PERCEPÇÃO DOS ARRANJOS ESPACIAIS URBANOS DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DE IBIPORÃ/PR1 Natália Aparecida Ribas Pierote2 RESUMO: O presente artigo mostra como ocorreu a aplicação de uma parte da proposta metodológica Geografia em Múltiplas Escalas do Local ao Global: o município de Ibiporã, desenvolvida no contexto do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná. A proposta de implementação na escola foi desenvolvida com alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Olavo Bilac de Ibiporã, que teve como objetivo principal compreender a geograficidade dos arranjos espaciais urbanos da área central da cidade. O direcionamento do trabalho desenvolvido fundamenta-se no entendimento de que a construção do conhecimento parte da singularidade, do local até chegar às escalas maiores - o global, para então, em movimentos dialéticos sucessivos, retornar novamente às instâncias anteriores de conhecimentos. A metodologia utilizada permite uma maior reflexão sobre os arranjos espaciais urbanos, e conduz a questionamentos sobre a acessibilidade dos serviços urbanos, na maioria públicos, pela população. Dessa forma, o educando passa a perceber as diversas esferas de ações e responsabilidades que fazem parte do seu meio. Palavras-chave: Geografia local. Arranjos espaciais. Espaço urbano. Ibiporã. ARRANGEMENTS PERCEPTION OF THE URBAN AREA SPACE CENTER OF THE CITY OF IBIPORÃ ABSTRACT: This article shows how the application was part of a proposed methodology of Geography at multiple scales from local to global: the municipality of Ibiporã, developed in the context of the Program for Educational Development of the State of Parana. The proposed implementation in schools was developed with students the second year of high school, which had as main objective to understand the 1 Artigo orientado e revisado pela Profa. Dra. Rosely Sampaio Archela do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. 2 Professora da Rede Pública de Ensino do Paraná, cursa o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE na Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina – PR, [email protected]. 2 geography of urban spatial arrangements of the central area of the city. The direction of the work is based on the understanding that the construction of knowledge of the uniqueness of the site until the larger scales – the global, then, in successive dialectical movement, return again to the previous knowledge. The methodology allows for greater reflection on the urban spatial arrangements, and leads to questions about the accessibility of urban services in most public, the public. Thus, the student goes to perceive the different spheres of activities and responsibilities that are part of their environment. Key words: Local geography. Arrangements space. Urban space. Ibiporã. INTRODUÇÃO Após a implantação do plano de carreira do magistério da rede pública de ensino do Estado do Paraná e através de várias reuniões entre a Secretaria de Estado da Educação (SEED) e o Sindicato dos Professores foi concebido o PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. O PDE é um programa de formação continuada em rede que integra as escolas e as Instituições de Ensino Superior (IES) do Estado do Paraná e tem como objetivo proporcionar aos professores uma formação continuada de qualidade. Os professores participantes desse programa têm o compromisso de elaborar um plano de trabalho que culmine com a produção de um material didático específico para a sua disciplina, a ser utilizado nas escolas da rede pública de ensino. Os professores PDE de Geografia em conjunto com os professores orientadores da Universidade Estadual de Londrina, elaboraram, em 2007, um plano de trabalho único intitulado “Geografia em Múltiplas Escalas – o singular, o particular e o geral no estudo dos municípios”, tendo como resultado final à produção de um caderno pedagógico da geografia dos respectivos municípios dos professores PDE. Ensinar Geografia às crianças e jovens da educação básica tem sido uma tarefa árdua, nos dias atuais, face aos inúmeros desafios apresentados no cotidiano escolar. Uma das dificuldades encontradas é a falta de material didático sobre o local onde o aluno vive e mora, pois para que a aprendizagem seja significativa é necessário estabelecer um diálogo entre o conteúdo escolar e o cotidiano do aluno. O conteúdo escolar não deve ser estanque e nem estar distante da realidade, da