que aplicam a técnica. 159
Observação interessante, ainda contrária à reencarnação, é a que argumenta
que se esse fenômeno fosse verdadeiro não poderia ocorrer nenhum acréscimo na
população mundial e como esse aumento é evidente das duas uma: ou não existe
reencarnação ou os reencarnados vêm de outros planetas, o que seria difícil de
provar.
Segundo Irving S. Cooper, todavia, tal argumento não se sustenta porque, se a
população da Terra aumentou, isto significa apenas que a do mundo invisível
decresceu proporcionalmente e a população total do planeta permaneceu a mesma.
Além disso, se existem homens em outros planetas, é claro que seu nível de
desenvolvimento deve ser diferente do nosso. Se é assim, podemos ter civilizações
mais atrasadas e mais avançadas que a atual. No primeiro caso, encontraríamos
condições tão primitivas que não favoreceriam o nosso desenvolvimento; no segundo,
seríamos considerados selvagens ignorantes. É evidente que, para nós, o melhor
mesmo é reencarnar na Terra, onde podemos corresponder ao nível alcançado pela
civilização. Dessa forma, o aumento da população diz respeito a um compreensível
processo de transferência espiritual.160
Figura exemplar do movimento Teosófico e padre da Igreja Católica Liberal,
Cooper denuncia o caos moral e as desigualdades sociais que configurariam uma
espécie de desespero do Universo. Sem a reencarnação – afirma ele – não haveria
evolução das almas e, do ponto de vista físico, a Natureza seria apenas uma casa
mortuária, o que favoreceria aos ateus, que crêem que Deus e as religiões não são
necessários aos homens.
Cf. “Terapias de Vidas Passadas”, Portal da Reencarnação, site
disponível em
http://www.portaldareencarnacao.com/secoes.php?c=11.
159
Idem.
160
Cf. COOPER, Irving S. Reencarnação: a Esperança do Universo, pp. 58 a 60, tradução de Syomara
Cajado, São Paulo, Editora Difel, 1981.
158
82
Sendo o Universo uma grande escola, a humanidade teria de se habituar a subir
uma escada gigantesca, sendo as mesmas almas individuais somente vestindo corpos
diferentes. Cada experiência que enfrentamos faria parte dos ensinamentos, mas,
evidentemente, nem todos assistiríamos às mesmas classes ou estudaríamos as mesmas
lições, porquanto nem todos temos as mesmas idades de alma, embora tudo o que
tenha vida – átomo, micróbio, planta, pássaro, animal, homem, super-homem ou anjo –
possa passar por aquelas experiências, que são necessárias para garantir seu próximo
passo ao encontro da evolução.161
Cooper ridiculariza a noção de céu, em que teríamos uma vida transcendental
completamente entediante, um mundo sem comércio, livros, teatros, cinemas,
passatempos, comida, bebida e sono, sem arte nem trabalhos manuais, sem construções
ou eventos – enfim, nada que estimulasse a inteligência dos homens ou protegesse os
seus interesses. A reencarnação convida-nos a resolver esse dilema: viver eternamente
em algum paraíso indolente ou voltar à Terra, de vez em quando, a fim de participar do
progresso do mundo e auxiliar nossos irmãos mais moços quando tropeçam e caem?162
No entanto, para as pessoas mais familiarizadas com a maioria das religiões
monoteístas – Cristianismo, Judaísmo e Islamismo – a idéia de reencarnação parece
distante e pode ser um tanto estranha. Isso porque o Cristianismo, o Judaísmo e o
Islamismo tratam o tempo de forma linear. A vida é simplesmente uma pequena etapa
que determina a qualidade da vida após a morte. Para aqueles que acreditam em apenas
uma vida seguida de uma existência eterna após a morte, a reencarnação é como uma
difícil maratona a ser percorrida ao invés de uma pequena corrida.163
Argumentos religiosos e bíblicos
Na verdade, é fato marcante notar que a Bíblia não toma posição clara e dura a
favor ou contra a idéia de reencarnação. Como veremos a seguir, podemos encontrar
no texto sagrado argumentos de aprovação ou reprovação ao fenômeno. Aliás, o
cristianismo primitivo era tão variado como o é hoje, após a política de livre exame
exaltada pelos protestantes.
Quando todos podem opinar sobre religião como acham que devem, as
interpretações pessoais, de grupos e seitas numerosas, mudam ao sabor dos ventos e
isso fica mais característico quando a religião vira objeto de negócio, como no caso da
aplicação da chamada Teoria da Prosperidade. Ganhar dinheiro tendo Jesus como
fiador é o melhor trabalho do mundo, porque Ele se torna a pessoa física e jurídica
mais garantida que existe! Só que Ele não encarnou na Terra, nesse vale de lágrimas,
para produzir tais efeitos materialistas...
Parece-nos que a razão fundamental de os católicos e protestantes não
aceitarem a reencarnação está na crença, defendida por esses grupos, de que os homens
161
Idem, pp. 7 a 38.
Idem, pp. 58 a 61.
163
Cf. DOWDEY, Sarah. "How Stuff Works - Como funciona a reencarnação". Publicado em 05 de
dezembro
de
2007,
atualizado
em
14
de
abril
de
2008),
disponível
em
http://pessoas.hsw.uol.com.br/reencarnacao.htm,27 de novembro de 2008.
162
83
morrem apenas uma vez e esperam, obedientemente e dormindo, o julgamento final,
no qual ressurgirão com o mesmo corpo de suas tumbas.164
A alma humana seria feita de substância divina, mas separada de Deus e o
homem só pode se unir a Ele através da graça ou unção concedidas165. Como os
espíritas consideram Jesus Cristo apenas um espírito muito evoluído através de
diversas encarnações e posto por Deus na Terra como um missionário para purificar os
homens e ensinar-lhes os caminhos do bem e do amor – Ele seria uma espécie de
“governador espiritual desse planeta” e não o “homem-Deus, o Senhor e Filho do Pai
que está nos céus” reivindicado por católicos e protestantes.
Ainda, de acordo com os espíritas, a salvação não decorreria de uma especial
graça divina, mas do esforço pessoal de cada indivíduo na procura da purificação do
“pecado original”, que, na conceituação específica da doutrina, comportaria apenas os
pecados e erros cometidos em encarnações anteriores. Uma vez liberto o homem das
reencarnações, seu espírito deveria gozar de felicidade no Reino dos Céus, o que deixa
de fora o conceito bíblico de inferno.166
De qualquer maneira, se não interpretarmos a Bíblia literalmente, como fazem
os cristãos fundamentalistas167, não teremos uma condenação explícita da reencarnação
e colheremos sobre o tema argumentos contra e a favor, o que nos faz suspeitar de que
os quatro Evangelhos canônicos ou oficiais não estão absolutamente certos, porque
existem manifestações conflitantes sobre o que Jesus ensinou.168
Um exemplo interessante de interpretação livre de trechos da Bíblia a favor da
reencarnação é o que encontramos nas considerações do conhecido ufólogo e festejado
escritor de ficção científica J. J. Benitez ao comentar o rapto do profeta Elias,
arrebatado violentamente por um redemoinho, subindo ao céu através de um carro de
fogo com cavalos de fogo e que não foi mais visto169. Assinala o autor que se Elias foi
164
Alguns grupos protestantes concebem a ressurreição dos homens, após o Juízo, como uma
renascimento apenas do corpo espiritual, como sugere Paulo (1 Cor., 15:44).
165
“A visão católica é de que a alma não pode retornar a Deus, pois nunca fez parte de Deus. “Não
fazemos parte da substância divina, mas somos criaturas de Deus, escreve o teólogo católico Claude
Tremontant. Quando os Patriarcas da Igreja definiram a alma como algo separado de Deus, tornou-se
impossível para eles aceitar a idéia rencarnacionista de que a alma pode unir-se a Deus.”, cf.
PROPHET, op. cit., p. 57.
166
Cf. BITTENCOURT, Estêvão Tavares. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são?, pp. 103 e
104, in Coletânea de artigos publicados na revista “O Mensageiro de Santo Antonio”, Santo André, São
Paulo, 1989-1995.
167
Ver sobre isso o capítulo específico, a seguir...
168
“Os reencarnacionistas, por outro lado, raramente interpretavam a Bíblia literalmente. Buscavam os
símbolos ocultos. Para eles, o Éden não era um local histórico, mas um estado eterno em que as almas
faziam parte de Deus. As almas, de alguma forma, perderam este estado e foram colocadas na Terra
para recuperá-lo. Como o corpo humano é finito e fraco, os reencarnacionistas acreditam que as almas
pudessem precisar de mais de uma vida para completar este processo. Para eles, a reunião com Deus
caminhava de mãos dadas com a idéia de reencarnação. Os reencarnacionistas viam Jesus como um
homem que nos mostrou a forma de nos unirmos a Deus. Os ortodoxos, ao contrário, viam Jesus como
alguém completamente diferente de nós – para ser adorado, não emulado.”, cf. PROPHET, p. 58, op.
cit.
169
Cf. BENITEZ, J. J. O OVNI de Belém, pp. 219 e 220, tradução de Elisabeth Soares, Rio de Janeiro,
Editora Record, 1993, comentando o célebre trecho bíblico, 2 Reis: 2:11: “Indo eles andando e falando,
eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num
redemoinho.”
84
arrebatado por volta do ano de 850 a.C. e que não voltou a ser visto, o que ocorreu com
ele? Poderíamos dizer que morreu? Por que Jesus, então, afirmou de modo taxativo, no
episódio da “transfiguração” aos discípulos, que Elias havia voltado?170
Benitez chama atenção para a passagem bíblica em que Jesus afirma que Elias
voltara na figura de João Batista, que nascera pouco antes do Nazareno171. Ora –
pergunta o autor – se Elias havia sido arrebatado por um “carro de fogo” 850 anos
antes e ninguém tornara a vê-lo, como poderia ter renascido às portas do século I. Elias
tinha que ter morrido primeiro para nascer depois como antecessor do Mestre. O que
seria isso: em termos claros “reencarnação” ou “voltar a encarnar”. Por onde andou
Elias durante os 850 anos antes de reencarnar em João Batista? O mistério torna-se
impenetrável e não há uma só pista no texto sagrado para resolver o problema e
qualquer teoria a respeito, conforme Benitez, não teria qualquer base racional.172
Outro enigma na argumentação bíblica, desta vez aproveitado pelas escolas de
mistério e pelos cristãos gnósticos (que acreditavam só ser possível a salvação através
do conhecimento e não da fé), é justamente o período de silêncio no qual Jesus
permaneceu entre 12 e 30 anos, intervalo de tempo explicado pelos especialistas do
Ocidente como aproveitado na ajuda ao pai, José, em simples trabalhos de carpintaria.
Essa conversa pra boi dormir é repetida por católicos e protestantes sempre admitindo
que o que a Bíblia tem por norma focalizar era a vida pública do Mestre, o seu
magistério dos trinta anos à morte na Cruz, os quarenta dias em que conviveu com os
discípulos como ressuscitado e sua subida aos Céus.
O resto da vida do Mestre pouco importaria, o que convenhamos é facilmente
questionável e não dá para convencer ninguém, principalmente os que acolhem no
coração o sentido especialíssimo da vida do Cristo e de sua condição de divisor da
história humana.
Existem tradições na Índia, na Caxemira e no Tibete de que Jesus passou a
juventude na Índia, onde estudou o hinduísmo e o budismo, entrando em polêmica com
sacerdotes e foi reverenciado pelo povo que intuitivamente o seguia. Apolônio de
Tiana, sábio grego do século I, conta-nos que Jesus foi estudar com os brâmanes,
inclusive tendo contato com as teses sobre reencarnação. O texto de Apolônio foi
descoberto, pela primeira vez, em 1887 por um escritor russo, chamado Nicolas
Novovitch.
Mais tarde, dois outros homens fizeram a mesma descoberta – o Swami
Abhedananda, um professor hindu, em 1922; e Nicholas Roerich, um antropólogo
russo, em 1925. Cada um deles trouxe uma tradução diferente do texto173. Um ano
depois de sua descoberta, Novovitch foi a Roma, onde mostrou seu texto a um cardeal
cujo nome não foi por ele mencionado. O cardeal disse-lhe que o texto não era
novidade, porque o Vaticano possuía mais de 63 documentos, vindos da Arábia, Egito,
Índia e China, sobre as atividades de Jesus no Oriente.174
170
Cf. Mt., 17: 11, 12 e 13 e Mc., 9:13.
Cf. Mt., 11:14.
172
Cf. Benitez, op. cit., p. 222.
173
Cf. PROPHET, op. cit., p. 93.
174
Idem, p. 94.
171
85
O fato de Jesus ter ido estudar fora do contexto da Palestina não lhe diminui a
grandeza, mas sugere que se o imitarmos poderemos nos aperfeiçoar na busca do
“Verbo Divino” e que, independente de nossa idade e circunstâncias da vida, podemos
sempre caminhar em direção à divindade, como fez o Mestre175.
A omissão bíblica sobre o período silencioso de Jesus também nos sugere que
Cristo formulou ensinamentos ocultos a seus discípulos, a fim de prepará-los para
pregar a todos os povos, o que só aconteceu, efetivamente, após a iluminação em
Pentecostes176.
No entanto, a Igreja católica preferiu substituir a iluminação dos primeiros
cristãos pelo seu estabelecimento como ordenamento institucional e clerical177. Essa
opção, que não existia no início, porque os cristãos eram todos iguais, fez surgir uma
classe de profissionais da fé, zelosos por transmitir um sistema de concepções
herdadas, dividindo a Igreja em três períodos distintos:



O primeiro, o período “apostólico” (30-70), de agremiação religiosa livre
“de pessoas vivendo em pé de igualdade”, democrático por excelência;
O segundo, o período subapostólico (70-100), em que surgiram os quatro
Evangelhos posteriormente considerados oficiais; e
O terceiro, denominado período “pós-apostólico” (depois de 100), em que
surgiu a Igreja como instituição rigidamente hierarquizada.
No terceiro período, os anciãos, os mais velhos, também denominados
“episcopoi” (quer dizer, “vigilantes”), assumiram a direção colegiada das comunidades
religiosas locais, delegando-a, finalmente, para determinado ancião mais eminente, que
veio a ser o “episcopos”, por excelência, isto é, o bispo, o vigilante da comunidade178.
Como esses cristãos não viam contradição básica entre Igreja e sociedade, redefiniram
a natureza da Igreja à luz dos conceitos romanos de hierarquia179.
Para a Igreja, disciplinada e hierarquizada, o homem nasce intrinsecamente
mau, em virtude de seu pecado de origem180. O homem, incapaz de governar-se a si
175
Idem, p. 97.
Embora o episódio de Pentecostes seja festejado pelos católicos, não tem o mesmo impacto para a
interpretação católica como a Santa Ceia. Já os Pentecostais consideram o episódio da vinda do Espírito
Santo, em forma de línguas de fogo, sobre os apóstolos (At., 2: 3), como o ponto mais alto do
Cristianismo, onde ele realmente começou, porque, logo depois desse evento, foram convertidas 3.000
pessoas e depois mais 5.000. No entanto, segundo Huberto Rohden, “não convém ao clero (católico)
adotar o Pentecostes como a alma do Cristianismo, porque aqui não há privilégios nem monopólios, e
por isso não há aumento de poder e prestígio para a sua classe.” (Cf. ROHDEN, op. cit., pp.77 e 78)
177
Segundo Alexandre Faivre, o termo grego “kleros” designava, originalmente, a “sorte” ou
instrumento utilizado para tirar a sorte e, por extensão, o quinhão, legado ou posição que cabia a alguém,
seja por sorteio, herança, conquista ou por um estatuto ou encargo social (cf. FAVRE, Alexandre. Os
Leigos nas Origens da Igreja, Petrópolis, Editora Vozes, 1992, p. 20, apud. MARTINS, Pinheiro. Dos
Apóstolos aos Bispos, Representações de Igreja no Cristianismo Primitivo, p. 16, Rio de Janeiro,
Edições CELD, 1998).
178
Cf. GUIGNEBERT, Charles. El Cristianismo Antíguo, México, Fondo de Cultura Económica, 1988,
pp. 128-146, apud. MARTINS, Pinheiro, op. cit., p. 18.
179
Cf. RENAN, Ernest. Os Evangelhos e a Segunda Geração Cristã, Porto, Lello & Irmão Editores,
s/d, pp. 171-185, apud. MARTINS, Pinheiro, op. cit., p. 21.
180
Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e teórico político, um dos maiores expoentes do
movimento iluminista francês, procurou romper com a tradição da Igreja, de considerar o homem
intrinsecamente mau, por causa do pecado original, argumentando em seu livro célebre “O Contrato
176
86
mesmo, deveria submeter-se à autoridade da Igreja para obter finalmente a graça,
mesmo que se sentisse injustiçado no mundo. Os hereges (desviados da verdade)
deveriam ser corrigidos e forçados a aceitar a fé, porque a Igreja exigia obediência
absoluta dos fiéis, escorada na confusão entre o seu poder espiritual e o poder dos
Estados nacionais europeus.
Já o cristianismo primitivo era fundamentalmente orientado para a ascensão aos
céus, por causa do destino de Jesus que ao ser elevado se identificava com o Ser
Divino. Ao denominar-se “Filho do Homem”, Jesus indicava que Ele também recebera
tal poder ou fora transformado em Rei, descrevendo a visão mística na qual o Filho do
Homem se transformava em Deus. Ao afirmar, “Eu e o Pai somos Um”181 e “ninguém
vem ao Pai senão por mim”182, queria dizer, nenhum homem pode alcançar a união
divina exceto identificando-se com o Cristo. Essa união mística – que nós também
podemos experimentar – seria parte do ensinamento secreto de Jesus. 183
– QUADRO 2 –
A BÍBLIA E A REENCARNAÇÃO
REENCARNAÇÃO
ARGUMENTOS BÍBLICOS
A FAVOR
REENCARNAÇÃO ARGUMENTOS
BÍBLICOS
CONTRA
“...não adorarás [as imagens de
escultura], nem lhes dará culto; porque
eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus zeloso,
que visito a iniqüidade dos pais nos filhos
até a terceira e quarta geração daqueles
que me aborrecem, e faço misericórdia
até mil gerações daqueles que me amam e
guardam os meus mandamentos.” (Dt., 5:
9 e 10);
“Não vos maravilheis disto, porque vem a
hora em que todos os que se acham nos
túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os
que tiverem feito o bem, para a
ressurreição da vida; e os que tiverem
praticado o mal, para ressurreição do
juízo.”
(Jo., 5: 28-29);
“Antes que eu te formasse no ventre
materno, eu te conheci, e, antes que saísse
da madre, te consagrei e te constituí
profeta às nações.” (Jr., 1:5);
“Assim o homem, quando dormir, não
ressuscitará, até que o céu seja
consumido, não despertará, nem se
levantará de seu sono.”
(Jó., 14: 12);
“Quando vos disserem: Consultai os
“Em verdade vos digo: entre os necromantes e os advinhos, que chilreiam
nascidos de mulher, ninguém apareceu e murmuram, acaso não consultará o
Social” (1762) que “o homem nasce bom, mas é a sociedade que o corrompe”. Ele se auto-considerava
um cristão rebelado, criado na rígida ética protestante do século XVII, rejeitando a religião revelada.
Fortemente censurado, tornou-se adepto de uma religião natural, em que o ser humano poderia
encontrar Deus no próprio coração.
181
Jo., 10: 30.
182
Jo., 14: 6.
183
Cf. PROPHET, op. cit., pp. 266-267.
87
maior do que João Batista; mas o menor
no reino dos céus é maior do que ele.
Desde os dias de João Batista até agora,
o reino dos céus é tomado por esforço, e
os que se esforçam se apoderam dele.
Porque todos os profetas e a lei
profetizaram até João. E, se quereis
reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava
por vir.” (Mt., 11: 11 a 14);
povo ao seu Deus? A favor dos vivos se
consultarão os mortos?” (Is., 8: 19);
“Em verdade, em verdade te digo
que, se alguém não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe
Nicodemos: como um homem pode nascer
sendo velho? Pode, porventura, voltar ao
ventre materno e nascer segunda vez?
Respondeu Jesus: Em verdade, em
verdade te digo: Quem não nascer da
água e do Espírito não pode entrar no
reino de Deus. O que é nascido da carne é
carne; e o que é nascido do Espírito é
Espírito. Não te admires de eu te dizer:
importa-vos nascer de novo.” (Jo. 3: 3 a
7);
“Se habita em vós o Espírito daquele que
ressuscitou a Jesus dentre os mortos; esse
mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus
dentre os mortos vivificará também o
vosso corpo mortal, por meio do seu
Espírito, que em vós habita.” (Rom., 8:
11);
“Os vossos mortos e também o meu
cadáver viverão e ressuscitarão...”
(Is., 26: 19);
“Depois de dois dias, nos revigorará; ao
terceiro dia, nos levantará e viveremos
diante dele.”
“Então, Jesus respondeu: De fato, (Os., 6: 2);
Elias virá e restaurará todas as coisas.
Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, “...abriram-se os sepulcros e muitos
e não o reconheceram; antes, fizeram com corpos de santos, que dormiam,
ele tudo quanto quiseram. Assim, também ressuscitaram; e, saindo dos sepulcros
o Filho do homem há de padecer nas depois da ressurreição de Jesus, entraram
mãos deles. Então os discípulos na cidade santa e apareceram a muitos.”
entenderam que lhes falara de João (Mt., 27: 52 e 53);
Batista.” (Mt., 17: 11 a 13);
“...tendo esperança em Deus, como
“Chegou isto aos ouvidos do rei também estes a tem, de que haverá
Herodes, porque o nome de Jesus já se ressurreição, tanto dos justos quanto de
tornara notório, e alguns diziam: João injustos...” (At., 24: 15);
Batista ressuscitou dentre os mortos, e,
por isso, nele operam forças miraculosas.
Outros diziam: É Elias; ainda outros: é “Portanto, assim como por um só homem
profeta como um dos profetas. Herodes, entrou o pecado no mundo, e pelo pecado
porém, ouvindo isto, disse: é João, a a morte, assim também a morte passou a
quem mandei decapitar, que ressurgiu.” todos os homens, porque todos pecaram.”
(Mc, 6: 14 a 16);
(Rom., 5: 12);
“ Por que, assim como em Adão, todos
morrem, assim também todos serão
vivificados em Cristo.”
(1 Cor., 5: 12);
“Doutra maneira, que farão os que se
batizam por causa dos mortos? Se,
“Disse-lhe Jesus: Eu sou a absolutamente,
os
mortos
não
ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ressuscitam, por que se batizam por causa
ainda que morra, viverá; e todo o que deles?” (1 Cor., 15: 29);
vive e crê em mim não morrerá,
88
eternamente.” (Jo., 11: 25 e 26);
“Se os mortos não ressuscitam, comamos
e bebamos, que amanhã morreremos.” (1
“Se a nossa esperança em Cristo se Cor., 15: 32);
limita apenas a esta vida, somos os mais
infelizes de todos os homens.” (1 Cor., “Eis que vos digo um mistério: nem todos
15: 19);
dormiremos, mas transformados seremos
todos, num momento, num abrir e fechar
“Porque é necessário que este corpo d’olhos ao ressoar a última trombeta. A
corruptível
se
revista
da trombeta soará, os morto ressuscitarão
incorruptibilidade e que o corpo mortal se incorruptíveis,
e
nós
seremos
revista da imortalidade. E quando este transformados.” (1 Cor., 15: 51 e 52);
corpo corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal se “E assim como aos homens está ordenado
revestir de imortalidade, então se morrerem uma só vez, vindo, depois disso,
cumprirá a palavra que está escrita; o juízo.”
tragada foi a morte pela vitória. Onde (Hb., 9: 27);
está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó
morte, o teu aguilhão?” (1 Cor., 15: 53 e “Pois também Cristo morreu, uma única
54).
vez, pelos pecados, o justo pelos injustos,
para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na
carne, mas vivificado no Espírito.” (1
Pedro 3: 18);
“Guardai-vos no amor de Deus,
esperando a misericórdia de nosso
Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna.”
(Jd., 1: 21);
“Os restantes dos mortos não reviveram
até que se completassem os mil anos. Esta
é a primeira ressurreição. Bemaventurado e santo aquele que tem parte
na primeira ressurreição; sobre estes a
segunda morte não tem autoridade; pelo
contrário, serão sacerdotes de Deus e de
Cristo e reinarão com ele os mil anos.”
(Ap., 20: 5 e 6);
“Quanto, porém, aos covardes, aos
incrédulos, aos
abomináveis,
aos
assassinos, aos impuros, aos feiticeiros,
aos idólatras e a todos os mentirosos, a
parte que lhes cabe será no lago ardente
como fogo e enxofre, a saber, a segunda
morte.” (Ap., 20: 8).
89
No ambiente cultural do século I predominava a língua grega, assim como,
hoje, temos o inglês como idioma universal. A influência grega chegou a Jerusalém,
onde a aristocracia judaica vivia em casas de estilo grego. No século II, chegou-se
mesmo a construir um anfiteatro e um ginásio com linhas e designers gregos. Séforis,
uma importante cidade de trinta mil habitantes, onde falavam grego, desenvolveu-se a
apenas cinco quilômetros – uma hora de caminhada de Nazaré – onde vivia Jesus184. O
Mestre falava aos doutores em grego, aos romanos em latim e ao povo, em aramaico.
Certamente, pôs-se também em contato com as crenças judaicas sobre a vida depois da
morte185.
Nos longos e difíceis séculos entre o tempo do rei Davi e o de Jesus, os
israelitas foram conquistados várias vezes e absorveram muitas idéias de seus
conquistadores. Tanto os judeus no exílio, como nos tempos da Palestina, aceitavam,
sem dúvida, as idéias de recompensa e castigo, percebendo que nem sempre as boas
obras eram recompensadas e que nem sempre os maus eram castigados. A idéia de
reencarnação fazia parte do Judaísmo primitivo e nos tempos de Cristo o Judaísmo
místico e rabínico eram uma coisa só, o que significa que os rabinos que fundaram o
Judaísmo tradicional eram também místicos186. Se Jesus algum dia falou sobre a
reencarnação e a união divina, deve ter absorvido idéias dos grandes mestres judeus da
época.
O historiador do século I, Flávio Josefo, conta-nos que os essênios (facção
mística minoritária de judeus, em que Jesus aparentemente nasceu) levavam o mesmo
tipo de vida que os seguidores de Pitágoras, matemático e filósofo grego que
acreditava piamente na reencarnação e na metempsicose.
Os essênios acreditavam que a alma era imortal e preexistente. Aceitavam
também que a alma era separada do corpo – assinalava Josefo. As almas estariam
“unidas aos seus corpos como se estivessem em prisões”, mas quando “libertadas das
amarras da carne”, elas se regozijavam e se elevavam às alturas.” 187
Depois da destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70 e dos judeus mais
uma vez terem se dispersado, os fariseus passaram a ser o centro do Judaísmo rabínico.
Se Josefo estiver correto sobre a crença dos fariseus na reencarnação, tal crença com
certeza fazia parte do Judaísmo pré-cristão. 188
Como os fariseus e essênios compartilhavam da crença, Jesus, quer tenha
vivido só na Palestina ou tendo visitado o Oriente, deve ter absorvido a idéia da
reencarnação, recolhida do misticismo judaico e que serviu de porta de entrada para o
conceito de reencarnação no Cristianismo.189
As palavras “sinagoga” (lugar de adoração) e “Sinédrio” (corte suprema hebraica) têm origem grega.
Já o vocábulo “Palestina” tem origem no latim, “Phalestina”, o que para os romanos era uma perfeita
ironia, porque queria dizer popularmente: “lugar onde moram os filisteus”. Os romanos sentiam-se
superiores aos judeus e queriam equipará-los aos que não professavam a sua fé num Deus único.
185
Cf. PROPHET, op. cit., pp. 74 e 75.
186
O misticismo que pressupõe um contato direto do homem com Deus pode ter sido interpretado como
uma violação ao Primeiro Mandamento, revelado a Moisés, “não terás outros deuses diante de mim” e,
por isso, os místicos corriam o risco de serem acusados de blasfêmia (cf. PROPHET, op. cit., p. 64).
187
Apud. PROPHET, op. cit., p. 68.
188
Idem, p. 69.
189
Idem, pp. 87 e 88.
184
90
Finalmente, o argumento que parece ser definitivo nos textos sagrados contra a
reencarnação e repetido no catecismo romano, de que Cristo só morreu uma vez e
assim todos nós o faremos, vindo depois disso o Juízo190, não pode ser entendido de
maneira literal. E não seria melhor tal atitude porque se nos reportarmos aos milagres
de ressurreição realizados por Jesus – no caso de Lázaro e da filha de Jairo, descritos
na Bíblia –, não teriam os dois morrido no curso natural da vida, tendo assim falecido
duas vezes?191
Portanto, não existe, de fato e em verdade, nenhum registro, nos textos dos
Evangelhos e dos apóstolos, no Livro do Apocalipse ou nos textos apócrifos ou
gnósticos qualquer menção de que Jesus tenha pessoalmente condenado, e de maneira
categórica, a idéia de reencarnação. 192
Os argumentos científicos
Não há nada que seduza mais o homem contemporâneo e descrente, aquele
devotado à idolatria dos objetos e do bem-estar do capitalismo, do que ouvir
argumentos baseados na ciência e que provem alguma coisa.
Mesmo que se assinale que muitos cientistas se enganaram ou que suas teorias
foram superadas com o tempo por outras, eis que o homem, cercado de idéias antiDeus, se sente mais protegido quando se depara com uma “verdade” científica. Tal
verdade então torna-se uma evidência e acalma os ânimos. Nesse sentido, a fé como
objeto de crença é elegantemente desprezada, em nome do bom senso do que é tangível
ou, mesmo que invisível, possa ser explicado por idéias da física, da química e da
biologia.
Não adianta argumentar, por exemplo, como muitos estudiosos o fazem, que a
idéia de reencarnação seria muito mais justa do que ressurgir em carne e osso após o
Juízo, porque toda humanidade experimentaria uma segunda ou mais chances de
consertar o próprio destino espiritual. Tal argumento possuiria apenas um apelo moral,
mas sem confirmação científica, dado que a natureza por si é profundamente injusta,
com os seus terremotos, enchentes e desastres naturais.
Para a mentalidade moderna, a reencarnação parece, ainda, um tanto absurda.
Sob implacável pressão da ciência materialista, nós nos identificamos quase totalmente
com o corpo físico, de modo que a idéia de que uma parte de nós sobreviva à morte do
corpo é difícil de engolir. Ainda mais complicado é imaginar um renascimento dessa
parte num novo corpo físico. A imagem da alma deixando o corpo que morre e
entrando num feto prestes a nascer parece particularmente incômoda, porque pressupõe
uma alma existindo independentemente do corpo.193
No entanto, desde a popularização da física quântica, em fins do século XX, os
modelos das partículas elementares vêm lançando luz sobre alguns argumentos que nos
190
Cf. Hb., 9: 27.
Idem, pp. 107 e 108.
192
Idem, pp. 108 e 109.
193
Cf. “Física Quântica”, disponível em http://www.portaldareencarnacao.com/secoes.php?c=5.
191
91
aproximam da reencarnação. Provou-se que as partículas são estáveis, com duração de
vida praticamente indefinida e contêm, dentro de si, um espaço-tempo de natureza
especial. O tempo particular das partículas é diferente do tempo ordinário, também
chamado de tempo da matéria ou entrópico194, o que implica dizer que “algumas
dessas partículas encerram um espaço e tempo de Espírito, coexistindo com o espaço e
o tempo no qual toda a Física, desde Aristóteles, tem se esforçado para descrever a
Matéria e sua evolução.”195
Segundo o físico francês e Prêmio Nobel, Jean Charon, citado acima, as
partículas espirituais são estáveis, ou seja, a Física constata que (salvo acidente
excepcional que provoque sua desintegração) a duração da vida dessas partículas é
comparável à duração da vida inteira do Universo.
Vale dizer, todas as informações que, durante nossa vida humana,
armazenamos nessas partículas espirituais entram na constituição de nosso corpo e vão
sobreviver além de nossa morte corporal, praticamente pela eternidade. Se
convencionamos chamar Deus ao princípio de eternidade, então o que acabamos de
dizer nos permite afirmar que Deus, enquanto Espírito ligado ao princípio de
eternidade, “existe” e, de resto, que cada um de nós é “consubstancial” com Deus.196
As partículas de nosso corpo, sendo eternas, datam praticamente do começo do
mundo e o Espírito que chamamos “nosso” vive o que vive o próprio Universo: cada
um de nós possui um “Eu” coextensivo à eternidade do tempo, no passado assim como
no futuro. Assim, vivemos no plano espiritual aquilo que vive o próprio Universo.197
Mesmo os ateus, que consideram que percebemos o mundo porque ele existe,
haverão de concordar que essa experiência que temos do mundo exterior só pode ser
percebida através de pensamentos, isto é, Espírito. De acordo com Charon, precisamos
nos livrar imediatamente, no entanto, da idéia de que a obediência estrita das partículas
de matéria às leis puramente físicas seja um argumento contra um psiquismo eventual
associado a elas.198
Ora, o que resta de nosso corpo após a morte? – pergunta certeiramente o físico
francês. Ele argumenta que se pensarmos nas partículas elementares, tais como os
prótons ou os elétrons, podemos dizer que toda a matéria do nosso corpo se conserva
depois de nossa morte; a Física nos confirma que tais partículas são “estáveis”, isto é,
tem praticamente uma duração de vida infinita e é dentro destas partículas
“... os fatos que acontecem no nosso espaço ordinário, o espaço da matéria, obedecem a um famoso
princípio chamado ‘segundo princípio da termodinâmica’, pelo qual os fenômenos físicos não podem se
desenvolver fazendo decrescer sua entropia. Explicando sucintamente, isto quer dizer que a energia
utilizável no espaço do nosso Universo diminui continuamente à medida que o tempo passa e que, num
dado momento, teremos consumido toda a energia disponível no Universo [de modo que] nosso
Universo da matéria está fadado, cedo ou tarde, a uma morte certa.”, cf. CHARON, Jean E. O Espírito,
Este Desconhecido, pp. 30 e 31, tradução de Cristina Larroudé de Paula Leite, 2ª edição, São Paulo,
Edições Melhoramentos, 1980.
195
Cf. CHARON, op. cit., p. 31.
196
Idem, p. 32.
197
Idem, pp. 33 e 34.
198
Idem, pp. 23 e 65.
194
92
microscópicas de nosso corpo vivo que é necessário buscar e entender o Espírito, o
nosso Espírito.199
E ele continua:
“... neste caso, nosso “Eu”, depois de nossa morte, não só não desaparecia
mas, ao contrário, teria se multiplicado e continuaria até a eternidade sua
aventura espiritual, participando ocasionalmente de outras existências vivas
ou pensantes, por vezes bem longe de nosso berço terrestre, tendo o Universo
inteiro por moradia.”200
Conforme Charon, não poderíamos entender o Universo de uma forma
mecânica, como se as estruturas vivas fossem fabricadas por mero acaso. A ordem só
pode nascer da própria ordem, isto é, é necessário que “alguém” reorganize os
pedaços na ordem certa. Somente um espaço “ordenado” pode ser “ordenador” da
Matéria e dar nascimento a estruturas e evoluções ordenadas dela mesma. Assim, o
Espírito jamais poderá ser interpretado como uma “secreção da Matéria”, por mais
complexa que esta seja. Atrás de cada obra-prima é necessário um arquiteto.201
A física moderna chegou a conclusões similares. A energia é sempre
conservada. Quando um objeto físico queima ou apodrece, a energia, ou configuração
da energia, ou informação contida naquele objeto físico não é destruída. Simplesmente
passa para uma outra forma. Isso é na verdade o mesmo o que acontece em relação às
almas. Uma alma é vida e energia, como declara a Torá: “[D'us] soprou uma alma viva
em suas narinas.”
De acordo com isso, vemos novamente que a soma total de encarnações de
todas as gerações é realmente aquela de uma grande alma – Adam – que passa por
muitos corpos. Em cada geração, e em cada corpo, assume uma forma diferente. No
fim, qualquer mudança que ocorrer, ocorrerá nos corpos.202
Com a autoridade de prêmio Nobel, físico teórico e divulgador da física
neognóstica, Charon adianta-se na questão da reencarnação sob o ponto de vista
científico:

É fato fundamental que a Morte não é o fim de nossa participação nos
processos do Universo. A aventura espiritual do morto prossegue quando
os elétrons de seu corpo, depois de terem permanecido mais ou menos
nesse estado de sono profundo “renascem” participando da matéria de um
outro ser organizado vivo, nos reinos do vegetal, do animal ou do Homem.
Então é de alguma forma uma “reencarnação” do “Eu” em um novo ser
vivo. No decorrer destas sucessivas vidas, nada da experiência espiritual
anterior é esquecido.203
199
Idem, p. 78.
Idem, p. 79.
201
Idem, p. 99.
202
Cf. Reencarnação de Almas, baseado num artigo de Rabi Avraham Brandwein, disponível em
http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/almas/home.html.
203
Cf. CHARON, op. cit., p. 110.
200
93

Quando as Escrituras nos apresentam, por exemplo, a gênese do mundo,
anunciando que a luz foi criada “no começo”, não é notável aproximar
esse ponto de vista daquele que os cosmologistas proclamam hoje,
apoiando-se na Relatividade geral de Einstein, no que concerne ao
“começo” do nosso Universo? Ele teria sido, nesta época longínqua,
coberto por uma radiação eletromagnética de alta temperatura, o que na
realidade significa que estava coberto de luz; como as Escrituras, nossos
astrofísicos nos dizem também que a matéria só foi criada mais tarde,
depois da luz.204

Isto quer dizer, finalmente, que deve haver alguma coisa de verdadeiro e
profundo nas teorias da Reencarnação. Os elétrons, que pertencem aos
seres vivos no seu nascimento, possuem níveis de informação vizinhos
(senão idênticos). Este nível pode, sem dúvida, se elevar durante a
existência desse ser vivo. Dependendo da maneira pela qual será feita esta
experiência vivida, o nível informacional se elevará mais ou menos. Depois
de um certo número de vidas assim vividas na mesma espécie viva, o nível
informacional dos elétrons se tornará suficiente para que eles possam ser
aceitos em uma espécie viva caracterizada por elétrons de nível
informacional mais elevado. Enquanto os elétrons não tiverem atingido este
nível, serão rejeitados e deverão viver ainda uma ou mais existências em
uma espécie similar àquela que acabaram de deixar. Está claro, portanto, a
utilidade de se esforçar por fazer crescer o próprio nível de informação
durante cada existência vivida, visto que o meio essencial de progressão do
psiquismo, isto é, também da consciência, tanto na escala do Universo
inteiro como na do “eu” do elétron individual, é fazer crescer sempre mais
a consciência do espaço do Espírito.205
E conclui Charon, na esteira de São Paulo:
“Nossa profunda consciência graças a esta pluralidade das partículas eternas
que a contêm, pertence a toda esta imensidão do tempo e do espaço. Morte
contra a Natureza talvez tenha chegado a sua derrota!”206
204
Idem, p. 149.
Idem, pp. 182 e 183.
206
Idem, p. 103. Comparar com a frase de São Paulo: Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó
morte, o teu aguilhão?” (1 Co., 15: 53 e 54).
205
94
6º INTERVALO –
A PROMESSA
Fui capaz, então, pela primeira vez na vida, de reunir forças para além de
meus limites, fazer uma real promessa a Nossa Senhora e Jesus, reais observadores,
dignitários de meu sofrer. Prometi-Lhes que usaria de todas as minhas forças, de
todos os talentos com que fui aquinhoado, para ajudar os outros. Afinal, ser cristão,
na realidade, é descobrir o outro. Para ser mais racional e objetivo nessa ação, teria
que ser mais determinado e sereno em minhas ações, já que, de certa forma, o meu
voluntariado sempre fora esporádico e desconcentrado.
Em troca, pedia-Lhes paz de espírito e enterrar em definitivo os velhos hábitos
que estavam machucando meu peito e me fazendo descer vertiginosamente a ladeira
de estima social. A Deus, inclusive, penso que possa pedir qualquer coisa,
gratuitamente, porque é um costume meu ter visto várias pessoas baterem a porta em
minha cara, negando-me boas oportunidades. E isto desde jovem, o que me obrigou a
ser, de certa maneira, um trabalhador por conta própria, um empreendedor que
colheu alguns êxitos.
Por isso, agora, peço o colinho de Deus, porque me sinto fraco e lesionado.
Nessa diáspora de sofrimento no deserto, rogo-Lhe meu Senhor que me carregue nos
momentos de desespero e me ajude a contornar as pedras de tropeço e as rochas de
ilusão no caminho, porque não sou profeta: não vejo as coisas de cima.
Há seis anos, no fui viver na classe média, metida a aristocrata, da zona norte
do Rio de Janeiro. O lema geral da vida desse tipo de classe era outro: “o importante
é o resultado”. Não importam as tentativas, como prescrevia o poeta inglês Eliot, mas
o ponto de chegada. Se você não é vencedor, então... fora!
E o resultado veio, enfim, com a falência e a destruição de um sonho que
empolgava toda a família: a empresa, que sustentava a todos, faliu. E com o resultado
afundava também um titanic de esperanças...
Nesse meu último casamento destroçado, convivia com uma mulher que fumava
quase dois maços de cigarros por dia, homenageando os médicos tabagistas de seu
passado: o pai, que morreu de um grave câncer no pulmão e o marido, do qual era
viúva, que morreu lamentando os 70 mil cigarros que fumara, ao longo da profícua
existência. Essa vontade resistente de repetir padrões e manter as tradições, mesmo
que irracionais ou condenados a gerar uma destruição futura – eis aí uma das
melhores teimosias da classe média.
E, se enfim, meu Deus, o dinheiro tornou-se meu inimigo, assim como para
toda a combalida classe média, porque irei gastar 18 horas do meu dia para cuidar
dele e conservá-lo? Esse seria um vício sem remissão ou abstinência. Adorar o
dinheiro é o mesmo que adorar o diabo. É aí, nesse vício, que ele se torna o maior
vencedor! Creio firmemente que sob a ditadura do dinheiro tudo se transforma em
prisão. E acho que aí começa o Cristianismo...
95
– 10 –
A HISTÓRIA DA LUZ
“A antiga iniciação repousava sobre uma concepção do homem
mais sadia e ao mesmo tempo mais elevada do que a nossa. Nós separamos a
educação do corpo da educação da alma e do espírito. Nossas ciências físicas e
naturais, muito avançadas, fazem abstração da alma. Nossa religião não satisfaz as
necessidades da inteligência. Nossa medicina não quer saber nem de alma, nem de
espírito. O homem contemporâneo busca o prazer sem felicidade, a felicidade sem
ciência, a ciência sem sabedoria. A antiguidade não admitia essa separação.”
Édouard Schuré
96
A palavra mistério (em grego, “mysterion”: o que é conhecido só por iniciados)
faz com que surja na mente, de modo instantâneo, a idéia de sobrenatural ou a mera
lembrança de estados contemplativos, facilmente reconhecíveis no comportamento de
monges, guias espirituais e santos, envolvidos de uma forma ou de outra na incessante
busca de Deus. Tal imagem do mistério, corriqueira e vulgar, além de não mostrar toda
a riqueza de significados do termo, leva muitos à confusão quanto ao alcance dos
fenômenos místicos e de seus verdadeiros limites.
O estabelecimento da confusão e do empobrecimento progressivo do
significado da palavra pode ser justificado pela visão de mundo que costuma opor
ciência e misticismo, materialismo e idealismo, realidade e metafísica como se fossem
adversários irreconciliáveis. Para os partidários dessas divisões filosóficas estanques,
que já fincou inclusive sólidas raízes culturais no mundo ocidental, o portador ou
cultivador dos mistérios é classificado como um alienado irrealista, incapaz de
interpretar o mundo e obter um sentido para a própria vida sem antes recorrer a teses
de fundo teológico e transcendental. Místico, por conseguinte, seria aquele indivíduo
que precisa sempre de uma instância além da Natureza para explicar os fatos sensíveis
e verificáveis, bem como quaisquer acontecimentos não previstos pelas leis
conhecidas.
Existem até os que imaginam ser místico o que tem caráter apenas mítico, isto
é, relacionado a fábulas, lendas e tradições ancestrais, ligando inadvertidamente o
misticismo à mitologia. A própria língua portuguesa registra o cunho pejorativo
emprestado a certas derivações da palavra, a ponto de o verbo mistificar equivaler, em
uso corrente, aos verbos enganar, burlar e induzir a erro.
Todavia, não é somente ao nível do significado que se combate a idéia de
mistério na cultura ocidental. O principal argumento de seus opositores é que o
comportamento dos que crêem nos mistérios sempre substituiu a falta de iluminação
científica da humanidade através dos tempos. Quer dizer, do mesmo modo que o
homem primitivo endeusava o trovão e o fogo, por não compreende-los, infelizmente
também os homens ditos civilizados e evoluídos teriam procurado entender fatos
inexplicáveis, lançando mão de doutrinas fantasiosas. Para tais críticos e descrentes,
devemos abandonar a interpretação do desconhecido através do sobrenatural, que se
assemelha ao pensamento primitivo, para acolher definitivamente a lógica da ciência e
da verificação de fatos e hipóteses através da experiência.
Outro fator relevante para a descrença no mundo ocidental pode ser percebido
na freqüente confusão entre os fatos de natureza mística e os fatos religiosos. A
revelação religiosa, apreendida pela fé, refere-se a um Deus uno e pessoal, criador de
todas as coisas visíveis e invisíveis, mas que se encontra acima da Natureza por ser
perfeito. Por sua vez, a Natureza, como instância criada, seria sujeita aos
aperfeiçoamentos da evolução, caracterizando-se por definição como imperfeita. A
consciência religiosa, em conseqüência, cultua o sobrenatural, gerando o
comportamento religioso comum, que subordina a razão à fé e promove o retorno a
Deus a partir da observância de um código moral construído através da própria crença.
Esse é o procedimento básico adotado pelas religiões monoteístas, derivadas das
tradições judaico-cristãs.
97
Já o misticismo não convive com o sobrenatural e sim com o mistério.
Misticismo é, na verdade, a vivência e análise do mistério, daquilo a que só tem acesso
o iniciado, isto é, o reino dos fatos inexplicáveis e das leis desconhecidas para o atual
estágio de desenvolvimento da humanidade. A consciência mística procura apreender
o que está além do atualmente real, quer no passado, quer no futuro. O comportamento
místico, partindo da premissa de que Deus (do sânscrito “devas”, luz) está em toda
parte e também dentro do homem, utiliza-se da introspecção e da razão para encontrálo. O Deus místico não está acima mas dentro da Natureza: é impessoal e se autoengendra no seio de sua Unidade, o Universo, palavra que vem do grego e significa
“vertido do Um”.
O mistério só permanece oculto ao não iniciado, àquele que por vários motivos
não chegou ao domínio do verdadeiro conhecimento. E o verdadeiro conhecimento é
sempre conservado e transmitido por uma minoria, por uma elite de iluminados avessa
à publicidade, denominada ordem ou egrégora mística. A função primordial dessa elite
é proteger o conhecimento de mãos ímpias ou mentes impuras, cujos objetivos
censuráveis ou malignos poderiam pôr em risco a segurança e o futuro da humanidade.
Tal prática é comparável à decisão de diversos governos que já possuem arsenais
atômicos de impedir o acesso de organizações terroristas a suas armas estratégicas,
porque isso poderia resultar na detonação indevida de armas nucleares táticas e em
desastres que poriam em risco a estabilidade política mundial.
Empreender, por outro lado, estudos sobre fenômenos inexplicáveis ou teorizar
sobre leis ainda desconhecidas conduz, até sem querer, o pesquisador a conviver com a
atmosfera do pensamento místico. Enquanto buscador do mistério, o homem coloca a
intuição no mesmo plano da razão, sabendo que o caminho a seguir é aquele que o eu
interior lhe indicar. Bohr, o famoso descobridor da estrutura do átomo, sonhou, por
exemplo, com a imagem dessa estrutura e a desenhou ao despertar. Tal fato ocorreu
após muitas pesquisas que, com o sonho, vieram a se confirmar: a estrutura sonhada ou
intuída tornou-se real. Qualquer disciplina, por conseguinte, que adote a análise de
fatos inexplicados e misteriosos para seu objeto, sem recusá-los mesmo que ainda não
aceitos pela realidade científica comprovada ou pela mentalidade religiosa livremente
aceita, pertencerá, sem dúvida, ao campo da reflexão mística.
Entretanto, como vivemos numa sociedade capitalista sob furiosa idolatria pelo
dinheiro, o que resulta, na prática, em procurar crer que Deus morreu há muito tempo,
os guardadores do conhecimento arcano ficam cada vez mais cautelosos na
conservação de sua sabedoria. Embora percebam os sinais de que a humanidade passa
por grande perigo e é necessário desvelar alguns véus antes que seja tarde, os místicos
sabem que poderão ser ridicularizados pelos bárbaros, cuja ciência imediatista e
sensorial elegeu o deus da razão, o lado esquerdo do cérebro, passando a adorá-lo
como único meio confiável de atingir o verdadeiro conhecimento.
Ocorre que os adeptos das escolas de mistério não desprezam a razão mas a
colocam no mesmo plano da intuição, o lado direito do cérebro, fazendo do círculo e
do ponto as imagens básicas para a sua teoria do conhecimento. Ao contrário da
ciência, que reparte a realidade, analisando-a por setores e campos diversos, o
misticismo engloba todas as questões numa só teoria, denominada tradição arcana, da
qual derivam, em razão das sistematizações humanas, as demais teorias...
A ciência é diacrônica, isto é, modifica-se na medida em que o tempo passa; o
misticismo é sincrônico, quer dizer, é sempre e estruturalmente o mesmo e o que se
98
alarga é a nossa visão sobre o próprio mistério. A ciência deveria ser, por definição,
um modo de conhecimento exotérico, ou seja, mundano, apto a ser compreendido por
qualquer leigo ou não-especialista que lançasse mão de suas faculdades racionais.
No entanto, principalmente após o século XIX, a ciência dividiu-se em tantas
especialidades e tornou-se tão complexa que passou a figurar como uma espécie de
esoterismo, um conhecimento cujo acesso passou a ser reservado apenas aos adeptos, a
cientistas e gênios peritos em suas respectivas áreas. Com efeito, a ciência ocupou o
lugar do misticismo, como o esoterismo típico do século XX. E, a tal ponto, que nos
acostumamos a vê-la como o primeiro referencial da verdade e do que existe. Em
suma, é verdadeiro e existe somente o que pode ser estudado e demonstrado
cientificamente. O resto, o que continua misterioso, não deve ser considerado muito
importante...
É nessa área de sombra, portanto, em que a ciência se recusa a penetrar, que o
mistério encontra a razão de ser e se afirma como um meio de investigação
importantíssimo para a constante sede de respostas do homem. E se torna consistente,
na medida em que saibamos, de forma intuitiva, que o mistério existe e deve ser
buscado. Ao contrário da ciência, o mistério não precisa esperar pelo futuro, por
aperfeiçoamentos tecnológicos ou resultados espetaculares de pesquisa para ser
compreendido. Os enriquecimentos trazidos ao pensamento místico decorrem da
iluminação do passado e da compreensão do que há nele de verdadeiramente oculto.
Uma história subterrânea
Para o místico, a história não é ascendente, do menos para o mais, e sim um
repositório ininterrupto de progresso e decadência das várias humanidades (ou
“raças”) que habitaram o planeta. A pesquisa dessas civilizações, perdidas entre
cataclismos geológicos, glaciações e dilúvios, remete-nos ao conceito de história
subterrânea ou história mística, muito diferente da história factual e social, tão
superficial quanto divinizada em nosso tempo.
Os místicos preocupam-se, na verdade, com ondas civilizacionais, com
vestígios de culturas não reconhecidas oficialmente, tentando fazer uma síntese sobre o
significado da caminhada do homem sobre a Terra. Sabem, de antemão, que o planeta
é um ser vivo e que a humanidade é uma experiência. Sabem que os avatares ou guias
espirituais, que prenunciam ou concluem as Eras, são ligados entre si por um cordão
invisível só percebido pelos iniciados e portadores da luz.
Tal história paralela, em que se debruça o estudioso dos mistérios, é vivida por
homens evoluídos, exatamente aqueles que detêm o verdadeiro poder e influenciam a
sobrevivência e o destino do planeta. É como se a Terra fosse uma gigantesca nave
azul cujos reais tripulantes, os que a dirigem pelos espaços do Universo, estivessem
acima dos dirigentes episódicos das nações. Imagine-se o desempenho de seu trabalho
silencioso, interferindo com a sorte de bilhões de pessoas que nem se dão conta disso?
Tal é o grande paradoxo da vida humana: os que guiaram, antes as hordas
primitivas e agora as massas inorgânicas dos povos, são sempre poucos; os que
governam realmente as nações e seus órgãos de maior responsabilidade carregam sobre
os ombros a cruz da consciência, enquanto a maioria – sempre inconsciente e
99
despreocupada – gasta o tempo nas lutas básicas da sobrevivência, do trabalho e da
diversão, sem contar que gigantescas modificações históricas podem estar em curso.
Na história subterrânea ou mística, não são as massas que se rebelam por si
mesmas, mas as minorias esclarecidas que as dirigem e conhecem a missão e o destino
da humanidade que vão transformar os cenários humanos.
A interferência dos formuladores da história mística não é uniforme, nem se
estabelece do mesmo modo nas diferentes épocas. Não é de seu interesse a ingerência
vulgar na política dos homens, já que estes devem ter as mãos livres para construir as
sociedades que quiserem, de acordo com o estágio de desenvolvimento científico e
espiritual que alcançarem. Nesse sentido, o livre-arbítrio da humanidade deve
consumir o carma coletivo, mesmo que isso possa contribuir para o aumento de
sofrimento social ou destruição de civilizações.
Não importa. O processo coletivo de aprendizado deve preservar ritmo próprio,
a não ser que os atos humanos ponham em risco o equilíbrio do Universo. Nesse caso,
entram em ação forças ocupadas em manter o planejamento cósmico na vigência do
atual ciclo que está por terminar.207
E isto se dá pelo fato de que, pela primeira vez na história ocidental, o homem é
capaz de se auto-destruir, levando consigo o próprio planeta. Tal possibilidade pode ser
julgada demasiadamente perigosa pelos senhores do mundo208 que procurariam agir no
sentido de deter o apocalipse, tão palpável no horizonte e confirmado pelas suspeitas
de diversas religiões fundamentalistas.
A pesadíssima missão desses senhores, tripulantes de nossa nave azul, seria
instalar um poder teocrático, isto é, o reino de Deus sobre a Terra. Quer dizer, o
objetivo da história mística seria a eliminação da própria história e de seu conjunto de
guerras e conflitos pela anexação do planeta e de sua população à Unidade Cósmica.
Essas idéias, aparentemente utópicas209 e que aparecem nos ensinamentos
religiosos como lembranças vagas, poderão no tempo oportuno sensibilizar os homens
comuns. Também era difícil para o grego antigo imaginar suas cidades-estado,
separadas e guerreando entre si, um dia se unindo e formando um estado homogêneo.
Do mesmo modo, para nós que vivemos no século XXI não é fácil acreditar na
perspectiva de um mundo unificado e cooperador, vivendo cada vez mais próximo das
leis divinas, anunciadas por antigos mestres da luz, também chamados “avatares”.
A história mística é desenvolvida principalmente por seus membros, que
representam o cume hierárquico da humanidade e são recrutados por merecimento
entre os mais evoluídos adeptos das mais importantes e secretas ordens esotéricas do
mundo, as chamadas Sociedades Secretas Superiores que, por sua vez, como numa
espécie de Federação, compõem a chamada Fraternidade Branca. Essas organizações
(se assim podem ser denominadas) têm caráter e abrangência mundial, congregando
207
As diversas religiões no planeta insistem em manifestar preocupações apocalípticas, em que a
humanidade será julgada por acertos e erros num cenário de Juízo Final. Tal percepção, que não é
privilégio do monoteísmo judaico-cristão demonstra que existe uma memória ou inconsciente coletivo
preocupados com o destino da humanidade em termos de ciclos em que civilizações nascem,
desenvolvem-se e morrem ao longo do tempo.
208
Segundo as tradições iniciáticas das escolas de mistério, os senhores do mundo seriam dirigentes de
civilizações adiantadas que morariam por enquanto dentro da crosta terrestre, esperando o momento
oportuno para ressurgir, repovoando a Terra. A existência de civilizações intraterrenas percorre as
diversas tradições esotéricas da humanidade.
209
Utopia é uma palavra grega que significa “em lugar nenhum”.
100
místicos-mestres de quase todos os países, reunidos em número reduzidíssimo,
inclusive para não despertar atenções perigosas.
O trabalho dessas sociedades e do Alto Conselho só é conhecido hoje, em
virtude do consentimento de seus membros. Eles permitiram que místicos menos
evoluídos e alguns pesquisadores confiáveis pudessem encontrar vestígios do trabalho
incessante dos senhores do mundo. Isto se deve à perspectiva palpável de nosso final
de ciclo, percebido intuitivamente pelos religiosos e homens comuns, e que exige que
alguns véus sejam retirados. Na verdade, tem-se multiplicado pelo mundo inteiro a
literatura sobre a história mística e o trabalho de seus eventuais executores.
O mistério dos ciclos da história
Mas, afinal, como poderia ser narrada essa história? Será que ela poderia ser
contada de modo compreensível como a comum história dos homens?
Para responder a tais perguntas, deve-se entender, de início que a história
mística não é uma narrativa diacrônica, estabelecida necessariamente do passado para
o futuro, com acontecimentos encadeados ou uma evolução gradativa, do menos para o
mais, como se o que vem antes fosse menos aperfeiçoado do que o que vem depois.
Também não é uma adoração pura e simples do passado, como se ele pudesse conter
todas as respostas para os dilemas humanos. A história mística seria, então, um
depósito de conhecimentos secretos da humanidade, denominado tradição arcana,
protegido e transmitido através dos ciclos de civilização ou “raças” que habitaram o
planeta.
A proteção e transmissão da tradição arcana esteve a cargo das mais
importantes sociedades místico-secretas da Terra. Foram elas que, no devido tempo e
com ciência perfeita dos rumos da humanidade, arquitetaram a vinda dos principais
avatares ou portadores da revelação: Rama, Noé, Abraão, Buda, Akenaton, Moisés,
Zoroastro, Cristo e Maomé. Cada um deles, de acordo com as próprias doutrinas, se
comprometeu a cumprir o papel histórico de instrutores da humanidade, previsto por
profetas e místicos evoluídos em escrituras e relatos, denominados sagrados. Os
Upanishads, a Torah, os Vedas, o Bhagavad Gîtâ, a Bíblia e o Alcorão – são os
principais livros sagrados desse ciclo da humanidade que ora está chegando ao fim.
Antes do nosso, porém, houve outros ciclos contendo civilizações tão ou mais
evoluídas que a presente e sobre elas só conhecemos vestígios, já que tais raças
longínquas também foram destruídas por catástrofes210. Pelo menos aqui o conceito de
raça não tem o significado pejorativo resultante das concepções dos nazistas, fascistas
e de todos aqueles que produziram preconceitos raciais.
Raça, para o místico, é o conjunto de homens evoluídos depositário do
conhecimento secreto e não a errônea presunção de que um grupo de pessoas seja
superior a outro pela cor da pele. O mito da superioridade racial – ao contrário do que
muitos pensam – não está de acordo com velhas teorias místicas, mas de sua
deformação posterior, tendo em vista os propósitos mesquinhos de ideologias
materialistas, que, só no século XX, produziram centenas de milhões de mortos.
210
Temos vestígios comprovados, hoje, de raças extintas na Lemúria e na Atlântida. Este último, um
continente afundado no mar, tem sua recordação afirmada no livro “A República” de Platão, que é
considerado uma descrição da estrutura social daquela civilização perdida.
101
A Alemanha hitlerista, por exemplo, confundiu propositalmente os conceitos de
raça (puramente teórico) e nação (de inegáveis ligações com a prática política),
pretendendo que fosse “ariano” tudo o que era genericamente “germânico”. Com o
objetivo de propagar o nazismo e mobilizar o povo alemão, os seguidores de Hitler
transformaram essas idéias em dogmas, turvando a sua verificação científica e
eliminando fisicamente os não-eleitos da fé “nazi”, incluindo aí diversas minorias
européias, entre as quais os judeus e ciganos. Tais práticas fazem-nos recordar a
máxima do escritor Aldous Huxley: “liquidai os que não concordam, e tereis a
Utopia”.
O advento do Homem Interior
O resgate do homem interior é a pedra de toque da história mística. Através de
seu desenrolar, o homem vai se preparando para compreender que Deus está dentro de
si211 e que sua interioridade comunga da alma cósmica, resultante da soma de todas as
almas espalhadas pelo Universo. Tal alma geral é organizada e construtiva, tentando
tomar consciência de si através da evolução das diversas humanidades: planetárias,
intra e extra terrestres.
Em nossa época, anti-esotérica por excelência, os valores materialistas
predominam e inspiram doutrinas sociais que não elegem a espiritualidade como
prioritária, porque o que importa para elas é o reino da necessidade ou o homem
puramente exterior. Para tal homem, com reivindicações cumulativas e intermináveis, a
satisfação dos sentidos e o egoísmo acabam por levá-lo a um eterno sofrimento e até a
considerar inútil a busca pela felicidade.
Os resultados das diversas tentativas de reformar o ser humano “por fora” estão
aí: exploração do homem pelo homem, predomínio de classes sobre classes e de nações
sobre nações. As doutrinas que gritaram contra esse estado de coisas, recomendando a
transformação dos costumes políticos através da violência ou da revolução, apenas
conseguiram fundar ditaduras despóticas e regimes ateus.
A prioridade ao homem interior, pelo contrário, típica de quem percorre a senda
solitária dos místicos, quer a pacificação mundial por outros meios. Não por uma “pax
armada”, comum às nações que só respeitam o falso poder, mas pela força construtiva
do amor, energia extraordinária que poderia ser posta a serviço da humanidade.
Parece ser, à primeira vista, mais um ideário fantasioso do que uma proposta
consistente de salvação dos homens. Mas não é. Trata-se da forma mais genuína de
mobilização das populações, já que as pessoas não se sentirão tão separadas umas das
outras, caso sejam perfeitamente convencidas de que pertencem a uma alma comum.
A história mística diluirá em seu devido tempo a história comum, estudada
como lista de fatos e eventos, tornando-a obsoleta. O homem não vai mais ser lobo do
homem, como falava o ilustre pensador político Thomas Hobbes, porque verá no
próximo a própria imagem refletida no espelho. Como atacá-lo ou destruí-lo se ele se
sente se opondo ou extinguindo a si mesmo, a própria vida?
211
Pretendemos evitar a controvérsia, pelo menos por enquanto, entre as religiões que advogam que
Deus, o Ser Supremo, estaria separado de sua Criação, obviamente imperfeita, e a noção de Deus como
partícipe de nossa natureza humana, na esteira do que diz a Bíblia: “Façamos o homem nossa imagem e
semelhança” – princípio encontrado no Gênesis bíblico (cf. Gn., 1: 26 e 27).
102
Simultaneamente ao mergulho que fizer em seu reino interior, o místico
procurará descer ao interior da Terra, onde estão escondidos e protegidos os remansos
mais preciosos da espiritualidade do planeta. Sendo a Terra um organismo vivo, do
mesmo modo que o homem, é certo que o místico buscará também os submundos
terrestres, como extensão visível de sua ação iniciatória. Essa é a recomendação
implícita no comportamento de grupos místicos antigos e dos grandes líderes das
religiões recém-formadas que depois se transformaram em grandes sistemas morais.
Os primeiros cristãos reuniam-se em catacumbas, os gnósticos, em cavernas,
grutas ou castelos cheios de subterrâneos e passagens secretas, agindo também assim
os alquimistas. Isso significa que o homem deve estudar os mundos ocultos abaixo da
crosta, na medida em que pesquisa o próprio espaço interior. Não é por simples
coincidência que nossa civilização, voltada para as exterioridades, preocupa-se
fundamentalmente em explorar o espaço sideral, exterior à Terra, como se quisesse
fugir da própria identidade espiritual, deixando o santuário e tentando estender uma
colonização predatória e militarista a outros mundos212.
A Terra como sede da vida humana
Na verdade, o homem depende fundamentalmente do planeta Terra para
sobreviver. Está submetido a seus ciclos, como um monge que não se sente bem ao
deixar a casa, o monastério. Essa subordinação ao elemento-mãe (a Gaia) vem sendo
contemporaneamente avaliada pela Ecologia, ciência que estuda os ciclos biológicos e
sua interferência no meio ambiente, em que está contido o ser humano.
Basta notar, nesse sentido, o longo período de treinamento e adaptação
necessário para levar astronautas ao espaço, tencionando que fiquem por lá por uma
duração de até dois anos. Temos o exemplo dos cosmonautas da estação orbital russa, a
Soyuz, que tiveram de retornar ao solo terrestre antes desse prazo, em virtude dos
efeitos enlouquecedores da ausência de gravidade sobre o organismo humano.
Os objetivos militares da corrida espacial, que acompanharam a fase de Guerra
Fria entre Estados Unidos e a extinta União Soviética, não conseguiram mascarar a
dificuldade de nossa constituição física em se adaptar por longo tempo fora da morada
divina (a Terra), vivendo no espaço exterior.
Mesmo copiando as condições atmosféricas ideais (tempo, temperatura e
pressão) e mantendo alguns costumes de trabalho e entretenimento nas condições que
experimentamos na vida normal, nossas espaçonaves não permitem a cópia exata das
vibrações terrestres familiares ao ser humano que, fora do seu ambiente, parece, até
agora, não reunir meios de sobrevivência indefinida. O planeta, com certeza, é o
prolongamento vivo de nossos pés e as experiências vividas fora da Terra assim o
comprovam.
Tal crença explica, em parte, o empenho dos místicos, preocupados com a
pesquisa do homem interior, em se tornarem também buscadores dos subterrâneos e
212
Uma ilustração dessa tendência seriam os filmes de ficção científica de Hollywood que exibem uma
ideologia interna de prevalecimento da tecnologia sobre a espiritualidade e exploram a transposição do
poder conseguido pelos Estados Unidos, como superpotência militar, para o espaço exterior, através de
espaçonaves em que se pratica e se defende o mesmo regime capitalista, competitivo e imoral, praticado
na Terra pelo modo norte-americano de viver.
103
mistérios da velha Gaia, compreendendo que nela mesma se encontram o berço e a
destinação da humanidade, termo, aliás, que vem do radical “húmus”, que significa
“matéria orgânica” ou “terra vegetal”. É como se o planeta fosse mesmo uma nave,
singrando o espaço sideral com consciência, dirigida de dentro e para dentro, tal como
um imenso organismo cuja finalidade seria ser uma semente densa e encarnada da
glória de Deus.
Etapas da História Mística
De acordo com a historia comum do Ocidente, como a conhecemos dos livros
escolares e acadêmicos, não temos conhecimento preciso das civilizações situadas
“antes do Egito”, ponto em que começa a história da humanidade fundada por Menés
(cerca de 3.200 a.C.). Este primeiro “faraó” não era egípcio, mas fundou às margens do
Nilo uma dinastia que misturava os pelasquis e os ários, formando uma nova etnia: a
dos ários morenos.
A primeira raça a habitar o Egito foi a “raça negra”, num período de 4 mil anos
anterior a Menés (portanto a partir de 7.200 a.C.). Quando o Egito recebeu a sabedoria
atlante, com todos os seus conhecimentos secretos veiculados através da Esfinge, sua
transmissão fora realizada pelos negros.
Durante 3 mil anos, eles mantiveram a sabedoria em segredo, o que os tornava
superiores às demais raças existentes, inclusive os celtas, tornando-se, ao longo do
tempo, escravagistas dos brancos.
Os hiperbóreos, de onde surgiram os “arianos puros”, de cabelos ruivos e olhos
azuis, vieram das regiões geladas do Pólo Norte, ocupando a Europa, um novo
continente de florestas que emergiu do mar em virtude do término da glaciação, o que
ocorreu a partir de 85 mil anos a.C.. Mesmo assim, o continente europeu continuaria
gelado ainda por muito tempo, impossibilitando o surgimento de uma civilização.
A ilha de Atlântida (entre a América do Sul e o Trópico de Câncer) tinha um
clima excelente em virtude da corrente do Golfo, que ia até o México e , depois,
desviava-se para o Norte, permitindo a formação do que foi chamado a “Atlântida
Cálida”. Quando a Atlântida sucumbiu, não se sabe se por uma catástrofe nuclear ou
pelo dilúvio de Noé213, os ventos da corrente do Golfo invadiram a Europa, degelando
em definitivo o continente e permitindo que fosse habitado.
Os hiperbóreos, então, desceram dos pólos para ocupar essas áreas novas,
entrando em contato com os negros que, mediante a posse da sabedoria maior e arcana,
dominavam os brancos, no período conhecido como “matriarcado das sacerdotisas
druidas” (entre 10.000 e 8.000 a.C.).
213
Não existe datação confiável sobre o episódio bíblico do Dilúvio. Sabe-se que ocorreu entre 10.000 e
5.000 a.C., não havendo evidências da área precisa de inundação. A Bíblia refere-se somente ao fato de
que a Terra era habitada por gigantes e que os filhos de Deus possuíam as filhas dos homens, que
geraram varões valentes e de renome na antiguidade (Gn., 6:4). O Dilúvio ocorreu porque Deus “se
arrependeu” de sua criação, porque a terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência (Gn.,
6: 5 a 12). A mitologia grega, com seus deuses que misturavam as figuras de homens e animais, seria
uma lembrança das experiências biológicas realizadas entre os gigantes (homens de Deus) e os homens
comuns.
104
O culto aos antepassados, através de sacrifícios, remonta a esse período, pois se
acreditava que ao matar seres humanos eles automaticamente iriam levar informações
aos mortos, fazendo evoluir a sua condição espiritual. Ser sacrificado pelas
sacerdotisas naqueles tempos era uma honra, uma forma particular de transmitir as
tradições arcanas, herdadas de muito longe.
Na Europa, a raça branca estava subjugada ao império das druidesas,
sacerdotisas que oficiavam na ilha de Sein. Revoltando-se contra o jugo das
maquiavélicas pitonisas, os celtas demonstravam muito orgulho, desprezo pela morte e
uma coragem difícil de se igualar. Contra eles, por conseguinte, as sacerdotisas
resolveram enviar para “o país situado do outro lado da vida” os homens mais nobres
e bravos, a fim de que pudessem levar mensagens aos antepassados. E viu-se, então,
uma prática abominável: a elite dos celtas deixando-se matar, nas cerimônias de cada
solstício religioso214, o que contribuiu para o aniquilamento dos chefes daquelas tribos.
Foi necessário que surgisse Ram, o Reformador, um jovem hiperbóreo de
cabelos ruivos, de pouco menos de vinte anos, para que começasse a haver resistência
aos sacrifícios humanos (por volta de 7.500 a.C.).
Ram ou Rama demonstrava em seus sermões ao povo uma inteligência
transcendental, um conhecimento profundo, muito além do que o recebido pelos
sacerdotes negros, tornando-se um perigo para a manutenção do poder da casta
sacerdotal druida. Em conseqüência, foi condenado a morrer nos rochedos pelo Sínodo
das Sacerdotisas de Sein.
Tal condenação refletia um desejo de predomínio político, mas não
propriamente representava racismo, porque naqueles tempos os brancos se misturavam
a outras raças, sem quaisquer preconceitos, não havendo qualquer iniciativa de
resguardar uma eventual “pureza” dos celtas e arianos indo-europeus. No entanto, para
preservar seu povo e seguidores, Rama deixou o norte da Europa, buscando exílio no
Oriente, onde estabelece as bases do Império Persa. Registrou, em sua passagem,
diversos toponímicos: Ram, Ramayana, Hiram, Iram, etc.
Em seu caminho, Rama invade a Índia e continua o seu caminho até o sul da
África, instituindo o Reino Universal de Kutchar, a primeira forma de “sinarquia”215
do mundo, isto é, um regime político em que cada povo tinha um rei independente,
com o império se reunindo como entidade supra-política em Kutchar, na Índia.
Nas cordilheiras do Himalaia, Rama funda um mosteiro, com seus discípulos,
num local que ele denominou “Paradese”, que quer dizer “recinto fechado do Senhor”
e de onde, evidentemente, derivou-se a palavra “paraíso”. Rama chamou o lugar de
Terra do Paraíso e lá os seus muitos seguidores aprendiam a ser reis e a governar o
mundo.
Com as medidas tomadas por Rama, a Terra viveu um período de paz e
felicidade. A mulher deixou de ser a sacerdotisa druídica dos sacrifícios humanos para
ser uma sacerdotisa do lar. Dessa transformação, surge a idéia de “família”, da
sinarquia conjugal entre homem e mulher e, por fim, o que conhecemos por “família
humana universal”.
214
Períodos de festas pagãs relacionadas com os dias mais longos (25 de junho) e noites mais longas (25
de dezembro) no Hemisfério Norte.
215
Sinarquia, na linguagem arcana, significa o governo político perfeito.
105
Rama afirmava a unidade de Deus, que chamava “a unidade de Yet”, doutrina
herdada dos negros que, por sua vez, beberam da sabedoria Atlante. Tal unidade era
composta por dois estados, um solar e, outro, lunar, macho e fêmea fundidos no estado
angelical (“estesim” ou “puro”) de Deus. Rama não quis que anunciassem a sua morte,
mas foi graças a ele que conhecemos os símbolos das constelações do céu e o as
tradições arcanas e esotéricas transmitidas até hoje. A denominada “Idade de Ouro de
Rama” durou, na Ásia, cerca de 3.500 anos!
As tradições místicas, que acolhem francamente a idéia de reencarnação – tese
aliás com plena acolhida no Oriente, como já vimos –, afirmam que Ram voltou a se
encarnar como Krishna, depois como Zoroastro e Melquisedeque e, mais recentemente,
como Cristo. Alguns místicos afirmam, ainda, que, no final dos tempos, ele retornará
na figura de Maitréia...
O estado paradisíaco promovido por Rama termina, no entanto, com o chamado
Cisma de Hirshu (cerca de 3.700 a.C.). Hirshu era um dos príncipes do Império
Kutchar e acreditava que o estado feminino de Deus era tão importante quanto o
masculino, usando essa tese como justificativa ideológica para a restauração política do
matriarcado druida e do antigo período de felicidade, promovido pela predominância
anterior da raça negra.
Para a realização desse intento, o príncipe ajudou a formar a primeira unidade
bélica do mundo, a Babilônia de Semíramis, que buscava lutar e vencer as forças do
Império. Na batalha que se seguiu foram mortos mais de 1.600 homens e os adeptos de
Kutchar foram obrigados a obter refúgio fora da Índia.
Desejando fugir à invasão da Índia pelos babilônios, o Império de Kutchar
enviou Menés ao Egito, escolhendo aquele território como fiel depositária da antiga
sabedoria. Lá, muito antes, Rama construíra as pirâmides (“py rama”), que eram
observatórios astronômicos muito adiantados e que previam o futuro do mundo.
Quando Menés, que não era egípcio e sim hindu, deslocou-se para o Egito, só fez
desenterrar da areia aqueles grandes monumentos.216
Os ários, que invadiram o Egito anteriormente a Menés, começaram a se
misturar com os hindus gerando a raça que redundou nos atuais árabes.
Mais tarde, a sabedoria arcana foi recolhida pelos caldeus que se refugiaram no
Egito e se tornaram escravos. Sob a influência de Melquisedeque, fazem parte da
constituição das doze tribos que estão na origem do povo hebreu, em cujo seio nasceu
Moisés, cujo nome significa “retirado das águas”, mas que, com a sua iniciação no
deserto, ficou conhecido como “homem de areia”.
A sociedade egípcia, tal como a conhecemos, também era uma organização
sinárquica, em que os faraós tinham que prestar contas aos sumo-sacerdotes, líderes de
castas que detinham o controle espiritual dos governos e das dinastias. Foi, no entanto,
a tradição árabe que nos deu, a partir do século V, o conhecimento sobre o Egito, a
Índia e a Grécia, permitindo ao ocidente compreender as civilizações greco-romana,
dórica e etrusca.
Daí surgirem, conforme as tradições místicas, a presença dos mistérios, que
configuram, de certa maneira, a sociologia histórica de cada localidade. Assim, temos:
216
A História Mística renega a versão corrente da arqueologia ocidental de que as pirâmides foram
construídas pelos faraós que as utilizavam como câmaras mortuárias. Segundo os místicos, elas já
existiam antes da formação do império egípcio.
106

Mistérios de Rama (egípcios);

Mistérios Órficos e dos Elêusis (gregos);

Mistérios da Cabala (hebraicos);

Mistérios Bíblicos ou Cristãos (gnósticos e cátaros) e

Mistérios do Alcorão (muçulmanos).
Nesse sentido, a sabedoria foi fragmentada numa espécie de “História da Luz”,
participada desde a origem dos povos e das raças. Por conseguinte, temos,
esquematicamente:
– QUADRO 3 –
A HISTÓRIA DA LUZ
CIVILIZAÇÕES
LOCALIDADES
RAÇAS E POVOS
LEMÚRIA (MÚ)
OCEANO
RAÇA VERMELHA
(150.000(?)-12.000 a.C.)
ÍNDICO
(os “gigantes” do Gênesis
HIPERBÓREA
GROENLÂNDIA
ÁRIOS PUROS
(100.000-9.000 a.C.)
(Era de Touro)
ATLÂNTIDA
OCEANO
NÓRDICOS E
(32.000-10.000 a.C.)
ATLÂNTICO
CELTAS
CIVILIZAÇÃO
CHINA E SUDESTE
BRAMÂNICA
ASIÁTICO
RAÇA AMARELA
REINO DE RAMA
PÉRSIA,
RAÇA NEGRA
IMPÉRIO DE
ÍNDIA E
MATRIARCADO
KUTCHAR
ÁFRICA
DRUIDA
(7.500-3.700 a.C.)
(Era de Áries)
CISMA DE
ÁSIA E
RAÇA BRANCA
HIRSHU
ÁFRICA
(Início do Patriarcado
(3.700 a.C.)
Hebreu)
107
EGITO
NORTE DA
ÁRIOS MORENOS
(3.200-332 a.C)
ÁFRICA
GRÉCIA
PALESTINA
PATRIARCADO
(1.200-323 a.C.)
MEDITERRÂNEO
HEBREU
ROMA
PENÍNSULA
(Era de Peixes)
(509 a.C- 476 a.D.)
ITÁLICA
CIVILIZAÇÃO
PALESTINA E
CRISTÃ
JERUSALÉM
JESUS CRISTO
(4 a.C. até nossos dias)
CIVILIZAÇÃO
ÍNDIA E
BUDA
BUDISTA
ÁSIA
RAÇA AMARELA
CIVILIZAÇÃO
MECA/MEDINA
MAOMÉ
MUÇULMANA
ARÁBIA SAUDITA
(Ários Morenos)
(570 a.D. até nossos dias)
ORIENTE MÉDIO
CIVILIZAÇÃO DA
PLANETA
“MAITRÉIA”(?)
GRANDE
FRATERNIDADE
TERRA
(Era de Aquário*)
(563 a.C. até nossos dias)
BRANCA
* Conforme dados astronômicos, a Precessão de Equinócio de Aquário só decorrerá
em 2.600 a.D., embora muitas seitas da Nova Era se posicionem no sentido de
preparar o caminho do futuro avatar Maitréia...
Segundo o renomado estudioso dos mistérios e historiador Édouard Schuré217,
podemos esquematizar as civilizações humanas da seguinte forma:

Atlântida;
Cf. SCHURÉ, Édouard. Os Grandes Iniciados, Esboço da História Secreta das Religiões – RAMA,
CRISNA, HERMES, MOISÉS, ORFEU, PITÁGORAS, PLATÃO, JESUS (3 vols.), tradução de Raul S.
Xavier, Rio de Janeiro, Livraria Editora Cátedra, 1984.
217
108

Civilização Bramânica;

Civilização Persa;

Civilização Egípcia;

Civilização Caldáica e Sumeriana;

Civilização Grega;

Civilização Romana;

Civilizações Judaico-cristãs;