vivência do educando para que o mesmo possa fazer as devidas correlações entre o que ele aprende e o que ele vive, suas experiências do dia a dia. Segundo 3 Vigotsky apud Katuta (2004), a ação de qualquer ser humano antecede a linguagem, portanto, o aluno só aprende por meio de suas experiências. Neste contexto foi elaborada a proposta metodológica Geografia em Múltiplas Escalas do Local ao Global: o município de Ibiporã. O material didático foi produzido de acordo com os conteúdos estruturantes das Diretrizes Curriculares e contempla três temas: · Caracterização do Município de Ibiporã - parte da construção de conceitos de divisas, fronteiras, extensões do município, colonização, estrutura populacional e sua caracterização física (Clima, relevo, hidrografia, vegetação) relacionando-o com outros espaços. · Estrutura Fundiária e Relações no campo - enfatiza a estrutura fundiária, o uso e ocupação do solo rural, a concentração de terras e as relações de trabalho no campo, considerando a dimensão da realidade local como significativa e necessária para a efetiva compreensão do espaço geográfico, isto é, a partir do estudo do local, pode-se construir uma visão mais crítica e geral do mundo. · Estrutura Urbana – analisa o uso e ocupação do solo urbano, a estrutura industrial, os serviços públicos como energia, abastecimento de água e esgotamento sanitário, coleta de lixo, sistema viário, o sistema de saúde, educação, segurança pública e cultura, esporte, lazer e centros de convivência. O objetivo geral da proposta metodológica é compreender a Geografia em escala local, ou seja, do município de Ibiporã a partir da análise de seus diferentes arranjos territoriais. A partir do mesmo, se torna possível o estabelecimento de articulações dessa escala com aquelas em nível regional e global abordadas nos livros didáticos de Geografia e em outros materiais (PIEROTE, 2008, p. 15). A hipótese que norteia a proposta metodológica está fundada no entendimento de que a construção do conhecimento supõe o movimento do pensamento que se constrói partindo da singularidade, passando pela particularidade chegando à generalidade, para então, em movimentos dialéticos sucessivos, retornar novamente às instâncias anteriores de conhecimentos. É por isso que o ponto de partida da construção de conhecimentos está no plano da singularidade ou do cotidiano, dimensões imprescindíveis para construção dos 4 conceitos em geografia que estão no plano da abstração ou da generalidade, ponto de chegada do processo de ensino-aprendizagem em Geografia. A produção de material didático sobre o município de Ibiporã justifica-se em vista da deficiência de material que contemple a Geografia local, escala de abordagem imprescindível para que os educandos possam estabelecer relações que levem ao desvendamento dos arranjos territoriais. Para o desenvolvimento da proposta metodológica foi necessária a busca por informações locais com fundamentação científica, para a partir das mesmas, organizar de forma clara e objetiva os conteúdos, facilitando assim, o trabalho do professor de geografia do ensino fundamental e médio. A sistematização dessas informações no caderno pedagógico da geografia do município de Ibiporã contribuirá para maior compreensão da organização do espaço local, como ponto de partida para articulação com outras unidades escalares (regional e mundial). A proposta metodológica pretende, por meio de problematizações, ensinar o aluno a entender os arranjos territoriais vivenciados por ele. Assim, ao criar condições para que o estudante compreenda o seu cotidiano por meio dos conhecimentos e conceitos científicos, o professor auxiliará a construir condições materiais para uma produção mais democrática dos arranjos espaciais. O conteúdo é apresentado ao aluno no plano da singularidade, para que o professor possa, a partir de então, dialogar com o da generalidade, ensinando o aluno a pensar geograficamente, o que supõe o desenvolvimento da consciência espacial e do raciocínio geográfico. O material didático elaborado é mais um recurso pedagógico para auxiliar o professor, contudo, como qualquer outro instrumento didático, deve ser adequado à realidade de cada nível de ensino e sala de aula. Assim, o educador pode utilizar as partes que o compõem de acordo com o seu planejamento de ensino. A compreensão dos processos mais gerais que marcam a Geografia contemporânea tem dificultado o processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, o caminho mais viável para a compreensão do mundo em que vivemos, tão conturbado e complexo, é partir do conhecimento empírico/singular que o educando possui do local, para então passar para o desconhecido/geral. Este caminho metodológico permite ao educando a construção de conhecimentos que oportunizem o desvendamento e posterior transformação da sua realidade. 5 Segundo Moreira (2006), criar condições de realização de leitura das paisagens locais com raciocínio geográfico remeterá os educandos ao entendimento do significado de seu espaço de vivência, e conseqüentemente da Geografia. Partindo dos elementos locais da paisagem, os educandos vão produzindo imagens e linguagens com significados, construindo assim, os conhecimentos imprescindíveis à formação da cidadania. A linguagem cartográfica desempenha um papel importante na compreensão dos arranjos espaciais e por isso deve estar presente no cotidiano escolar. O mapa fornece muitas informações sobre os lugares através de seus signos. Segundo Almeida e Passini (2004, p.15), o mapa é um meio de comunicação visual que possui um sistema semiótico complexo. As informações contidas nos mapas são transmitidas através de uma linguagem cartográfica composta por três elementos básicos: sistema de signos, redução e projeção. Portanto, para ler mapas é preciso dominar esse tipo de linguagem. Para Yves Lacoste (1988), é importante saber ler e interpretar mapas para conhecer o espaço, pois só através do conhecimento do espaço é possível organizálo e dominá-lo. É necessário que as pessoas aprendam a pensar o espaço, desde a escala local à escala planetária. Ressalta-se, ainda, que o papel básico do ensino de Geografia é proporcionar várias ferramentas para alfabetizar o aluno espacialmente em suas diversas escalas, dando-lhe a capacitação para entender noções de espaço, paisagem, natureza, Estado e sociedade. A função da Geografia, de acordo com Cavalcante (1998, p. 128), é formar uma consciência espacial, um raciocínio geográfico, levando a compreensão da espacialidade das práticas sociais para poder intervir no seu cotidiano de uma forma mais autônoma. A compreensão de como a realidade local relaciona-se com o contexto global é um trabalho a ser desenvolvido durante toda escolaridade, de modo cada vez mais abrangente, com o cuidado de não cair numa análise simplista do lugar até chegar ao global de forma linear, pois as relações destas escalas são mais complexas. Com este pensamento norteador foi desenvolvido com os alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Olavo Bilac a proposta de implementação na escola “Percepção dos arranjos espaciais urbanos da área central da cidade de Ibiporã”. A escolha desse tema justifica-se por ser um dos conteúdos do 2º ano do 6 ensino médio e também pela necessidade de ter uma delimitação para análise e verificação dos resultados após a aplicação do material didático com os alunos. O trabalho proposto possibilita ao educando a observação do seu entorno, identificando a organização territorial dos fenômenos e seus significados em várias escalas. DESENVOLVIMENTO A percepção e a leitura dos arranjos territoriais remetem ao conceito de territorialidade, ou seja, às relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência e, se manifesta nas diferentes escalas geográficas (uma cidade, uma região ou um país), expressando também um modo de agir e de pertencer a um determinado território. A territorialidade está presente em suas múltiplas dimensões – política, econômica, social e cultural, refletindo assim, a vivência territorial e se desenvolvendo a partir da existência comum dos diversos agentes que atuam sobre o mesmo espaço geográfico. Como atributo humano, a territorialidade é primariamente condicionada por valores culturais e normas sociais, variando no tempo e no espaço (RAFFESTIN, 1993; SANTOS, 2001; ALBAGLI, 2002 apud ALBAGLI e BRITO, 2003). Trabalhar o conceito de território com os alunos é de fundamental importância para a análise e compreensão da constituição do espaço geográfico e da ordenação territorial dos arranjos espaciais. Ao longo do tempo e através do trabalho humano, cada sociedade vai transformando e criando arranjos sobre o seu território. Estes arranjos são específicos de cada localidade, entretanto, estão ligados e sofrem influência das relações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma escala maior. Segundo Cavalcante (1998, p. 