Civilizações muçulmanas. 218
218
As civilizações caldáica e greco-romana correspondem, de acordo com Schuré, ao mundo célticogermânico e ao avanço da Raça Branca.Quanto à bibliografia básica para o estudo da História Mística,
sugerimos os seguintes autores: Édouard Schuré, Fabre D’Olivet, Jacques Weiss, Madame Blavatsky,
Ossendowski, Papus, René Guénon, Robert Charroux, Rudolf Steiner e Saint-Yves d!Alveydre.
109
– 11 –
OS DOCES MISTÉRIOS CRISTÃOS
“Quem fita o sol, deslumbra-se
e quem persistisse em fitá-lo, cegaria.
Assim sucede com os mistérios da religião:
quem pretende compreendê-los
deslumbra-se e quem se obstinasse em os
perscrutar perderia totalmente a fé."
Santo Agostinho
110
A excelência da história mística, desmentindo a teimosia da arqueologia
tradicional, e antecipando o alvorecer do homem para muito mais cedo na superfície da
Terra, põe-nos diante dos dois grandes grupos que predominaram com o tempo e
dizem respeito mais de perto à história ocidental.
A mistura das raças brancas e negras deu origem a dois povos distintos: de um
lado, os semitas, que se formaram onde os colonos brancos se submeteram ao domínio
dos povos negros, recebendo dos pais negros a iniciação religiosa. Aí teriam se
originado os Egípcios, antes de Menés, os Árabes, os Fenícios, os Caldeus (sumérios) e
os Judeus. De outro, as civilizações arianas, que foram formadas onde os brancos
subjugaram os negros pela guerra ou pela conquista, daí se originando os povos
Gregos, Etruscos, Iranianos e Hindus. Nesse ramo incluem-se também os povos
brancos nômades e bárbaros, na Antiguidade: os Getas, os Sármatas, os Celtas e, mais
tarde, os Germanos.219
Assim se explicaria, também, a diversidade fundamental das religiões e também
a escrita entre essas duas categorias de nações pioneiras. Entre os semitas, onde
primitivamente dominou a intelectualidade da raça negra, verifica-se, acima da
idolatria popular, uma tendência ao monoteísmo – o princípio da unidade de Deus,
oculto, absoluto, sem forma, que foi um dos dogmas essenciais dos padres da raça
negra e da sua iniciação secreta. Entre os Brancos, vencedores ou que ficaram puros220,
nota-se ao contrário, a tendência ao politeísmo, à mitologia, à personificação da
divindade. Isso provém do seu amor à natureza e do apaixonado culto aos ancestrais.221
Segundo, Édouard Schuré, as correntes semítica e ariana são as responsáveis
por todas as idéias, mitologias, religiões, artes, ciências e filosofias do mundo
ocidental. Cada uma dessas correntes traz uma concepção oposta de vida, cuja
reconciliação e equilíbrio seriam a própria verdade. A corrente semítica contém os
princípios absolutos e superiores: as idéias de unidade, de universalidade, em nome da
família humana. A corrente ariana, por sua vez, contém a idéia de evolução ascendente,
em todos os reinos, terrestres e supraterrestres e, na aplicação, conduz à diversidade
infinita de desenvolvimentos, em nome da riqueza e da natureza, das múltiplas
aspirações da alma. O gênio semítico desce de Deus para o homem. O gênio ariano
eleva-se do homem para Deus.222
Por outro lado, conforme afirma Zecharia Sitchin223, na Antiguidade, o rei era
também o sumo sacerdote, o Estado tinha uma religião e um deus nacional, os templos
eram sede do conhecimento científico e os sacerdotes, os cientistas. Há mais de um
século, quando foi decifrada a escrita das tábulas descobertas nas ruínas da antiga
Mesopotâmia (hoje, Iraque), percebeu-se que certos textos relatavam a história bíblica
da Criação, um milênio antes de ser compilado o Velho Testamento. Foram
encontrados textos da biblioteca de Assurbanipal, em Nínive (cidade famosa na
219
Cf. SCHURÉ, Édouard. Os Grandes Iniciados, op. cit., Vol. 1, p. 31.
Note-se bem que aqui a noção de “pureza racial”, impossível do ponto de vista biológico, embora
tenha sido uma crença nazista muito em voga na Europa e em terras norte-americanas no século XX,
refere-se tão somente ao conceito de “respeito às tradições arcanas do passado”...
221
Idem, p. 31.
222
Idem, p. 32. Essa idéia de complementaridade e reconciliação de troncos ideológicos, que permeia a
história mística, lembra-nos o princípio da unidade da Terra e da humanidade, que seria um estágio mais
elevado do que a violência entre os desiguais e o separatismo religioso que promoveram tantas guerras e
revoluções sangrentas na história do planeta.
223
Cf. SITCHIN, Zecharia. Gênesis Revisitado (1990, no original), 7ª edição, tradução de Evelyn Kay
Massaro e Marcília Britto, São Paulo, Editora Best Seller, s/d.
220
111
Bíblia), que possuíam dialeto babilônico, tendo precedido o texto bíblico em cerca de
mil anos.224
O relato bíblico da Criação, embora sendo um texto religioso, não diferia do
antigo texto babilônico e usando a única fonte científica de seu tempo, os descendentes
de Abraão – que era nascido de uma família real e sacerdotal de Ur, capital da Suméria
(Caldéia) – o resumiram e fizeram dele a base da religião nacional, glorificando
“Yahweh” “Yavé” ou “Jeová”, “o que está no céu e na Terra”.225
Baseados no conhecimento científico vindo da Assíria, os hebreus começaram a
pregar o monoteísmo e a universalidade de Deus e resolveram o problema da dualidade
do deus sumério (“Marduk”), forjando uma entidade singular e plural, ao mesmo
tempo. O Deus único, eterno e onipresente deixava de ser ‘El” (ou “Eloah”), para ser
“Elohim” (traduzido do hebraico literalmente por “Deuses”), uma divindade que
falava com Abraão, Isaque, Jacó e Moisés como típico Senhor Celeste.226
Melquisedeque e Jesus
Melquisedeque torna-se no Gênesis um personagem misterioso por excelência,
a primeira figura bíblica a não fazer sacrifícios sangrentos como era costume nas
religiões daqueles tempos, mas utilizando-se do pão e do vinho, antecipando o que
viria a ser conhecido, muito mais tarde, como Eucaristia. Melquisedeque, rei de Salem
(talvez seja a própria Jerusalém) e sacerdote do Deus Altíssimo, do hebraico “ElElyôn”, mandou trazer pão e vinho e abençoou Abrão, dizendo: “Bendito seja Abrão
pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra! Bendito seja o Deus Altíssimo que
entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”227.
Provavelmente os povos vizinhos de Salem (ao Sul de Betel) reverenciavam e
respeitavam o rei sábio Melquisedeque, mas com toda certeza temiam o grande líder
militar Abraão. Suas batalhas e conquistas tornaram-se conhecidas em toda aquela
região, fazendo dele líder muito respeitado. No entanto, o patriarca possuía um
problema familiar: sua esposa Sara era até então estéril e pretendendo dar um filho ao
marido ofereceu a serva egípcia Hagar para que lhe gerasse o primeiro filho. Hagar
então gerou Ismael, considerado pelos muçulmanos como o ancestral dos povos árabes.
O texto bíblico informa que Abraão teria sido pai pela primeira vez aos oitenta e seis
anos228. E, antes mesmo do nascimento de Ismael, surgiram conflitos entre Hagar e
Sara229, culminando em sua fuga do acampamento de Abraão.
O Islã também considera a existência e a relevância de Abraão (com o nome de
Ibrahim) como sendo o ancestral dos Árabes, através de Ishmael. O Judaísmo, o
Cristianismo e o Islã são por vezes agrupados sob a designação de “religiões
abraâmicas”, numa referência à suposta descendência comum de Abraão.
224
Cf. SITCHIN, p. 48.
Idem, pp. 50 e 51. As tradições contam que Terá, sacerdote sumério de Ur, era pai de Abraão. Cf.
Gn., 11: 26.
226
Idem, p. 51.
227
Cf. Gn., 14:18-20.
228
Cf. Gn., 16: 16.
229
Árabes e judeus já brigavam, pois, desde aquela época...
225
112
Registre-se, ainda, que nesta época o famoso patriarca ainda se chamava
“Abrão”, que quer dizer “pai elevado”. Só depois de Jahvé ter multiplicado sua
descendência passou a chamar-se Abraão, que significa “pai duma multidão”. Por
outro lado, o derramamento do vinho, como sacrifício, em vez de sangue é altamente
significativo do ponto de vista alquímico: a união antiga do poder sacerdotal e do
poder real, fraturada em determinado momento histórico e novamente reinstaurada
com o advento de Cristo, Rei e Sacerdote, é-nos dada precisamente pelo vinho, síntese
da água e do fogo, tal como o Sangue, sede do Espírito, é essência relacionada ao
Fogo.
Relembremos a afirmação de João o Batista, referindo-se a Jesus: “Eu batizovos com Água (…), mas aquele que vem depois de mim (...) batizar-vos-á com o Fogo
do Espírito Santo”230. 231
Na epístola aos Hebreus do Novo Testamento estabelece-se uma analogia entre
o rei de Salem e Cristo, sumo sacerdote da Ordem de Melquisedeque232. Aliás, o nome
“Melquisedeque” é formado por duas palavras hebraicas, “maleki tsedeq”, que
significam “rei de justiça”, ou “o meu rei é justiça”. Por sua vez Salem significa “paz”;
portanto, a Ordem de Melquisedeque é a Ordem da Justiça e da Paz, e como
Melquisedeque era simultaneamente rei e sacerdote, eis-nos perante uma época
recuadíssima em que ainda não se havia criado a fratura entre o poder real (associado
ao Fogo) e o poder sacerdotal (associado à Água).233
Melquisedeque servia como sacerdote antes do nascimento de Isaque, então não
era descendente da tribo de Levi (um dos netos de Isaque). Era sacerdote aprovado por
Deus, independente de linhagem. Este rei de Salem poderia ser o mesmo, conhecido na
história suméria (onde viveu) como o Oanne (nome muito semelhante ao de Yohanes,
um rei etíope). Diz-se que não teve ascendência nem descendência, o que resultou na
mitologia de possuir características sobre-humanas, quase como semi-deus, alguém de
enorme valor que instruiu os povos e lhes deu a civilização.234
Alguns teólogos cristãos acreditam que Melquisedeque teria sido uma aparição
do Messias antes do nascimento. No Antigo Testamento há várias menções ao Anjo do
Senhor que muitos creram ser aparições de Cristo antes de encarnar. No entanto,
Melquisedeque poderia ter sido o aspecto terreno da pré-encarnação de Cristo em
uma forma corpórea temporária. Outros teólogos, no entanto, acreditam que
Melquisedeque representou apenas uma tipologia de Cristo, tratando-se, pois, de um
acontecimento ou ensinamento que se relaciona com as realizações posteriores de
Jesus.
230
Cf. Mt., 3: 11.
Cf. MACEDO, Antonio. “Iniciação Feminina: Astrológica, Mágica, Alquímico-Hermética ou
Cabalística?”, disponível em: < http://www.fraternidaderosacruz.org/if1.htm>.
232
Cf. Hb., 5: 6 e 10; 6: 20; 7: 11e 17.
233
Cf. MACEDO, idem, site citado. Não se esquecer de que existe uma similitude entre Salem (paz) e a
saudação judaica “Shalom”, que significa a mesma coisa.
234
Ainda em Hebreus 7:3 lemos a respeito de Melquisedeque… “sem pai, sem mãe, sem genealogia,
não tendo princípio de dias nem fim de vida”... e “o qual recebeu o ofício do sacerdócio”. Sem dúvida,
esses atributos tais como "sem pai, sem mãe" ou como “sem genealogia, sem princípio de dias”
caracterizam alguém com uma natureza sobrenatural.
231
113
Segundo Paulo, por exemplo, Cristo tornou-se eterno sumo-sacerdote da ordem
de Melquisedeque por nomeação de Deus235, embora, avalie o discípulo, existam:
“...muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes
tornados tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devieis ser mestres,
atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém
que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de
Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento
sólido.”236
Quando o autor da carta aos Hebreus diz que Melquisedeque “permanece
sacerdote perpetuamente” também não está dizendo que Melquisedeque fosse o
próprio Jesus. O texto bíblico diz que ele “foi feito semelhante ao Filho de Deus”. A
palavra semelhante significa parecido e não a mesma pessoa.
Melquisedeque foi feito por Deus semelhante a Jesus quanto ao fato de não ter
princípio nem fim (figurativamente falando) e, conseqüentemente, no aspecto
sacerdotal. Portanto, a expressão “permanece sacerdote perpetuamente” refere-se à
ordem sacerdotal de Melquisedeque cumprida na pessoa de Cristo. Com sua
encarnação, morte e exaltação, Jesus tornou-se nosso eterno sacerdote, segundo a
ordem de Melquisedeque. Por não existir registro da origem e do fim da vida do rei de
Salem, seu sacerdócio é tido como superior ao sacerdócio levítico, como foi o de
Jesus.237
Melquisedeque não poderia ser de natureza humana, pois o texto bíblico afirma
que ele não tinha genealogia238 e os dias de sua existência não eram limitados, atributos
próprios de um ser eterno e de natureza verdadeiramente angélica.
É difícil interpretar, nesse sentido, o papel e o caráter de Melquisedeque, que
assumiu forma humana quando apareceu a Abraão239. Alguns teólogos entendem que o
rei de Salem era o próprio Cristo no Velho Testamento e chamam a isso
“Parusia”. Contudo, para os protestantes, evangélicos e pentecostais, o fato de o texto
deixar claro que Melquisedeque era uma figura tipológica (uma semelhança) de Cristo
prova que ele não era o próprio Cristo, além do que, Melquisedeque seria o sumosacerdote do Velho Testamento, mas se tornou “obsoleto por causa de sua fraqueza e
inutilidade”240, sendo definitivamente ultrapassado, no Novo Testamento, por Jesus241.
Melquisedeque estava incapacitado de prover salvação e redenção para a
humanidade, pois seu ministério era imperfeito. A ordem sacerdotal iniciada por ele,
concluída em Jesus242, significa que o primeiro deu lugar ao segundo de forma
definitiva. Em outras palavras, o primeiro concerto se tornou repreensível e, por isso,
235
Cf. Hb., 5: 5 a 10 e 7: 17.
Cf. Hb., 5: 11 a 13.
237
Cf. Hb., em 7.3 e 7: 4 a 19
238
Cf. Hb., 7: 3.
239
Cf. Gn., 14: 18-20.
240
Cf. Hb., 7: 18.
241
Cf. 2 Co., 3: 16.
242
Cf. Hb., 7: 11.
236
114
rejeitado. O último foi aprovado, exaltado e glorificado, sendo Jesus por isso chamado
de “fiador de superior aliança”.243
Uma coisa é certa – a personalidade violenta que Jeová revelou em várias
ocasiões no Velho Testamento combina perfeitamente com o modo de agir de
Melquisedeque, que veio ao encontro de Abraão para abençoá-lo logo após a matança
de reis inimigos244.
Se Jesus fosse Melquisedeque, como dizem alguns, jamais iria abençoar Abraão
logo após tal episódio, porque o Filho de Deus não recompensaria assassinos nem
homicidas. Da mesma forma, se Jesus fosse Melquisedeque, jamais receberia dízimo
de um despojo que teve por preço o sangue daqueles reis. No entanto, Melquisedeque
não teve qualquer escrúpulo em tomar parte dos frutos daquela missão245.
O sacerdócio de Melquisedeque, assim como o sacerdócio levítico, foi por
conseguinte temporário, enquanto o sacerdócio de Cristo se tornou perfeito e eterno,
não por causa de sacrifícios exteriores, mas à custa de seu próprio sangue derramado.
Após a ressurreição, Jesus:
“... nos dias de sua carne, tendo oferecido, com grande clamor e lágrimas
orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por
causa de sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência, pelas
coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação
eterna para todos os que lhe obedecem...”246.
Os sacerdotes levíticos eram fracos porque pecavam assim como os homens
pelos quais eles faziam intercessão. Jesus, contudo, é santo, imaculado e separado dos
pecadores. Ele não teve que fazer oferendas por si mesmo, como os sacerdotes
levíticos tinham que fazer. De muitas maneiras, Jesus é verdadeiramente o sumosacerdote superior! Diferente dos sacerdotes levíticos, incapazes de continuar a servir
por causa da morte, Jesus vive sempre para fazer intercessão por nós e foi feito
sacerdote através do imutável juramento de Deus.
Mas por que uma outra ordem de sacerdócio, além de Melquisedeque, seria
necessária? A resposta é que o sacerdócio levítico não era adequado 247 nem a Jesus era
permitido ser sacerdote segundo a ordem de Levi porque Ele era da tribo de Judá248.
A lei de Moisés nada dizia sobre homens de Judá se tornarem sacerdotes e,
assim, isso era proibido. O homem não deveria ir além do que Deus autorizou. Então,
porque alguém haveria de querer voltar à Velha Lei e ao sacerdócio levítico se Jesus
era um Sumo-Sacerdote superior? A resposta está em que Ele foi feito sacerdote pelo
poder de uma vida infindável e não através de um mandamento carnal, como exigia a
antiga Lei de Moisés.249
243
Cf. Hb., 7: 22.
Cf. Gn., 14: 17-18 e Hb., 7:1.
245
Cf. Hb., 7:4.
246
Cf. Hb., 5: 7-9.
247
Cf. Hb., 7: 11 a 27.
248
Cf. Hb., 7: 13-14.
249
Cf. DVORAK, Allen. “Estudo Textual: Hebreus 7:1-28, Jesus: Um Sumo Sacerdote Superior”,
disponível em: http://www.estudosdabiblia.net/heb6.htm.
244
115
O ambiente na Palestina
É lógico que o Cristianismo provém da origem semítica e tem raiz na tradição
hebraica que estamos rapidamente estudando. Após os vários cativeiros do povo judeu,
vemos os descendentes hebreus subjugados na Palestina, sob a opressão do Império
Romano. A Palestina era um país de muitas nações, de muitas línguas e muitos
interesses, como já vimos. Na Cidade Santa (Jerusalém), havia algumas seitas dentro
do tronco principal do Judaísmo, entre elas a que deu origem ao Cristianismo.250
As correntes religiosas da época eram diversas, podendo distinguir-se três
amplas categorias de crença e observância religiosa:

a religião tradicional da família e dos deuses comunitários;

os assim chamados “cultos dos mistérios”, que tinham as suas raízes míticas
em ritos locais de fertilidade;

os que viviam em busca da realização humana e da felicidade por meio do
estudo e da prática da sabedoria filosófica.
As religiões que celebravam a natureza (arianas) estavam espalhadas por todo o
Mediterrâneo, e as mais populares eram os cultos da Grande Mãe, ou de Ísis, no Egito,
e o de Mithra na Pérsia. No Judaísmo, por sua vez, havia duas seitas principais que
professavam idéias contrárias e alimentavam rancores recíprocos:

A dos fariseus251: sacerdotes, escribas e leigos, que acreditavam e seguiam a
Lei de Moisés. Eles colocavam a religião tradicional acima da política,
sentindo que podiam viver com qualquer governo que não restringisse a
liberdade religiosa. Eles aceitavam a Doutrina da Cooperação de Deus nos
atos humanos, o livre arbítrio e a responsabilidade moral, e, principalmente,
que o Messias restauraria a dinastia divina e livraria os judeus do domínio
estrangeiro;

A dos saduceus252: a nobreza e hierarquia mais alta dos sacerdotes, que não
acreditavam na lei do retorno ou na ressurreição e sustentavam a crença de
que havia um lugar na Terra para onde iam os mortos, sem julgamento.
Negavam a existência de espíritos e anjos e não acreditavam na Providencia
ou na Orientação Divina, tampouco que Deus pudesse atender às suas
preces. Eles defendiam o livre arbítrio.
Cf.
OCCHIUCCI,
VERA.
“Doce
Mistério
da
<http://docemistdavida.blogspot.com/2007/12/mistrios-cristos.html>.
250
Vida”,
disponível
em
Fariseu, do hebraico, “parasch” que significa “divisão”, “separação”. Pretendiam ser os donos da
verdade em matéria de teologia e o termo passou a ser sinônimo de hipocrisia e conduta diferente na
prática do que se prega em teoria. Da virtude só possuíam a aparência e a ostentação, mas com isso
exerciam grande influência, passando por santas criaturas; eis porque eram muito poderosos em
Jerusalém.
252
Saduceus eram os adeptos de uma seita judia que se formou por volta de 248 a.C., assim nomeada
devido a Sadoc, seu fundador, e, apesar de acreditarem em Deus, mantinham a crença de que o objetivo
da vida era a satisfação dos sentidos e, ao contrário dos fariseus, não aceitavam as práticas exteriores do
culto.
251
116
De acordo com Allan Kardec253, após o cisma das dez tribos, a Samaria tornouse a capital do reino dissidente de Israel, tornando-se uma das três divisões da Palestina
sob o Império Romano. Herodes (73 a.C- 4 a.C.), que foi rei dos judeus, a partir de 40
a.C. e pai de Herodes Antipas, embelezou a região com suntuosos palácios para
agradar ao imperador Augusto.
Os samaritanos, que aos olhos do judeus eram considerados heréticos254,
tinham aversão profunda aos reis de Judá255 e rejeitavam os livros acrescentados à lei
de Moisés e, por isso, foram perseguidos e amaldiçoados. Os samaritanos constituíamse nos protestantes daquela época. Atualmente existem samaritanos em Nabulus e Jafa
(cidades israelenses) e seguem as leis mosaicas com maior rigor que os outros judeus e
só celebram casamentos entre eles.256
Os nazarenos formavam um grupo minoritário judeu que fazia votos de pureza
perfeita por toda a vida, obrigando-se à castidade, à abstinência de bebidas alcoólicas e
à conservação da cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos e esse nome
passou a denominar os cristãos, por causa de Jesus de Nazaré.257
Já os publicanos eram os encarregados de cobrar os impostos e rendas de
qualquer natureza em favor dos romanos e eram, por isso, odiados pelos judeus que os
consideravam pessoas de má reputação.258
Os escribas, por sua vez, eram secretários dos reis de Judá e intendentes dos
exércitos judeus. Mais tarde, designaram os doutores que ensinavam a lei de Moisés e
partilhavam das idéias dos fariseus. Jesus fez grandes inimigos entre os escribas e
fariseus, em razão de lhes desmascarar a hipocrisia.259
Havia ainda os essênios260, que tinham uma vida disciplinada e demonstravam
mais afeição uns pelos outros. Rejeitavam os prazeres, que consideravam perniciosos,
e acreditavam que a não submissão às paixões era uma virtude. Com freqüência
rejeitavam o matrimônio, mas muitas vezes acolhiam os filhos dos outros enquanto
estivessem em tenra idade e pudessem ser educados conforme os costumes essênios.
Quando havia matrimônio, constituía-se entre duas pessoas que fossem
compatíveis em todos os níveis de desenvolvimento e a aliança era supervisionada
pelos Altos Iniciados e adeptos da seita essênia. Eram estudiosos de astrologia,
numerologia, frenologia261 e do retorno dos indivíduos, as encarnações. Tratava-se de
uma seita estabelecida para preparar o caminho para educar e treinar o Messias.
253
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, tradução de Albetina Escudeiro Sêco, 1ª
edição, Rio de Janeiro, CELD, 2000.
254
Herético, o mesmo que “herege”, significa aquele que professa doutrina contrária ao que foi definido
oficialmente como objeto de fé. Todo aquele que contraria o cânone vigente, em geral imposto de força
ou pelo poder político reconhecido, será considerado rebelde ou “herético”.
255
Judá era o reino formado pelas tribos de Judá e Benjamin e que ocupava a parte meridional da
Palestina, constituído cerca de 931 a.C. e destruído em 586 a.C. Cristo era descendente das tribos de
Judá.
256
Cf. KARDEC, op. cit., pp. 38 e 39.
257
Idem, pp. 39 e 40. Nazarenos e essênios eram praticamente a mesma coisa...
258
Idem, pp. 41 e 42.
259
Idem, p. 45.
260
Os essênios eram uma seita judia formada em 150 a.C., no tempo dos Macabeus. Eram celibatários,
austeros e muito próximos aos hábitos dos primeiros cristãos, de onde veio a crença de que Jesus era
adepto desse grupo específico.
261
Teoria que considerava a conformação do crânio como indicadora do caráter e das faculdades
intelectuais dos indivíduos. Essa teoria, antes arte advinhatória, foi desenvolvida no século XIX por
117
Os essênios eram os últimos remanescentes da Fraternidade dos Profetas,
organizada por Samuel e tinham dois centros importantes, um no Egito perto do Lago
Moeris, e outro na Palestina, perto do Mar Morto.
Os essênios dividiam-se também em dois grupos:

Os Chefes de Família, que se casavam e moravam em casas nas vilas e
cidades, como pessoas comuns, preparando-se por meio de estrita disciplina
espiritual para a santidade da paternidade, com o objetivo de atrair egos
evoluídos do mundo celeste, que desenvolveriam o trabalho da Ordem e de
toda a humanidade;

O grupo mais esotérico, que compreendia os Iniciados e que faziam votos
de perpétua virgindade, e se mantinham imaculados no mundo, vivendo
habitualmente em comunidades monásticas isoladas, onde podiam devotar a
vida às coisas do espírito. Maria e José pertenciam à mais elevada ordem
iniciática; daí o seu sacrifício, em sair para o mundo e filiar-se ao grau
menor dos Pais de Família, ter sido muito maior. Era comum que uma
mulher iniciada nas muitas tradições dos mistérios fizesse um apelo a uma
alma mais elevada para recebê-la no útero e, dessa forma, dar à luz um
profeta, um mestre ou um ser semidivino. A alma escolhida para uma
missão divina, vem do mundo divino livre e conscientemente, e, para poder
entrar na vida terrena, ela precisa de um veículo especial. Este é o chamado
da mãe de elite, ela mesma uma iniciada, alguém que, pela capacidade
moral e espiritual, pela pureza da alma e da vida, pelo elevado
desenvolvimento dos seus sentidos, atrairia em seu sangue e carne a alma de
um redentor ou profeta.
Os Essênios não são mencionados no Novo Testamento e evitavam qualquer
referência a si próprios e aos seus métodos de estudo e de adoração. Jesus, de acordo
com a tradição Cristã esotérica, foi um Iniciado educado pelos Essênios até aos trinta
anos de idade e alcançou um estado muito elevado de desenvolvimento espiritual. É
possível que a sua educação haja sido conduzida entre os Essênios Nazarenos de
Monte Carmelo, uma comunidade na zona da Galileia.
Jesus teria vindo de uma longa tradição de profetas judeus, pessoas que haviam
sido dedicadas ao seu Deus pelos pais. As pessoas dessa linhagem com freqüência
eram citadas como “Emanuel”, o que significa “Deus no meio de nós”.262
Os ensinamentos ocultos de Jesus
Se pudéssemos estudar, sob o prisma da psiquiatria contemporânea, a escolha
dos discípulos por Jesus, chegaríamos a um terrível paradoxo: como o Filho de Deus,
Mestre dos Mestres, pôde se cercar de doze indivíduos broncos, pescadores e
trabalhadores artesanais semi-analfabetos para empreender a grande obra de salvação
da humanidade?
Lombroso, que tentava descrever o comportamento criminoso através de medidas antropométricas do
crânio. Essa teoria foi posteriormente abandonada por não possuir comprovação científica.
262
Cf. OCCHIUCCI, site citado.
118
De fato, Ele agia como um arquiteto de novas relações sociais, estabelecendo
modelos que virariam de cabeça para baixo o mundo da época. A condenação do
individualismo e a valorização do próximo eliminavam, por seu turno, a formação de
homens dignos de pena, que não fossem lúcidos, seguros e coerentes da própria fé.
Jesus valorizava a tolerância e propunha que a cidadania e a solidariedade fossem
apelos que viessem de dentro, não de fora. Conforme o psiquiatra Augusto Jorge
Cury:
“O objetivo dele não era reformar a religião judaica. Seu projeto era muito
mais ambicioso. Cristo desejava causar uma profunda
transformação
no
cerne da alma humana, uma profunda mudança na maneira de o homem
pensar o mundo e a si mesmo.”263
Jesus, sem dúvida, era culto e instruído, embora não haja qualquer prova de que
tenha escrito alguma coisa. Segundo Mark L. Prophet e Elizabeth Claire Prophet:
“Os quatro Evangelhos acentuam que os doze escolhidos freqüentemente não
compreendiam os seus ensinamentos, especialmente as importantes
afirmações a respeito de sua morte e ressurreição. Somente após a
ressurreição, quando o Senhor os censurou pela “incredulidade e dureza do
coração” e depois “abrindo-lhes o entendimento” puderam compreender
as Escrituras, e depois do Espírito Santo os ter iluminado, foram capazes de
receber o manto do Senhor.”264
As referências de Cristo ao Antigo Testamento são evidentes em diversas
passagens bíblicas, desde a repreensão a Satanás, no deserto, quando citou trechos do
Deuteronômio, passando pelo confronto com os fariseus, saduceus e escribas, os
letrados da época, que foram habilmente confundidos num debate, e em outras
ocasiões em que Jesus citava Moisés e versículos do Êxodo265. Quando o jovem rico
perguntou o que deveria fazer para alcançar a vida eterna, o Mestre mandou que
observasse os dez mandamentos recebidos no Êxodo e cumprisse a ordem do Levítico
“amarás o teu próximo como a ti mesmo.”266
Embora se possa presumir que boa parte do que Jesus disse tenha sido
perdido267, Ele muitas vezes referiu-se a passagens bíblicas para ilustrar o pensamento
e dizia claramente que não havia vindo para destruir a lei (de Moisés e dos profetas),
mas para cumpri-la268.
Ele foi enviado para transmitir a mensagem mais importante já confiada pelo
Pai ao Filho – a mensagem de nossa salvação, mas é óbvio que certos ensinamentos
foram deliberadamente mantidos em sigilo por Jesus e seus apóstolos, pois, como
sabemos, eles realmente tinham uma doutrina secreta e pretendiam mantê-la assim.269
Existem várias passagens no Novo Testamento em que o Mestre aborda o
caráter secreto de sua doutrina. Dentre elas:
263
Cf. CURY, Augusto Jorge Cury. Análise da Inteligência de Cristo, o Mestre dos Mestres, p. 220, São
Paulo, Editora Academia de Inteligência, 1999.
264
Cf. PROPHET, Mark e PROPHET, Elizabeth Claire. Os Ensinamentos Ocultos de Jesus 1, p. 27,
tradução de Roberto Argus, 3ª edição, Rio de Janeiro, Record: Nova Era, 1999.
265
Cf. PROPHET, op. cit., idem.
266
Idem, p. 28. Ver Mt., 19: 16-19; Ex., 20: 12-16 e Lv., 19: 18.
267
“Há, porém, ainda muitas coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu
que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos.”, cf. Jo., 21: 25.
268
Cf. PROPHET, op. cit., p. 28. Ver Mt., 5: 17 e 18.
269
Idem, p. 31.
119

“A vós vos é dado saber os mistérios do reino de Deus, mas aos que estão
de fora todas estas coisas se dizem por parábolas. Para que, vendo, vejam,
e não percebam; e, ouvindo, ouçam, e não entendam; para que se não
convertam, e lhes sejam perdoados os pecados”270;

“E com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra, conforme o
permitia a capacidade dos ouvintes. E sem parábolas nunca lhes falava;
porém tudo declarava em particular a seus discípulos”271;

“Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o
que vós vedes e não o viram, e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram.272”;

“O que vos digo às escuras, dizei-o a plena luz; e o que se vos diz ao
ouvido, proclamai-o dos eirados273e, finalmente,

“Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não podeis suportar agora;
quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda verdade;
porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
anunciará as coisas que hão de vir.”274;
E, finalmente, João, em seu “Evangelho espiritual” afirma o fato de que Jesus
ensinou muito mais do que é evidenciado em seu próprio relato:

“Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não
estão descritos neste livro.”275
Os que ficavam de fora dos ensinamentos – e que não eram discípulos ou
iniciados – eram também merecedores, mas não estavam absolutamente preparados
como os apóstolos, os instruídos “sem véus”.
A noção de ser cristão, no Cristianismo primitivo, não era somente uma simples
adesão a uma Igreja, como hoje em dia. Pressupunha uma purificação de três anos, em
que o adepto (chamado “Crestus”, homem bom e virtuoso) não participava dos
principais rituais.
Com o tempo decorrido, transformava-se o novo adepto em “catecúmeno”,
quando então recebia o batismo (a imersão na água) e uma palavra de passe para entrar
nos templos. Lembremos que os cristãos primitivos eram perseguidos e reuniam-se em
catacumbas para não serem presos e precisavam de sinais particulares para obter a
própria identificação sem correr perigo de vida...
É fundamental anotar que o Cristianismo, de início, era mera seita judaica,
como tantas outras, e assim permaneceria, pequena e insignificante, se não houvesse
em 70 a.D. a destruição de Jerusalém e a formação da diáspora (a dispersão dos judeus
pelo mundo). Esse fenômeno histórico provocou a reunião dos cristãos em pequenas
comunidades para fugir à própria destruição pelos romanos e a seita inicial deixou de
ser mero apêndice do Judaísmo para se transformar em enorme onda civilizacional.
270
Cf. Mc., 4: 10-12.
Cf. Mc., 4: 33-34.
272
Cf. Mt., 13: 17.
273
Cf. Mt., 10: 27.
274
Cf. Jo., 16: 12-13.
275
Cf. Jo., 20: 30.
271
120
As instruções secretas de Jesus eram, pois, transmitidas como nas antigas
tradições da história mística, ou seja, da boca para o ouvido276, numa interação pessoal
entre o mestre e o discípulo, enquanto as parábolas permaneciam como doutrina
pública, que se expandia em comunicações diretas com o povo a quem o Mestre
habitualmente se dirigia para pregar277.
Tão preciosa e invulgar naqueles tempos tornava-se a conversão a Cristo, que
a palavra “cristão” só é citada por três vezes no Novo Testamento. O termo
significava, à época, chegar a um nível de evolução muito alto, designando aquele que
alcançava a “consciência crística” ou alguém que fora ungido pelos mistérios.
A cena do Gólgota (da crucificação de Jesus) é o último termo da vida de
Cristo, o selo último de sua missão, por isso o Mistério mais profundo do cristianismo.
Apesar das lacerações do suplício, ele permanece o Messias. Ele perdoa os carrascos,
consola o ladrão que conservou a fé…
Para esvaziar o cálice, é preciso que atinja esse sentimento de solidão final que
lhe fará dizer: “Pai, por que me abandonaste?”. Morto, Dele não resta senão o cadáver
pendurado no madeiro, mas no mundo astral e no mundo espiritual resplandece o
clarão de luz seguido de um golpe de raio. Num único salto, a alma de Cristo encontra
a aura solar. E no Templo de Herodes, o véu esplêndido que esconde o tabernáculo
rasgou-se de alto a baixo “no momento em que Jesus expirou”.278
A ressurreição de Cristo deveria ser a garantia da ressurreição das almas
durante a vida, assim como a fé noutra existência. Essa fé não cresceu bruscamente nos
apóstolos; ela deveria insinuar-se em seus corações como uma voz, convencendo-nos
como um sopro de vida que se comunica.
As aparições de Cristo são, por conseguinte, gradativas para produzir efeitos
sempre maiores. Assim, a missão de Cristo deveria iluminar e ampliar a vida depois da
morte, como havia iluminado e ampliado a vida sobre a Terra! Mas o essencial dessa
missão era fazer entrar a certeza da ressurreição espiritual no coração dos Apóstolos,
que deveriam difundir o pensamento de Cristo no mundo. Depois de ser ressuscitado,
era preciso que Cristo ressuscitasse “neles” e “por eles”, e que esse fato pairasse sobre
toda a história futura.279
No sepulcro, Ele bradou: “Maria!... Não me toques!... Vai e diz aos apóstolos
que ressuscitei!”. Aos onze reunidos, a portas fechadas, Ele apareceu em uma casa em
Jerusalém, dando a eles o encontro na Galiléia. No crepúsculo patético de Emaús,
sanador divino das almas, reacendeu-lhes a fé; na praia do lago de Tiberíades,
preparando Pedro e João para seu destino e, pela última vez sobre uma montanha da
Galiléia, dizendo-lhes estas palavras supremas: “Ide e pregai o evangelho a todas as
Ao contrário do que hoje chamamos vulgarmente de “comunicação boca a boca”. No mundo antigo
não era assim, até porque transmissão boca a boca não é informação, é beijo...
277
O povo era comumente chamado de “criancinha” ou “pobre de espírito”, ou seja, não eram iniciados.
278
Cf. GADAL, Antonin. “A obra de um homem inspirado pelo Espírito”, disponível em:
<http://www.gadal-catharisme.org/gnosis-iniciacao>.
279
Idem, site citado.
276
121
nações... E vede, eu estou convosco até o final dos tempos!”. Este foi o adeus solene
do Mestre!280
Mais tarde, ainda uma vez, Cristo aparecerá de forma excepcional ao adversário
Paulo, na estrada de Damasco, para fazer dele seu mais inflamado defensor: de uma
clareza vitoriosa, desta visão e desta palavra fulgurante, brotará a missão do “apóstolo
dos gentios” que converterá o mundo greco-latino e, daí, todo o Ocidente.
Essa irradiação divina, prolongada pelo processo da “ressurreição espiritual”
criou as primeiras comunidades cristãs, e isso lhes bastava. Para elas, todo o passado
humano, todas as religiões, toda iniciação antiga, toda ciência adquirida da Ásia, do
Egito e da Grécia, se confundiam com a decadência greco-latina; somente o Cristo
existia.281
Assim, nos dois primeiros séculos certo número de comunidades cristãs
conservou o antigo princípio da iniciação hierárquica e gradativa. É o que se chamava
“a Gnosis”. A união com o Cristo era para eles um fenômeno místico, superior a todos
os outros, uma realidade simultaneamente individual e coletiva. Mas tão logo foi
imposto o “dogma de que a fé na igreja estabelecida substituía todo o resto”, o
princípio da iniciação foi suprimido e a fé cega substituiu o “verdadeiro
conhecimento”.282
A Fraternidade Universal estendia longe o seu templo do Espírito: os cátaros na
Occitânia, os maniqueus na Ásia e na Bulgária, os rosacruzes no norte da Europa, os
templários da Ásia Menor na Europa – propagaram um cristianismo purificado, um
verdadeiro cristianismo apostólico.
Mas a realeza francesa e o papa se aliaram para destruir o templo do Espírito: as
cruzadas “dos albigenses”, a perseguição obstinada contra os cátaros por mais de cento
e vinte anos, a destruição total dos templários, a aniquilação dos seus arquivos e dos
instrumentos dos seus rituais, foram “vésperas sicilianas da monarquia absoluta contra
o esoterismo cristão”.283
A Igreja primitiva
Podemos aceitar as Escrituras canônicas284 como demonstração do que era
acreditado na Igreja Primitiva a respeito do ensino de Cristo e de Seus seguidores
280
Idem.
Idem.
282
Idem.
283
Idem.
284
Cânon é a relação oficial dos livros aceitos como Sagradas Escrituras; Evangelhos “sinóticos”,
palavra que vem do grego “syn-opsis”, que significa “visão de conjunto”. Três dos quatro evangelhos –
Mateus, Marcos e Lucas – são espantosamente similares quanto à linguagem, seqüência de eventos e
pontos de vista que foram chamados de sinóticos, uma vez que estão vendo em conjunto os episódios da
vida de Jesus Cristo. Várias semelhanças em conteúdo e estrutura fazem com que seja possível arrumar
seus versículos em colunas paralelas, de modo a serem lidos juntos. O Evangelho de João, o Evangelho
Espiritual, difere significativamente dos outros três. Cf. PROPHET, Os Ensinamentos Ocultos de Jesus
1, op. cit., p. 226.
281
122
imediatos, e ver o que elas dizem sobre a existência de um ensinamento secreto
transmitido somente a uns poucos.
Tendo visto as palavras postas na boca do próprio Jesus, e consideradas pela
Igreja como de suprema autoridade, olharemos também para os escritos do grande
apóstolo Paulo; então consideraremos as declarações feitas por aqueles que herdaram a
tradição apostólica e guiaram a Igreja durante os primeiros séculos.
Ao longo desta ininterrupta linha de tradição e testemunho escrito pode ser
estabelecida a proposição de que o Cristianismo tinha mesmo um lado oculto.
Veremos, ainda, que os Mistérios Menores de interpretação mística podem ser
acompanhados através dos séculos até o início do século XIX.
Embora, naquele período, já não houvesse Escolas de Misticismo reconhecidas
como preparatórias para a iniciação depois do desaparecimento dos Mistérios, ainda
assim grandes místicos, de tempos em tempos, alcançaram os degraus inferiores do
êxtase por seus próprios esforços contínuos, auxiliados sem dúvida por Instrutores
invisíveis.285
O Evangelho dá as explicações místicas alegóricas, aquilo que chamamos “Os
Mistérios Menores”, mas o significado mais profundo diz-se ter sido dado somente aos
iniciados. Algumas dessas explicações provavelmente foram ditas depois da morte de
Jesus, quando Ele foi visto pelos discípulos “falando das coisas pertencentes ao Reino
de Deus”286.
Nenhuma dessas interpretações, entretanto, foi registrada publicamente, mas
quem pode garantir que foram deixadas de lado ou esquecidas, e não preservadas como
algo inestimável? Havia uma tradição na Igreja de que Ele visitou os apóstolos durante
considerável período após Sua morte.287
Havia diversos nomes, além do termo “O Mistério”, ou “Os Mistérios”, usados
para designar o círculo sagrado de Iniciados ou ligados à Iniciação: “O Reino”. “O
Reino de Deus”, “O Reino dos Céus”, “A Vereda Estreita”, “A Porta Estreita”, “O
Perfeito”, “O Salvo”, “Vida Eterna”, “Vida”, “O Segundo Nascimento”, “O
Pequenino”, “A Criancinha”.
O significado é tornado claro pelo uso destas palavras nos primeiros escritos
Cristãos, e em alguns casos fora do círculo Cristão. Assim, o termo “O Perfeito” era
usado pelos Essênios, que tinham três graus em suas comunidades: os Neófitos, os
Irmãos, e os Perfeitos – sendo estes os Iniciados; e é empregado geralmente neste
sentido nos antigos escritos. “A Criancinha” era o nome comum para um candidato
recém-iniciado, isto é, aquele que recém teve seu “segundo nascimento”.288
Quando Jesus está se dirigindo a Nicodemos, Ele fala que “a não ser que um
homem nasça duas vezes, não pode ver o Reino de Deus”, e este nascimento é dito
BESANT, Annie, “O Cristianismo Esotérico Ou Os Mistérios Menores”, disponível em
<http://www.hermanubis.com.br/LivrosVirtuais/LVOCristianismoEsoterico.htm>.
286
Cf. At. 1:3.
287
Cf. BESANT, site citado.
288
Idem.
285
123
como sendo aquele “da água do Espírito”289 ; esta é a primeira Iniciação; uma ulterior é
a “do Espírito Santo e do fogo”290, o batismo do Iniciado em sua maturidade, assim
como a primeira é a do nascimento, que o recebe como “uma Criancinha que entra no
Reino”291.
A ausência de familiaridade destas imagens entre os místicos Judeus é indicada
pela surpresa demonstrada por Jesus quando Nicodemos se embaraçava com Sua
fraseologia mística: “Tu és um mestre de Israel e não conheces estas coisas?”292. Um
outro preceito de Jesus, que permanece como “um ditado rude” para seus seguidores, é:
“Sede perfeitos, assim como vosso Pai no céu é perfeito”293. O Cristão comum sabe
que possivelmente não conseguirá obedecer a este mandamento, cheio como está de
fragilidades e fraquezas humanas, como poderia ser perfeito como Deus é perfeito?
Vendo a impossibilidade da meta posta diante dele, o cristão discretamente a
põe de lado e não pensa mais nisso. Mas vista como o esforço coroador de muitas vidas
de melhoras constantes, como o triunfo do Deus interno sobre a natureza inferior, a
meta parece então dentro do alcance. São Paulo a segue nas pegadas do Mestre e fala
exatamente do mesmo sentido, mas com maior clareza, como poderia ser esperado a
partir de seu trabalho organizador na Igreja.294
O conhecimento – ou, se preferirmos o termo, a suposição – de que a Igreja
possuía tais ensinamentos ocultos lança uma torrente de luz sobre diversas passagens
de São Paulo sobre si mesmo, e quando as reunimos, temos um perfil da evolução do
Iniciado.
São Paulo diz que embora ele já estivesse entre os perfeitos, os Iniciados – pois
ele diz: “Que nós, portanto, que somos perfeitos, tenhamos esta mentalidade” – ele
ainda não tinha “atingido”, não era inteiramente “perfeito”, não havia recebido do
Cristo, o “alto chamado de Deus em Cristo”, “o poder de Sua ressurreição, e a
companhia de Seus sofrimentos, sendo tornado conforme à Sua morte”; e estava
tentando: “se por algum meio puder alcançar a ressurreição dos mortos”.295
O Cristianismo “Místico”
Os Essênios são considerados os precursores do Cristianismo Esotérico. Do
ponto de vista oculto, a tradição Cristã esotérica remonta a essa excelsa e devota
Ordem que existiu na Palestina.
No Cristianismo, também, especialmente no que se refere ao ponto central, o
“Mistério do Sacrifício na Cruz”, temos de fazer distinção entre as concepções
exotéricas (abertas a todos) e o conhecimento esotérico (somente permitido aos
Iniciados).
289
Cf. Jo., 3: 3-5.
Cf. Mt., 3: 11.
291
Cf. Mt., 18: 3.
292
Cf. Jo., 3: 10.
293
Cf. Mt., 5: 48.
294
Cf. BESANT, site citado, idem.
295
Cf. Fp., 8: 10-12, 14 e 15.
290
124
Uma contemplação exotérica do Cristianismo, acessível a todo o mundo, está
contida nos Evangelhos. Lado a lado com tal contemplação, sempre houve um
Cristianismo esotérico para aqueles que tinham vontade de preparar corações e mentes
de forma adequada para a recepção de um Cristianismo mais profundo.296
As bases da doutrina cristã esotérica, que foram transmitidas por tradição oral,
diferenciam-se dentro da comunidade cristã especialmente pelo fato de a reencarnação
e o evolucionismo constituirem-se nos pontos-chave.
Assim como as demais vertentes cristãs, considera-se a Bíblia e, especialmente
os Evangelhos como fontes de autoridade dos mistérios de Deus, mas a Bíblia não é
considerada a “palavra de Deus” nem deve ser interpretada literalmente, ou
considerada à prova de erros.
Outras Escrituras, que não foram incluídas na Bíblia, também são amplamente
consideradas, entre as quais os evangelhos considerados apócrifos297. Cristo é visto
como líder da humanidade e governante do Sistema Solar, sendo onipresente assim
como Deus, e por isso tendo uma centelha dentro de cada forma vivente (o chamado
“Cristo Interno”298).
É considerado também a única entidade à qual o homem deve se dirigir,
rejeitando-se portanto o culto a santos e imagens. Os cristãos esoteristas defendiam que
não há inferno ou paraíso, ou, pelo menos, que não fossem eternos. Cada pessoa
pagaria por aquilo que praticou, na exata proporção. A todos seria concedida a
oportunidade de reencarnação, para o aperfeiçoamento do caráter; e a salvação seria
dada a toda a humanidade – alguns em mais tempo, outros em tempo menor.
O Cristianismo esotérico seria, então, a vertente do Cristianismo composta
pelas escolas de mistérios, constituindo o que se conhece como a sua parte mística.
Não existem sacerdotes profissionais em sua hierarquia. As escolas geralmente
compõem-se de um ou mais instrutores, mas não ministram qualquer tipo de
sacramento. O único sacramento reconhecido seria a chamada iniciação299, que não
296
Cf. STEINER, Rudolf. “Cristianismo Exotérico e Esotérico”, Sociedade Antroposófica, [5], 1922.
297
Apócrifos são chamados os evangelhos que apesar de atribuídos a um autor sagrado, não são aceitos
como canônicos. Na antiguidade, designavam obras de uso exclusivo de seitas ou escolhas iniciáticas de
mistério. Mais tarde, adquiriram o significado de livros de origem duvidosa. Hoje, a Igreja Católica
reconhece como parte da tradição, os Evangelhos Apócrifos de Tiago, Matheus, O Livro sobre a
Natividade de Maria, o Evangelho de Pedro e o Armênio e Árabe da Infância de Jesus, além dos
evangelistas “aceitos”. A maior parte destes textos apareceu nos séculos II e IV e atualmente são
considerados “apócrifos”. Na realidade, a única diferença entre eles e os quatro Evangelhos Canônicos
resume-se ao fato de que “não foram inspirados por Deus”.
298
Cf. Lc., 17: 20-21: Sendo questionado pelos Fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Ele lhes
respondeu, "O reino de Deus não virá com sinais a serem observados; nem eles dirão, 'Hei-lo, aqui está!'
ou 'Hei-lo acolá' veja, o reino de Deus está dentro de vós."
299
Etimologicamente a palavra “iniciação” vem do latim “in-ire”, ou seja, ir para dentro; donde:
“ïn-iter”, ou seja, ingresso, en-caminhamento. Iniciação é o processo que coloca alguém na condição de
entrar num novo estado de vida, numa comunidade; no plural latino: “initia”, inícios. A iniciação pode
ser compreendida também como “intro-ducere” = conduzir para dentro, intro-dução.
125
ocorre dentro das escolas, mas, segundo afirmam os cristãos esoteristas, seria processo
de ordem espiritual, no qual o indivíduo a ser “iniciado”, por meio de exercícios de
ordem espiritual, conseguiria colocar-se em contato direto com os mundos suprafísicos, podendo vê-los e senti-los.300
Fala-se aqui da própria sabedoria de Deus em mistério, mesmo a sabedoria
oculta, que Deus ordenou antes que o mundo existisse, a qual nem os príncipes deste
mundo conhecem. As coisas daquela sabedoria estão além do entendimento dos
homens, mas Deus as revela por Seu Espírito, Suas coisas íntimas ensinadas pelo
Espírito Santo, coisas espirituais a serem discernidas somente pelos homens espirituais,
em quem está a mente de Cristo. Como um “mestre-construtor” (um outro termo
técnico nos Mistérios) Ele deixou as fundações...301
Deus é o Ser inominável e supra-essencial, acima da própria bondade. Daí a
‘teologia negativa’, que sobe da criatura até Deus retirando um após outro todos os
atributos determinados, e que nos conduz para mais perto da verdade. O retorno para
Deus é a consumação de todas as coisas e a meta indicada pelo ensino cristão.
O Cristo histórico é, pois, um Ser glorioso pertencente à grande hierarquia que
guia a evolução da humanidade, e que veio para dar um novo impulso à vida espiritual
do mundo; para restabelecer os ensinamentos internos e indicar novamente a antiga
senda estreita; para proclamar a existência do “Reino dos Céus”, da iniciação que
admite àquele conhecimento de Deus que é a vida eterna; e para admitir uns poucos a
este Reino que seriam capazes de ensiná-lo a outros.
Em torno da Figura gloriosa reuniram-se os mitos que O ligaram à longa
linhagem dos predecessores, os mitos que em alegorias contam a história de todas as
vidas que à d'Ele se assemelham, pois elas simbolizam a obra do Logos302 no Cosmos e
a mais elevada evolução da alma humana individual.303
Chegamos ao portal secreto dos Mistérios, e erguemos uma ponta do véu que
esconde o santuário.
O Cristo Místico, então, é dual – o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade,
descendo na matéria, e o Amor, ou segundo aspecto do Espírito Divino em
desenvolvimento no homem. Um representa os processos cósmicos acontecidos no
passado e é a raiz do Mito Solar; o outro representa um processo ocorrido no
indivíduo, o estágio conclusivo de sua evolução humana, e acrescentava muitos
detalhes ao Mito. Ambos contribuíram para a história do Evangelho, e juntos formam a
imagem do “Cristo Místico”.
Os Mistérios Femininos
Parte da função dos verdadeiros Mistérios Cristãos era resgatar o Feminino
Divino. O equilíbrio entre o masculino e o feminino em cada pessoa. Só atingindo esse
Cf. HALL, Manly Palmer. “Os Ensinamentos Secretos de Todas as Eras” [6], 1928, Philosophical
Research Society.
301
Cf. BESANT, site citado.
302
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (cf. Jo., 1: 1). Os
iniciados chamam a isso o Logos ou a “Palavra Perdida”, que iniciou a Criação...
303
Cf. BESANT, idem.
300
126
equilíbrio é que a criança divina interior poderia nascer. O Feminino simboliza a alma
desperta e iluminada, o único tipo de alma no qual o divino em nós pode surgir. O
aspecto Amor-Sabedoria enfatizado nos ensinamentos de Cristo Jesus é o Princípio
Feminino em que se manifesta a verdadeira iluminação e em que o Reino do Céu é
alcançado. O Amor é o principal aspecto do Feminino.304
Nas Escrituras, há parábolas e ensinamentos em que aparecem as mesmas
imagens e símbolos, demonstrando que Cristo estava ensinando algum aspecto do
eterno Feminino. Em alguns relatos sobre o nascimento de Jesus, a Sagrada Família
está numa gruta, e não no estábulo. A parábola da noiva. A festa de bodas em Caná. É
a Sabedoria Materna que nos ajuda a recuperar a criança e o Cristo falou muitas vezes
em crianças.305
Poderíamos declarar como mistérios femininos:

A Anunciação a Maria, feita pelo Arcanjo Gabriel, de que ela daria à luz
Jesus, manifestando a visão glorificada e a iluminação que decorrem do
equilíbrio entre o masculino e o feminino;

A Imaculada Concepção (Imaculada Conceição), em que o poder espiritual
da nova visão é impresso no corpo;

O Nascimento Sagrado, em que se manifesta a vontade criativa de Deus, o
despertar vivo de um novo poder;

A Apresentação no Templo (a circuncisão), em que o aspirante é
direcionado à vida espiritual;

A Fuga para o Egito, em que o aspirante é levado a um período de
introspecção em contato com o mundo exterior (o Oriente);

Os Ensinamentos no Templo, em que o iniciado exibe a sabedoria, por
meio da fusão do coração e da mente;

O Batismo pela Água, em que a iniciação se abre à visão plena, com total
compreensão e discernimento, a ponto de enfrentar a tentação que viria a
seguir;

A Tentação, em que o iniciado demonstra toda a coragem e o discernimento
espiritual, conseguindo se livrar do pecado que tentou Eva no paraíso.306
Nas Sagradas Escrituras, a presença do eterno feminino é sutil, formando um
pano de fundo coerente para os ensinamentos de Jesus. O feminino expressa-se em três
aspectos (como nas três pessoas da Santíssima Trindade): na virgindade, na
maternidade e na mulher sábia. São três as mulheres que primeiro sabem da
encarnação de Jesus (Ana, Maria e Isabel), representando os três degraus do
desenvolvimento profético. São também três mulheres, “por coincidência”, a
testemunhar a ressurreição de Jesus, demonstrando sabedoria e suprema coragem
(Maria Madalena, Maria, mãe de Jesus e Joana).
OCCHIUCCI, Vera. “Doce Mistério da Vida”, site citado.
Idem.
306
Cf. OCCHIUCCI, Vera., site citado.
304
305
127
O aspecto intuitivo, feminino, tornou-as mais sensíveis ao poder oculto dos
eventos. Isso fica ainda mais evidente quando os apóstolos se negam a acreditar na
história que elas contam. O aspecto masculino não pode ver com tanta clareza – é o
que se deduz dos textos...
Joana era casada com alto oficial da corte de Herodes e abandona o marido
para seguir novo caminho, deixando a antiga energia masculina para afirmar a própria
sabedoria feminina. Salomé, a mulher de Zebedeu, apresenta os dois filhos a Jesus para
que se tornassem discípulos do Mestre. Maria, mãe de Marcos, abriu a casa em
Jerusalém para Jesus e seus discípulos e foi em sua casa que se realizou a Última Ceia,
o símbolo dinâmico da energia feminina atuando através do serviço ao próximo.
Marta e Maria de Betânia, a primeira uma pessoa prática, refletindo uma
expressão exterior do feminino, e a outra, idealista, simbolizando o interior, foram
necessárias e, portanto, sempre mostradas juntas, assim como juntas viajaram com José
de Arimatéia, ajudando-o a levar o cálice do Graal para novos países.
Verônica, por sua vez, que aparece quando Cristo Jesus está carregando a cruz
para o Gólgota e enxuga o rosto Dele, deixando-o impresso no pano, simboliza a
energia etérica humana que tem de se tornar mais sensível para que a energia do Cristo
se expressasse. Só então a verdadeira visão é recuperada.
As Escrituras nos falam sobre três mulheres que presenciaram a morte de
Jesus, e não há menção de homens celebrando a força que provém das energias
femininas da vida. Isso é evidenciado também na negação de Pedro. A expressão
masculina de amor não foi suficiente para suportar as pressões do mundo exterior. O
amor feminino interior era sempre suficiente e mais forte.
É normal nos perguntarmos porque tantas mulheres nas escrituras têm o nome
Maria. No nível mais esotérico, esse fato tem grande importância, pois nos chama a
atenção para o significado dos Mistérios Femininos. Este nome tem dois significados
predominantes: “myrrh” (mirra) ou, se remontarmos à sua origem, “do mar”. O
elemento água, o mar, para simbolizar o Divino Feminino. Toda a vida surge no mar.
O Grande Oceano do Divino dá nascimento ao universal. Das águas da vida vem o
novo ser.
O fato de depararmos com o nome Maria, várias vezes deveria incitar-nos o
desejo de pesquisar essa questão mais a fundo. Pode ser um nome adotado por um
iniciado e que reflete as energias reverenciadas e honradas por aquela pessoa.
Ainda temos, no caminho para o Gólgota, quando Jesus fala com um grupo de
mulheres em prantos, depois de cair pela segunda vez, o que simboliza o
reconhecimento e a tristeza pela degradação do Feminino Divino, mas também indica
que é preciso extrair força do Feminino, já que o caminho completo da iniciação estava
se abrindo.307
Maria, mãe do Cristo, era, sem dúvida, a mais alta iniciada. Tanto Maria
quanto José eram padrões típicos da expressão espiritual do feminino e do masculino
307
Idem.
128
por meio dos mistérios menores do caminho iniciático. Maria passou por Grandes
Iniciações, a saber:

A iniciação pela água: que envolve um trabalho sobre as emoções, o que
significa que quando as nossas águas emocionais estão controladas, abre-se
a visão espiritual, o que na vida de Maria foi indicado pelo episódio
iniciático da Anunciação;

A iniciação pelo ar: que envolve controle e iluminação consciente da
mente. Trata-se da Cristificação da mente pela qual se transcende o tempo e
o espaço. Ela desperta o “poder do Verbo”. Tal iniciação foi representada
na vida de Maria pelo episódio iniciático de Pentecostes;

A iniciação pelo fogo: que envolve o domínio dos aspectos do desejo da
alma. O fogo pode ser criativo e destrutivo. Pode inspirar ou queimar. Essa
iniciação requer que se aprenda a controlar as forças interiores do nosso
fogo criativo, a Kundalini, para que a mais elevada expressão de luz possa
se manifestar. Isso foi representado na vida de Maria pelo episódio
iniciático da Imaculada Concepção (Imaculada Conceição); e

A iniciação pela terra: que envolve o processo de transmutação dos átomos
físicos de energia através da energia espiritual. É o domínio sobre tudo o
que seja meramente físico. Isso foi simbolizado na vida de Maria pelo
episódio iniciático da Assunção.
Esse aspecto de Maria, como a Grande Iniciada, configura-se por todo o
“Caminho da Cruz”. Ela era a única capaz de caminhar ao lado de Jesus por todo o
trajeto do Gólgota. Era a única capaz de trilhar esse caminho no seu nível mais
elevado e verdadeiro. Ainda temos a sua comunicação com a hierarquia angélica
durante a vida. Cristo move-se de um Logos Solar externo para um Logos Planetário
interior. Maria move-se de um protótipo Feminino interior para a presente energia
Divina exterior. Com o nascimento dos Mistérios de Cristo, começa o processo de
troca de polaridade na expressão da energia.308
O Mitraísmo
Segundo os ateus e céticos, o Cristianismo nada mais seria do que uma seita
derivada do Judaísmo separatista e do Mitraísmo, uma invenção religiosa greco-persa
cujo avatar nasceu de uma virgem a 25 de dezembro, o solstício de inverno, no
calendário Juliano. Sendo uma divindade solar, Mitra seria adorado aos domingos
(“Sunday” é domingo, “dia do Sol”, em inglês) e esse deus era identificado com outra
divindade grega, Hélios, que mantinha um halo de luz sobre a cabeça.
O líder do culto, chamado Papa, governava de um "mithraeum" (um palácio)
na Colina Vaticano em Roma. Uma característica proeminente no Mitraísmo seria uma
grande chave, necessária para destrancar os portões celestiais pelos quais se acreditava
308
Idem. Esse texto adaptado foi um dos mais belos e significativos que encontrei e para mim é uma
honra transcrevê-lo quase na íntegra, adaptando-o à estrutura deste livro...
129
passarem as almas dos defuntos. Parece que as “chaves do Reino”, seguradas pelos
Papas como sucessores de Pedro, derivavam da adoração à Mitra, não a um messias
palestino.
Os padres mitraicos vestiam “miters”, um adorno para a cabeça especial do
qual o chapéu do bispo cristão foi derivado. O nome latino para tal chapéu, “mitra”,
recebeu uma grafia latina aceitável para “Mithra”! Os mitraístas consumiam comida
sagrada (“Myazda”) que era completamente análoga ao serviço eucarístico católico
(presente no ritual da Missa). Como também os cristãos celebravam a morte
reconciliada de um salvador, que ressuscitou num domingo. Naqueles tempos, um
século antes de Cristo, o grande centro principal da filosofia Mitraica ficava em Tarso
– justamente a cidade natal de São Paulo, hoje território a sudeste da Turquia.309
O clero mitraico envolveu-se ativamente na astrologia do culto que era
conhecido como “Magi” (“magoi” em grego), e seus sacerdotes são representados
usando toucas “Phrygian” (pseudo-persas) como se supunha serem usadas por Mitra.
Alguns destes Magos, percebendo que a Era de Mitra estava prestes a terminar
(e que a precessão dos equinócios passaria a Peixes em alguma época durante o
primeiro século da Era Cristã), teriam deixado os seus centros de culto na Phrygia e
Cilícia, o que é agora sudeste oriental da Turquia, de cidades tais como Tarso, para ir
para Palestina e ver se podiam localizar não só o Rei dos Judeus, mas o novo Senhor
do Templo, o senhor da nova Era de Peixes (considerava-se que o signo de Peixes
tinha conexões especiais com os judeus).
É significativo – segundo as correntes céticas – que as antigas representações
da visita dos Magos ao menino Jesus (incluindo a gruta em Belém) os mostravam
usando toucas Phrygian (Mitraicas). Os Magos mencionados no Segundo Capítulo do
Evangelho de Mateus eram sacerdotes – astrólogos mitraicos, provavelmente
exploradores que procuravam o Novo Senhor do Templo que iria reger a “Nova Era de
Peixes”.310
O texto grego foi mal entendido com respeito ao ponto de origem dos Magos e
onde eles estavam quando viram a estrela que motivou sua viagem. A versão do Rei
Jaime conta-nos que “os homens sábios do leste viram a estrela no leste.”
As traduções modernas, porém, tendem a dizer que os homens sábios viram
“sua estrela alçando”. A palavra grega para “leste” pode ser também o nome de um
lugar – Anatólia. Anatólia poderia significar a península inteira da Ásia Menor (a área
chamada Turquia, agora), ou uma província particular da Phrygia. Então parece que em
Mateus 2: 1-2 deve-se de fato ler:
“Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que
vieram uns magos do Oriente [Anatólia] a Jerusalém. E perguntavam: Onde
está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente
[em Anatólia] e viemos para adorá-lo.”
Cf.
ZINDLER,
Frank
R.
“Como
Surgiu
Jesus?”,
disponível
em:
<http://www.str.com.br/Atheos/jesus.htm>.
310
Idem. É necessário assinalar que Mitra e Maitréia, o grande avatar que se espera na Era de Aquário
(astronomicamente fixada para o ano 2.600 a.D.) tem a mesma raiz etimológica...
309
130
Esta visita palestina dos Magos poderia ter sido o catalisador que ativou vários
grupos judeus – e talvez alguns grupos não judeus – a pensar que o Messias311 que eles
esperavam já tinha vindo e não tinha sido notado. Para que isto não pareça muito
forçado, deveria ser notado que até mesmo em nossa própria época sofisticada notícias
da “segunda vinda de Cristo” são de ocorrência regular. Não é irracional supor que em
algum lugar, agora mesmo, exista algum pequeno culto que acredite que Jesus já teria
voltado à terra.312
Enquanto a referência a um ramo de Jessé parecerá obscura aos leitores
modernos, não teria sido obscura aos antigos Judeus tais como aqueles que
compuseram os Manuscritos do Mar Morto (descobertos em 1947) nem teria sido
oculto aos primitivos cristãos. De acordo com o pai da igreja Epifânio, que nasceu em
Chipre em 367 e escreveu um tratado contra os “hereges”, os Cristãos eram chamados
de Jesseanos originalmente, justamente por causa dos laços messiânicos com Jessé e a
casa de Davi.313
A releitura dos Mistérios
Alguns grandes doutores da Igreja construíram notável metafísica, mesclando
os sistemas de Platão e Aristóteles com o Cristianismo. No entanto, faltava a eles
aquilo que o espírito moderno exige, o conhecimento da natureza e a idéia da evolução
psíquica. Mas os sábios iniciados guardavam e conservavam piamente o essencial dos
mistérios: a Gnosis velava, dia após dia, por um crescimento sempre maior do círculo
dos grandes pensadores e dos sábios. A Idade Média viveu por isso uma história de
esplendor e fraternidade espiritual.314
No entanto, é forçoso reconhecer que na medida em que o Cristianismo
reforçava os laços políticos e institucionais com as nações européias em formação, na
medida em que se expandia e se tornava “popular” e “oficial”, descaracterizou-se das
origens, embora super-protegido pela armadura ortodoxa da Igreja católica.
As doutrinas do Cristianismo estavam naquela altura tão firmemente
estabelecidas que a Igreja poderia encarar até uma interpretação simbólica ou mística
sem ansiedade, mas tal não aconteceu. O clero preferiu firmar-se como poder social e
terreno, ao lado da realeza e da aristocracia, como um “Segundo Estado”, entre o
Primeiro (os aristocratas) e o Terceiro (o povo). É certo que no Cristianismo havia
espaço para os ignorantes, mas ele não foi preparado apenas para eles, mas também
para atingir os mais sábios, espertos, engenhosos e sutis.
O nome “Jesus de Nazaré” originalmente não era um nome, mas um título que significava (O)
Salvador, (O) Ramo. Em Hebraico estes teriam sido Yeshua Netser. A palavra ‘Yeshua' significa
'salvador' e ‘Netser” significa 'broto,' 'ramo,' ou 'galho' - uma referência a Isaias 11:1, o qual pensava-se
predizer um messias (lit., 'o ungido') da descendência de Jessé (o pai do Rei Davi): "Do tronco de Jessé
sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo.” E Jessé significava, em hebraico, “presente de Deus”...
312
Idem.
313
Idem.
314
Os que vêem ainda a Idade Média como uma Idade das Trevas estão muito atrasados em termos das
modernas descobertas da historiografia. Ler sobre isso o historiador Henri Pirenne entre outros
medievalistas europeus famosos...
311
131
Aliás, como observa a teósofa Annie Besant, as religiões são ofertadas ao
mundo por homens sábios, com o propósito de estimular a evolução humana. Mas os
homens não estão todos no mesmo nível de evolução, a evolução poderia ser figurada
como uma escala progressiva, com homens em todos os estágios.
Os mais altamente evoluídos estão muito acima dos menos evoluídos, tanto em
inteligência como em caráter; as suas capacidades de entender e de agir também
variam em cada estágio. Portanto, é inútil dar a todos o mesmo ensino religioso: aquilo
que ajudaria o homem intelectualizado seria inteiramente impossível de entender para
o estúpido, enquanto que aquilo que lançaria o santo em êxtase deixaria o criminoso
inabalado315. E a mesma autora assim sintetiza:
“As religiões do mundo são marcadamente semelhantes nos ensinamentos
principais, na existência de Fundadores que apresentam poderes sobrehumanos e extraordinária elevação moral, nos preceitos éticos, no uso de
meios para entrar em contato com os mundos invisíveis, e nos símbolos pelos
quais expressam as crenças principais. Esta similaridade, chegando
em
316
muitos casos até a identidade, prova uma origem comum.”
O Cristianismo, por ter se misturado tão profundamente ao poder temporal, foi
esquecendo com o tempo o ensino místico e esotérico, como também perdendo, a partir
do século XVI, o poder de sedução entre as pessoas mais altamente educadas e
refinadas.
Essa divisão chegou a tal ponto que, num período materialista como o século
XIX, multidões de pessoas inteligentes e de alta moralidade se desviaram da Igreja
católica, porque os ensinamentos que recebiam lá ultrajavam sua inteligência e
chocavam seu senso moral.
É inútil pretender que o agnosticismo, disseminado naquela época, tenha raízes
na falta de moralidade ou na deliberada perversidade da mente de pessoas soberbas.
Qualquer um que estudasse com cuidado o fenômeno logo admitiria que homens de
poderoso intelecto foram levados para fora do Cristianismo pela crueza das idéias
religiosas apresentadas, as contradições nos ensinamentos das autoridades
eclesiásticas, nas concepções sobre Deus, o homem e o universo, que nenhuma
inteligência treinada poderia chegar a admitir.317
Nem pode ser dito que qualquer tipo de degradação moral esteja na raiz da
revolta contra os dogmas da Igreja. Os rebeldes não eram ruins demais para a religião.
Ao contrário, foi a religião que ficou ruim demais para eles. A rebelião contra o
Cristianismo popular foi devida ao despertar e crescimento da consciência; foi a
consciência que se revoltou, assim como a inteligência, contra ensinamentos
desonrosos tanto para Deus quanto para o homem, que representavam o Pai como um
tirano, e o homem como sendo essencialmente mau, obtendo a salvação por submissão
escrava.318
315
Cf. BESANT, site citado.
Idem.
317
Idem.
318
Idem.
316
132
Embora saibamos de diversas classificações sobre os mistérios cristãos, o
ensino popular da Igreja estabeleceu novas demarcações, completamente distantes das
antigas escolas iniciáticas. Assim, de acordo com o Catecismo Romano:
“A palavra grega “mysterion” foi traduzida para o latim por dois termos:
“mysterium” e “sacramentum”. Na interpretação popular,
o
termo
“sacramentum” exprime mais o sinal visível da realidade escondida da
salvação, indicada pelo termo “mysterium”. Neste sentido, Cristo mesmo é o
mistério da salvação, porque “não existe outro mistério de Deus a não ser
Cristo”. Sua obra, expressa por sua humanidade santa e santificante, é o
sacramento da salvação que se manifesta e age nos sacramentos da Igreja
(que as Igrejas do Oriente denominam também “os santos mistérios”). Os
sete sacramentos (o Batismo, o Crisma (a confirmação), a Eucaristia, a
Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio) são, por sua
vez, os sinais e os instrumentos pelos quais o Espírito Santo difunde a graça
de Cristo. A Igreja contém, portanto, e comunica a graça invisível que ela
significa. É neste sentido analógico que ela é chamada também de
“sacramento”.319
O mesmo Catecismo estabelece nove mistérios “oficiais”, deduzidos de trechos
das Sagradas Escrituras. São eles: o Mistério da Criação, o Mistério da Existência do
Mal, o Mistério da Fé, o Mistério da Igreja, o Mistério da Salvação Humana, o
Mistério da Unidade da Igreja, o Mistério de Cristo, o Mistério de Deus e, por fim, o
Mistério do Homem.320
Quer dizer, os antigos mistérios iniciáticos do cristianismo primitivo
transformaram-se em sacramentos, sinais visíveis manipulados por um clero muito
bem treinado na preservação das coisas sagradas. Esses professores do povo eleito
passaram a dividi-los em dois grupos fundamentais: “as coisas encobertas, que
pertencem ao Senhor nosso Deus e as reveladas, que pertencem a nós e a nossos
filhos para sempre.”321
Traduzindo, é Deus quem classifica os mistérios em duas partes: aqueles que só
Ele sabe a resposta, e aqueles que são revelados para nós e para os nossos descendentes
para toda a eternidade.
Os mistérios que pertencem a Deus dizem respeito à salvação do homem
através de Jesus Cristo. Os mistérios que pertencem a nós e aos nossos filhos são
aqueles que dizem respeito ao domínio que o Criador colocou sobre nós para a
pesquisa e o entendimento das leis que regem a Criação. E envolvem uma noção de
progresso: há duzentos anos, por exemplo, ninguém imaginava um meio próprio de se
voar através de uma máquina. Hoje isso é comum. Voar foi um mistério que se
desvendou com o tempo. Agora é uma coisa revelada que pertence a nós e às gerações
futuras para sempre.
319
Cf. Constituição Apostólica Fidei Depositum para a publicação do Catecismo da Igreja Católica,
redigido depois do Concilio Vaticano II.
320
Idem.
321
Cf. Dt., 29: 29.
133
Dentre os muitos mistérios que são do conhecimento exclusivo de Deus
existem três que estão diretamente ligados a nós e à nossa condição espiritual.
O primeiro deles é Lúcifer322. Deus revela Lúcifer como um ser majestoso (sua
vestimenta era de pedras preciosas) e santo (sua habitação era no monte santo de
Deus)323. Era considerado acima de todos os outros anjos, perfeito nos caminhos dele,
enquanto aos outros anjos Deus atribuía imperfeições324.
Como pode um ser tão especial, criado acima dos outros anjos, e vivendo numa
atmosfera onde não se conhecia rebelião ou pecado contra Deus, tornar-se o maior
pecador de toda a História? Como podemos imaginar que Deus Todo-Poderoso criasse
um lugar tão horripilante como o Inferno, que na Idade Média era considerado um
subterrâneo em que as almas penadas e perdidas sofreriam toda a sorte de torturas
físicas, e que os eleitos de Deus ficariam deliciados assistindo a esses suplícios do
Paraíso? De fato, tal mistério é difícil de entender.
Segundo o teólogo Yves Congar325, o mal não é uma coisa, não é uma entidade
absoluta. O mal não é um ser, é uma privação, “um buraco” no ser:
“É essa razão porque não pode haver mal absoluto. O mal não existe senão
nas coisas que, em si, são boas. Por mais desgraçados que sejamos, o fato é
que existimos, e o fato de existir é sempre um bem. Um crime não realiza
a sua maldade moral e social senão em ações positivas que, como tais (por
exemplo, o golpe de uma faca, enquanto tal) são boas e podem ser
notavelmente boas. Nem sequer o demônio é exceção, pois também ele,
enquanto criatura angélica, tem bondade e beleza. Mas é mau, não enquanto
é criatura, mas enquanto não é o que deveria ser.”326
Aliás, conforme outro teólogo, o protestante Philip Yancey327, o mal será
vencido e Deus nos reunirá numa terra restaurada a uma condição semelhante ao seu
estado original:
“Neste mundo, por enquanto, Deus nos permite sofrer o mal. Prédios
desmoronam, placas tectônicas movem-se, vírus proliferam, pessoas más
recorrem à violência. Pelo que conhecemos do caráter de Deus, nenhuma
dessas coisas reflete sua vontade intencional. E para quem crê nas promessas
“Lúcifer” em grego significa “portador da luz”. “Satã” vem do hebraico, significando “oponente”,
“acusador”; ao ser traduzido para o grego, Satã virou “diabolos” que quer dizer “caluniador”. Já a
palavra “demônio” advém do grego “daimon”, que é sinônimo de “deus” em grego arcaico. Seis vezes a
palavra “demônio” aparece na Ilíada e 11 vezes, na Odisséia. Tais demônios não encarnavam nem o bem
nem o mal, eram apenas seres sobrenaturais.
323
Cf. Ez. 28: 13-18.
324
Cf. Jó., 4: 18.
325
Cf. CONGAR, Yves. “O Problema do Mal”, in Deus, O Homem e o Universo (vários autores), op.
cit., p. 692.
326
Cf. CONGAR, op. cit., p. 692.
327
Cf. YANCEY, Philip. O Deus (in)visível: como se relacionar com um Deus que não podemos ver,
ouvir e tocar, p. 258, tradução de Yolanda M. Krievin, São Paulo, Editora Vida, 2001.
322
134
dele, elas também não refletem sua vontade última. Até então, porém,
coisas
ruins inevitavelmente acontecerão durante nossos dias no planeta Terra.”328
No que é completado pelas palavras de Agostinho, quando afirmou: “Deus
julgou melhor realizar o bem a partir do mal do que não sofrer nenhum mal.”329
Nesse sentido, Lúcifer, embora seja um mistério acima de nosso entendimento,
não deixa de ser previsível dentro da própria Criação divina, que está acima de nossa
compreensão.
O segundo mistério seria o casal adâmico: Adão e Eva. Em Gênesis 1: 26-27 é
informado que eles foram criados à imagem de Deus e conforme a semelhança d’Ele.
Em Salmos 8: 4-5 é adicionada a revelação de que a raça humana também fora criada
um pouco menor que o próprio Deus. E em Gênesis 2: 15-17 é revelado que Adão e
Eva foram criados imortais. Como puderam, então, os primeiros pais pecarem contra
Deus, quando não havia nenhuma evidência de maldade neste planeta?
O pecado original com o qual todos nascemos é a privação da santidade e
justiça originais. O pecado introduziria no mundo uma quádrupla ruptura: a ruptura do
homem com Deus, consigo mesmo, com os demais seres humanos e com toda a
criação.
Produto destas rupturas, a conseqüência do pecado original seria a debilitação
da natureza humana, que ficou submetida à ignorância, ao sofrimento, à morte e à
inclinação ao pecado (que seria uma perda de relacionamento normal com Deus).
O homem, tentado pelo Diabo, deixou morrer no coração a confiança no
Criador e, abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Foi nisto que
consistiu o primeiro pecado do homem. Todo pecado, daí em diante, passou a ser uma
desobediência e uma falta de confiança na bondade de Deus. Neste pecado, o homem
optou por si mesmo contra Deus, contrariando as exigências de seu estado de criatura e
conseqüentemente do próprio bem.
A doutrina do pecado original é, por assim dizer, “o reverso” da Boa Notícia de
que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação
e de que a salvação é oferecida a todos graças a Cristo. A Igreja, que tem o senso de
Cristo, sabe perfeitamente que não se pode atentar contra a revelação do pecado
original sem atentar contra o mistério de Cristo.330
O terceiro mistério é Jesus Cristo. O apóstolo João afirma que Jesus é o meio
pelo qual Deus fez a Criação, tanto a física como a espiritual331. O próprio Jesus fala da
sua pré-existência e santidade332. A pergunta aqui é: Como pode Jesus nunca ter
pecado contra Deus?
328
Idem.
Apud. YANCEY, idem, p. 277. Agostinho lançou as bases do “existencialismo cristão” ao decretar
em suas célebres “Confissões” que “ser é um bem”...
330
Cf. Catecismo Romano, site citado.
331
Cf. Jo., 1: 1-4.
332
Cf. Jo., 8: 46 e 58.
329
135
As Escrituras são firmes em afirmar em Hebreus 4:15 que Ele foi tentado em
tudo como nós o fomos, porém não pecou. Elas também afirmam que Ele suou algo
parecido com gotas de sangue caindo sobre a terra. Seria um suor mais grosso, como o
sangue é? Ou teria sido suor misturado com sangue? Não importa o detalhe! O
importante aqui foi a agonia jamais experimentada por outra pessoa333. E a mais
impressionante das revelações acerca de Jesus: “Aquele que não conheceu pecado, ele
(Deus) o fez (Jesus) pecado por nós; para que fôssemos feitos justiça de Deus.”
Este é o terceiro mistério que não podemos entender! Como pode, então, o
Filho de Deus, sabendo tudo o que iria acontecer com ele, determinar não ceder às
tentações que sofreu, permanecer sem pecado, ir à cruz, receber em sua vida os
pecados da humanidade inteira (desde Adão até o último ser humano a nascer) e,
assim, tornar-se pecado (não pecador), para que nós fôssemos feitos justiça de Deus?
Jamais alcançaremos a profundidade de tal mistério.
Para completar esse quadro de informações tão difíceis para o homem
contemporâneo e que revestem o Cristianismo de extensa dimensão de dificuldade,
poderíamos falar do mais intrincado de todos os mistérios: a existência de Deus, uno e
trino, conforme o doce mistério da Santíssima Trindade.
333
Cf. Lc., 22: 44.
136
– 12 –
OS VÉUS DA TRINDADE
“O maior mal do homem é a inquietude
pelas coisas que ele não pode saber.”
Blaise Pascal
“O que não se vê, venera-se mais.”
Tácito
137
Segundo nos lembra o teólogo espanhol católico Inácio Larrañaga334, Deus não
se veste com cores nem cheira a perfumes, não tem peso nem altura e, por conseguinte,
não pode ser apreendido por nossos sentidos vulgares. E por não poder ser detetado
pelos sentidos, Deus não pode passar pelo laboratório da mente e ser submetido a uma
análise e síntese por nossa limitada inteligência.
Se na mente não há nada que não tenha passado previamente pelos sentidos (o
que, aliás, é um “prato cheio” para os materialistas), Deus não pode ser objeto direto da
inteligência, mas objeto de fé. Deus, então, é alguma coisa transcendental, acima do
próprio conhecimento humano e não é para ser “compreendido”, mas para ser
“entendido no vital”.335
Frei João De La Cruz, grande místico e santo da Igreja, referia-se a Deus como
algo que precisa “ser caçado”. Se não é possível caçarmos a Deus através dos sentidos,
então o Pai é mistério, não como segredo ou coisa misteriosa vulgar, mas algo
inacessível à inteligência comum, um ser que não podemos ver “face a face”. Henri de
Lubac, teólogo católico francês, chama nossa atenção para esse busca singular e tão
especial realizada pela criatura:
“Em todos os sentidos, Deus é totalmente diferente. (...) Mesmo que a lógica
nos obrigue a afirmar que Deus existe, seu mistério continua inviolado. Nossa
razão não chega até ele. (...) Nosso espírito já afirma que aquele que é
alcançado pela dialética e pela representação, está além de toda
representação e dialética. E essa afirmação, passando das trevas para a luz e
da luz para as trevas, permanece sempre em pé.”336
Por isso, o verdadeiro crente entrega-se na escuridão e só então começa a
entender o mistério e cultivar a certeza. Há um ditado alemão que bem o diz: “ao pé do
farol é tudo escuro”. Assim é a nossa relação com Deus.
Larrañaga comenta a nossa precária percepção de Deus, que nos obriga a buscar
referências “limitadas” que nos aproximem d’Ele. Indo por um caminho direto,
utilizamos o conceito de “pessoa”, transferindo o conteúdo dessa palavra para o ser
divino. Deus é “pessoa”, mas, ao mesmo tempo, outra coisa diferente, que não é
exatamente “pessoa”. Numa palavra: Deus é absolutamente distinto de nossas idéias,
conceitos e preconceitos, representações e imagens.
Todas as palavras que conhecemos para nomear Deus são usadas no negativo:
“in-finito, in-visível, in-menso, in-compreensível, in-criado, in-nomeado”. As palavras
não o contém, isto é, o Senhor é muito maior, mais admirável e magnífico do que
possamos conceber, sonhar, desejar e imaginar. Como é o Incomparável, só pode ser
assumido na fé e o ato de fé consiste em acolher o mistério na escuridão da noite. Frei
João da Cruz observa:
334
Cf. LARRAÑAGA, Inácio. Mostra-me Teu Rosto, op. cit.
Idem, pp. 83 e 84.
336
Apud. LARRAÑAGA, op. cit., p. 84.
335
138
“Aquele que deverá juntar-se em uma união com Deus não deverá ir
entendendo mas crendo... porque por mais que possamos entender de Deus,
estaremos infinitamente longe Dele.”337
É nesse contexto de dificuldade inicial, relacionado com a nossa quase
impossibilidade de percepção de Deus que tentamos, pé ante pé, despir os véus
impenetráveis do mistério da Santíssima Trindade. Pois ele é tão intrincado e difícil
que gera limites de separação entre várias escolas, denominações e seitas do
Cristianismo.
A tentativa de sua explicação ou solução gerou santidades na Igreja primitiva
(principalmente no movimento patrístico (dos séculos I ao IV), discussões acadêmicas
na Idade Média européia (no movimento chamado “escolástico” dos séculos XI e XII),
bem como gerando munição intelectual para os ateus contestarem a religião cristã (nos
séculos XIX e XX).
Talvez esse segredo mais importante da fé cristã seja revelado por Jesus quando
afirma que Ele e o Pai são uma só Pessoa338. O Pai, o Filho e o Espírito Santo seriam,
então o único Deus – não três deuses, como era fácil de entender no mundo pagão –
mas a mesma natureza divina, desdobrada em Três Pessoas realmente distintas.
Como bem afirma Dennis Covington339, “o mistério não é a ausência de
significado, mas a presença de mais significado do que podemos compreender”.
Assim, a Santíssima Trindade demonstra, em primeiro lugar, que embora nos lancemos
na difícil tarefa de compreensão do Mistério, somos limitados e percebemos que ele
constantemente nos supera mesmo que desejemos manter a fé viva e operativa.
Imaginemos a grande dificuldade que o ser humano tem de compreender um
Ser Invisível de maneira racional, com as circunstâncias limitadoras do mundo
material, que geram a dúvida e a desconfiança? Agora, compliquemos mais ainda,
colocando mais duas Pessoas, o Filho e o Espírito Santo, dispostos num mesmo plano e
como diz tecnicamente a Teologia, “consubstanciais ao Pai”?
Podemos comparar este Mistério com o sol: ele está no céu e produz luz e
calor; a luz e o calor não são distintos do sol. A Trindade é algo parecido: o Filho e o
Espírito Santo são iguais em natureza ao Pai, mas são um só Deus. O Pai é Deus, o
Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Três pessoas e um único Deus.
Todas as coisas criadas foram feitas por Deus, Uno e Trino. Deus criou o
mundo, ainda que a criação seja atribuída ao Pai; Deus realizou a Redenção, ainda que
só a segunda Pessoa – O Filho – se fez homem e morreu na cruz; Deus nos santifica,
ainda que a santificação seja atribuída ao Espírito Santo. Assim, pois, quando
agradecemos a Deus tudo o que fez por nós e em nós, temos de agradecer a Deus Pai, a
Deus Filho e a Deus Espírito Santo340.
337
Apud. LARRAÑAGA, op. cit., pp. 85 e 86.
Cf. Jo., 10: 30.
339
Apud. YANCEY, p. 89.
340
A palavra grega aplicada ao Espírito Santo, “parakletos”, significa “alguém que fica ao lado”, como
um advogado de defesa. O Espírito Santo nos ajudaria em nossa fraqueza, porque não sabemos orar.
338
139
De acordo com Yancey, o Pai é santo, assustador e merecedor de nossa
adoração. É o Princípio Transcendente da Sabedoria, o Ser Majestoso que deseja
contato com a humanidade falha; o Filho é o maior Amigo do homem e deve ser
seguido por ele pelo resto da vida num novo estágio de intimidade e o Espírito Santo,
por sua vez, seria o Consolador do homem, Deus vivendo dentro do homem (como
aliás é reivindicado pelas seitas gnósticas e esotéricas).
No mundo invisível, que tanto nos leva à descrença e ao medo, três pessoas
podem ser Deus: a Idéia (o Pai); a Expressão (o Filho, na história e na vida humana) e
o Reconhecimento (o Espírito Santo como máxima energia espiritual que nos
conforta).341
Aqui na Terra sabemos que Deus está em nossa alma em estado de graça e que
a vida cristã é uma luta constante para evitar o pecado. Se formos fiéis e nos
esforçamos por amar a Deus cada vez mais, Ele nos concederá a maior coisa que
poderíamos desejar: vê-Lo face a face, tal como Ele é.
O grande prêmio do céu consiste em ver a Deus: contemplar, louvar, amar e
gozar por toda a eternidade da Trindade. Toda a grandeza, toda a beleza, toda a
bondade de Deus volta-se sobre as pobres criaturas que somos cada um de nós. No céu,
conforme ensina a Igreja católica, “veremos” a Santíssima Trindade.
No monte Sinai, Moisés pediu para ver o rosto de Deus e o Senhor lhe
respondeu que nenhum homem poderia vê-Lo sem morrer. Não obstante, no céu, a
alma terá a possibilidade de perceber o que Moisés quis ver na Terra: a majestade de
Deus.
No entanto, como lembra Yancey, para ver como Deus é, basta simplesmente
olhar para Jesus, cujo passo final foi a revelação criativa de Deus na fruição de
Pentecostes, quando o Pai estabeleceu residência nos seres humanos. O mesmo
Espírito, que na Criação pairava sobre as águas e na face do abismo, é reconhecido
quando “desce sobre nós”, como ato divino da Criação, atingindo o ponto de maior
beleza e altitude.342
Deus nos ama de maneira incrível: criou-nos por amor, perdoou nossos pecados
morrendo por nós e vive em nossa alma em estado de graça, preparando-nos um novo
lugar: o céu eterno. Deixou-nos a Igreja e os Sacramentos para que possamos
facilmente saber o que temos de fazer e viver sempre como bons cristãos, sendo cada
vez mais santos343. Temos de corresponder a tanto amor e a vida cristã precisa ser um
constante louvor à Trindade Santa.
Então, o Espírito passa a fazer parte de nós e, com isso, Deus torna-se uma presença viva, permeando
tudo o que vemos e fazemos. Cf. YANCEY, pp. 146 e 147.
341
Cf. YANCEY, pp. 117 a 139.
342
Cf. YANCEY, p. 119.
343
Um outro preceito de Jesus que permanece como "um ditado rude" para seus seguidores é: "Sede
perfeitos, assim como vosso Pai no céu é perfeito" (Mt., 5: 48). O Cristão comum sabe que
possivelmente não conseguirá obedecer a este mandamento; cheio como está com as fragilidades e
fraquezas humanas, como poderá ser perfeito como Deus é perfeito? Vendo a impossibilidade da meta
posta diante dele, o cristão discretamente a põe de lado, e não pensa mais nisso. Mas vista como o
esforço coroador de muitas vidas de melhoras constantes, como o triunfo do Deus interno sobre a
140
O termo “Trindade” não se encontra na Bíblia, pois é o nome dado pela igreja
cristã à doutrina que define a personalidade de Deus na Bíblia, onde Deus é: o Pai, o
Filho e o Espírito Santo344. Por isso, aqueles que professam este dogma se referem a
Deus como Uno e Trino. Ainda segundo os defensores da doutrina trinitária, ao longo
da Bíblia há várias passagens que revelam a natureza divina da Trindade, e até a
personalidade de cada uma das três pessoas divinas:

Um dos exemplos mais referidos é o relato sobre o batismo de Jesus, em
que as chamadas “três pessoas da Trindade” se fazem presentes, com a
descida do Espírito Santo sobre Jesus, sob a forma de uma pomba, e com a
voz do Pai Celeste dizendo: “Tu és o meu Filho amado, em ti me
comprazo”; na fórmula tardia de Mateus: “Portanto ide, fazei discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo”;

no que concerne à divindade de Deus-Filho, referem-se, por exemplo, a sua
onisciência, onipotência, a sua onipresença, ao fato de perdoar os pecados e
ser dador da vida em íntima unidade, porém diferenciando as pessoas: “Eu
e o Pai somos um”. Contudo, mais do que estas simples passagens isoladas,
a afirmação da plena divindade de Jesus é o resultado da reflexão, na Fé,
sobre a sua missão redentora contida nas Escrituras – pois a sua
personalidade divina e humana nunca foi seriamente posta em descrédito
pela igreja cristã seja ela católica ou protestante;

no que concerne à divindade do Espírito Santo, os trinitarianos reportam-se,
por exemplo, à passagem bíblica que o chama de Deus em Atos, a sua
onisciência, a sua onipotência, a sua onipresença e sobretudo ao fato de ser
Espírito “de” verdade e “de” vida, prerrogativas que, tais como as
apresentadas para Deus-Filho, segundo a Bíblia são única e exclusivamente
divinas.
A primeira formulação dogmática do pensamento teológico cristão trinitário, no
que concerne à relação entre cada uma das três Pessoas divinas, foi postulada como um
artigo de fé pelo credo de Nicéia (proclamado em 325, no Concílio de Nicéia), mas,
embora a Igreja anuncie e ensine o mistério da Santíssima Trindade com base em
citações bíblicas, desencoraja uma profunda investigação no sentido de querer decifrálo.
Santo Agostinho esforçou-se exaustivamente por compreender e desvendar este
enigma. Após muito tempo de reflexão e trabalho, chegou à conclusão de que nós,
devido à nossa mente extremante limitada, nunca poderíamos compreender e assimilar
plenamente a dimensão (infinita) de Deus somente com as nossas próprias forças e o
nosso raciocínio. Concluiu que a compreensão plena e definitiva deste grande enigma
natureza inferior, nos Mistérios aquelas virtudes são adquiridas. Cf. BESANT, Annie, “O Cristianismo
Esotérico Ou Os Mistérios Menores”, site citado.
344
Conforme nos explica Jacques Maritain: “O Espírito Santo é a Alma da Igreja, porque é o princípio
primeiro de sua vida; habita no fundo do coração de seus membros “vivos”; inspira e dirige, ele, o
Espírito do Cristo, o comportamento deste grande Corpo através da história humana.”, in A Igreja de
Cristo, a Pessoa da Igreja e seu Pessoal, p. 28, tradução da Abadia de Nossa Senhora das Graças, Rio
de Janeiro, Livraria Editora Agir, 1972.
141
só é possivel quando, na vida eterna, nos encontrarmos no Paraíso com o Pai, o Filho e
o Espírito Santo.
As três pessoas da Santíssima Trindade estabelecem uma comunhão e união
perfeitas, formando um só Deus, e constituem um perfeito modelo transcendente para
as relações interpessoais:

O Pai, a primeira pessoa da Trindade, é considerado como o pai eterno e
perfeito. É atribuído a esta pessoa divina a criação do mundo;

O Filho procede do Pai e é eternamente consubstancial (pertencente à
mesma natureza e substância) a Ele. Não foi criado pelo Pai, mas gerado na
eternidadade da substância do Pai. Encarnou-se em Jesus de Nazaré,
assumindo assim a natureza humana: a Ele é atribuída a redenção (salvação)
do mundo;

O Espírito Santo, procedendo do Pai e do Filho, personaliza o Amor íntimo
e infinito de Deus sobre os homens, tornando-os unidos num só Corpo e é
considerado como o puro nexo de amor. Atribui-se a esta pessoa divina a
santificação da Igreja e do mundo com os seus dons.
Jesus Cristo ensinou inclusive que nenhum pecado é maior que aquele contra o
Espírito Santo345.
Críticas à doutrina da Trindade346
Várias denominações cristãs e outras religiões, como o Islã e o Judaísmo,
discordam da doutrina da Santíssima Trindade, isto é, da afirmação de que o Único
Deus revela-se em três pessoas divinas distintas. A “visão unicista” de Deus entende
“haver apenas um Único Deus”, a Pessoa Divina de Jesus Cristo, que se teria
manifestado como Deus Pai na criação, Deus Filho na Redenção e Divino Espírito
Santo nos dias atuais. Ou seja, um Deus Único em três manifestações temporais.
Alguns movimentos que, embora não sejam reconhecidos como cristãos pelas
grandes denominações afirmam que a Trindade é fruto da importação de conceitos
religiosos pagãos347, e ainda uma fabricação teológica da Igreja romana, no Século IV.
A este respeito, porém, é hoje consensual entre os especialistas em História das
Religiões que em especial nas religiões egípcias e no hinduísmo não encontramos a
afirmação da subsistência de um Deus em três Pessoas distintas, mas tão só a reunião
de três deuses distintos ou de três avatares, respectivamente.348
Quanto à datação da doutrina da Trindade como tendo surgido somente no
século IV, as práticas sacramentais e os escritos cristãos dos três primeiros séculos –
sobretudo Orígenes, Teófilo de Antioquia, Justino, Hipólito e Tertuliano, na opinião de
345
Cf. Mt., 12: 31-32.
Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%ADticas_%C3%A0_doutrina_da_Trindade.
347
Os cultos antigos receberam a denominação pejorativa de “pagãos” (“pagani”, plural de “paganu”,
“morador do campo”), por ter como foco de resistência à nova religião o povo dos campos, longe das
cidades e das zonas de comércio e ensino.
348
Cf. PUECH, Henri-Charles. “Histoire des Religions”, Konemann Verlag, 1999.
346
142
muitos, são testemunhos suficientes para se ser ter uma posição de grande cautela,
senão mesmo de rejeição, quanto à veracidade dessa afirmação349.
Na opinião destes últimos, se a formulação dogmática da referida doutrina só
foi postulada no decorrer dos grandes concílios ecumênicos do referido século IV,
crêem que a crença pode ter sido firmada anteriormente, reportando-se a sua gênese
aos próprios escritos do Novo Testamento.
Outro ramo entende haver “um Deus e um Senhor”, nas figuras de Jesus Cristo
como Senhor dos Exércitos e de Deus, o Pai Criador e sustentador do Universo.
Segundo os defensores desta ideia, há vários textos bíblicos indicando a existência de
somente um único Deus. Estes ainda defendem que os textos bíblicos não tratam
diretamente da adoração a uma Trindade pelo que esta deveria ser dirigida somente a
um Deus único.
As Testemunhas de Jeová e os Adventistas rejeitam o dogma da
SantíssimaTrindade como tendo um sentido anti-bíblico, ou seja, pagão. Argumentam
que existe apenas um só Deus verdadeiro, considerado o Deus Todo-poderoso. As
Testemunhas, por seu turno, argumentam que a nação de Israel não acreditava na
Trindade, que era popular entre babilônios e egípcios. Para eles, o plural do nome em
hebraico, Elohim, é o plural majestático ou de excelência. Não dá a idéia de pluralidade
de pessoas.
As Testemunhas (também auto-denominadas “Torres da Vigia”) explicam que
o idioma grego não possui ‘plural majestático ou de excelência’. Assim, os tradutores
do hebraico para o grego teriam empregado “ho-theos” (Deus, no singular) como
equivalente a “Elohim”. Afirmam que quando Jesus responde aos Escribas sobre o
principal dos mandamentos, exclama: “Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único
Senhor!350, em que se emprega o singular em grego.
O Filho de Deus é encarado como “ser Divino”, poderoso ou “Deus”. Não o
consideram como sendo o Deus Todo-poderoso, mas uma pessoa distinta Dele, sendo
“a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a Criação”351.
Aquele que mais tarde se tornou verdadeiramente homem, o Jesus de Nazaré,
chamado de Cristo (Messias), teria uma existência pré-humana como filho
“Unigênito”, por ter sido o único criado diretamente de Jeová-Deus e sendo o seu
porta-voz. Na sua existência pré-humana, as Testemunhas crêem que Ele era o Arcanjo
Miguel, o principal ou líder dos anjos de Deus e que teve papel importante na Criação,
como mestre-de-obras ou arquiteto de Deus352.
Assim, Jesus enquanto humano, jamais deu consideração à idéia de ser igual ao
Pai, o Deus Todo-poderoso. O próprio Jesus Cristo terá deixado bem claro a ideia de
que “o Pai é maior do que eu”353. Após a sua ressurreição e ascensão ao Céu,
349
Cf. ELIADE, Mircea. "Traité d'histoire des religions", 2004.
Cf. Mc., 12:29, onde se reproduz uma resposta de Jesus em que Ele citou o mesmo preceito inscrito
em Deuteronômio 6:4.
351
Cf. Cl., 1: 15.
352
Cf. Pv., 8: 30.
353
Cf. Jo., 14: 28.
350
143
continuou lealmente sujeito ao Pai e Deus Todo-poderoso, pois “a cabeça de todo
homem é o Cristo; por sua vez, a cabeça da mulher é o homem; por sua vez, a cabeça
do Cristo é Deus”354.
No fins dos tempos, Ele seria designado juiz e governante do Reino
Messiânico e, no término do seu reinado, “quando todas as coisas lhe tiverem sido
sujeitas, então o próprio Filho também se sujeitará Àquele que lhe sujeitou todas as
coisas, para que Deus seja todas as coisas para com todos.”355
Entendem, ainda, que o Espírito Santo não é uma Pessoa Divina. É apenas a
força ativa que procede de Deus. Crêem que a personificação do Espírito Santo,
encontrada em alguns versículos bíblicos, não provam que seja uma divindade, mas
apenas figura de linguagem.
Argumentam que em parte alguma das Escrituras se dá um nome pessoal ao
Espírito Santo, mas nos dão o nome pessoal do Pai-Jeová e do Filho-Jesus Cristo.
Citam Atos 7: 55, 56, que relata que Estêvão recebeu uma visão do céu, onde viu
“Jesus em pé à direita de Deus”, mas não diz ter visto o Espírito Santo.356
Por sua vez, os pioneiros adventistas disseram que a doutrina da Trindade foi
trazida para a Igreja Católica ao mesmo tempo em que a adoração de imagens, e que a
celebração da guarda do Domingo não é mais do que a doutrina dos persas remodelada.
A Trindade seria um louvor à guarda do domingo, chegando-se ao ponto de
James White afirmar, em 1855, que a doutrina da Trindade acabava com a
personalidade de Deus e de seu Filho, Jesus Cristo. Disse ainda que os grandes
reformadores, se tivessem continuado, não teriam deixado nenhum vestígio das falsas
doutrinas, inclusive a Trindade (1856).
Outro fundador adventista, J. N. Andrews incluiu a crença na Trindade entre as
doutrinas espúrias que compunham o vinho de Babilônia (1855) e D. W. Hull, por seu
turno, afirma que tal doutrina foi invenção do “homem do pecado” usando como
referência a passagem bíblica II Tessalonicenses, Capítulo 2 (1859).
Uriah Smith, outro pioneiro que atuou na presidência da Conferência Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia, e também como editor chefe da Review and Herald por
mais de cinquenta anos, disse:
“O Espírito Santo é o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo,
sendo
o
Espírito o mesmo quando se fala de Deus ou de Cristo.
Mas com relação a este
Espírito, a Bíblia emprega expressões
que não podem harmonizar-se com a idéia
de que seja uma
pessoa, tal como o Pai e o Filho.” (Review and Herald, 1890)
354
Cf. 1 Co., 11: 3.
Cf. 1 Co., 15: 28.
356
Embora o texto bíblico ateste que Estêvão estava “cheio do Espírito Santo” (cf. At., 6: 55), antes de
ser apedrejado até a morte, sob o consentimento de Saulo (que na época perseguia os cristãos, antes da
revelação no caminho de Damasco).
355
144
Já William White, filho de Ellen Gould White, era contrário a essa doutrina e
dizia que muitas pessoas se utilizavam dos escritos de sua mãe para interpretações
errôneas.
Segundo Ellen G. White, o Pai e o Filho empenharam-Se na grandiosa e
poderosa obra que tinham planejado – a criação do mundo. A Terra saiu das mãos do
Criador extraordinariamente bela. Depois que a Terra foi criada, com sua vida animal,
o Pai e o Filho levaram a cabo Seu propósito, planejado antes da queda de Satanás, de
fazer o Homem à própria imagem. Eles tinham operado juntos na criação da Terra e de
cada ser vivente sobre ela. E agora, disse Deus a Seu Filho: “Façamos o Homem à
nossa imagem, conforme a nossa semelhança. (Gênesis 1:26)”.357
– QUADRO 4 –
A BÍBLIA E A TRINDADE
ARGUMENTOS BÍBLICOS
A FAVOR DA TRINDADE
ARGUMENTOS BÍBLICOS
CONTRA A TRINDADE
“E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o “No princípio, criou Deus os céus e a
meu Filho amado, em que me comprazo.” (Mt., terra.” (Gn., 1: 1);
3: 17);
“Por isso vos declaro: todo pecado
e
blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a
blasfêmia contra o Espírito não será perdoada.
Se alguém proferir alguma palavra contra o
Espírito Santo, não lhe será isso perdoado,
nem neste mundo nem no porvir.” (Mt., 12: 3132);
“Eu sou o Senhor, teu Deus, que te
tirei da Terra do Egito, da casa da
servidão. Não terás outros deuses
diante de mim.”
(Ex., 20: 2-3);
“Ouve, ó Israel, o SENHOR, nosso
Deus, é o único SENHOR.” (Dt., 6:
“Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: 4);
Toda a autoridade me foi dada no céu e na
terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas “O SENHOR me possuía no início de
as nações, batizando-os em nome do Pai, do sua obra, antes de suas obras mais
Filho e do Espírito Santo.”
antigas. (...) Quando ele preparava os
(Mt., 28: 18-19);
céus, aí estava eu; (...) então, eu
estava com ele e era seu arquiteto...”
“... e o Espírito Santo desceu sobre ele em (Pv., 8: 22, 27 e 30);
forma corpórea como pomba; e ouviu-se uma
voz do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti me “Assim diz o SENHOR, Rei de Israel,
comprazo.” (Lc., 3: 22);
seu Redentor, o SENHOR dos
Exércitos: Eu sou o primeiro e eu sou
“Todo aquele que proferir uma palavra contra o último, e além de mim não há
357
Cf. WHITE, Ellen G. História da Redenção, p. 20. A passagem bíblica referida, Gn. 1: 26 não
menciona a comunicação direta entre Deus e seu Filho nessa época, portanto tal afirmação não é bíblica,
representa, na verdade, uma “fantasia psíquica” da autora.
145
o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; Deus.” (Is., 44: 6)
mas para o que blasfemar contra o Espírito
Santo, não haverá perdão.”
“O SENHOR será Rei sobre toda a
(Lc., 12: 10);
terra; naquele dia, um só será o
SENHOR, e um só será o seu nome.”
“Porque o Espírito Santo vos ensinará, (Zc., 14: 9);
naquela mesma hora, as coisas que deveis
dizer.”
“Respondeu Jesus: O principal é:
(Lc., 12: 12);
Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus,
é o único Senhor!”
“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro (Mc., 12: 29);
Consolador, a fim de que esteja para sempre
convosco, o Espírito da verdade, que o mundo “No princípio era o Verbo, e o Verbo
Não pode receber, porque não no Vê, nem o estava com Deus, e o Verbo era Deus.
conhece; vós o conheceis, porque ele habita Ele estava no Princípio com Deus. (...)
convosco e estará em vós.” (Jo., 14: 16-17)
E o Verbo se fez carne e habitou entre
nós, cheio de graça e de verdade, e
“... mas o Consolador, o Espírito Santo, a vimos a sua glória, glória como do
quem o Pai enviará em Meu nome, esse vos unigênito do Pai. (...) Ninguém jamais
ensinará todas As coisas e vos fará lembrar de viu a Deus; o Deus unigênito, que está
tudo O que vos tenho dito.” (Jo., 14: 26);
no seio do Pai, e quem o revelou.”
(Jo., 1: 1, 2, 14 e 18);
“Quando, porém, vier o Consolador, que eu
vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da “Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crerverdade, que dele procede, esse dará me que a hora vem, quando nem neste
testemunho de mim.” (Jo., 15: 26);
monte, nem em Jerusalém adorareis o
Pai. (...) Mas vem a hora e já chegou,
“Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós em que os verdadeiros adoradores
não o podeis suportar agora; quando vier, adorarão o Pai em espírito e em
porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a verdade; porque são estes que o Pai
toda verdade; porque não falará por si mesmo, procura para seus adoradores. Deus é
mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos espírito; e importa que os seus
anunciará as coisas que hão de vir.” (Jo., 16: adoradores o adorem em espírito e em
12-13);
verdade.”
(Jo., 4: 21, 23 e 24);
“E, comendo com eles, determinou-lhes que
não se ausentassem de Jerusalém, mas que “Ouvistes que eu vos disse: vou e
esperassem a promessa do Pai, a qual, disse volto para junto de vós. Se me
ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade, amásseis alegrar-vos-íeis de que eu vá
batizou com água, mas vós sereis batizados para o Pai, pois o Pai é maior do que
com o Espírito Santo, não muito depois desses eu.”
dias. Então, os que estavam reunidos lhe (Jo., 14: 28);
perguntaram: Senhor, será este o tempo em
que restaures o reino a Israel? Respondeu- “E a vida eterna é esta: que te
lhes: Não vos compete conhecer tempos ou conheçam a ti, o único Deus
épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
autoridade; mas recebereis poder, ao descer enviaste.”
sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas (Jo., 17: 3);
testemunhas tanto em Jerusalém como em toda
a Judéia, a Samaria e até aos confins da
146
terra.” (At. 1: 4-8).
“Recomendou-lhe Jesus: Não me
detenhas; porque ainda não subi para
“Então, disse Pedro: Ananias, por que encheu meu Pai, mas vai ter com os meus
Satanás teu coração, para que mentisses ao irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai
Espírito Santo, reservando parte do valor do e vosso Pai, para meu Deus e vosso
campo? (At., 5: 3);
Deus.” (Jo., 20: 17);
“Agora, pois, já nenhuma condenação há para
os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do
Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da
lei do pecado e da morte.”
(Ro., 8: 1-2);
“... e disse: Eis que vejo os céus
abertos e o Filho do Homem, em pé à
destra de Deus.”
(At., 7: 56);
“Porque, ainda que há também alguns
“Digo a verdade em Cristo, não minto, que se chamem deuses, quer no céu ou
testemunhando comigo, no Espírito Santo, a sobre a terra, como há muitos deuses e
minha própria Consciência;” (Ro., 9: 1);
muitos senhores, todavia, para nós há
um só Deus, o Pai, de quem são todas
“Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; as coisas e para quem existimos; e um
porque o Espírito a todas as coisas prescruta, só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são
até mesmo as profundezas de Deus. Porque todas as coisas, e nós também, por
qual dos homens sabe as coisas do homem, ele.” (1 Co., 8: 5 e 6);
senão o próprio espírito que nele está? Assim,
também as coisas de Deus, ninguém as “Quero, entretanto, que saibas ser
conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós Cristo o cabeça de todo homem, e o
não temos recebido o espírito do mundo e sim homem, o cabeça da mulher, e Deus, o
o Espírito que vem de Deus, para que cabeça de Cristo.” (1 Co., 11: 3);
conheçamos o que por Deus nos foi dado
gratuitamente.”
(1 Co., 2: 10,11, 12);
“No Senhor, todavia, nem a mulher é
“Por isso, vos faço compreender que ninguém independente do homem, nem o
que fala pelo Espírito de Deus afirma: homem, independente da mulher.
Anátema, Jesus! Por outro lado, ninguém pode Porque, como convém a mulher do
dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito homem, assim também o homem é
Santo. Ora os dons são diversos, mas o nascido da mulher; e tudo vem de
Espírito é o mesmo. (...) A manifestação do Deus.”
Espírito é concedida a cada um visando a um (1 Co., 11: 11-12);
fim proveitoso. (...) Mas um só e o mesmo
Espírito
realiza
todas
essas
coisas, “Porque todas as coisas sujeitas
distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, debaixo dos pés. E, quando diz que
individualmente.”
todas as coisas lhe estão sujeitas,
(1 Co., 12: 3, 7 e 11)
certamente, exclui aquele que tudo lhe
subordinou. Quando, porém, todas as
“Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o coisas lhe estiverem sujeitas, então, o
Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (2 Co., próprio Filho também se sujeitará
3: 17);
àquele que todas as coisas lhe
sujeitou, para que Deus seja tudo em
“A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de todos.” (1 Co., 15: 27-28);
Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam
com todos vós.”
“Ele é a imagem do Deus invisível, o
147
(2 Co., 13: 13);
“... para que o Deus de nosso Senhor Jesus
Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de
sabedoria e de revelação no pleno
conhecimento dele, (...) acima de todo
principado, e potestade, e poder, e domínio, e
de todo nome que se possa referir não só no
presente século, mas também no vindouro.”
(Ef., 1: 17 e 21);
primogênito de toda a criação.” (1
Co., 1: 15);
“Exorto-te, perante Deus, que
preserva a vida de todas as coisas, e
perante Cristo Jesus, que diante de
Pôncio Pilatos fez a boa confissão,
que guardes o mandato imaculado,
irrepreensível, até a manifestação de
nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em
suas épocas determinadas, há de ser
revelada pelo bendito e único
Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos
senhores; o único que possui
imortalidade, que
“... não por obras de justiça praticadas por
nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos
salvou mediante o lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo, que ele derramou
sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo,
nosso Salvador, a fim de que, justificados por
graça nos tornemos seus herdeiros, segundo a habita em luz inacessível, a quem
esperança da vida eterna.” (Tt., 3: 5, 6 e 7);
homem algum jamais viu, nem é capaz
de ver. A ele honra e poder eterno.
“Assim, pois, como dizo Espírito Santo: Hoje, Amém.”
se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso (1 Tm., 6: 13, 14, 15 e 16);
coração como foi na provocação, no dia da
tentação no deserto, onde os vossos pais me “Bendito o Deus e Pai de nosso
tentaram, pondo-me à prova, e viram as Senhor Jesus Cristo, que, segundo a
minhas obras por quarenta anos.”
sua muita misericórdia, nos regenerou
(Hb., 3: 7-10);
para uma viva esperança, mediante a
ressurreição de Jesus Cristo dentre os
“Foi a respeito desta salvação que os profetas mortos.”
indagaram e inquiriram, os quais profetizaram (1 Pe., 1: 3);
acerca da graça a vós outros destinada,
investigando, atentamente, qual a ocasião ou “Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no
quais as circunstâncias oportunas, indicadas santuário do meu Deus, e daí jamais
pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao sairá; gravarei também sobre ele o
dar de antemão testemunho sobre os nome do meu Deus, o nome da cidade
sofrimentos referentes a Cristo e sobre as do meu Deus, a nova Jerusalém que
glórias que os seguiram. A eles foi revelado desce do céu, vinda da parte do meu
que, não para si mesmos, mas para vós outros, Deus, e o meu novo nome.” (Ap., 3:
ministravam as coisas que, agora, vos foram 12);
anunciadas por aqueles que o Espírito Santo
enviado do céu, vos pregaram o evangelho, “... e clamavam em grande voz,
coisas essas que anjos anelam prescrutar.” (1 dizendo: Ao nosso Deus, que se
Pe., 10: 11 e 12);
assenta no trono, e ao Cordeiro,
pertence a salvação.” (Ap., 7: 10);
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas: ao vencedor, dar-lhes-ei que se “Então me mostrou o rio da água da
alimente da árvore da vida que se encontra no vida, brilhante como cristal, que sai
paraíso de Deus. (...) Quem tem ouvidos, ouça do trono de Deus e do Cordeiro. (...)
o que o Espírito diz ás igrejas: O vencedor de Nunca
mais
haverá
qualquer
nenhum modo sofrerá dano da segunda morte. maldição. Nela estará o trono de Deus
148
(...) Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito e do Cordeiro. Os seus servos o
diz
servirão, contemplarão a sua face, e
na sua fronte está o nome dele. Então,
às igrejas; Ao vencedor, dar-lhes-ei do maná já não haverá noite, nem precisam
escondido, bem como lhe darei uma pedrinha eles de luz
branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome
novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele de candeia, nem da luz do sol, porque
que o recebe. (...) Quem tem ouvidos, ouça o o Senhor Deus brilhará sobre eles, e
que o Espírito diz às igrejas.” (Ap., 2: 7, 11, reinarão pelos séculos dos séculos.”
17 e 29);
(Ap., 22: 1, 3, 4 e 5).
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas. (...) Quem tem ouvidos, ouça o que
o Espírito diz às igrejas. (...) Quem tem
ouvidos, ouça o
que o Espírito diz às igrejas.”
(Ap., 3: 6, 13 e 22).
A expressão “Espírito Santo”358, completa ou com os termos separados, é
mencionada 260 vezes nas páginas do Novo Testamento. O Espírito Santo, como
vimos, é o Consolador divino, enviado por Deus para habitar conosco. Sua presença e
atuação em nossa vida é como um Fogo, um agente de purificação que destrói todo o
pecado.
Nas principais correntes do Cristianismo, o Espírito Santo é uma pessoa da
Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho. Nas igrejas Unitárias, nas Testemunhas de
Jeová, e em outras denominações cristãs que não aceitam a doutrina da Santissíma
Trindade, o Espírito Santo seria somente uma força ativa, uma energia que procede de
Deus, mas não uma “pessoa” Divina. Para a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias, conhecida popularmente como “Mórmons”, o Espírito Santo seria um
personagem de espírito, terceira pessoa da Deidade, no entanto separado e distinto do
Pai e do Filho.
Os Cristãos crêem que é o Espírito Santo que conduz as pessoas à fé em Jesus
Cristo e aquele que lhes dá a capacidade para viver uma existência verdadeiramente
cristã. Ele é descrito como “ajudador”, guiando-os no caminho da verdade. O “Fruto
do Espírito” (isto é, o resultado da sua influência) é “amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade”359. Ele também concede dons
A palavra hebraica presente na Bíblia para espírito é “ruwach”, que significa vento, fôlego,
inspiração; o substantivo é feminino e assim conhecido no Cânticos dos Cânticos, o mais antigo hinário
cristão. A palavra grega para espírito, “pneuma”, não tem gênero gramatical e o Espírito Santo é
traduzido para o masculino apenas em línguas como o Latim, suas derivações e o Inglês.
359
Cf. Gl., 5:22.
358
149
(habilidades) aos cristãos, tais como profecia, línguas e conhecimento, embora alguns
acreditem que isto apenas tenha ocorrido nos tempos do Novo Testamento.
Os movimentos Pentecostal e Neo-pentecostal, porém, colocam ênfase nas
obras do Espírito Santo, em especial nos dons, acreditando que estes são até hoje
concedidos. Os Pentecostais crêem que é Jesus quem batiza com o Espírito Santo e que
isto se evidencia pelo falar línguas estranhas.
Uma parte minoritária dessas Igrejas afirma que esse é o verdadeiro sinal do
Cristianismo numa pessoa, ou seja, que até o fiel ter experimentado esse batismo não
pode ter certeza plena da própria salvação.
O Espírito Santo trabalharia como nos bastidores de um filme, como
colaborador que não precisa aparecer ou ser evidenciado pelo resultado exterior.
Alguém que não se importa em ser comentado, que deixa a glória da obra para Outro e
que trabalha, dia e noite sem parar, para o bem de todos.
Alguém sempre pronto a ajudar, a orientar, que vai dizendo ao cristão o que
fazer em momentos de dúvida, medo e temor360. Esse Alguém existe, e, embora não
possamos vê-Lo, é real, tão real como o vento que agita as águas. Quando O
conhecemos, nos apaixonamos, pois Ele é extremamente atencioso, e doce, é Alguém
com quem você pode se abrir e contar em toda e qualquer situação.361
Por fim, podemos trazer à luz uma última controvérsia, sutil, mas não menos
importante, que divide católicos e protestantes. Os primeiros consideram que a obra do
Espírito Santo continua sendo executada em nossos dias, apesar da pós-modernidade.
Conforme o movimento carismático “Canção Nova”, o Espírito Santo é
necessário em nossos dias, colocando o fenômeno de Pentecostes como uma
necessidade vital e cotidiana, mantendo a coragem e a intrepidez da missão confiada
pelo Senhor: “evangelizar até os confins do mundo.”362
Por outro lado, para os protestantes, o Espírito Santo não apenas guiou os
apóstolos para toda a verdade, mas confirmou a palavra que proferiram por meio dos
milagres. Esses milagres limitaram-se, todavia, ao período apostólico.
Quando a revelação da vontade de Deus se completou e foi escrita (antes de 70
d.C.), a palavra já tinha sido confirmada363 e cada sinal ou milagre necessário foi
registrado364. A palavra está completa e não há necessidade de haver sinais miraculosos
hoje365.
360
Nesse sentido, o teólogo Philip Yancey comenta que a Bíblia contém 365 mandamentos que dizem:
“Não tema”, a ordem mais repetida na Bíblia, para nos lembrar diariamente que enfrentaremos
dificuldades que podem naturalmente causar medo. Cf. YANCEY, op. cit., p. 75.
361
Cf. GONÇALVES, Luiz, disponível em: http://oespiritosanto.blogspot.com/.
362
Cf. FIUZZA, Geraldo André. “Promessa do Espírito Santo Em nossos dias, precisamos de um
Pentecostes
diário”,
Comunidade
Canção
Nova,
disponível
em:
http://www.cancaonova.com/portal/canais/especial/pentecostes/2005/0_apr_010.php.
363
Cf. Hb., 2: 3-4.
364
Cf. Jo., 20: 30-31.
365
Cf. JENKINS, Ferrell. “O Espírito Santo no Propósito de Deus”, disponível em:
http://www.estudosdabiblia.net/a13_22.htm.
150
De qualquer forma, necessário ou não ao mundo de hoje, o teólogo Philip
Yancey, já citado, explica que jamais conseguiu fazer qualquer exibição pública de
êxtase espiritual (como Martin Luther King e outros), mas concorda que vários autores
do Novo Testamento falam sistematicamente em “espírito de Cristo” ou “Espírito”, de
tal sorte que quando deseja visualizar o Espírito de Deus, busca a Jesus, “em quem o
invisível assume um rosto”. Yancey afirma que O Mestre “nunca fez lavagem cerebral
em ninguém”, deixando espaço aos indivíduos para livre-escolha ou rejeição de seus
argumentos. E assinala, não sem alguma emoção acusatória, para si mesmo:
“Da mesma forma, qualquer transformação que Deus opere na pessoa não
acontecerá pela força exterior da coerção, mas pelo Espírito, que opera no
interior, convocando a nova vida, transformando de dentro para fora. (...) O
Espírito Santo oferece um progresso lento e firme em direção ao objetivo que
Deus sempre desejou: a reconstrução gradual do meu ego caído.”366
366
Cf. YANCEY, op. cit., PP. 167, 168 e 169.
151
7º INTERVALO –
O OMBRO ESTRAÇALHADO
Vivi, por 46 anos, na zona sul do Rio de Janeiro e por mais 6 na classe média
aristocrática e metida da zona norte daquela cidade.
Ao lado de minha cama de casal, ouvia o som das metralhadoras e fuzis do
tráfico, porque vivia num bairro mediterrâneo e bucólico, cercado por favelas com
donos e chefetes diferentes. O medo imperava, mas como a munição é “cara”, em
algum momento da madrugada o tiroteio acabava e sobrevinha cruel silêncio.
Como o Rio de Janeiro ficou violento e essa condição passou depressa, como
numa transfusão de sangue, para a cabeça das pessoas! A universalidade das drogas,
os fuzis, as facções, as milícias, a completa ausência do Estado nas regiões mais
pobres, na educação e saúde (o dinheiro também é inimigo do Estado porque ele
nunca tem verba para nada, a não ser para obras supérfluas e superfaturadas) – são
o pano de fundo do horror que acomete os cidadãos, acovardados em suas casas,
protegidos parcialmente por grades, vendo os bandidos à solta cada vez mais ferozes e
encharcados de cocaína para facilitar as suas ações sub-animalescas e
demoníacas. Mata-se por qualquer coisa, o menor motivo vira um festival de balas e
execuções...
Esse estado de convulsão e guerra deixa sem saída os cidadãos, que, no íntimo,
se perguntam: "quando será a minha vez, meu Deus?"
Pois a minha vez chegou, precedida pelo término litigioso de um casamento.
Que eu fiz mal, lógico que fiz. Deveria ser moderado e não perder a razão. Fui louco e
muito me arrependo disso. Ela, como sempre, creditou o meu comportamento aos
maus modos facilitados pela bebida. Ficou com feridas na alma...
Quando ajudava a colocar minha mudança no caminhão, dentro ainda do
edifício da mulher que pretendia deixar, sentado, conversando calmamente com o
chefe da portaria, eis que surge um indivíduo jovem e moreno que não consegui
identificar, pedindo meu nome, que eu confirmei e que me deu sem qualquer motivo ou
discussão um soco na boca e esmagou meu ombro com o cabo de seu fuzil. Em silêncio
se retirou, como veio, um fantasma satânico que se recolheu nas sombras. Desconfiei
na hora sobre a origem da agressão, mas jamais consegui identificar o mandante. Só
sei que naquele bairro bucólico da zona norte do Rio de Janeiro não tinha inimigos
identificados, além de ser uma espantosa coincidência ser violentamente agredido
após uma briga interrompida com minha ex-mulher. Quem foi o mandante daquele
ultraje contra mim, que me condenou a quase perder os movimentos do braço direito?
De qualquer maneira, fiquei, naquela altura, com o lado direito semi-morto:
o pau-mandado sabia o que estava fazendo. E tenho de aceitar, agora, meu destino e
esperar que Jesus, o Nazareno, cure a ferida física e abrande meu estupor espiritual.
Dirão os ingênuos: recorra à Justiça. Redargüirei, então, com veemência: sou
brasileiro, não desisto nunca, mas não creio em Justiça para esse escritor. Não vou
criar caso, mesmo tendo testemunha, porque não vou envolver em problema meu (uma
152
agressão gratuita e sem motivo) um pobre coitado que ganha dois salários mínimos.
Além do que há as juras de morte e ajustes de contas de que provavelmente não
escaparia. Por isso, jamais porei novamente os pés naquele lugar.
Mas não guardo raiva de quem mandou fazer isso em mim nem do próprio
executor. Só penso que não merecia a intensidade da truculência e a audácia e
covardia de se agredir um homem sentado e conversando distraidamente.
Compreendo, porém, que a raiva se amplifica e que infunde em seu portador – aliás,
como qualquer droga – uma sensação de poder. Que Deus cuide do destino de quem
mandou fazer isso contra mim. Ele não sabe o que realmente fez, o que é tomar
morfina para não sentir dor...
Concluí ter vivido no seio de uma família louca como um agregado, não
passava disso. E como agregado, nem tinha o respeito de um José Dias, o simpático
interlocutor de Bentinho, em Dom Casmurro.
O RENASCIMENTO
Agora estou renascendo das cinzas de mim mesmo: não preciso mais rezar
dentro de um banheiro, para que não zombem de mim. Não preciso fugir para a
pracinha que contém uma Igreja e entrar nela, escondido, para orar e meditar.
Não preciso mais escutar as bobagens sobre o Código da Vinci, de que Jesus
era casado com Maria Madalena, que os apóstolos eram sodomitas e que todo padre é
homossexual e pedólatra. Chega! Agora estou livre para rezar quantas “ave-marias”
e “pai-nossos” desejar sem ser molestado ou censurado. Afinal, ainda não vivemos
num país de constituição ateísta. Minhas crenças, antes vividas às escondidas, estão
palmilhando uma primavera de liberdade. Meu Deus, pode mostrar o Seu rosto...
Recomeçarei minha vida com a curiosidade e a persistência das crianças. O
que receber da vida e dos amigos agradecerei e redistribuirei no que couber. Tenho
por princípio que o que me sobra não me pertence.
A esta altura, sei que vou passar por delicada cirurgia, por volta de 7 de
agosto de 2008 [na verdade, fui operado a 15 de agosto]. E, depois, sofrerei longo
período de fisioterapia. Meu braço ficou todo preto e inflamado, mas hoje [30 de
julho] a inflamação cedeu e isso é bom sinal. As dores são lancinantes e quase não me
deixam dormir (fui obrigado até a dormir sentado por uma semana!), o que faço à
prestação, ao longo dos dias em que a maioria do tempo fico completamente só.
As radiografias “encantaram” todos os ortopedistas a que consultei (haja
dinheiro), que elogiaram a minha persistente disposição para enfrentar a dor. Nunca
imaginei que ela pudesse ser capaz de aproximar tanto um homem afastado de Deus
para tão perto Dele. Era apenas um ser racional, que via o mundo de maneira
objetiva. Só fugia da realidade cruel ao me embebedar. Hoje, mudei meu modo de ver
e não tenho mais vergonha de pedir ajuda a meu Pai e sentir os impulsos da fé, num
modo bem simples de ser.Não tenho mais vergonha de me converter...
153
Concluí os exames de “risco cirúrgico” e estou preparado, espiritualmente
para a operação. Que a espada de São Miguel, flamejante, guie as mãos do cirurgião
e eu abra os olhos e, com o tempo, recupere os movimentos.
Não sou um homem consagrado, mas não me sinto mais uma ovelha
desgarrada. Começo a renascer das cinzas, com a ajuda de Deus, de Nossa Senhora e
do Mestre Jesus, no que serenamente dispuserem e decretarem para o meu caso.
O chefe de cirurgia do hospital, em que irei me operar, afirmou a um emissário
meu, após rever as radiografias, que se fosse um trabalhador braçal, obrigatoriamente
teria de me aposentar, tal a gravidade da agressão. Enfim, encontro-me entrevado do
lado direito, com repercussões para as costas. O osso úmero foi destruído e estou
impedido de trabalhar.
Não é que Deus e seus amigos e aliados me protegeram, porque não fui
atingido na cabeça? Se o cabo do fuzil tivesse pegado no crânio, talvez não pudesse
dirigir mais esse relato a vocês. Estaria fora da sociedade do conhecimento e jamais
poderia continuar a escrever os inflamados artigos que muitos os que me
acompanharam virtualmente conhecem.
Como já disse, estou só, numa cidade pequena e nem preciso anotar aqui as
minhas saudades imensas do mar de Copacabana. Em compensação, não ouço o
resfolegar das metralhadoras e só escuto de longe as velhas notícias corriqueiras de
violência. Aqui não existem balas perdidas...
O escritor toma hoje vários remédios para dor, vitaminas contra a anemia e faz
uma super-alimentação calórica, sob o olhar benevolente de seus anjos, para esperar
a cirurgia.
O DILEMA DA CRIATURA
Cometi muitos pecados ao longo da vida e deposito aos pés de Jesus o meu
sincero pedido de perdão. Espero, vivamente, resgatar os males que produzi, tão logo
possa e esteja bem. O meu carma, tenho certeza, solenemente irei cumprir, embora
jamais tenha passado por tão delicada cirurgia.
Como afirmei, ao contrário do meu feitio, tudo o que relatei aqui é revestido de
puro caráter pessoal. O que me aconteceu, em parte pode ser também creditado à
atual mentalidade de violência e confronto, que afeta várias cidades brasileiras, de
agredir ou atirar primeiro, num conflito neurótico e permanente que leva aos
resultados trágicos que temos assistido. A violência pela violência, o olho por olho
também são vícios. No fim, como disse Gandhi, todos ficam cegos...
Felizmente, estou vivo. Sou vítima dessas circunstâncias, mas lembro dos
especialistas em vitimologia que às vezes opinam nesses casos, nas delegacias: “você
deu bobeira”. Foi a “minha vez” e eu era, sem dúvida, o homem errado no momento
errado...
154
Que Deus prodigalize na forma de milagres e ajudas a todos aqueles que, de
bom grado e coração, me auxiliaram nesse momento terrível de dor e sofrimento. Sei
que muitos trarão calor com orações e acolhimento.
E os resultados práticos de tanto sofrimento só entenderei realmente no futuro.
Esse é o dilema da criatura, antes forte e soberba e agora fraca e quase derrotada
procurando finalmente a mão forte de Deus...
155
– 13 –
UM MURO DE VIRTUDES
“Os fanáticos sonham com os que forjam
um paraíso para a sua seita.”
John Keats
“O mais frio puritano não pode sair
sem encontrar influências inexplicáveis.”
Ralph W. Emerson
156
A história das religiões não é uma caminhada irracional, sem rumo como um
feixe de surpresas. Vemos, de forma curiosa, um caminho geográfico a ser marcado e
seguido. Se Adão era moreno ou negro, tostado pelo sol da África367, nosso ponto
médio ou meio do céu, os apelos religiosos, no entanto, acompanharam os movimentos
celestes, aproveitando o caminho natural do Leste longínquo, ao nascente, para o Oeste
selvagem e desconhecido, ao poente.
Tivemos o xintoísmo, no Japão, com o incensado culto aos antepassados; o
bramanismo e o budismo na China, com a interpretação do sofrimento humano e a
senda para a sua inevitável superação; o hinduísmo, que reverberava o caminho da
formação do Universo e o lugar do homem como expressão mais nobre; o monoteísmo
egípcio de Akenaton, que amava o deus solar; a adoração judaica do Deus indizível,
exigente e vingador, e o amor intransferível por Alá, na bela concepção do Islã dos
muçulmanos. Na Palestina surgiram também vários profetas e o maior deles, Jesus,
ápice da história humana, tratou de unir o amor de Deus ao próximo, numa sinfonia de
esperanças para todos os povos da Terra.
Do Oriente Médio, onde surgiu, o Cristianismo se espalhou para os confins do
mundo. Conquistou o Império Romano, as suas possessões mediterrâneas e os bárbaros
que lhe herdaram os territórios. A Idade Média representou o momento máximo de
aprofundamento da religiosidade e da moral, embora a convivência do culto popular e
institucional com os poderes do tempo medievo haja desviado a pureza de muitos
propósitos.
O renascimento europeu, nos séculos XV e XVI, com a fixação de estados
nacionais, repercutiu o Cristianismo para as terras do Novo Mundo, conquistado pelas
mãos das monarquias católicas de Portugal e Espanha, que levaram a tecnologia cristã
oferecida às Américas e, de volta, à África e às Índias.
Índios e negros foram submetidos à força ao império de Cristo, muitas vezes
despreparados para encarar e consumir os novos estágios civilizatórios. É interessante
anotar a extraordinária observação do escritor e prêmio Nobel mexicano, Octávio Paz,
sobre o contato da cultura cristã com o Novo Mundo. Ele ensinou que as tribos
indígenas daquelas paragens, bem como os negros africanos escravizados, tinham a
maior dificuldade em absorver as noções da eucaristia, porque eram povos que não
tiveram contato pessoal com o trigo e o vinho, as matérias básicas da culinária celestial
servida aos apóstolos por Cristo.368
O geneticista norte-americano, Dr. Spencer Wells, afirmou em seu livro “The Journey of man”, “A
Jornada do homem”, que as características físicas diferenciadas entre raças decorreram de 30 mil anos
apenas para cá, de que somos uma grande família e que todo DNA humano provém de um único
ancestral que viveu na África há 60 mil anos. (cf. THOMAS, David. “O verdadeiro Adão viveu na
África”, in Jornal O GLOBO, 25/12/2002, p. 19.
368
“Tanto o novo quanto o antigo Testamento fazem assíduas alusões a parreiras – o que reflete uma
religião nascida no mundo mediterrâneo. A principal metáfora do cristianismo está ligada à vinicultura
e a um de seus produtos: o vinho. O mistério da eucaristia e transubstanciação consiste na
transformação do vinho em sangue divino, e do trigo em carne divina. Os missionários tiveram
dificuldades colossais para explicar isso a povos sem nenhuma intimidade com o vinho e o pão de trigo
na América – embora os conceitos de mutação e metamorfose lhes fossem familiares. Eram-lhes
impossível aceitar o cristianismo, porque lhes faltavam as noções concretas do vinho e do trigo.” (cf.
PAZ, Octavio. “Edith Piaf entre os pigmeus”, in Jornal do Brasil, Caderno Idéias, p. 5, 19/09/1987.
367
157
O desenvolvimento do capitalismo europeu trouxe o Iluminismo, forma de
pensar que repudiava os dogmas católicos, e, com ele, o protestantismo, uma forma de
justificação do desejo do homem de alcançar a prosperidade material sem, ao mesmo
tempo, esquecer de Deus. E os huguenotes perseguidos pela conservadora Igreja
católica francesa tiveram que emigrar para as terras do Novo Mundo.
Do mesmo modo, os ingleses protestantes, alguns empobrecidos sob o impacto
da Revolução Industrial (1750-1850) e outros, insatisfeitos com os rumos do
Anglicanismo dos descendentes de Henrique VIII em eterna guerra contra o Papado –
conformaram uma nova civilização na Costa leste e na região então chamada “Nova
Inglaterra” do futuro Estados Unidos.
Era o Extremo Ocidente finalmente conquistado para as hostes cristãs, em
pleno século XVIII, enquanto se alicerçavam os princípios e valores de independência
das “13 colônias” na Revolução Americana (1776), que, por sua vez, se sedimentaram
com a Revolução Francesa (1789) e seus famosos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade. Foi, sem dúvida, o espírito protestante que edificou a grande nação norteamericana e sua democracia durável e exemplar.
No entanto, na medida em que decrescia o poder da Igreja católica, na Europa,
confrontada com o livre exame protestante e o cientificismo do século XIX, operava-se
uma revolução surda em terras norte-americanas, onde os ex-colonos libertados
protestavam também contra o afastamento das idéias primitivas do Cristianismo e
pensavam na releitura da Bíblia em termos mais literais.
Assim como os “Founding Fathers”, os mestres construtores da pátria política,
os norte-americanos pretendiam restaurar as bases religiosas de sua nação, tentando
reencontrar pretensos alicerces cristãos para eles perdidos pelo materialismo reinante.
Surgia uma nostalgia dos tempos heróicos da Palestina e da predisposição dos
primeiros apóstolos em evangelizar os incultos.
A teoria da predestinação de Calvino, que praticamente inspirou o espírito de
conquista daquelas novas terras, e o empreendedorismo do “american way of life” não
repercutiram bem no coração desses religiosos puritanos, ortodoxos e inflexíveis, que
desejavam um diálogo mais profundo entre os patriotas da nova nação e o Deus eterno
e todo-poderoso.
Os “ramos” fundamentalistas
É interessante anotar as datas de nascimento e morte desses religiosos-pioneiros
norte-americanos:

William Miller (1782-1849), fundador da denominação adventista, um
camponês nascido de pais batistas;

Joseph Smith (1805-1844), fundador e “profeta” da denominação “mórmon”,
filho de família metodista; e