104), “é possível, então, compreender a região, na atualidade, como uma área formada por articulações particulares no quadro de uma sociedade globalizada”. Para Callabi e Indovina (1973), as relações capitalistas de produção e o desenvolvimento das forças produtivas são as responsáveis pela configuração específica de cada território. Nesse sentido, Albagli e Brito (2003, p. 4), afirmam que a configuração e a expressão dos arranjos territoriais locais encontram-se em geral associados às trajetórias históricas de construção de identidade e de formação de 7 vínculos territoriais, a partir de uma base política, econômica, social e cultural comum. Dessa forma, a configuração dos arranjos espaciais dependerá da menor ou maior interação desses elementos locais como também da interação destes com outros espaços. As relações de poder estabelecidas no território são responsáveis pela manutenção dos arranjos espaciais, onde estes recebem influência na maior parte pela lógica produtiva em suas múltiplas escalas, da local a global (RAFFESTIN, 1993). Nos dias atuais, deve-se levar em conta também à interferência das inovações tecnológicas nestes arranjos, pois elas têm promovido, em escala progressiva, a elevação da produtividade do trabalho. Na escala dos municípios, os arranjos territoriais são na sua grande maioria resultados da modernização do campo, o que muito contribuiu para o aumento populacional urbano, a intensificação das atividades industriais e de serviços como também da ampliação do perímetro urbano das médias e grandes cidades. Segundo Milton Santos (2006, p. 238), o meio técnico-científico-informacional passa a ser característico também do mundo rural. Observa-se no campo a incorporação de novas tecnologias, da criação de novas espécies animais e vegetais. As mudanças tecnológicas vão moldando as configurações territoriais de acordo com as exigências do mercado mundial, onde produtos, informações e conhecimentos se deslocam entre grandes distâncias num período de tempo cada vez mais curto. Ainda de acordo com este autor, vivemos num mundo globalizado, onde o espaço geográfico adquire novos contornos, características e definições, cujos atores mais poderosos exercem controle sobre os territórios potencialmente aptos às maiores taxas de acumulação, restando aos demais o usufruto parcial ou precário dos bens indispensáveis à sua reprodução como ser social. As cidades brasileiras passaram por um período de intenso processo de urbanização e industrialização, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Para atender a demanda da indústria por matérias-primas foi necessário que o campo se modernizasse. Como conseqüência da tecnificação do campo veio o desemprego e o êxodo rural. O rápido processo de industrialização acompanhado pelo intenso êxodo rural gerou uma urbanização caótica, com graves problemas urbanos e ambientais. A 8 prosperidade gerada pela atividade industrial não atingiu a todos os cidadãos brasileiros. Nas cidades, os contrastes entre ricos e pobres se agravaram e se tornaram mais nítidos principalmente nas grandes metrópoles, onde condomínios fechados de luxo convivem ao lado de favelas sem a mínima infra-estrutura e saneamento básico. Ibiporã, localizada na porção norte do estado do Paraná (figura 1), como tantas outras cidades brasileiras teve o êxodo rural como fator responsável pela intensificação do processo de urbanização. Segundo Milton Santos (1993, p. 29), o período compreendido entre 1940 e 1980 é marcado pela inversão do lugar de residência da população brasileira, quando a moradia dos trabalhadores agrícolas passa a ser cada vez mais urbana. Figura 1: Localização geográfica no Estado Fonte: Adaptação – Prefeitura Municipal de Ibiporã apud PIEROTE, N.A.R., 2008, p. 19. 9 A região em que a cidade de Ibiporã se localiza teve sua exploração iniciada na área central da malha urbana atual, e seu crescimento foi obediente ao projeto da Sociedade Técnica Colonizadora Engenheiro Beltrão Ltda. Os primeiros fluxos migratórios que chegaram ao município de Ibiporã eram constituídos principalmente por paulistas e mineiros, atraídos pelas terras férteis do norte paranaense. Mas, cabe ressaltar que a cultura cafeeira é uma atividade voltada principalmente para o mercado externo e, nesta época, a exportação ocorria principalmente através do Porto de Santos. Assim, era necessário construir uma rodovia que ligasse o norte-paranaense a São Paulo ou que ocorresse uma ampliação das linhas ferroviárias (PADIS, 1981, p. 88). Dessa forma, a ampliação das linhas ferroviárias pela Companhia Ferroviária São Paulo – Paraná contribuiu muito para a colonização desta região. Segundo Padis (1981, 93), a partir de meados da década de 1930 até a década de 1960, “o crescimento econômico e demográfico de toda a região foi surpreendente”. Motivado por vários fatores, o fluxo migratório para esta região foi contínuo. Este fluxo era constituído principalmente por paulistas (Campinas, São Carlos e Ribeirão Preto), mineiros e migrantes de outras regiões do país, especialmente do Nordeste e estrangeiros. Até a década de 1970, a maior parte da população de Ibiporã estava concentrada na zona rural, de um total de 27.193 habitantes, 14.165 moravam no campo (tabela 1). Mas, no decorrer desta mesma década, muitos fatores concorreram para a transferência de grande parte da população rural para a cidade. Dentre estes fatores, destaca-se o declínio da cultura cafeeira, a substituição das lavouras pela cultura mecanizada, a ampliação das áreas de pastagem e o início do processo de industrialização. Tabela 1 – População Urbana e Rural - Ibiporã 1970 a 2015. População Urbana Rural Total Taxa de urbanização (%) Crescimento da população urbana (%) Crescimento populacional (%) 1970 13.028 14.165 27.193 47,91 1980 20.066 7.555 27.621 72,65 Períodos 1990 2000 30.728 39.141 4.440 3.012 35.168 42.153 87,37 92,85 2005* 46.529 - 2015** 57.333 - 54 53 27 - - 1,57 27,32 19,86 10,38 13,68 Fonte: IBGE (Censo Demográfico *Estimativa IBGE 2005), ** Estimativa Plano Diretor apud IBIPORÃ, 2006, p.43. 10 Na década de 1980, a população urbana de Ibiporã ultrapassa a rural, apresentando uma taxa de urbanização significativa – 72,65%. Esse quadro reflete a tendência mundial da urbanização, onde a atividade industrial e o setor terciário – comércio e prestação de serviços contribuem com a maior participação na geração de renda nacional. Foi também nesta década, que o Estado do Paraná passou por um processo de metropolização (OLIVEIRA, 2001, p. 9). De acordo com Bragueto (1999, p. 157), é nesta época que a indústria passa a gerar mais renda que o setor primário, ela torna-se a principal atividade econômica do Estado. Em 1970, a renda interna (incluindo a construção civil) era de 22,72% e chega a 1980 com 33,94%. A agricultura, no entanto, sofre uma queda na participação da renda interna do Estado, esta passa de 23,32% em 1970 para 16,41% em 1980. Portanto, houve um crescimento significativo na participação da indústria do Estado do Paraná no total da indústria nacional, ela passou de 3,56% em 1970 para 6,77% em 1980. No município de Ibiporã também ocorreu um grande crescimento econômico nesta época, principalmente no setor secundário. Foi criada a Lei nº 738/84 que instituiu o Programa Municipal de Áreas Industriais, com o objetivo de atrair novas empresas. A instalação dos parques industriais trouxe benefícios para a região e gerou ao longo dos anos muitos postos de trabalho. No entanto, observa-se que ainda não são suficientes para atender a demanda local. Uma grande parte da população continua trabalhando em cidades vizinhas, especialmente em Londrina, e outra parcela significativa da população está desempregada. Juntamente com a industrialização ocorreu também uma grande modernização da agricultura. Esta modernização foi impulsionada, em grande parte, pela entrada em funcionamento dos setores agroindustriais, tanto a nível local como nacional. A modernização do campo com a introdução dos maquinários e agroquímicos levaram ao êxodo rural. As máquinas (tratores, colheitadeiras etc.), tomaram o lugar do serviço braçal e com isso muitos trabalhadores rurais perderam seu emprego. Pequenos agricultores não tiveram condições de se modernizar e competir no mercado, muitos acabaram contraindo dívidas nos Bancos e perdendo suas terras. 