Charles Taze-Russel (1852-1916), fundador da denominação Testemunhas de
Jeová, nascido de família presbiteriana.
158
É curioso que três personagens, provenientes de famílias das classes médias do
interior dos Estados Unidos, se tornaram reformadores radicais num pequeno espaço
de 134 anos. E isso aconteceu num intervalo de tempo que enfatizava o século XIX,
justamente o período mais conturbado de descrença, racismo e materialismo do mundo
ocidental, representado por filósofos como Marx, Nietzsche e Comte.
Naquele século, predominou a ciência sob o modelo newtoniano, que
privilegiava o método experimental, as dimensões tridimensionais da matéria e as leis
da gravidade entre os corpos celestes, enfim, o modo de ver o mundo que servia aos
propósitos da Revolução Industrial e, depois, ao chamado industrialismo “de segunda
onda”...369
Os astrólogos e espíritas costumam comentar, curiosamente, que Deus reúne
algumas pessoas especiais em certos momentos da história humana para gerar
progresso para a humanidade. Assim, tivemos indivíduos ilustres no Renascimento,
capazes de impulsionar a arte e as ciências; os iluministas franceses, responsáveis pelo
avanço do saber, da filosofia e da ciência política fora do controle ideológico da Igreja
católica e, mais recentemente, grandes físicos, que modificaram no século XX a forma
newtoniana de ver o mundo e o funcionamento das leis universais, além de cineastas
famosos, que praticamente no mesmo momento do início do século XX desenvolveram
a arte do cinema e aperfeiçoaram a cultura audiovisual tal como a conhecemos hoje.
A construção da nação norte-americana, como símbolo permanente do Extremo
Ocidente, carecia, porém, de uma interpretação espiritual. E os religiosos mencionados,
preocupados com a pureza das palavras do Cristo decidiram revoltar-se contra os
preceitos reformistas dos protestantes, desejando um retorno ao passado e às origens.
Nesse sentido, tornaram-se “protestantes dos protestantes”370, recusando-se a aceitar as
teorias que fundaram a nova nação sob o espírito do capitalismo, da competição e da
opressão tolerada do homem pelo homem.
Essas denominações, adventistas, mórmons e testemunhas de Jeová, embora
discordantes em vários graus de doutrina, tinham em comum, na origem, quatro pilares
369
Conforme a terminologia do futurólogo Alvin Toffler, as sociedades tradicionais eram sociedades de
Primeira Onda, baseadas na transmissão dos conhecimentos por tradição e na agricultura artesanal; as
sociedades de Segunda Onda, que aprofundaram a Revolução Industrial até o aperfeiçoamento da linha
de montagem e da administração científica por Henry Ford, que predominaram até a década de 70 do
século passado; e, por fim, as sociedades de Terceira Onda, que se constituem a partir da valorização da
cibernética, da informática, da energia nuclear e do conhecimento como valor agregado para produzir o
desenvolvimento hegemônico de alguns países sobre a humanidade.
370
Segundo o teólogo católico Estêvão Bittencourt, “As novas idéias que surgiram no decorrer da Idade
Média, chagaram ao seu auge na Reforma protestante no século XVI. Esta proclamou a Bíblia como
única autoridade decisiva em matéria de fé e de costumes; cada crente é livre para interpretá-la
segundo “o livre exame” ou a sua intuição subjetiva. Tais princípios haviam de esfacelar o
Cristianismo; logo três reformadores (Lutero, Zvínglio e Calvino) fundaram três novas modalidades de
Cristianismo no século XVI; por sua vez, as comunidades reformadas foram reformadas e reformadas
sucessivamente, derivando-se deste processo centenas de denominações protestantes independentes
umas das outras, porque dependentes da inspiração subjetiva do respectivo fundador. Ademais os
princípios da Reforma protestante fazem violência à própria Escritura, porque a desligam da Tradição
oral, que lhe é anterior e sem a qual a Bíblia não pode ser devidamente entendida, conforme II
Tessalonicenses 2,5s.15; II Tessalonicenses 3,6...” (cf. “A Igreja Proibiu a Leitura da Bíblia?”,
disponível em: http://www.geocities.com/apologeticacatolica/leitbib.html.
159
coesos: o repúdio ao livre exame da Bíblia, o milenarismo, o ódio indisfarçável à
Igreja católica e a intolerância racial.
O interior das terras norte-americanas era percebido como a América profunda
e sulista. Essa parte do país tornou-se conhecida pelas preferências políticas
conservadoras e a intolerância racial entre brancos e negros. De um lado, ricos
fazendeiros, comerciantes abastados e capitães de indústria, e suas famílias; de outro,
uma população camponesa e urbana de negros e pobres, sem tradições políticas e
amparos assistenciais ou legais – compunham uma surda luta de classes que começou
na Guerra da Secessão (1861-1865) e só terminou, do ponto de vista da igualdade civil
e jurídica puramente formal, em meados do século XX, quando em 1954 a Suprema
Corte americana restaurou, parcialmente, os direitos civis.
Tais práticas costumeiras de separação e racismo precisavam de argumentos
religiosos para subsistir, conquistando corações e mentes por todo o país. Eram
preferências, ditas “morais e místicas”, que necessitavam de justificativas bíblicas para
chamar adeptos, mesmo que isso entrasse em rota de colisão com o próprio espírito da
Constituição norte-americana.
Havia também a necessidade vital de reestruturar uma sociedade manchada por
costumes degradados, a violência e o amor ao dinheiro acima de todas as coisas e até
do próprio Deus, o que parecia a esses puritanos e ortodoxos práticas permitidas e
estimuladas pelos protestantes de então.
O repúdio ao livre exame
O primeiro pilar a ser contestado seria a política de livre exame do conteúdo da
Bíblia, defendida por protestantes tradicionais (das vertentes luterana e calvinista) e
pelos pentecostais e metodistas. O livre exame, que afinal de contas popularizou o
texto sagrado, que só podia ser conhecido antes por uma elite adestrada no latim, no
grego e no hebraico – tornou-se um pecado em si mesmo para os fundamentalistas.
Adventistas e Testemunhas de Jeová compartilhavam o repúdio veemente
àqueles que discutiam o texto bíblico como se pudesse ser “interpretado” à luz das
fraquezas humanas. Compenetravam-se da convicção de que “os outros religiosos”,
caindo em pecado, olhavam a Palavra de Deus como “uma estorinha”, retirando do
texto o que satisfizesse os seus ocultos propósitos.371
A doutrina do livre exame aparece, historicamente, como uma forma de
oposição obstinada ao mandonismo e controle da Igreja católica sobre os cidadãos, à
influência do clero sobre alguns mandatários de estados europeus, bem como aos maus
costumes morais das autoridades eclesiásticas, devidamente denunciados por Lutero.
371
A esse respeito, é interessante anotar que em outras religiões, como no Islamismo, a simples noção de
“livre exame” é por si mesma um pecado. O grande teólogo islamita At-Tabari (839-923), por exemplo,
um doutor tradicional em história universal e grande comentador do Alcorão, afirmava no final do
século IX: “todo aquele que utiliza apenas seu próprio julgamento para tratar do Alcorão, mesmo que
alcance nesse ponto a verdade, incorre em erro pelo simples fato de o haver tratado por seu único
critério. (...) Todo aquele que trata da religião segundo sua conjetura profere contra Alá aquilo que não
tem conhecimento”. (cf. BLACHÈRE, Régis. O Alcorão, p. 79, tradução de Heloysa de Lima Dantas,
São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1969.
160
Por conseguinte, em suas origens, o livre exame seria uma espécie de punição política
a uma hegemonia religiosa indesejável, não propriamente um mandamento invencível
deduzido diretamente do exame do texto sagrado.
Como explica Fernanda Carminati Azevedo, A “sola scriptura”, isto é, a Bíblia
como a única fonte de fé, e o “livre exame”, interpretação individual da Bíblia,
constituem-se nos fundamentos da reforma protestante. E acentua:
“Eis os três cavalos de batalha do reformador Lutero: a justificação pela fé
sem as obras; a Bíblia como única fonte de fé, interpretada segundo o livre
exame do crente e a negação de intermediários (a Igreja) entre Deus e o
crente.”372
A grande contradição do livre exame, segundo a mesma autora, é afirmar que o
crente, de forma individual, tem a assistência do Divino Espírito Santo, que o ilumina
para uma correta interpretação das Escrituras; mas como pode haver tantas
interpretações diferentes? O Espírito Santo estaria mentindo ou existem muitas
verdades? E já no tempo de Lutero havia tantas ramificações que ele próprio disse:
“Há tantos credos quantas cabeças há”.373
Os protestantes asseveram que a autoridade da Bíblia deriva do fato de ser ela a
Palavra de Deus. O seu testemunho é interno e evidente, mesmo que os homens assim
não o creiam. Ela não depende do nosso testemunho para ter autoridade; ela é o que é.
Não é a Igreja que autentica a Palavra por sua interpretação, como a Igreja romana
sustentou em diversas ocasiões. É a Bíblia que se autentica a si mesma como Palavra
de Deus possuidora de autoridade e nos ilumina para que a interpretemos corretamente.
Entendem os protestantes que sem as Escrituras não poderíamos ter um
conhecimento correto e salvador de Jesus Cristo, como bem observou Calvino (15091564):
“Ora, já que, em razão de sua obtusidade, de modo nenhum pode a mente
humana chegar até Deus, salvo se assistida e sustentada por sua Sagrada
Palavra. A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma
Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno
sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas
único), a Bíblia apresenta a melhor interpretação a respeito dos seus
ensinamentos...”.374
A Reforma não somente retomou o estudo e o ensino das Escrituras, como
também recuperou a antiga e esquecida forma de lê-la, abrindo o seu estudo para todos.
Com isso, iniciando com uma reforma espiritual, ela gerou uma revolução em todas as
áreas do saber e, conforme assinalou, em 1921, o erudito evangélico Grescham
Cf. AZEVEDO, Fernanda Carminati. Apostolado Sociedade Católica: “Sola Scriptura” e livre exame.
Disponível em: http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=399, desde
05/11/2008.
373
Idem.
374
Cf. João Calvino, As Institutas, I.6.4, apud. COSTA, Herminsten Maia Pereira, “Livre exame e livre
interpretação”, Revista Expressão, Século 21 – Atualidades, A igreja em seu contexto, Lição 07, pg. 2835, Ed. Cep.
372
161
Machen (1881-1937): “A Reforma do século 16 foi baseada na autoridade da Bíblia e
colocou o mundo em chamas.”375
A “Sola Scriptura”, pregada por Lutero, isto é, tudo o que eles crêem está na
Sagrada Escritura, explica o porquê de o protestantismo ter se formado mil e
quinhentos anos depois de Jesus, porque, como sabemos, nos primeiros anos da Igreja
os apóstolos anunciavam oralmente o que Jesus os havia ensinado e que o Espírito
Santo os recordou “e só depois escreveram”. Tal doutrina, anexa ao livre exame do
crente, anula a necessidade da interpretação da Igreja e até a necessidade de existir da
própria Igreja, fato percebido ainda mais marcadamente na rejeição da necessidade de
intermediários entre Deus e o crente.376
Em contrapartida, os teólogos católicos afirmam que de nenhum modo a Igreja
romana impediu o povo de ler os textos sagrados. Estêvão Bittencourt, por exemplo,
contesta a afirmação de que a Igreja católica não desejava que o povo lesse a Bíblia por
ser, de acordo com a sua visão, vaga e destituída de documentos. Por toda a
Antigüidade, o Livro Sagrado era recomendado à leitura dos cristãos e São Jerônimo,
no início do século V, é um dos mestres que melhor representam essa atitude pastoral.
Na Idade Média apareceram correntes dualistas e heréticas que se valiam da Bíblia
para apoiar concepções errôneas.
No século XIX multiplicaram-se as Sociedades Bíblicas protestantes, cuja
finalidade era difundir a Bíblia em traduções das línguas comuns. Compreende-se que,
na base dos princípios adotados no século XVI, a Igreja se opusesse a tais iniciativas,
consideradas como perigosas para a correta interpretação da fé cristã.
Nesse sentido, o Concílio de Trento (1543-65) tomou medidas que preservaram
os fiéis católicos dos males acarretados pelas proposições dos reformadores,
declarando autêntica (isenta de erros teológicos) a Vulgata latina, tradução devida a
São Jerônimo (ano 420) e muito difundida entre os cristãos. A rejeição do princípio do
livre exame da Bíblia, proibindo-se edições da Bíblia sem o nome do autor responsável
pela edição, estimulou inclusive o reflorescimento dos estudos bíblicos nos colégios,
conventos e mosteiros.377
Eis porque pareceu oportuno à Igreja romana reservar o uso da Bíblia a pessoas
de sólida formação cristã nos séculos em que as heresias pretendiam apoiar no texto
sagrado as suas proposições perturbadoras.378
Assim, quanto ao tema do livre exame estabelecem-se controvérsias muito sutis
entre católicos e protestantes, a ponto de um mesmo trecho da Bíblia servir para
justificar os argumentos dos dois lados: ele está em Atos, capítulo 17, nos versículos
10 e 11 e poderia muito bem ser chamado, como num filme, de “caso Beréia”. Eis o
trecho:
375
Idem.
Cf. AZEVEDO, Fernanda C., site citado.
377
Cf. Bittencourt, Estêvão, “A Igreja Proibiu a Leitura da Bíblia?”, disponível em:
http://www.geocities.com/apologeticacatolica/leitbib.html.
378
Idem.
376
162
“Naquela mesma noite, os irmãos encaminharam Paulo e Silas para Beréia.
Quando lá chegaram, dirigiram-se para a sinagoga dos judeus. Estes eram de
sentimentos mais nobres do que os de Tessalônica. Receberam a palavra muito
prontamente, consultando diariamente as Escrituras, para ver se tudo estava
certo.”
Segundo Alexandre Semedo, o “caso Beréia” é, extremamente, interessante.
Cantado e decantado pelos protestantes para provar que os primeiros cristãos
acreditavam no sola scriptura e praticavam o livre exame, apegam-se ao mesmo
tempo, quase que desesperadamente, na tentativa de dar, a estes “dois dogmas”, uma
base bíblica.
Ocorre, no entanto, que os de Beréia foram muito nobres não pelo livre exame
que, na visão protestante, teriam praticado. Ao contrário, foram nobres “por receberem
a palavra muito prontamente”, ou seja, por terem se submetido, sem maiores
resistências, ao magistério oral de São Paulo. Aqui, de forma muito nítida, percebe-se
o erro protestante ao limitar a Palavra de Deus ao texto bíblico. Semedo explica:
“Lucas diz que, não obstante terem recebido a palavra, pesquisaram as
escrituras. São dois termos usados de maneira distinta. Por livre exame não
se deve entender outra coisa senão que o Espírito Santo nos concede, a cada
um de nós, Seu auxílio imprescindível, quando lho pedimos com fé, para que
possamos entender as Escrituras. Deus não faz acepção de pessoas, e nesse
sentido não se pode conceber que o auxílio do Espírito Santo seja dado a uma
minoria, e negado à grande maioria.”379
Os apóstolos só escreveram o que era essencial, e entre estas coisas essenciais é
registrada a necessidade de outras fontes de fé, reportando-se à transmissão oral, isto é,
à Sagrada Tradição. Eis aqui uma grande incoerência da doutrina pseudo-reformada:
eles não querem a Igreja, mas pode haver Bíblia sem Igreja? Não, a Igreja não só
transmitiu a Escritura, mas a formou como a vemos. A Igreja é anterior ao Novo
Testamento, e foi Ela quem formou o cânon do Antigo Testamento, como o temos
hoje. Foi a Igreja quem constituiu a Bíblia, e não a Bíblia quem constituiu a Igreja.380
E uma outra questão faz-se absolutamente necessária: sem a Igreja, a Bíblia se
esfacela, pois quem me faz acreditar na Escritura, que não a Tradição e o Magistério?
O Corão, o livro sagrado dos mulçumanos, também diz ser a palavra de Deus, no
entanto, porque os protestantes não crêem nele?
Acreditamos na Bíblia, porque toda a tradição apostólica, que nos liga direto a
Cristo, leva-nos a acreditar na tradição escrita, isto é a Bíblia. Os planetas na galáxia
do protestantismo giravam em torno de um sol, chamado insubmissão: a maior
379
Cf. SEMEDO, Alexandre. “Apostolado Veritatis Splendor: Luterano defende o Livre Exame”,
disponível em http://www.veritatis.com.br/article/787, desde 10/02/2003. Nesse sentido ver Lc., 11: 4352.
380
Cf. AZEVEDO , Fernanda, site citado.
163
bandeira de Lutero não foi sua doutrina, nem suas teses pretensiosas, mas o horror ao
papado e a toda a autoridade por ele constituída.381
Com quem ficar? Com a opinião própria do crente ou com a Bíblia? Como
explicar que Deus deixaria o mundo ao “livre exame”, em que cada um seguiria sua
cabeça e justificaria as próprias opiniões? E onde ficaria a frase de João: “Haja um só
rebanho e um só pastor” (Jo., 10: 16). Basta folhear os Atos dos Apóstolos e verificar
que a Igreja, desde o começo, seguia a um só pastor, isto é, o sucessor de Pedro (o
primeiro Papa).
Outra contradição do livre exame é o fato de existirem tantas igrejas
protestantes, todas se dizendo inspiradas pelo mesmo “espírito santo” e cada uma
pregando uma doutrina diversa da outra. Não é essa também uma forma dos
protestantes protestarem também contra seus próprios protestos?382
– QUADRO 5 –
A BÍBLIA E O LIVRE EXAME
A
ARGUMENTOS BÍBLICOS
A FAVOR DO LIVRE
EXAME
ARGUMERNTOS BÍBLICOS
CONTRA O LIVRE EXAME
“Desvenda os meus olhos, para que eu
contemple as maravilhas da tua lei.” (Sl.,
“Naquela hora, exultou Jesus no Espírito
119: 18);
Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai,
Senhor do céu e da terra, porque
“Examinais as Escrituras, porque julgais
ocultaste estas coisas aos sábios e
ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas
instruídos e as revelastes aos pequeninos.
que testificam de mim.” (Jo., 5: 39);
Sim, ó Pai, porque assim foi do teu
agrado.” (Lc., 10: 21);
“E logo, durante a noite, os irmãos
enviaram Paulo e Silas para Beréia; ali
“Ai de vós, intérpretes da lei! Porque
chegados, dirigiram-se à sinagoga dos
tomastes a chave da ciência; contudo, vós
judeus. Ora, estes de Beréia eram mais
mesmos não entrastes e impedistes os que
nobres que os de Tessalônica; pois
estavam entrando.” (Lc., 11: 52);
receberam a palavra com toda a avidez,
examinando as Escrituras todos os dias
“Quando vos levarem às sinagogas e
para ver se as coisas eram, de fato,
perante os governadores e as autoridades,
assim.” (At., 17: 10-11);
não vos preocupeis quanto ao modo por
que respondereis, nem quanto às coisas
“E, assim, a fé vem pela pregação, e a
que tiverdes de falar. Porque o Espírito
381
382
Idem.
Idem.
164
pregação pela palavra de Cristo.” (Rm., Santo vos ensinará naquela mesma hora
10: 17);
as coisas que deveis dizer.” (Lc., 12: 1112);
“Porque, sendo livre de todos, fiz-me
escravo de todos, a fim de ganhar o maior “Respondeu Jesus: Se alguém me ama,
número possível. (...) Tudo faço por causa guardará a minha palavra; e meu Pai o
do evangelho, com o fim de me tornar amará, e viremos para ele e faremos nele
cooperador com ele.”
morada. (...)mas o Consolador, o Espírito
Santo, a quem o Pai enviará em meu
(1 Co., 9: 19 e 23);
nome, esse vos ensinará todas as coisas e
vos fará lembrar de tudo o que vos tenho
“Outra razão ainda temos nós para, dito.” (Jo., 14: 23e 26);
incessantemente, dar graças a Deus: é
que, tendo vós recebido a palavra que de "Filipe aproximou-se e viu que o eunuco
nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes lia o profeta Isaías, e perguntou-lhe:
não como palavra de homens e sim como, Porventura entendes o que estás lendo?
em verdade é, a palavra de Deus, a qual, Respondeu-lhe: Como é que posso, se não
com efeito, está operando eficazmente em há alguém que mo explique? E rogou a
vós, os que credes.” (1 Ts., 2: 13);
Filipe que subisse e se sentasse junto
dele." (At., 8: 30-31);
“Toda Escritura é inspirada por Deus e
“...e nos mandou pregar ao povo e
útil para o ensino, para a repreensão,
testificar que ele é quem foi constituído
para a correção, para a educação na
por Deus, Juiz de vivos e de mortos. Dele
justiça, a fim de que o homem de Deus
todos os profetas dão testemunho de que,
seja perfeito e perfeitamente habilitado
por meio de seu nome, todo aquele que
para toda boa obra.”
nele crê recebe remissão de pecados.”
(2 Tm., 3: 16-17);
(At., 10: 42-43);
“Ora, a mensagem que, da parte dele,
“E logo, durante a noite, os irmãos
temos ouvido e vos anunciamos é esta:
enviaram Paulo e Silas para Beréia; ali
que Deus é luz e não há nele treva
chegados, dirigiram-se à sinagoga dos
nenhuma.”
judeus. Ora, estes de Beréia eram mais
(1 Jo., 1: 5).
nobres que os de Tessalônica; pois
receberam a palavra com toda a avidez,
examinando as Escrituras todos os dias
para ver se as coisas eram, de fato,
assim.” (At., 17: 10-11);
“Porque qual dos homens sabe as coisas
do homem, senão o seu próprio espírito,
que nele está? Assim, também as coisas
de Deus, ninguém as conhece, senão o
Espírito de Deus. (...)Ora, o homem
natural não aceita as coisas do Espírito
de Deus, porque lhe são loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente.”
(1 Co., 2: 11 e 14);
“[nós vos exortamos] a que não vos
165
demovais de vossa mente, com facilidade,
nem vos perturbeis, quer por espírito,
quer por palavra, quer por epístola, como
se procedesse de nós, supondo tenha
chegado o Dia do Senhor. Ninguém, de
nenhum modo, vos engane, porque isso
não acontecerá sem que primeiro venha a
apostasia e seja revelado o homem da
iniqüidade, o filho da perdição.” (2 Ts.,
2: 2-3);
“Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e
guardai as tradições que vos foram
ensinadas, seja por palavra, seja por
epístola nossa.”
(2 Ts., 2: 15);
“E o que de minha parte ouviste através
de muitas testemunhas, isso mesmo
transmite a homens fiéis e também
idôneos para instruir a outros.” (2 Tm., 2:
2);
“pois, com efeito, quando devíeis ser
mestres, atendendo ao tempo decorrido,
tendes, novamente, necessidade de
alguém que vos ensine, de novo, quais são
os princípios elementares dos oráculos de
Deus; assim, vos tornastes como
necessitados de leite e não de alimento
sólido. (...) Mas o alimento sólido é para
os adultos, para aqueles que, pela
prática, têm as suas faculdades
exercitadas para discernir não somente o
bem, mas também o mal.” (Hb., 5: 12 e
14);
“...se, todavia, fazeis acepção de pessoas,
cometeis pecado, sendo argüidos pela lei
como transgressores.” (Tg., 2: 9);
“Quem entre vós é sábio e inteligente?
Mostre em mansidão de sabedoria,
mediante condigno proceder, as suas
obras.”
(Tg., 3: 13);
“...sabendo, primeiramente, isto: que
nenhuma profecia da Escritura provém de
particular elucidação; porque jamais
166
qualquer profecia foi dada por vontade
humana; entretanto, homens [santos]
falaram da parte de Deus, movidos pelo
Espírito Santo.” (2 Pe., 1: 20-21).
Mas se sabemos que os cristãos fundamentalistas condenam de antemão o livre
exame, poderíamos assegurar que suas teses, nesse tema, seriam favoráveis à igreja
católica e romana? Claro que não. Os fundamentalistas (adventistas, mórmons e
testemunhas de Jeová) não aceitam as teses protestantes porque desejam ser ainda mais
radicais do que eles na maneira de compreender o Livro Sagrado.
Essa postura decorre da percepção mesma do que significa ir à raiz, ao
fundamento das coisas. Fundamentalismo “é um movimento que objetiva voltar ao que
é considerado princípio fundamental (ou vigente na fundação) da religião”. O
fundamentalista acredita nos próprios dogmas como verdade absoluta, indiscutível,
sem abrir-se, portanto, ao diálogo religioso. Por este motivo, o fundamentalismo
revela-se como fonte de intolerância, na qual o outro é analisado sob a ótica de
ameaça, símbolo do mal, que pode fragilizar as “muralhas de verdade”, construídas
pelo fundamentalista em seu discurso.383
A formação de uma identidade separada é julgada necessária por causa da
percepção de que a comunidade religiosa perdeu a habilidade de se definir, julgando
que os fundamentos da religião foram perdidos por negligência ou desatenção,
configurando ato de separatismo ou divergência em termos estranhos impróprios e
hostis à própria religião.384
Os grupos fundamentalistas são fundados com o objetivo de manter e guardar
fiel e rigidamente os princípios religiosos ditos desnaturados e forçar uma aproximação
interna com o mundo moderno atendendo aos referidos princípios fundamentais.
Especificamente, refere-se a qualquer enclave religioso que intencionalmente resista à
identificação com o grupo religioso maior do qual diverge, por ter-se desviado ou
corrompido pela adoção de princípios alternativos hostis ou contraditórios à identidade
original.385
Isso não é privilégio da religião cristã que tomada em seu conjunto de
denominações é a mais importante do mundo386. No Islã, existe, porém, uma diferença
383
Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Fundamentalismo_religioso.
Idem.
385
Idem.
386
Com cerca de 2,13 bilhões de adeptos, o cristianismo é hoje a maior religião mundial, adotada por
cerca de 33% da população do mundo. É a religião predominante na Europa, América, Oceania e em
grande parte de África e partes da Ásia. O censo do IBGE, realizado no ano 2000, mostrou nova
configuração religiosa no Brasil com o surgimento de vários movimentos e dezenas de conversões de
evangélicos a algum novo tipo de seita. O Brasil é o segundo país no mundo em Testemunhas de Jeová e
o maior em número de espíritas/católicos. É o país com o maior número de Adventistas e onde o
384
167
entre sunitas (tradicionais) e xiitas (fundamentalistas), grupos que divergem quanto à
interpretação do Alcorão e da Suna Sagrada.
A Suna ou “Imitação do Profeta” e o Alcorão, o Livro Sagrado, são os
fundamentos da tradição islâmica e a Suna representa para os adeptos da Lei Islâmica o
mesmo que o Talmude judaico, para o Pentateuco (os cinco livros de Moisés que
compõem a Torá e uma parte do Antigo Testamento).387
Os sunistas são tradicionalistas e ortodoxos388, conservando um respeito
profundo pela Vulgata oficial (“uthmaniana”), que seria o cânon ou corpus de doutrina
codificado pelo califa Uthmân (644-656) e seus seguidores, mas que não eliminou os
muitos “leitores do Alcorão”, dentre os quais o movimento cismático dos “xiitas”, que
foi de início combatido, mas sobreviveu politicamente. Conforme assegura Regis
Blachère:
“...admitiu-se desde os primórdios, por volta do século VIII, provavelmente,
que a Vulgata poderia ser recitada com
variantes
intercaladas,
as
“qirâ’at” ou “leituras”. (...) Essa multiplicidade de “leituras” não é, pois,
encarada como deficiência ou imperfeição da Vulgata. Como era de se
esperar, dessa lassidão ou afrouxamento se aproveitou a exegese de
tendência intelectualista ou xiita. (...) Os sectários xiitas exploraram o
ressentimento dos que admitiam ter a Vulgata sofrido retoques deliberados,
supressões destinadas a minimizar a importância de Ali (genro de Maomé) e
de sua família no seio da Comunidade; tais alegações eram baseadas em
pontos de vista partidários, muitos dos quais chegavam a ofender a correção
gramatical, fato esse que, somado a sua feição extremada, lhes restringia o
alcance, não atingindo senão os meios xiitas.”389
Percebe-se que as controvérsias entre os islamitas são muito parecidas com o
ambiente efervescente do cristianismo primitivo já descrito. O Alcorão, aliás,
acompanha muito de perto a trama bíblica, mas condensa os seus momentos num vigor
mais apelativo e profético. Exibe-se a atividade de Moisés, Jesus e Maria, que
aparecem de forma um pouco diferente do que são narrados nos Evangelhos sinóticos,
e de Abraão, que é mostrado como um personagem da época, que diverge do próprio
pai. Os politeístas são condenados como ímpios ou iníquos (a “Via Reta” contra a “Via
Tortuosa”) e Maomé surge como profeta “admoestador”, que repreende com
benevolência, proclamando a unicidade de Alá390.
Mormonismo é uma das religiões que mais cresce, além de Brasília ter se tornado a capital mundial do
esoterismo.
387
Cf. BLACHÈRE, Regis., op. cit., p. 88.
388
A palavra Sunismo deriva do termo sunna, que significa costume e, por extensão, “costume do
Profeta”; portanto, costume servindo para definir a norma moral, cultural e jurídica, o que mostra o
quanto é difícil deixar de expor as nuances sutis entre a ortodoxia sunita e de outras seitas muçulmanas
(cf. BLACHÈRE, op. cit., pp. 80 e 81).
389
Idem, pp. 22 e 73.
390
“Ele é Alá, único. Alá o Singular. Ele não gerou nem foi gerado. A Ele ninguém é igual.” (Alcorão
CXII). Cf. BLACHÈRE, op. cit., pp. 34, 37 e 38.
168
Sábado ou Domingo?
Assim como os xiitas representam hoje no mundo islâmico a divergência
fundamentalista, religiosa e partidária, também os fundamentalistas cristãos exerceram,
nos Estados Unidos, desde o século XIX e, depois, se espalhando pela terra, o papel de
adeptos inflexíveis do que consideravam a pura doutrina de Jesus.
Um dos fundamentos inquestionáveis era o da inspiração verbal da Bíblia,
seguindo-se daí a sua infalibilidade e impossibilidade de erro, cuja autoridade se
estendia não só ao domínio religioso mas a todos os campos do saber: científico,
histórico e filosófico.
Seja qual for, no entanto, o juízo que se faça sobre a modernidade e sua crise, é
necessário reconhecer conquistas humanas irrenunciáveis: precisamente a leitura
histórico-crítica dos textos sagrados, a separação das Igrejas e do Estado, da religião e
da política, os direitos humanos, a ciência e a razão crítica. Apesar das constantes
tentações restauracionistas e até pró-fundamentalistas, são valores que também a Igreja
Católica reconheceu no Concílio Vaticano II (1962-1965), superando, no essencial, os
conflitos que durante 300 anos manteve com os tempos modernos.
A globalização comercial, a migração de grandes massas humanas, a rapidez
dos transportes e da comunicação, os intercâmbios culturais têm levado a uma
fragmentação cultural e religiosa dentro de comunidades tradicionalmente unidas pela
hegemonia de uma cultura ou de uma religião.
A possibilidade de perder a segurança enraizada em uma cultura e em uma
religião é muito grande e as reações fundamentalistas freqüentes. Se a vocação
universalista no passado levou a visitas discretas ou agressivas de missionários a outros
territórios, hoje todos os crentes em qualquer lugar devem vigiar as próprias atitudes de
domínio espiritual. A conquista de espaços de presença pode alimentar a competição e
acirrar polêmicas e chegar aos excessos da intolerância e do fanatismo.
Na situação internacional atual, às correntes fundamentalistas opõem-se os
métodos políticos da negociação e ao fundamentalismo religioso é proposto o caminho
do ecumenismo e do diálogo inter-religioso, inclusive como novos modelos de ação
missionária para religiões que entendem seu credo como universal.
Os fundamentalistas acreditam que a sua causa é de grave e cósmica
importância e vêem a si mesmos como protetores de uma única e distinta doutrina,
modo de vida e salvação.
A comunidade, compreensivel e preponderantemente centrada num modo de
vida religioso em todos os aspectos, é o compromisso dos movimentos
fundamentalistas, e atrai não apenas os que compreendem a distinção, mas também
outros insatisfeitos e os que julgam que a dissidência é distintiva, sendo vital à
formação de suas identidades religiosas.
O muro de virtudes fundamentalista que protege a identidade do grupo é
instituído não só em oposição a religiões estranhas, mas também contra os
modernizadores e reformistas.
169
Os fundamentalistas não se consideram propriamente “protestantes” ou
“evangélicos” por possuirem com esses ramos grandes divergências teológicas. Nesta
categoria estão enquadradas, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons) e as Testemunhas de Jeová, entre
outras denominações. Quanto a esta última, embora afirme ser cristã, também não se
considera parte do protestantismo. As testemunhas aceitam a Jesus como criatura de
natureza divina, seu líder e resgatador, rejeitando, no entanto a crença na Trindade e
ensinando que Cristo é o filho do único Deus, Jeová, não crendo que Jesus é Deus.
Os adventistas, por sua vez, são muito ativos nas obras assistenciais, investindo
maciçamente em programas sociais, mantendo hospitais, casas de repouso e de
recuperação de viciados. Zelam pela escolha da alimentação, cultivam um pensamento
de prosperidade material e são combatentes contra todos os vícios em geral. Dão
ênfase às publicações, às escolas e ao “evangelismo”.
Por causa disso, muitos vêem o adventismo como uma religião cristã igual às
outras com a única diferença de guardar o sábado. No entanto, o adventismo não pode
ser considerado como uma denominação cristã devido ao fato de misturar muitas
verdades bíblicas com erros doutrinários, como julgam teólogos protestantes de
variadas tendências.
Embora falem a respeito de Jesus Cristo e preguem algumas verdades cristãs, as
formulações adventistas destoam grandemente das doutrinas básicas do Cristianismo.
Eles se acham donos da verdade absoluta e se consideram como a última igreja de que
fala a profecia bíblica; por isso, não conseguem trabalhar em harmonia com as demais
e trabalham ativamente para conseguir adeptos de outras denominações.391
William Miller é reverenciado entre os adventistas como profeta e fundador,
embora ele próprio não observasse de início o sábado como dia de descanso sagrado,
porque sua família pertencia à Igreja Batista. A Igreja Adventista do Sétimo Dia só foi
oficialmente organizada em 1860, depois de já haver recebido outros nomes.
Embora considerem a Bíblia como autoridade doutrinária, os adventistas
asseguram, ainda, que Deus inspirou Ellen White na interpretação das Escrituras e nos
conselhos exibidos em seus livros392.
No adventismo, como em outras seitas fundamentalistas, aliás, verifica-se que
os escritos de seus fundadores continuam sendo sustentáculos doutrinários,
independentes da Bíblia.
Eles ensinam que os cristãos devem observar o Sábado393 como o dia de
repouso, e não o Domingo. Crêem que os que guardam o Domingo são, na verdade,
391
Aliás, esse trabalho de cooptação de fiéis, ou seja, retirar de outras seitas os adeptos e convertê-los à
denominação que interessa, quer dizer “a nossa”, é típico trabalho fundamentalista de convencimento.
Não conheço ninguém que, em algum momento da própria vida, não haja se defrontado na rua com
pregadores que seguram bíblias nas esquinas e distribuem folhetos coloridos.
392
O livro “O Grande Conflito”, considerado a obra prima da Sra. White, é recomendado largamente
pela seita. Já foi editado em mais de 30 línguas com uma vendagem superior a dois milhões de
exemplares. Entre outras obras, as mais importantes são: Vida de Jesus, Patriarcas e Profetas, Veredas de
Cristo, O desejado de Todas as Nações.
170
discípulos da besta e representantes do Anticristo. A senhora White ensina que a
observância do Sábado é o selo de Deus. O selo do Anticristo seria o oposto a isto, ou
seja, a observância do Domingo394. O Sábado seria uma parte do pacto especial entre
Deus e Israel395. O próprio Moisés explicou que esse era um memorial de sua
libertação da terra do Egito. Ao repousar de seu trabalho semanal, os judeus deveriam
recordar como Deus lhes havia dado o repouso da dura servidão do Egito396.
No entanto, protestantes e católicos guardam o domingo, contrariando
frontalmente a postulação central adventista.
Segundo as denominações protestantes397, a palavra profética previa a chegada
de uma “Nova Aliança”398 e o fim do Sábado399, que se cumpriu em Jesus400. O texto
de Colossenses 2: 16-17 deita por terra todas as teses dos adventistas e Paulo parece
que fala diretamente para eles quando escreve aos Gálatas, tratando de livrá-los dos
enganos dos que queriam fazê-los guardar a lei judaica, ressaltando que a salvação não
é pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo. O apóstolo faz questão de mencionar a
observância de certos dias como parte da escravidão da lei401 e, em outra parte, afirma
que Cristo é o fim da lei402.
Do ponto de vista católico, por sua vez, ressalte-se que a palavra hebraica
“shabbath” significa “sete” e “repouso”, de modo que qualquer sétimo dia (na
seqüência dos dias do ano) consagrado ao repouso é sábado. Os cristãos deslocaram de
um dia a observância do repouso ou do sétimo dia, porque foi no dia posterior ao
sábado – ou no domingo – que o Senhor Jesus ressuscitou dos mortos, apresentando ao
mundo a nova criatura. O teólogo Estêvão Bittencourt assinala, neste sentido, o
princípio:
“Observemos que esse deslocamento se deve aos próprios apóstolos403e ao
próprio Deus, colocando a ressurreição de Cristo no dia seguinte ao sábado,
393
Cf. Ex., 20: 8-11.
Não esquecer que o dia sagrado dos muçulmanos é a Sexta-Feira. Bom mesmo é que são sete os dias
da semana, o que permite que cada religião escolha o seu dia. De minha parte, acho que todos os dias
são santificados e merecem o mesmo respeito. Utilizar um dia exclusivo é para mim um fato
completamente secundário e não contribui para nossa evolução espiritual, além de ser uma “verdade
muito forçada” opor o sábado ao domingo. Na verdade, são dias irmãos e muito fraternos...
395
Cf. Ez., 20: 10-13.
396
Cf. Dt., 5: 12-15.
397
Cf. http://www.planetaevangelico.com.br/religioes/princadv.htm.
398
Cf. Jr. 31: 31-33.
399
Cf. Os., 2: 11: “Farei cessar todo o seu gozo, as suas Festas de Lua Nova, os seus sábados e todas as
suas solenidades.”
400
Cf. Cl., 2: 16-17: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua
nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de
Cristo.” Por essa razão, o Sábado não aparece nos quatro preceitos de Atos 15: 28-29: “Pois pareceu
bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além dessas coisas essenciais: que vos
abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne dos animais sufocados e das
relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde.”
401
Cf. Gl., 4: 3-11.
402
Cf. Rm., 6: 14: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei e sim da
graça.” E Rm., 10:4: “Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.”
403
Cf. At., 20: 7: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo,
que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até meia-noite.”; 1 Co.,
16: 2: “No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua
394
171
dando a entender que o dia do Senhor, por excelência, ou o sábado dos
cristãos, deveria ser deslocado de um dia.”404
Para católicos e protestantes, enfim, guardar o sábado
é questão
405
secundária , mas para os adventistas não, é uma questão de salvação ou perdição: a
guarda do Sábado é o sinal que separa sua igreja, verdadeira e única, das falsas
igrejas, naturalmente “as outras”.
Os adventistas têm uma rede hospitalar muito boa, um serviço social de
excelente qualidade e procuram até viver uma vida cabível a qualquer cristão.
Infelizmente, suas doutrinas distorcidas e, por se considerarem a “última igreja” da
profecia bíblica, os qualificam como um movimento fora da ortodoxia.
Discutir religião com um fundamentalista é perda de tempo. Durante a Idade
Média (nos séculos XI e XII), os doutores escolásticos, nas universidades recémcriadas na Europa, reuniam-se para discutir temas bíblicos, cada um de um lado da
tribuna, defendendo os próprios argumentos, tencionando chegar à verdade. No mundo
atual, no entanto, existe uma tendência de “estar sempre certo” e de procurar por fazer
prevalecer de qualquer modo os seus argumentos, em alguns casos derramando o
sangue do próximo.
Assim procedem os fundamentalistas, quando procuram convidar à discussão
sempre desejando “converter o outro ao próprio pensamento”. Como não possuem
(ainda) o poder de mandar matar o oponente através do braço do Estado (como em
outros tempos o fez a Inquisição católica), é certo que os adventistas procurarão
convencer o interlocutor, principalmente o protestante e o evangélico, da necessidade
de guardar o sábado406, mas esses procuram rebater os argumentos, citando, como
sempre estamos vendo neste livro, argumentos contrários à intenção anterior,
geralmente afirmando passagens do Novo Testamento407.
Muitos adventistas abandonaram a seita, porém, por não concordarem com a
valorização dos escritos de Ellen White, colocados no mesmo nível que os escritos
prosperidade e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.” E Ap. 1: 10: “Achei-me em
espírito no Dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta...”
404
Cf. BITTENCOURT, Estêvão. Crenças, religiões e seitas, quem são?, op. cit., p. 45.
405
Cf. Rm., 14: 5 e 6: “Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um
tenha opinião bem definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz; e
quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e
dá graças a Deus.”
406
Vão citar 1 Jo., 2 :4: “Aquele que diz: eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso,
e nele não está a verdade.” E Ap., 14: 12: “Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os
mandamentos de Deus e a fé em Jesus.”
407
Cf. Jo., 13: 34-35: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos
amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se
tiverdes amor uns aos outros.”; Rm., 13: 8 e 10: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma exceto o
amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei. (...) O amor não
pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor.”; Gl. 2: 16: “...sabendo,
contudo, que o homem não é justificado por obras da lei e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também
temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei,
pois, por obras da lei, ninguém será justificado.” e 1 Jo. 3: 23: “Ora o seu mandamento é este, que
creiamos em nome de seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o mandamento que
nos ordenou.”
172
bíblicos, retornando à velha crença de Lutero de uma só escritura, infalível e única
fonte da fé, e do livre exame das questões teológicas.
O Milenarismo408
No princípio do século XIX também houve um despertamento de interesse pela
segunda vinda de Cristo (também chamada “parusia”) entre os cristãos.
Guilherme Miller, pastor batista no estado de Nova Iorque, dedicou-se ao
estudo detalhado das escrituras proféticas, convencendo-se de que a passagem bíblica
do profeta Daniel (8: 14) se referia à vinda de Cristo para “purificar o santuário”409.
Calculando-se forçosamente que cada um dos 2.300 dias representasse um ano, tomou
como ponto de partida a carta de regresso de Esdras e seus compatriotas a Jerusalém
(em 457 a.C.), chegando à conclusão de que Cristo voltaria à terra em 1843. Tal
“exercício profético” ocorreu em 1818.410
Por um quarto de século, Miller proclamou a mensagem a cristãos de diferentes
Igrejas. O interesse dos crentes em relação à profecia era crescente e o número deles ia
de cinqüenta a cem mil pessoas preparando-se para o fim do mundo. Muito crentes
doaram as lavouras e se prepararam para “receber o Senhor” no dia 21 de março de
l843. Chegou o dia e o evento esperado não aconteceu. Miller revisou os cálculos,
descobrindo “um erro de um ano”. Tal correção ocorrer no dia 21 de março de l844.
Ao chegar a data também nada aconteceu. Uma vez mais novo cálculo indicou que
seria o dia 22 de outubro de mesmo ano. Porém essa previsão também falhou.411
Um dia depois “da grande desilusão”, Hiram Edson, fervoroso discípulo e
amigo íntimo de Miller, teve outra “revelação”: nela compreendeu que Miller não
estava equivocado em relação à data, mas sim em relação ao local. Disse que Cristo
havia entrado no dia anterior no santuário celestial, não no terrenal, para fazer uma
obra de purificação ali. Edson partilhou com outros membros de seu grupo as “boasnovas”. Outros dois grupos se uniram a essa nova revelação: um dirigido por Joseph
Bates, que dava ênfase à guarda do Sábado, e outro, dirigido por Hellen White, que
dava ênfase aos dons do Espírito.412
O adventismo é, pois, o ressurgimento do farisaísmo do primeiro século. Os
legalistas judeus perturbaram e perseguiram Jesus, os apóstolos e as igrejas gentílicas
da época. Os dois erros básicos que levaram os adventistas a desenvolver outros
“Crença de que a segunda vinda de Cristo à Terra se daria no ano 1000, quando então teria início o
Reino de Deus na Terra, que duraria mil anos e seria um período de paz, felicidade e justiça social.
Qualquer movimento político-religioso que se caracteriza pela crença na salvação iminente e coletiva
deste mundo, e que surge geralmente em decorrência de uma situação de crise e dominação”. O mesmo
que “quilianismo”, ou seja, “crença no fim do milênio como ocasião de grandes catástrofes e de
transição para uma época de paz, felicidade e justiça”. (Cf. Aulete, Dicionário Digital)
409
“Ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado.”
(cf. Dn., 8: 14).
410
Cf. http://www.planetaevangelico.com.br/religioes/princadv.htm.
408
411
412
Idem, site citado.
Idem, site citado.
173
desvios, desde o início, foram: profetizar o dia da volta de Cristo e considerar Ellen
White como profetisa.
As revelações da autora influenciaram muito a formação das doutrinas
adventistas e seus abundantes escritos contribuíram grandemente para a expansão da
seita. Ela e o esposo espalharam amplamente ensinos proféticos e doutrinários por
meio de revistas e livros, considerados pelos seguidores como “inspirados” por Deus.
Tais mensagens produziriam efeitos no mesmo nível da Bíblia, que citam apenas para
comprovar o que ensinam, buscando versículos ou passagens isolados.413
Os adventistas consideram que Jesus entrou no santuário celestial no ano de
1844 e agora estaria cumprindo a obra de expiação. Tal doutrina, a expiação
incompleta e contínua, seria uma distorção das Escrituras, num esforço para justificar
as previsões errôneas de Miller. Não se pode duvidar da sinceridade dos que creram em
tal “revelação” de Hiram Edson, porém ela não concorda com as Escrituras. A Bíblia
ensina que Jesus penetrou no santuário celestial ao ascender ao céu e não no ano de
l844.414
Normalmente, as crenças de uma seita ou religião baseiam-se em motivos
muito fortes relacionados a experiências de seus fundadores, ou livros escritos e
interpretados por eles.
Nesse caso, os escritos dos fundadores tornam-se regra de fé e prática. Por
exemplo, os adventistas ensinam que Satanás seus demônios, e todos os maus serão
aniquilados e completamente destruídos. A Senhora White diz que a teoria do castigo
eterno seria “uma das doutrinas falsas que constituem o vinho das abominações da
Babilônia”. Segundo a autora, os adoradores do Anticristo seriam, na verdade,
atormentados “e o fumo de seu tormento sobe pelos séculos dos séculos”, o que sugere
aniquilação. Jesus Cristo, porém, usou a palavra “eterno” para referir-se à duração das
bênçãos dos salvos e os tormentos dos perdidos. Além disso, Ele não se referiu à
expressão “aniquilação eterna”, mas a “castigo eterno”.415
Segundo o teólogo católico Estêvão Bittencourt, a crença num reinado milenar
de Cristo sobre a terra tem suas raízes na literatura apocalíptica judaica. O texto do
Apocalipse que se refere a esse reino milenar, escrito por João, o Evangelista, deve ser
lido sob a luz de seu próprio Evangelho416. Ora, naquela passagem do Evangelho, Jesus
fala de duas ressurreições: a primeira se dá imediatamente (“já veio...”); a segunda é
413
Idem, site citado.
Cf. Hb., 6: 19,20; 8: 1-2; 9:11-12, 23-26 e 10: 1-14. Idem, site citado.
415
Cf. Mt 25.46: “E irão estes para o castigo eterno, porém, os justos, para a vida eterna.” Ver,
também, Mc 9: 43,44; Ap. 14: 11 e 20: 2,7 e 10; consultar, ainda, o site http://www.solascripturatt.org/Seitas/Advent7Dia-PlanetaEv.htm. Idem, site citado.
416
Ou seja, “Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a
segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão
com ele os mil anos.” (Ap., 20: 6) deve ser compreendido à luz de: “Em verdade, em verdade vos digo
que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem
viverão. Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si
mesmo. E lhe deu autoridade para julgar, porque é o Filho do homem. Não vos maravilheis disto,
porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que
tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição
do juízo.” (Jo., 5: 25-29).
414
174
futura; a passagem da morte para a vida dá-se pelo batismo e pela graça santificante (é
a ressurreição primeira) e a outra ocorrerá nos fins dos tempos, quando os corpos
ressuscitarão, para que o homem – em corpo e alma – possua a sua sorte eterna
(ressurreição segunda). O intervalo entre as duas, de mil anos, não é uma medida, mas
sim um simbolismo, que significa, conforme os antigos, bonança, abundância e viver,
desde já, a Vida Eterna.417
Continua o autor, observando que a crença adventista de que as almas
adormecem, com a morte, e se tornam inconscientes na outra vida, equivale à crença
judia no “cheol”, região subterrânea onde se encontrariam inconscientes os bons e
maus418, o que demonstra a ênfase que dão às proposições do Antigo Testamento, que
foram superadas e reformuladas pelo Novo Testamento, que ensina que, logo após a
morte o homem encontra a sorte definitiva, com os bons vendo a Deus face a face419.
Os adventistas ensinam que as almas dos justos dormem até a ressurreição e o
juízo final, baseando esse “sono da alma”, o estado de silêncio, inatividade e
inconsciência na justificativa bíblica que está no Eclesiastes (9: 5), que afirma: “os
mortos não sabem coisa nenhuma”. O contexto dessa passagem demonstra, entretanto,
que o autor do versículo estava falando sobre a relação dos mortos com a vida terrena e
não sobre o estado da alma depois da morte420.
Provas bíblicas da consciência da alma depois da morte acham-se nas palavras
de Paulo quando diz que ao deixar o corpo estaria com o Senhor421, o que relembra,
por fim, o episódio da crucificação de Jesus em que assegura a um dos malfeitores que
estavam sendo sacrificados com Ele: “hoje estarás comigo no paraíso”422.
O fim do mundo não se encontra a cada esquina
Outra doutrina sobre o milenarismo, das mais curiosas, é a desenvolvida pelas
Testemunhas de Jeová. O fundador da seita, Charles Taze-Russel (1852-1916), jovem
comerciante norte-americano, nascido em família presbiteriana, ora baseando-se em
textos de Daniel e Ezequiel, em 1874, predisse a vinda de Cristo para 1914,
acompanhado dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó e dos profetas da fé.
Naquela data se daria a Batalha do Armagedon423, na qual Deus aniquilaria os
maus e daria início ao reino milenar de Cristo sobre a Terra, repleto de bonança e paz.
As Testemunhas afirmaram, ainda, que a vinda de Cristo que todos os cristãos
aguardam, ocorreria, porém, de forma invisível. Sim! Eles afirmam que Cristo
417
Cf. BITTENCOURT, Estêvão, Crenças, religiões, igrejas e seitas, op. cit., pp. 44 e 45.
Cf. Sl., 87: 11-13 e Is., 38: 18.
419
Cf. Fp., 1: 21-23; 2 Cor., 5: 6-10 e 1 Jo., 3: 1-3. Cf. BITTENCOURT..., idem.
420
Cf. Ec., 5: 4-10.
421
Cf. Fp., 1.23,24 2 Co 5; 1-8. Veja também Lc.,16: 19-31. No monte da transfiguração, Moisés não
estava “silencioso, inativo e totalmente inconsciente”, enquanto falava com Cristo, cf. Mt., 17: 1-6.
Veja, ainda, Ap., 6: 9-11.
422
Cf. Lc., 23: 42-43. Muitos teólogos liberais afirmam que essa frase também significa que o primeiro
santo do Cristianismo era um ladrão...
423
Cf. Ap., 16: 16. Do grego, “Armageddon” ou “Harmagedon”, do hebraico “har Meguido”, “monte
Megiddo” na região da Galiléia. Segundo o livro do Apocalipse (16: 14-16), cenário da batalha decisiva
entre o Bem e o Mal, que ocorreria no Juízo Final.
418
175
retornou, porém, de forma invisível e, por isso, ninguém conseguiu vê-lo; Ele se
encontraria agora reinando sobre a terra.424
Independente desse reinado invisível, o anúncio de Russel não se cumpriu para
o entendimento da maioria dos que se juntaram à seita, forçando o fundador a
recalcular o ano de 1918 para início do reino milenar. A morte, em 1916, poupou-o de
novo desengano. Russell sondava as Escrituras através da tradução inglesa, pois não
conhecia o grego ou o hebraico. Assim, leu o texto de Levítico (28: 16), que no
original em hebraico diz: “Se, apesar disso, não me ouvirdes, punir-vos-eis sete vezes
mais pelos vossos pecados”, com a tradução inglesa que interpretava “seven times
more” como “sete tempos ou períodos” ao invés de “sete vezes”.425
“Para Russel – assinala Bittencourt –, um tempo equivalia a um ano
simbólico, ou seja a 360 anos (em vez de 360 dias), sete tempos seriam então
2.520 anos. Como esse período começou em
606
a.C.
(quando
Nabucodonosor começou a ameaçar Jerusalém, dando início à chamada “era
dos gentios”), 606 anos haviam decorridos no início da era cristã, e restavam
1914 anos após o nascimento de Cristo para se ter o fim da “era dos gentios”
e a segunda vinda de Cristo (2520 – 606 = 1914). Era com base nesses
cálculos que Russel predizia o fim dos tempos para 1914.”426
Seu sucessor, Joseph Franklin Rutherford (1869-1942) recalculou a Batalha do
Armagedon para 1925 e como nada do que foi predito aconteceu, ele decidiu não fazer
mais profecias. Como era de se esperar, novamente passou o ano e Abraão, Isaac e
Jacó não ressuscitaram o que desestabilizou o corpo governante da seita. Afinal, o fim
do mundo não ocorreu...
O fiasco foi tamanho que o próprio presidente das testemunhas de Jeová
precisou reconhecer que passou por ridículo quando suas previsões do fim não se
cumpriram – fato marcante para os fiéis que consideraram o gesto um “exemplo de
humildade”. Nova tentativa foi realizada, porém, em 1941, obtendo-se o mesmo
resultado. Infelizmente, para os adeptos, o mundo não acabou...
Em 1968, porém Nathan Knorr, outro presidente da seita, afirmou pela revista
Despertai! que o dia do Armagedon aconteceria em 1975, segundo seu cálculo
particular sobre a cronologia bíblica:
“Adão foi criado no outono de 4026 a.C., donde se segue que em 1975 se
completariam seis mil anos da existência do gênero humano. Esses seis mil
anos seriam seguidos do reino milenar de Cristo, paralelo ao descanso
sabático, em que o Senhor Deus entrou após os seis dias da criação do
mundo.”427
424
Cf. BITTENCOURT, Estêvão, op. cit., p. 67 e ARRÁIZ, José Miguel, “Os Testemunhas de Jeová e
1914”, tradução: Carlos Martins Nabeto, disponível em: http://www.apologeticacatolica.org/.
425
Cf. BITTENCOURT, op. cit., p. 70.
426
Idem. Essa datação forçada nem levava em conta a percepção, hoje corrente, de que Cristo nasceu,
sob o reinado de Tibério, entre 8 e 4 a.C., o que atrapalha de novo os “cálculos” da seita. Nesse sentido,
concordamos em que a Bíblia não pode ser lida como uma “estorinha”, nem manipulada no mesmo
sentido...
427
Cf. BITTENCOURT, op. cit., p. 68.
176
Em 1977, interrogado pela Revista Time sobre o não cumprimento da profecia,
respondeu que a contagem deveria ser alterada, pois o sétimo dia só começou após a
criação de Eva, posterior à de Adão, considerando-se que este intervalo de tempo, não
revelado pelo Senhor Deus, impede que se possa afirmar quando começará o sétimo
milênio da humanidade ou o reino milenar de Cristo.428
Uma das colunas básicas da seita fundamentalista seria esse ensinamento sobre
o Armagedon e o fim daquilo que denomina “o atual sistema das coisas”. Ao longo da
História, suas crenças caracterizam-se por imaginar que o fim encontra-se próximo de
cada esquina, e o anunciaram reiteradamente para 1914, 1918, 1925, 1941 e 1975.
Mas O pior de tudo são as conseqüências psicológicas de tal comportamento
teórico na vida dos adeptos. Matrimônios foram adiados, filhos deixaram de ser
concebidos e hábitos simples do cotidiano, como ir a festas, comemorar aniversários e
namorar passaram a ser evitados, vistos com censura por parecerem idolatria.
Além disso, na vida concreta, as Testemunhas são contrárias a várias
instituições da sociedade e consideram as instituições políticas como ampla
organização satânica. Não celebram o Natal, não admitem a oferta de presentes, não
são favoráveis à caça e a pesca e não aceitam as transfusões de sangue, porque a vida
consiste no sangue e este pertence apenas a Deus!429
Ainda que qualquer pessoa com um pouco de senso comum possa se perguntar
como é que Cristo está reinando invisivelmente desde 1914, se a cada dia prosperam
no mundo coisas muito negativas como guerras, assassinatos, roubos etc., os adeptos
criaram uma resposta engenhosa:
"Porém, talvez você pergunte: se Cristo começou a governar em 1914, por
que pioraram as condições na Terra? Porque, todavia, existia Satanás, o
inimigo invisível da humanidade. Satanás teve acesso ao céu até 1914. Porém
isso mudou quando o Reino de Deus foi estabelecido em 1914. 'Ocorreu uma
guerra no céu' (Revelação, 12: 7). Satanás e seus demônios foram vencidos e
lançados à Terra, produzindo efeitos catastróficos na
humanidade.
A
Bíblia predisse: 'Ai da terra e do mar, porque o Diabo desceu até vocês,
possuindo grande ódio, sabendo que tem um curto espaço de tempo!'
(Revelação 12: 12)".430
E continuam no mesmo entusiasmo:
“A proximidade do Reino de Deus hoje significa o fim dos divididos sistemas
políticos, religiosos e comerciais da atualidade. Significa que será introduzido
um novo governo justo para todas as pessoas obedientes da humanidade.
Você pode escolher a vida eterna sob este arranjo de 'novos céus e uma nova
428
Idem.
Idem, p. 70.
430
ARRÁIZ, José Miguel, “Os Testemunhas de Jeová e 1914”, tradução: Carlos Martins Nabeto,
disponível em: http://www.apologeticacatolica.org/.
429
177
terra' (2Pedro 3: 13; João 17: 3). Sim! Você pode chegar a ver esta Nova
Ordem prometida, juntamente com os sobreviventes da geração de 1914...”431
A Batalha do Armagedon, travada entre Cristo e seus inimigos, dividiria os
vencedores em duas categorias: a primeira, denominada “classe consagrada ou
vitoriosa” seria um pequeno rebanho, limitado a 144 mil eleitos, recrutados entre as
Testemunhas de Jeová e que subiriam aos céus sem precisar mais das necessidades
terrenas.
Como a seita já ultrapassou a um milhão de adeptos, deve ter motivos de
ansiedade para saber quem realmente fará parte deste número seleto. A segunda
categoria, os “Jonadabs” serão deixados na carne e no sangue, porém, em ambiente de
paz, livres de opressão, da doença e da morte, adotando a Terra como eterna morada.
Quanto àqueles que não conseguirem superar a prova final, serão aniquilados
juntamente com o diabo e todos os seus anjos.432
Contra a incontável quantidade de publicações em que as testemunhas de Jeová
afirmam que Cristo falou de sua presença invisível, é preciso que sejam lidos
integralmente os capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus, onde Jesus jamais se
refere à sua presença como “invisível”.
Cristo responde aos discípulos, narrando os acontecimentos que ocorreriam
antes de sua vinda (guerras, terremotos, fomes), que as testemunhas de Jeová
erroneamente interpretam como sinal de que Ele já estaria presente entre nós de forma
invisível. As próprias palavras de Cristo descartam qualquer vinda “invisível”, além do
que o apóstolo Paulo, num texto muito claro, mostra como ocorrerão os fatos no final
dos tempos:
"Eis o que vos declaramos, conforme a palavra do Senhor: por ocasião da
vinda do Senhor, nós que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos.
Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o
mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão
primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos
arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Senhor nos
ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos
uns aos outros com estas palavras"433
A mensagem de Cristo é que estejamos sempre preparados, pois não sabemos
nem o dia, nem a hora. O fim do mundo não se encontra em cada esquina. Recordemos
que, ainda que o mundo viesse a acabar daqui a 4 mil anos, o nosso “fim do mundo”
ocorre quando nos chega a morte e precisamos prestar contas a Deus. Como não
sabemos quando ocorrerá, o melhor é estar sempre alerta:
Cf. “1914... A Geração que não Passará, w84 15/5 4-7 [versão em espanhol]), apud. ARRÁIZ, José
Miguel, idem, site citado.
432
Cf. BITTENCOURT, op. cit., p. 69.
433
Cf. 1 Ts., 4: 15-18.
431
178
“Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria
sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. Estai, pois, preparados, porque,
à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem”434
Um ódio indisfarçável
Se os fundamentalistas caracterizam-se como protestantes dos protestantes e
reformistas dos reformistas, restauradores que pretendem ser da pureza doutrinária do
Cristianismo, não poderiam deixar de combater, com espírito não quieto ou terno, a
Igreja católica e romana, considerando-a não praticante dos verdadeiros mandamentos
de Deus (Antigo Testamento) e do Cristo (Novo Testamento).
Uma das maiores disputas entre católicos e protestantes é, sem dúvida alguma,
quanto ao uso das imagens sagradas pela Igreja.
Desde o princípio, a Igreja católica sempre defendeu seu uso, ao contrário da
esmagadora maioria das igrejas protestantes que prefere encarar o problema como
insulto ao mandamento divino que proíbe a confecção de imagens435. Nesse particular,
as testemunhas de Jeová acusam diretamente a Igreja católica de idolatria, de adorar
ídolos e imagens, como na época do paganismo.436
Mesmo com o mandamento acima, repetido em Deuteronômio (5: 8), podemos
perceber que os israelitas eram inclinados à idolatria, tendo-se em vista que eram
escravos no Egito onde, mesmo mantendo a fé, assimilaram muitos costumes
religiosos dessa nação, como prova a passagem do bezerro de ouro, onde este é
confeccionado em virtude de uma simples demora da parte de Moisés437. Isto justifica
a existência de um mandamento contra a idolatria: Israel estava cercada de nações
pagãs, politeístas e idólatras; cultuavam-se o sol, os astros, os crocodilos, os reis, os
gatos, etc. O verdadeiro povo escolhido devia se afastar de tudo isso pois era
monoteísta (adorava a um Deus único, indizível e vingativo).438
Esse episódio demonstra perfeitamente o que vem a ser um ídolo: um substituto
do verdadeiro Deus para o qual são atribuídos poderes e são oferecidos sacrifícios. Por
conseguinte, o milagre da fuga do Egito foi atribuído ao objeto que tinha a imagem de
um bezerro de ouro. Notemos também como esse bezerro passa a substituir o
verdadeiro e único Deus assim como também lhe são oferecidos os sacrifícios devidos
a Deus.439
434
Cf. Lc., 12: 39-40, apud. ARRÁIZ, site citado.
“Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem
embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.”, cf. Ex 20: 4.
436
A palavra “ídolo”, em grego, significa “imagem”, “estátua”, isto é, reprodução de alguma coisa ou
pessoa.
437
É o célebre episódio de confecção do bezerro de ouro narrado em Ex., 32: 1-5: como Moisés
demorava para descer do Monte Sinai, os hebreus fugitivos do Egito não tardaram a confeccionar um
bezerro em ouro, a quem cultuaram como se fosse o verdadeiro Deus.
438
Cf. Cf. NABETO, Carlos Martins. Apostolado Veritatis Splendor: “A Bíblia condena o uso de
Imagens?
Deus
permite
a
fabricação
de
imagens”,
disponível
em:
http://www.veritatis.com.br/article/4478. Desde 02/08/1999.
439
Cf. NABETO, idem, site citado.
435
179
O ídolo requer uma substituição de Deus, recebendo poderes especiais que ele
realmente não possui. Enquanto a destruição de uma imagem440 lembra algo fora dela,
não destruindo o que representa, a destruição de um ídolo implica na destruição da
falsa divindade.441
No entanto, conforme explica o teólogo católico Carlos Martins Nabeto, basta
folhearmos a Bíblia para encontrar passagens onde as imagens são condenadas. Ora, a
Igreja católica é a única Igreja que possui ligação direta com os tempos apostólicos e
que ficou responsável pela guarda da fé, em especial das Sagradas Escrituras.
Certamente, se quisesse mesmo agir contra a Palavra de Deus, adulteraria a Bíblia
nessas passagens que condenam as imagens. O livro da Sabedoria – não reconhecido
como Inspirado pelos protestantes, mas apenas pelos cristãos católicos e ortodoxos –
condena a idolatria como nenhum outro livro do Antigo Testamento442.
Não seria mais fácil para ela fazer como os protestantes e repudiar o citado
livro? Não o fez simplesmente porque a Bíblia deve ser lida dentro de seu contexto e
de forma completamente imparcial. Dessa forma, não há como negar que a própria
Bíblia também defende o uso de imagens. Como compreender essa “curiosa
contradição”, já que o texto do Êxodo, já citado acima, parece ser tão contundente?
O mesmo Deus, no mesmo livro do Êxodo em que proíbe que sejam feitas
imagens, manda Moisés fazer dois querubins de ouro e colocá-los por cima da Arca da
Aliança443. Manda-lhe, também, fazer uma serpente de bronze e colocá-la por cima
duma haste, para curar as mordidas das serpentes venenosas444. Manda, ainda, a
Salomão enfeitar o templo de Jerusalém com imagens de querubins, palmas, flores,
bois e leões445 e, ao mesmo tempo, proíbe que se façam imagens, de duas uma, ou
Deus é profundamente contraditório ou fazer imagens não é idolatria!446
A imagem é muito mais do que uma simples escultura: na verdade é qualquer
coisa que permite excitar a nossa vista, pouco importando se é uma escultura, um
desenho, uma pintura, um objeto.
A destruição de imagens, também chamada “iconoclastia” aconteceu em vários períodos da história
ocidental e oriental, não tendo relação somente com a religião, mas também com os costumes políticos.
441
Cf. NABETO, idem, site citado.
442
Cf. Sb., capítulos 13 a 15. Esse é o mais longo texto bíblico sobre a idolatria. “Vivendo em meio aos
pagãos de Alexandria, o povo judeu era continuamente tentado a participar dos cultos idolátricos, que
faziam parte da própria cultura grega. O autor, criticando essa idolatria inerente ao paganismo,
procura preservar a fé no Deus verdadeiro, que age na história para produzir a vida. (...) A tônica é que
os ídolos não podem fazer nada a favor do homem, porque este é que os fabrica. O sucesso dos
empreendimentos humanos não deve ser atribuído aos ídolos, mas à providência de Deus, que age
apesar dos ídolos. (...) trocar o serviço ao Deus vivo e libertador pelo culto aos ídolos mortos tem
consequências trágicas para a vida humana. Tanto a pessoa como a sociedade se tornam escravas da
mentira e da corrupção em todos os níveis. Por trás de cada vício há sempre um ídolo. (...) O aspecto
diabólico da idolatria consiste em explorar a boa vontade e ingenuidade do povo para fins lucrativos.
Em nome do dinheiro, os fabricantes de ídolos não receiam manipular Deus, a verdade, a justiça e o
amor.” (Cf. Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, pp. 893 a 895, notas de rodapé, São Paulo, Sociedade
Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1990).
443
Cf. Ex., 25: 18 a 20.
444
Cf. Nm., 21: 8-9.
445
Cf. 1 Rs., 6: 23-35 e 7: 29.
446
Cf. NABETO, idem, site citado.
440
180
Logo, uma pintura de Michelangelo é uma imagem da mesma forma que o
desenho do tio Patinhas e o busto do Duque de Caxias também o são, de modo que não
importa se a imagem está em “segunda dimensão” (podendo ser representada num
plano x-y) ou em “terceira dimensão” (representada no plano x-y-z), mas que ela excite
a vista e, por conseqüência, a imaginação, que é a capacidade de conceber
abstratamente aquilo que é concreto, real.447
É inegável o poder de persuasão da imagem: a TV (imagem) não suplantou o
rádio (palavra)? São Paulo não se converteu ao Evangelho graças à visão
resplandescente de Cristo no caminho de Damasco?
Quantos homens também não se converteram por um simples olhar para uma
imagem ou crucifixo mudos no interior de uma igreja? Até mesmo a Bíblia afirma que
o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus448. Vemos, assim, que o velho
ditado “uma imagem vale mais do que mil palavras” é mais do que verdadeiro: é uma
realidade.449
Ídolo não é – e jamais foi! – sinônimo de imagem. Logo, o que a Bíblia
condena é a idolatria, a substituição de Deus por uma criatura, isto é, o uso negativo
da imagem que poderia resultar numa falsa compreensão das pessoas sobre Deus.
Se o uso for positivo, aproximando as pessoas do verdadeiro Deus, então seu
uso é justificado e permitido. A imagem simplesmente ajuda a criar um clima
favorável à oração e é um meio eficaz de evangelizar principalmente os pobres e
iletrados, aqueles mesmos atingidos e estimados pelos protestantes quando difundiram
a prática do livre exame.
As imagens sempre foram usadas por Jesus e pelos apóstolos como
instrumentos eficazes e reveladores da realidade invisível: para anunciar o Reino de
Deus usaram imagens de lírios, pássaros, sal, luz, etc., coisas que estimulavam a
compreensão do abstrato através de imagens retiradas do mundo concreto. São Paulo
também nos ensina que o Deus invisível tornou-se visível em Jesus Cristo450. As
catacumbas cristãs também apresentam, nas mais diversas formas (esculturas, pinturas
e desenhos) imagens bíblicas como a multiplicação dos pães, o Bom Pastor, Noé e o
dilúvio, a Virgem Maria, etc.451
Os cristãos orientais (ortodoxos) também devotam grande respeito às imagens,
as quais chamam de ícones. Os ícones gregos e russos são tidos como os mais belos da
iconografia cristã. Também os mosaicos gregos e latinos são exemplos de imagens da
arte cristã a serviço da evangelização. Aliás, o uso catequético das imagens sempre foi
defendido pelos doutores da Igreja principalmente para ensinar a fé cristã às crianças e
analfabetos, porque a figura muda sabe falar nas paredes das igrejas e muito ajuda.452
447
Idem, site citado.
Cf. Gn., 1: 26-27.
449
Cf. NABETO, idem, site citado.
450
Cf. Cl., 1: 1-15.
451
Cf. NABETO, idem, site citado.
452
Idem.
448
181
A partir do momento em que se crê e se adora um Deus único passa a ser
contraditório e impossível oferecer o mesmo grau de adoração para qualquer outro ser
(material ou imaterial) sem cair no pecado da idolatria.
No entanto, mesmo assim, no século XVI, a Reforma Protestante retomou a
luta contra as imagens e passou a arrancar e destruir as imagens sacras. Alguns
historiadores indicam Martinho Lutero como o responsável por tal violência, ao
combater o culto aos santos. Entretanto, tomando contato com livros luteranos, parece
que a versão tradicional não condiz mais com a realidade, já que os luteranos parecem
não se posicionar mais contra o uso das imagens.453
O pensamento simbólico é o pensamento religioso propriamente dito. Na
linguagem simbólica expressa-se a experiência do espiritual. Quando essa forma de
pensamento não-conceitual deixa de ser usada ou é ridicularizada, produz-se a
destruição de uma das disposições religiosas do ser humano.
Ao se destruir ou abolir as imagens, destrói-se o elemento que deixa o que é
cristão transformar-se em sentimento. A imagem provoca e confirma o pensamento
simbólico, sem o qual não se pode imaginar a religiosidade viva. Observando imagens
religiosas, aprende-se a sentir simbolicamente. A melhor forma de introduzir crianças
no mundo de concepções cristãs é através de imagens.
Quando
aprendemos
a
ver
a
imagem
apenas
como
“ídolo”, destruímos a percepção para o pensamento simbólico. Quando o ser humano
não é mais capaz de pensar e de ver símbolos em uma tradição cristã viva, sua
consciência religiosa fica perdida ou esclerosada.454
No início, Lutero tinha dificuldades com as imagens e afirmava que seria
melhor que não existissem e, por isso, na Reforma se expressou a convicção de que
somente a palavra havia de vencer. Para o mundo da Reforma, que tomava o
cristianismo primitivo como norma e exemplo, não podia haver lugar para a imagem.
O século XVI não mais entendeu a linguagem das imagens e, por isso, as destruiu,
produzindo consequências caóticas e cegueira. Com a retirada das imagens do interior
das igrejas protestantes destruiu-se o pensamento simbólico tão constitutivo para o
Cristianismo.455
Imagem não é apenas escultura: muito pelo contrário, abrange também pinturas,
gravuras, desenhos e quaisquer outras formas que estimulem a visão. Desta forma, uma
imagem – principalmente a imagem religiosa – encerra um sentido muito mais
profundo do que o próprio objeto. Ela, sem precisar necessariamente fazer uso da
palavra, consegue falar e sensibilizar as pessoas com muito mais facilidade que ótimos
oradores, pois carrega uma linguagem própria que nem sempre precisa excitar nossos
ouvidos.
É, portanto, inconcebível que as mesmas igrejas que atacam as imagens sacras,
defendidas pelos católicos, distribuam folhetos, Bíblias e estudos bíblicos ilustrados,
quer para crianças, quer para adultos – pois senão também estarão desobedecendo o
453
Idem.
Idem.
455
Idem.
454
182
mandamento divino, expresso no Êxodo, como as seitas fundamentalistas muitas vezes
dizem que os católicos afrontam...456
A própria Bíblia é uma imagem: as palavras impressas sobre o papel nada mais
são do que símbolos gráficos que excitam os olhos, resultando na imaginação
responsável pela compreensão do texto. Os fotolitos em off-set e as matrizes digitais
com que hoje se fabricam os livros, entre os quais o próprio Livro Sagrado, também
são imagens impressas que têm de ser aproveitados pelo olhar. Tanto é assim que os
cegos para tomar posse dessas imagens devem usar o artifício da linguagem em
Braille, expressas por relevo tátil, para “ver” o texto. Na verdade, a Bíblia é a imagem
impressa da Palavra de Deus.
Assim sendo, aquele que acusa o católico de idólatra, demonstra grande falta de
conhecimento religioso por não saber a diferença entre adoração e veneração. A Igreja
católica, em perfeita sintonia com a Bíblia, condena tudo o que for ídolo – seja material
ou imaterial – pois, como falso deus, tem a pretensão de ocupar o lugar reservado
exclusivamente ao Deus Vivo, Criador e Salvador da Humanidade.
O culto cristão de imagens não é contrário ao primeiro mandamento que proíbe
os ídolos. Conforme o Concílio de Nicéia, “quem venera uma imagem, venera nela a
pessoa que nela está pintada”. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração
respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus:
“O culto da religião não se dirige às imagens em si como realidades, mas as
considera em seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus
encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não
termina nela, mas tende para a realidade da qual é imagem”.457
– QUADRO 6 –
A BÍBLIA E AS IMAGENS
ARGUMENTOS BÍBLICOS
A FAVOR DAS IMAGENS
ARGUMENTOS BÍBLICOS
CONTRA AS IMAGENS
“Farás também um propiciatório de ouro
puro; de dois côvados e meio será o seu
comprimento, e a largura de um côvado e
meio. Farás dois querubins de ouro; de
ouro batido os farás, nas duas
extremidades do propiciatório; um
querubim, na extremidade de uma parte, e
o outro, na extremidade da outra parte;
de uma só peça com o propiciatório fareis
“Não farás para ti imagens de escultura,
nem semelhança alguma do que há em
cima nos céus, nem embaixo na terra,
nem nas águas debaixo da terra. Não as
adorarás, nem lhes darás culto; porque
eu sou o Senhor, teu Deus, Deus zeloso,
que visito a iniqüidade dos pais nos filhos
até à terceira e quarta geração daqueles
que me aborrecem...” (Ex., 20: 4-5);
456
Idem.
Cf. São Tomás de Aquino, S.Th. 2-2,81,3,ad 3. Dentre os documentos disponíveis da Igreja a Carta
Apostólica “Duodecim Saeculum” celebra o 12º século da realização do Segundo Concílio de Nicéia,
que tratou sobre a veneração das imagens, apud. NABETO, idem, site citado.
457
183
os querubins nas duas extremidades dele.
Os querubins estenderão as asas por
cima, cobrindo com elas o propiciatório;
estarão eles de faces voltadas uma para
outra, olhando para o propiciatório.
Porás o propiciatório em cima da arca; e
dentro dela porás o Testemunho, que eu te
darei. Ali, virei a ti e, de cima do
propiciatório, do meio dos dois querubins
que estão sobre a arca do Testemunho,
falarei contigo acerca de tudo o que te
ordenar para os filhos de Israel.”
(Ex., 25: 17-22);
“Fez também dois querubins de ouro; de
ouro batido os fez, nas duas extremidades
do propiciatório. Um querubim, na
extremidade de uma parte, e o outro, na
extremidade da outra parte; de uma só
peça com o propiciatório fez os querubins
nas duas extremidades dele. Os querubins
estendiam as asas por cima, cobrindo
com elas o propiciatório; estavam eles de
faces voltadas uma para a outra, olhando
para o propiciatório.”
(Ex., 37: 7-9);
“Então, disse o SENHOR a Moisés: Vai,
desce; porque o teu povo, que fizeste sair
do Egito se corrompeu e depressa se
desviou do caminho que lhe havia
ordenado; fez para si um bezerro fundido,
e o adorou e lhe sacrificou, e diz: São
estes, ó Israel, os teus deuses, que te
tiraram da terra do Egito. Disse mais o
SENHOR a Moisés: tenho visto esse povo,
e eis que é povo de dura cerviz. Agora,
pois, deixa-me, para que se acenda contra
eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti
farei uma grande nação.” (Ex., 32: 7-10);
“Não fareis para vós outros ídolos, nem
vos levantarei imagem de escultura nem
coluna, nem poreis pedras com figuras na
vossa terra, para vos inclinardes a ela;
porque eu sou o SENHOR, vosso Deus.”
(Lv., 26: 1);
“Não farás para ti imagem de escultura,
nem semelhança alguma do que há em
cima no céu, nem embaixo na terra, nem
nas águas debaixo da terra” (Dt., 5: 8);
“As imagens de escultura de seus deuses
“Moisés levantou o tabernáculo, e pôs as queimarás; a prata e o ouro que estão
suas bases, e armou as suas tábuas, e sobre elas não cobiçarás, nem os tomarás
meteu, nele, as suas vergas, e levantou as para ti, para que não te enlaces neles;
suas colunas.” (Ex., 40: 18);
pois são abominação ao SENHOR, teu
Deus.” (Dt., 7: 25);
“Disse o Senhor a Moisés: Faze uma
serpente abrasadora, põe-na sobre uma “Removeu os altos, quebrou as colunas e
haste, e será que todo mordido que a deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em
mirar viverá. Fez Moisés uma serpente de pedaços a serpente de bronze que Moisés
bronze e a pôs sobre uma haste; sendo fizera, porque até àquele dia os filhos de
alguém mordido por alguma serpente, se Israel lhe queimavam incenso e lhe
olhava para a de bronze, sarava.” (Nm., chamavam Neustã.”
20: 8-9);
(2 Rs., 18: 4);
“Sejam confundidos todos os que servem
a imagens de escultura, os que se gloriam
de ídolos; prostrem-se diante dele todos
os deuses.”
(Sl., 97: 7);
“Mandou, pois, o povo trazer de Silo a
arca do Senhor
dos Exércitos,
entronizado entre os querubins, os dois
filhos de Eli, Hofni e Finéias, estavam ali
com a arca da Aliança de Deus.”
(1 Sm., 4: 4);
“Por que diriam as nações: Onde está o
Deus deles? No céu está o nosso Deus e
184
“Dispôs-se e, com todo o povo que tinha
consigo, partiu para Baalim de Judá,
para levar de lá para cima a arca de
Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o
nome do SENHOR dos Exércitos, que se
assenta acima dos querubins.”
(2 Sm., 6: 2);
No Santo dos Santos, fez dois querubins
de madeira de oliveira, cada um da altura
de dez côvados. Cada asa dum querubim
era de cinco côvados; dez côvados havia,
pois, de uma a outra extremidade de suas
asas. Assim, também era de dez côvados o
outro querubim; ambos mediam o mesmo
e eram da mesma forma. A altura dum
querubim era de dez côvados; e assim a
do outro. Pôs os querubins no mais
interior da casa; os querubins estavam de
asas estendidas, de maneira que a asa de
um tocava numa parede, e a asa do outro
tocava na outra parede; e as suas asas no
meio da casa tocavam uma na outra. E
cobriu de ouro os querubins. Nas paredes
todas, tanto no mais interior da casa
como no seu exterior, lavrou, ao redor,
entalhes de querubins, palmeiras e flores
abertas.”
(1 Rs., 6: 23-29);
“Assim, fabricou de madeira de oliveira
duas folhas e lavrou nelas entalhes de
querubins, de palmeiras e de flores
abertas; a estas, como as palmeiras e os
querubins, cobriu de ouro.”
(1 Rs., 6: 32);
“Fez também de bronze dez suportes;
cada um media quatro côvados de
comprimento, quatro de largura e três de
altura; e eram do seguinte modo; tinham
painéis, que estavam entre molduras, nos
quais havia leões, bois e querubins; nas
molduras de cima e de baixo dos leões e
dos bois, havia festões pendentes.”
(1 Rs., 7: 25-29);
“Na superfície dos seus apoios e dos seus
painéis, gravou querubins, leões e
palmeiras, segundo o espaço de cada um,
tudo faz como lhe agrada. Prata e ouro
são os ídolos deles, obra das mãos de
homens.”
(Sl., 115: 2-4).
“Infelizes também são aqueles que
depositam sua esperança em coisas
mortas, e que invocam como deuses as
obras de mãos humanas: coisas de ouro e
prata, trabalhadas com arte, figuras de
animais, ou uma pedra sem valor, obra de
mão antiga. (...) Sim, porque Deus odeia
tanto o idólatra como a idolatria. A obra
será castigada com o seu autor. Por isso,
o julgamento atingirá também os ídolos
das nações. Porque, entre as criaturas de
Deus, eles se tornaram abomináveis,
escândalo para as almas dos homens, e
armadilha para os pés insensatos. (...) A
invenção dos ídolos foi o começo da
prostituição e a descoberta deles
introduziu a corrupção na vida. Eles não
existiam no princípio, e não existirão
para sempre. Entraram no mundo por
causa da vaidade dos homens e por isso o
seu fim rápido já está decretado. (...) A
adoração de ídolos sem nome é princípio,
causa e fim de todo o mal. De fato, os
idólatras entregam-se a divertimentos até
o delírio, ou profetizam a mentira, ou
vivem na injustiça, ou perjuram com
facilidade. Colocando sua confiança em
ídolos sem vida, eles não esperam castigo
nenhum por terem jurado falso. (...) Não
nos extraviamos com a invenção humana
de uma arte pervertida, nem com o
trabalho estéril dos pintores, que pintam
suas imagens com várias cores. Elas
despertam a paixão dos insensatos, que
ficam entusiasmados com a forma inerte
de uma imagem morta. Aqueles que
fazem, desejam e adoram os ídolos, são
amantes do mal e dignos da esperança
que os ídolos trazem. (...) De fato, eles
consideram como deuses todos os ídolos
dos pagãos. Os olhos desses ídolos não os
ajudam a ver, nem o nariz a respirar o ar,
nem os ouvidos a ouvir, nem os dedos das
mãos a apalpar, e seus pés são incapazes
de caminhar. Porque foi um homem que
185
com festões ao redor.”
(1 Rs., 7: 36);
“Puseram os sacerdotes a arca da
Aliança e do Senhor no seu lugar, no
santuário mais interior do templo, no
Santo dos Santos, debaixo das asas dos
querubins. Pois os querubins estendiam
as asas sobre o lugar da arca e, do alto,
cobriam a arca e os varais.”
(1 Rs., 8: 6-7);
os fez. Quem os modelou foi um ser que
recebeu a respiração por empréstimo.
Nenhum homem pode plasmar um deus
que lhe seja semelhante, pois sendo
mortal, suas mãos ímpias só podem
produzir um cadáver. O homem é melhor
que os objetos que ele adora. O homem,
pelo menos, tem vida; mas os ídolos
jamais o terão.” (Sb., 13: 10; 14: 9-13,
27-29; 15: 4-6, 15-17)*
“No espaço em cima da porta, e até ao
templo de dentro e de fora, e em toda a
parede em redor, por dentro e por fora,
havia obras de escultura, querubins e
palmeiras, de sorte que cada palmeira
estava entre querubim e querubim, e cada
querubim tinha dois rostos, a saber, um
rosto de homem olhava a palmeira de
uma banda, e um rosto de leãozinho, para
a palmeira de outra banda; assim se fez
pela casa toda ao redor. Desde o chão até
acima da entrada estavam feitos os
querubins e as palmeiras, como também
pela parede do templo. As ombreiras do
templo eram quadradas, e, no tocante á
entrada do Santo dos Santos, era esta da
mesma aparência.”
(Ez., 41: 17-21);
“E se o ministério da morte, gravado com
letras em pedras, se revestiu de glória, a
ponto de os filhos de Israel não poderem
fitar a face de Moisés, por causa da
glória do seu rosto, ainda que
desvanescente, como não será de maior
glória o ministério do Espírito! (...)
Porque, se o que se desvanecia teve sua
glória, muito mais glória tem o que é
permanente. Tendo, pois, tal esperança,
servimo-nos de muita ousadia no falar. E
não somos como Moisés, que punha véu
sobre a face, para que os filhos de Israel
não atentassem na terminação do que se
desvanecia. Mas os sentidos deles se
embotaram. Pois até ao dia de hoje,
quando fazem a leitura da antiga aliança,
o mesmo véu permanece, não lhes sendo
revelada que, em Cristo, é removido.” (2
186
Co., 3: 7-8 e 11-14);
“...e sobre ela [a arca da aliança], os
querubins de glória, que, com a sua
sombra, cobriam o propiciatório. Dessas
coisas, todavia, não falaremos, agora,
pormenorizadamente.” (Hb. 9: 5).
* O Livro da Sabedoria não é considerado canônico e não está presente nas Bíblias
protestantes. No entanto, o seu conteúdo é o mais longo texto bíblico contra a
idolatria, que é um ponto inegociável justamente para os protestantes. Os católicos
que fazem imagens de santos, anjos, de Nossa Senhora e Cristo, além de seus artistas,
escultores e pintores haverem reproduzido muitas cenas importantes da vida cristã,
repudiam de forma categórica os ídolos, sem, contudo, misturá-los com as imagens
que servem desde os primeiros séculos à pedagogia católica. Tal atitude contribuiu,
inclusive, para que não fossem impedidas as pesquisas que redundaram no
desenvolvimento da fotografia e do cinema. O aspecto diabólico da idolatria, contudo,
consiste em explorar a boa vontade e ingenuidade do povo para fins lucrativos, o que
é facilmente percebido no mundo contemporâneo com a valorização excessiva de
artistas, cantores e atores, elevados à categoria de “mega-stars” e postos na mídia
como objetos de adoração de grupos de fãs e cultores de seus trabalhos que, em
muitos casos, são equiparados a Deus. O exemplo mais notório foi o de John Lennon,
guitarrista do grupo “The Beatles” que, no auge da fama e exposição externa, disse
que os quatro músicos eram mais famosos do que Jesus Cristo. Desse momento em
diante, os Beatles nunca mais tiveram a mesma popularidade, o grupo se separou e,
mais tarde, o próprio John Lennon morreu assassinado. Para nosso interesse, todavia,
resta anotar o grande paradoxo de ser um livro católico, rejeitado pelos protestantes e
evangélicos, o que mais defende a doutrina que mais radicalmente adotam: o repúdio
à idolatria.
A acusação de idolatria serve como pretexto de condenação aos católicos em
quase tudo, mas o que mais ressalta aos olhos é a indisposição que protestantes e
fundamentalistas têm contra a veneração de Maria, como mãe de Jesus e intercessora
(não mediadora) dos homens.
A diferença é sutil, muito tênue, mas não é superficial, é substancial. Toca os
corações de muitos grupos como divisor de águas. As testemunhas de Jeová acusam os
católicos de adorar a Maria, o que, segundo eles, é condenado em Êxodo 20: 3: “Não
terás outros deuses diante de minha face”. No entanto, o ensino oficial católico sempre
assinalou que a adoração pertence somente a Deus e nenhuma criatura (incluindo
Maria) mereceria tal feito.
Qualquer católico que colocasse Maria no mesmo nível de Deus seria culpado
de violar o Primeiro Mandamento e pecar. O credo de Nicéia, nesse sentido, fixou o
187
balizamento: “creio em um só Deus” e, por conseguinte, a doutrina do politeísmo é
repudiada, o que impede a adoração de Maria, que não é uma deusa.458
Maria deve ser venerada da mesma maneira com que Deus a honrou. Deus a
escolheu para ser a mãe de Seu Filho e enviou o anjo Gabriel para anunciar que o
Senhor estava com ela e que ela havia sido grandemente abençoada459. Nenhuma
mulher, antes ou desde então, foi tão privilegiada por carregar o Filho de Deus460.
Sendo assim, não é uma simples mulher como várias seitas protestantes e as
Testemunhas querem entender. Carregar o Filho de Deus a colocou totalmente em
outra categoria. Na verdade, ela se tornou a primeira cristã da história, respondendo
ao anjo que era a serva do Senhor e que se fizesse nela tudo conforme a sua Palavra461.
Na mensagem do anjo, ela recebeu a Palavra de Deus e deu vida a Jesus, para o
mundo, através do Espírito Santo. O “ente santo” que haveria de nascer também seria
chamado “Filho de Deus” e Maria fielmente ouviu a palavra, manteve-a em seu
coração e obedeceu462.
Através da intercessão de Maria, Jesus realizou o primeiro milagre em Caná463
e, naquela ocasião, as palavras dela aos servos aplicam-se a nós até hoje: “Fazei o que
Ele (Jesus) vos disser”. Aliás, ao abordar a mãe com a expressão “mulher, isto compete
a nós?”, não queria dizer de maneira agressiva “isto não é da sua conta”, mas “não se
preocupe, tudo vai dar certo”. É o que provavelmente Jesus pensava no momento em
que procedeu ao milagre da transformação de água em vinho a seu pedido!464
A utilização da palavra “mulher”, naqueles tempos, não implicava em qualquer
desrespeito genérico – equivalendo hoje em dia ao termo “Senhora”, embora se
utilizem comumente passagens bíblicas para interpretar uma atitude de menosprezo à
mãe, por parte de Jesus:

“Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e
mãe.”465;

“Ora, aconteceu que ao dizer Jesus estas palavras, uma mulher, que estava
entre a multidão, exclamou e disse-lhe: Bem-aventurada aquela que te
concebeu, e os seios que te amamentaram! Ele, porém, respondeu: Antes, bemaventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam!466.
Jesus está realmente dizendo aos ouvintes para imitar a sua mãe, porque ela
guardou a Palavra de Deus. Jesus também ensinou a necessidade de desprendimento da
família pelo amor de Deus, mas ao colocar Deus acima de sua família não pretendia
Cf. KENNESON, Claude. “Por que os Católicos honram Maria” – uma resposta às Testemunhas de
Jeová”, tradução de Edigar Limeira, fonte: http://www.catholicxjw.com/honormary.html.
459
Cf. Lc., 1: 28-30.
460
Cf. Gl., 4: 45.
461
Cf. Lc., 1: 31-33, 35.
462
Cf. Lc., 2: 19, 45 e 51.
463
Cf. Jo., 2: 1-11.
464
Cf. KENNESSON, site citado.
465
Cf. Mc., 3: 35.
466
Cf. Lc., 11: 27-28.
458
188
praticar nenhum desrespeito. O mesmo Jesus também disse: “Honra a teu pai e a tua
mãe.”467
Se o próprio Deus fora o primeiro a honrar Maria, enviando-lhe um anjo,
porque seria errado, ou anti-bíblico, fazer o mesmo? Ao compreender o próprio papel
no contexto da vida do Filho, “pois, desde agora, me proclamarão bem-aventurada
todas as gerações”468, ela pressente o papel na história e recebe dos católicos o nome
significativo de “Virgem Maria Abençoada”, como advogada469 dos homens e mãe da
Igreja.
No entanto, os protestantes destacam uma pretensa “mariolatria” como uma
das teses mais polêmicas do catolicismo, como se nomeando com tal expressão o culto
à Maria ele fosse automaticamente despojado de significado e importância para os
cristãos.
Colocar Maria como uma mulher qualquer e chutar em público a sua imagem,
como o fez um pastor da Igreja universal, só exibe um ranço terrível de ódio e
intolerância, completamente incompatível com o espírito pós-moderno do século XXI.
Ainda mais quando sabemos que grupos evangélicos brasileiros radicais –
desses que afundam no mar os barcos dedicados à Iemanjá, com ofertas de seus fiéis
para o Ano Novo – direcionam projetos de lei na Câmara dos Deputados tencionando
eliminar o dia 12 de outubro como feriado nacional dedicado à Nossa Senhora
Aparecida, a padroeira do Brasil.
Essas funestas iniciativas servem somente como pano de fundo para a
verdadeira intenção de desbancar o poder majoritário da Igreja católica em nosso meio,
mais por inveja do que por virtuosos motivos bíblicos.
Os Mórmons
De outro lado, temos as seitas fundamentalistas que adotam outras bíblias para
“aprofundar” as informações contrárias à Igreja romana. Tal é o que acontece com a
Igreja dos Santos dos Últimos Dias – SUD, conhecida popularmente como “Igreja
Mórmon”.
O “Livro de Mórmon”470, que possui 620 páginas de doutrina, é uma espécie de
bíblia alternativa, um texto coadjuvante que procura oferecer uma história sagrada
revista, que começa com os descendentes e discípulos de José do Egito e termina
mostrando a “história de um eventual transporte dos judeus até as terras americanas”
do Extremo Ocidente.
Seria uma forma de explicar espiritualmente a conturbada colonização dos
Estados Unidos, unindo os seus habitantes a uma provável origem no Egito, na
Mesopotâmia e Palestina. Uma espécie de “elo perdido” que conta uma estória
467
Cf. Mt., 15: 4.
Cf. Lc. 1: 48.
469
Advogada, do latim, “ad-vocare” , aquele que fala pelo outro...
470
Cf. “O Livro de Mórmon”, publicado por “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”,
Salt Lake City, Utah, EUA, Printed in Brazil, 11/2006, Intellectual Reserve, Inc., 1997.
468
189
completamente inverossímil, fruto da imaginação fértil do fundador da seita, o
“profeta” Joseph Smith (1805-1844). Comparativamente, poderíamos comparar o
Livro de Mórmon a esses filmes de Hollywood que procuram estilizar os temas
principais da Bíblia com roteiros coadjuvantes, originados na imaginação de novelistas
de apelo popular.
O controvertido personagem Smith, como sempre ocorre com os fundadores
fundamentalistas, surgiu de uma família protestante e, desde cedo, mostrou-se
propenso a inventar estórias maravilhosas: desde criança teve educação que
misturava superstição, ignorância e pobreza. A mãe era dada inclusive a constantes
visões e abrigava a crença na magia...
Em 1820, o jovem Joseph teve uma visão em que dois anjos lhe deram a ordem
de não se filiar a crença religiosa alguma, porque o seu destino seria restaurar “a Igreja
cristã primitiva”. Numa segunda visão, em 1822, “foi visitado” por outra figura
fulgurante, o anjo Moroni, que lhe deu a conhecer a existência de placas de ouro
ocultas, nas quais estava escrita a história espetacular do povo de Deus na América.
Finalmente, em 1827, o mesmo anjo o levou a encontrar as famosas placas, após haver
cavado o cume da colina Cumorah.
O texto da mensagem era atribuído pelo anjo a um rei chamado “Mórmon” (daí
o nome que foi dado à Igreja e seus seguidores posteriormente). O documento, redigido
em “língua egípcia reformada” foi, depois, traduzido, graças a duas pedras (Urim e
Tumim) cedidas pelo anjo ao profeta, com a intenção de que ele compreendesse o
texto.471
Em 1829, Joseph Smith e Oliver Cowdery disseram ter recebido uma visita de
João, o evangelista, que lhes concedeu o sacerdócio de Arão. Nisso um batizou o outro.
No dia 6 de Abril de 1830, Joseph Smith e mais cinco homens jovens organizaram a
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Durante a reunião, Joseph Smith recebeu uma revelação, sendo designado
“vidente, profeta e apóstolo de Jesus Cristo”, e desde então passou a ser chamado de O
Profeta.
Smith afirmava que quem ousasse lançar um olhar sobre as placas de ouro
morreria imediatamente. Por isso, colocava-se atrás de uma cortina e de lá ditava a
tradução das placas a um secretário, um modesto camponês chamado Martin Harris.
Em junho de 1829 estava terminada a tradução inglesa do Livro de Mórmon, a qual foi
impressa e publicada em 1830. Sem demora (aliás não é motivo de surpresa acontecer)
o anjo arrebatou as placas, de sorte que jamais foram vistas pelo público.472
A Igreja Mórmon foi fundada em 6 de abril de 1830 em Fayette, Nova Iorque,
por Joseph Smith e alguns de seus seguidores. As doutrinas do Mormonismo
provocaram a desaprovação de cristãos e ateus da época, o que fez com que lutassem
contra a seita desde o início. Antes de se mudarem para Utah, a história Mórmon foi
infestada de conflitos e a denominação mudou a sede várias vezes. Até que
471
472
Cf. BITTENCOURT, Estêvão. Crenças, religiões & seitas, o que são?, op. cit., p. 63.
Idem, op. cit., p. 63.
190
encontraram paz relativa em Utah e começarem a expandir a Igreja internacionalmente
até ser como é hoje.
Nessa época a poligamia, defendida pela seita, tornou-se mais conhecida.
Alguns poucos começaram a praticá-la em segredo para evitar grandes perseguições.
Esse assunto é um dos mais controversos na história Mórmon. Muitos membros que se
recusaram a aceitar tal doutrina deixaram a Igreja e começaram a persegui-la. Os
rumores de estranhas práticas sexuais entre os adeptos apenas intensificou o ódio
contra os seguidores do profeta.
Smith foi acusado e preso várias vezes como agitador, desordeiro, pregador de
falsas doutrinas e polígamo. Segundo um historiador ele teve 48 esposas...
Em junho de 1844, um ex-Mórmon publicou a única edição do jornal Nauvoo
Expositor. Ele atacou “o profeta” em relação à poligamia e muitos outros pontos,
pedindo que ele fosse enforcado. Joseph Smith, prefeito de Nauvoo, e o conselho da
cidade decidiram que o jornal representava grave ameaça à segurança do local e
ordenou que fosse fechado. Em 1844, foi preso sob a acusação de imoralidade,
falsificação e outros delitos. O xerife do condado enquadrou Joseph Smith na acusação
de incitar revolta e o profeta se rendeu com um pedido expresso do governador Ford.
No dia 27 de junho de 1844, o povo enfurecido invadiu a prisão onde Smith e
alguns outros membros estavam presos Após ser atirado da janela, tendo percebido que
ele ainda vivia, quatro homens colocaram-no sentado e o fuzilaram, matando-o, junto
com o seu irmão Hyrum Smith. Os inimigos dos Mórmons pensaram que a religião
acabaria após a morte do profeta e seus adeptos voltariam para o lugar de onde vieram,
mas Brigham Young assumiu a liderança da seita, juntamente com os outros doze
apóstolos, e eles ficaram.
A perseguição foi retomada e a escritura de Nauvoo, revogada, em janeiro de
1845. Os líderes da seita, antes da morte do fundador, já se referiam às Montanhas
Rochosas como lugar ideal para demarcar o próprio território. Decidiram-se, então, por
ir para o Oeste, sob o comando de Brigham Young e, em fevereiro de 1846, a primeira
companhia dos pioneiros Mórmons cruzou o Rio Mississipi. A sua sede, hoje, fica
situada no estado de Utah (que foi fundado pelos mórmons), nos Estados Unidos da
América, na cidade de Salt Lake City.
Os Mórmons não entendem as suas doutrinas como heresias, mas como
restauração de vários pontos do Evangelho. O Livro de Mórmon, que abrange um
período limitado, que vai de 600 A.C., até cerca de 400 D.C., ensina, por exemplo, que
há um único Deus, que é Espírito, e imutável de eternidade a eternidade473. Próximo do
fim de sua vida, todavia, como relatado em Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, ele
anunciou: “nós temos imaginado e suposto que Deus era Deus desde toda a
eternidade. Eu irei refutar esta idéia... Ele uma vez já foi homem como nós”. Os atuais
deuses mórmons, portanto, são muitos, em vez de um só como criam antes, nao são
espírito e não são imutáveis como o próprio Livro de Mórmon ensina474.
473
474
Cf. Alma 11:26-31; 2 Néfi 31:21; Mórmon 9:9-11,19 e Moroni 7:22; 8:18.
Cf. Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, p. 336.
191
Além disso, o Livro de Mórmon insiste, plagiando o que já está na Bíblia, que
toda a humanidade tenha que nascer outra vez , isto é, eles precisam ser mudados de
seu estado carnal e decaído, caso contrário eles não poderão de modo algum herdar o
Reino de Deus.
O livro proclama ainda uma necessidade de tornar-se uma nova criatura por ter
nascido espiritualmente de Deus e por ter experimentado essa poderosa mudança em
seus corações475. No entanto, o mormonismo moderno passou a enfatizar que o
batismo na água feito pela igreja Mórmon é indispensável para receber o novo
nascimento, o que é totalmente inaceitável do ponto de vista bíblico. Ninguém pode
nascer de novo sem batismo (McConkie, Mormon Doctrine, p. 101). No próprio Livro
de Mórmon, entretanto, o batismo é desnecessário para crianças e para Gentios (os que
estão sem lei) porque para tal é inútil476.
Novamente, o Livro de Mórmon declara que há somente dois destinos para a
humanidade: felicidade eterna ou miséria eterna. Aqueles que morrem, rejeitando a
Cristo, recebem tormento eterno, sem uma segunda chance após a morte. Eles são
“lançados no fogo, de onde eles nao retornam” e “vão para um lugar preparado para
eles, o lago de fogo.”477
Ao contrário de tudo isso, o Mormonismo de hoje passou a crer que qualquer
um pode usufruir de algum nível de glória, e que aqueles que já morreram podem ser
resgatados da “prisão” quando os vivos realizam batismos por procuração em favor
deles.
Todas as tentativas dos Mórmons de estabelecer seu Livro como uma produção
antiga nao tem tido grande peso diante do amontoado de evidencias de que se trata
realmente de uma peça de ficção do século XIX. O Livro de Mórmon contém a história
de três migrações do Velho Mundo para o Novo Mundo, mais especificamente das
regiões do Oriente Médio para o continente Americano. Dois livros demonstraram, no
entanto, a origem humana do Livro.
O primeiro deles consiste de dois manuscritos, escritos por volta de 1922, pela
Autoridade Geral Mórmon e apologista Brigham H. Roberts. É surpreendente saber
que este defensor da fé Mórmon argumentava implacavelmente que Joseph Smith teria
sido, ele mesmo, o autor do Livro de Mórmon. A família de Roberts tem agora
permitido exames sérios destes dois manuscritos que têm estado em sua posse desde
sua morte, em 1933. Eles têm sido publicados por intelectuais Mórmons478.
Roberts observa que o relato do livro sobre os antigos Americanos está em
conflito com o que é conhecido a partir de recentes investigações científicas. O Livro
de Mórmon os representa como pertencendo a uma cultura da Idade do Ferro, enquanto
475
Cf. Mosiah, 27:24-28 e Alma 5:14.
Cf. Moroni, 8:11-13 e 20-22.
477
Cf. 3 Néfi 27: 11-17; Mosiah 3: 24-27; 2 Néfi 28: 22-23 e Alma 34: 32-35.
478
Cf. Studies of the Book of Mórmon, University of Illinois Press, 1985.
476
192
a arqueologia tem mostrado que eles haviam avançado apenas para a Idade da Pedra
Polida, quando da chegada do homem branco.479
A situação – descobriu Roberts – complicou-se mais ainda pelo fato de o Livro
de Mórmon declarar que os primeiros colonos chegaram ao Novo Mundo quando ele
era inabitado. Os Jareditas vieram para aquela parte onde o homem nunca tinha
estado480 e lutaram entre si até a sua extinçao.
Os Nefitas, igualmente, vieram para uma terra escolhida entre todas as
outras481. Já que a chegada do último grupo é dita como tendo sido em mais ou menos
600 d.C., não haveria tempo suficiente para o desenvolvimento dos 169 ramos
conhecidos de linguagem no Novo Mundo, cada um deles com vários dialetos. Até
hoje a Arqueologia atual nao tem descoberto nada que contrarie as colocações de
Roberts.
Havendo mostrado que o livro está em desacordo com o conhecimento
científico recente, Roberts apresenta em seu segundo manuscrito, “Um Estudo do Livro
de Mórmon”, que ele combina com o conhecimento comum, aquilo que se conhecia,
normalmente, no começo do século dezenove, sobre os índios americanos. Esta crença
incluía muitas idéias erradas de que eles seriam descendentes das Tribos Perdidas de
Israel e que teriam desenvolvido, em algum momento no passado, um alto grau de
civilização.
Este conhecimento comum foi bem sintetizado, quase na forma de um livro de
bolso, num livro do Reverendo Ethan Smith. Este trabalho, View of the Hebrews (Uma
Visão sobre os Hebreus), estava impresso em sua segunda e ampliada edição cinco
anos antes do Livro de Mórmon ser publicado. Além disso, foi publicado na mesma
cidade pequena onde Oliver Cowdery vivia. Cowdery era um primo de Joseph Smith
Jr. e seu assistente na produção do Livro de Mórmon.
Numa análise ao longo de aproximadamente 100 páginas, Roberts mostra que o
livro de Ethan Smith contém praticamente a “base do plano” do Livro de Mórmon482,
indicando que Joseph Smith plagiara a história fictícia de Ethan, não sendo, portanto, a
revelação de um anjo.
Ambos os livros apresentam os nativos da América como Hebreus que vieram
do Velho Mundo. Alegam ter havido uma parte desmembrada do grupo civilizado e
que se degenerou para uma condição selvagem. A porção selvagem teria destruído
completamente a única civilizada após longas e terríveis guerras. Ambos os livros
atribuem ao ramo civilizado uma cultura da Idade do Ferro.
Os dois representam estes colonizadores do Novo Mundo como outrora
havendo tido um Livro de Deus, uma compreensão do evangelho e a figura de um
messias branco que os havia visitado. Ambos consideram os Gentios Americanos
como tendo sido escolhidos por profecia para pregar o evangelho aos índios que eram
remanescentes dos antigos Hebreus Americanos. Roberts faz perguntas incomodas
479
Idem, Studies, pp. 107-112, op. cit.
Cf. Éter, 2: 5.
481
Cf. 2 Néfi, 1:5-11.
482
Cf. Studies, pp. 151, 240-242, op. cit.
480
193
concernentes a este e outros paralelos que ele encontrou: Pode tão numerosos e
surpreendentes pontos de semelhança e sugestivo contato ser mera coincidência?483
Como seu terceiro ponto principal, Roberts estabelece o fato (usando
exclusivamente fontes Mórmons) de que Joseph Smith tinha imaginação suficiente
para ter produzido o Livro de Mórmon. Ele descreve a criatividade de Smith como
sendo tão forte e variada quanto a de Shakespeare, e nao deve ser dado a suas histórias
mais crédito do que o que pode ser dado às do bardo inglês484.
Roberts aponta para a impossibilidade da jornada de três dias de Lehi de
Jerusalém até a costa do Mar Vermelho, uma viagem de 170 milhas a pé, com
mulheres e crianças junto. Ele cita seu desembarque na América, a terra escolhida entre
todas as outras, onde eles inexplicavelmente encontraram animais domesticados —
“vacas, bois, asnos, cavalos, cabras, cabras monteses”485.
Roberts encontra uma repetição amadorística do mesmo enredo da história,
mudando apenas os personagens. O Livro tenta exceder os milagres da Bíblia e
apresenta algumas incríveis cenas de batalhas. Em um momento, 2060 adolescentes
lutaram em guerras por um período de mais de 4 a 5 anos sem que nenhum deles tenha
sido morto486. Isto levou Roberts a perguntar:
“Tudo isto é uma história coerente... ou trata-se de um conto maravilhoso de
uma mente imatura, inconsciente do quanto ele está exigindo da credulidade
humana quando pede que homens aceitem sua narrativa como uma história
verídica?”487
De fato, o Livro de Mórmon depende da cultura e da forma de pensamento da
época em que foi escrito no que diz respeito ao conteúdo e estilo.
H. Michael Marquardt demonstra, por sua vez, através de evidência muito forte,
que a Bíblia na versão do Rei Tiago (uma das traduções mais bem aceitas e usadas em
inglês) foi usada na composiçao do Livro de Mórmon.
A parte que supostamente teria sido escrita durante o período do Velho
Testamento é literalmente temperada com frases e citações da tradução do Rei Tiago
do Novo Testamento (ele lista 200 exemplos). Até as profecias que aparecem nesta
parte apresentam as mesmas palavras que são usadas no Novo Testamento da Bíblia.
Eis alguns dos muitos paralelos, indicando plágio:

“João, o Batista, por exemplo, é predito para vir e preparar o caminho para
Um que é mais poderoso do que eu” (1 Néfi 10: 8/Lucas, 3: 16);

“De quem nao sou digno de desatar a correia dos sapatos” (1 Néfi 10: 8/João,
1: 27);
483
Cf. Studies, p. 242, op. cit.
Cf. Studies, p. 244.
485
Cf. 1 Néfi, 18:25.
486
Cf. Alma, 56-58.
487
Cf. Studies, p. 283, op. cit.
484
194

“Semelhantemente, haverá um rebanho e um Pastor” (1 Néfi 22:25/Jo o 10:16)
e “uma fé e um batismo” (Mosiah 18:21/Efésios, 4: 5).
E mais, a vida e o ministério de Alma no período do Velho Testamento do
Livro de Mórmon são virtualmente uma cópia da vida do apóstolo Paulo. Até as
mesmas expressões tipicamente paulinas são encontrados nos lábios de Alma: fé,
esperança e caridade (Alma 7: 24/1 Coríntios 13: 13), o poder de Cristo para a salvação
(Alma 15: 6/Romanos 1:16), sem Deus no mundo (Alma 41: 11/Efésios 2: 12) etc.
A doutrina de Smith consiste de dois elementos: a pluralidade de esposas e o
matrimônio espiritual.
O ensinamento dos Mórmons é bem sutil para defender a poligamia. Eles dizem
que existem almas pré-existentes desde a eternidade e estão aguardando por um corpo
que lhe sirva de tabernáculo. Por isso, seria um dever de todo mórmon providenciar
corpos infantis para abrigar as almas. Na eternidade, as mulheres casadas com
mórmons serão as senhoras, e as não casadas serão as servas. Desta forma a poligamia
visa libertar o maior número de mulheres possível. Se a primeira esposa consentir, não
há adultério, dizem os mórmons. Segundo esta seita, Jesus foi polígamo, pois se casou
com Maria Madalena, Marta e Maria, irmãs de Lázaro.
Na revista Defesa da Fé de Novembro de 2002, saiu um artigo intitulado “Um
Jesus estranho”, em que relata sobre a morte de Rulon Jeffs, presidente da Igreja
Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, em Los Angeles,
Estados Unidos. Ele morreu deixando 19 ou 20 esposas, cerca de 60 filhos e centenas
de netos. Mais de 5 mil seguidores acompanharam o funeral e seu caixão foi levado
por pelo menos 33 de seus filhos. 488
A Igreja mantém registros cuidadosos de seus membros, incluindo informações
sobre a árvore genealógica; estas informações são importantes devido à crença na
possibilidade da salvação dos antepassados, através do batismo feito pelos seus
descendentes. A salvação só poderá ser alcançada se os antepassados aceitarem o
Evangelho no “mundo espiritual”, lugar onde o espírito dos mortos aguardam a
ressurreição.
Os Mórmons acreditam que o livro foi escrito por profetas antigos que
registraram sua fé nas palavras do Senhor. Um profeta do Livro de Mórmon escreveu:
“E falamos de Cristo, regozijamo-nos em Cristo, pregamos a Cristo, profetizamos de
Cristo, e escrevemos de acordo com nossas profecias, para que nossos filhos saibam
em que fonte procurar a remissão de seus pecados.”489
488
A Bíblia ensina, ao contrário, que Jesus Cristo aprovou o casamento monogâmico (Mt. 19:5-9), e
considerou adultério olhar com más intenções para uma mulher (Mt. 5:28). Os líderes da igreja devem
ser por excelência monogâmicos (1 Tm. 3:2). O crente deve ser esposo de uma só mulher (Ef. 5:24-33;
Rm. 7:2,3; 1 Co. 7:39). E a Bíblia também assevera que na eternidade não há casamento (Mt. 22:29,30;
Mc. 12:25; Lc. 20:35).
489
Cf. 2 Néfi, 25: 26.
195
O tema principal do livro envolve os descendentes de um profeta chamado Leí
que, por sua vez, era descendente do personagem bíblico Manasses490. Néfi e Lamã são
filhos de Leí e figuram como personagens principais no início do livro. Néfi é o filho
mais íntegro de Leí, enquanto que Lamã é descrito como alguém de má índole. Devido
ao seu comportamento transgressor, Lamã e seus seguidores são amaldiçoados com a
pele escura. A maioria dos mórmons crê que os americanos nativos eram descendentes
dos lamanitas de pele escura.
Pesquisas de DNA, no entanto, têm apresentado sérios desafios à reivindicação
mórmon de que os nativos americanos tenham sido descendentes de colonizadores
hebreus que teriam vindo para a América por volta da época em que Jerusalém fora
capturada pela Babilônia, centenas de anos antes de Cristo.
A página introdutória do Livro de Mórmon declara ser a obra “um resumo do
registro do povo de Néfi e também dos Lamanitas, remanescentes da casa de Israel”.
Mas diversos antropólogos, biólogos e geneticistas desafiaram esta suposição ao longo
dos anos, mas certamente nenhum deles alcançou maior notoriedade do que a que tem
recentemente usufruído Thomas Murphy – Presidente do Departamento de
Antropologia da Faculdade de Lynn Wood, em Washington (EUA).
O que tornou suas declarações tão intrigantes é o fato de ele ser também
membro da igreja Mórmon. Murphy insiste que o Livro de Mórmon é o “livro mais
correto da face da Terra”, mas é incorreto quando declara que os americanos nativos
são descendentes de judeus. Em 2002, Murphy empenhou um trabalho analítico sobre
“A origem, genealogia e genética dos lamanitas” e concluiu que “os resultados das
pesquisas de DNA não oferecem qualquer apoio para a tradicional crença mórmon
sobre as origens dos americanos nativos”.491
Murphy destaca que “as pesquisas de DNA foram substanciadas por evidências
arqueológicas, culturais, lingüísticas e biológicas que apontam de forma esmagadora
para uma origem asiática dos americanos nativos”.
Comentando sobre o Simpósio de Sunstone (um evento anual que reúne
estudantes mórmons liberais) na cidade de Salt Lake, em agosto de 2002, Murphy
interrogou: “Diante das descobertas, o que nós, mórmons, devemos fazer? Temos um
problema. Nossas crenças não são validadas pela ciência”. Tal conclusão o levou a ser
convocado à presença de autoridades mórmons para uma reunião disciplinar. Mas,
devido a um grande clamor dos membros da igreja, em 8 de dezembro de 2002, seu
julgamento foi adiado sem a agenda de uma outra data definida.492
Embora Murphy represente a ameaça principal contra a fidelidade mórmon
“ortodoxa”, ele não está sozinho em suas conclusões. Em sua pesquisa, menciona
Michael Crawford, biólogo e antropólogo da Universidade de Kansas. “Não há sequer
a mínima evidência de que as tribos perdidas de Israel trilharam caminho em direção
490
Cf. Alma, 10: 3.
Cf. MCKEEVER, Bill. “Ciência Desafia História Narrada no Livro de Mórmon”, tradução de Elvis
Brassaroto, disponível em: http://www.icp.com.br/73materia2.asp.
492
Idem.
491
196
ao Novo Mundo”, disse Crawford. “É uma grande história, desacreditada por uma
descoberta desagradável”.
O geneticista Bryan Sikes, da Universidade de Oxford, e a geneticista russa,
Miroslava Deremko, também compartilham de conclusões semelhantes. Murphy conta,
ainda, com o respeito do geneticista Scott Woodward, da Universidade de Brigham
Young, que está entre os que acreditam haver pouca esperança de estabelecer uma
conexão entre os americanos indígenas e os judeus.493
Diante de toda essa confusão, muitos mórmons começam a ter dificuldades em
aceitar a declaração introdutória do Livro de Mórmon sobre a suposição de os
“judeus” lamanitas serem os principais ancestrais dos índios americanos.
Agora, estudantes e apologistas mórmons insistem que as pessoas mencionadas
no Livro de Mórmon devem ter encontrado outros grupos já residentes na América
antes de eles chegarem, e que por meio de casamentos mistos os traços genéticos
tornaram-se indecifráveis. Esta teoria, conhecida como “vento genético”, assume que
os colonizadores lamanitas permaneceram sempre como um grupo relativamente
pequeno. Entretanto, Spencer Kimball pregou em uma mensagem em uma conferência,
em abril de 1947, que os Nefitas e os Lamanitas podiam ser numerados em centenas de
milhões de pessoas que viveram nos dois continentes americanos.494
Talvez mais prejudicial de tudo seja a maneira como o Livro de Mórmon
confunde a Velha e a Nova Aliança. O livro enfatiza que antes da vinda de Cristo os
fiéis guardavam a lei de Moisés, mas também estabeleciam igrejas, ensinavam e
praticavam o batismo cristão e agiam de acordo com doutrinas e eventos do Novo
Testamento495. Ora, é bíblica e historicamente comprovado que o conceito de igreja foi
trazido por Jesus, e só faz sentido com Ele.
As primeiras igrejas foram fundadas pelos apóstolos, e isso nao existia no
Velho Testamento. O desdobramento gradual dos temas teológicos tão evidentes na
Bíblia estão completamente ausentes no Livro de Mórmon. Na Bíblia a Velha Aliança
é tirada para estabelecer a Nova Aliança As primeiras igrejas foram fundadas pelos
apóstolos, e isso nao existia no Velho Testamento. O desdobramento gradual dos temas
teológicos tão evidentes na Bíblia estao completamente ausentes no Livro de Mórmon.
Na Bíblia a Velha Aliança é tirada para estabelecer a Nova Aliança496.
O Livro de Mórmon rompe esta ordem divina e mistura as alianças e suas
ordenanças, usando linguajar típico do reavivalismo497 protestante e idéias
contemporâneas da época de Smith. Tudo isso faz com que o Livro de Mórmon seja
visto como se fosse portador de uma mensagem mais simples e mais contextualizada
do que a Bíblia, mas somente para alguém que tem quase nenhum ou nenhum
conhecimento das Sagradas Escrituras.
493
Idem.
Idem.
495
Cf. 2 Néfi 9: 23 e Mosiah 18: 17.
496
Cf. Hb., 10: 9.
497
Reavivalismo é o movimento cristão, que surgiu nos Estados Unidos, que prega o despertar da fé
religiosa com palavras e emoções em reuniões fervorosas caracterizadas por sermões, testemunhos
públicos e cantos.
494
197
Entretanto, um exame cuidadoso deste Livro de Mórmon, cuja teologia tem
sido, em grande parte, negligenciada pela própria Igreja de Jesus Cristo dos Santos
dos Últimos Dias, prova que realmente é uma peça de ficção sobre os primórdios da
América. Através dos textos tomados emprestados da Bíblia e do material
contemporâneo, e sua imitação do estilo de linguagem da Bíblia King James,
constituiu-se num poderoso atrativo para os sedentos de novidades em religião daquele
tempo. Uma avaliação cuidadosa, no entanto, mostra claramente que nao é, em
nenhum sentido, uma revelação autêntica de Deus.
Por fim – e o que é mais grave – os Mórmons citam a “Igreja dos Gentios”
como abominável:
“E disse-me o anjo: Estas são as nações e os reinos dos gentios. E aconteceu
que vi entre as nações dos gentios a formação de uma grande igreja. E disseme o anjo: Vê a formação de uma igreja que é a mais abominável de todas as
igrejas, que “mata os santos de Deus, sim, tortura-os e oprime-os e subjugaos com um jugo de ferro e leva-os ao cativeiro. E aconteceu que vi essa
grande e abominável igreja; e vi que o diabo era o seu fundador. E vi também
ouro e prata e sedas e escarlatas e linho finamente tecido e toda espécie de
vestimentas preciosas; e vi muitas meretrizes. E falou-me o anjo, dizendo: Eis
que o ouro e a prata e as sedas e as escarlatas e o linho e as vestimentas
preciosas e as meretrizes são os desejos dessa grande e abominável igreja.”498
Mais adiante, denunciam que o patrimônio sagrado dos judeus (o Antigo
Testamento) foi usurpado por essa grande Igreja, que sonegou textos preciosos:
“E depois de transmitidas dos judeus aos gentios pela mão dos doze apóstolos
do Cordeiro, vês a formação daquela grande e abominável igreja que é mais
abominável que todas as outras igrejas; pois eis que tiraram do evangelho do
Cordeiro muitas partes que são claras e sumariamente preciosas; e também
muitos convênios do Senhor foram tirados. (...)... depois de haver o livro
passado pelas mãos de grande e abominável igreja, foram suprimidas muitas
coisas claras e preciosas do livro, que é o livro do Cordeiro de Deus. (...) ...
por causa dessas coisas que foram suprimidas do evangelho do Cordeiro, um
grande número tropeça, sim, de tal maneira que Satanás tem um grande poder
sobre eles.”499
Asseveram, ainda, que só existem duas igrejas: a do Cordeiro de Deus (a deles,
naturalmente) e a igreja do diabo (a dos outros):
“E aquele grande abismo que foi cavado para eles por aquela grande e
abominável igreja, fundada pelo diabo e seus filhos a fim de que ele pudesse
levar para o inferno as almas dos homens (...). (...) Olha e vê aquela grande e
abominável igreja, que é a mãe das abominações, cujo fundador é o diabo. E
disse-me ele: Eis que não há mais do que duas igrejas: uma é a do Cordeiro
de Deus e a outra é a igreja do diabo; portanto, quem não pertence à igreja
498
499
Cf. 1 Néfi, 13: 3-8.
Cf. 1 Néfi, 13: 26, 28 e 29.
198
do Cordeiro de Deus faz parte daquela grande igreja, que é a mãe das
abominações; e ela é a prostituta de toda a Terra.”500
Ora, o texto continua, afirmando que a igreja do diabo é muito grande e domina
todas as águas, nações, tribos línguas e povos, enquanto a igreja do Cordeiro de Deus
era pequena em razão da iniqüidade da prostituta revelada a Néfi. E essa igreja seria
um ramo da oliveira que representava a Casa de Israel e a restauração dos judeus nos
últimos dias.501
Os Mórmons, desejosos de prosperar no Extremo Ocidente, acolhem a teoria da
prosperidade, afirmando:
“Se guardares meus mandamentos prosperareis na terra; mas se não
guardares meus mandamentos, sereis afastados de minha presença.”502
A história Mórmon começa com uma miraculosa visão de um jovem fazendeiro
em 1820 e hoje resulta em uma igreja mundial com mais de doze milhões de membros
e mais de 50 mil missionários que convertem cerca de 250 mil pessoas por ano em
todo o mundo.
Sob a liderança do atual Presidente, Gordon B. Hinckley, a Igreja Mórmon
aumentou o número de templos em todo o mundo para trazer suas bênçãos ao maior
número possível e aumentar a capacidade de realizar as ordenanças para a salvação dos
mortos. Existem atualmente mais de 120 templos em operação em todo o mundo.
Desde a Segunda Guerra Mundial a Igreja Mórmon tem visto um rápido
crescimento. Em 1947 o número de membros da Igreja era de um milhão. Em 1997
esse número era de dez milhões. Antes de morrer, Joseph Smith transferiu as chaves da
autoridade da seita aos apóstolos escolhidos por ele. Com isso houve uma disputa por
chefia que acabou dividindo a seita em cinco grupos. Daqueles grupos hoje existem
três grandes dissidências. No Brasil, eles chegaram, em 1935, na cidade de Campinas.
A intolerância racial
A última dificuldade da história Mórmon tem sido a sua expansão
internacional. Hoje, a Igreja está presente em mais de 160 países e possui quase treze
milhões de membros, dos quais mais de metade estão fora dos Estados Unidos (dados
oficiais de Abril de 2007).
Com a adição de tantas culturas diferentes para uma Igreja fundada por
americanos com raízes na Europa ocidental, muitos passos foram tomados para
simplificar os programas da Igreja para a base do evangelho, o qual acomoda todas as
culturas e povos. O movimento para os Direitos Humanos nos Estados Unidos e o
crescimento do número de membros na África estava colocando pressão nos líderes
Mórmons para reconsiderar a política de prevenir os Mórmons negros de portar o
sacerdócio na Igreja Mórmon. O Presidente Spencer W. Kimball “já estava orando
sobre o assunto” a um determinado tempo quando em 1978 “anunciou a revelação”
500
Cf. 1 Néfi, 14: 3, 9-10
Cf. 1 Néfi, 14: 11-12; 15: 12 e 19.
502
Cf. 2 Néfi, 1: 20.
501
199
permitindo todos os homens dignos a portar o sacerdócio e de partilhar de suas bênçãos
(Declaração Oficial 2).503
Os membros negros da Igreja Mórmon não podiam portar o sacerdócio até o
ano de 1978. Entretanto, o que se segue também é verdadeiro. A Igreja Mórmon (cujo
nome oficial é A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) não é uma igreja
racista. Desde o seu começo, a Igreja pregava os direitos iguais, indiferente da raça do
membro.
O fundador e primeiro profeta da Religião Mórmon, Joseph Smith, disse o
seguinte a respeito da escravidão:
“Faz o meu sangue ferver dentro de mim refletir sobre a injustiça, crueldade
e opressão de pessoas que controlam pessoas. Quando essas coisas cessarão
sua existência e a constituição e a lei novamente terão o controle das
regras?”504
Mais tarde, Joseph Smith veio a se candidatar a presidente, tendo o programa
anti-escravidão como um de seus planos de governo. Ele não via nenhuma diferença
entre negros e brancos a não ser escravidão e a falta de escravidão. De fato, ele disse:
“[Negros] vieram para o mundo como escravos tanto mentalmente quanto
fisicamente. Mude sua situação para com os brancos e eles serão exatamente
como eles.”505
Portanto, a Igreja recusa tratar os negros como propriedade desde o começo.
Foi pedido aos proprietários de escravos que se filiavam a Igreja para dar àqueles
escravos o direito de escolher a liberdade. Depois que a Igreja se mudou para Utah,
eles removeram as palavras “livre”, “branco” e “masculino” da constituição de
requerimentos para votar. Foi então permitido aos Mórmons negros votar antes mesmo
dos negros dos Estados Unidos. Infelizmente eles perderam esse direito quando Utah
se uniu aos Estados Unidos.506
Mas embora os negros fossem membros da Igreja desde o começo, eles não
podiam portar o sacerdócio ou receber a plenitude das ordenanças dos Templos
Mórmons senão até 1978. Por quê? Isso não é bem claro. Em nenhum tempo o Senhor
baniu especificamente os membros negros do sacerdócio, mas Ele também não
ordenou que fosse dado a eles (os membros negros) quando eles não o portavam.
“Devemos ser bastante cautelosos” – dizem os Mórmons – “ao
tentar
entender o porquê isso existiu, embora pessoas sempre tenham as suas
teorias. Por exemplo, alguns acreditam que os negros não podiam portar o
sacerdócio por causa da poderosa atmosfera racista que existia nos Estados
Unidos naquela época e que os outros membro da Igreja não estavam
503
Cf. http://www.igrejamormon.org/o_crescimento_da_igreja.
Cf. Joseph Smith. História da Igreja. 5:217-218.
505
Cf. Joseph Smith. Carta do Profeta para John C. Bennett – Na correspondência dos Bennetts Contra
Escravidão. História da Igreja, 4:544.
506
Cf. http://www.igrejamormon.com/mormons_negros. Times and Seasons, vol. 1 número12, out.
1840.
504
200
preparados, mas não se sabe ao certo. Sem as palavras do Senhor referente
aos porquês da questão, nós não podemos ter certeza.”507
Novamente, os negros puderam receber o sacerdócio em 1978, especificamente
no dia 8 de junho. O então Presidente da Igreja, Spencer W. Kimball, pensou bastante
sobre os membros negros da Igreja e o sacerdócio. Ele perguntou ao Senhor se os
Mórmons negros poderiam portar o sacerdócio e receber todas as bênçãos que outros
membros da Igreja tinham. A resposta do senhor foi a seguinte: “todo membro do sexo
masculino digno da Igreja pode ser ordenado ao sacerdócio sem restrição de raça ou
cor”508 Os Mórmons negros hoje podem portar o sacerdócio e participar das
ordenanças dos templos Mórmons.509
A Igreja Mórmon – dizem os seus partidários – não é uma instituição racista.
Isso não quer dizer que os membros ou até mesmo os líderes jamais tenham dito coisas
que são racistas ou que não tenham tido idéias racistas.
A Igreja Mórmon, como toda igreja ou grupo de pessoas, é cheio de seres
humanos falhos. E os líderes e membros da Igreja Mórmon foram, em um grau maior
ou menor, produtos do seu tempo, ou seja, cresceram com idéias existentes de suas
épocas. Eles não estavam imunes de acreditar em coisas que outras pessoas de seu
tempo acreditavam – e o mundo do século dezenove e metade do século vinte era
plenamente racista. Mas precisamos nos lembrar que a Religião Mórmon é professada
por pessoas imperfeitas – e que a Igreja em si nunca professou oficialmente essas
idéias racistas e professa contra elas hoje em dia.
Hoje em dia existem três templos Mórmons na África e a Igreja tem centenas
de milhares de membros negros naquela região. Presidente Gordon B. Hinckley
redeclarou que nos precisamos amar uns aos outros, apesar das diferenças:
“Que não haja nenhuma animosidade entre vocês, mas apenas
amor,
indiferente de raça, e indiferente de circunstancias. Que possamos amar uns
aos outros como o Senhor gostaria que fizéssemos”.510
No entanto, esse “pedido de desculpas da seita”, transcrito do próprio site
oficial, não nos convence.
Segundo Natanael Rinaldi511, entre as seitas norte-americanas que ensinavam
serem os negros pessoas sob maldição pela condição da sua pele, apontam-se, entre
outras, As Testemunhas de Jeová, os Adventistas do Sétimo Dia e os Mórmons, mas
por motivo de honestidade intelectual o autor admite hoje essas seitas não persistem
em tal ensino preconceituoso contra os negros.
Do meu ponto de vista é claro que essa liberalização foi feita em troca de fiéis e
dízimos, porque interessa a essas seitas fazer o caminho de volta, do Extremo Ocidente
507
Idem.
Cf. Doutrina & Convênios. Declaração Oficial 2.
509
Idem, mórmons negros..., site citado.
510
Cf. Gordon B. Hinckley, “Pensamentos Inspiradores”, Ensign, junho 2004, 3.
511
Cf. RINALDI, Natanael. “As seitas e o Preconceito Racial”,
http://www.iepaz.org.br/iepaz.org.br/sh_57.asp.htm.
508
disponível
em:
201
(das Terras americanas) para o Oriente, passando pela África e nações de predomínio
das raças negras, que possuem condições de sofrimento e miséria suficientes para
ouvirem novos apelos espirituais. Ou seja, após o colonialismo europeu, que cessou
praticamente em meados do século XX, agora os colonizadores do Ocidente querem a
subordinação dos fiéis africanos e de Terceiro Mundo (considerados antes cidadãos de
segunda classe) a credos fundamentalistas.
O preconceito racial hoje é considerado crime, mas nem sempre foi assim,
ressalta Rinaldi. O preconceito racial contra os negros era comum nos Estados Unidos
e ainda hoje existe de modo mais reservado. Mas houve tempo em que as seitas
provindas dos Estados Unidos sustentavam essa discriminação aqui no Brasil. Os
mórmons preferiam fazer suas pregações entre os moradores de Santa Catarina, onde
predominavam brancos louros, filhos de imigrantes alemães e italianos.512
Até 1978 os negros mórmons não podiam exercer o sacerdócio. Derrubada a lei
que proibia os negros pertencerem ao sacerdócio, tal aconteceu porque o templo,
inaugurado em 1978, em São Paulo, não podia ser visitado pelos brasileiros sob a
alegação de que todo brasileiro tinha em suas veias sangue de parentes negros.513
O que se deve considerar, também, é que para manterem esse erro racial por
vários anos de sua existência, as seitas mencionadas sempre alegaram revelações
especiais de Deus nesse sentido. Paradoxal é que a Bíblia defende a igualdade entre os
seres humanos todos criados por de Deus.514
É incrível que certos líderes religiosos atribuem essa orientação para a prática
do preconceito racial ao próprio Deus através de pessoas especialmente designadas
aqui na Terra.
Os adventistas, por exemplo, manifestam-se como tendo respeito absoluto à
Bíblia, fazendo declarações de que ela é a Palavra de Deus. No entanto, reconhecem
que uma única pessoa é responsável pela interpretação do Livro Sagrado. Ela é
considerada como única pessoa sobre quem repousa o “espírito de profecia”. Algumas
declarações encontradas em livros publicados por Ellen Gould White, com aprovação
da própria igreja, revelam sua autoridade divina.
“Nos tempos antigos, Deus falou aos homens pela boca de seus servos
e
apóstolos. Nestes dias Ele lhes fala por meio dos TESTEMUNHOS DO SEU
ESPÍRITO. Não houve ainda um tempo em que mais seriamente falasse ao
seu povo a respeito de sua vontade e da conduta que este deve ter.” (o
maiúsculo é nosso) 515
512
Idem, site citado.
Idem, site citado.
514
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre
os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo
réptil que se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o
criou; homem e mulher os criou.” (Gn., 1: 26,27). Pedro, quando entrou em casa de Cornélio, declarou:
“Reconheço por que Deus não faz acepção de pessoas.”(At 10: 34) Por outro lado, lemos em 1 Sm 16: 7
que “o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos (a cor da pele)
porém o Senhor olha para o coração.”
515
Cf. Testemunhos Seletos, vol. II, p. 276, 2ª edição, 1956. Cf. RINALDI, site citado.
513
202
A igreja adventista vangloria-se de ser remanescente em virtude de possuir o
“espírito de profecia” na pessoa de Ellen G. White. Seria uma igreja segregacionista
como foi a profetisa? Obedece essa igreja essa orientação segundo “esclarecimento
dado da parte do Senhor”?:
“Em resposta a indagações quanto à conveniência de casamento entre jovens
cristãos de raças branca e preta, direi que nos princípios de minha obra esta
pergunta me foi apresentada, e o esclarecimento que me foi dado da parte do
Senhor foi que esse passo não devia ser dado; pois é certo criar discussão e
confusão.”... “Que o irmão de cor se case com uma irmã de cor que seja
digna, que ame a Deus e guarde os Seus mandamentos. Que a irmã branca
que pensa em unir-se em matrimônio a um irmão de cor se recuse a dar tal
passo, pois o Senhor não está dirigindo nessa direção.”516
E continua em outra passagem, a “profetisa”:
“Mas há uma objeção ao casamento da raça branca com a preta. Todos devem
considerar que não têm o direito de trazer à sua prole
aquilo
que
a
coloca em desvantagem; não têm o direito de lhe dar como patrimônio
hereditário uma condição que os sujeitariam a uma vida de humilhação. Os
filhos desses casamentos mistos têm um sentimento de amargura para com os
pais que lhes deram essa herança para toda a vida”.517
Parece, pelo que escreveu a Sra. White, que ser negro é:





Estar em desvantagem em relação aos brancos;
Carregar um patrimônio hereditário inferior;
Viver uma vida de humilhação;
Ser amargurado por ser negro;
Viver proibido de se relacionar com um parceiro branco.
Na Bíblia, ao contrário, o negro sempre foi respeitado por Deus. Na hora da
crucificação, o escolhido para ajudar o Senhor, com a sua cruz, foi um negro518;
quando o profeta Jeremias agonizava em um poço, Deus usou outro negro para ajudálo519; Salomão, por sua vez, recebeu a Rainha de Sabá, que era negra e Jesus Cristo
elogiou a sabedoria do grande rei de Israel520. Assim, vemos como o negro é
importante para Cristo, sem contar que o Salvador da humanidade tinha em sua
genealogia pessoas de cor negra521. O Senhor ama a todos, pois assim nos diz a
Palavra:
516
Cf. Mensagens Escolhidas, vol. 2, p. 344.
Cf. EG White, Mensagens Escolhidas - vol.2; Editora Casa Publicadora, Sto. André- SP; 1985, pp.
343 e 344
518
Cf. Mc., 15: 21.
519
Cf. Jeremias, capítulo 38.
520
Cf. 1 Rs., 10 e Mt., 12: 42.
521
Cf. Mateus, capítulo 1.
517
203
“Pois em um só Espírito fomos todos nós batizados em um só corpo, quer
judeus, quer gregos, quer escravos quer livres (quer negros); e a todos nós foi
dado beber de um só Espírito.”522
Por conseguinte, não importa a cor da pele, por que “somos um em Cristo
Jesus”, mas jamais poderíamos ser um se nos puséssemos em concordância com o que
afirma a “profetisa” Sra. White.523
O fundador do mormonismo, Joseph Smith, por seu turno, reconhecia que
também tinha o “espírito de profecia”. Tinha consciência de sua veia profética ao
escrever:
“Se qualquer pessoa me perguntar se eu sou um profeta, não o negarei, já
que estaria mentindo se o fizesse; pois, segundo João, o testemunho de Jesus
é o espírito de profecia. Portanto, se declaro ser testemunha ou mestre, e não
tenho o espírito de profecia, que é o testemunho de Jesus, sou uma falsa
testemunha; porém, se sou um mestre ou testemunha verdadeira, devo ter o
espírito de profecia, e isso é o que constitui um profeta.”524
Por muito tempo os mórmons ensinaram que todas as pessoas de descendência
negra eram inferiores e amaldiçoadas por Deus por causa dos pecados cometidos antes
do próprio nascimento:
“Pois eis que o Senhor amaldiçoará a terra com muito calor e a sua
esterilidade continuará para sempre; e uma cor negra
desceu sobre todos
os filhos de Canaã, de modo que foram desprezados dentre todos os povos. E
Enoque também viu os remanescentes do povo que eram os filhos de Adão; e
eram uma mistura de toda a semente de Adão, exceto a de Caim, pois a
semente de Caim era negra e não tinha lugar entre eles.”525
Posteriormente os descendentes dos Israelitas, por causa da sua rebelião e
iniqüidade, foram amaldiçoados com a pele negra. São chamados de Lamanitas:
“E ele fez cair a maldição sobre eles, sim, uma dolorosa maldição por causa
de suas iniqüidades. Pois tinham endurecido seus corações contra ele de tal
modo que pareciam de pedra; e por serem brancos, notavelmente formosos e
graciosos, e para que não seduzissem a meu povo; o Senhor Deus fez com
que sua pele se tornasse escura.”526
Contra essas percepções dos Mórmons, é interessante notar que José (do Egito)
era hebreu, sendo redundante dizer que era negro e bisneto de Abraão, que também era
negro, da tradição suméria. José casou-se com uma egípcia chamada Asenate ou
Asenet. Sendo assim, seus filhos, Efraim e Manasses, eram negros e egípcios. Nisto
está presente a incoerência dos Mórmons: eles se dizem seguidores de uma tribo de
Israel que vivia na América e foi visitada por Jesus Cristo com certeza absoluta. Tal
afirmação, porém, é infundada: “não foi nenhuma tribo dos filhos de Israel (a visitá522
Cf. 1 Co., 12: 13.
Cf. RINALDI, site citado.
524
Cf. Ensinamentos do Profeta Joseph Smith , p. 263.
525
Cf. MOISÉS, 7: 8, 22 – A Pérola de Grande Valor, edição 1997, pp. 23,25.
526
Cf. 2 Néfi, 5: 21, O Livro de Mórmon, pp. 81, edição 1951.
523
204
los, na América), mas um delírio do escritor do livro porquanto todas as tribos de
Israel eram negras.”527
Os Mórmons criaram a sua igreja e teologia centradas no equívoco, na
discriminação racial, no desconhecimento bíblico e histórico.
Já as Testemunhas de Jeová se vangloriam do trabalho de porta em porta,
alegando que cumprem a ordem de Jesus Cristo “E este evangelho do reino será
pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim.”528
Usam uma Bíblia alternativa, conhecida como “Tradução do Novo Mundo” e nela se
lê, distorcendo-se o Evangelista: “E estas boas novas do reino serão pregadas em toda
a terra habitada, em testemunho a todas as nações; e então virá o fim.”529
A partir de que data essas chamadas “boas novas” passaram a ser publicadas de
porta em porta? A partir de 1914. E nesse ano foi empossado os homens do Corpo
Governante também conhecido como “o escravo fiel e discreto” a quem Jesus
encarregou de dar “alimento espiritual” a todas as Testemunhas de Jeová. Dizem elas:
“Jeová Deus proveu também sua organização visível, seu “escravo fiel e
discreto”, composto dos ungidos com o espírito, para ajudar os cristãos em
todas as nações a entender e a aplicar corretamente a Bíblia na sua vida. A
menos que estejamos em contato com este canal de comunicação usado por
Deus, não avançaremos na estrada da vida, não importa quanto leiamos a
Bíblia.”530
Sob a orientação espiritual desse canal de comunicação usado por Deus para
fazer valer sua vontade soberana para com os homens, escreveu-se o seguinte sobre os
negros:
“Embora seja verdade que a raça branca apresenta algumas qualidades de
superioridade sobre qualquer outra, devemos lembrar que há amplas
diferenças dentro da mesma família caucasiana (semita e ariana); e devemos
recordar também que algumas das qualidades que deram a este ramo da
família humana sua proeminência no mundo não são aquelas que se
possam chamar de admiráveis em todos os aspectos... O segredo da maior
inteligência e aptidão dos caucasianos deve ser, sem dúvida, a mistura de
sangue entre seus vários ramos; e isto foi evidentemente forçado em grande
parte por circunstâncias sob controle divino.”531
Um comentário escrito no livro “A Verdade Sobre as Testemunhas de Jeová”,
na p. 195, diz o seguinte sobre o texto citado:
“Será que ficou bem claro? O que este artigo defende não é a que a mistura
das raças contribuiu para a maior inteligência e aptidão de todos, não. O que
ele diz é que a mistura entre os diversos ramos da raça caucasiana (branca)
527
Cf. RINALDI, site citado.
Cf. Mt., 24: 14.
529
Cf. RINALDI, site citado.
530
Cf. A Sentinela, 1-8-1982, p. 27. Idem, site citado.
531
Cf. A Sentinela (em inglês) de 15 de julho de 1902, pp. 215-216.
528
205
aprimorou as qualidades dos próprios caucasianos. E por “circunstâncias sob
controle divino”!”
Lê-se mais no citado livro, mesma página e página seguinte:
“Em 1929, a Sociedade ainda não havia se livrado de seu preconceito,
insinuando que os negros foram feitos para servir e, como ensinavam os
filósofos do racismo, eles (os negros) são mais felizes assim.”
“Acredita-se de modo geral que a maldição proferida por Noé sobre Canaã
deu origem à raça negra. É certo que quando Noé disse:”Maldito seja Canaã,
um servo dos servos é o que ele será de seus irmãos” ele delineou o futuro da
raça de cor. Eles foram e são uma raça de servos, mas agora na alvorada do
século XX, estamos todos passando a ver que este assunto da servidão em sua
verdadeira luz e a descobrir que a única verdadeira alegria da vida está
em
servir aos outros, não em comandá-los. Não há no mundo um servo tão
bom
quanto a um bom servo de cor, e a alegria que ele obtém em
prestar um
serviço fiel é uma das mais puras alegrias do mundo.”532
Depois de expor com pormenores esse preconceito contra os negros, a elite da
Sociedade Torre de Vigia, conhecida mundialmente como o seu “Corpo Governante”
já mencionada, ainda estava esperando uma promoção da parte de Deus como se fora
fiel dentro da incumbência recebida do Senhor Jesus, em 1914, e inspecionada por ele
mesmo, em 1919. Escreveu o “escravo fiel e discreto”, no livro “Aproximou-se o Reino
de Deus de Mil Anos”, p. 354:
“O Senhor Jesus declarou feliz o ‘escravo fiel e discreto’ por causa do que o
aguardava como recompensa por fazer o que seu amo lhe mandou fazer.
Recebe uma promoção, com maiores responsabilidades para com o amo, a
quem é tão fiel.”
Como os ensinos humanos são transitórios, esses grupos sectários recorrem à
Bíblia para justificar os fracassos doutrinários. Entretanto, a Bíblia é muito clara ao nos
prevenir contra as mudanças doutrinárias muito freqüentes nas seitas proféticas como
as indicadas:
“Filho meu, teme a Jeová e ao rei. Não te metas com os que estão a favor
duma mudança. Porque o seu desastre surgirá tão repentinamente, que da
extinção daqueles que estão a favor duma mudança quem se aperceberá?”533
“E Jeová prosseguiu, dizendo-me: “Falsidade é o que os profetas
estão
profetizando em meu nome. Não os enviei, nem lhes dei ordem, nem falei
com eles. Falam-vos profeticamente duma visão falsa, e de adivinhação, e
duma coisa que nada vale, e a da ardileza de seu coração.”534
532
Cf. A Idade de Ouro, antigo nome de DESPERTAI, de 24 de julho de 1929, p. 702.
Cf. Pv., 24: 21-22, TNM.
534
Cf. Jr ., 14: 14, TNM.
533
206
Não foi sem razão que Jesus nos avisou solenemente: “Guardai-vos dos falsos
profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos
devoradores.”535
Não poderia deixar de assinalar, no caso das testemunhas de Jeová, um
depoimento de uma ex-adepta brasileira, Eva Coutinho, que estampou na internet a sua
opinião sobre a seita, sofrendo inclusive diversas perseguições:
“Fui Testemunha de Jeová durante toda a vida, engolindo um cristianismo
tipicamente manipulador e cruel. Há 3 anos saí por questionar muitas coisas.
Fui pressionando todos os “superiores” em busca de respostas, que não
obtive, daí resolvi sair. Hoje em dia, acho que a religião é o mal da
humanidade porque cada religião vai dizer que ela é a verdade. Se o
catolicismo fosse verdade, todo o Oriente estaria condenado?
Acho
que
não é por aí. Estou numa fase neutra. Não penso muito se deus existe,
embora ainda acho que sim, se existem
forças superiores. Acredito no
bem-estar atual, respeitar as outras pessoas, ser honesta... Acho que sou um
pouco confucionista. Mas só sou confucionista porque ele veio antes de mim,
senão, eu seria “evanista”, seguindo minha opinião e de mais ninguém (mas
Confúcio teve as mesmas idéias séculos atrás...).”536
O Fundamentalismo Católico
No momento específico em que estamos vivendo, na primeira década do século
XXI, o que é mais próximo da idéia de fundamentalismo seria a ação política dos
muçulmanos xiitas, que tentam restaurar, através dos talibãs no Afeganistão, dos
aiatolás no Irã e dos rebeldes iraquianos, sírios e palestinos, uma teocracia nos moldes
da Idade Média do século VII, com a atmosfera espiritual imediatamente posterior ao
arrebatamento de Maomé, em Jerusalém.
O ódio à Israel rebrilha nos noticiários, como uma constante de luta e dissabor,
numa guerra sem fim contra os primos, que descendem do mesmo tronco, Abraão, de
onde provêm os próprios islamitas. Segundo o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje sagrado
Papa Bento XVI: “...o Islã, tão seguro de si mesmo, atua há muito tempo sobre o
Terceiro Mundo como algo mais fascinante que um cristianismo dividido em si
mesmo.”537
Os judeus, por seu turno, também são divididos entre radicais ortodoxos e
rabinos, que compõem o movimento sionista de retorno à Terra Santa e os judeus da
diáspora, espalhados pelo mundo e divididos em múltiplas nacionalidades. Há, ainda,
judeus anti-sionistas e judeus que não professam a religião judaica, quer porque
535
Cf. Mt., 7: 15.
Cf. COUTINHO, Eva, apud. PAPOV, Rynaldo. “Denúncia Grave Contra Testemunhas de Jeová”,
rynaldop
em
yahoo.com.br,
Quarta,
Junho
2005,
disponível
em:
http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-brasil-audio/2005-June/0609-qh.html.
537
Cf.
RATZINGER,
Joseph.
O
Fundamentalismo
Islâmico,
disponível
em:
http://www.acidigital.com/islam/fundamentalismo.htm.
536
207
abraçaram outra religião, quer por serem ateus ou agnósticos. Existem tanto fora como
dentro de Israel e tomam geralmente posição contra a atuação do governo israelita.
De acordo com Rogério Antunes538, existem algumas componentes históricas
do Judaísmo que constituem uma base ideal para uma atitude de cunho
fundamentalista:

O direito de sangue, que se prende ao próprio fundamento da nação hebraica,
considerando-se que não é judeu quem quer, nem tampouco quem pratica a
respectiva religião, mas sim aquele que seja filho de mãe judia. Este, portanto,
é um conceito inerente ao de nação étnica, de onde a legitimidade de ser judeu;

Outro fator remete-nos à predestinação da nação judaica como o “povo
eleito” por Deus para continuar, segundo os Textos Bíblicos, o Seu projeto na
Terra;

A terceira componente resulta da promessa que terá sido feita a Abraão de ser
concedida ao povo judeu a terra de Israel, onde hoje se encontra o Estado com
o mesmo nome.
Com base nestes aspectos, desenvolveu-se entre os judeus um crescente
complexo de superioridade e de coesão interna, fortalecida pela impossibilidade de
estranhos se tornarem judeus e pelo acentuar das suas características próprias, em
oposição aos “outsiders”, aos outros. Esse sentimento de unidade foi sendo
aprofundado em função das variadíssimas injustiças de que os judeus foram sendo
vitimas ao longo dos séculos.539
Embora o termo “fundamentalismo”, por tudo o que já dissemos, imponha uma
noção pejorativa de conflito, intolerância e morbidez fanática, em sua origem inglesa
ele era aplicado com orgulho para distinguir os puros dos protestantes “liberais”, que
deturpavam a verdadeira fé cristã540. De acordo com Antonio Flávio Pierucci, a receita
de fé fundamentalista, que emerge numa declaração da igreja presbiteriana em 1910,
era constituída por cinco pontos fundamentais:

a veracidade absoluta da Bíblia;

o nascimento virginal de Jesus;

a ressurreição física de Jesus;

a autenticidade de seus milagres, prova de sua divindade;

a expiação dos pecados pelo sacrifício de Cristo tornando desnecessária a
expiação pelas obras.
Quando o reverendo Curtis Lee Laws, editor do jornal batista Watchman
Examiner, utilizou o termo fundamentalism em 1920, o nome foi honrosamente
Cf. ANTUNES, Rogério. “Os Fundamentalismos Religiosos”, Centro de Investigação e Análise em
Relações
Internacionais,
Portugal,
disponível
em:
http://www.ciari.org/investigacao/fundamentalismos_religiosos.htm.
539
Idem, site citado.
540
Cf. PIERUCCI, Antônio Flávio. “Criacionismo é fundamentalismo. O que é fundamentalismo?”,
disponível em: http://www.comciencia.br, Atualizado em 10/07/2004.
538
208
incorporado por seus colegas batistas e presbiterianos como algo que traduzia bem o
empenho deles de irem à luta pelos fundamentos da fé contra o protestantismo
liberal.541
O objetivo básico era defender o princípio da plena inspiração divina da Bíblia.
Para os fundamentalistas, a Bíblia foi totalmente inspirada por Deus, tintim por tintim,
em todas as particularidades e minudências. E observa:
“Estando escrito no Livro Sagrado, não há o que discutir: assim pensa o
fundamentalista protestante (e, por extensão, o judeu fundamentalista em
relação à Torá, o muçulmano fundamentalista em relação ao Alcorão, o
católico fundamentalista em relação aos dogmas pontifícios e conciliares
promulgados em latim). A palavra escrita por inspiração divina, em vez de ser
o ponto de partida para especulações intelectuais, discussões doutrinárias e
controvérsias teológicas, deve ser tratada e reverenciada como o tira-dúvidas
último, o tira-prosa nas discussões.”542
É curioso notar que antes de ser fundamentalista é preciso ser monoteísta. O
muçulmano pode ser fundamentalista, o judeu, o protestante, até mesmo o católico. Já
o hindu ou o taoísta, dificilmente. Para o adepto do candomblé ou da umbanda,
religiões sem livro sagrado, é impossível ser fundamentalista.
São três religiões, todas surgidas no Oriente Médio, tendo como origem o
mesmo profeta Abraão, que supõe que a verdade, assim como a divindade, é uma só, a
verdade é una, não havendo nem podendo haver outras verdades além dela.
Não deixa de ser interessante observar como o fundamentalismo, por excelência
um movimento do século XX, adentra com todo viço e vigor no século XXI, dotando
de extrema visibilidade as características de resistência e reação contra a cultura
científica e a política secularizada, produzidas e difundidas mundo afora pelo Ocidente
moderno.543
Hoje, no mundo muçulmano, os diversos grupos fundamentalistas são políticoreligiosos, não somente religiosos. São todos eles partidários de um retorno ao texto do
Alcorão para aí, na fonte, beber os referenciais religiosos, morais, sociais e políticos do
renascimento da era muçulmana, do “islã como cultura total”.
Eis aí, nessa escolha da conquista do poder do Estado como escala obrigatória
na rota de um projeto civilizador total, uma outra dimensão na qual o ativismo islâmico
revigora seu coração justamente e, com isso, partilha esta característica própria do
integrismo religioso: a de implementar a verdadeira religião em todas as esferas da
vida.
Como a palavra integrismo advém do termo integridade, que atua como
genérica noção religiosa, o fenômeno do que poderíamos chamar de “ultra-rigorismo
integrista” ultrapassa, na verdade, o reino das crenças institucionalizadas e pode atingir
541
Idem, site citado.
Idem, site citado.
543
Idem, site citado.
542
209
até os comportamentos individuais de consumidores. Os desejáveis cuidados com a
saúde, a alimentação, a ecologia etc. não estão isentos do perigo fundamentalista.
O integrismo católico
Para esse tipo de consciência, todos os fundamentalismos do momento, sejam
quais forem as religiões ou as seitas, são iguais em suas predicações de racismo e
sexismo, num novo tipo de conjugação financeira e moral que leva ao recrutamento de
jovens nas regiões mais pobres do mundo para fins obscuros, às vezes inconfessáveis.
É o dízimo que o atraso mental faz pagar à consciência moderna.
Conforme Lázaro Curvêlo Chaves544, em todas as formas de fundamentalismo
ocorre uma busca de tornar o eu e o ego absolutos. Diz-se “eu tenho razão”, “sou dono
da verdade”, “você, se pensa diferente de mim, não tem razão.” A marca da
globalização de cima para baixo promovida pelos norte-americanos é o não
reconhecimento do outro. E complementa:
“... e, como todo o fundamentalismo, não aceita argumentações
racionais
voltadas à viabilização de um diálogo. Se lhes dizemos: “ninguém é dono da
verdade, somos, na melhor das hipóteses, buscadores da verdade”,
respondem coisas como “a verdade é Cristo e, quem tem Cristo no coração
somente vive, fala e pratica a verdade”, ou seja, uma vez que,
segundo
aquela visão “a salvação não está nas obras, mas na fé”, pode-se
praticar o que se quiser desde que a “profissão de fé” esteja dita.”545
Sobre o fundamentalismo no contexto da Igreja católica, a professora Brenda
Carranza546, assinala que os elementos de identificação são o Papa, a mariologia, os
sacramentos, a eucaristia e a intercessão dos santos, ressaltando, também, que para
entender o fundamentalismo da Igreja Católica Romana há que se entender o incômodo
causado pelo movimento de renovação carismática, que estabelece uma relação com
Deus sem mediação, o que elimina o centro do poder simbólico e concreto: “não
preciso de padre, não preciso da igreja”.547
Ocorre que o cerne da diferença entre as três grandes religiões monoteístas
vem a ser a existência do Papa na Igreja católica548. É esse dirigente supremo que
força os fundamentalistas a ter uma postura completamente diversa das encontradas
nos demais setores das denominações e seitas cristãs, porque ele é pólo aglutinador de
544
Cf. CHAVES, Lázaro Curvêlo. “Reflexões sobre o Fundamentalismo”, Revista Espaço Acadêmico,
Ano
I,
nº
6,
novembro
de
2001,
disponível
em:
http://www.espacoacademico.com.br/006/06lazaro.htm.
545
Idem, site citado.
Doutora em ciências sociais, professora-pesquisadora convidada pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, in MENDES, Haroldo.
“Evangélicos
e
católicos
discutem
fundamentalismo religioso”, Seminário Fundamentalismo Hoje. Promovido pelo Fórum Ecumênico
Brasil (FE-BRASIL), disponível em: http://www.primeiraigrejaipu.org.br/noticias/noticiasecumenicas/261-evangelicos-e-catolicos-discutem-fundamentalismo-religioso547
Idem, site citado.
548
Nem muçulmanos nem judeus têm um líder máximo para falar pessoalmente em nome de todos os
que se ligam às respectivas organizações religiosas.
546
210
concordância entre vários setores e ordens do corpo eclesiástico, além de cumprir papel
disciplinador pela infalibilidade em questões de ordem religiosa e dogma.
É por isso que o fundamentalismo católico procura, em primeiro lugar,
encontrar argumentos para discordar do Papa em assuntos fundamentais, como se ele
não fosse suficientemente duro e conservador no que tange às práticas religiosas.
Segundo Rogério Antunes549,A Igreja Católica conhece, nesse sentido, um novo
movimento ultra-conservador designado de Integrismo Católico, cujo principal mentor
foi o Arcebispo Marcel Lefebvre. Em sua obra “Acuso o Concílio”, o autor expôs os
problemas e os inimigos que ameaçavam a Igreja Católica, ou seja, os movimentos que
em conjunto a pretenderiam destruir: o modernismo e o liberalismo.
De acordo com Lefebvre, o Concílio do Vaticano II teria constituído uma
conspiração dos mentores desses movimentos político-filosóficos para conseguir a
aprovação de um conjunto de reformas que colocariam em perigo a sobrevivência da
Igreja mediante a introdução de graves erros no Catolicismo.
Dentre tais erros considerava o fato de a Igreja monárquica passar a colegial por
direito divino, através da consagração dos Bispos; o primado do Pontífice ficaria
esvaziado de conteúdo, na medida em que o Bispo de Roma seria reconhecido apenas
como um “primus inter pares” e já não como o único vigário de Cristo. Por outro lado,
o Arcebispo considerava que teriam sido introduzidas modificações de caráter
protestante na Igreja Católica Apostólica Romana, designadamente:

na liturgia, com o abandono do latim e com a aproximação a celebrações de
tipo protestante, assim como no sacerdócio e no sistema hierárquico da Igreja;

na substituição do rigor moral referenciado a disposições formais, pela aferição
remetida à consciência individual dos fieis;

na Bíblia com a sua versão de caráter ecumênico;

no catecismo e respectivo ensino, e mesmo no próprio Direito Canônico.550
Mediante estas constatações, considerava Lefebvre e os conservadores da Igreja
Católica que esta passava a deixar de ser católica e tornava-se virtualmente protestante.
E, desse modo, passava a ser necessário o retorno ao tradicionalismo e
conservadorismo que haviam caracterizado a doutrina, ou seja, era aconselhado aos
crentes que desobedecessem à Igreja tal como ela se apresentava: reformulada após o
Concílio do Vaticano II.551
O Concílio do Vaticano II (1962-1965) foi uma reunião de bispos com o
objetivo de adaptar a Igreja católica aos imperativos do mundo moderno, tentando
Cf. ANTUNES, Rogério. “Os Fundamentalismos Religiosos”, Centro de Investigação e Análise em
Relações
Internacionais,
Portugal,
disponível
em:
http://www.ciari.org/investigacao/fundamentalismos_religiosos.htm.
549
550
551
Idem, cf. ANTUNES, site citado.
Idem, site citado.
211
atualizá-la. Parece dele derivar, sem dúvida, o começo da discórdia entre
conservadores e progressistas dentro da Igreja.
Foi o Concílio convocado pelo Papa João XXIII e terminado por Paulo VI.
Com cerca de 2.500 bispos presentes, vindos dos quatro cantos do mundo, votou-se,
em Roma, uma bateria de decisões que renovou profundamente o perfil da Igreja e a
prática dos fiéis:

o direito da pessoa humana à liberdade religiosa;

os valores contidos em outras religiões, porque chamaram os fiéis ao diálogo
com elas, de forma especial, com o judaísmo, que tanto sofreu com o antisemitismo cristão;

Os bispos não mais definiriam a Igreja como uma estrutura hierárquica, mas
como um conjunto de crentes iguais entre si;

A primazia do papa ficou inalterada, mas os bispos, clérigos e laicos foram
convidados a se engajar mais na vida e na missão da Igreja;

A colegialidade foi representada pela internacionalização da cúria romana, o
governo central.
No entanto, o indicador mais visível da mutação católica é mesmo a reforma
litúrgica. A renegação do latim, em benefício das línguas vernáculas, desperta a
oposição do monsenhor Lefebvre e de uma minoria tradicionalista. Mas estes
contestaram, na verdade, o espírito de abertura e reforma do concílio. Resultou que
este Concílio não teve a liberdade de resolver três questões ainda sem resposta: a
autoridade papal, o casamento dos sacerdotes e os divorciados que voltem a se casar.
Acabrunhado com as propostas feitas durante o Concílio, Lefebvre escreveu,
em 1964, um artigo intitulado: “Para permanecer bom católico, será preciso tornar-se
protestante?” Este título já manifesta bem como o autor, em sua perspectiva muito
pessoal, via na marcha do Concílio a influência do liberalismo e do subjetivismo que
caracterizam o protestantismo.
Nos anos imediatamente posteriores ao Concílio (1966-1970), Lefebvre foi
exprimindo sempre mais os seus receios em artigos e homilias repetitivas, cuja lógica
era mais aparente do que real: as questões complexas eram por demais simplificadas. O
apelo à tradição da Igreja era constante; tratava-se, porém, de uma tradição curta, que
começava no século XVI (Concílio de Trento, réplica ao protestantismo), destituída de
ampla visão da história da Igreja. Em junho de 1970 escrevia Lefebvre: “Realizou-se
na Igreja um perigoso desvio para o protestantismo e o modernismo”.
Integristas versus Vaticano II
À primeira vista, a liberdade religiosa, proclamada pelo Concílio do Vaticano II
na Declaração Dignitatis Humanae, pode parecer suspeita aos olhos da fé católica. É
212
isto que impressionou Lefebvre. Na verdade, porém, a liberdade religiosa que a Igreja
propugna deve ser assim entendida:

Todo indivíduo tem, em consciência, a obrigação de investigar o problema
religioso e responder-lhe conscientemente: “Cada qual tem o dever e, por
conseguinte, o direito de procurar a verdade em matéria religiosa, a fim de
chegar por meios adequados a formar prudentemente juízos de consciência
retos e verdadeiros” (Dignitatis Humanae nº 3).
Outro tema que suscitou as apreensões do bispo francês foi o do Ecumenismo.
Este fora entendido pelo Concílio do Vaticano II como movimento de restauração da
unidade, entre os cristãos separados, dentro da única Igreja fundada por Cristo e
entregue ao pastoreio de Pedro, conforme outro documento do Encontro:

“A reintegração da unidade entre todos os cristãos é um dos objetivos
principais do Sagrado Sínodo Ecumênico Vaticano II. O Cristo Senhor fundou
uma só e única Igreja. Todavia muitas comunidades cristãs se apresentam aos
homens como sendo a herança verdadeira de Jesus Cristo” (Unitatis
Redintegratio n° 1).
O autêntico sentido do ecumenismo tem sido deturpado pelo falso irenismo (=
pacifismo), de que fala o Concílio. Assim, por exemplo, há quem afirme:
“O ecumenismo não é o esforço da Igreja Católica para trazer de volta os
cristãos que dela saíram. Esta era a noção vigente antes do Concílio do
Vaticano II... Ecumenismo é o esforço de aproximação entre as várias
confissões cristãs em direção à perfeição de Cristo”.552
Esta noção, que não necessita de referência a Pedro e à Igreja Católica como
portadora dos meios de salvação, é falha e ilusória, segundo as correntes integristas.
Contra ela podem insurgir-se os fiéis católicos em geral; o mesmo, porém, não se diga
em relação ao texto conciliar.
Lefebvre, conforme sua índole pessoal combativa, esperava do Concílio do
Vaticano II a condenação de “todos os erros contemporâneos”, que, no entender dele
estavam ligados aos cismas entre cristãos. Ora, já que o Concílio não proferiu a
condenação sobre tais correntes (julgando que as poderia combater de outro modo),
concluiu o arcebispo que o Concílio lhes fez concessões demais.
O papa João XXIII, em 1965, como resultado do Concílio Vaticano II, divulgou
uma famosa declaração, a Nostra Aetate, na qual procura relativizar o papel dos judeus
no episódio da Paixão de Cristo. Em um de seus trechos mais significativos, o
documento afirma:
“Ainda que as autoridades judaicas, com seus sequazes, tenham determinado
a morte de Cristo, o que se passou durante a sua paixão não se pode atribuir
nem indistintamente a todos os judeus de então nem aos judeus de nosso
tempo. Ainda que a Igreja seja o novo povo de Deus, não devemos
552
Cf. Frei Leonardo Martin e Frei Sergio Calixto Valverde, em "O Estado de São Paulo", 1/06/88).
213
apresentar os judeus nem como rejeitados por Deus nem como malditos, como
se tais qualificações constassem da Sagrada Escritura.”553
Basta lembrar da Inquisição para entender a gravidade desse reconhecimento do
Vaticano e também do que se segue em outra passagem da Nostra Aetate:
“A Igreja reprova todas as perseguições contra quaisquer homens que sejam,
não esquecendo o patrimônio que ela tem em comum com os judeus, e
movida não por motivos políticos, mas pela caridade religiosa do Evangelho,
deplora os ódios, as perseguições e todas as manifestações de anti-semitismo
que, seja quem for, dirigiu contra os judeus em qualquer época.”554
Agora, a Igreja Católica volta-se para as elites da sociedade, através de
movimentos como o Opus Dei e Legionários de Cristo, que representam o integrismo e
ganham terreno rapidamente no Ocidente religioso.
Infelizmente, a Espanha é um dos países que melhor acolhe estes dois
movimentos, depois da Itália. Através de bons colégios e de faculdades, os adeptos do
Opus Dei e dos Legionários de Cristo penetraram e atuaram na sociedade de forma
inequívoca. Cada dia se tem mais notícias destes movimentos e das personalidades que
participam ativamente neles, pensando em recristianizar o mundo, dentro de uma
visão de pureza religiosa inatingível.
Seria divina tal pretensão? Grandes cabeças clericais e laicas acharam que não.
Vale citar o jesuíta Teilhard de Chardin, notável teólogo, que declarou guerra a essa
linha de crença. Em 1928, numa carta a um amigo, ele afirma que sua tomada de
posição é “de uma vez para sempre” porque o integrismo excluiria do Reino de Deus
as enormes “potencialidades de ordem social, moral, filosófica etc. que se agitam por
toda parte, à nossa volta”.
Na verdade, o próprio João Paulo II, que antecedeu o atual, parecia imbuído do
mesmo santo horror aos integrismos de toda ordem, tanto que, em 1984, excomungou
o cardeal francês e toda a sua corte eclesial, famosos pelas posições integristas e pela
desobediência ao Vaticano.
No entanto, as manifestações integristas não conseguiram passar mesmo de um
plano teórico, ao contrário dos fundamentalismos islâmico e judaico:
“Este tipo de atitude, na medida em que apela ao rigoroso cumprimento das
tradições católicas, não deixando espaço de manobra para diferentes
interpretações ou práticas do Catolicismo, acaba por constituir um exemplo
de integrismo, e daí a sua referência como moderna manifestação de
fundamentalismo religioso, ainda que a sua prática não constitua uma
ameaça, enquanto tal, para a segurança e estabilidade internacionais.”555
Cf. STYCER, Maurício. “Em Nome de Deus”, in http://cartacapital.com.br/2004/03/1325.
Idem, cf. STYCER, artigo citado.
555
Cf. ANTUNES, site citado.
553
554
214
Conforme o teólogo católico Odilon Moura556:
“A posição integrista assemelha-se à farisaica dos tempos de Cristo. Não se
veja, entretanto, neste relacionamento, conotação com a atitude moral dos
fariseus, isto é, hipocrisia, mas somente sua posição interpretativa da lei,
rígida e ininteligente. O erro fundamental do integrismo é os seus sequazes
não distinguirem entre o que é essencial e o que é acidental na doutrina, na
liturgia e na pastoral.”
Por isso, o integrismo não distingue entre tradição divina – a Palavra de Deus
transmitida aos homens – e tradição eclesiástica, doutrinas teológicas, costumes dos
católicos, ritos litúrgicos etc., de origem humana e transmitida aos católicos. Enquanto
a tradição divina é eterna, imutável, da qual o Magistério Eclesiástico é depositário,
conservador, intérprete e esclarecedor, a tradição eclesiástica pode ser conservada ou
abolida, modificada ou interpretada, e até criada, pelo mesmo Magistério. Entre os
fariseus também as “tradições dos homens” identificavam-se com a Lei.557
A teologia da libertação
Se considerarmos, entretanto, o Papa como o centro contemporâneo das
divergências dentro da Igreja, uma espécie de poder moderador e o integrismo como o
movimento de rebeldia à sua direita, encontramos a tendência chamada “progressismo”
como a facção que se situa à sua esquerda, procurando instaurar uma nova teologia,
intitulada “teologia da libertação”.
Conforme assinala o professor Marcio Anatole de Sousa Romeiro558, se
deixarmos de lado os primeiros anos da Igreja católica, quando cidades como
Antioquia, Constantinopla e Jerusalém tiveram forte influência na consolidação do
Cristianismo, pode-se dizer que os estudos teológicos sempre mantiveram vínculos
profundos com a Europa, em geral, e com Roma em particular, que não por acaso é o
centro do catolicismo latino.
Fato extraordinário foi o aparecimento, na América Latina, por volta da
segunda metade do século XX, de um movimento teológico que ficou conhecido como
Teologia da Libertação. Ele se inscreve no contexto tanto dos preparativos como dos
desdobramentos do famoso Concílio Ecumênico Vaticano II quando os católicos
tentaram restabelecer o diálogo com a cultura moderna.559
556
Cf.
MOURA,
Odilon.
“Integrismo
e
progressismo”,
disponível
http://salterrae.org/2008/07/27/integrismo-e-progressismo-por-d-odilao-moura-osb/.
em:
557
Idem, MOURA, site citado.
Cf. ROMEIRO, Marcio Anatole de Sousa. (Professor de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito
da PUC-SP), in “Teologia da Libertação”, apenas uma experiência marginal?, disponível em:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=852.
558
559
Idem, cf. ROMEIRO, site citado.
215
Para situar o surgimento da Teologia da Libertação é preciso ter consciência de
que mesmo na Europa, nos anos que antecederam o Concílio, havia forte apelo em
favor da renovação dos métodos pelos quais a Igreja se fazia presente no mundo. É
neste contexto que ações junto aos operários, aos camponeses, às mulheres, aos jovens
não somente se consolidaram como também ganharam o mundo, servindo inclusive de
base para se propor um modelo mais próximo dos pobres. Aliás, o próprio termo Igreja
dos Pobres não é estranho para alguns bispos e teólogos que tiveram papel
fundamental no Concílio.
De volta para as respectivas dioceses, os bispos trataram de implantar as
deliberações conciliares. Na América Latina crescia a consciência de que o principal
problema a ser enfrentado não era de ordem filosófica (como o ateísmo, por exemplo),
mas de ordem econômica e, conseqüentemente, política (a pobreza). Em outras
palavras, alguns setores da Igreja descobriram que a injusta pobreza estrutural, na qual
estavam mergulhadas as sociedades latino-americanas, era afronta ao amor de Deus e,
portanto, a vivência da religião exigia a transformação da sociedade.560
“O ponto central e original da Teologia da Libertação foi a opção
preferencial pelos pobres. (...) Enquanto teologia, isto é, como reflexão sobre
Deus, a Teologia da Libertação aceitou o desafio de revelar este mesmo
Deus a partir do lugar social do pobre, o que não significa de forma alguma
uma santificação romântica deste último, nem muito menos uma resignação
frente a pobreza na qual vivem grandes segmentos da população
brasileira.”561
Segundo Gonçalves562, a Teologia da Libertação nasce na América Latina e
Caribe num contexto histórico bem definido. Três ordens de fatores marcam e
explicam sua gênese e seu desenvolvimento:


Primeiramente, numa perspectiva sócio-econômica e política, grande parte dos
países latino-americanos e caribenhos sofria sob o peso da ditadura militar;
Acrescida da dependência econômica em relação ao Primeiro Mundo, os
regimes de exceção contribuíram poderosamente para agravar as desigualdades
sociais que se verificaram no interior dos países periféricos do Terceiro Mundo,
bem com entre estes e os países centrais.
Nesse estado de coisas, opressão política e dívidas sociais crescentes
constituíam duas faces da mesma moeda. As nações subdesenvolvidas, embora
formalmente independentes, na verdade viviam sob a égide de uma nova colonização,
ou melhor, jamais haviam saído dela.563
Foi nesse contexto que surgiu a Teologia da Libertação, formulada em 1968 –
mesmo ano do Conselho de Medellín –, proveniente do envolvimento cristão nos
movimentos sociais no continente sul-americano. Dentre seus ideólogos, encontram-se
o missionário belga Joseph Comblin, o presbiteriano brasileiro Rubem Alves, o
560
Idem.
Idem.
562
Cf. GONÇALVES, Alfredo J. “Gênese, Crise e Desafios da Teologia da Libertação”, disponível
em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=28241.)
563
Idem, GONÇALVES, site citado.
561
216
também brasileiro frade dominicano Leonardo Boff e o padre peruano Gustavo
Gutiérrez, autor do livro Teologia de la Liberación (1971), que disseminou a Teologia
pelos outros continentes do Terceiro Mundo.564
Em tais circunstâncias, o discurso teológico latino-americano de libertação
surge assim como uma teologia de emancipação humana nas condições concretas,
históricas e políticas de hoje na América Latina. Uma teologia cuja missão é
identificar-se com os homens massacrados e excluídos de todos os benefícios de suas
nações. Segundo estudiosos e pesquisadores, é a libertação de Cristo se realizando em
fatos históricos e políticos libertadores.565
Já o conceito de “católico progressista” nasceu bem antes, da experiência da
resistência francesa durante a II Guerra Mundial, quando alguns católicos se juntaram a
comunistas para lutar contra os ocupantes nazis. Após o final da grande convulsão que
Portugal vivera perifericamente, André Mandouze, um dirigente da Resistência cristã,
defendeu a institucionalização da aliança. Em Novembro de 1948 apareceu o
Manifesto da União dos Cristãos Progressistas que apelava a uma colaboração com os
comunistas e a Rússia Soviética contra o imperialismo.
Reações do Vaticano aos progressistas
A reação do Vaticano não demorou: em Julho de 1949 um decreto do Santo
Ofício proibiu toda a colaboração habitual entre católicos e o Partido Comunista. Era
esta condenação que os católicos da Situação tinham em mente quando chamavam
“progressistas” aos católicos da oposição566, que se baseavam em antigas formulações
do Pio X quando condenou o movimento modernista — “síntese de todas as heresias”,
conforme o definiu na Encíclica Pascendi Dominici Gregis, de 8 de setembro de 1907.
Como se pôde observar, vem de há muito a tentativa de infiltração no interior
da Igreja, por parte de seus inimigos velados ou declarados, a fim de “modernizar”,
adaptá-la aos novos tempos e adulterar o considerado pelos conservadores o Magistério
tradicional e infalível da Igreja romana.567
O progressismo seria uma forma de "protestantismo católico" – como
assinalavam os conservadores, que também alertam sobre a espécie de ditadura do
relativismo que seria um verdadeiro câncer que destrói por dentro a cultura católica no
mundo atual e pode ser caracterizado por:
Cf. NEGREIROS, Rodrigo Feith de. “Teologia da Libertação”, disponível em:
http://www.historia.uff.br/nec/dezembro2005/teolliberta.htm.
565
Cf. ANDRADE FILHO, Francisco Antônio. “Teologia latino-americana de libertação em diálogo”,
disponível em: http://www.mauriciodenassau.edu.br/artigo/listar/rec/240.
566
Cf. ALMEIDA, João Miguel Furtado Ferreira d'. “A Oposição Católica ao Estado Novo” (19581974),
disponível
em:
http://www.fundacao-mariosoares.pt/aeb/teses/indices_resumos/resumos/013199.htm.
564
Cf. “Há um século subia ao trono pontifício um Papa santo”, Frente Universitária
Lepanto,
Hagiografia,
Vida
dos
Santos,
disponível
em:
http://www.lepanto.com.br/hagpiox.html.
567
217



abandono das práticas tradicionais da Igreja, desamparando os católicos
desejosos de Religião e não de luta de classes;
os sacramentos vão se tornando de acesso mais difícil e rareando na vida
quotidiana dos fiéis;
início de uma baldeação real dos católicos para seitas protestantes ou outras, à
procura de apoio religioso.568
A fé, princípio e fundamento de toda religião, residiria no progressismo em
certo sentimento íntimo decorrente da necessidade do divino, um sentimento subjetivo,
às vezes vago, que a inteligência analisará e interpretará e que, uma vez aprovado pela
Igreja, acabará por constituir-se num dogma.
A fé católica permitiria uma adesão a verdades objetivas, exteriores ao homem
(Revelação e ensinamentos da Igreja). A fé progressista seria uma projeção de um
sentimento de religiosidade, em que se o fiel tem sentimentos revolucionários passa a
projetá-los no objeto que é Cristo e ele se tornará um precursor de Fidel Castro ou de
Che Guevara. Já se o adepto tiver teorias científicas, como Teilhard de Chardin,
projetará um Cristo cósmico etc.569
Esse espírito novo, que podemos chamar de espírito pós-conciliar, é o mal que
corrói atualmente, segundo os conservadores, a Igreja Católica. É o vírus destruidor da
liturgia, da catequese, dos dogmas da Igreja.
Este dito espírito pós-conciliar alimenta e mantém um clima revolucionário, em
que, entre muitos outros, cinco temas principais de subversão recebem incentivo
especial: “a volta às fontes”, “a dessacralização”, “a inteligibilidade”, o
“comunitarismo” e o “culto do homem”. Romper com a tradição, introduzindo
concepções próprias, que são batizadas de “concepções primitivas”.
Sustenta-se então que “o espírito de Constantino” (imperador romano,
convertido ao Cristianismo, que presidiu o Concílio de Nicéia, no ano de 325)
perverteu tudo e é preciso reformá-lo; que os locais sagrados (igrejas e catedrais)
tornem-se simples locais de reunião de fiéis; que sejam demolidos os rituais e os dons
antigos; que a autoridade dos padres seja diluída a favor das comunidades e que se
cultue o homem como cerne da reflexão religiosa. Tal é a essência do progressismo.
Pode-se afirmar que todas as vezes que se constata na liturgia uma glorificação do
homem, uma dessacralização, uma diminuição dos dogmas e dos mistérios pela
supressão ou interpretação subjetiva dos textos se trata de inspiração progressista.570
O progressista está sempre à procura porque não acredita em nada. Mas essa
pesquisa permanente destrói a verdadeira fé, de acordo com os conservadores,
sobretudo se emana de padres e bispos. Os progressistas não são homens de fé porque
não são homens de verdade. O progressismo é uma doutrina de morte. Os progressistas
cf. LE CARON, H. “A essência do progressismo”, do Courrier de Rome nº169, tradução de Maria
Tereza Ferreira da Costa e Anna Luiza Fleichman, e publicado na Revista Permanência, ano XII, nº
124/125, 1979, disponível em: http://www.permanencia.org.br/revista/atualidades/progressismo.htm.
569
Idem, Cf. LE CARON, site citado.
570
Idem.
568
218
são liberais porque não acreditam na verdade, e não acreditam porque não a amam –
sentenciam.571
Trinta e cinco anos se passaram, durante os quais o chamado progressismo
católico teve a seu dispor os mais escolhidos meios de ação no campo eclesiástico, ao
menos no Ocidente. Por sua influência, em muitas igrejas penetraram o violão, a minisaia, os casais “juntados”, os ministros protestantes, cismáticos ou de qualquer outro
culto.
Ao mesmo tempo em que, por exemplo, a música sacra tradicional, a
compostura de outros tempos, o recolhimento na oração, o latim, a devoção a Nossa
Senhora e aos santos, a confissão humilde e arrependida dos próprios pecados feita no
segredo do confessionário, a adoração enlevada ao Santíssimo Sacramento, passavam a
ser considerados, em igrejas progressistas, como valores e práticas do passado.572
Porém não foi só no campo religioso que agiram os progressistas. Sua atuação
atingiu a sociedade temporal. Em alguns países, incentivaram o igualitarismo, a luta
de classes e promoveram invasões de fazendas e edifícios, trabalhando ativamente pela
extinção da propriedade privada. A pregação da caridade cristã foi substituída, em
certos ambientes, pelo incitamento à revolução, como fazem os adeptos da Teologia da
Libertação.573
Segundo os conservadores, houve da parte dos progressistas, no entanto,
monumental erro estratégico. Eles quiseram construir uma religião do homem em
lugar da Religião de Deus, e com isso perderam as bênçãos divinas e não obtiveram o
apoio dos homens.
Eles se apresentavam falando em nome do povo, e o povo não os acompanhou.
Enormes parcelas do povo católico não se sentiram mais representadas, em sua fé e em
sua religiosidade, por vários de seus Pastores. Os que não empreenderam a fuga para
seitas protestantes e congêneres permaneceram na Igreja; em muitos casos, frios,
distantes, pensativos.574
João Paulo II, por causa disso, traçou àquela altura um panorama sombrio da
situação da Igreja:
“É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade
que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos,
confundidos,
perplexos e até desiludidos: foram divulgadas prodigamente idéias que
contrastam com a Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram
difundidas verdadeiras heresias, no campo dogmático e moral, criando
dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se inclusive a Liturgia; submersos
no ‘relativismo’ intelectual e moral, e por conseguinte no permissivismo, os
571
Idem, LE CARON, site citado.
Cf. “Progressismo e Tradição”, in Catolicismo, Revista de Cultura e Atualidades”, disponível em:
http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=B15A6237-F7F1-06BA827EBC4E46C05CD1&mes=Fevereiro2001.
573
Idem.
574
Idem. O crescimento vertiginoso das vertentes cristãs pentecostal e evangélica, na América Latina
deu-se, entre outros motivos, pelo fracasso retumbante da Teologia da Libertação como forma de
cooptação de fiéis à Igreja católica tradicional.
572
219
cristãos são tentados pelo ateísmo, por um cristianismo
dogmas definidos e sem moral objetiva”.575
sociológico,
sem
De fato, o Vaticano fez de tudo nas últimas três décadas para silenciar a
Teologia da Libertação. Puniu os teólogos identificados com a “opção preferencial
pelos pobres”, como o brasileiro Leonardo Boff, o peruano Gustavo Gutiérrez, o
chileno Pablo Richard e o suíço Hans Kung, entre outros. No Brasil, em 1989,
desmembrou a Arquidiocese de São Paulo, a maior do mundo católico, para
enfraquecer o então cardeal dom Paulo Evaristo Arns.
Removeu bispos rotulados de “progressistas” do comando de suas dioceses –
principalmente nos grandes centros urbanos – e os substituiu por religiosos de perfil
moderado ou conservador. Simultaneamente, fortaleceu movimentos católicos
conservadores, como o Opus Dei, a Renovação Carismática Católica, a Comunhão e
Libertação e os Focolares (Obra de Maria).576
O papa João Paulo II queria conter o que considerava “um movimento perigoso
e de inspiração marxista” na Igreja Católica. Mas a Teologia da Libertação não
sucumbiu. A existência ainda hoje de milhares de Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) espalhadas pelo Brasil surpreendeu o novo papa Bento XVI, o ex-prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé Joseph Ratzinger, na visita que fez ao país há dois
anos.577
Agora, os ataques à Teologia da Libertação vêm de onde menos se esperava.
Tido como um dos expoentes dessa corrente e um dos responsáveis pelo seu
desenvolvimento no Brasil – ao lado do irmão Leonardo Boff –, o teólogo Clodovis
Boff, frade da Ordem dos Servos de Maria e professor da PUC do Paraná, mudou de
lado. Passou a criticar posições dos colegas do mesmo campo e a defender idéias muito
mais próximas do principal algoz do irmão, o então cardeal Ratzinger. O atual papa
puniu Leonardo Boff em 1985 com o “silêncio obsequioso”, por causa do livro Igreja,
Carisma e Poder. Em 1992, Leonardo deixou a Ordem Franciscana, afastou-se do
sacerdócio e passou a viver com a teóloga Márcia Miranda.578
Um intenso e acalorado debate entre os irmãos Boff tem movimentado os
bastidores da Igreja Católica. Clodovis escreveu um artigo com duras críticas à
Teologia da Libertação. Leonardo rebateu e, agora, Clodovis acaba de publicar uma
réplica.
Um dos pontos principais da polêmica é a identificação do pobre com Deus
feita pela Teologia da Libertação e a tese de Clodovis de que essa corrente da Igreja
substitui “Deus e Cristo pelo pobre”. O palco da confrontação foi a publicação
trimestral Revista Eclesiástica Brasileira (REB), da Editora Vozes, com tiragem de 1,5
575
Cf. Alocução de 6-2-81 aos Religiosos e Sacerdotes participantes do I Congresso Nacional Italiano
sobre o tema: “Missões ao Povo para os Anos 80”, in "L'Osservatore Romano", 7-2-81.
576
Cf. NASCIMENTO, Gilberto. “Mudança de Hábito”, in Carta Maior, 22/12/2008, disponível em:
http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=3005.)
577
Idem, site citado.
578
Idem.
220
mil exemplares. Daí, a discussão espalhou-se pela internet, mas não avançou além dos
círculos religiosos.579
De acordo com Negreiros580, a Teologia da Libertação combate a exploração de
uma classe social por outra e condena a dominação imperialista entre as nações. Para
tanto, ela parte da crença de que a Igreja deve se incluir no processo de transformação
do mundo, acolhendo a análise social marxista feita pelas Ciências Humanas e
renunciando a qualquer tentativa de resolver sozinha – ou seja, pela teologia – os
problemas da sociedade, passando a colaborar com movimentos sociais engajados.
Apesar do entusiasmo das bases cristãs e de membros da hierarquia católica
comprometidos com a Igreja Popular, a Teologia da Libertação encontrou, porém, forte
oposição dos setores mais conservadores.
Entretanto, no movimento pendular que caracteriza a conduta dos Papas na
condução do rebanho completamente dividido, João Paulo II dirigiu uma carta à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB581, datada de 9 de abril de 1986,
pedindo o compromisso com o verdadeiro desenvolvimento desta teologia:
“...estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é
não só oportuna, mas útil e necessária. Ela deve constituir uma nova etapa em estreita conexão com as anteriores – daquela reflexão teológica iniciada
com a tradição apostólica e continuada com os grandes padres e doutores,
com o magistério ordinário e extraordinário e, na época mais recente, com o
rico patrimônio da doutrina social da Igreja expressa em documentos que vão
da Rerum Novarum a Laborem Exercens". Os pobres deste país, que tem nos
senhores os seus pastores, os pobres deste continente são os primeiros a sentir
urgente necessidade deste evangelho da libertação radical e integral.
Sonegá-lo seria defraudá-los e desiludi-los.”582
Por sua vez, o Papa Bento XVI, seu sucessor, expressa-se de modo transparente
sobre a Teologia da Libertação, condenando os seus “exageros”:
“As “teologias da libertação”, que têm o mérito de ter valorizado os grandes
textos dos Profetas e do Evangelho sobre a defesa dos pobres, conduzem a um
amalgama ruinoso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx . Por
isso o sentido cristão do pobre se perverte e o combate pelos direitos dos
pobres se transforma em combate de classe na perspectiva ideológica da
luta de classes. A Igreja dos pobres significa assim uma Igreja de classe, que
tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para
a libertação e que celebra esta libertação em sua liturgia”.583
579
Idem.
Cf. NEGREIROS, Rodrigo Feith de. “Teologia da Libertação”, site citado.
581
Só o nome adotado pela direção do arcebispado brasileiro já é uma vitória inconteste da própria
Teologia da Libertação...
582
Cf. João Paulo II. Carta à CNBB sobre a missão da Igreja e a Teologia da Libertação, acessada em
24
de
março
de
2008,
disponível
em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_Liberta%C3%A7%C3%A3o.
580
Cf. “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”, LIBERTATIS NUNTIUS. Agosto
de 1984, disponível em: .http://www.fimdostempos.net/teologia_libertacao_bentoxvi.html.
583
221
Já o ex-frade Leonardo Boff publicou artigo enfileirando-se entre aqueles que
conclamam resistência – e até revolta aberta – contra o Papa Bento XVI. Em artigo,
Boff acusa a Igreja Católica de atuar como seita. Como fizeram os valdenses e
metodistas, Boff rebelou-se pelo fato de que Bento XVI liberou a Missa em latim e se
mostrou contrário à recente declaração romana de que a única Igreja de Cristo é a
Igreja católica, fora da qual, dizem os conservadores, não há salvação. Boff vê nessa
declaração um duro golpe no ecumenismo do Concílio Vaticano II:
“Bento XVI está imprimindo um curso perigoso à Igreja Católica,
provocando severas críticas não apenas de teólogos, mas de
cardeais, de
inteiros episcopados como o da França, de grupos de bispos da Alemanha e,
espantosamente, de bispos da romaníssima Itália, além de outros líderes
religiosos e de organismos ecumênicos mundiais. Desde seu tempo de
cardeal, tem tratado os grupos progressistas e os teólogos da libertação a
bastonadas e com
pele de pelica os conservadores e tradicionalistas,
seguidores do bispo Lefebvre, excomungado em 1988 e que, à revelia de
Roma, ordenou bispos e padres. O Vaticano acabou por acatar seus
seminários onde formam o clero no rito tradicionalista.”584
O que vemos, portanto, é um debate sem fim entre duas vertentes
aparentemente irreconciliáveis e que caminham juntas para um confronto inevitável
após a morte de Bento XVI. Existe, inclusive, uma profecia apócrifa de São Malaquias
(quer dizer não reconhecida pela Igreja por motivos óbvios) de que o papa atual
(escrevo em 2009) será o último da Igreja, constituída como a conhecemos. Isto
significa que poderá haver, em futuro próximo, um grande cisma, motivado pelo
radicalismo das duas posturas, do integrismo e do progressismo, como descritas aqui.
Enquanto os progressistas denunciam que há uma discreta proteção papal ao
clero tradicionalista e o abandono às teses que associavam a Igreja aos pobres dos
países de Terceiro Mundo (“os pobres não têm poder”), por outro lado, perdura a
acusação dos conservadores de que a corrente da teologia da libertação quer justiça
social e felicidade aqui na Terra, mas colocam em segundo plano a salvação das almas!
E continuam fixando a posição radical:
“Sacerdotes que pregam a Teologia da Libertação são excomungados pelo
Papa e ainda tem a arrogância de afrontar sua Santidade! E muitos incautos
estão caindo nessa armadilha! Sacerdotes são para salvar almas e não
encher a barriga de ninguém e nem se meter em política! A Teologia da
Libertação quer uma Igreja Libertadora, assim como fez Judas Iscariotes,
e por Jesus não ter aceito isto, Judas entregou Jesus aos romanos! É o
mesmo que esta teologia está fazendo, cuspindo na cara de Jesus!”585
No debate interminável, alguns afirmam que o que ocorreu não foi uma crítica
ou repressão ao movimento em si, mas sim correção de certos exageros de alguns de
seus representantes (como sacerdotes mais tendentes à política). Outros afirmam que
584
Cf. http://www.opovo.com.br:80/opovo/internacional/724995.html.
Cf.
“Teologia
da
Libertação”,
http://www.fimdostempos.net/teologia_libertacao.html)
585
disponível
em:
222
houve deliberada sanção à Igreja Latino-americana na repressão à sua forma mais
pungente de ação e crítica social.
Assim, no Brasil, principalmente na região sul que é um celeiro dos mais altos
expoentes da Teoria da Libertação, tivemos prelados como os cardeais gaúchos que
combateram a ditadura militar: Dom Ivo Lorscheider, Dom Aloísio Lorscheider e Dom
Cláudio Hummes. E como o fez, de forma mais contundente do que os citados, o
catarinense Dom Paulo Evaristo Arns.
O quarteto foi mantido sob o olhar vigilante do Vaticano, tão logo faleceu o
papa Paulo VI, mais complacente com as tendências dos citados no seio eclesiástico.
Seu sucessor, João Paulo II, dava uma no cravo e outra na ferradura. Foi em seu
pontificado, por exemplo, que a maior arquidiocese do mundo, a de São Paulo, foi
desmembrada para, como bem observa Gilberto Nascimento (Carta Capital,
24/12/2008, pág. 32), “enfraquecer o então cardeal Dom Paulo Evaristo Arns”.586
Os cardeais mencionados – uns mais arrojadamente, outros mais contidos, mas
todos igualmente coesos na defesa de uma Igreja que fizera a opção preferencial pelos
pobres – embora fossem as figuras mais luminosas desta escolha, não eram os únicos a
defendê-la na hierarquia católica. Eles dividiram a própria Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – CNBB em duas correntes: os “progressistas” e os “conservadores”.
E no alto e no baixo cleros, assim como na base da pirâmide, os conflitos tornaram-se
ainda mais acirrados nos anos pós-68.587
Outro catarinense, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, era tanto poderoso
como solidário. Ele acompanhou Leonardo Boff nos interrogatórios humilhantes aos
quais foi submetido em Roma pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé, ninguém menos do que o atual papa quando cardeal. De pouco adiantou. Boff foi
punido, anos depois deixou o sacerdócio e o celibato588. Tal atitude de Boff, no meu
entender, a médio e longo prazos deve ser acompanhada por outros padres católicos,
seguindo os preceitos progressistas que não desejam mais o celibato como norma
obrigatória e, sim, facultativa...
Os teólogos da libertação atualmente reúnem-se no Fórum Mundial de Teologia
e Libertação. Este fórum surgiu de um encontro de teólogos durante o III Fórum Social
Mundial, em 2003. O primeiro Fórum ocorreu em Porto Alegre, em janeiro de 2005. O
II Fórum ocorreu em janeiro de 2007 em Nairóbi, capital do Quênia, com o tema
“Espiritualidade para outro mundo possível”. Estes Fóruns antecederam o Fórum
Social Mundial – FSM.
A idéia é reunir teólogos e teólogas cristãs dos diversos continentes que
trabalhem com o tema da libertação, em todas as dimensões, tornando-se um espaço de
encontro para reflexão teológica de alternativas e possibilidades de mundo, tendo em
vista contribuir para a construção e uma rede mundial de teologias contextuais
marcadas por perspectivas de libertação.
586
Cf. SILVA, Deonísio, “Boff vs. Boff, As Coisas do Coiso”, in Observatório da Imprensa, 17/01/2009,
Ano
13,
nº
517,
disponível
em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=517FDS001 .
587
Cf. SILVA, Deonísio, artigo citado.
588
Idem.
223
De acordo com o teólogo Odilon Moura, o integrismo é uma defesa
intransigente do sagrado, opondo-se à outra tendência, que aconselha exatamente o
oposto, o homem colocado acima de tudo, mas em busca de Deus. Deus seria uma
espécie de “assessor” do homem, tudo se subordinando às suas necessidades, ou seja, o
Dogma, a Liturgia, a estrutura essencial da Igreja, a moral e a própria verdade. O
progressismo é, em geral, irenista (pacifista) e eclético.
Reagindo ao formalismo e ao ritualismo existentes em fase anterior à nossa, na
Igreja, ao tradicionalismo rotineiro e cego, ao ensino da doutrina compendiada em
livros repetidores de fórmulas escolásticas mal assimiladas, ele, na busca de uma
libertação de tudo isso, saindo de órbita.
Não se satisfazendo com uma religião destituída de compreensão inteligente, os
progressistas, na tentativa de esclarecimentos mais lúcidos para a fé, esquecendo ou
desprezando a verdadeira tradição teológica da Igreja, buscam – bem intencionados ou
não – as luzes para aquele esclarecimento, nas filosofias e ideologias mais sugestivas
no momento, mesmo que elas contradigam a Fé.589 E Moura complemente:
“O modernismo, que pretendeu explicar a fé pela metafísica kantiana ou
bergsoniana; a nova teologia, que visava encontrar aquela explicação pelas
idéias existencialistas; o teilhardismo; as correntes atuais conciliadoras dos
princípios cristãos com as elucubrações de Heidegger e com o marxismo –
são correntes progressistas. O progressismo, como o integrismo, deriva de
uma corrupção intelectual. Enquanto naquele essa deturpação leva a uma
visão limitada da Igreja e das suas exigências, neste, no progressismo, há
uma visão exorbitante. Para o progressista, não há normas: nem para o
raciocínio, nem para a moral, nem para a sociedade. É o império da
arbitrariedade.”590
Com se pode observar, também entre os fundamentalistas católicos, a separação
é visível e a luta é quente como o diabo!
Cf.
MOURA,
Odilon.
“Integrismo
e
progressismo”,
disponível
em:
http://salterrae.org/2008/07/27/integrismo-e-progressismo-por-d-odilao-moura-osb/. FONTE: Idéias
católicas no Brasil: Direções do pensamento católico do Brasil no século XX. Editora Convívio, São
Paulo, 1978, pp. 205-207.
590
Idem, cf. MOURA, site citado.
589
224
8º INTERVALO –
A RECUPERAÇÃO
Meu ego, antes massacrado e tão dolorido, agora se transformou,
potencializando uma nova personalidade bem viva, bem viva...
A recuperação deu-se aos poucos, nada como dar tempo ao tempo, e eis que
me reergui, o braço estraçalhado recomposto, só ficando como prova a eterna
cicatriz. Mas o principal lanho não é físico, flui para a mente...
Ó meu Deus, como Lhe agradeço estar vivo, replantando a vinha, agora sem
precisar do choro convulsivo e do álcool, como anestésicos...
Os analgésicos e a morfina foram pouco a pouco sendo esquecidos sobre a
mesa. Quantas orações pude fazer sozinho, com prazer, diante das paredes nuas do
meu sofrer? Não há ninguém aqui para me recriminar, zombar de minha inclinação
profunda em Lhe pedir por mim, e nenhum conselheiro dogmático – padre ou pastor –
para me corrigir...
Jesus rezava de pé e agora estou de pé, mãos espalmadas para cima, tentando
falar de novo com meu Pai. Essa comunicação é vital para mim, não importa o mundo
com as suas habituais tentações e os previsíveis apelos do dinheiro e da sensualidade.
Não importa que alguns falsos amigos me digam que estou amolecendo por
causa de meu reles e vulgar sofrimento e não perceba, em consolo, o abismo negro em
que outros irmãos meus estão metidos.
A conversa com o Pai é pessoal e intransferível e não me envergonho de mim,
nem tampouco da enorme fome espiritual que estou sentindo. Como dizia o metafísico
norte-americano Ralph Waldo Emerson, Deus não se manifesta aos covardes e tenho
de ter coragem de decidir sozinho por encontrar a minha prece, esquecendo toda a
violência e os mandamentos do mundo.
UM DESAMOR À IGREJA CATÓLICA
“Tudo no céu é estúpido
como a Igreja Católica.”
Alberto Caeeiro-Fernando Pessoa
Minha ex-mulher detestava de todo o coração a Igreja Católica. Ao perceber
que havia em mim certa admiração por ela, pela catolicidade de 2000 anos, era aí que
ela carregava mais nas tintas. Entre um cigarro e outro (aqueles cabelos pintados de
preto, fedendo á nicotina, são inesquecíveis!), dizia que tinha visitado o Vaticano
(coisa que a minha pobreza não permitira), espantando-se com tanta riqueza e a
multiplicidade de caríssimas obras de arte.
Falava em João Paulo I, que no entender dela fora morto, porque examinava a
sério distribuir os bens da Igreja; destacava, também, a “evidente” pedofilia e
homossexualidade dos sacerdotes, no que era acompanhada por toda a família,
incluindo o genro fascistóide que estudou no mesmo colégio de padres que eu. Repetia
a conversa fiada de que Jesus era casado com Maria Madalena, que estava grávida
durante a crucificação, e que fugiu da Palestina para não ser morta, como o marido.
225
Segundo os livros que lia, todos best-sellers, “a discípula e esposa” de Cristo foi para
as Gálias (hoje França), com outros discípulos disfarçados, para ter um parto
tranqüilo. Nasceu-lhe uma filha, Sarah, que era o resultado do sangue de Jesus, o
perseguido cálice do Santo Graal, a promessa de continuidade cristã, formando a
dinastia merovíngia que confirmava a França como berço e mãe da Igreja.
Só faltava insinuar, como o fez com todas as letras um famoso antropólogo
homossexual brasileiro, que os apóstolos eram sodomitas e que o Cristo era chefe da
orgia!
Dizia-se, ainda, muito intrigada com o véu oculto em torno das finanças
eclesiais e que, para ela, era insuportável entrar na Igreja para ouvir as missas, meros
compromissos sociais sem qualquer valor, de acordo com ela, e escutar os padres
hipócritas e mentirosos com as ladainhas de sempre...
Ela possuía uma visão tão confusa sobre Jesus que eu lhe dizia que não
entendia nada do que ela falava, o que fazia crescer entre nós grande irritação. Um
casamento perdido por causa de discussões acirradas em torno da Igreja católica!
Sempre lhe objetava que se Cristo fosse um homem comum, embora gênio como um
Mahatma Gandhi ou um Albert Schweitzer, seu destino para a humanidade não teria o
menor valor e não seria Ele merecedor de haver dividido a história em duas partes...
Não ter qualquer religião, ser um protoateu ou um panteísta deve ser grande
tortura. Não crer é mais difícil que crer, sem dúvida! Principalmente quando uma
mulher vivia com amargura, lembrando todo dia do marido morto e cercada de
pessoas interesseiras que a abandonaram completamente quando faliu. Uma pessoa
enganada e sofrida, que quase enlouqueceu quando sua empresa foi para o brejo e o
filho, tão amado, contraiu uma furunculose terrível e quase morreu. Nesse momento,
vi a outrora descrente mudar completamente de atitude e a pilhei rezando na cama
para Nossa Senhora da Conceição pela saúde do rebento. Espantei-me com aquele
“súbita conversão” à intercessora, mas ela se justificou, apontando para a própria
vagina, dizendo-me que eu não poderia entender os seus íntimos motivos porque seu
filho havia saído dali...
Grande alegria eu tive, porque, pelo sim, pelo não, Nossa Senhora a ouviu e o
filho obteve uma segunda chance... Lembrei-me do conto de Eça de Queirós, o Conde
de Abranhos, em que o autor português focaliza um padre velho numa vila de jovens
no interior de Portugal. A igreja vazia não lhe espantava e a um interlocutor sempre
dizia, batendo na barriga: “meu filho, eles são jovens, não precisam de Deus; quando
envelhecerem, a Igreja ficará cheia e ouvirão os meus conselhos.”
De fato, o sofrimento e a maturidade apascentam a razão e fazem com que
possamos nos abrir à intuição e à fé. Eu quase perdi meu braço – e quase saí da vida
pela porta dos fundos – mas não me arrependo de ter ido embora da casa de minha
ex-mulher. Creio que recebi do Alto uma enorme lição: quem almoça com o diabo,
acaba jantado por ele...
226
O ÓBOLO DE SÃO PEDRO
O maior motivo de irritação que ela exibia, porém, era com a dita
infalibilidade papal. Embora eu lhe explicasse que isso só ocorria em relação a
dogmas religiosos, ela rebatia que os papas usavam vestimentas cobertas de ouro e,
no fundo, eram homens ricos, contrariando o que determinava Jesus. Ela se referia ao
dia 29 de junho, muito próximo ao seu aniversário, em que se comemorava o dia de
São Pedro, aproveitado para o recolhimento de esmolas em todas as igrejas católicas
do mundo, com o objetivo de compor o salário anual do Papa. O chamado “óbolo de
São Pedro” remontaria a cerca de 90 milhões de dólares, o que para ela era um
rematado e supremo absurdo. Embora tal salário fosse equiparado ao de um jogador
de futebol europeu top de linha ou de um ator de Hollywood de mediana importância –
ela dizia que o chefe dos cristãos deveria dar exemplo de moderação e humildade.
Se o salário do Papa é uma indecência ou um pecado, francamente não sei. Sei
somente que todas as igrejas de outras seitas e denominações, no mundo, têm como
meta o recolhimento de ofertas e dízimos para sobreviver e a questão financeira, após
o predomínio da teoria da prosperidade, não tem causado nenhuma vergonha em ser
administrada por pastores e missionários. Muito ao contrário. Vemos hoje
protestantes, evangélicos, metodistas e fundamentalistas espalhados pelo mundo a
custa de fecundas contribuições institucionais dos fiéis. Isso não é privilégio da Igreja
católica...
Não sei, também, se essas ofertas desenfreadas de dinheiro fizeram com que os
respectivos fiéis também prosperassem, nem sei se o capitalismo tem realmente algum
“espírito”, como suspeitava Max Weber. A percepção que mantenho de tudo isso é
que quase todos os seres humanos, machucados por enorme sofrimento, voltam-se
para Deus implorando ajuda nos confins do arrependimento. E isso aconteceu com ela
e aconteceu comigo. E, a despeito de todas críticas, o Vaticano continua de pé...
227
– 14 –
OS EXTRATERRESTRES E
AS MORADAS DO PAI
“Nos vastos céus estrelados
Que estão além da razão,
Sob a regência de fados
Que ninguém sabe o que são,
Há sistemas infinitos,
Sóis centros de mundos seus,
E cada sol é um Deus
Eternamente excluídos
Uns dos outros, cada um
É universo.”
Fernando Pessoa
“Existem inúmeros sóis e inúmeras Terras
girando em torno desses sóis,
de um modo semelhante ao que os sete
planetas giram em torno de nosso sol.
Seres vivos habitam esses mundos.”
Giordano Bruno, 1584.
228
Os cientistas, em geral, sempre tiveram desdém e preconceito em relação ao
pensamento religioso. Para eles, a religião é forma rígida e dogmática de interpretação
da natureza que não foi capaz de evoluir com o tempo, mas apenas divulgar uma
espécie de código mágico ou mítico sobre os seus processos.
Podemos ilustrar esse modo de ver, lembrando o velho exemplo do índio que
temia o trovão e o transformava em deus ou o caso da adoração de um totem nas tribos
primordiais, um ídolo que equivalia a um deus para a mente infantil e anímica591.
É noção corrente entre os cientistas que tal compreensão mágica das religiões
primitivas e, posteriormente, de alguns povos pagãos, substituiu indevidamente o bom
hábito de testar os eventos, retirando-lhes os véus, o que não permitiria um
comportamento mais adulto na formulação de padrões de explicação que depois se
transformassem em leis. A busca científica seria, enfim, um ato de amadurecimento da
humanidade que não presidia as intenções das civilizações antigas.
Deixando de saber tudo...
Os cientistas acham mais fácil para os homens atribuir a um deus (ou ao
sobrenatural) o que não podem entender e explicar, bem como tornar mistério algo que
a ciência ainda não tenha alcançado pelas investigações, do que esperar pelos
resultados que um dia, sem sombra de dúvida, ela venha a alcançar...
É certo que quando os religiosos se metem em discussões em torno de valores,
moral, ética ou bioética, os cientistas interpretam esse proceder como fruto de
desconhecimento, de falta de treino no contato com a realidade ou da pressa em
colocar um mandamento ou princípio como explicação banal para tudo que não se
possa conhecer através da razão e dos processos de indução e dedução. Ou seja, na
medida em que o tempo passa, para o cientista soberbo e cioso da própria inteligência e
da excelência da racionalidade, a religião torna-se objeto inútil e sem função, mera
ilusão popular que não satisfaz os espíritos mais exigentes.
Diz à boca pequena o cientista que haverá um momento em que tudo será
explicado cientificamente, o Universo ficará nu e deveremos, a bem da verdade,
expulsar a religião em definitivo pela porta dos fundos! Esse desejo velado, presente
nas comunidades científicas, só não é mais disseminado na mídia em virtude do medo
de que essa confiança na ciência venha a trazer pressões negativas das comunidades
religiosas contra os investimentos em ciência e pesquisa.
Vale dizer, o respeito dos especialistas em ciência pelos religiosos e suas
instituições é medido pelo interesse político, sendo que a tolerância se dá mais pelo
silêncio pouco atencioso do que pelo diálogo. Argumentam, não sem razão, que os
religiosos são tão divididos que não interessa debater questões importantes para a
sociedade humana, como viagens espaciais, poluição atmosférica, controle das armas
nucleares e da natalidade, aquecimento global e outros temas, em virtude de os
interlocutores não se entenderem entre si e discordarem em questões sutis e extracientíficas. Tal diálogo para eles seria improdutivo, fugindo ao objeto de seus estudos e
dos objetivos de pesquisa.
591
Animismo é a crença segundo a qual todas as pessoas, plantas, animais e fenômenos da natureza
possuem uma alma (cf. Dicionário Aulete Digital).
229
No entanto, a própria ciência também foi sacudida por especulações em torno
do modo de entender o mundo e, em alguns momentos importantes, viveu os próprios e
grandes dilemas sobre a própria validade.
Por exemplo, a ciência dos fins do século XIX argumentava que o homem
havia chegado à compreensão última do Universo através do desenvolvimento da
mecânica newtoniana e que tudo já havia sido descoberto. Todavia, o avanço obtido na
física teórica, logo no início do século XX, através das teorias da relatividade restrita e
geral (1905-1912) de Albert Einstein (1879-1955), que revolucionaram nossa
percepção do espaço e do tempo, pôs por terra aquela percepção de “fim da história”
que satisfazia até então os cientistas experimentais. Graças a Einstein, hoje são
populares os termos relatividade, universo infinito e curvo, curvatura de tempo e
espaço, viagem ao passado e ao futuro, etc.
No mesmo período, a teoria quântica (1910), divulgada a partir dos trabalhos de
Max Planck (1858-1947) reformulou tudo o que se sabia até então sobre o
comportamento das partículas e de seu papel na constituição do Universo, além de
especular sobre as relações íntimas entre matéria e energia. Hoje, graças à mecânica
quântica são de uso corrente e popular as expressões antimatéria, buracos de minhoca,
buracos negros, buracos brancos, gravidade, força eletromagnética e interação nuclear
forte e fraca592 – termos pouco utilizados ou completamente desconhecidos pelos
especialistas teóricos do século XIX.
Assim, observamos que a velha percepção de desenvolvimento formalista da
ciência, do menos para o mais, em que o conhecimento fica sendo depositado como
grãos de areia num silo na medida em que o tempo passa, foi substituída por uma visão
mais complexa da mútua influência de fatores históricos e sociológicos sobre o seu
desenvolvimento, que passaria a gravitar em torno da afirmação e negação de modelos
e paradigmas.
Foi o doutor em física e filósofo da ciência, o americano Thomas Kuhn (19221996), quem estabeleceu a noção de que a ciência não é uma atividade completamente
racional, controlada e arbitrária. Ele asseverou que a ciência evolui de acordo com as
épocas históricas e estabelece novos modelos e paradigmas que serão testados. O
modelo adotado é posto à prova pelo trabalho científico normal até ser rejeitado ou
aprovado. Se aprovado, transforma-se num “paradigma”593 que passa então a se
confrontar com o acreditado em fase imediatamente anterior (“paradigma
tradicional”), produzindo aí uma “revolução científica”.
“A natureza pode ser descrita por quatro forças fundamentais que, em última instância, norteiam a
dinâmica de todo o Universo: a gravidade, a força eletromagnética, a interação nuclear forte e a
interação nuclear fraca. Todas as quatro desempenham papéis significativos na biografia do cosmo.
Ajudaram a formar nosso Universo atual e continuarão a dirigi-lo em toda a sua história futura.”, cf.
ADAMS e LAUGHLIN, Uma biografia do Universo, p. 17, op. cit.
593
Paradigma (do grego “Parádeigma”) literalmente modelo, é a representação de um padrão a ser
seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo
de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como
modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. Cf. Wikipédia, disponível
em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradigma.
592
230
Observava, ainda, Kuhn, que ao adotar um paradigma, a sociedade científica
também decidiria acolher nova ordem de problemas e perguntas específicos, capaz de
dar suporte e recepção à pesquisa científica em determinado momento histórico. Daí
formam-se crenças que resistem às mudanças e que só são rompidas a partir de novos
paradigmas, quer dizer: “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade
partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que
partilham um paradigma”.594
Ao perceber que o saber científico não é um processo linear de descobertas de
verdades objetivas e construção progressiva da sociedade em torno dessa verdade,
Kuhn assumiu um papel na filosofia da ciência tão importante quanto o de Einstein e
Planck na física teórica. O saber seria também relativo e não mais ligado a um poder
que não pudesse ser contrariado. Ao nascer fechado, dentro da “ciência normal”, o
velho paradigma sujeita-se a viver uma “crise”, onde é testado em sua validade, e
depois superado por “novo paradigma” que consegue suportar novos problemas
propostos, numa espécie de revolução permanente. Assim, conforme nos garante o
cientista social italiano Antonio Negri:
“A ciência copernicana “não é menos nem mais” verdadeira do que a ciência
ptolomaica. A relatividade do saber não é uma desvalorização da verdade,
mas uma qualificação de sua potência.”595
Cai por terra, por analogia, a visão antiquada de que o pensamento religioso
deveria ser antecipadamente repudiado, em virtude de exibir uma doutrina imutável,
suspensa no tempo e que contraria de fato os pressupostos científicos. Também na
ciência ocorrem constantes negações e ultrapassagens, registradas na história: assim,
tivemos o modelo de Ptolomeu, em que a Terra estaria no centro do Universo, com os
corpos celestes girando em torno dela e que vigorou da Antiguidade até o
Renascimento; o modelo copernicano-newtoniano, que colocou a Terra girando em
torno do Sol e que percorreu a Idade Moderna até o início do século XX e, finalmente,
o modelo de Einstein-Planck, que, até o momento, é aquele que a humanidade adota
para explicar o mundo.
Desnecessário é dizer que muitas instituições contemporâneas, como bancos,
indústrias, comércio, tribunais e governos, ainda adotam o modo de pensar
copernicano-newtoniano na prática do dia-a-dia, privilegiando a percepção
tridimensional da matéria (concebida apenas pelas velhas noções de comprimento,
largura e altura) e não aceitando de bom grado as projeções para o invisível que as
invenções tecnológicas vão sugerindo.
O homem pós-moderno também utiliza os brinquedinhos eletrônicos, hoje à
disposição (computadores, celulares, ipods, equipamentos de som e TVs digitais, etc.),
sem dar muita importância às energias invisíveis que os movimentam e que escapam à
vigilância dos sentidos. Só se concentram no prazer que proporcionam e nas
possibilidades que o dinheiro possa comprar. Ou seja, só percebem e solicitam o ato de
consumo, não as maravilhas que possam estar quietas e sombreadas atrás dele.
594
Cf. KUHN, Thomas. “A estrutura das revoluções científicas”, p. 219, 7.ª ed. São Paulo: Perspectiva,
2003.
595
Cf. NEGRI, Antonio. “Revoluções de Kuhn”, in Folha de São Paulo, domingo, 28 de julho de 1996,
Mais! 5-11.
231
Tal é, por analogia, a mesma conduta adotada pelo homem contemporâneo em
relação à religião, que, para o seu senso de falsa liberdade, seria uma espécie de câncer
limitador do pensamento ou apenas um mecanismo cerceador sem justificativa real
para seus atos.
A religião representaria, para ele, um projeto limitante de busca do Criador que
ele não sabe onde encontrar e que preferiria de coração que não existisse. Para o
homem intoxicado pela tecnologia e a sensualidade, que deseja fazer tudo o que lhe
vem à cabeça desde que o dinheiro o permita, Deus é uma problema, não uma solução!
Sobre tal dilema comenta o doutor em psicologia clínica norte-americano, Richard N.
Wolman:
“As pessoas que encontro nas conferências, assim como muitos de meus
alunos, pacientes e colegas, queixam-se da falta de relevância da religião
para a vida moderna. Essas mesmas pessoas prontamente reconhecem uma
necessidade espiritual em suas vidas, mas queixam-se que o pensamento
religioso tradicional os aliena do “espírito” que desejam encontrar em sua
devoção ou em sua experiência de momentos sagrados. A religião, para
muitas dessas pessoas, denota um conjunto de regras e mandamentos morais
pelos quais devem pautar suas vidas, deixando claro o que é aceitável e o que
é inaceitável ao olhar de Deus. No Ocidente, o mais famoso conjunto de
regras são os Dez Mandamentos – provavelmente ainda as melhores regras
desse tipo já inventadas –, que nos orientam como seres humanos na arte da
convivência civilizada. A transgressão dos Mandamentos cria a necessidade
externa de castigo e a experiência interna de culpa. Os edifícios da religião
institucional foram construídos sobre esses conceitos fundamentais por
milhares de anos.”596
Isto é, alienação, castigo e culpa – eis aí a trilogia imprestável e digna de
abandono que a religião significa para o ser humano cheio de respostas de nossa época
e que, por isso mesmo, não tem resposta alguma! Se somarmos aos três termos a
aniquilação, prevista pelos fundamentalistas no Juízo Final, aí teremos por fim um
desprezo completo e em alto nível ao pensamento religioso. Deus está morto e pronto!
Vamos beber e fornicar, que é o que nos resta! Afinal, se a maioria é de pecadores que
não vão se salvar, que graça teria ser escolhido e poupado por um deus exterminador e
vingativo, que jogará a maior parte da humanidade nas profundas do inferno? Aliás
seria uma contradição terrível: como podemos amar o próximo, o outro e, ao mesmo
tempo, estar felizes com o nosso arrebatamento e salvação, de um lado, e a aniquilação
da maioria, por outro? O que é querido entre os indivíduos deveria ser de bom grado
desprezado, no coletivo? Afinal, que tipo de ginástica mental seria esta?
Nosso tempo é, pois, um tempo de patente revolta da criatura contra Deus. Ao
mesmo tempo, e em contrapartida, as recentes descobertas da ciência molestam o
cérebro do homem soberbo, revelando-lhe certas dimensões que não existiam na
atmosfera materialista e racista do século XIX. Pela via negativa, não por adesão
positiva, o homem descrente e perturbado por guerras, catástrofes e os
desentendimentos violentos da vida urbana clama por preencher o vazio em que se
596
Cf. WOLMAN, Richard N. Inteligência Espiritual, p. 36, tradução de Geni Hirata, Rio de Janeiro,
Ediouro, 2002.
232
encontra através de alguma resposta espiritual, onde restaure a conexão com algo
desconhecido e superior. Virou moda dizer que “tudo está conectado com tudo” –
como se fosse uma receita de bolo ou panacéia espiritual. Os livros de auto-ajuda, que
se multiplicaram exponencialmente, recitam o princípio como se fosse uma oração, só
que a maioria das pessoas nem sabe como aplicá-lo na vida triste que se desenrola à
frente, com contas a pagar, doenças de filhos, desemprego, divórcios e
desentendimentos com parentes. Se o fracasso é a regra e o êxito, a exceção, como
tudo estaria conectado com tudo?
Religião ou espiritualidade?
O que se supõe abertura, acaba finalmente em descrença. O que o homem
contemporâneo deplora, não sem razão, nas religiões acaba por justificar um
comportamento radical de negação de tudo. Esse niilismo597 escorre para a vida prática
na forma de um perder-se na sensualidade desenfreada, nas drogas e num
comportamento de completa revolta contra quaisquer deveres sociais.
De fato, quando a religião se fossiliza num corpo de normas e leis degenera no
farisaísmo, que, na época de Cristo defendia uma religião baseada em mais de 600
interdições (o que não pode!), tornando a maioria dos homens pecadores e indignos de
salvação. Cristo condenou fortemente essa tendência normativa dos fariseus, escribas e
publicanos, criando inúmeros inimigos na Palestina. Ao mesmo tempo, não aceitava o
comportamento terrorista dos zelotes, que, unidos aos conservadores do Sinédrio,
dominado pelos fariseus e escribas, utilizaram Judas Iscariotes para levar Jesus às
barras dos tribunais romanos, à tortura e à crucificação como a escória daquela
sociedade.
No mundo contemporâneo, o ser humano em busca de um individualismo
anárquico, sem paginação, deseja aplicar o próprio egoísmo até alcançar um ponto
ômega de prazer e, para tanto, sacrifica tudo. Ao invés de se revoltar contra as
armadilhas do capitalismo neoliberal e globalizado, somente deseja ser bem sucedido
nessa estrutura opressora e excludente, esquecendo-se de fato do semelhante e da velha
ligação empreendida com Deus, que o fica esperando no vestíbulo.
Ao mesmo tempo, esse homem que não pode esquecer das origens, de sua
imagem e semelhança, lembra que lhe restam frestas espirituais, réstias de luz que
furam a janela mal construída dos pensamentos, gerando perguntas incômodas e
trazendo-lhe, sempre que se distrai do seu projeto egoísta, a presença indevida de
Deus.
Tal personagem quase perdido buscará, como um náufrago, novas verdades,
que não sepultem de vez a religião que teima em não morrer no seu ser e, ao mesmo
tempo, não abracem o ceticismo da ciência que o incomoda, por não responderem
597
Niilismo é a filosofia de um grupo revolucionário da intelligentsia russa, da segunda metade do
século XIX, caracterizada pela total rejeição aos valores da geração precedente. Negando radicalmente
as leis e instituições formais, é uma atitude intelectual segundo a qual não existe o absoluto,
considerando as verdades e valores tradicionais como sendo desprovidos de sentido e utilidade. Essa
falta de crença pode conduzir a ações anarquistas e terroristas e à afirmação do nada e da não existência.
(cf. Aulete Digital)
233
aquelas perguntas fundamentais que ruminam sem parar no espírito e vivem
arranhando a sua curiosidade.
Esse homem que resolver o impasse através de um meio-termo: nem religioso,
nem tampouco descrente, um místico sem religião, um buscador espiritual por um deus
meio opaco que não lhe obrigue a nada, que fique dentro do coração de cada um,
protegido das angústias do mundo externo, cuja amargura e desconcerto toda hora
desmentem a sua existência.
Ele resolve o dilema de interpretação da realidade tornando-se um místico, que
já definimos como aquele indivíduo que precisa de uma instância além da Natureza
para explicar os fatos sensíveis e verificáveis, bem como quaisquer acontecimentos não
previstos pelas leis conhecidas da ciência.
Quando, porém, os cientistas se defrontam com pessoas que cultivam uma
atitude espiritual ou mística, sem compromissos com um edifício religioso de normas,
aí fica difícil não ouvir seus argumentos. E isto decorre do fato de que os místicos não
olham a Bíblia como os fariseus, como um livro de leis e interdições que nos exige
uma conduta virtuosa para não morrer.
Os místicos querem mais e ousam ir além do pensamento mágico dos índios ou
da metafísica tosca dos aiatolás, dos rabinos e sacerdotes.
No caso da Bíblia, os místicos consideram que as descrições de vozes e
aparições de anjos, que se repetem centenas de vezes no Livro Sagrado, não devem ser
consideradas simplesmente como manifestações de Deus, mas se equiparam a um
fenômeno de comunicação entre uma humanidade ignorante e despreparada
intelectualmente (os hebreus pastores) com seres evoluídos vindos do espaço.
A humanidade, uma experiência?
Vivemos num perturbado período de revelações, em que os religiosos
comumente atribuem às grandes dificuldades e contradições do mundo cercado de
tecnologia, ciência e comunicação instantânea em que vivemos o sinal dos fins dos
tempos que já são chegados. Qualquer tragédia natural ou vinda do homem é
interpretada como se Jesus estivesse batendo à porta, com o séquito de anjos para
realmente nos julgar.
Os relatos bíblicos do Gênesis e do Apocalipse, por coincidência o primeiro e o
último livro da Escritura, sempre despertaram enorme debate entre teólogos,
hermeneutas e exegetas598. Ocorre que, quando se filiam a algum comportamento ou
facção religiosos, raramente se desviam das interpretações que procuram defender.
598
O hermeneuta procura o sentido que o texto toma hoje. Toma em consideração a atualidade da
Palavra Santa. O exegeta procura descobrir o sentido preciso do texto que pretende expor, não o que
pensava que significava, não o que preferia que significasse, não o que está na superfície da tradução
corrente. Curiosamente, o teólogo e doutor Page Kelley afirmou, sobre o perigo das interpretações, que
se os livros do Antigo Testamento fossem substituídos por páginas branco, a maioria dos pastores sequer
notaria
a
diferença.
(cf.
Pr.
Walter
Santos
Baptista,
Igreja Batista Sião, Seminário Teológico Batista do Nordeste, em Salvador, BA, disponível em:
http://www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/igrej037.htm).
234
Essa ortodoxia automaticamente afasta outras vertentes que gostariam de participar do
debate e, na maioria dos casos, o diálogo morre aí...
Uma dessas opiniões, que está justificada por centenas de livros, é a que atribui
a trechos bíblicos a sustentação de que a Terra foi visitada várias vezes por seres
extraterrestres, interessados em povoar e colonizar nosso planeta segundo um plano
exterior que, na falta de preparo dos povos para quem foram direcionados esses
esforços, foi considerado de origem divina.
Segundo J. J. Benitez599, se Deus é uma Grande Força Cósmica (ou outro nome
equivalente) e pôs para valer um plano para povoar nosso planeta com seres
inteligentes – “deve” ter encarregado seres evoluídos para semear esse grau de
evolução de vida na Terra e “velar” por seu correto desenvolvimento.600
Se aceitarmos essa hipótese, de que a humanidade seria uma experiência,
podemos crer que em determinado instante “essa experiência falhou” (o que
ocasionaria o pecado original, depois a história do Dilúvio e de Sodoma e Gomorra) e
teve que recomeçar através de um povo eleito (o hebreu). Na época, esse povo, dado o
seu caráter elementar e primitivo, confundiu os anjos enviados por Deus com o próprio
Deus.601
Os patriarcas e o povo judeu seriam o estágio preparatório para trazer ao mundo
o Grande Enviado que iria revolucionar a vida humana, que foi, sem dúvida, Jesus de
Nazaré.602
Infelizmente – como lamenta Benitez – não são os Evangelhos canônicos ou
oficiais, aceitos pelas Igrejas católica e protestante, aqueles que se aproximam da
interpretação mística da Bíblia, muito ao contrário. São os Evangelhos apócrifos, não
reconhecidos e que foram escritos depois do século I, os que mais confirmam a
percepção, hoje aceita por essa vertente, de que fomos visitados por seres
extraterrestres.603
De acordo com o mesmo autor, se nos reportarmos ao Gênesis, uma mente
normal e equilibrada não compreenderá o livro, considerando-o uma aberração do
texto sagrado. Senão vejamos as passagens:
“Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando
os
filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhe deram filhos;
estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade.”604
Tal trecho, “extremamente enigmático”, conforme Benitez, sendo submetido a
mestres em teologia da Universidade de Salamanca e consultores da Pontifícia
Comissão Bíblica da Espanha, entre outros títulos, foi interpretado de tal modo pelos
599
Cf. BENITEZ, J. J. O OVNI de Belém: era um disco voador a estrela que guiou os Reis Magos até
Belém para visitar o menino Jesus?, tradução de Elizabeth Soares, Rio de Janeiro, Editora Record, 1993.
600
Cf. BENITEZ, op. cit., p.30.
601
Idem, p. 30.
602
Idem.
603
Idem, p. 32.
604
Cf. Gn., 6: 4.
235
exegetas que a expressão “filhos de Deus” seria equivalente, de acordo com tradutores
gregos e alexandrinos, a “anjos”, semelhança também encontrada na literatura apócrifa
judaica. Ora, se admitirmos que os responsáveis pela prenhez das mulheres foram os
anjos, o problema continua: como as criaturas angelicais poderiam ser atraídos por
fêmeas humanas, que, inclusive deram à luz? Se os anjos copularam com as mulheres,
então eram seres de carne e osso...605
Mas se os anjos, por definição não tendo sexo e, por conseguinte, não podendo
sentir atração sexual, impedem essa interpretação e considerando que os “filhos de
Deus” neste caso poderiam ser os filhos de Set ou de Caim, parece que nesta parte do
Gênesis falta algo...606
Essa parte que falta no Gênesis foi recolhida e salva no Livro de Enoque, um
dos Evangelhos apócrifos: em sua primeira parte, no capítulo VI, faz referência a
“anjos, filhos do céu, que desejaram as filhas formosas e belas dos homens e geraram
crianças”. Enoque, o patriarca e sétimo filho de Adão, não viveu tanto como os outros
patriarcas porque, havendo agradado a Deus, fora “transportado”.607
Os registros apócrifos chamam “anjos veladores” às entidades que tiveram
contato com os descendentes de Adão e Eva, tentando recuperar, de algum modo, a
malograda “experiência genética” que não deu certo no Paraíso. Está claro que tais
anjos-veladores, ou Eloim, tinham uma natureza muito similar aos seres humanos,
embora, segundo Benitez, seja certo que, para os primitivos patriarcas e descendentes,
o seu grau de evolução mental e tecnológica os convertia em “Deus” ou “deuses”608. E
o autor complementa:
“Esses “anjos” – sempre a serviço de Deus – eram e são entidades adequadas
para estabelecer os contatos com a raça humana, dada a sua semelhança
física com esta. Ainda assim, a Bíblia está cheia de casos em que as
testemunhas caem de rosto na terra ao ver estes “varões” ou “anjos”. Se hoje
pudéssemos contemplar algumas daquelas “aparições” aos patriarcas,
certamente levaríamos as mãos à cabeça, reconhecendo nos ditos “anjos”
os “astronautas siderais”, com seus macacões metalizados, seus
capacetes,
suas armas sofisticadas e seus sistemas de transporte. Às vezes me
pergunto qual será a vestimenta dos primeiros
sacerdotes que subirem ao
espaço e como irão equipados aqueles
“missionários” humanos que nos
séculos futuros se lancem à evangelização de planetas mais atrasados que o
nosso...”609
O escritor suíço Erich Von Daniken, tendo publicado em 1968, o livro “Eram
os Deuses Astronautas”, um ano antes da aterrrisagem do homem na Lua, discutiu
seriamente a possibilidade de o homem ter sido, em seu passado, visitado por
civilizações extraterrestres. Baseava a teoria na hipótese de que um planeta como a
605
Cf. BENITEZ, op. cit., pp. 35 e 36.
Idem, p. 36.
607
Cf. Gn., 5: 24. Cf. BENITEZ, idem, p. 37. Se tomarmos a Bíblia, em versão católica, o livro
Eclesiástico, não reconhecido pelos protestantes, faz menção à Enoque: “... agradou ao Senhor e foi
arrebatado, tornando-se modelo de conversão para as gerações.” (Cf. Ecl., 44: 16)
608
Cf. BENITEZ, idem, pp. 40 e 41.
609
Idem, p. 41.
606
236
Terra fosse visitado por uma civilização avançada, que descesse neste local que haveria
de estar num estágio de civilização como o que alcançamos a cerca de 8 mil anos
passados.
Fabricando objetos de pedra, os habitantes veriam a colossal descida de um
artefato, vindo dos céus. Os visitantes ao descer das espaçonaves se elevariam sem o
menor esforço do solo, utilizando-se de pequenos motores a jato fixados na cintura ou
entrariam em helicópteros ou pequenas sondas para deslocamento da nave-mãe,
provocando estrondos e explosões. A visão desses acontecimentos pelos selvagens com
certeza deixaria aterrorizados os incultos habitantes que, sem dúvida, considerariam os
visitantes como deuses onipotentes.610
Os viajantes espaciais prosseguiriam no árduo trabalho de pesquisar as riquezas
do solo. Uma comissão de pajés, líderes feiticeiros das tribos contatadas se aproximam
dos astronautas e tentam ser amistosos. Tendo aprendido a língua local com auxílio de
meios eletrônicos, os visitantes agradecem a cortesia e tentam explicar a razão de sua
descida, mas percebem que isso não surte efeito algum. Nossos incultos habitantes,
compreendendo que os visitantes espaciais, vieram das estrelas e dispõem de grande
poder, sendo capazes de milagres espetaculares, só podem ser deuses! Tal hipótese,
defendida por Daniken, explica porque certas mulheres, especialmente selecionadas,
seriam fertilizadas pelos astronautas, tal como descrito na reminiscência do Gênesis:
“Assim surgiria uma nova raça, capaz de saltar alguns degraus da evolução natural
e desenvolver-se num estágio superior, sem passar pelas fases intermediárias.” 611
De qualquer maneira, como os livros do Pentateuco não podem ser de todo
atribuídos a Moisés, o Gênesis também foi concebido por quatro tradições diferentes: a
javista, a eloísta, a deuteronomista e a sacerdotal –, todas respeitadas e integradas
naqueles livros por numerosos colaboradores anônimos hebraicos, desde a era mosaica
até os tempos de Exílio.612
Assim, o episódio dos “filhos de Deus” que se casaram com “filhas dos
homens”, citado pelo autor, é de tradição javista e considerado, pelos exegetas, como
de difícil compreensão. Os autores sagrados se referem a uma lenda popular sobre
“gigantes” (os Nephilim”, que seriam Titãs orientais), nascidos da união entre mortais
e seres celestes. O judaísmo – mais tarde – e quase todos os primeiros escritores da
Igreja primitiva interpretaram como “anjos culpados” a expressão “filhos de Deus”. Só
a partir do IV século, em função de um conceito mais espiritual da natureza angélica, a
literatura patrística começou a ver os “filhos de Deus” como a linhagem piedosa de Set,
e os “filhos dos homens” como a descendência depravada de Caim.613
De fato, se uma raça alienígena disposta a um contato e possível colonização
fizesse um reconhecimento deste planeta, uma de suas primeiras tarefas seria saber se
duas raças poderiam se mesclar. Para isso necessitariam de um paciente humano. Ao
comparar as diferenças entre os raptos atuais (“as abduções”) com os que o Gênesis
610
Cf. DANIKEN, Erich Von. Eram os Deuses Astronautas?, pp. 22-23, tradução de E. G. Kalmus, 8ª
edição, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1971.
611
Cf. DANIKEN, op. cit., pp. 23-24.
612
Cf. João Ribas Costa, in “Apresentação”, pp. 3-4, no livro Eram Deuses Astronautas?, op. cit.
613
Idem, cf. Costa.
237
nos fornece, referindo-se à ligação entre os “filhos de Deus” e os “filhos dos homens”,
Benitez esclarece:

Enquanto o Gênesis sugere o “rapto das filhas dos homens” como conhecido
por todos, os praticados atualmente pelos “astronautas” extraterrenos chegam a
público muito depois e quase a totalidade dessas experiências são mantidas
dentro de OVNIS, sob sigilo quase total;

Os “astronautas” atuais diferem em intenções dos antigos, que executavam o
grande Plano de Deus, como “anjos-astronautas” da Bíblia e é por causa disso
que não vemos uma descida pública, oficial e maciça dos “astronautas” entre
os seres humanos.614
Outra passagem desconcertante, no texto bíblico, diz respeito ao “encontro”
entre Jacó615 e um anjo. O trecho diz:
“... ficando ele só [Jacó]; e lutava com ele um homem, até ao romper do dia.
Vendo este que não podia com ele, tocou-lhe na articulação da coxa;
deslocou-se a junta da coxa de Jacó, na luta com o homem. Disse este:
Deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Respondeu Jacó. Não te deixarei ir se me
não abençoares. Perguntou-lhe, pois: Como te chamas? Ele respondeu: Jacó.
Então disse: Já não te chamarás Jacó e sim Israel, pois como príncipe lutaste
com Deus e com os homens e prevaleceste. Tornou Jacó: Dize, rogo-te, como
te chamas? Respondeu ele: Por que perguntas pelo meu nome? E o abençoou
ali. Aquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a
minha vida foi salva. Nasceu-lhe o sol, quando ele atravessava Peniel; e
manquejava de uma coxa. Por isso, os filhos de Israel não comem, até hoje, o
nervo do quadril, na articulação da coxa, porque o homem tocou o
articulação da coxa de Jacó no nervo do quadril.”616
O que fazia, afinal, aquele “homem misterioso” no acampamento de Jacó? Essa
passagem seria apenas um símbolo ou uma espécie de anedota arcaica para explicar o
nome de Israel? Uma passagem alegórica, uma parábola típica do velho gênero
literário do Gênesis, como argumentam os exegetas católicos? Por que a luta de Jacó
com o anjo, a estrela de Belém ou a travessia do Mar Vermelho devem ser
considerados alegorias, enquanto a concepção virginal de Maria e a ressurreição de
Cristo devem ser aceitos como fatos irrefutáveis? Das duas uma: ou a Sagrada
Escritura não é inspiração divina ou, se o é, tudo a que se refere ocorreu realmente.617
Conforme Benitez, este seria o ponto-chave. Os escritores e teólogos católicos
não poderão aceitar jamais que Jacó, por exemplo, lutou durante uma noite inteira com
614
Cf. BENITEZ, op cit., pp. 94 a 96.
Jacó recebeu esse nome por conta das circunstâncias do seu nascimento. Logo após o nascimento de
Esaú, Jacó aparece segurado ao seu calcanhar, razão pela qual seus pais lhe chamaram Jacó, do hebraico
Yaakov (preso à raiz akêb: “calcanhar”), cujo significado é: “o que segura o calcanhar”. A mudança do
seu nome de Jacó para Israel, significa: “campeão com Deus, o que luta ou prevalece com Deus” (Gn.,
32: 28).
616
Cf. Gn., 32: 24-32.
617
Cf. BENITEZ, op. cit., pp. 99-101.
615
238
um anjo porque os anjos simplesmente – tal como está hoje este ponto da teologia –
não têm natureza humana.618
O contexto leva-nos a acreditar que o “homem” que lutava com Jacó não era
um ser humano, um homem natural, mas era um ser sobrenatural. No entanto, se
levarmos em consideração que Jacó lutava com um ser celestial, e considerando que os
seres celestiais são imateriais, torna-se meio esquisito alguém lutar fisicamente,
segurar, tocar um ser imaterial. Mas, se o anjo “se materializou” para a luta, no mínimo
deixou-se vencer por Jacó, porque, se tão somente se transformasse num ser etéreo,
jamais Jacó poderia tê-lo agarrado. Acreditamos que os anjos são seres muito mais
poderosos que os homens, pois dispõem de recursos e propriedades muito superiores às
do ser humano. Se o anjo deixou-se vencer, então torna o texto uma estorinha de “faz
de conta”, totalmente desacreditada.
Quando Jacó diz que viu Deus face a face, dá-nos a impressão de que a luta foi
com Deus. Muitos crentes até afirmam “Jacó lutou com Deus”. Ora, é completamente
inconcebível que numa luta físico-corporal, a criatura prevaleça contra o criador. Por
fim, se a luta foi com outro homem, onde está o mérito?619
Os adventistas, através da “profetisa” Ellen G. White interpretam essa
passagem, forçando a barra:
“A perseverante fé de Jacó prevaleceu. Ele segurou firme o anjo, até obter a
bênção que desejava e a certeza do perdão de seus pecados. Seu nome
foi
então mudado de Jacó, o enganador, para Israel, que significa príncipe de
Deus. (...)Foi Cristo que esteve com Jacó durante a noite, com quem ele
porfiou, e a quem ele perseverantemente reteve até que o abençoasse.”620
Cristo aparecer para Jacó, em pleno nascimento de Israel, no mínimo deve ser
interpretado como “reencarnação ao contrário”, na esteira das palavras de Jesus, no
Evangelho de João: “...em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, EU
SOU.”621 Sem dúvida isso alegraria muito os cristãos esotéricos, que acreditam em
reencarnação e aos espíritas também, mas tal interpretação arrojada não agradaria os
católicos. Nessa linha, o reverendo William Soto Santiago, PhD., afina a interpretação
tentando refazer a história:
“Esse Anjo é o Messias Príncipe em Seu corpo angelical, o qual, conforme a
promessa divina, em Sua Vinda se faria carne e estaria no meio do povo
hebreu. Para o Cristianismo esse foi Cristo: o Anjo do Pacto manifestado em
carne humana no meio de Seu povo Israel. O Judaísmo ainda espera a Vinda
do Anjo do Pacto, que será a Vinda desse Anjo num corpo de carne; e esse
será o Messias Príncipe esperado por Israel, ao qual verá e receberá a bênção
dele; pois Israel se agarrará desse Anjo e não o soltará até que receba a
618
Cf. BENITEZ, op. cit., p. 101.
Cf. PERES, J. Rede Sepal, Oficina de idéias, disponível em: http://www.lideranca.org/cgibin/index.cgi?action=forum&board=teologia&op=display&num=2247.
620
Cf. WHITE, Ellen G. História da Redenção, Jacó e o Anjo, capítulo 13, p. 94, disponível em:
http://www.cvvnet.org/cgi-bin/ellen?hr+c-013.
621
Cf. Jo., 8: 58.
619
239
bênção falada pela boca desse Anjo; porque será o Anjo do Pacto falando
através de carne humana a Israel.”622
Essas interpretações são muito bonitas, mas como fogem à interpretação literal
da Bíblia também permitem que aceitemos as hipóteses místicas mais fantásticas.
Limitando-se aos argumentos básicos – observa Benitez – Jacó era uma das
peças da engrenagem de formação do “povo eleito”, tanto quanto os seus descendentes
seriam o ci mento de um grande povo do qual irá nascer o Messias (o período do qual
se fala fica entre 2.000 a 1.800 antes de Cristo). A missão de vigiar o cumprimento
desse “plano divino” estava a cargo de eloístas ou “anjos-astronautas-missionários” de
natureza humana ou muito similar a ela.623
Ora, antes da luta com o anjo, Jacó regressava às terras do avô, Abraão, do pai,
Isaque e do irmão, Esaú, e teve um relevante encontro com outros anjos e, ao vê-los,
Jacó disse: “Este é o acampamento de Deus” e, por isso, chamou aquele lugar de
Manaaim624.
Por certo, nada na Bíblia é casual. Então, como os patriarcas ficavam sob estrita
vigilância dos anjos-eloístas, eram obrigados a ocupar terras muito próximas,
montando verdadeiras bases ou acampamentos, que Jacó definia com muita precisão.
Se os astronautas eram identificados como anjos de Deus ou como o próprio Deus, ou
Jeová, a conclusão lógica é que o lugar onde estavam acampados ou estabelecidos seria
também considerado “acampamento de Deus”. E esclarece Benitez:
“Pouco depois deste “tropeço” (não sabemos se casual) de Jacó com a “base
dos astronautas”, o patriarca decide enviar a Esaú uma série de emissários,
com presentes substanciais, a fim de aplacar a ira de seu irmão ruivo (por
causa do direito da primogenitura que Jacó usurpou através de um
estratagema). E pouco antes do encontro com o anjo, o astuto neto de Abraão
faz suas duas mulheres legítimas (Lia e Raquel), as duas escravas delas e as
concubinas de Jacó (Zela e Bala) e seus onze filhos cruzarem a corredeira de
Yaboq, ficando então sozinho.”625
Como a família e os serviçais de Jacó eram a origem do futuro povo de Israel626
(as chamadas “doze tribos”), a equipe de astronautas não poderia permitir que nada
lhes acontecesse, o que explica também que o astronauta que lutara com o patriarca
não o tenha paralisado com nenhum golpe mortal, mesmo após uma noite inteira de
combate...627
Cf. SANTIAGO, William Soto. “Jacó se encontra com o anjo”, 1º de junho de 2008, Conferências de
William
Soto
Santiago,
Jerusalém,
Israel,
disponível
em:
http://www.aluzdonovodia.com.br/biblioteca/colunas.php?idcoluna=100.
623
Cf. BENITEZ, op. cit., pp. 101-102.
624
Manaim significa “os dois campos”. Segundo outros autores, pode significar também: “É o campo
(majaneh) de Deus. Segundo Benitez, isso ratifica a sua teoria sobre uma possível “base” ou
“acampamento” de “astronautas”. Cf. Gn., 32: 1-2.
625
Cf. BENITEZ, op. cit., pp. 102-103.
626
Cf. X. Leon-Dufour, Israel significa “Deus luta”, “Deus é forte” e “lutou contra Deus”.
627
Cf. BENITEZ, p. 102.
622
240
Benitez especula que, em nossa época, os OVNIS que nos visitam não recebem
a docilidade que os patriarcas mantinham no período em que a história descrita pelo
Gênesis se desenvolveu. Os militares e serviços secretos de todo o mundo sabem da
presença dos visitantes e tentam constantemente a sua captura, não raro utilizando
meios violentos628.
Sempre falando por hipótese, o autor não crê que os “astronautas” de carne e
osso tinham perfeito domínio do futuro, que seria uma atribuição do verdadeiro Deus e
de seu estado-maior supremo. Os “astronautas-missionários” eram somente os
encarregados de materializar o grande plano e a eleição dos patriarcas (base do povo
eleito) e do território (a terra prometida) tiveram que levar em conta as características
genéticas encontradas e, depois, escolhidas. Ora, qualquer geneticista, hoje em dia, não
teria dificuldade em averiguar o tempo mínimo necessário para formar, por exemplo,
um determinado grupo humano, a partir de uma série de “primeiros exemplares”. Se
isto já é possível, estimando-se a nossa rudimentar tecnologia, do que não seriam
capazes aqueles “astronautas” da antiguidade?629 E ele enfatiza:
“Se os astronautas se faziam passar por Jeová, é porque as circunstâncias
daqueles tempos assim o exigiam. E embora cumprissem uma missão
divina, nem por isso podiam ser confundidos com a Grande Força.”630
Conforme Benitez, a Bíblia é, sem dúvida, uma grande porta para o mistério
extraterrestre, embora não haja trechos explícitos do Livro Sagrado que falem
especificamente em seres alienígenas. A Bíblia fala somente em seres alados e
angélicos, misturados às noções de nuvens, vozes, redemoinhos, carros e cavalos de
fogo e arrebatamentos para o alto, de seres abençoados como Melquisedeque, Enoque,
Moisés, Elias, Filipe e, por que não dizer?, do próprio Cristo.
Noutra passagem bíblica, muito importante, temos a controvérsia sobre Elias, o
profeta que foi raptado para o alto. Se as naves são capazes, hoje, de absorver e
levantar do solo homens e animais, valendo-se de misteriosos fachos de luz ou de
forças invisíveis ou desconhecidas para nós, não poderia ter ocorrido o mesmo com
Elias? Eis o trecho:
“Indo eles [Elias e Eliseu] andando e falando, eis que um carro de fogo, com
cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num
redemoinho. O que vendo Eliseu, chamou: Meu pai, meu pai, carros de Israel
e seus cavaleiros! E nunca mais o viu; e tomando as suas vestes, rasgou-as
em duas partes.”631
A interpretação católica sobre a passagem é a de que a separação dos profetas
se deu num “transporte extático”, que seria uma espécie de êxtase, o que não explica
porque o profeta não foi mais visto. Quanto ao redemoinho, ao carro e aos cavalos, a
interpretação seria a de que serviriam apenas como fator de separação dos profetas. E
se Elias foi arrebatado milagrosamente por volta de 850 a.C., e que não voltou a ser
628
Idem, pp. 108-109.
Cf. BENITEZ, p. 142.
630
Cf. BENITEZ, p. 137.
631
Cf. 2 Rs., 2: 11-12.
629
241
visto, o que ocorreu com ele? Podemos dizer que morreu? E se isso de fato aconteceu,
por que Jesus, muito mais tarde, afirmou cabalmente que Elias havia voltado?632
No entanto, o mais pormenorizado relato que pode ser associado a
extraterrestres é comumente identificado com o livro de Ezequiel, na totalidade do
capítulo primeiro633. Consta que, por volta de 593 a.C., o profeta teve uma visão e,
curiosamente, alguns exegetas parecem esquecer que o citado texto goza da
prerrogativa da inspiração divina. A maioria dos teólogos e especialistas católicos
admite, ao contrário, “que muitas descrições de Ezequiel são pura imaginação, poesia
ou recursos épico-literários”, o que, para Benitez, não passa de explicações vãs que
serviriam apenas para convencer um ingênuo colegial.634
O autor afirma que os teólogos adotam dois pesos e duas medidas porque se o
relato em Mateus sobre a “estrela” ou “luz” que guiou os Magos até Belém é
classificado como “gênero literário sem o menor rigor histórico”, a “luz” que envolveu
Saulo, a caminho de Damasco, em troca recebeu todas as bênçãos dos estudiosos da
Bíblia como sendo um evento verdadeiro. Se focarmos o capítulo da “credibilidade” o
que seria mais real: a luz de Belém, vista por inúmeras pessoas, ou a luz no caminho de
Damasco, que baixou dos céus e cegou um caminhante?635
A luz vista por Saulo, de acordo com o autor, só poderia ser uma nave, que
emitia luz fortíssima e que encheu de espanto a todos: “... caímos todos por terra, e
ouvi uma voz que me dizia em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues?”
Se só Paulo, dentre as testemunhas, ficou cego, elas também não ouviram ninguém;
nem tampouco o futuro apóstolo viu a figura de Cristo, dizendo apenas ter ouvido a sua
voz. O estado de choque em que Saulo ficou por 72 horas é típico das vítimas atuais de
aparições de ÓVNIS pelo menos nos dias subseqüentes à ocorrência.636
A cegueira temporária de Paulo também é encontrada no episódio do Gênesis
em que Lot convida os anjos a pernoitarem em sua casa em Sodoma: para afastar a
multidão que tentava sodomizá-los, os anjos os cegaram e com isso foram poupados637.
Esse trecho é visto pelos teólogos como “ilusão de ótica” – o que segundo Benitez é
apenas uma espécie de “gênero literário” para quem não deseja ver a realidade com
seriedade e rigor...638
Benitez conclui as suas especulações, chamando atenção para o fato de ser
impossível a chamada Estrela de Belém ter sido uma conjunção planetária, um cometa
ou um meteorito, porque a jornada dos Magos foi de 3 a 5 meses (cerca de 1.300
quilômetros de percurso), façanha que não poderia ser acompanhada por um fenômeno
astronômico de tão longa duração. A hipótese do autor para explicar o acontecimento é
a de que um veículo portentoso, dirigido inteligentemente, uma nave tripulada foi
responsável por guiá-los a Belém, sendo que sua caminhada era feita de dia, quando
632
Cf. BENITEZ, op. cit., p. 119-220. Cf. Mt., capítulo 11.
Cf. Ez., 1: 1-28.
634
Cf. BENITEZ, op. cit., pp. 243-247.
635
Idem, p. 133. “Quantas testemunhas atuais fizeram descrições semelhantes à esta de Saulo?
Simplesmente, centenas de milhares.”, cf. BENITEZ, p. 134.
636
Idem, pp. 135-137.
637
Cf. Gn., 19: 9:12.
638
Cf. BENITEZ, pp. 137-138.
633
242
não poderia aparecer no céu “uma estrela luminosa”. Segundo Benitez, desse detalhe
importantíssimo esqueceram-se também os exegetas e hispercríticos...639
O autor termina o livro com algumas dúvidas que o incomodam e interrogações
que remete ao leitor:





Se o tempo jamais foi um problema para os “astronautas de Jeová”, não é
possível que continuem sobrevoando a Terra e, nesse caso, teria sido encerrado
a sua experiência ou o grande plano de salvação da humanidade?;
Se circulam hoje os mesmos OVNIS dos tempos de Abraão, Isaque e Moisés,
quais seriam os profetas escolhidos hoje?;
Não estariam hoje os profetas da Nova Era sendo desmoralizados pela máquina
burocrática das religiões?;
Portariam os profetas de hoje cruzes e batinas ou seriam parecidos com Elias,
Ezequiel e João Batista?;
Não estaria sucedendo hoje à Igreja católica em relação aos OVNIS o mesmo
que ocorreu com Galileu há pouco mais de trezentos anos? Não estará
ganhando uma batalha para acabar perdendo a guerra?
Essas perguntas ou dúvidas, tomadas como um reflexo cultural de um conjunto
de aspirações e interrogações típicas do mundo contemporâneo, foram responsáveis
por reunir no corpo de uma nova ciência o estudo sobre a vida extraterrestre e suas
consequências para a visão de mundo que deveremos assumir, um dia, no futuro.
Ufologia e Religião
A Ufologia apareceu como novidade nos Estados Unidos em 1945 e pode ser
definida, a princípio, como o estudo sistemático e científico dos Objetos Voadores
Não-Identificados – OVNIS, artefatos misteriosos, avistados nos céus por testemunhas
oculares de diversos países640.
Após as explosões das bombas de Hiroshima e Nagasaki (agosto de 1945), que
deram fim à II Guerra Mundial, parece ter havido um aumento de aparições de OVNIS
e os relatos de avistamentos começaram a aumentar, a partir daí, despertando interesse
na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos.
Períodos remotos da história humana mostram que todas as vezes que uma
catástrofe ou mudança radical acontece, objetos luminosos e desconhecidos passam a
povoar os céus, com que inspecionando a atividade dos homens. Relatos sobre isso
encontram-se em obras de escritores célebres como Cícero, Tito Lívio, Dio Cassius e
Plínio e na Bíblia, como vimos, principalmente pelo relato do profeta Ezequiel.
Na atualidade, porém, vemos que cresceu o interesse pelos OVNIS na medida
em que as crises da sociedade ocidental foram tomando proporções catastróficas. As
639
Idem, pp. 294-296.
A sigla “UFO” é a abreviatura de “Unidentified Flying Objects” e consagrou no mundo inteiro o
estudo dos discos voadores, como são popularmente chamados.
640
243
guerras que se produziram após 1945, com o seu volume de mortos, a fome, a poluição
industrial, o envenenamento progressivo da atmosfera e, mais recentemente, o
aquecimento global formaram um quadro apocalíptico ou de medo do apocalipse, que
trouxe consigo o secreto desejo de que venha dos céus a instância salvadora, como em
antigos momentos da Humanidade.
Não quero, com isso, afirmar taxativamente que os OVNIS são uma ilusão.
Muito ao contrário. Mas não deixa de ser interessante assinalar que existem causas
históricas e sociológicas para o aumento da curiosidade em relação aos discos
voadores. A insatisfação na terra tem conduzido a humanidade a olhar mais
detidamente para os céus...
Diante de milhares de contatos relatados e da curiosidade pública flagrante,
muitos cientistas passaram a se interessar sobre o fenômeno, pondo em risco a
credibilidade pessoal, ameaçada por militares sisudos e os demais representantes
céticos da ciência oficial.
Segundo o astrônomo Rogério Mourão, a velha idéia do físico italiano Enrico
Fermi (1901-1954), de que os extraterrestres não existem em virtude de não terem até
hoje se apresentado, foi retomada pelo astrônomo norte-americano Michel H. Hart, do
Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas de Boulder, Colorado, que iniciou, em
1975, uma análise científica da ausência do extraterrestre. Tal argumentação,
conhecida no meio astronômico como paradoxo Fermi-Hart, se resume na questão
“Onde estão eles?”, atribuída ao físico italiano quando lhe perguntaram, em 1950, o
que pensava da hipótese de seres inteligentes em outros planetas do Universo.641
Mas antes dessas afirmações tradicionais e conservadoras da ciência, vieram os
pioneiros da Ufologia, isto é, pessoas comuns atemorizadas, fotógrafos sortudos e
jornalistas ousados, além dos pilotos de aviação que milhares de vezes viram objetos
redondos, luminosos e desconhecidos voando ao lado de seus aviões, na atmosfera.
A todos esses a Ufologia deve o extenso conjunto de depoimentos, revelados e
estudados por uma disciplina complementar, denominada “Casuística”, que seria a
coleção de casos documentados ou legítimos de aparecimento ou contato direto com
OVNIS.
Normalmente, os livros sobre Ufologia são narrativas superdetalhadas de
“casos”, de onde são deduzidos os desenhos das naves, os formatos dos humanóides
que as comandam e tudo o mais que se conhece sobre o tema. Aliás, tem-se que
admitir que, pelo menos nos Estados Unidos, a Ufologia tornou-se, antes de uma
ciência ou expectativa de ciência, uma indústria de muitos lucros, havendo inclusive
divisão entre “escolas”, bastante condicionadas aos ganhos dos profissionais a eles
ligadas.
De acordo com Rogério Chola, ombudsman da revista brasileira UFO, o estudo
dos OVNIS é um campo minado, no qual os cientistas recusam pisar para não explodir
a própria reputação. E arremata:
Cf. MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. “ETs – Onde Estão Eles?”, in Jornal do Brasil, 23/7/90,
p. 15.
641
244
“A maioria dos acadêmicos considera a ufologia uma pseudociência, ou seja,
um trabalho destituído do rigor da metodologia científica. Para piorar,
dezenas de charlatões tomaram conta das pesquisas ufológicas, com a
intenção de explorar a boa-fé das pessoas. Mas há cientistas, com
formação acadêmica e reconhecimento público, que adotaram a ufologia
como sua especialidade. O principal problema da ufologia hoje é a maioria
dos próprios ufólogos. Eles são os responsáveis por perpetuar os paradigmas
de que OVNI é sinônimo de nave extraterrestre”. 642
Os OVNIS realmente existem – diz Chola, mas podem ser um avião passando
entre as nuvens, uma estrela brilhante, um meteoro, um satélite artificial, um balão
meteorológico ou pássaros. Pode ser um punhado de coisas banais que normalmente
não tomariam a sua atenção, mas que, por terem aparecido em condições desfavoráveis
– escuridão, neblina, distância –, não puderam ser identificadas de imediato.643
Atualmente, há quatro teorias sobre o fenômeno: a primeira apela para o
racional: OVNI é algum tipo de aeronave avançada, secreta ou experimental de
fabricação humana, desconhecida ou mal reconhecida pelo observador; a segunda é a
mais polêmica: se nenhum fenômeno natural ou tecnologia terrestre servir de
explicação, trata-se de uma espaçonave alienígena; a terceira teoria aponta para
hipóteses psicossociais e psicopatológicas: quem vê um OVNI sofre de algum
distúrbio. E a quarta escola apóia-se na religião, no ocultismo e no sobrenatural - os
OVNIS são mensagens divinas ou diabólicas.
Pobre do ufólogo quando as hipóteses de uma tendência misturam-se às de
outra, diz Chola:
“A ufologia extrapolou os seus limites ao enveredar por caminhos místicos e
transcendentais, passando a estudar vida extraterrestre, canalizações de
mensagens extraterrestres, contatos telepáticos e entidades de outras
dimensões, entre outros, o que a rigor não compete a ela estudar”.644
De fato, alguns cientistas, deslocados de suas especialidades, começaram a
avaliar a sanidade mental e a reputação das “vítimas” dos discos voadores e,
finalmente, os serviços secretos norte-americanos passaram a se interessar pelo tema,
quando pressentiram que as ocorrências de avistamento e aterragem de tais objetos
poderia pôr em risco a segurança nacional dos Estados Unidos.
Surgiram na América, a partir de 1945, duas metodologias de pesquisa de
OVNIS. Uma, dirigida pelos militares em conjunção com os serviços secretos cuida a
sério do tema, mas evita que as conclusões porventura tiradas cheguem ao
conhecimento da opinião pública. Tal abordagem “secreta” é privilégio de agentes
642
Cf. CHOLA, Rogério. Cf. “Ufologia é ciência?, Saiba mais sobre a ufologia”, Revista
Superinteressante,
junho
de
2005,
disponível
em:
http://super.abril.com.br/superarquivo/2005/conteudo_125888.shtml.
643
Idem, cf. CHOLA, site citado.
644
Cf. CHOLA, site citado. Segundo o sociólogo Gerald Eberlein: “Pesquisas revelaram que pessoas
que não têm vínculos com igrejas mas afirmam ser religiosas, reagem de maneira especialmente forte à
possível vida de extraterrestres. Para elas, a ufologia é uma espécie de religião substituta.”
245
expressamente designados para a tarefa por órgãos oficiais de governo, mas que
necessariamente não aparecem no organograma de seus departamentos.
A outra orientação de pesquisa, bem conhecida do público brasileiro, é a
Casuística, permitida para consumo civil, e que não retira do material acumulado
qualquer conseqüência filosófica mais responsável sobre o material em estudo. Em
torno dela, foi montado o maior esquema promocional de que se tem notícia, desde que
os militares e os serviços secretos foram liberando “informações imprestáveis”, ou
seja, aquelas que, de uma forma ou de outra, “vasaram” para o público externo.
Alguns cientistas, como o astrofísico J. Allen Hinek (1910-1986), envolveramse emocional e comercialmente com o assunto; várias associações foram fundadas,
congregando os entusiastas da “ufomania”; uma cadeia de jornais e revistas se sustenta
nos Estados Unidos, graças aos recursos oriundos do debate sobre as pretensas e
luminosas mensagens vindas do céu!
A Casuística é, por dedução, um método de pesquisa simpático aos órgãos
oficiais do governo norte-americano, que até estimula os divulgadores na área
científica e comercial, desde que os pesquisadores jamais ultrapassem os limites
permitidos e que cumpram o objetivo de deixar a opinião pública sempre em dúvida:
afinal, os OVNIS realmente existem ou não existem?
Vale dizer, enquanto os especialistas se preocuparem em fazer palestras
contando os casos de aparecimento e contato, mostrem filmes e slides e exibam laudos
de sanidade mental das testemunhas oculares – adia-se para longe o reconhecimento
das realidades ufológicas pelos governos nacionais, que seria o objetivo final da
ciência. No entanto, a Casuística não consegue alcançá-lo, tornando-se um método
auxiliar, estagnado e repetitivo de investigação, já que não recebe o rico material dos
governos, mantidos no essencial em profundo segredo.
Tal como a natureza de Deus, envolta em mistério, o fenômeno OVNI revestese de um véu mágico de ocultamento que não permite a livre discussão do problema,
além das freqüentes tentativas das autoridades em acobertar fatos que poderiam cair
em domínio público e que poderiam causar, supostamente, pânico na população. Como
não se produziu, ainda, ao nível científico, qualquer prova cabal da existência dos
OVNIS, apenas indícios muito bem documentados, supõe-se que os governos
ocidentais dos países desenvolvidos escondem as provas documentais ou físicas sobre
a realidade dos discos voadores e das civilizações extraterrestres.
O que mais eletriza, no entanto, os aficionados do tema são os casos
documentados pela literatura existente de avistamentos e pousos de OVNIS, bem como
as supostas comunicações face a face com os seus tripulantes.
Foi Hinek quem classificou os avistamentos, pousos e comunicações dos discos
voadores e seres alienígenas em contatos imediatos de primeiro, segundo e terceiro
graus. O contato de 1º grau faz referência ao mero aparecimento de OVNI longe do
observador, mas sob o seu campo de percepção visual; o 2º grau diz respeito a um
246
contato imediato nas proximidades do observador e, finalmente, o contato imediato de
3º grau significa a interação com os tripulantes, dentro ou fora do objeto alienígena.645
Os casos de contato de primeiro grau são naturalmente em maior quantidade e
chegam à centena de milhares, pelo menos no Ocidente. Os de segundo grau, em
menor número, são comumente destacados pela literatura ufológica. São os
aparecimentos de OVNIS perto de instalações militares, de aviões comerciais em vôos
regulares ou de regiões densamente povoadas, gerando problemas físicos e
psicológicos para as “vítimas”, tais como estados de choque, vômitos, escoriações,
queimaduras e, às vezes, até a morte.
Alguns estudiosos levantam a hipótese de que os OVNIS preferem aparecer em
regiões de grande riqueza mineral ou que interfiram no perfil eletromagnético da Terra.
Mas a verdade é que a Ufologia é campo ingrato de pesquisa porque seu objeto escolhe
o palco de avistamento e a periodicidade do fenômeno não obedece a nenhuma lei
definida.
Para não deixar, todavia, os teóricos da disciplina muito desanimados, eis que
são documentados alguns contatos imediatos ditos de “3º grau”, em que as “vítimas”
afirmam ter entrado em comunicação ou interação diretas com tripulantes de objetos
desconhecidos para a tecnologia terrestre.
Isso ocorre invariavelmente com pessoas comuns, independente da condição de
credo, raça, posição social e idade, não havendo, entretanto, qualquer declaração
documentada de autoridades de projeção nacional ou internacional, afirmando ter
mantido contato imediato nesse nível alguma vez na vida. E isso é facilmente
explicável pelo elevado ônus para suas carreiras que acarretariam os exames de
sanidade mental ou testes em polígrafos (detetores de mentiras).
Abstraindo-se, contudo, essa dificuldade do contato de 3º grau, a literatura
ufológica consagrou alguns casos célebres, repetidos em livros e que foram
considerados modelares na comprovação da teoria.
Dentre eles, geralmente o mais citado pela credibilidade do acontecimento é a
ocorrência vivida pelo casal Barney e Betty Hill a 19 de setembro de 1961, ao sul de
Lancaster, New Hampshire, no nordeste dos Estados Unidos, um caso clássico de
contato de terceiro grau com seres extraterrestres.
Naquela noite de folga, em que o casal retornava da fronteira do Canadá em
direção a Portsmouth (EUA), do automóvel avistaram o que lhes parecia uma estrela
muito brilhante no céu. No entanto, a estrela observada foi ficando enorme até pairar
no ar, sobre a rodovia. Após o carro de Barney sofrer uma pane na parte elétrica, os
dois presenciaram a aterrisagem do objeto e uma escada descendo lentamente da
máquina. Logo depois sentiram enorme torpor e perderam os sentidos.
O livro de Hinek, “The UFO Experience” (1983) não cogitava, à época, dos contatos imediatos de 4º
grau, que consistem no contato social e sexual entre terráqueos e alienígenas dentro das naves espaciais.
Esse fenômeno foi conhecido como “abdução” e já gerou nos Estados Unidos pesquisas universitárias ao
nível de doutorado.
645
247
Duas horas e meia transcorridas, recuperaram a memória e estavam andando a
esmo, pela estrada, estranhamente silenciosa. Compreenderam que algo de muito
estranho ocorrera naquele intervalo de tempo.
Somente em 1964, porém, na cidade de Boston (EUA), o casal concordou em
ser examinado pelo psiquiatra Benjamin Simon. Através da hipnose, o especialista
conseguiu fazer aflorar o que estava escondido no subconsciente de Betty e Barney,
controlando a experiência de maneira totalmente científica.
Eles foram atraídos para a nave e os alienígenas examinaram detidamente os
seus corpos, fazendo o que lhes parecia ser alguns testes médicos. Após o período
dentro da nave, foram devolvidos à estrada, onde ficaram desnorteados por algum
tempo, andando sem direção. E, quando acordaram, não se recordavam bem do que
houve, apenas que fora uma experiência traumatizante.
O mais interessante neste caso é que Betty Hill desenhou, sob processo
hipnótico, um mapa celeste que vira dentro da nave. Sua descrição foi entregue à
astrônoma Marjorie Fish que pacientemente o estudou. Não encontrou no mapa nada
que correspondesse ao firmamento estrelado, visto da Terra. Entregou a sua pesquisa e
o mapa ao Dr. Mitchell, da Universidade Estadual de Ohio, que o examinou e
submeteu a extensos estudos, chegando a uma surpreendente conclusão: o mapa, feito
por Betty Hill, mostra uma parte de nosso Universo, visto da estrela Ceta Reticuli 3,
distante 36 anos-luz da Terra!
Esse é um dos casos mais bem documentados no campo da Ufologia e
dificilmente deixa de ilustrar os bons livros da matéria. No entanto, os casos clássicos
obedecem, mais ou menos, à mesma linha narrativa: uma sequência de avistamento,
seguida de aproximação da nave e possível aterrisagem e contato com os tripulantes;
exame do depoimento e da sanidade das “vítimas” por parte dos especialistas; notícias
na imprensa, durante cinco ou seis dias, e, finalmente, a “hibernação” do caso nos
arquivos de vários ufólogos, além de um delicado esforço governamental para abafá-lo
suavemente. Todos ficam satisfeitos e o caso se encerra. Quanto ao público, ele sempre
fica em dúvida sobre se os OVNIS existem realmente ou não.
“Não posso ver discos voadores: sou uma autoridade...”
Kenneth Arnold (1915-1984), criador da expressão “disco voador”, a partir de
um avistamento em 24 de junho de 1947, jamais poderia supor que sua expressão
percorresse o mundo inteiro e popularizasse um fenômeno que não escolheu fronteiras
científicas, políticas nem religiosas.
No Brasil, a pesquisa sobre discos voadores, obviamente inspirada na escola
casuística norte-americana, já está bem desenvolvida, contando com vários
especialistas que, de vez em quando, promovem congressos e simpósios, repletos de
manifestações contraculturais, que geralmente acompanham em nosso país os
entusiastas da matéria.
Um caso típico da casuística ufológica, com certo repercussões de interesse
religioso, ocorreu na madrugada de 8 de fevereiro de 1982, em território brasileiro.
248
Naquele dia, o vôo 169 da VASP (Viação Aérea São Paulo), num Boeing 727200, saiu à 1h50m de Fortaleza, cidade ao nordeste do país, com destino a São Paulo,
na região sudeste, com escala prevista na cidade do Rio de Janeiro. Por volta das
3h12m, trinta e três minutos após ter ultrapassado a cidade de Petrolina, no estado
nordestino de Pernambuco, o comandante do avião, Gérson Maciel de Brito, avistou
um OVNI que acompanhou o aparelho durante uma hora e vinte e cinco minutos. O
objeto também foi visto por mais dois aviões – um das Aerolíneas Argentinas, outro da
Transbrasil.
O 1º Oficial, Carlos Alberto Góis de Brito, e o engenheiro de vôo, Francisco
Cesarino, que estavam na cabine do avião, também confirmaram a versão do
comandante, em depoimento no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, de que o
aparelho fora seguido por um OVNI. O 1º oficial, então com 35 anos, dez anos de
profissão e seis mil horas de vôo, declarou:
“... que aquela luz se aproximava do avião e repetidamente se
afastava,
sempre mudando de coloração, enquanto o comandante Brito se comunicava
com o Cindacta (a torre de controle), em Brasília. Quando passávamos
sobre Belo Horizonte, o comandante Brito informou os passageiros sobre o
fenômeno. Nesse momento, o Cindacta me chamou para informar que, a 8
milhas à esquerda da nossa aeronave, havia realmente um objeto detectado
por seus radares”.646
“A conclusão a que cheguei” – prosseguiu o primeiro-oficial – “sobre o
fenômeno que ganhou repercussão em todo o Brasil, é que ele, certamente, servirá
como dado importante para os especialistas em OVNIS”647. Já o engenheiro de vôo, de
vinte e oito anos e trabalhando há dois anos na VASP à época, informou que sua única
preocupação, durante a observação do OVNI, foi verificar, a todo instante, o painel de
instrumentos:
“Quando passávamos sobre Belo Horizonte, aquele objeto se aproximou tanto
do Boeing, com uma aparente cauda vermelha, que eu tive a impressão
de
que ia nos ultrapassar por baixo. Fiquei de olho nos instrumentos de
bordo, pois temia que aquela luminosidade pudesse interferir no sistema
eletrônico do avião, mas, felizmente, não tivemos nenhuma descarga ou perda
de energia.”648
Outro comandante da VASP, Floriano Sérgio Pacheco, que contava então com
43 anos, afirmou, no aeroporto, que as informações prestadas pelo colega de profissão,
Gérson Maciel de Brito, são muito importantes para as autoridades que pesquisam
fenômenos extraterrenos. O comandante, que trabalhava há vinte e dois anos na VASP
e possuía naquele momento dezessete mil horas de vôo, disse que todos os seres
humanos devem estar conscientizados de que nós não somos os únicos no Universo:
“Os que não acreditam em discos voadores ou civilizações extraterrenas são
uns alucinados. Nós não estamos sós. Há civilizações muito mais adiantadas
Cf. “Colegas de piloto da VASP confirmam ter visto objeto”, in Jornal do Brasil, 11/2/82, p. 8.
Idem.
648
Idem.
646
647
249
do que a nossa e que há muito tempo nos observam de perto. Só espero que
elas, no momento oportuno, intervenham na terra para evitar que o
nosso
planeta se acabe numa catástrofe atômica, pois todos sabem que isso influiria
totalmente no equilíbrio universal.”649
O noticiário dos demais jornais, bastante sóbrio, procurou descrever esse
contato de primeiro grau com riqueza de detalhes e depoimentos, revelando fatos
curiosos para análise. Contou-se, por exemplo, que os únicos passageiros do Boeing
727 da VASP a não se levantarem para presenciar o fenômeno foram os bispos Aloísio
Lorscheider, cardeal-arcebispo de Fortaleza e dom Milton, bispo do Crato, região do
Ceará. “Deixa esse disco voador pra lá” – teria dito até, Dom Aloísio, demonstrando
certo desprezo por um objeto que não encontrava, na época, boas explicações em sua
formação teológica. Ou que não pudesse ser avistado por um homem de sua posição...
A atitude do Cardeal Lorscheider, recusando-se a mexer-se de sua cadeira no
Boeing da VASP, para olhar o OVNI que seguia o avião, lembra muito um episódio
semelhante, ocorrido com o ministro Orozimbo Nonato, quando era presidente do
Supremo Tribunal Federal. Ele sistematicamente negava que havia visto um disco
voador, mas um dia, a sós com o amigo Adauto Lúcio Cardoso, então advogado, o
ministro, provocado a comentar a experiência, confidenciou:
“Olha, Adauto, eu realmente vi um disco voador, mas o presidente
do
Supremo Tribunal Federal não pode ver um disco voador, por isso eu
nego...”
Esse curto depoimento é significativo para fazer entender como se comportam
as autoridades científicas, políticas e religiosas em relação ao fenômeno. No caso dos
dois religiosos, presentes na ocasião, há, porém, a suspeita de que não quiseram
testemunhar o evento porque os documentos de Puebla, que instruíam a teologia da
libertação, não falavam uma palavra acerca dos OVNIS, que prudentemente os
prelados preferiram não ver...650
Em contraste com a postura de diversas autoridades, prevenidas contra os
fenômenos ufológicos, o comandante Mário Provato, do vôo 177 da Transbrasil,
confirmou todas as declarações de seu colega da VASP e o chefe de operações do
Cindacta, Major José Bello, disse não desacreditar das informações do piloto do
Boeing, em virtude de outros pilotos exibirem relatos de avistamentos semelhantes. O
departamento de relações públicas da Aeronáutica, por sua vez, esclareceu que, como o
caso foge às responsabilidades do Ministério, ele foi arquivado, como tantos outros,
informando o tenente-coronel José Matos de Souza que “os documentos não sairão do
órgão, como se pode pensar”.651
Papai Noel existe ou são “bebês” enormes?
O volume de aparições, avistamentos e contatos imediatos de OVNIS tornou-se
fato comum em nossa época, havendo a tendência das autoridades, em diversos países,
649
Idem, artigo citado.
Cf. “Não ver para não crer”, in Jornal do Brasil, 10/2/82, p. 3.
651
Cf. Jornal do Brasil, 10/2/82, p. 3.
650
250
de acobertar ou desmoralizar a maioria dos casos documentados. Há quem diga que
99% dos eventos relatados sejam fraude ou se tornaram imprestáveis para qualquer
discussão séria no mundo científico.
Sobre essa dificuldade em aceitar-se o próprio objeto de conhecimento da
Ufologia, o filósofo católico Jean Guitton observou que o que interessa são os
“resíduos” ou fenômenos não explicados, que se tornam “exceções” para a
inteligência:
“...diante das quais existem dois caminhos: ou postula que estes casos
hoje
inexplicáveis serão um dia explicados por uma
ciência mais avançada –
que é a atitude dos positivistas diante dos fenômenos que os crentes acreditam
“miraculosos”; ou considera que tais fenômenos jamais serão explicados
pela ciência, o que é uma hipótese no mínimo dramática. Se assim fosse, a
ciência precisaria reconhecer seus limites, o que seria o mesmo que renegarse; ou então ousar e transformar-se. Este é o objeto do debate atual no que
concerne aos discos voadores.”652
O que não se tornou óbvio para a ciência foi explicar, de forma convincente, o
que aconteceu com o projeto Apollo, que terminou sem uma exposição satisfatória
sobre o fim do programa e os resultados porventura alcançados. Sabe-se que, do ponto
de vista científico, o alcance fora limitado, apenas se provando que nosso satélite tem
composição geológica e mineral muito semelhante à da Terra.
Queixando-se de redução de verbas, a Agência Aeroespacial norte-americana, a
NASA, encerrou abruptamente as excursões à Lua e, paradoxalmente, optou por um
projeto de ônibus espaciais recuperáveis, viajando apenas em órbitas repetitivas em
torno da Terra. Foi um anticlímax para a humanidade, como se ela tivesse sido
impedida de prosseguir na exploração do espaço sideral, a não ser por sondas não
tripuladas, lançadas a pontos distantes do sistema solar.
As missões tripuladas, aparentemente pouco produtivas, envolveram, a partir
daí, objetivos militares, pesquisas biológicas com ausência de gravidade, passeios
espaciais e conserto de telescópios e satélites, que hoje abarrotam o entorno terrestre.
Essa mudança de perspectiva foi justificada por desculpas esfarrapadas, como o fim da
Guerra Fria (1945-1989), a falta de verbas e o desinteresse dos contribuintes nos
programas espaciais.
Segundo vários especialistas, tal desinteresse equivaleria, por exemplo, a
condenar Cristóvão Colombo, após a descoberta da América, em ficar dando voltas em
torno da península ibérica com as suas caravelas, por ordem dos reis católicos
espanhóis...
De fato, muitos argumentaram que o objetivo do projeto Apollo era
predominantemente político, tendo como meta superar a extinta União Soviética, que
pôs no espaço o primeiro homem, Yuri Gagarin, em 1961. Para responder aos
soviéticos, o presidente norte-americano John F. Kennedy anunciou o objetivo de
Cf. GUITTON, Jean. “Eu Acredito Nos Discos Voadores”, in Revista O Melhor de Planeta Ufologia,
Especial, número 98-A, s/d.
652
251
enviar um homem à Lua e trazê-lo de volta à Terra em segurança, antes do final da
década de 60.
Em julho de 1969, os norte-americanos cumpriram a promessa com a missão
Apollo 11, em que a dupla de astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin finalmente
pisaram em solo lunar. Outros dez astronautas, em cinco missões posteriores, os
seguiram, mas, com a disputa ganha, ninguém mais voltaria ao satélite natural depois
da Apollo-17, em 1972.
O fato incômodo, porém, em relação ao projeto, diz respeito às transformações
de personalidade dos astronautas, que não foram acompanhadas por órgãos de governo,
como se a experiência de ver a Terra de longe, somente alcançada por vinte e quatro
astronautas até hoje (2009), não pudesse perturbar de alguma forma a “normalidade
psíquica” daqueles senhores...
Os responsáveis pelo programa jamais se importaram com o significado “para
além da ciência” das excursões ao espaço exterior, interpretando as missões apenas
como heroísmo militar ou serviço à Pátria. Não atentaram para as consequências
psicológicas ou místicas das viagens nem acompanharam – pelo menos ao que consta
no domínio público – as imensas mudanças de percepção sobre o Universo que esses
homens notáveis passaram a viver, a partir de concluídas as suas missões.
Nem deram satisfação à opinião pública sobre os avistamentos de OVNIS que
os astronautas presenciaram durante as viagens, omitindo qualquer comentário na
velha linha de acobertamento dos eventos, uma política de convivência com o assunto
adotada pelos norte-americanos desde os tempos do presidente Einsenhower (18901969), em meados do século passado.
Consta que, dentre esses contatos relatados por astronautas, destaca-se, por
exemplo, o encontro dos tripulantes da missão Apollo 8 com extraterrestres, em 24 de
dezembro de 1968. Os astronautas Borman, Lovell e Anders tinham a missão de fazer
o primeiro vôo de circunavegação lunar e, já na primeira volta, notaram algo diferente
numa cratera, mandando esta estranha mensagem:
“Temos o prazer de informar ao presidente dos Estados Unidos, às
nossas famílias e à NASA que Papai Noel realmente existe. Ele é
enorme,
esférico e muito brilhante. Parece estar nos acompanhando em vôo
paralelo” – disse Borman.653
Esta transmissão só veio a público graças a radioamadores que captaram a
mensagem. Em código, previamente estabelecido pela NASA, “Papai Noel”
significava OVNI...
Quanto à histórica chegada do Homem à Lua, os astronautas observaram outras
naves pousadas, algumas na borda de crateras. Uma delas estava no local exato onde o
módulo lunar deveria descer, o que obrigou os astronautas a pousar num ponto
653
Cf.
“E
a
Lua
–
mistério.”,
ufo.com.br/relatos/misterio.htmAPOLO.
disponível
em:
http://www.projetovega-
252
diferente do que havia sido planejado. A NASA alega que a mudança de local de pouso
deveu-se a “problemas temporários num dos computadores de bordo” do módulo
lunar:
“Esses bebês são enormes. Enormes! Vocês não acreditariam nisso. Estamos
lhes dizendo que há outras espaçonaves lá fora e elas estão alinhadas. Estão
na Lua, nos esperando!”
Centenas de radioamadores captaram essas palavras de Neil Armstrong ao
pousar no solo lunar em 20 de julho de 1969. Maurice Chatelain, que trabalhou na
NASA como especialista em comunicações, confirma que Armstrong viu os dois
OVNIs. Chatelain afirmou que as transmissões da Apollo 11 foram interrompidas
várias vezes para que a NASA tivesse condições de esconder as notícias do público,
censurando as falas dos astronautas. Há quem garanta que, quando o módulo lunar
pousou, Neil Armstrong teria recebido ordens para não sair do aparelho. Movido pela
curiosidade, acabou descendo e foi desligado do Programa espacial.654
Enquanto o astronauta Collins permanecia no módulo Columbia, orbitando a
110km da superfície lunar, os astronautas Aldrin e Armstrong recolhiam amostras de
rochas e levantavam seus instrumentos de medição. Em dado momento perceberam,
para seu espanto, que não estavam sozinhos... Apavorados entraram em contato com
Houston, sendo essa transmissão vetada aos meios de comunicação, mas acabou
vazando mais tarde por um grupo de radioamadores, que possuíam equipamentos
sofisticados que lhes permitiram interceptar o sinal e registrar os diálogos. As frases de
espanto, hoje publicadas na Internet, descreviam instalações com naves espaciais
pousadas na beira das crateras limítrofes:
“...esses “bebês” são enormes, senhor! ... são enormes... aqui há outras naves
espaciais. Estão alinhadas em fila, do lado mais distante da borda
da
cratera... minhas mãos tremem de tal forma que não consigo...
filmar...
temos apenas três tomadas de OVNIS ou o que sejam, mas podem ter
velado o filme... estão pousados aqui e estão nos observando... mas esses
seres podem vir amanhã e levá-los embora... seja qual for a sua forma, aquilo
eram naves espaciais... não há dúvida...”655
Somente alguns anos depois, Armstrong comentaria abertamente que
alienígenas teriam uma base na Lua, sendo que os mesmos alienígenas os haviam
advertido para retirarem-se do local e que permanecessem longe do satélite. Numa
entrevista nas dependências da NASA, Armstrong teria respondido algumas perguntas
sobre a missão a um professor, sendo o conteúdo de sua resposta o seguinte:
“É incrível. Certo. Sempre soubemos que havia uma possibilidade. O caso é
que fomos avisados. Nunca houve dúvida sobre uma estação espacial ou uma
cidade na Lua...”656
654
Idem, PROJETO VEJA, site citado.
Idem.
656
Idem.
655
253
Questionado sobre o aviso dos extraterrestres, ele respondeu:
“...Não posso entrar em detalhes, exceto para dizer que as naves deles eram
muito superiores às nossas, tanto em tamanho como em tecnologia. E, meu
Deus, como eram grandes e ameaçadoras!...”
A autenticidade dos avistamentos da Apolo 11 foi atestada por testemunho
atribuído ao âncora da rede de noticias CBS, Walter Cronkite. Em uma entrevista para
o National Enquirer, conduzida pelo repórter Robin Leach, Cronkite fez este relato:
“Na rota para o primeiro pouso na Lua do mundo, Armstrong e a tripulação
transmitiram uma informação fantástica, e eu estava lá para ouvi-la.
Armstrong afirmou ter visto um enorme objeto cilíndrico que estava girando
ou caindo entre a nave e a lua. Está registrado oficialmente nos arquivos de
registro da NASA que Armstrong indicou que foi tirar fotografias, mas o objeto
desapareceu tão depressa quanto ele o tinha visto primeiro. Neil Armstrong
não é um homem dado a imaginação fantástica e não foi apenas um
da
tripulação que viu isto – todos eles viram, e você tem que respeitar
esses
homens”.657
Finalmente, quando questionado a respeito das demais missões após a Apolo 11
e o conhecimento da NASA sobre a presença alienígena na Lua, Armstrong
acrescentou: “Naturalmente a NASA estava comprometida e não pôde arriscar-se a
provocar pânico na Terra. Porém foi uma notícia sensacional...” 658
Em agosto de 1996, jornais divulgaram uma série de fotos que teriam vazado
dos arquivos da NASA. Eram fotos de OVNIS descobertas por Richard Hoagland, que
declarou abertamente que a NASA escondia informações sobre a Lua. Essa opinião
também é compartilhada por Edgar Mitchell, comandante da Apollo 5: “Vi
documentos em que os Estados Unidos investigaram a presença extraterrestre e
decidiram não revelar por acreditar que a maioria da Humanidade ainda pensa que
somos o centro do universo” – comentou.659
Em julho de 2008, o mesmo astronauta, Edgar Mitchell (que foi o sexto homem
a caminhar na Lua), declarou em entrevista que o fenômeno OVNI é real, que
alienígenas contataram humanos várias vezes e que o acidente de Roswell660 realmente
aconteceu. Além disso, afirmou que os governos têm escondido a verdade da
população há mais de 60 anos.
Em pronta resposta, um porta-voz da NASA afirmou que:
657
Cf. OBERG, James, “Os Incidentes OVNI da Apollo 11”, texto do capítulo 3 de “Ufos and
OuterSpace
Mysteries”,
1982,
disponível
em:
http://www.ceticismoaberto.com/ufologia/oberg_apollo11.htm.
658
Cf. PROJETO VEJA, site citado.
659
Idem, PROJETO VEJA, site citado.
660
Um dos mais comentados da literatura ufológica, O Caso Roswell, ou Incidente em Roswell, diz
respeito a uma série de acontecimentos ocorridos em julho de 1947, na localidade de Roswell (Novo
México, EUA), em que se comenta ter sido capturada uma nave espacial e seus tripulantes mortos.
254
“... a NASA não rastreia OVNIS; a NASA não está envolvida em nenhuma
espécie de operação para esconder a verdade sobre vida alienígena nesse
planeta ou em qualquer lugar do universo; o Dr. Mitchell é um grande
americano, mas nós não concordamos com as suas opiniões nesse assunto”.
Esses fatos nos levam a concluir que o governo norte-americano mantém vasta
“máquina de desinformação” que manipula opinião no seu país e ao redor do mundo.
Os ex-militares e ex-cientistas da NASA estão dizendo que existem bases secretas
subterrâneas, que uma nave alienígena foi resgatada. Seriam grandes patriotas que até
mesmo fora da ativa ainda “asseguram a segurança do seu país” ou dizem a verdade?
Se eles estão contando a verdade sobre a situação alienígena, então por que estariam
permitindo isso? Por que não estão sendo impedidos pela Segurança Nacional?
Dizem que as ameaças só começam quando você esta muito perto da verdade.
Bem, se esse é o caso, por que é este pessoal do exército (que freqüentemente dá
palestras ao redor dos EUA), revela o que sabe sem ser importunado? Se estas pessoas
estão contando a verdade, talvez uma explicação para a sua imunidade seja que as
autoridades saibam que a verdade será revelada cedo ou tarde.
Se aquele enredo está correto, um processo de educação já é encaminhado para
prevenir as massas. O fato de que a América parece estar conduzindo este “joguinho”
em todos os assuntos relacionados aos Ufos que caíram na Terra, abduções alienígenas
e mutilações de animais, nos faz pensar que tipo de maravilhas essa caixa de Pandora
revelaria e qual seria o seu impacto na raça humana. Não há nenhuma dúvida de que
eventos com Ufos estão acontecendo em países diferentes dos Estados Unidos.
Nesse sentido, a indústria cinematográfica norte-americana, completamente
integrada aos objetivos do governo, providenciou a confecção de filmes que
acostumassem a população, incluindo a juventude, à convivência com a idéia de
contato com os alienígenas.
Muito desse plano sedutor e diabólico se pode ver nos filmes e na televisão: ET,
Contatos Imediatos do 3º Grau, Alienígenas, V, Nação Alienígena e Guerra dos
Mundos – todos eles representando a convivência com alienígenas de formas
diferentes: “Nação Alienígena” mostra um cenário de alienígenas relativamente
pacíficos e capazes de viver em sociedade com os humanos; “Guerra dos Mundos”
contém cenário de réplicas humanóides e alienígenas vivendo subterraneamente e
mostrando o conflito entre humanos e alienígenas; “ET” narra a paranóia de
alienígenas extremamente amigáveis, de tal modo que vários tipos diferentes de
extraterrestres são oferecidos às mentes das pessoas, que podem aceitar ou rejeitar um
ou todos eles.
OVNIS para católicos e protestantes
Tantas evidências palpáveis, escapando do mero campo da crença, fizeram com
que o tema OVNI passasse ao largo da controvérsia científica e surgisse na área
religiosa como objeto de discussão. Ou seja, no século XXI já não há mais sentido em
omitir-se na análise do problema, como se ele fosse privilégio de lunáticos, pouco
afeitos aos apelos da razão. Como vimos, até as autoridades de governo e serviços
255
secretos vão liberando as informações imprestáveis, ou seja, aquelas que não adianta
mais esconder, porque já são de domínio público...
A posição de Jean Guitton, intelectual católico, serve, neste momento, para
abordar o assunto, do ponto de vista religioso. Ele comenta a conduta dos humanóides,
como surgem nos contatos conosco:
“Curiosamente, nunca são vistos a executar suas necessidades naturais. Não
resta deles mais que uma imagem, como se fossem marionetes
representando ou manequins numa vitrine. São invulneráveis. Quando há
luta, descarregam uma extrema energia e sempre escapam de seus
interlocutores, como se quisessem e, ao mesmo tempo, temessem aparecer.”661
O filósofo chama-nos atenção para o fato de que o comportamento dos
humanóides é muito semelhante àquele que a fé cristã atribui aos anjos. São, em suma,
“subanjos”, um sonho obsessional e repetitivo que há trinta anos visita oficialmente a
humanidade e que é radicalmente diferente de tudo o que a patologia e a psicologia nos
permite conceber. E continua:
“Algo que sistematiza e amplifica as faculdades paranormais do espírito. Um
fenômeno paranormal no mais alto grau, que concentra de forma mítica uma
série de fenômenos que até hoje eram estudados separadamente nos
laboratórios.”662
Do ponto de vista religioso, Guitton assinala os temas vitais da discussão,
expondo as principais perguntas que afloram no contexto espiritual:
“Quem nos garante que antes desse nosso cosmos, cujo funcionamento talvez
tenha milhares de anos-luz, não existiu uma infinidade de outras humanidades
semelhantes à nossa? Pergunto-me como se pode conciliar o dogma da
Encarnação, que é o dogma central do cristianismo, com estas humanidades
tão múltiplas. Se estou só no cosmos, sinto-me angustiado por ter este
privilégio, e o silêncio dos espaços infinitos me assusta. Causa-me medo
ter sido o escolhido. Se, ao contrário, suponho que há milhares de
Verbos Encarnados ao redor das estrelas e das galáxias, sinto-me
perdido entre esta multidão. Nos dois casos minha fé vacila, tanto pela
solidão como pela multidão”.663
Humildemente, foi o filósofo consultar teólogos sobre o tema que lhe
esclareceram que, do ponto de vista estritamente lógico, a pluralidade de Encarnações
é possível, basta que se leia o prólogo do Evangelho de João:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por
intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a
vida era a luz dos homens.”664
661
Cf. GUITTON, artigo citado, p. 72.
Idem.
663
Idem.
664
Cf. Jo., 1: 1-4.
662
256
O Evangelho faz, por conseguinte, uma distinção entre o Logos em si – a
segunda pessoa da Trindade – e o Logos, enquanto encarnado – Jesus de Nazaré. Deixa
então a possibilidade de se conceber que o Logos pode ter-se encarnado uma outra vez.
Se isto pode ter ocorrido, quem nos garante que não tenha se encarnado um número
infinito de vezes no infinito do espaço e do tempo atualmente descobertos pela luneta e
pelo cálculo? – pergunta Guitton.
A verdade é que, quanto mais se procuram, mais se encontram estrelas
acompanhadas de planetas. A partir do momento que se supõem duas encarnações,
pode-se supor, também, um número infinito; não existindo, portanto, nenhuma
dificuldade lógica.665
Os sofrimentos de Cristo, os terrestres, também são infinitos, porque são os
sofrimentos de Deus. Mesmo havendo uma infinidade de seres livres e pecadores nas
galáxias, a Encarnação terrestre bastou para salvar e elevar todos os mundos, mesmo
que disso não tivessem conhecimento, por ser um conhecimento revelado. Quem sabe,
outras humanidades, no infinito do tempo e espaço, não tenham conhecido o drama que
vamos conhecer após vinte séculos de cristianismo?666
Do mesmo modo que corremos o risco do genocídio universal, quem sabe se
outras espécies pensantes não foram destruídas pela loucura de saber e precisam agora
de um socorro redentor? E Guitton afirma o seu credo:
“É importante fazer como Jó, ou seja, tapar a boca com a mão e considerar
que a Terra em que vivemos, a pequena história que nos é conhecida, seja
pelos documentos, seja pela revelação judia e cristã, não esgota em nada a
invenção, a imaginação, o poder infinito daquele que chamamos Deus e ao
qual demos a onipotência e a plena invenção. O que chamamos tempo talvez
não seja mais que um átomo que supõe uma infinidade de tempos anteriores,
de outros cosmos e outras histórias, da mesma forma que o que chamamos
de espaço talvez seja uma ilha, um recinto, existindo, quem sabe, ao lado
desse espaço, hiperespaços que não podemos explorar. Em outros termos:
mais do que nunca, precisamos reconhecer que o que sabemos é que não
sabemos nada.”667
A pluralidade dos mundos não é contrária à fé revelada pelos livros do
judaísmo e do cristianismo – concede o autor. E fica a impressão de que os
humanóides são criaturas do tipo angelical, na esteira da Bíblia, que considerava os
anjos como seres intermediários entre os homens e Deus, que vivem, como dizem os
filósofos, na duração intermediária entre a eternidade e o tempo que se chama éon.
Então, pensando na hierarquia que parte dos poderes da dominação, passando
pelos Serafins e Querubins, pelos Arcanjos e os Anjos, para terminar no ser composto
chamado Homem, quem sabe a hierarquia não prossiga numa espécie de submundo
665
Cf. GUITTON, artigo citado, idem, p. 72.
Idem.
667
Cf. GUITTON, artigo citado, pp. 72-73.
666
257
angélico, em que os humanóides seriam suboficiais ou agentes subalternos da
angeologia?668
Existe, sem dúvida, uma semelhança entre a conduta de aparições nas narrações
bíblicas e a conduta dos humanóides. Nos dois casos estamos diante de seres que às
vezes se manifestam e às vezes se dissimulam. Todos os problemas colocados pelos
milagres e tudo o que se revela como “aparição” devemos pensá-los mais uma vez, não
como uma aceitação forçada, mas entendendo que:
“...representam uma zona intermediária sobre a qual, talvez, jamais
tenhamos conhecimentos positivos. Para certos espíritos, entretanto, talvez
seja esta a ocasião de crer que o invisível existe, e que há, como disse
Shakespeare, mais coisas no universo do que nos indica nossa filosofia.”669
Da percepção de Guitton, profundamente católica e espiritualista, passamos a
expor a visão protestante sobre os problemas ligados aos discos voadores e à possível
visitação de seres extraterrestres ao nosso mundo, desde os tempos bíblicos.
“Seriam os Escritos Sagrados normas morais desenvolvidas pelos alienígenas?
As visões dos profetas e seu cumprimento foram interferências de extraterrestres?
Depoimentos de “rapto”, visitações, contatos imediatos de primeiro, segundo e
terceiro grau mereceriam crédito?
O exemplo mais utilizado pela Ufologia encontra-se no Livro bíblico de
Ezequiel. O profeta foi detalhista no relato de sua visão e expressou minuciosamente a
glória de Deus. Contudo, teríamos neste livro indícios de alguma visitação
alienígena? Seriam as manifestações de Deus apenas visitações extraterrestres?
Visto que a Bíblia abrange toda a história humana e foi escrita durante um
período de cerca de 1600 anos, tendo cerca de 40 escritores inspirados, tem portanto,
demonstrado singularidade e presciência no conteúdo de Sua mensagem. Contudo,
esforçam-se os ufólogos em fazer interpretações que indicam algumas passagens como
“visitações”.
A Palavra de Deus não tem um interesse político ou diplomático dissociado da
moralidade e dos pactos instituídos com o Seu povo. Quando esses elementos políticos
aparecem, são apenas conseqüências da desobediência por parte da nação de Israel,
ou do desrespeito das nações para com Israel.
Por outro lado, alguns ufólogos dizem que determinadas decisões
governamentais são fruto de interferências alienígenas. Isto é, os extraterrestres
visitavam a Terra periodicamente e comunicava alguma orientação aos povos. Isso,
afirmam, foi feito aos diversos povos espalhados pelo mundo. Em outras palavras,
veríamos traços alienígenas em todas civilizações. Semelhantemente, afirmam que as
intervenções divinas na nação de Israel seriam intervenções alienígenas e não do
Deus vivo.
668
669
Idem, p. 73.
Idem.
258
Em Ezequiel capítulo 1, lemos que o profeta Ezequiel estava no meio dos
cativos e teve visões: abriram-se os céus, e eu tive visões de Deus. O povo que estava
com Ezequiel não teve as mesmas visões, logo não houve qualquer visitação de
astronautas!
Novamente no capítulo 8 do Livro de Ezequiel encontramos outro relato das
visões do profeta, nessa ocasião ele estava em casa junto aos anciãos de Israel, mas
somente Ezequiel foi transladado e teve a visão em espírito, das coisas ocultas em
Jerusalém. Houve uma visitação de extraterrestres ou uma visão divina? Obviamente
foi uma visão, pois os demais companheiros de Ezequiel não participaram, apenas
ouviram seu relato. Isso contraria a afirmativa dos ufólogos, pois dizem que as visitas
dos extraterrestres causavam transformações nas culturas primitivas.
As Escrituras nos ensinam que a base do cumprimento das profecias bíblicas é
a atuação de Deus:
“Ainda veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que é que vês, Jeremias? E
eu disse: Vejo uma vara de amendoeira. E disse-me o Senhor: Viste bem;
porque eu velo sobre a minha palavra para a cumprir.”670
Grandes civilizações que detêm, entre ufólogos a elite das visitações
extraterrestres, desapareceram. Maias, Incas, Astecas, povos que floresceram e
desvaneceram. Onde estavam os seus mentores quando chegou a adversidade? Por
outro lado, tudo que as Escrituras profetizaram tem se cumprido plenamente.
A Ufologia Científica depende exclusivamente de fatos, contudo, na prática,
utilizam evidências circunstanciais: fotos, filmes, impressões no corpo, na terra, em
plantações. Evidências que são, em primeira mão, inusitadas. Mas desbaratadas com
o tempo e esclarecimento. Essa é a posição do respeitado cientista Carl Sagan, que
embora cria em vida extraterrestre, e procurasse investir em sua busca, através de
comunicação por sofisticados aparelhos, a ponto de criar um centro de escuta
intergalático, admitiu que nunca conseguiu sequer um contato bem sucedido. Carl
Sagan fundou a Planetary Society, uma renomada instituição na vanguarda do
rastreamento de sinais de vida fora do nosso planeta. O projeto Search for
Extraterrestrial Intelligence (SETI), ou Busca por Inteligência Extraterrestre, não
alcançou êxito. Em Socorro, Novo México, encontra-se o Very Large Array (VLA) é
um aglomerado de vinte e sete radiotelescópios conectados eletronicamente, como se
fossem um único telescópio do mesmo tamanho até nos menores elementos, ou um
radiotelescópio de dezenas de quilômetros de extensão. Toda essa estrutura científica
não conseguiu localizar outras civilizações alienígenas, quer inferiores quer
superiores, ou mesmo algum planeta que tenha semelhanças com o planeta Terra.
Esperava-se que as mensagens ufológicas refletissem cultura altamente
desenvolvida, principalmente na área científica. Contudo, não é isso que propagam.
Suas mensagens refletem idéias ocultistas, principalmente tentando atingir as
Escrituras como sendo espúrias. Depois de observarmos diversos livros, revistas e
jornais que propagam a ufologia, obtemos um extrato de suas afirmações, vejamos
algumas:
670
Cf. Jr., 1: 11-12.
259






Acusam a Bíblia de falsidade, no entanto, usam diversas passagens para
indicar a existência de OVNIS. Algumas supostas mensagens de alienígenas
interpretam as Escrituras de uma forma particular, atribuindo-lhes a autoria;
Afirmam que os mentores galácticos aguardam algum tipo de adoração por
parte dos habitantes da Terra;
Atribuem ao homem uma capacidade divina, que deve ser desenvolvida através
de exercícios, meditações, amuletos e marcas. Aguardando um advento de
centenas de naves alienígenas que conduziram a humanidade a uma nova era;
Aguardam uma nova era, quando o ser humano ultrapassará as fronteiras do
conhecimento. A constituição de um código civil mundial que trará paz ao
planeta. O auto conhecimento libertará o homem, ou o divinizará;
Deus, o homem, e os animais fazem parte da mesma essência divina e material;
portanto, é necessário um místico respeito ecológico;
Entidades alienígenas e/ou espirituais estão agora presentes para ajudar a
humanidade a ajustar-se à Nova Era de avanço espiritual.
Essas correntes negam ou omitem o pecado, a real condição do homem e,
portanto não tem nenhum plano de salvação que inclua o arrependimento, fé e
santificação. Tanto aqueles que afirmam falar com ‘anjos’ quanto os que afirmam que
falaram com ETs têm as características acima. Os conceitos de pecado, e condição
geral da humanidade parecem muito com as atuais filosofias materialistas e liberais.
O imaginário popular adquiriu um espaço sem fronteiras em grande parte
devido às viagens espaciais, ficção cientifica e a indústria cinematográfica. Além
disso, onerosos projetos científicos estão em operação, buscando com verdadeira
seriedade encontrar vida e inteligência nos espaço sideral. Em resultado disso, está
ficando cada vez mais difícil para as pessoas, especialmente os jovens, dizer onde
termina a ciência e onde começa a ficção. A existência de seres extraterrestres e a
possibilidade de se comunicar com eles e de ser influenciado por eles invadiram
sutilmente a mente das pessoas, como que pela porta dos fundos.
As Escrituras afirmam que a Terra era sem forma e vazia, essa condição
verificamos também nos planetas vizinhos e naqueles que podem ser observados por
diversos meios. Encontramos a mesma condição quando observamos fotos dos
planetas de nosso sistema solar.
Por outro lado as Escrituras admitem que existe vida fora da terra. O apóstolo
Paulo relatou que além de haver vida fora da terra, ela está em luta com o ser
humano. Em sua carta aos Efésios (6.12) ele escreveu:
“Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os
principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século,
contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. As Escrituras
também advertem dos riscos do envolvimento com entidades espirituais: Vós
bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis
guiados.”671
671
Cf. 1 Co., 12: 2.
260
As Escrituras admitem a existência de outros seres, além dos humanos, e até
mesmo atribui-lhes poder sobre-humano. Mas não encontramos afirmação de seres
que residam em outros planetas. Entretanto, afirma a Bíblia a existência de dois níveis
de habitat, o terrestre e o celestial.
Por outro lado, alguns professos cristãos, liberais, afirmam que existem outros
mundos habitados e estes talvez fossem também visitados por Jesus, onde, morrendo
por tais extraterrestres, poderia alcançá-los, salvando-os. Assim, seria apenas uma
repetição do que aconteceu a cerca de dois mil anos. Imagine diversos mundos que
também foram visitados por Jesus, onde viveu e morreu sacrificialmente. Para tais
liberais, esta seria uma resposta plausível e até provável. Encontramos alguns
problemas no contexto bíblico, que não podemos deixar de considerar. Primeiro, a
morte de Cristo para o perdão de pecados é única: assim também Cristo, tendo-se
oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda
vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação672
A manifestação de Cristo é impar, primeiro para tirar o pecado e uma segunda
vez, para aqueles que O aguardam. Interferir Deus na criação diversas vezes em
mundos diferentes através de Cristo está fora do contexto bíblico.
Se existissem outros mundos, estariam sujeitos ao juízo que está ocorrendo no
céu (devido à rebelião de satanás) e ao juízo que advém sobre a terra (devido à
condição caída da humanidade), sem ao menos ser citado no contexto bíblico?
Em um vasto universo, não poderia Deus criar outros mundos? Sim, mas,
temos que concordar que houve um princípio, um início criativo. E segundo as
Escrituras a seqüência da criação é bem conhecida: No princípio criou Deus os céus e
a terra. Nos céus Deus criou os anjos, em diversos níveis e na terra Deus criou a
natureza, os animais e finalmente o homem. Notamos a citação clara da criação dos
animais, répteis e aves. Se houvesse outros mundos, isso seria relevante e seria
registrado. Somente encontraremos no Universo três naturezas, a Divina, que somente
subsiste na Trindade; a celestial que se aplica a todas as classes de anjos; e a
humana. Uma quarta natureza está sendo preparada, a natureza incorruptível dos
santos, (mortos e vivos) que na manifestação do Senhor Jesus adquirirão.
Encontramos duas ferramentas para identificar os OVNIS: primeiramente pelo
equivoco daqueles que tiveram a experiência, e então pelos frutos.
A identidade das engenhocas espaciais que aparecem podem ser identificadas
na seguinte ordem:





672
confusão com o planeta Vênus, este planeta é o mais brilhante para o
observador comum, transmite a impressão que está rodando rapidamente no
seu eixo;
balões meteorológicos;
meteoros;
aviões ou helicópteros;
parélio, isto é, mancha brilhante que aparece em um lado do sol;
Cf. Hb., 9: 28.
261


equivoco nos relatos, a dificuldade relatar o que realmente viu contribui para
uma interpretação errônea e carregada de imaginação;
paranormal, além da hipnose, atribuindo elementos ocultistas.
A segunda ferramenta de identificação são os frutos. Pelos seus frutos os
conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?673.
Que fruto estão produzindo tais “aparições”? Os seus ensinos, conforme comentamos
acima, demonstram que toda a árvore, isto é, todo o assunto relacionado com OVNIS
está comprometido com o ocultismo, portanto condenado pelas Escrituras.
Outra característica comum das aparições dos supostos seres extraterrestres é
a deformidade física: cabeças desproporcionais ao corpo, pele desbotada, olhos
exagerados ocupam 30% da cabeça; corpo minúsculo e falta de comunicação oral,
enfatizando os poderes telepáticos. Alias, a telepatia sempre é o meio de comunicação
com os terrestres, talvez esta seja a razão da necessidade de hipnose para comunicar
com supostos alienígenas. Em fim, as “criaturas” que aparecem nas retratações
daqueles que afirmaram ter visto algum extraterrestre não passam no crivo das
Escrituras, pois Deus ao criar, sempre testificou que sua criação era boa. Vemos uma
bela criação, desde a grande variedade de paisagens no planeta, como uma variedade
de animais e vegetais que transmitem um belo visual e até mesmo a harmonia de sons,
quando voltamos nossa atenção para os pássaros. Coroando a criação Deus criou o
homem e a mulher. Definitivamente, os supostos seres extraterrestres não trazem a
assinatura de Deus – o belo.674
Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; sobre a terra, angústia entre as
nações em perplexidade por causa do bramido do mar e das ondas675”.676
O que se percebe bem da manifestação protestante, transcrita acima, é que
existe uma condenação do ocultismo e do misticismo por serem antibíblicos, um certo
prazer com a ausência de provas cabais sobre a realidade extraterrestre e a afirmação
de que a Encarnação do Cristo na Terra é realmente única, sem a possibilidade de ter
sido repetida em outras civilizações ou mundos. Além de Deus não haver criado outros
mundos porque esse fato não aparece no Gênesis, os relatos de aparições e visitações
de UFOS são ilusórios e os humanóides não podem existir porque são feios, indignos
da criação divina.
Ah! – ia me esquecendo –, e a Bíblia não tem contradições e deve ser
entendida em seu sentido literal, até por cientistas...
Mas o mais surpreendente nesta pós-modernidade foi a declaração recente da
Igreja católica, sem desmentido de qualquer porta-voz do pontificado conservador de
Bento XVI, sobre a existência dos extraterrestres.
673
Cf. Mt., 7: 16.
Cf. Gn., 1: 4,10,12,18,21,25,31.
675
Cf. Lc., 21: 25.
676
Cf. Marcio Souza é consultor teológico do Ministério CACP e um dos comentaristas da Bíblia
apologética, entre outras. Os últimos parágrafos são transcrição quase que completa de seu artigo sobre a
posição protestante em relação ao fenômeno ufológicos.
674
262
Sem nenhum fato jornalístico que servisse de “gancho”, sem pretexto religioso
ou qualquer ocorrência ofensiva de avistamento de OVNIS, o diretor do observatório
astronômico do Vaticano, padre José Gabriel Funes, afirmou em 2008 que Deus pode
ter criado seres inteligentes em outros planetas do mesmo jeito como criou o universo e
os homens.677
O diretor do observatório conhecido como “Specola Vaticana” observou, em
entrevista ao jornal L’Osservatore Romano, órgão oficial de imprensa da Santa Sé:
“Como existem diversas criaturas na Terra, poderiam existir também outros seres
inteligentes, criados por Deus. Isso não contradiz nossa fé porque não podemos
colocar limites à liberdade criadora de Deus”.678
O padre Funes, jesuíta argentino de 45 anos de idade, também cita São
Francisco ao dizer que possíveis habitantes de outros planetas devem ser considerados
como “nossos irmãos” (portanto, ao contrário da visão protestante acima divulgada,
não são “feios”): “Para citar São Francisco, se consideramos as criaturas terrestres
como ‘irmão’ e ‘irmã’, por que não poderemos falar também de um ‘irmão
extraterrestre’? Ele também faria parte da criação.”679
Na opinião do astrônomo do Vaticano, podem existir seres semelhantes a nós
ou até mais evoluídos em outros planetas, ainda que não haja provas da existência
deles:
“É possível que existam. O universo é formado por 100 bilhões de galáxias,
cada uma composta de 100 bilhões de estrelas, muitas delas ou quase todas
poderiam ter planetas. Como podemos excluir que a vida tenha se
desenvolvido também em outro lugar? Há um ramo da astronomia, a
astrobiologia, que estuda justamente este aspecto e fez muitos progressos nos
últimos anos.”680
Segundo o cientista, estudar o universo não afasta, mas nos aproxima de Deus,
porque nos abre o coração e a mente e ajuda a colocar a vida das pessoas na
“perspectiva certa”.
Padre Funes diz ainda que teorias como o Big Bang e o evolucionismo de
Darwin, que explicam o nascimento do universo e da vida na Terra, sem fazer relação
com a existência de Deus, não se chocam com a visão da Igreja:
“Como astrônomo, eu continuo a acreditar que Deus seja o criador do
Universo e que nós não somos o produto do acaso, mas filhos de um bom Pai.
Observando as estrelas, emerge claramente um processo evolutivo, e
este é
um dado cientifico, mas não vejo nisso uma contradição com a fé em
Deus.”681
Cf. “Vaticano admite que pode haver vida fora da Terra, Diretor de observatório da Santa Sé diz que
não se pode limitar ação criadora de Deus”, in BBC em Português, 14/05/2008.
678
Idem, artigo citado.
679
Idem.
680
Idem, cf. “Vaticano...”, BBC em português, artigo citado.
681
Idem.
677
263
Diretor da Specola Vaticana desde 2006, padre Funes lembrou que astrônomos
do Vaticano fizeram importantes descobertas como o “raio verde”, o quase resolvido
rebaixamento de Plutão e trabalhos em parceria com a NASA, por meio do centro
astronômico do Vaticano em Tucson, nos Estados Unidos. A sede do observatório do
Vaticano se localiza em Castelgandolfo, cidade próxima de Roma, onde fica situado o
palácio de verão do papa, desde 1935. Na visão do religioso, estudar astronomia não
leva necessariamente ao ateísmo: “É uma lenda achar que a astronomia favoreça uma
visão atéia do mundo. Nosso trabalho demonstra que é possível fazer ciência
seriamente e acreditar em Deus. A Igreja deixou sua marca na história da
astronomia.”682
O interesse dos pontífices pela astronomia surgiu com o papa Gregório XIII,
que promoveu a reforma do calendário em 1582, dividindo o ano em 365 dias e 12
meses e introduzindo os anos bissextos. Mas, na verdade, a Santa Sé conhece a
realidade dos UFOs há vários séculos. A Enciclopédia Católica, editada pelo Vaticano
e porta-voz do pensamento oficial da Igreja de Roma, trata deste assunto no capítulo
intitulado “Habitacional dos Mundos”.
O texto diz que a doutrina apostólica não afirma nada explicitamente sobre a
existência dos UFOs, mas esclarece que se um dia a Ciência conseguir provar que em
outros planetas ou estrelas existem seres racionais como os humanos, serão todos
obras divinas. E ainda afirma que “a Filosofia explicará a origem destes homens do
mesmo modo que elucidou a nossa, recorrendo ao argumento da causalidade que
postula o Ser Criador. E a Teologia nos convidará a glorificar a grandeza, bondade e
prodigalidade infinita de Deus.”683
Hoje, o Vaticano está presente em mais de 200 países, ainda mantendo as
tradições de atuar diretamente com o povo, sejam quais forem as etnias, costumes
locais ou mesmo as religiões que manifestem. Não há uma única comunidade na Terra
que não tenha um padre ou outro membro da Igreja Católica. Assim, há muito tempo
os obreiros do Vaticano vêm coletando e analisando relatos dos fiéis, em todo o
mundo, que têm sido submetidos a observações de UFOs e contatos com seus
tripulantes.684
Antes do padre Funes, porém, o monsenhor Corrado Balducci, respeitado e
admirado em todo o mundo católico e noutras searas, além de amigo íntimo do papa
João Paulo II, causou grande agitação no meio ufológico com declarações que
arrepiaram a ala conservadora da Igreja. O monsenhor vem falando nisso há 20 anos,
mas resolveu também afirmar as suas convicções, num momento em que autoridades
religiosas do Vaticano começaram a falar sobre a questão dos OVNIS abertamente,
porque muito sabem sobre o assunto e sobretudo que o tema pode explodir e não ser
prudentemente avaliado. Comentou ele:
“A Bíblia não se refere diretamente aos extraterrestres, mas também não os
exclui. A realidade dos Ufos é muito provável no infinito
mistério
da
criação. Os religiosos também são abertos a este tema e muitos deles tiveram
682
Idem.
Cf. “Depois do homem na Terra, Deus criou os extraterrestres”, disponível em:
http://www.ufo.com.br/index.php?arquivo=notComp.php&id=3721.
684
Idem, site citado.
683
264
experiências com objetos não identificados. A vida fora da Terra é evidente e
sua existência não pode ser ignorada. Não podemos ficar alheios a estas
descobertas, que têm grande significado para a Humanidade!”685
Mas o monsenhor vai mais longe ao criticar as pessoas que não acreditam no
fenômeno, fazendo referência ao grande número de contatos e de testemunhos que há
em todo o mundo – inclusive de católicos. Ele respeita o empenho de pesquisadores em
desvendar o enigma dos Ufos, mas deixa claro que o Vaticano ainda não se envolverá
oficialmente com a questão.686
Entre os ufólogos, alguns religiosos, e também em reservados círculos
científicos, não é novidade nenhuma que tanto a Bíblia e seus apócrifos, quanto os
livros sagrados de outras religiões, como o hinduísmo e o budismo, estão repletos de
relatos sobre esses seres e suas máquinas voadoras, e que seus feitos são, na maioria,
provas incontestáveis de uma origem alienígena.
Outra questão a se levantar é o fato de que tanto essas escrituras, quanto às
conclusões de estudiosos que ousaram tocar no tema ufológico-religioso, serem
constantemente evitados por exegetas clericais. No entanto, para a Ufologia, a questão
está exatamente aí: quem é Deus e quem são esses auxiliares que tanto influenciaram
os protagonistas da Bíblia?
Considerando-se que nela mesmo, em Gênesis, os evangelistas se referem a
Deus em hebraico, por meio da palavra Elohim, que significa deuses, no plural, e não
Eloah, no singular, como seria o correto – podemos ter uma idéia da variedade de
líderes e suas falanges celestes que nos visitaram no passado.687
O Código da Bíblia, um programa de computador...
Outra posição pós-moderna que vem provocando debates acalorados, é a
possibilidade de a Bíblia, principalmente nos cinco primeiros livros, o Pentateuco de
Moisés, ou Torá, bem como em alguns livros proféticos, com os de Isaías e Daniel,
possuir um código secreto, que, além de prever eventos da história contemporânea,
poderia descrever por “palavras-chave” o futuro de cataclismos mundiais, tão a gosto
dos conspiradores, admiradores de profecias e anunciadores do fim do mundo.
A divulgação mundial da descoberta de um código contido na Bíblia judaica
(Antigo Testamento) veio através de um livro intitulado de “O Código da Bíblia”,
escrito por um jornalista americano chamado Michael Drosnin, que foi o divulgador do
assunto. Todavia Drosnin é apenas o canal da informação, pois o verdadeiro
descobridor é um cientista judeu, chamado Dr. Eliyahu Rips, que reside há mais de
vinte anos no estado de Israel e que atualmente é professor na Universidade Hebraica
685
Idem.
Idem, site citado.
687
Cf.
“Os
evangelhos
segundo
a
Ufologia”,
http://www.ufo.com.br/index.php?arquivo=notComp.php&id=3725.
686
disponível
em:
265
da capital Jerusalém. Esta revelação selada permaneceu oculta por cerca de 3200 anos
e, desde o ano de 1997, as comunidades científica e judaica estão alarmadas com a
descoberta de informações que vieram à tona graças à descoberta do computador.688
A “prova” da autenticidade desta descoberta consistiria na precisão de mais de
mil fatos que aconteceram, com detalhes e datas, tudo codificado nos cinco livros de
Moisés, tais como: o assassinato de dois membros da família Kennedy, o atentado à
bomba de Oklahoma, a eleição de Bill Clinton, tudo desde a II Guerra Mundial até o
caso Watergate, do Holocausto Nazista até a bomba de Hiroshima, da chegada do
homem à Lua até a queda de um cometa em Júpiter, a descoberta da data da Guerra do
Golfo vinte e um dias antes de ela acontecer, a data do assassinato de Ytzhak Rabin
mais de um ano antes do crime ter ocorrido em Tel-Aviv.
O interessante é que aparece a surpreendente descoberta de que em cada
profecia do Antigo Testamento, apesar de os judeus não aceitarem a Jesus como o
Messias, aparece no código a seguinte frase: “O meu nome é Jesus, Eu sou o Messias”.
Contudo, o código apresenta três fatos que, na seqüência das informações, ainda não
aconteceram, ou seja, ao apresentar a I e a II Guerras Mundiais com todos os detalhes,
com as datas e os nomes dos envolvidos, na seqüência, quando menciona o sobrenome
do ex-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, e da palavra Jerusalém, o código
apresenta as seguintes frases:




Dia da III Guerra Mundial;
Todo o seu povo irá para a guerra;
Holocausto atômico em Jerusalém;
9 de Av - 5760/5766 (calendário judaico689), que traduzido para o nosso
calendário gregoriano seria em torno de 25 de julho de 2000/2006.
O calendário judaico, todavia, não tem vogais para se saber a relação entre 2000
e 2006.
Alem disso, o código apresenta vários terremotos, desde os que aconteceram há
muito tempo até os mais recentes. Por exemplo, o maior terremoto do mundo, que
aconteceu na China em 1976, na cidade de Tang Chan, onde mais de 800.000 chineses
morreram. E continuando, apresenta mais três grandes terremotos, dois deles entre os
anos de 2000 e 2006, sendo um na China e outro no Japão, e um outro em Los Angeles
(EUA) com informações que, segundo o código, indicam o total desaparecimento da
cidade do mapa, em 2010.
O código também menciona o choque de um cometa com o planeta Júpiter, que
aconteceu em 1994. Na seqüência, aparece a queda de três cometas gigantescos no
planeta Terra, a primeira, em 2006, a segunda, em 2010, e a terceira, em 2012, sendo
que nesta última profecia o cometa se esfacelará antes do choque. A predição de dois
cometas caindo na Terra encontra-se no Livro das Revelações (Ap., 8: 8-10).
688
Cf. “O Código da Bíblia”, disponível em: http://www.misteriosantigos.com/codbiblia.htm.
689
O calendário judaico começa em 3.760 antes de Cristo.
266
No final do século XVIII, um sábio judeu, conhecido como Genius de Vilna,
referindo-se à Torah, os cinco primeiros livros da Bíblia, afirmou:
“A regra é que tudo o que foi, tudo o que é e tudo o que será, até o fim dos
tempos, está incluído na Torah da primeira à última palavra. E não só num
sentido geral, mas nos detalhes de cada espécie e de cada um
individualmente, com detalhe dos detalhes de tudo o que lhe aconteceu desde
o dia de seu nascimento até sua morte.”690.
Transcorria a Segunda Grande Guerra Mundial, quando um rabino da
Tchecoslováquia chamado H. M. Weissmandel, movido pelo desejo de encontrar um
possível código na Bíblia, começou a contar as letras hebraicas da Torah. Já no
primeiro capítulo de Gênesis, notou que, saltando 50 letras e depois outras 50, e assim
por diante, soletrava-se a palavra “torah”. Admirado, viu que o mesmo resultado podia
ser encontrado nos demais livros que a compõem. Este surpreendente resultado, que
não lhe pareceu casual, levou-o a escrever um pequeno livro, referindo-se à
descoberta.
Cinqüenta anos depois, o Dr. Eliahu Hips, um matemático de fama mundial,
que é catedrático na Universidade de Jerusalém, tomou conhecimento do livro através
de um rabino, cuja única cópia podia ser encontrada na Biblioteca Nacional de Israel.
Curioso, Hips foi em busca do exemplar e pôde comprovar o fato nele relatado em sua
própria Bíblia.
Hips lembrou-se de outros cientistas que, muito antes dele, haviam investido
tempo à procura de um possível código na Bíblia. Isaac Newton fora um deles.
Newton, que havia imaginado a mecânica do sistema solar, havia descoberto a força da
gravidade, aprendeu o hebraico, e passou metade de sua vida tentando descobrir um
código que acreditava existir.
O Dr. Eliahu Hips possuía uma grande vantagem sobre Newton, uma
ferramenta poderosa, o computador:
“Quando recorri ao computador” – afirmou Hips – “achei a brecha.
Encontrei palavras codificadas, numa quantidade muito maior do que o
permitido pelo acaso randômico da estatística, e então soube que estava
chegando a algo de real importância: (...) o Antigo Testamento está
codificado.”691
Juntaram-se ao Dr. Eliahu Rips na pesquisa dois outros eruditos judeus, Doron
Witztum e Yoav Rosenberg. Desenvolveram então um sofisticado modelo matemático
que, quando implementado por computador, confirmava que o Antigo Testamento, não
só a Torah, continha mensagens codificadas. Prepararam inicialmente uma tese
denominada “Seqüências Alfabéticas Eqüidistantes no Livro de Gênesis”, que indicava
que informações ocultas estariam entremeadas no texto do Gênesis sob a forma de
690
Cf. DROSNIN, Michael, O Código da Bíblia, p. 18, tradução de Merle Scoss, 6ª edição, São Paulo,
Editora Pensamento-Cultrix, 2004, apud. http://www.misteriosantigos.com/codbiblia.htm.
691
Cf. DROSNIN, op. cit., p. 21, site citado.
267
seqüências alfabéticas, formando palavras com sentidos correlatos em estreita
proximidade.692
Certificou-se o matemático de que o código da Bíblia “era real”, percebendo
que havia informações codificadas sobre o passado e o futuro, fixadas
matematicamente, além do mero acaso. Codificada do começo ao fim, num gigantesco
sistema de palavras cruzadas, a Bíblia revelava acontecimentos que ocorreram após ela
ter sido escrita, com palavras que se conectam para contar uma história oculta.693
Na experiência inicial – em toda a Torah e, depois, em outros livros da Bíblia –
todas as 304.805 letras hebraicas que a compõem foram reunidas694, formando um
único fluxo, sem nenhum espaço, como originalmente o texto fora escrito.
Organizaram o texto num quadrado perfeito, havendo tanto nas linhas horizontais
como nas verticais, a mesma quantidade de letras, exceto na última linha. Foi nesse
quadrado que o código começou a ser revelado, primeiramente no livro do Gênesis,
depois em toda a Torah, em palavras cruzadas que, na tela do computador, eram
organizadas em diferentes cores.695
Ao observarem que algumas palavras se iniciavam na extremidade do texto,
dando continuidade na outra, resolveram unir essas extremidades, formando um
cilindro, no qual a primeira linha se uniria à segunda, a segunda à terceira, e assim
continuamente, até alcançarem a linha final. Com esse modelo, qualquer palavra que
surgisse, poderia ser lida numa única seqüência.
Para confirmarem a não casualidade das revelações que poderiam encontrar
codificadas na Bíblia, os pesquisadores submeteram ao teste outras obras, entre elas a
versão hebraica de Guerra e Paz, de Tolstoi, que tem a mesma dimensão da Torah. Em
todas as experiências realizadas nessas obras, o resultado foi nulo, sem a presença de
nenhum código.696
A experiência final foi buscar nomes de personagens importantes da história do
judaísmo, desde os dias bíblicos até nossos dias, uma relação com 32 nomes. Ficaram
impressionados com o resultado: além do nome de cada um deles, podiam ver as datas
em que nasceram e morreram. Matematicamente falando, as probabilidades de
encontrar essas informações codificadas eram de 1 em 10 milhões!697
Tomaram então os 32 nomes e as 64 datas e as misturaram em 10 milhões de
combinações diferentes, de modo que 9.999.999 seriam incompatíveis e só um
emparelhamento seria correto. Eles então rodaram esse programa no computador, para
ver quais dos 10 milhões de exemplos alcançariam melhor resultado e só os nomes e as
datas corretas se uniram na Bíblia.698
692
Idem, pp. 21-22.
Cf. DROSNIN, op. cit., pp. 23-24.
694
O computador dividiu o Antigo Testamento – todo o fluxo de 304.805 letras em 64 fileiras e 4.772
letras. Cf. DROSNIN, op. cit., p. 27.
695
Idem, p. 25.
696
Idem, site citado.
697
Cf. DROSNIN, p. 22.
698
Idem.
693
268
Harold Gans, um decodificador da Agência de Segurança Nacional, dos
Estados Unidos, ouviu com incredulidade sobre a descoberta dos israelenses e
procurou-os, com o intento de desmascarar o código da Bíblia, que, para ele, não
passava de uma farsa. Gans preparou o próprio programa de computador e, ao
submeter o livro de Gênesis ao teste, surpreendeu-se ao ver os nomes dos 32
personagens, acompanhados pelas datas de nascimento e morte.
Dominado pelo fato curioso, indagou sobre a possibilidade de encontrar junto
aos nomes desses personagens, os nomes das cidades em que viveram. O resultado foi
fantástico: ali estavam as cidades nomeadas ao lado de cada sábio. Desta maneira, o
primeiro a tentar desmascarar o código da Bíblia, acabou comprovando-o.699
Depois de descobrir uma infinidade de nomes de pessoas, acontecimentos e
datas que marcaram a história da humanidade, o Dr. Eliahu Rips e amigos começaram
a indagar se aquele código da poderia indicar-lhes acontecimentos futuros. Por essa
ocasião, no final de dezembro de 1990, nações do Ocidente, lideradas pelos Estados
Unidos da América, formavam um grande cerco contra o Iraque, devido a invasão
recente ao Kuwait.
Rips procurou pelo nome de Sadam e ficou espantado com o que surgiu na tela
do computador. Ali estavam, destacadas em cinco cores diferentes, num padrão de
palavras cruzadas, o nome de Sadam Hussein, acompanhado por surpreendentes
revelações: Inimigo, Ele escolheu um dia, Guerra, Míssil, Fogo no Terceiro Dia de
Shevat ( 18 de janeiro de 1991).700
Pela primeira vez o código revelava um acontecimento vinculado a uma data
ainda futura. Foram três semanas de muita expectativa. Ao chegar o dia marcado no
código, Rips, como toda a população de Israel achavam-se de sobreaviso para um
possível ataque do Iraque. Confirmou-se naquele dia aquela previsão que fora
codificada na Bíblia há mais de 3.000 anos, quando caiu sobre Tel Aviv o primeiro de
uma série de mísseis scuds lançados sobre Israel.
Rips, tomado por um sentimento de reverência, concluiu que Deus lhe
descerrara o código da Bíblia, com o propósito de provar aos incrédulos a importância
das Sagradas Escrituras, e ao mesmo tempo, alertar para grandes acontecimentos que
se aproximavam. Dada a importância de sua descoberta, conscientizou-se de que teria
de ser amplamente publicada, para que todo o mundo pudesse conhecer as revelações,
mas não sabia como isso haveria de acontecer.
Visitou-o naqueles dias, Michael Drosnin, jornalista e repórter do jornal
Washington Post. Depois de ouvir de um amigo sobre a surpreendente descoberta de
Rips em relação à guerra do Golfo, Drosnin, que era ateu, tomou uma Bíblia que
estava sobre a mesa, desafiando Rips a mostra-lhe a tal profecia sobre o Iraque.
Sorrindo, Rips disse-lhe que o código da Bíblia, somente podia ser lido através do
computador.
Cheio de incredulidade, Drosnin viu Rips digitar o nome de Sadam no espaço
para busca. Surgiu em instantes o impressionante resultado. Rips fez o mesmo teste em
699
700
Idem, pp. 22 e 23.
Cf. DROSNIN, p. 19.
269
Guerra e Paz, e nada apareceu. Drosnin estava pasmado. Aquilo era uma prova de que
uma inteligência muito superior à nossa, foi capaz de codificar dentro de um texto tão
amplo como a Torah, acontecimentos futuros.
Drosnin, que jamais se interessara pela Bíblia, decidiu investigar em seu
computador o código. Rips forneceu-lhe para tanto todos os disquetes com o programa
de procura e os textos da Torah e Guerra e Paz. Retornando aos Estados Unidos,
Drosnin não pensava em outra coisa, passando longas horas em sua pesquisa. Depois
de rever tudo o que já havia sido encontrado, ele começou a fazer as próprias buscas.
Em maio, de 1994, Drosnin ficou surpreso com o que encontrou. Ele havia lido
sobre o cometa Shoemaker-Levi, que segundo a previsão dos astrônomos haveria de
chocar-se com Júpiter no dia 16 de julho daquele ano, dois meses depois. Ao procurar
por Júpiter , encontrou-o numa seqüência horizontal, e cruzando-o em linha
perpendicular, numa representação gráfica da queda do cometa, estava o seu nome
completo, acompanhado pela mesma data que fora anunciada pelos astrônomos, o que
veio a se cumprir com precisão.701
Falando sobre o efeito desta descoberta em sua vida, Drosnin afirmou:
“Esta descoberta foi tão dramática que me fez voltar a acreditar em tudo.
Durante aqueles dois anos de investigação, eu estava sempre me perguntando:
– Será que isso é mesmo verdade? Teria alguma inteligência
não-humana
realmente codificado a Bíblia? Cada manhã eu acordava duvidando de tudo,
apesar das provas esmagadoras.”702
Drosnin compreendeu que a ausência de uma única letra na Torah, anularia
todo o esquema. O próprio Yoshua (Jesus), referindo-se à integridade da Lei, que é a
Torah, jurou: “Em verdade vos digo que até que o céu e a terra passem, nem
um
jota ou um til se omitirá da Lei, sem que tudo seja cumprido.”703
Pouco tempo depois de encontrar no código da Bíblia a surpreendente
revelação sobre o cometa Shoemaker-Levi, Drosnin ficou profundamente abalado,
quando, ao digitar o nome de Ytzhak Rabin, viu surgir na tela, atravessando o seu
nome, na única vez em que aparece, em saltos de 4.772 letras, a sentença “Assassino
que assassinará”. Junto à sentença, encontrava-se o ano judaico 5.756, que começaria
em finais de 1995. Naquela mesma noite, 1º de setembro de 1994, Drosnin voou para
Israel com o propósito de alertar o primeiro- ministro, tentando preveni-lo para que
evitasse esse trágico fim.704
Rabin não levou a sério a advertência. Um ano depois, em 4 de novembro de
1995, confirmou-se a trágica previsão, no início do ano indicado. Somente então,
Drosnin e Rips, descobriram que próximo ao nome de Rabin, encontravam-se
codificadas outras informações relacionadas ao crime, incluindo o nome da cidade Tel
Aviv e o nome do assassino Amir. 705
701
Cf. DROSNIN, op. cit., p. 35.
Idem, p. 35.
703
Cf. Mt., 5: 18.
704
Cf. DROSNIN, p. 28.
705
Idem.
702
270
Israel, sensibilizada com o assassinato por um judeu ortodoxo, estava disposta a
eleger Shimon Perez como novo primeiro-ministro, um dos arquitetos da paz com os
palestinos. Concorria com ele um oponente da paz, chamado Netanyahu, cujas
possibilidades de sair vitorioso nas eleições, eram mínimas, até que começaram a
ocorrer atentados. Sua pregação contra os palestinos começou a ganhar força entre os
israelenses, mas uma grande maioria ainda parecia apoiar a paz.
Uma semana antes da histórica eleição de 29 de maio de 1996 em Israel,
Drosnin que era favorável à pacificação de Shimon Peres, procurou no código da
Bíblia pelo seu nome e nada foi revelado com relação a uma possível vitória.
Experimentou então Netanyahu, e viu surgir para sua surpresa: primeiro-ministro
Netanyahu, eleito, Bibi. Bibi é o seu apelido em Israel.706
Quando se confirmou a vitória de Netanyahu, Drosnin, juntamente com o Dr.
Eliahu Rips, fizeram minuciosa procura no código da Bíblia, e ficaram surpresos ao
verem que o nome do novo primeiro-ministro se encaixava justamente entre Yitzhak
Rabin, seu assassino Amir, logo acima da frase “todo o seu povo para a guerra”.707
Com profundo temor, depois de lerem na tela do computador, associadas ao
nome de Netanyahu, as duas espantosas palavras: “holocausto atômico”, eles
procuraram descobrir o que revelariam estas mesmas palavras em formações de saltos
aritméticos diferentes. Na primeira experiência encontraram: “holocausto atômico, no
fim dos dias”. Depois encontraram: “fim dos dias, pragas, salvem!”708
O código da Bíblia revelou-lhes finalmente a mais espantosa de todas as
revelações. Drosnin descreve esta descoberta com as seguintes palavras: “Quando
abrimos o código em busca da Terceira Guerra Mundial, descobrimos que o ano em
que ela poderia começar estava predito num pergaminho de 22 linhas que é a essência
da Bíblia. Tal pergaminho é chamado Mezuzah.” 709
Contém 170 palavras que, dentre todas as 304.805 letras dos cinco livros
originais da Bíblia, Deus ordenou fossem mantidas num rolo de pergaminho em
separado e colocado na entrada de cada residência. Em 5760 e em 5766, os anos 2000
e 2006, estão codificados naquelas 170 palavras. “Guerra Mundial” na única vez em
que está codificada em toda a Bíblia, aparece no mesmo trecho, e cruza um dos
versículos sagrados. “Holocausto atômico”, na única vez em que está codificado na
Bíblia, também aparece junto com os dois mesmos anos nos mesmos versículos do
pergaminho... E no local em que os anos 2000 e 2006 estão codificados, o texto oculto
do pergaminho sagrado alerta-nos sobre a guerra: “bombardearão seu pais, terror,
devastação, está sendo lançada”.710
O pergaminho sagrado conhecido como Mezuzah, que em suas 170 palavras
hebraicas contém codificadas tão sérias predições, consiste no texto de Deuteronômio
6: 4-9, que diz:
706
Cf. DROSNIN, op. cit., pp. 71-72.
Idem, p. 74.
708
Idem, p. 90.
709
Idem, p. 123.
710
Cf. DROSNIN, op. cit., pp. 123-124.
707
271
“Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o Único Senhor. Amarás ao Senhor teu
Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força. Estas
palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração. Tu as inculcarás a
teus
filhos, e delas falarás assentado em tua casa, andando pelo caminho,
deitando-te e levantando-te. Também as atarás na tua mão por sinal, e te
serão por faixa entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais da casa, e
nas portas”.
Drosnin continua:
“Não poderia ser por mero acaso que os anos mais claramente
codificados
junto com “Guerra Mundial” estivessem, ambos, ocultos nas 170 palavras
que foram preservadas num rolo de pergaminho em separado durante três
mil anos, e ainda hoje são presos ao umbral da porta de quase todos os lares
em Israel. Se uma simples letra estiver faltando, um Mezuzah não pode ser
utilizado. “Alguém” queria ter absoluta certeza de que, não importa o que
pudesse acontecer ao restante da Bíblia, essas 170 palavras, esse rolo de
pergaminho seria preservado, tal como originalmente escrito, com seu código
intacto.”711
Para enfatizar a seriedade das advertências reveladas no texto da Mezuzah,
Drosnin conclui:
“E aquele antigo código, que agora predizia que a Terceira Guerra Mundial
poderia começar dentro de uma década, também predissera que a Segunda
Guerra Mundial começaria em 5700 – no nosso calendário moderno,
1939/1940... Armagedon nos anos 2000-2006 era o alerta codificado nos
mesmos versículos sagrados da Bíblia, o código cuidadosamente preservado
no Mezuzah que tão acuradamente predisse a última
Guerra
Mundial.
Em vez de uma guerra nuclear entre as superpotências, o mundo talvez esteja
agora enfrentando uma nova ameaça – terroristas equipados com armas
nucleares. “Terrorismo” está codificado junto com “Guerra Mundial” e, logo
abaixo da “Terceira”, aparecem as palavras “Guerra sem quartel”. A
expressão sugere uma guerra de aniquilação total. E está claramente
codificada com “Holocausto atômico”.712
Conforme Drosnin, se o código da Bíblia é real e certo, a perspectiva de que o
terrorismo nuclear possa detonar a Terceira Guerra Mundial é palpável. E Jerusalém
seria a cidade escolhida para o holocausto. A cidade, berço das três religiões
monoteístas, onde Davi governou, Jesus morreu e Maomé subiu aos céus, poderia ser
aniquilada numa batalha final provocada pelo ódio religioso. O Armagedon713 real
poderia, então, ser uma Guerra Mundial nuclear.714
711
Idem, p. 124.
Cf. DROSNIN, pp. 124-125.
713
Armagedon é um lugar real, é o nome grego de uma antiga cidade de Israel, Megiddo. Em hebraico,
“Monte Megiddo” é “Harmegiddo”. “Armagedon” é simplesmente a transliteração grega daquele nome
(cf. DROSNIN, pp. 130-131).
714
Idem, pp. 129-131.
712
272
A perspectiva do Apocalipse plasma-se na possibilidade de um terremoto
maciço (a sétima praga do sétimo anjo) que está prevista no texto “aberto” da Bíblia.
As datas prováveis são 2000, 2010, 2012, 2013 e 2014. Los Angeles, nos Estados
Unidos, corre o risco de imenso terremoto em 2010 e China e Japão aparecem três
vezes com um “grande terremoto” em 2000 e 2006. Aliás, Japão e Israel estão
comprometidos juntos nos desastres bíblicos: o primeiro, num terremoto catastrófico; o
segundo, com uma guerra nuclear.715
Drosnin, porém, admitiu que nada aconteceu em 13 de setembro de 1996 (ano
judaico de 5756) e o mundo continuou em paz. Aliviado, mas perplexo, o jornalista se
perguntou enfim: “Estaria errado o código da Bíblia ou o perigo era real e apenas
fora adiado?” 716
Com humildade, Drosnin ponderou que o futuro não seria prederteminado;
seria um conjunto de probabilidades e poderia ser mudado: se alguma coisa está
predita, o que poderíamos fazer? O que fazemos, na verdade, determina o resultado e o
que está previsto não sabia se poderia ser mudado. Ele não conseguia aceitar que
possamos mudar o que foi previsto, mas existem alternativas: todos os nossos futuros
possíveis foram previstos e estamos escolhendo entre eles. Portanto, não há um único
futuro real.717
Todas as Bíblias na língua hebraica original que hoje existem são iguais letra
por letra. O programa de computador do código da Bíblia utiliza o texto hebraico
original, universalmente aceito. Portanto é inquestionável que as informações sobre o
mundo de hoje estão codificadas num livro que já existia há pelo menos mil anos, e
quase certamente há dois mil anos, na mesma forma exata que mantém até hoje.718
Toda tecnologia avançada é magia...
Seria o Código da Bíblia uma prova de vida inteligente no Universo? Quem
poderia ver três mil anos no futuro e codificar o futuro na Bíblia?
Drosnin afirma que a palavra “computador” aparece seis vezes no texto aberto
da Bíblia, oculta dentro da palavra hebraica que designa “pensamento”. Quatro dessas
aparições extemporâneas de “computador” estão nos versículos do Êxodo que
descrevem a construção da Arca da Aliança, a famosa Arca Perdida que continha os
Dez Mandamentos. O código, aliás, sugere que a escrita das leis nas duas tábuas pode
ter sido gerada por computador:
“E as tábuas eram obra de Deus e a escrita nelas gravada era a escrita de Deus”
– afirmava o Êxodo 32: 16. Mas, codificada nesse mesmo versículo, está uma
mensagem oculta: “Foi feito por computador.”719
O astrônomo Carl Sagan certa vez observou que, se existia outra vida
inteligente no Universo, ela certamente teria evoluído muito antes do que nós e teve
715
Idem., pp. 135 a 143.
Idem, p. 155.
717
Cf. DROSNIN, pp. 155 a 161.
718
Idem, p. 191.
719
Idem., p. 92.
716
273
milhões de anos para desenvolver a tecnologia avançada que hoje estamos começando
a desenvolver. Por sua vez, Arthur C. Clarke, autor de 2001, Uma Odisséia no Espaço,
assinalava que “qualquer tecnologia avançada é indistinguível da magia.” 720
Se o código da Bíblia prova alguma coisa é o fato de que envolve uma
inteligência não-humana e é a prova inequívoca de que tivemos um encontro imediato.
Segundo o Texto Sagrado, tal contato aconteceu quando uma voz saída do nada falou
com Abraão e também quando ela, da Sarça Ardente, dirigiu-se a Moisés. O código da
Bíblia é, na verdade, uma forma alternativa de contato sugerida pelos cientistas que
buscam vida inteligente além deste planeta: a descoberta de um artefato ou mensagem
alienígena sobre a Terra ou perto dela.721
Contagem regressiva para o fim
No melhor estilo milenarista, o jornalista Michael Drosnin, na esteira do
estrondoso êxito do Código da Bíblia, publica em 2002 novo livro com o mesmo nome
(Código da Bíblia II), desta vez com o sugestivo subtítulo: “Contagem Regressiva”.
A nova tentativa era para esclarecer o perigo do holocausto atômico e a
possibilidade de guerra mundial codificados na Bíblia ao lado do ano 2006.722
Se o Código da Bíblia era real, tinha como propósito alertar o mundo para um
perigo terrível e até mesmo terminal: o fim dos dias, profetizado por Moisés há 3.200
anos e também pelo profeta Daniel, que seria concretizado em nosso tempo por uma
guerra mundial que começaria no Oriente Médio.723
O mundo passaria por um colapso econômico global, a partir do ano judaico
5762 (2002, no calendário gregoriano) e o perigo chegaria ao auge no ano de 5766
(2006, no calendário ocidental). A guerra mundial e o holocausto atômico estariam
codificado junto com “em 5766”, o ano judaico equivalente a 2006, precisamente para
após o dia 17 de setembro.724
O código parece afirmar que a Terceira Guerra Mundial começará com um ato
de terrorismo sobre a cidade de Jerusalém725, ao qual Israel responderia de maneira
devastadora726.
Embora o autor publique diálogos com Yasser Arafat, o então líder da
Autoridade Palestina, o livro foi editado antes da morte do dirigente árabe em hospital
francês, em novembro de 2004, fato que não foi previsto pelo Código, tampouco
mencionado, nem de passagem, por Drosnin.
720
Idem, pp. 93-94.
Cf. DROSNIN, op. cit., pp. 94-95.
722
Cf. DROSNIN, Michael. O Código da Bíblia II, contagem regressiva, p. 16, tradução de Merle
Scoss, 2ª edição, São Paulo Editora Cultrix, 2003.
723
Idem, cf. Código da Bíblia II, op. cit., pp. 24 e 26.
724
Idem, pp. 28 e 29.
725
Idem, p. 72.
726
Cf. Código da Bíblia II, op. cit., p. 125.
721
274
De acordo com o Código, a escolha real não era entre a paz e os tumultos nas
ruas, mas uma alternativa terrível entre paz e aniquilação. Positivamente o que estava
descrito e revelado pelo Código era um alerta, não uma profecia.727
O Código também se refere a uma “praga” (a Varíola), que poderia se espalhar
em 2005 (ano judaico de 5765)728, mas revela que, assim como Nostradamus, o Código
mostrava uma correlação entre a revelação do ano do holocausto, em 2006, e as
preocupações israelenses com o crescente poderio nuclear do Irã. No entanto, segundo
o autor, as vitórias militares de Israel e conseqüente ocupação das terras árabes poderia
conduzir a um holocausto.729
O mundo enfrentaria um colapso econômico global no ano judaico de 5762
(2002 no calendário moderno) e isso levará a um período de perigo sem precedentes,
quando nações com arsenais nucleares se tornarão instáveis e os terroristas conseguirão
comprar ou roubar o poderio para destruir cidades inteiras.
E Drosnin volta a repetir: o perigo atingiria o auge no ano judaico de 5766
(2006, no calendário moderno), o ano que está claramente codificado junto com a
“guerra mundial” e “holocausto atômico”. Era importante anotar que os anos de
depressão econômica estavam frisados na Bíblia, em 1929 e 2002.730
No final de 2002, com a economia em parafuso, com o Oriente Médio em
estado de quase-guerra e com Bin Laden ainda à solta – o Código da Bíblia parecia
demonstrar que o grande ataque a Nova Iorque (não o ocorrido em 2001) ainda iria
acontecer, porque dois são os anos que estão codificados mais claramente junto com
“Nova York”: em 5761 (2001), o ano do ataque de 11 de setembro, e em 5764 (2004).
O ano de 2004 foi cruzado pelas palavras “do fogo de um míssil”. No fundo, o mundo
viveria uma longa guerra com bombas suicidas que teria primeiro como alvo cidades
inteiras e, por fim, ameaçaria a civilização humana.731
O ano supremo para a guerra estaria marcado para 2006, com uma contagem
regressiva que começou evidentemente em 11 de setembro de 2001.732
Drosnin acredita, firmemente, que nenhum ser humano poderia ter enxergado
três mil anos no futuro e codificado os detalhes na Bíblia. Assim sendo, a existência do
Código seria a primeira prova científica de que realmente não estamos sós.733
De acordo com o Código, nosso DNA foi trazido em um veículo e o segredo do
código genético humano é revelado no Gênesis, quando Deus diz a Abraão:
“Abençoar-te-ei imensamente e multiplicarei tua semente, fazendo-a como as estrelas
727
Idem, p. 129.
Idem, p. 150-151.
729
Idem, p. 155
730
Idem, p. 198.
731
Cf. O Código da Bíblia II, op. cit., pp. 200-201.
732
Idem, pp. 209 a 212.
733
Idem, pp. 157 e 192.
728
275
do céu e os grãos de areia da praia. E em tua semente serão todas as nações do
mundo abençoadas.”734
A expressão “tua semente” cruza “DNA foi trazido em um veículo”. A frase “em
veículo, tua semente, todos os povos da Terra” é novamente afirmada no texto oculto
da Bíblia, quando Deus diz: “E em tua semente serão todas as nações do mundo
abençoadas.” 735
Os cientistas suspeitam de que uma forma primitiva de vida foi plantada na
Terra por alguma civilização avançada de outro planeta, de forma deliberada, numa
espaçonave, e que todas as formas de vida da Terra representam um clone derivado de
um único organismo extraterrestre.
Hoje sabemos que outras estrelas realmente têm planetas e, por isso, é bem
possível que uma civilização tecnologicamente avançada exista em algum lugar da
galáxia, antes que a Terra tenha sido formada.736
A evolução do DNA na Terra não é um fenômeno realista e, por isso, um
agente extrínseco trouxe o DNA até aqui. Adão seria “o modelo”, “o gabarito” de um
grande código, cuja listagem dependeria do julgamento e da misericórdia de Deus.737
O DNA, assim como o Código da Bíblia, existia na língua do homem e também
é uma linguagem, só que com quatro letras. O código genético é idêntico em todos os
seres vivos e o primeiro organismo apareceu subitamente, sem qualquer sinal de
precursores mais simples, aqui na Terra.738
Na verdade, conclui Drosnin, uma inteligência alienígena interferiu na história
humana e não estamos sozinhos no Universo, o que seria uma crença compartilhada
por diversas religiões:
“A Bíblia, a julgar pelas aparências, é a história de um encontro imediato
com um alienígena. Ele não é visto, mas é ouvido freqüentemente. Em todos
os mitos antigos, em todas as religiões, há histórias de veículos e seres que
descem do céu, narrativas sobre terríveis visitantes de outros reinos, de
“barcos do céu”. Mesmo a descida de Deus no monte Sinai é acompanhada
de fumaça e fogo.”739
Argumentos contrários à teoria do Código
A premissa do autor é a de que o Antigo Testamento, na verdade, é um
complexo programa de computador que contém umas “profecias codificadas” no texto,
que revelam o futuro da humanidade (e isso é, realmente, o que o torna interessante). A
734
Idem, p. 131. Cf. Gn., 13: 15 e 16 e 15: 5.
Idem, p. 131.
736
Idem, pp. 132-133.
737
Idem., pp. 133 a 135.
738
Idem, pp. 136 e 137.
739
Idem, p. 163.
735
276
influência deste livro chegou até mesmo aos círculos evangélicos por meio do vídeo e
do livro “The Signature of God: Astonishing Biblik Discoveries” (“A Assinatura de
Deus: Espantosas Descobertas Bíblicas”), diretamente dirigidos à comunidade cristã,
com base no que escrevera Drosnin. 740
A Sociedade Bíblica Alemã tomou posição em reportagem intitulada “Deus não
fala por códigos” e conclamou a uma avaliação sóbria. A revista "Bibel Report"
afirmou que, com talento para combinar as letras de diferentes maneiras, pode-se
encontrar praticamente todos os acontecimentos importantes.
O procedimento seria semelhante à leitura do destino em formas surgidas do
endurecimento de chumbo derretido ou à adivinhação através da leitura da borra de
café. De acordo com a Sociedade Bíblica Alemã, é difícil acreditar que Deus tenha
falado a Seu povo de forma codificada durante 3.000 anos, e que tiveram de aparecer
os senhores Rips e Drosnin (que nem são crentes no sentido bíblico) para descobrir o
que Ele de fato queria dizer.741
Caso os senhores Drosnin e Rips tivessem razão, nenhum cristão que crê na
Bíblia poderia lê-la sem idéias pré-concebidas. Teríamos de esperar pelas
interpretações desses ou de outros “decifradores de códigos bíblicos” para poder
predizer acontecimentos futuros. Fica a impressão de que através da tese do “Código
da Bíblia”, a Palavra de Deus torna-se mais morta do que realmente digna de crédito.
Um artigo do boletim “Topic” (12/97) dizia: revelações segundo o método do "Código
da Bíblia" também acontecem fora da Bíblia.742
Seguindo o método do “Código da Bíblia”, o matemático australiano Brendan
McKay trabalhou com o romance “Moby Dick”. Ele chegou aos mesmos resultados
“sensacionais” que Michael Drosnin. McKay encontrou dados apropriados para
acontecimentos como o assassinato de Indira Ghandi, Martin Luther King, Yitzhak
Rabin e até do trágico acidente de Lady Diana.
Não se deve esquecer de que no hebraico não existem vogais. Isso significa que
as sílabas são ambíguas e, além disso, as palavras são mais curtas. Dessa maneira, as
chances de se encontrar codificações que fazem sentido são muito superiores do que no
inglês ou em outros idiomas. Apesar disso, o romance inglês “Moby Dick” (de 1851)
já “previu” todos esses acontecimentos terríveis. McKay também realizou cálculos em
relação ao nome de Michael Drosnin. Bem próximo ao nome, o matemático australiano
encontrou a palavra “liar” – “mentiroso”, assim como algumas referências à morte do
autor do livro “O Código da Bíblia”.743
A Bíblia é a Palavra de Deus! Nela é descrito o passado, o presente e o futuro, e
o que é mais importante: a fé absolutamente necessária em Jesus Cristo. Para
740
Cf.
Ministério
CACP,
Revista
DF,
nº
18,
disponível
http://www.cacp.org.br/midia/artigo.aspx?lng=PT-BR&article=1086&menu=16&submenu=2.
em:
741
Cf. NIETH, Norbert. O Código da Bíblia desvenda acontecimentos futuros?, Revista da Meia Noite,
http://www.chamada.com.br/revistas/, dezembro de 1998, Fonte: www.elnet.com.br, disponível em:
http://www.vivos.com.br/146.htm. e http://www.chamada.com.br/mensagens/codigo_da_biblia.html.
742
743
Idem, sites citados.
Idem.
277
compreender isso não necessitamos de nenhum “Código da Bíblia” especial, mas sim
do novo nascimento e da orientação do Espírito Santo.744
O código da Bíblia tem se tomado singular por causa de sua dependência do
computador, pois somente com o uso deles é possível a decodificação. Para Drosnin, a
Bíblia seria um código elaborado por uma mente infinitamente superior à do homem,
capaz de conhecer o passado, o presente e o futuro; mas, como ateu declarado, ele diz
que o código da Bíblia “exige que aceitemos aquilo que a própria Bíblia só nos pode
pedir para aceitar: que não estamos sozinhos. Eu podia facilmente acreditar que o
Código vem de um ser bom, que queria nos salvar, mas não o Criador”.
Já Grand Jefrey, em “A Assinatura de Deus...” quer que acreditemos que a
fonte intelectual do código é o próprio Deus, e ele vai mais além: “Enquanto estes
padrões incríveis existem no texto hebraico da Torá, nenhum outro texto apócrifo
exibe esta norma, nem eles podem achar isto em qualquer outra religião hebréia ou
textos seculares”.745
Porém, de acordo com o professor William D. Barrick, do The Masters
Seminary, os eruditos muçulmanos fazem as mesmas reivindicações para o Alcorão,
citando códigos numéricos como prova de que Deus deu esse livro. É lamentável que
Hal Lindsey e Jack Van Impe recomendem o livro de Jeffrey.746
Para suas pesquisas, Drosnin usou a Torá. Então, na verdade, o livro deveria ser
intitulado “O Código da Torá”; mas, provavelmente, com esse título não teria vendido
muitas cópias. Drosnin restringe suas declarações e predições. Enquanto é preciso em
fatos históricos como o assassinato de John Kennedy, em 1963, a Guerra do Golfo, em
1991, e a ascensão e queda de Adolf Hitler, nas predições concernentes ao futuro
trabalha com possibilidades.747
O teólogo e apologista cristão Dave Hunt, autor de vários best-sellers
evangélicos, disse em um artigo, no boletim The Berean Call, (EUA):
“Bem que pode haver alguma coisa de sobrenatural por trás desse livro, mas
provavelmente de fonte errada... Drosnin declara que todas as Bíblias na
língua original, em hebraico, existentes até agora são as mesmas, letra por
letra. Isso, simplesmente, não é verdade. Há muitas variações de grafia e,
sendo assim, há variações nas letras entre os vários manuscritos. Entretanto,
por exemplo, não há diferenças textuais importantes que poderiam mudar os
significados entre os manuscritos de Isaías, achados com os rolos do Mar
Morto e outros manuscritos posteriores, há diferenças significativas de
grafia”. Para Hunt, as diferenças constatadas tornam o “código” inválido,
pois qualquer diferença na grafia alteraria o que está contido no manuscrito
original, do qual ninguém tem cópia.”748
744
Idem.
Cf. http://www.cacp.org.br/midia/artigo.aspx?lng=PT-BR&article=1086&menu=16&submenu=2.
746
Idem, site citado.
747
Idem.
748
Idem, site citado.
745
278
De qualquer forma, as previsões de holocausto e guerra mundial em 2006
foram ultrapassadas pelo tempo, já que não aconteceu a agressão nuclear a Israel.
Quanto à crise econômica global, detectada para 2002, não ocorreu, sendo que estamos
vivendo uma crise a partir de setembro de 2008, que começou nos Estados Unidos e se
expandiu para todo o mundo. Em 2009, o conflito no Oriente Médio acirrou-se, mas é
localizado entre Israel e palestinos, embora até o momento em que escrevo (janeiro de
2009) ainda não tenha sido internacionalizado com a entrada de outros países. Quanto
aos terremotos previstos, Los Angeles continua de pé, bem como o Japão e a China...
Isto nos leva a concluir que as teses milenaristas, apesar de serem não raro
objeto de curiosidade e temor, sempre que são expostas junto com datas precisas têm
se mostrado equivocadas, causando constrangimentos a seus autores, sejam eles
fundadores de religiões, sejam apenas livres-pensadores...
As diversas Moradas do Pai
Todo esse capítulo foi escrito com o único objetivo de mostrar que o
pensamento religioso evoluiu, embora lentamente, em direção ao reconhecimento do
óbvio, ou seja, de que existem mundos diferentes do nosso (embora isso não esteja
especificado no livro do Gênesis e, por isso, muitos que crêem na Bíblia não o
admitam! ) e que existem, por extensão, outras humanidades, em graus diferentes de
tecnologia, ocupando algumas dessas esferas, através do Universo.
Por uma espécie de “redução ao absurdo”, poderíamos imaginar o quanto
seremos vítimas do riso de historiadores, daqui há uns duzentos anos (ano 2209, claro,
se não ocorrer o Juízo aniquilador!), quando, ao estudarem o comportamento e os
propósitos do homem no início deste milênio, constatarem a nossa dificuldade em
aceitar a existência de outras civilizações no vasto Universo. O que pensariam ser algo
visto com toda naturalidade, para nós tornara-se enorme peso obscurantista...749
Os católicos e protestantes tiveram enorme dificuldade em aceitar a vida fora da
Terra como sinal positivo da obra Divina, como se a existência de seres mais
avançados colocassem os ensinamentos bíblicos no mesmo cesto imprestável da
crendice e do paganismo. Ora, a realidade é muito ao contrário.
Tanto assim que começaram, no século XXI, as tímidas manifestações, por
enquanto extra-oficiais, como vimos, de alguns sacerdotes e filósofos ligados ao
Vaticano, de que não há qualquer contradição entre a existência de Deus e a de
“irmãos extraterrestres” que visitaram o planeta no passado e com certeza continuam
franciscanamente visitando...
Mesmo os protestantes, partidários da defesa intransigente da pureza bíblica,
em que o texto não teria qualquer contradição, mas, ao mesmo tempo, eles podem
interpretá-lo como bem quiserem – já se prestam a não encarar como objetos de
conhecimento herético a pesquisa sobre os extraterrestres e os temas auxiliares da
749
Por enquanto fiquemos com uma frase, atribuída na década de 70 ao brilhante humorista brasileiro
Millôr Fernandes: “Deve haver algum planeta com vida inteligente, porque neste não há!”
279
Ufologia, como a arqueologia não tradicional e a parapsicologia. Essa evolução,
porém, é muito lenta e fica a anos-luz das hipóteses produzidas pelos cientistas e
astrônomos mais ousados.
Nesse sentido, podemos encontrar pesquisadores desses fenômenos, como o
pastor presbiteriano de Endwell, em Nova Iorque, Barry L. Downing, cuja opinião
sobre os eventos aparentemente milagrosos e sobrenaturais referidos na Bíblia
poderiam ser interpretados como manifestações extraterrestres:
“Ao invés de serem obras de espíritos ou mensageiros divinos, os anjos
poderiam perfeitamente ser possíveis visitantes espaciais, sendo que o Deus
que dialoga com o homem e se mostra na imagem de um anjo referido nas
escrituras também poderia ser considerado um possível ser extraterrestre
desejoso de orientar os humanos em momentos críticos.”750
Na verdade, o encaminhamento do assunto como hipótese ou prova de
pensamento aberto, não significa por si só um pecado. Não é pecado também se
procurar nos textos bíblicos mensagens cifradas, se até Jesus falava por parábolas e
símbolos, mesmo em contato com o povo, embora guardasse os verdadeiros
ensinamentos, o leite e o mel da sabedoria, para os discípulos que, prudentemente, não
os registraram nos textos bíblicos oficiais.
Seria também um grande egoísmo e enorme vaidade supor que a revelação de
Jesus seja única e só nossa, sem poder ser repartida ou compartilhada com seres
inteligentes que povoem o grande Universo. Compartilhar a nossa salvação com eles
seria prova inequívoca de maturidade e carinho, talvez o único caminho para obter a
paz e reconciliar a humanidade tão separada por guerras e opiniões diversas.
De qualquer maneira, quanto a esse tema dos extraterrestres, que afeta de modo
profundo a pós-modernidade, podemos discutir as palavras do Cristo, transpondo as
limitações do Antigo Testamento e, numa evidente translação, sugerir novo modo de
encarar o relacionamento com o Pai Celestial:
“Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na
casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito.
Pois vou preparar-vos um lugar. E, quando eu
for e vos preparar lugar,
voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais
vós também. E vós sabeis o caminho para onde eu vou.”751
Naturalmente, tais considerações tão profundas foram ditas para ser
interpretadas por discípulos instruídos nas coisas de Deus, não mais os semianalfabetos pescadores e artesãos que foram buscados, um por um por Jesus para
serem posteriormente treinados.
É, contudo, também natural que os exegetas cristãos pensem na expressão, “na
casa de meu Pai há muitas moradas”, sem aceitar uma interpretação que agradaria aos
ufologistas e adeptos da percepção de que a humanidade é o resultado de uma
750
751
Apud. WELLS, C. R. P. Um Extraterrestre na Galiléia, p. 144, São Paulo, Editora Madras, 1999.
Cf. Jo., 14: 1-4.
280
experiência alienígena. No máximo, poderiam concordar em que Jesus dava sinais de
que os cristãos deveriam pregar para outros povos e aconchegar na nova doutrina quem
não soubesse ainda a respeito das boas novas. As moradas de Deus representariam aqui
casas, locais e territórios de acolhimento terrestre e, não, celeste...
Nós, tão primitivos, já fomos à lua, e enviamos sondas a tantos planetas,
inclusive ao Sol, não nos parece óbvio que nossos irmãos mais evoluídos
(extraterrestres), vendo tão próximo o perigo para a humanidade não viriam, de pronto,
nos ajudar?
Mas o que seriam as várias moradas? Poderíamos nos deslocar até elas? Há
possibilidade de comunicação entre os seres dessas diversas moradas? Onde estariam
localizadas?
As respostas estariam, na verdade, em nossa forma limitada de compreender a
perfeição do Reino de Deus. Ora, se o Pai é onipresente, logo está em todo o Universo
e as várias moradas seriam os mundos habitados tanto física quanto espiritualmente e
não há outra explicação. Além disso, se Deus é a inteligência suprema, criadora,
universal e soberanamente perfeita, por qual motivo criaria um universo infinito se não
tivesse utilidade?
Se assim fosse, não seria a criação de um Deus perfeito, pois se Ele o criou,
assim o fez por algum propósito, que com certeza, não seria para agradar nossos olhos
primitivos. E se foram criadas galáxias que nem conseguimos enxergar, então a
criação certamente não foi exclusiva para deleite do homem terreno, mas para que
outros filhos de Deus o pudessem habitar, cada qual em seu respectivo grau de
evolução.
Não importa que a ciência ainda não tenha descoberto vida em outro planeta,
mas apenas vestígios, como recentemente descobrimos moléculas de carbono e de
água em Marte e em uma das luas de Saturno. O bom senso ensina-nos assim que a
vida extraterrestre pode existir e não podemos desconsiderar esta condição em nome de
posições dogmáticas que em nada podem se opor a esta idéia, pois qualquer afirmativa
contrária será vazia e infecunda. Aliás, a ausência de evidências não significa
evidência de ausência...
Contudo, o coração protestante força a barra, tentando incompatibilizar a Bíblia
com os novos tempos, como aconteceu com Giordano Bruno (1548-1600) e, depois,
com Galileo Galilei (1564-1642), o primeiro condenado à fogueira, como herege, e o
segundo, severamente censurado pela inquisição por defender as teorias de Copérnico,
que afirmavam que a Terra gira em torno do Sol...
O papel conservador da Igreja católica, que antes possuía a força do Estado a
seu favor, hoje é desempenhado pela ira de alguns devotos que colocam a Bíblia como
resposta a qualquer tentativa de evolução do pensamento.
Para esse tipo de cristãos, a Bíblia é a Palavra de Deus revelada e ensina que a
vida só é possível através de um ato criador. Mesmo que no espaço existam planetas
semelhantes à Terra, lá não existiria vida se o Criador não a tivesse criado. E se Deus o
281
tivesse feito, e essas criaturas nos visitassem algum dia, então Deus não teria nos
deixado ignorantes a respeito.
Essa percepção, por exemplo, é contraditada pelas palavras de Jesus, no
Evangelho de João, quando anuncia:
“Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora;
quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade,
porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
anunciará as coisas que hão de vir.”752
Ora, se Cristo não disse toda a verdade, porque nós não tínhamos capacidade de
entendê-la e suportá-la, como reclamar de que Deus nos deixou ignorantes sobre a
realidade de outros mundos?
Para os protestantes, se Isaías profetizou que o Universo será enrolado um dia
“como um pergaminho envelhecido”753, então, se Deus tivesse criado seres viventes em
outro lugar, Ele automaticamente destruiria a morada deles também, o que,
evidentemente, é um absurdo lógico, porque o que um pergaminho enrolado significa é
que a verdade no futuro ficará selada, impossível de ler por mentes não treinadas nas
coisas de Deus.
Outro raciocínio que levaria à mesma conclusão seria aceitar o que o Gênesis
nos diz sobre a finalidade das estrelas. Seria uma “chave bíblica” para se responder às
questões relativas aos chamados “extraterrestres”. O conhecido Salmo 19 trata do
assunto, mas no relato da Criação, o Gênesis diz:
“Disse também Deus: Haja luzeiros no firmamento dos céus, para fazerem
separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais, para estações, para
dias e anos. E sejam para luzeiros no firmamento dos céus, para alumiar a
terra. E assim se fez.”754
Assim, segundo os protestantes, as razões da existência das estrelas são muito
claras: devem luzir na terra, mostrar o tempo e ser portadoras de sinais. As estrelas
são, por conseguinte, orientadas e planejadas para a terra, ou, para ser mais exato, para
as pessoas que vivem na terra, o que é um exagero não confirmado pelos mais recentes
estudos científicos e astronômicos. As estrelas positivamente não foram criadas “para
agradar” o homem...
Diante desta distribuição de finalidades quando da criação, diante da seqüência
da criação (no primeiro dia a terra e, só no quarto dia, os outros planetas) bem como do
testemunho bíblico como um todo – pode se chegar a uma única conclusão: não se
pode contar com vida em outros planetas...
Essa percepção é uma rematada tolice que nem merece contestação...
Dizia o cientista e astrônomo Carl Sagan:
752
Cf. Jo., 16: 12-13.
Cf. Is., 34: 4 e Ap., 6: 14. Na passagem, Isaías não fala em Universo, mas em céus...
754
Cf. Gn., 1: 14-15.
753
282
“...os extraterrestres podem, ou não, ser animais ou seres humanos, mas ao
mesmo tempo podem possuir inteligência como nós, moral, capacidade
artística, etc. (...) “Ser de outro mundo pode significar sentir e pensar como
nós, mas não necessariamente assemelhar-se.”755
Pensando diferente dos protestantes, num século materialista e racista como o
XIX, os espíritas formularam uma doutrina que compreendia e aceitava plenamente a
existência de extraterrestres.
Allan Kardec, o codificador dessa percepção, faz a pergunta cinqüenta e cinco
do Livro dos Espíritos: “São habitados todos os globos que se movem no espaço?” E
a resposta surge firme e atende plenamente à nossa razão: “Sim e o homem terreno está
longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição”.756
Na Terra os estudos psicológicos mostram a grande diversidade de caracteres
dos seus habitantes, compondo também outras moradas, morais, psicológicas, como
explicado pelo Codificador no item anterior. Podemos concluir que em todos esses
mundos haja também uma grande diversidade de padrões evolutivos. Ou seja, em
relação a Terra, há mundos mais adiantados e outros em que o processo de
aperfeiçoamento dos seus habitantes ainda está muito aquém ao da Terra.757
Atualmente a Astronomia a cada dia traz novidades sobre o Universo. Os mais
sofisticados aparelhos instalados na Terra varrem o espaço diariamente e possantes
telescópios em órbita avançam o seu olhar indiscreto por regiões espaciais
inimagináveis. Novos Planetas são descobertos, galáxias são fotografadas, explosões
estelares são captadas, e o homem, deslumbrado, reconhece-se um viajante do infinito
aboletado no planeta terreno.
Às vezes temos a impressão de que o Universo não tem mais segredos. A cada
nova descoberta porém, mais se nos patenteiam que pouco sabemos sobre a imensidade
do Universo. As distâncias em que os fenômenos ocorrem, embora não consigamos
imaginar, nada representam em relação ao infinito, que foge completamente de nossa
capacidade intuitiva. Bilhões e bilhões de esferas são constatados compondo as mais
distantes galáxias...
As moradas do Pai são uma imensidade comparada mesmo à excelência do
Universo e, em 1857, Kardec as classifica em cinco categorias de acordo com a
evolução intelectual e moral dos habitantes de cada um, deduzidos pelas observações
feitas na Terra e confirmadas pelo plano maior. Assim teríamos Mundos primitivos;
Mundos
de
expiação
e
provas;
Mundos
regeneradores;
Mundos felizes e, finalmente, Mundos celestes ou divinos.
Nos mundos primitivos e de expiação e provas estariam encarnados os da
terceira ordem, os espíritos imperfeitos, os impuros, levianos, pseudo-sábios, neutros e
batedores e perturbadores.
755
Cf. http://www.forumespirita.net/fe/index.php?topic=1418.0.
Cf. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., p. 69
757
Cf. Fórum Espírita, site citado.
756
283
A Bondade Divina permite que os mundos inferiores recebam a visita dos
habitantes dos mundos mais adiantados para trazerem ensinamentos dentro da máxima
da Lei de Cooperação e de Auxílios mútuos de que “o maior deve proteger o menor”.
Convém ainda salientar para que atentemos bem para as palavras do Mestre Jesus,
quando, no sermão da montanha, disse as palavras grafadas pelo evangelista Mateus no
capítulo cinco versículo quatro: “Bem aventurados os mansos e pacíficos porque eles
herdarão a Terra”, ou seja, muitos espíritos que ainda se encontram no inicio da escala
evolutiva da terceira ordem estarão tendo uma das últimas oportunidades de
permanecer da Terra que se promoverá.
Já nos mundos regeneradores e felizes, veremos os da segunda ordem, os bons
espíritos, os benévolos, os sábios, os de sabedoria e os superiores. Nos mundos celestes
ou divinos, os da primeira ordem, os espíritos puros.758
Conforme Kardec, o planeta Terra seria uma nave sideral, que gira no espaço
infinito entre bilhões e bilhões de outras, com seus passageiros. Julgamos
intuitivamente que esse grupo de criaturas seja toda a humanidade, que é toda a
Criação Divina. Embora a Doutrina Espírita afirme que não somos os únicos habitantes
das galáxias, ainda não assimilamos plenamente essa nova revelação. Por mais que nos
esforcemos, essa idéia ainda é muito vaga, nebulosa; é muito recente em nossas
mentes. Essa dúvida influi decisivamente em nosso psiquismo e o egoísmo é o móvel
de muitas de nossas atitudes. O desejo, a posse, o exclusivismo chumba-nos ao chão
como que temerosos de perdê-lo.759
A Terra classifica-se, ainda, como mundo de expiação e provas. Porém, diante
das conquistas intelectuais e morais que já fizemos e dos acontecimentos verificados,
tudo indica que estamos no limiar de transferirmo-nos para a categoria de mundos
regeneradores. Podem, portanto, já existir encarnados na Terra espíritos da segunda
ordem.
Há outras humanidades, em outros orbes, uns mais adiantados, outros em
processo de aprimoramento... A nossa querida Terra, planeta azul do Mestre Jesus,
também faz parte desse concerto Divino e todos nós, amando-nos uns aos outros como
o Divino Amigo ensinou, a promoveremos a um mundo onde a fraternidade reinará,
pois esse é o seu destino.760
Há diferenças, portanto, e significativas sobre o que os cristãos pensam em
relação ao problema dos extraterrestres. Nossas interrogações, porém, não podem
ultrapassar o reino da discussão sadia e da troca de idéias, com as quais poderemos
viver uma plataforma comum de valores, enquanto aguardamos a visita de Jesus que,
segundo o Apocalipse, tornará “como um ladrão”761, de forma surpreendente e
majestosa, caso não vigiarmos e guardarmos os seus mandamentos.
Mas até lá, podemos e devemos utilizar dos meios humanos para retirar os véus
dos mistérios do Universo e encontrar, finalmente, as diversas Moradas do Pai. E nosso
758
Idem, site citado. Ver KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, op. cit., pp. 62 a 73 e 86 a 99.
Idem.
760
Idem, site citado.
761
Cf. Ap., 3: 3 – “... se não vigiares, virei como ladrão, e não conhecerás de modo algum em que hora
virei contra ti.”
759
284
sentimento de solidão vai se esvair e não será a separação primitiva e casual entre
cristãos que haverá de deter nossos passos...
285
9º INTERVALO –
“QUEM SÃO OS EXTRATERRESTRES?”
“O que mais espanta não é a presença de seres espaciais, de raças
extraterrestres. Se da Terra desconhecemos muitas espécies, quanto mais do Cosmo. O
que mais espanta é que a Humanidade ainda não está consciente de onde ela está, do
que ela é. Para nós o azul do céu riscado pelo sol marca a jornada de trabalho, nossa
repetição cotidiana. O céu é mero pano de fundo. A noite quase não se vê. Nossos
corpos estão cansados e o pensamento delira em imagens de “amanhã”. Casulos de
pensamento. Uma “realidade” criada por nós mesmos. Não o futuro, mas o agora do
acontecer do mundo, do acontecer psicológico. Criamos o que vivemos e vivemos o
que criamos.
Mas pergunto: não é óbvio que somos seres cósmicos? Por acaso onde
estamos? Estamos parados no nada? Boiando nessa coisa que chamamos de espaço?
Será? Parece que não nos livramos ainda da antiga concepção de sermos o centro do
universo. Como se o universo tivesse um centro! Como algo que é todo-unidade pode
ter um centro? A colocação de um centro fatalmente limita a consciência a um ponto,
do qual pouco se vê. Mas quando o ponto se apaga, resta o Cosmo como ele é.
O que mais causa impacto não é a enorme quantidade de fenômenos que
ocorrem no Cosmo, mas a Unidade dentro da qual tudo o que existe é. O Cosmo é
diverso e é uno. É Verbo e é silêncio. É onde todos os universos coexistem e coabitam
ao mesmo tempo. Universos que se movem, que se transformam, que são vivos. Todo o
Cosmo é Vida. Sim! Não estamos parados. A Terra viaja em uma galáxia, girando em
torno de um sol a cerca de 100 mil quilômetros por hora, com outros bilhões de
galáxias que também viajam por aí, cada uma com seus bilhões de estrelas.
Mas o espaço é o espaço. Não se mede o espaço. Mede-se a distância de um
ponto a outro no espaço, mas não se mede o espaço. O espaço é imensurável. Ele é
imponderável, infinito, eterno e uno. Ele é o mesmo em todo lugar. Eis a beleza do
mistério maior: somos Um! E essa é a beleza da consciência cósmica. Aqui ou em
Andrômeda, ou em uma galáxia a 10 bilhões de anos-luz, não importa em que lugar do
Cosmo estamos; ali está o valor de sua unidade. Ali é Vida! É a beleza do coabitar do
movimento e do repouso. Tal beleza é “est-ética” (estética e ética ao mesmo tempo): é
o natural respeito e reverência pela Vida, pela beleza do Cosmo!
Não espanta, pois, que outras raças cósmicas convivam conosco no Cosmo.
Espanta mais sermos nós mesmos uma raça cósmica, assim como qualquer outra raça
que exista, e não termos consciência disso. Para nós está sendo o inverso:
consideramos o universo pequeno demais diante das nossas preocupações cotidianas.
Nossa sede de futuro está destruindo o nosso presente. A nossa amorosa Gaia está
sendo consumida, como algo descartável, como se não fosse viva. Urge sairmos do
tempo cronológico que nos mata, da busca pelo futuro, para adentrarmos no tempo da
eternidade, onde espaço e tempo não são coisas distintas, separadas, mas antes o
imponderável movimento de Vida no Cosmos. Quem são os extraterrestres? Nós
mesmos! É preciso baixarmos totalmente na Terra, pois somente assim subiremos aos
céus!”
286
Maurício Patitucci
Domingo, 2 de Novembro de 2008.
“A REGRA ÁUREA”
JUDAÍSMO
Não faças ao teu semelhante aquilo que para ti mesmo é doloroso.
CRISTIANISMO
Faça ao teu próximo somente o que gostaria que lhe fizessem.
ISLAMISMO
Ninguém pode ser um crente até que ame o seu irmão como a si mesmo.
CONFUCIONISMO
Não faças aos outros aquilo que não queres que eles te façam.
HINDUÍSMO
Não faças aos outros aquilo que, se a ti fosse feito, causar-te-ia dor.
TAOÍSMO
Considera o lucro do teu vizinho como teu próprio, e o seu prejuízo como se também
fosse teu.
ZOROASTRISMO
A Natureza só é amiga quando não fazemos aos outros nada que não seja bom para
nós mesmos.
BUDISMO
De cinco maneiras um verdadeiro líder deve tratar seus amigos e dependentes: com
generosidade, cortesia, benevolência, dando o que deles espera receber e sendo tão
fiel quanto à sua palavra.
JAINISMO
Na felicidade e na infelicidade, na alegria e na dor, precisamos olhar todas as
criaturas assim como olhamos a nós mesmos.
SIKHISMO
Julga aos outros como a ti mesmo julgas. Então participarás do Céu.
Independente da religião que adotamos, praticamos, simpatizamos ou não, e
lembrando que nossas crenças religiosas são nossos direitos inalienáveis, talvez
devêssemos fazer dois importantes questionamentos:
– Já paramos para analisar a extraordinária, magnífica, excepcional e
colossal “COINCIDÊNCIA” que consiste nos ensinamentos desta Regra Áurea serem
287
semelhantes entre si nas dez mais importantes religiões do mundo, cada uma delas
instituída em época, local e cultura diferentes?
– Sabendo que não é possível existir uma coincidência deste porte, desta
magnitude
e
desta
envergadura,
o
que
este
fato
evidencia?
Numa análise imparcial, neutra e à luz do bom senso, este fato demonstra que
aqueles dez ensinamentos desta Regra Áurea têm A MESMA FONTE, à qual, conforme
a nossa crença, podemos chamar de Deus, Alá, Jeová, Fonte Suprema, etc. Ou então
podemos concluir que os fundadores daquelas dez mais importantes religiões foram
intuídos e inspirados por mensageiros ou intermediários daquela Fonte Suprema, aos
quais, conforme a nossa crença, podemos chamar de Espírito Santo, Espiritualidade,
Mentores, Anjos, Arcanjos, Avatares, Cristo, etc. É bom que existam muitas religiões
porque, deste modo, sempre haverá uma que seja compatível com a capacidade, o
perfil psicológico e a preferência de cada um. No entanto, devemos estar atentos para
seguinte realidade que – à luz dos cristalinos e insofismáveis fatos acima – já
podemos perceber:
– Cada religião, longe de ser a absoluta dona da verdade, é apenas um dos
muitos canais da mesma Fonte Suprema.
Lembrando aquela inspirada frase de Divaldo Franco – “mil vezes um bom
ateu do que um mau religioso” – devemos nos lembrar de que, acima da nossa
adoção e da nossa prática dessa ou daquele religião, deve estar a nossa conduta
cotidiana conforme nos ensinam claramente aquelas dez versões desta Regra Áurea.
Em outras palavras, o que verdadeiramente importa é que, no nosso dia-a-dia, todos
os dias:
– Devemos fazer ao próximo somente o que gostamos que nos façam.
Considerando que a fonte daqueles dez semelhantes ensinamentos desta Regra
Áurea é a mesma, como também podemos considerar este fato?
– Como um convite implícito (ou explícito?) para pelo menos compreendermos
(*) o Universalismo que consiste não somente no respeito a todas religiões alheias, e
sim também na prática da Religiosidade sem a obrigatoriedade do intermédio
(ditatorial ou não) dessa ou daquela religião.
(*) E se for o caso, até mesmo para praticarmos.
Quando cada um de nós a – seja seguidor fanático ou liberal dessa ou daquela
religião, seja universalista, seja ateu ou indeciso – praticar cotidianamente esta
Regra Áurea, estará agindo de maneira “politicamente correta”. Por que? Porque
estará fazendo a sua parte (e dando o seu exemplo para os outros) em prol de uma
humanidade pacífica, fraterna e solidária!
Delasnieve Daspet - 13 de janeiro de 2009.
288
– 15 –
A RECONCILIAÇÃO DOS CRISTÃOS
"Para mim, as diferentes religiões são lindas flores,
provenientes do mesmo jardim.
Ou são ramos da mesma árvore majestosa.
Portanto, são todas verdadeiras."
Mahatma Gandhi
“O Cristianismo só poderá reconquistar
o seu império no mundo, mediante uma luta sincera,
em que ele não seja nem opressor nem oprimido.”
R. P. Lacordaire
289
Não tenho intenção de fundar uma igreja. Muito ao contrário. Apesar de isso
representar um grande negócio no Brasil, não desejo e não quero fundar mais uma
igreja. As que estão por aí já são em número suficientes e praticamente dizem as
mesmas coisas. Há igrejas para todos os gostos. Algumas geram até supremos
desgostos, além de muitos dízimos e ofertas...
Não posso negar de que nutro maior simpatia pela Igreja católica dos meus pais
e avós do que pelo que falam os protestantes, evangélicos e pentecostais, cuja
pulverização de opiniões impede até que se façam mais respeitados e ouvidos...
No entanto, acompanhando uma tendência normal entre os católicos brasileiros,
sou favorável ao controle da natalidade e ao uso de preservativos na prevenção da
AIDS e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis. Nada tenho contra a
inseminação artificial para facilitar a concepção entre casais aparentemente inférteis e
não me oponho às pesquisas com células-tronco em embriões, recentemente permitidas
por resolução da Corte Suprema brasileira.
Sou totalmente favorável à ruptura de uma tradição secular da Igreja em relação
ao celibato dos padres762: sou daqueles que pensam que o celibato não é fruto de
preceitos bíblicos taxativos, por isso deveria ser facultativo e também gostaria de, após
vários fracassos em meus casamentos, poder participar sem culpa da eucaristia. Afinal,
também sou filho de Deus, apesar de divorciado. Tenho, ainda, muito boa impressão
do movimento carismático, que cresce dia a dia e prova, com sua prática, que os
padres e bispos não são tão essenciais assim para a nossa reflexão e aperfeiçoamento
espirituais.
No III Sínodo Mundial dos bispos católicos, em Roma, o então cardeal-primaz
do Brasil, Avelar Brandão, opinou sobre a divisão existente entre os católicos:
“Estatísticas sócio-religiosas demonstram que um número relativamente
reduzido de batizados são fiéis a seus deveres religiosos. É por isso que o
primeiro e mais urgente trabalho da Igreja na América Latina é a
evangelização e pregação da fé; não existe, como antes, a unidade
católica.”763
Esse opinião sincera ilustrou uma pesquisa feita em 1968, pelo IBGE, cujos
dados estatísticos já naquela época testemunhavam que 67% dos católicos
entrevistados se consideravam pessoas muito pouco religiosas...764
Por outro lado, estou de acordo com o empenho profundo de grupos católicos
em aperfeiçoar o diálogo ecumênico com protestantes e evangélicos e outras
762
Defensores do casamento para padres e do celibato opcional dizem que a aceitação da igreja atrairia
muitos homens para o sacerdócio, diminuindo a falta de padres em muitas partes do mundo.
Os padres católicos tinham permissão para se casar durante o primeiro milênio depois de Cristo, mas o
casamento de sacerdotes foi condenado pela igreja em 1139. Cf. Folha Online, “Vaticano confirma
obrigatoriedade
do
celibato
para
padres”,
16/11/2006,
disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u101891.shtml.
763
Cf. “Católicos mas não muito”, p. 73, in Revista “Realidade”, São Paulo, Editora Abril, novembro de
1971.
764
Idem.
290
designações interessadas em dialogar. Os limites nessa tarefa devem ser definidos,
porém, pela generosidade entre as partes, esquecendo-se o que disse, apressadamente,
o papa Bento XVI sobre a Igreja católica, como a única que subsiste como sujeito na
realidade histórica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos e padres em
comunhão com ele765.
Essa visão antiquada de que Cristo fundou apenas uma única Igreja e instituiu-a
como “grupo visível e comunidade espiritual” é constantemente repetida por todas as
seitas e denominações, cada qual reivindicando para si a mesma coisa766.
Essa conduta desassombrada de bater no peito e bradar que “a minha religião é
a única, a melhor e a mais perfeita”, além de impedir de saída o diálogo entre cristãos
realmente separados, só faz ressaltar o que os divide, embora isso não faça o menor
sentido, vez que todos pegaram o mesmo trem, que vai numa só direção, apesar de os
passageiros usarem vagões e cabines diferentes e entrarem em diferentes estações, no
tempo. É evidente que Deus abençoa a todos igualmente, mesmo que sejamos
diferentes ou prematura e tardiamente divididos...
Uns gostam e crêem na intercessão da Virgem Maria, cultivando a
“Mariologia”, outros afirmam ser Maria mulher como qualquer outra e acusam de
idólatras os católicos, falando em “Mariolatria”; uns precisam do Papa como
orientador espiritual e infalível, outros pensam que a sua figura é totalmente
dispensável; alguns crêem no magistério da Igreja católica e acreditam na tradição oral,
outros só admitem a Bíblia como única Escritura e utilizam-se do livre exame para
interpretá-la; ali estão irmãos que crêem na fé, acolá, os que acreditam apenas nas
obras para atrair o olhar e a proteção de Deus; vemos, mais adiante, cristãos que
acreditam nos espíritos e na reencarnação, tendo ao lado irmãos que pensam que os
mortos não têm nada mais o que fazer a não ser ficar dormindo até soar a trombeta do
Juízo; por fim, deparamo-nos com os que só admitem a Graça por intermédio da Igreja
e outros, que só permitem para si a idéia da Graça como conseqüência da
predestinação, decidida muito antes por Deus. Que barafunda!
São tantas as diferenças e controvérsias teóricas que poderíamos nos desanimar
e o mais curioso é que elas procedem, na maioria das vezes, de interpretações
contraditórias da Bíblia.
Aliás, todas as controvérsias são válidas e todos têm razão. O único
aperfeiçoamento nisso tudo é que essas diferenças não são mais dissolvidas por meios
violentos ou de tortura, nem infligem a ninguém a morte na fogueira ou em
fuzilamentos por motivos de limpeza étnica. Não há aqui opressores nem oprimidos,
quando o Estado é separado das igrejas por uma legislação bem definida. O Estado
laico é proteção da sociedade contra qualquer fanatismo religioso e as suas
manifestações violentas.
Cf. “Respostas a Questões relativas a alguns Aspectos da Doutrina sobre a Igreja”, Congregação
para
Doutrina
e
Fé,
10
de
julho
de
2007,
disponível
em:
http://averedemptorismater.blogspot.com/2007/07/igreja-catlica-apostlica-romana-nica.html
765
766
A diferença está nas seitas cristãs fundamentalistas que se consideram anteriores a Jesus Cristo e
instituídas pelo próprio Deus. Essas denominações, os Adventistas, os Mórmons e as Testemunhas de
Jeová se auto-consideram “igrejas remanescentes”, isto é, foram criadas por Deus e fundadas nos
Estados Unidos...
291
Os cristãos precisam de amores, não de inquisidores!
É necessário vislumbrar novos horizontes para a fé e não aceitar a conversa de
que qualquer tentativa de reunir irmãos separados seja compreendida como
“abominação” ou “coisa do Anticristo”.
Precisamos instalar no mundo uma espécie de Organizações das Nações
Unidas religiosa, que coloque os cristãos representativos frente a frente, num diálogo
útil, sem rancores e manifestações de intolerância. Além disso, os cristãos têm o dever
de chamar judeus e muçulmanos – nossos primos das grandes religiões monoteístas –
para sentarem à mesma mesa de concórdia e formularem, junto conosco, uma
plataforma comum que nos liberte de vez dos separatismos e das guerras religiosas.
Podem até dizer que sou um sonhador, mas não sou o primeiro, nem serei o
último – parafraseando o grande pacifista ateu John Lennon...
Que sou um grande pecador, não se tenha a menor dúvida! Boêmio e fraco, não
sou exemplo nem muro de virtudes. No entanto, apesar de tantos defeitos, sempre me
interessei por temas religiosos, porque isso é efeito visível de uma fome espiritual que
existe dentro de mim. Sendo completamente sincero, devo confessar, sem medo:
adoro rezar! Adoro ficar em silêncio – porque acho que para me comunicar com Deus
e com Cristo não preciso de gritos histéricos! – e me sinto em paz assistindo a uma
missa católica ou a eventos religiosos em um templo evangélico ou budista.
Não distingo o direito de todos de amar a Deus como quiserem, mas reservo
para mim, sob total intimidade e privacidade, o modo como me comunico com Ele.
Após ter ficado tão próximo da morte e sentindo o seu hálito exigente e
destrutivo, todo dia seguinte para mim é uma forma de milagre e sonho, onde surge lá
no fundo a vontade de agradecer. Ao cair da noite, ao deitar, consigo fazer três coisas
bem definidas para um cristão:



abandono-me no confortável e amigo colo de Deus;
pergunto-me se meu dia foi produtivo, eficiente e se consegui a grande façanha
de não ter cometido muitos pecados;
e se, ao longo do abençoado dia fui capaz de alguma atitude nobre para com o
meu próximo...
Sei que são miseráveis providências, mas creio firmemente que acordar do sono
já é excepcional milagre para a criatura e deve ser festejado ao renascer do dia, porque
representa o sinal de que Deus deseja que tenhamos algo ainda a cumprir... Eis o
mistério da fé...
Os cristãos vivem separados por questiúnculas e bizantinismos767 e teimamos
em esquecer o fundamental: a nossa regra de ouro, bem como das demais religiões que
compõe a grande história da luz humana, que vem a ser o amor ao próximo, atitude que
767
Bizantinismo é a tendência a discutir temas complexos e minúcias, deixando de lado as questões
relevantes e os resultados práticos (cf. Aulete Digital).
292
a psicanálise, desde o início do século passado, dizia ser uma resolução quase
impossível de cumprir, em virtude do inarredável edifício do egoísmo humano.
No entanto, mesmo percebendo os obstáculos previstos pelos descrentes, o
amor ao próximo sempre foi a pedra de toque da mensagem de Cristo, contra o mundo
pagão e, posteriormente, à ansiedade do mundo ocidental em desmentir sua pregação.
Precisamos de um toque de reunir para reencontrar os irmãos separados. Eles
estão a nosso lado, no trem da existência, e não devem ser confundidos com a floresta
de denominações e seitas (as cabines) em que repousam os próprios temores. Também
do lado protestante, devemos entender que a afirmação radical do livre exame, bem
como o exercício da teoria da prosperidade sem qualquer freio tornarão inúteis
quaisquer tentativas concretas de reconciliação.
Não há dúvida de que o dinheiro separa o que as religiões, por definição,
tentam reunir e religar. Se ser cristão é descobrir e encontrar o outro, a senha deve
passar a ser “renovo minha disposição em acolhê-lo, porque assim também se renovam
as minhas esperanças!”
Acho que religião é isso: ou é acolhimento ou é abrir a porta ou se torna um
desentendimento brutal, que pode resultar em intolerância, violência e morte. Os
exemplos da história não nos deixam mentir...
Sentir-se satisfeito pela falsa idéia de que “a minha religião é a melhor” é
esquecer, na prática, que o outro existe e necessita ser acolhido, compreendido e,
principalmente, não repreendido por pensar diferente. Muitos até se encontram
perdidos – como eu, antes do atentado de que fui vítima – ou se sentem assim, mas
nem por isso deixam de sinceramente fazer o caminho de volta...
A própria contradição entre versículos (ou versos) bíblicos, manifesta neste
livro, é a pista para que olhemos com carinho e senso de oportunidade o que está por
trás do texto. Se você busca nas Escrituras o que deseja e encontra, se o que encontra
lhe traz alívio e o faz pensar que tem razão – então o texto bíblico cumpriu a sua
função e Deus está plenamente recompensado.
Se, por outro lado, você não entende o que a Bíblia diz e precisa de alguém que
lhe explique e interprete as complexas passagens, não se envergonhe de procurar um
conselheiro espiritual, seja padre, pastor, missionário ou ministro, desde que qualquer
deles o façam, sem imposições, encontrar o melhor caminho.
Mas se a sua intenção é esquecer do outro ou oprimi-lo, seja por uma cruzada
(interna), uma inquisição (externa) ou separação financeira (moderna) – saiba que isso
não é verdadeiramente Cristianismo...
Nossas contradições não devem ser objeto de vergonha, mas antes devem ser
dissolvidas com solenidade, festas e bandas de música. Sem dúvida, as contradições
expostas na Bíblia, antes de representarem um perigo, são a sua maior riqueza: são
testes terríveis para as teóricas intenções de conseguir tecer a teia longamente esperada
da fraternidade e da cooperação. Não de uma unidade inatingível, porque o texto em
293
que se baseia é soberano e lindamente equívoco. Muito bom para homens imperfeitos e
falíveis...
Acolher o diferente, a diversidade cultural – eis o principal compromisso do
cristão no século XXI que nos livrará do inferno. E o impasse mais palpável para todos
é reconhecer que Jesus compreendeu a imensa dificuldade que temos em superar o
próprio egoísmo, a ponto de um filósofo existencialista e ateu, como o francês JeanPaul Sartre (1905-1980), haver resumido a grandeza de nosso drama humano: “o
inferno são os outros!”
É preciso dizer que a Igreja católica desperta ódio em algumas denominações
protestantes e fundamentalistas por um curioso fenômeno de inveja material: estas não
suportam o tamanho, o peso e o sucesso da instituição, mesmo com os erros cometidos
e as dificuldades e descrenças do mundo contemporâneo. Imputando à estrutura
católica praticamente todos os enganos, tais organizações e seitas também demonstram
o secreto e velado desejo de também crescer como em dois mil anos ela conseguiu,
copiando-lhe a vitoriosa estrutura administrativa.
Sob o hábil e piedoso pretexto de salvar os fiéis, elas tentam substituir o objeto
de ódio por si mesmas e seu crescimento é patrocinado por uma facilidade enorme em
abrir mão de princípios, como vimos no caso da intolerância racial que afetava
algumas delas, desde o século XIX. Em troca de mais adeptos e seguidores, sempre
aparecia uma iluminação interveniente, vinda de não sei onde, para confirmar a
mudança doutrinária antes defendida, a ferro e fogo, por seus fundadores. Isso me
lembra a grande frase de Groucho Marx (1890-1977), um humorista norte-americano,
que dizia: “se você não gostou dos meus princípios, não importa, tenho outros...”768
É, todavia, nessa zona de sombras em que são comercializados os princípios,
que entra o diabo. Como podem sobreviver denominações e seitas que pregam o amor
ao próximo se nem sabem conviver entre si? É em tal fresta sem luz que o demônio
atua, chupando tudo ao redor, como um buraco negro ideológico.
É aí que ele ressurge, com todo o arsenal de disfarces e manipulações, criatura
angélica, criada por Deus mas que, exercendo de maneira intransferível o livre-arbítrio
que o Ser Supremo lhe concedeu, decidiu se revoltar, cioso de que era um ser
magnífico e que, por isso, em sua soberba, poderia enfrentar o Criador.
Esse movimento de revolta e rebeldia permeia toda a história sagrada até o
grande momento em que Cristo, o Filho, é tentado no deserto. O diabo ofereceu-lhe o
Universo inteiro, pedindo em troca “apenas” ser adorado. Comportava-se então como
um parente próximo a Jesus. Ao dizer que “nem só de pão vive o homem...”, Jesus o
venceu, após quarenta dias de jejum, mas nem por isso o fulminou. O diabo não foi
aniquilado e continuou andando, como uma serpente, pela história do mundo. Se Jesus
não o matou é porque para os cristãos ele tem alguma serventia...
O homem foi salvo na Cruz dos próprios pecados através do Cristo, mas não
das tentações do diabo. E o ser angélico é decaído, mas não é distraído. Está sempre
presente, o tinhoso, pronto a nos tentar, até fingindo para os filósofos, políticos e
Groucho era líder em frases espirituosas: “todo mundo precisa crer em algo. Creio que vou tomar
uma cerveja” – brincava ele...
768
294
dirigentes mundiais de que não existe. Essa é a sua principal artimanha. Ele é
determinado e decidido, sabendo se aproveitar das fraquezas humanas. Das minhas
então se aproveitou muito. Em inúmeros momentos de minha existência senti sua mão,
tentando me cooptar...
Os cristãos devem ser lembrados sempre de que Satanás é um anjo decaído,
sim, mas é de fato um anjo. Tem poderes. Não é um pervertido, porque Deus não
criaria perversões, mas provoca perversões no reino da Criação. E é nosso livre-arbítrio
que irá decidir se ele merece ou não ser ouvido.
Se ficarmos distantes uns dos outros, como cristãos separados, com certeza o
diabo terá conseguido o que deseja, a nossa divisão e fraqueza. Ele não participa do
mal, ele o insufla, negando as próprias origens, que são divinas...
Nesse sentido, o diabo não é hetero nem homossexual, ele é pós-moderno. E
pretende nos desafiar até o fim dos dias...
295
10º INTERVALO –
UM ANJO SALVOU MINHA VIDA
Muitos não acreditam que Deus exista e tais pessoas merecem meu mais
profundo respeito. São pessoas torturadas pela injustiça e pelo desconcerto do mundo.
Elas vivenciam profundamente o absurdo da vida e transformam essa inconformidade
no dado mais importante de suas existências.
A frágil condição humana leva-nos constantemente a dúvidas sobre a
necessidade de Deus em no cotidiano, sobretudo quando contemplamos tragédias
inexplicáveis como a morte de um ente muito querido ou de inocentes, em catástrofes
naturais.
A contabilidade sideral é irônica e, sem dúvida, acima de nossa percepção
banal. Falar de Deus a um descrente seria o mesmo que descrever a cor amarela para
um cego de nascença. Não há a perspectiva de realização e talvez muita dificuldade na
compreensão do próprio significado. Mas o Arcanjo mandou suas hostes todas e estou
vivo e ficando, a cada dia, melhor. Mas não posso deixar de contar-lhes que foi outro
anjo o responsável por minha salvação.
O meu anjo voltou de meu passado amoroso como a mulher de Vinícius: com o
olhar cheio de amor e as mãos repletas de perdão. Ela bateu em todas as portas,
moveu mundos e fundos para que não ficasse desamparado. Cuidou para que tivesse o
melhor atendimento, apesar das vicissitudes conhecidas de nossa saúde pública, e
consegui me submeter a uma cirurgia para, agora, com paciência, reaprender a
utilizar um braço, que estaria para sempre ultrajado e condenado.
A enfermeira de quem me separei um dia, porque não suportava em meu
egoísmo repartir sua bondade com todos os que ela sempre atendeu e acolheu – como
amiga, parente e profissional de saúde que leva a sério o ato de cuidar – voltou para
mim e não precisou de que eu dissesse palavra, que demonstrasse estar no fundo do
poço, para que ela oferecesse as mãos, sem cobranças, para ajudar a me reerguer.
Agora compreendo o que Drummond dizia em seu célebre verso: “Amor é o
que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor
começa tarde.” e acrescentaria, não sem a vulgaridade do bom-senso: “antes tarde do
que nunca”. Curioso o fato de, apesar desse turbilhão de dor, Deus me dar a prova de
sua presença, trazendo para perto alguém que não possui conflitos com os meus
valores. Alguém que sabe ouvir, sorrir e conversar e que passou a vida inteira notando
realmente a presença do outro, como boa cristã. Volto a Vinícius: “uma mulher me
ama e me ilumina”.
Estou no outono da vida, mas antes do pôr-do-sol tenho o dever de agradecer:
apesar de todos os sofrimentos e de alguns inimigos que puseram espinhos em meu
caminho, encontrei acolhimento e os sinais de Deus espalhados pelo chão. Foram
tantos na trajetória, que, quando caí, Ele me carregou nas costas até que pudesse
estar ereto de novo.
Para tanto, Deus selecionou-me os seus agentes e eles não titubearam um só
instante em me ceder o perdão e uma nova chance.
296
Estou aqui, de peito aberto, para recomeçar e não olhar com amargura o
retrovisor. Graças a ela, pude compreender que há ainda esperança em meu viver e
que poderei amar ainda, agora de maneira responsável e plena, porque tenho diante
de mim alguém que a todo instante, neste mundo desonesto, neste vale de lágrimas de
ignomínias e injustiças, demonstra que não bastam apenas palavras, é preciso fazer
obras para agilizar e bem representar a providência divina.
Agora sei que sou um pobre escritor e que, no sentido típico e genuíno do que
nos ensinou o apóstolo Paulo, ela é muito mais cristã do que eu. Por sua causa
percebo, enfim, o que é transpor a cegueira do caminho de Damasco.
Obrigado por seu amor e por tudo. Peço-lhe, com humildade, que aceite
também o meu amor. Estou me convidando a ser feliz...
30 de agosto de 2008.
OS SINAIS
Você andou sobre as águas,
Em mar revolto, encrespado,
E tive tanto medo como aquele Pedro,
Afundando sem crer em seus sinais.
Eis que em meu puro desespero
De criatura, acostumada com o menos,
Você ofereceu-me a mão forte
E o conforto maior de que precisava.
Na travessia do mar escuro,
Já estava na glória de Seu Nome
E, aturdido, mal sabia...
Por que a natureza humana é tão tola
Que precisa de atroz sofrimento para acordar?
Somos seres tão imbecis e avaros,
Que não entendemos a nossa delicadeza
Vista do alto, qual diligentes formigas
Para o paciente entomólogo?
Com que facilidade Você opera,
Ó Senhor, quando olha clemente o seu filho,
Que enfrentou o próprio silêncio
E a dor, como prenúncio de morte,
Sem saber que ultrapassava o umbral
Da nova vida, ofertada como convite,
Sem intenção forçada ou remordimento!
Senti então, não sem alegria e júbilo,
E chorando baixinho, para ninguém ouvir,
297
Você me dizendo: "Vem, meu filho!
Você estava longe, nem me escutava,
Mas eu o amo mesmo assim,
Porque, embora não soubesse,
Você pertence todo a mim..."
7 de agosto de 2008.
298
EPÍLOGO:
UMA CAMINHADA ESPIRITUAL
“As Bíblias do saber foram outrora as Sumas:
faltam-nos hoje as Sumas, e ninguém entre nós
seria capaz de compor uma. Tudo é caótico.
Mas se ainda é cedo para redigir uma Suma coletiva,
pelo menos cada homem que pensa e que deseja
verdadeiramente saber, pode tentar constituir a sua
Suma pessoal, isto é, pôr ordem nos conhecimentos,
invocando os princípios desta ordem, ou seja, filosofando
e coroando a sua filosofia por uma teologia sumária,
mas profunda.”
A. D. Sertillanges, 1920.
“Eu me contradigo, sou amplo,
contenho multidões.”
Walt Whitman
“A melhor religião é aquela que te faz melhor.
Aquilo que te faça mais compassivo,
mais sensível, mais desapegado, mais amoroso,
mais humanitário, mais responsável.
A religião que fizer isso de ti é a melhor.”
Dalai Lama
299
Todos os que leram a Bíblia, tenham vocação religiosa, convicções ou
compromisso com alguma denominação ou seita, têm preferência por algum de seus
trechos ou passagens. Como vimos, tenho predileção por dois de seus momentos mais
significativos: o capítulo 13 da 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios e o Sermão da
Montanha, a partir do 5º capítulo do Evangelho de Mateus, não necessariamente nessa
ordem. Do meu ponto de vista, esses trechos, bem como sua aceitação e acolhimento,
servem para definir os propósitos interiores de um ser humano rumo à escolha de um
modo cristão e singular de viver...
No entanto, existe um momento do Evangelho de Marcos que me sacode
interiormente, porque representa a mais viva contradição que repercute dentro do meu
ser. Esse trecho representa a tradução mais viva da encruzilhada imposta a um
indivíduo na caminhada de conversão e luta para bem conviver com Deus. Por isso, fiz
questão de guardá-lo para este final:
“Ao que lhe respondeu Jesus: Se podes! Tudo é possível ao que crê.
E
imediatamente o pai do menino exclamou [com lágrimas]: Eu creio! Ajudame na minha falta de fé!”769
Nem gosto, particularmente, do Evangelho de Marcos como um todo. Acho-o
muito esquemático e popular demais, muito abaixo do que representam os de Mateus e
Lucas, bem como do mais profundo e espiritual, que é o Evangelho de João. Essa é
minha opinião pessoal, que não advém de nenhum comentador: é a minha impressão.
No entanto, aquela passagem me comove profundamente, a ponto de ter chorado ao
relê-la. Talvez porque exiba em poucas e ternas palavras os doces dilemas que
atravancaram minha vida em relação às questões de fé. Essa pobre criatura sempre teve
dúvidas, sempre colocava um “mas...” diante dos doces mistérios e deixava o próprio
coração de reserva, pensando que só a razão merecesse prevalecer.
Afinal, o mundo e a pós-modernidade convidam aos exercícios racionais e ao
ateísmo, enquanto a fé é tão indivisível e simples! Enquanto a dúvida torna-se um
intermezzo, um intervalo mental de duelo, na fé você se entrega por inteiro, sem medo
ou qualquer divisão interior. Só que esse estado d’alma é tão nobre que muito poucos o
conseguem alcançar. Os que o conseguem, em maior grau de entrega, são entre nós
chamados santos. E, quando sobem aos céus, são identificados como anjos...
O trabalho de Jesus foi, nesse sentido, bastante eficiente. Ele carregou na cruz a
humanidade inteira e ainda ouve, generoso, os nossos pedidos. Só que assim ficou
muito ocupado e então soube delegar e dividir, com sabedoria, todo o ofício de salvar
entre os anjos (que anunciam o Seu Nome) e os santos (que evangelizam em nome de
Sua Lembrança)770. Assim, passamos a compreender que o universo é hierárquico, com
divisões de aperfeiçoamento, onde os espíritos se dividem de acordo com o grau de
desenvolvimento. São muitos os luzeiros no céu, as casas do Pai, em que repousam as
almas inquietas e procuram (re) encarnar na busca de novos conhecimentos e novas
existências, na aventura infra-celeste de retorno ao colo divino. Esse é um mistério tão
profundo que o poeta brasileiro Vinícius de Moraes costumava perguntar a Deus, na
letra de uma de suas canções populares: “Se foi pra desfazer, por que é que fez?”
769
770
Cf. Mc., 9: 23-24.
“Fazei isso em memória de mim.” (cf. Lc., 22:19)
300
Tal pergunta significativa e metafísica na mente de um ateu sempre me fez
refletir. Enquanto resta a dúvida, sempre nos defrontamos com a pergunta básica sobre
a existência de Deus. Essa inquietação desesperada parece conviver com toda a nossa
existência. Parece um defeito de fabricação que alguns chamam de pecado original.
Para os que não acreditam no pecado, achando-o chato de entender e sobretudo injusto,
Chesterton, um ateu que se converteu ao catolicismo (e os convertidos devem ser lidos
com bastante atenção) assinalava: “quem não acredita nele [no pecado original], basta
abrir um jornal todo dia!”.
Um teólogo católico ajunta outro dado a esse debate:
“A verdade, porém, é que quem recusa o universo de Deus está muito perto
de recusar o Deus do universo. E o fato é que atingimos aqui o coração da
atitude religiosa ou a-religiosa, de um grande número de nossos
contemporâneos. Não se trata, propriamente, de ateísmo. Pelo menos, não é o
caso do ateísmo especulativo, pois nunca ninguém provou a inexistência de
Deus. No plano das razões e das provas, não há dúvida que as probabilidades
da existência de Deus são incomparavelmente maiores do que as
probabilidades da não existência.”771
De fato, a oposição entre o Deus invisível e sua criação ocupam quase que
totalmente os espaços opacos de mistério em que repousam as nossas dúvidas,
causando-nos enorme sofrimento. Outro teólogo, desta vez protestante, opina sobre o
ateísmo, assinalando o sentido de sua procura: “busco Jesus, em quem o invisível
assume um rosto”772. Acontece que a própria pesquisa de Deus é muito difícil, apesar
de seus vertiginosos apelos históricos, registrados no próprio texto sagrado:
“Por exemplo, três quartos da Bíblia registram o fracasso espetacular da
aliança de Deus com os israelitas. No final do Antigo Testamento, o sonho de
levar a luz aos gentios termina quando os exércitos gentios aniquilam
totalmente os portadores escolhidos dessa luz. Mas, quando o apóstolo Paulo
relembra essa história, a história de sua etnia, vê uma avanço maior. Sem o
“não” de Israel, a igreja cristã teria permanecido uma seita messiânica
judaica sem importância; a rejeição libertou o evangelho, para que se
espalhasse pelo mundo conhecido.”773
Assim, o caminho para o descrente é a denúncia do paradoxo, que não deixa de
ser um dos alicerces da fé cristã. Nela, o adepto vive sempre diante do mistério, sem
esquecer que nem tudo pode ser esclarecido e a maioria dos temas passa por
contradições. E o próprio Livro Sagrado espelha isso por todo o decorrer:
“Na história da igreja, os líderes cristãos demonstram a tendência de
encontrar uma definição para tudo, de reduzir o comportamento e a doutrina
a valores absolutos que pudessem ser respondidos como verdadeiro ou falso.
No fundo, não encontro essa tendência na Bíblia. Muito pelo contrário,
encontro o mistério e a incerteza que caracterizam qualquer relacionamento,
Cf. CONGAR, Yves M. J. “O Problema do Mal”, p. 686, in Deus, o Homem e o Universo, op. cit.
Cf. YANCEY, Philip. O Deus Invisível, p. 168, op. cit.
773
Idem, p. 255, op. cit.
771
772
301
especialmente o relacionamento entre um Deus perfeito e seres humanos
falíveis.”774
O divisor de águas entre ateísmo e crença parece, portanto, ficar bem claro:
“podemos temer a Deus ou temer todas as coisas; ou confiar em Deus ou não confiar
em nada”775. Nesse sentido, muitos ateus, mesmo se justificando por nobres motivos,
preferem a recusa de ser e o endeusamento do nada.
Permitindo-se tudo, fazendo tudo sem qualquer critério, o homem
contemporâneo nem consegue realmente compreender porque tanto sofre. Nesse
sentido, a Bíblia é um livro extraordinário, porque nos indica novos caminhos, que
parecem velhos, para que os seres humanos possam reencontrar a paz verdadeira. E
arrancar de si a depressão, podendo seguir decidido, cá entre nós é uma brilhante
escolha. Para encontrar a tão almejada paz, todavia, nosso individualismo deve ceder
lugar à linguagem do amor, que supõe o cuidado com alguém semelhante a nós e que
merece e evoca um grande respeito.
Procurando fugir à armadilha comum entre o falso e o verdadeiro, palmilhei de
propósito neste livro diversas identidades religiosas. Em alguns momentos, expressei
simpatias pelos sonhos do Cristianismo esotérico, com a percepção dos iniciados sobre
as doutrinas secretas de Jesus; logo ali, fui adepto do Cristianismo popular, lutando por
compreender os mistérios da Trindade, os sacramentos da Igreja e o papel de Maria
como Mãe e suprema bênção dos católicos; mais além, vesti-me de protestante,
caprichando nas citações bíblicas, como se aceitasse de bom grado as olimpíadas
religiosas em que alguns pastores se metem, tentando provar entre eles quem sabe mais
versículos de cor; mais adiante, tornei-me crítico feroz das condutas religiosas
fundamentalistas, principalmente quando se utilizam de seitas separadas para desenhar
um muro de virtudes completamente artificial – enfim, um longo caminho para
demonstrar que não é suficiente se pautar pelo que diz exclusivamente o Livro
Sagrado, porque ele é muito rico e contraditório, capaz de acomodar centenas de
apetites e convicções muitas vezes fanatizados e divergentes.
Alguns céticos provavelmente irão me acusar de haver arrombado portas
abertas. Que a Bíblia, analisada friamente por quem dela descrê, é repleta de belas e
fecundas contradições, servindo num momento aos iconoclastas, destruidores de
ídolos, ora aos que pretendem manter imagens religiosas, valorizando a “comunhão
dos santos”; assim como traz alento aos adeptos da teoria da reencarnação, enquanto os
demais fiéis, que percorrem avidamente outros de seus trechos, deduzem o contrário,
ou seja, conseguem provar que antes do Juízo só vivemos uma vez...
Seria esse um desserviço meu à causa religiosa? Evidentemente que não,
tampouco foi essa a minha intenção. Penso, muito ao converso, que é em suas
contradições profundas que a Bíblia Sagrada ganha peso e beleza, conseguindo, por
causa disso, galvanizar multidões.
Neste século XXI, infelizmente, os cristãos não estão unidos, estão dispersos,
em diáspora. Vivem fervilhando em torno de uma pletora de seitas e denominações que
774
775
Idem, p. 85, op. cit.
Idem, p. 65, op. cit.
302
mutuamente se afastam. Precisamos, sem demora, fazer o caminho de volta, mas sem
cobranças ou acusações de ordem metafísica...
Quando vemos, por outro lado, no Brasil, em qualquer lugar que se percorra,
centenas de entidades evangélicas, de pequeno porte, à beira das estradas ou
penduradas em favelas e confins, quando encontramos nos municípios mais afastados
uma pobre igrejinha católica no centro de uma praça ou escondida nas periferias
miseráveis – realmente temos que concordar que a mensagem de Jesus prosperou e, de
tal modo teve êxito em nosso meio que, para algumas seitas, se transformou em
gigantesco objeto de negócio.
Como é bom ganhar dinheiro tendo o Cristo como fiador!? Afinal, Ele é
garantia para o investidor religioso: Ele nos ama, é fiel e não nos trai nunca. Já pensou
você ter um sócio numa empresa que jamais lhe trai? No entanto, Deus não pode nem
deve ser objeto de negócio e Jesus não pode nem deve proporcionar fortunas...
Ocorre que em meu entender essa conduta só contribui para afastar pessoas
desconfiadas e de boa ética, preocupadas em não misturar as convicções mais
profundas com mera especulação comercial.
Os telepastores invadiram com toda força os meios de comunicação numa
guinada espetacular, quando sabemos que nos idos dos anos 50 do século passado os
protestantes condenavam o rádio e a televisão como veículos do demo, do inimigo,
porque disseminavam por milhões ídolos e imagens malditas.
Hoje, é tudo diferente: temos pastores e missionários donos de horários nas
TVs abertas e a cabo, proprietários de estações de rádio e de redes de televisão,
utilizando os programas de evangelização para obter patrocínios e coletar fundos.
Algumas denominações fundamentalistas, inclusive, abandonaram a intolerância racial
de suas doutrinas de raiz em nome da obtenção de novos correligionários e fiéis, além,
é claro, de expandir o apelo institucional pelos países mais pobres de Terceiro Mundo.
Tomam-se dinheiros e ofertas das populações deseducadas e indefesas, em
nome de um pretenso horror à atuação do diabo (chamado de cinco em cinco segundos
de Inimigo), repetindo-se com o auxílio da tecnologia eletrônica o mesmo tráfico de
simonias (obtenção da salvação em troca de bens financeiros) condenado por Lutero e
seus seguidores na reforma protestante do século XVI. E tal conduta obscena da teoria
da prosperidade só não virou uma imposição de algumas seitas evangélicas contra a
população como um todo, em virtude de o Estado ser separado da religião por
imperativo constitucional.
Aliás, o perigo das religiões evangélicas que utilizam a teoria da prosperidade é
o imediatismo, a gana por dinheiro que passa por cima da memória cristã, que na Igreja
se chama “catolicidade” e sustenta a instituição há dois milênios. Quantos santos
perderam a própria vida, destituíram-se dos bens e haveres para viver uma vida
miserável em nome de Jesus, enquanto vemos pastores com mansões, aviões e
acusados de crimes de colarinho branco e lavagem de dinheiro?
O pedido de perdão de João Paulo II aos judeus, negros e índios, durante o seu
pontificado, ratificou o propósito da Igreja católica de limpar o terreno dos pecados
303
históricos cometidos contra esses grupos, preparando um novo diálogo que pouco a
pouco vai trazendo de volta, para desfrutar da mesma mesa em comunhão, os irmãos
ortodoxos, protestantes, judeus e muçulmanos. Quem sabe teremos a favor do Espírito,
algum dia, a fundação de uma ONU religiosa da mesma forma que temos, desde 1948,
uma organização como as Nações Unidas de cunho apenas político e social?
Essa é a minha esperança, vista ainda como utopia no momento em que escrevo
as últimas linhas deste livro, porque reunir irmãos separados é muito mais difícil do
que somente garantir-lhes espaços institucionais de liberdade.
O Brasil é um grande país católico, cheio de espíritas e evangélicos. Aqui já se
fez o sincretismo religioso na prática e qualquer tentativa de estabelecer o ódio
religioso não prosperará, porque o brasileiro é , antes de tudo, católico-espírita, que crê
em reencarnação, aceita os umbandistas e as religiões africanas de bom grado, mas não
deixa de assistir às dezenas de programas de TV onde os telepastores procuram
convencê-lo a contribuir com dízimos e ofertas para melhorar de vida e evitar o castigo
(ou aniquilamento – é pra quem quer) no Juízo Final.
Aliás, a ONU religiosa começaria aqui, onde temos uma capital da República
repleta de seitas esotéricas e abençoada ao mesmo tempo pelo sonho de João Bosco.776
***
A dúvida não me fez feliz. Ergueu o intelectual, mas desfez o homem nas
brumas da desconfiança e da busca sem paz, dissolvente.
Quando me defrontei com a confusão do cristianismo primitivo, na multidão de
hostes e seitas, me embaralhei também nas escolhas que os cristãos tiveram que fazer,
às vezes sob o custo das próprias vidas. Engalfinhei-me com os meus vícios e minha
insana boêmia, que quase me conduziram à morte na pós-modernidade e descobri, por
fim, um fio condutor, uma razão de viver que só poderia se justificar plenamente com o
freio de arrumação preparado por Jesus, meu Pai.
Ele afirmou com todas as letras, queimando-as com fogo e cicatriz o meu
lombo, a ordem que deveria seguir: “agora você, filho, pertence ao meu time e não
adianta mais fugir...”
A dimensão da empreitada às vezes cega a vista e faz o viajante claudicar na
caminhada.
Fugir do diabo é até simples, mas do ônus de sua obra fica muito difícil para o
frágil ser humano. Seus disfarces e apelos subterrâneos, a simulação e influência na
776
O sonho de Dom Bosco, em 1883, sobre uma nova civilização espiritual que seria fundada no
planalto central brasileiro, foi parcialmente realizado com a fundação de Brasília (1960) que mantém
vasta gama de seitas e organizações espirituais e esotéricas. A arquitetura da cidade, ao contrário da
mentalidade conservadora dos políticos e da burocracia federal ali instalada, aponta para um futuro de
pluralismo ideológico, concórdia cidadã, tolerância racial e respeito espiritual que possam fazer do
Brasil um grande exemplo para o mundo. Rezemos!
304
política e nos costumes demonstram que resta muito pouca massa de manobra para a
criatura, que se debate neste mundo em meio a tentações e desesperanças.
Este momento de minha vida foi crucial, emotivo e cruciante. O hospital onde
estive, o palpável hálito da morte e a cicatriz, para sempre, pareceu-me, a princípio, um
enorme castigo. Naquele momento, a pobre e sofrida criatura gritou do fundo do peito
para Deus: “eu não mereço!”.
Ocorre que o tempo passou, com seu navio misterioso e nevoento, e descobri
que antes de portar uma chaga permanente, recebi Dele uma bênção particular e
exclusiva. E com ela voltaram, como por encanto, o perfume das flores e o desejo de
acreditar.
Lembrei-me da agonia de minha mãe, clamando pela Virgem Maria no leito de
morte e zangada com Jesus porque Ele lhe aparecia, mas parecendo não a querer levar
(que malvado!) e percebi que só me restava o retorno para o colo do Senhor.
Sabe, eu voltei, de mãos vazias e coração retalhado. Mas não é que vislumbrei,
de fato, o inefável panorama?, a sensação de brisa fresca e terna de que minha volta
não era nem um pouco surpreendente, porque ao entrar a mesa estava posta por Ele...
E cada coisa em seu lugar...
305
306
307
Download