11 Em 1990, a população urbana de Ibiporã atinge a taxa de 87,37% e, em 2000 passa para 92,85%, média superior a do estado do Paraná, que foi de 81,4% para a época (IBIPORÃ, 2006, p, 43). Enquanto, muitos municípios da região passaram por um processo de evasão populacional, isto não ocorreu em Ibiporã. O município sempre apresentou índices positivos de crescimento populacional e, a partir da década de 1970, esse crescimento ocorreu principalmente na área urbana, como bem demonstram as taxas crescentes de urbanização (tabela 1). De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2000, realizado pelo IBGE, 93,05% das pessoas economicamente ativas (PEA) do município de Ibiporã estavam distribuídas na área urbana e somente 6,95% na área rural. Em relação as pessoas não economicamente ativas (entre homens e mulheres), 92, 67% estavam na zona urbana e apenas 7,33% na zona rural. Cabe ressaltar, entretanto, que a população de Ibiporã não cresceu no campo em virtude dos padrões técnicos de produção que dispensam maõ-de-obra, aliados à estrutura da propriedade privada e o acesso a terra. Nas cidades existe uma divisão entre áreas residenciais, comerciais e industriais (figura 2). O zoneamento urbano é o responsável pela divisão de áreas, objetivando a reorganização espacial de uma cidade, como forma de diferenciar as áreas e os fins a que se destinam. Pereira (2007) afirma que o zoneamento urbano pode contribuir para a habitação de interesse social à medida que “propicia à administração municipal uma intervenção reguladora do espaço urbano”. Esta intervenção não precisa de grandes somas nem do ponto de vista de investimentos em obras civis, nem em indenizações. Assim, o custo de acesso à terra urbana pode ser minimizado se houver uma previsão de áreas urbanas de interesse social como também uma previsão de parâmetros de edificações condizentes para famílias de baixa renda. A estrutura urbana de Ibiporã é composta por diversos bairros que tem acesso aos principais serviços urbanos como educação, saúde e assistência social. Cerca de 90% do total da área urbana construída é ocupada por edificações térreas unifamiliares de alvenaria. Já as construções em madeira são a minoria, representando menos de 10% dos domicílios urbanos e, a tendência é diminuir cada vez mais, pois a Prefeitura Municipal não libera mais alvará de construção para casa de madeira, apenas para casa mista (IBIPORÃ, 2006, p. 109). 12 Figura 2: Uso e ocupação do solo urbano de Ibiporã Fonte: IBIPORÃ, 2006, p. 128. Na porção central da cidade encontram-se edificações de 02 pavimentos e algumas de 03 pavimentos, existindo ainda cinco edifícios multifamiliares com 07 a 10 pavimentos também na região central. Segundo dados do Cadastro Imobiliário de Ibiporã de 2004, quase a totalidade dos imóveis do município são particulares - 99,22%, menos de 1% são públicos. Quanto à utilização dos imóveis, constata-se que 66% são imóveis residenciais, 10,2% se encontram vazios, 0,30% são de uso produtivo (industrial, comercial, serviços ou misto) e o restante 23,5% são utilizados para outras finalidades (tabela 2). Ao longo das vias principais – Avenida Santos Dumont, Prefeito Mário de Menezes, Paraná, Souza Naves, Prudente de Morais, Engenheiro Francisco Beltrão, dos Estudantes e 19 de Dezembro, concentram-se as atividades produtivas de baixo e médio porte. As indústrias e os estabelecimentos de médio e grande porte estão localizados ao longo das rodovias BR 369 e PR 090, no contorno norte, mas 13 principalmente no Parque Industrial locado a oeste da malha urbana (IBIPORÃ, 2006, p.111). Tabela 2: Descrição dos imóveis por utilização Descrição Quantidade Vazio 1576 Residencial 10202 Industrial 13 Comercial 20 Serviços 1 Misto 14 Outros 3632 Total 15458 % 10,2 66 0,08 0,12 0,01 0,09 23,5 100 Fonte: Cadastro Imobiliário – PMI, 2004 apud IBIPORÃ, 2006, p. 110. A expansão da malha urbana, a partir da década de 1990, ocorreu principalmente na região sudeste, sendo considerada a melhor área para uso residencial. Surgiram, assim, conjuntos habitacionais de interesse social que foram ocupados por famílias de baixa renda. Os fatores que explicam a expansão urbana da região sudeste sobre as demais são: a topografia, a dificuldade de mobilidade devido à linha férrea que corta a malha urbana de leste a oeste e o valor da terra, que despertou o interesse do poder público para a instalação dos conjuntos habitacionais nesta região (IBIPORÃ, 2006, p. 108). Após a intensificação ocupacional das áreas em consolidação, e ocupação dos vazios urbanos existentes no perímetro urbano atual, que compreendem cerca de 30% da área do perímetro, a região sudeste apresenta condicionantes para uma futura ocupação, apesar da sua topografia acentuada. Segundo Scarlato (2005, p. 404), é importante “identificar as áreas que potencialmente poderão crescer e aquelas que poderão assumir o papel de comando ou de centro irradiador desse crescimento”. Portanto, o planejamento urbano desempenha um papel fundamental no direcionamento e adequação do espaço urbano. Cerca de 70% do solo urbano de Ibiporã encontra-se edificado e 30% é constituído de vazios. O perímetro urbano possui áreas ainda não ocupadas, constituindo uma boa reserva para a expansão urbana. Não existe nenhum loteamento irregular no município. 14 A densidade média demográfica do município é de 149,32 hab./Km², apresentando um grau de urbanização de 92,85% onde a densidade na área urbana fica em torno de 1.345 habitantes/Km², número consideravelmente baixo para um município do porte de Ibiporã o que mostra a necessidade da ocupação dos vazios urbanos existentes (IBIPORÃ, 2006, p. 114). METODOLOGIA Com o objetivo de compreender a geograficidade dos arranjos espaciais da área central da cidade de Ibiporã foi proposto às quatro turmas do 2º ano do Ensino Médio, do período matutino, do Colégio Estadual Olavo Bilac, um trabalho em grupo de pesquisa e mapeamento do centro da cidade. A proposta de trabalhar com a geografia local se pretende diferenciada, na medida em que a explicação dos processos parte do local, vivenciado e incorporado no imaginário do educando. Esse recorte com o tema - “Percepção dos arranjos espaciais urbanos da área central da cidade de Ibiporã”, levou em consideração o uso do solo urbano, a estrutura urbana do município, bem como as relações sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais que estão presentes no referido espaço geográfico de estudo. Cada turma foi dividida em grupos de quatro alunos, onde cada grupo ficou responsável por pesquisar e mapear determinado assunto. Os temas propostos para pesquisa e mapeamento foram: saúde, educação, templos religiosos, segurança, esportes, comércio, alimentação (restaurantes e lanchonetes), informática, instituições públicas, transportes, comunicação, áreas de lazer, cultura, oficinas mecânicas, agências financeiras, salões de beleza e academias, estacionamentos, escritórios, postos de gasolina e borracharias, auto-escolas e despachantes. A atividade de pesquisa e mapeamento possibilita ao educando o desenvolvimento da observação detalhada, o estabelecimento de relações entre os elementos que compõem o espaço urbano e a sistematização de idéias. Este conhecimento (re)adquirido sobre o espaço conhecido, de vivência, permite ao educando uma maior compreensão do que acontece e porque as relações se processam dessa forma e não de outra, para, a partir daí, transcender da escala local, das particularidades para a global, das generalidades. 15 O segundo passo do desenvolvimento do projeto foi aula preparatória para a saída a campo para a coleta dos dados da distribuição espacial dos temas escolhidos com os seguintes objetivos específicos: l Reconhecer e identificar as características da estrutura urbana da cidade de Ibiporã, analisando o uso e ocupação do solo urbano. l Coletar dados em pesquisa de campo sobre a distribuição espacial das zonas de ocorrência de serviços públicos, comércio, prestação de serviços, área de lazer, cultura, entre outros. l Interpretar e analisar os dados coletados sobre a área central da cidade. l Elaborar mapas temáticos do centro da cidade. l Entender como as expressões espaciais urbanas articulam-se com os arranjos espaciais pretéritos e presentes. l Comunicar os resultados por meio de uma exposição de mapas e fotos na escola. Cada grupo recebeu um mapa do perímetro urbano da área de estudo (figura 3) e ficou responsável por percorrer todo o perímetro determinado e fazer o mapeamento dos temas escolhidos. Foi estabelecido com os alunos um prazo para a coleta dos dados e mapeamento dos temas e também uma data para a análise do material coletado. Figura 3: Perímetro urbano da área de estudo Figura 3: Perímetro urbano da área de estudo Fonte: Prefeitura Municipal de Ibiporã 16 Para a realização do trabalho proposto, os alunos tiveram que buscar informações em fontes diversas como: o museu histórico da cidade, a prefeitura, a biblioteca pública, entrevistar pioneiros, comerciários e autoridades de órgãos públicos. Nesta etapa do projeto, muitos grupos apresentaram dificuldades no levantamento e coleta de dados. Entre os motivos alegados destacam-se: excesso de trabalhos em diversas disciplinas e o pouco tempo disponível para a pesquisa em campo, pois alguns alunos trabalham ou fazem curso no período vespertino. Alguns grupos sentiram dificuldades também em coletar os dados, pois funcionários de órgãos públicos se negaram a fornecer o material necessário para a pesquisa. O terceiro passo constituiu-se de interpretação e análise dos dados coletados sobre a área central da cidade. Os alunos analisaram o material coletado e elaboraram mapas temáticos e textos sobre os temas pesquisados. Este momento de discussão em sala de aula e produção em grupo foi muito rico, pois este tipo de atividade permite a troca de idéias, a interação e cooperação entre os alunos e entre estes e o professor. A elaboração de mapas temáticos possibilitou uma maior percepção e (re)conhecimento do espaço geográfico da área central da cidade. Na representação dos elementos urbanos pesquisados, cada grupo criou uma legenda com símbolos para o seu tema. Após esta etapa, foram confeccionados painéis para exposição e apresentação dos trabalhos na escola. Os resultados da pesquisa foram socializados através de seminários em sala de aula para a turma e por meio de exposição dos mapas e fotos para a escola (figuras 4, 5 e 6). Os resultados obtidos com este trabalho foram bastante distintos entre as quatro turmas trabalhadas – A, B, C e D, do 2º ano do ensino médio. A turma “A” foi a que apresentou os melhores resultados em todas as etapas desenvolvidas: coleta de dados, mapeamento, prazo de entrega, trabalho em grupo e seminário. Na turma “B”, os resultados apresentados também foram bons, mas alguns grupos não se mobilizaram e os trabalhos não foram entregues na data prevista. As turmas “C” e “D” não se empenharam o suficiente e, portanto, houve muitos atrasos na entrega dos trabalhos e os resultados obtidos foram regulares. De uma forma geral, os resultados obtidos foram satisfatórios. Trabalhar com a geografia local demonstrou ser eficaz na compreensão e (re)construção de conceitos, como também na reflexão dos arranjos territoriais urbanos. 17 Figura 5: Comércio em Ibiporã Figura 4: Bancos, Lotéricas e Financeiras Figura 6: Segurança em Ibiporã Fonte das fotos: a autora, 2008. CONSIDERAÇÕES FINAIS A observação e mapeamento dos diversos temas urbanos da área central da cidade de Ibiporã possibilitaram aos alunos a identificação e ordenação territorial dos fenômenos pesquisados e seus significados, compreendendo assim, a geograficidade dos arranjos espaciais urbanos em escala local. Ao mapear, elaborar mapas temáticos e produções de texto sobre os diversos serviços urbanos (educação, saúde, lazer, segurança, cultura, transporte, entre outros), os alunos passaram a valorizar mais estes serviços e compreender como eles estão interligados e articulados a espaços maiores. Embora, alguns grupos apresentaram dificuldades em coletar os dados da pesquisa, estas foram superadas. Entre os motivos alegados destacam-se: excesso de trabalhos em diversas disciplinas; pouco tempo disponível para a pesquisa em 18 campo, pois alguns alunos trabalham ou fazem curso no período vespertino; atendimento inadequado de alguns funcionários de órgãos públicos que se negaram a fornecer o material necessário para a pesquisa. Em relação a metodologia utilizada, ou seja, de trabalhar com a geografia local, esta se mostrou adequada pois levou a uma maior reflexão dos arranjos espaciais urbanos, a questionamentos sobre a acessibilidade dos serviços urbanos, na maioria públicos, pela população. Dessa forma, o educando passa a perceber e compreender melhor as diversas esferas de ações e responsabilidades, as relações de poder que permeiam o seu local de vivência. É fundamental que o educando se reconheça como integrante e produtor do seu local de vivência, de ações que interferem e modificam o seu meio, que ele, como ressalta Katuta (2004, p, 32), não se sinta um estrangeiro em seu próprio mundo. Na opção metodológica adotada, o ponto de partida não é a explicação teórica, mas sim a busca pela construção de conceitos e conhecimentos necessários para a compreensão da realidade que nos cerca. Nesse processo, o professor atua como mediador, é a ponte entre o conhecimento empírico e o conhecimento sistematizado. Assim, ao final do processo, o educando terá condições para assimilar e entender a lógica dos arranjos territoriais. BIBLIOGRAFIA ALBAGLI, S.; BRITO, J. Glossário de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Relatório da fase piloto. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <www.ie.ufrj.br/redesist>. Acesso em: 08 out. 2007. ALMEIDA, R. D.; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. 13 ed. 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