O Israel de Deus na Profecia

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O Israel de Deus na Profecia
O ISRAEL DE DEUS NA PROFECIA
[Clique na palavra CONTEÚDO]
Princípios de Interpretação Profética
Hans K. LaRondelle
Título Original: The Israel of God in Prophecy – Principles of
Prophetic Interpretation.
Tradução: Josimir Albino do Nascimento
Revisão: Fernanda C. de Andrade
Imprensa Universitária Adventista
Impressão: Gráfica do UNASP- São Paulo, SP
Engenheiro Coelho, SP
Copyright © 2002
1ª Edição
[Contracapa]:
A correta interpretação bíblica pressupõe corretos princípios
de interpretação. Talvez em nenhum outro lugar uma hermenêutica
deficitária tenha causado maior confusão e equívoco das Escrituras
do que na interpretação profética relativa aos eventos culminantes
da história da Terra. Este livro é uma correção vital e vibrante de
uma visão amplamente ruidosa hoje em dia, proclamada por um
segmento dominante do cristianismo evangélico a saber, o foco
dispensacionalista nos eventos políticos modernos do Oriente
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O Israel de Deus na Profecia
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Médio como sendo o cerne da mensagem escatológica da Bíblia. O
Israel de Deus na Profecia do Dr. LaRondelle é, em meu ponto de
vista, um excelente trabalho. Uma ferramenta essencial que deveria
estar nas mãos de cada ministro cristão e de todos os leigos que
necessitam lidar com os assuntos atuais relativos ao Israel e à
profecia. Resumindo, posso dizer que esta obra é a melhor que já vi
sobre o assunto.
Dr. Kenneth A. Strand
Professor emérito de
História do Cristianismo no
Seminário Teológico da
Universidade Andrews, EUA.
Hans K. LaRondelle, Th.D. – É professor emérito do
Seminário Teológico da Universidade Andrews, onde lecionou
entre 1966 e 1991. Nasceu na Holanda, onde foi educado nas
universidades de Leyden, Utrecht e Universidade Reformada Livre
de Amsterdã. Sob a orientação do Dr. G. C. Berkower, recebeu o
título de doutor em Teologia Sistemática e Ética. Atuou também
como pastor e evangelista na Holanda entre os anos de 1953 e 1966.
É autor de vários livros e artigos publicados ao redor do mundo.
O Israel de Deus na Profecia
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CONTEÚDO
Prefácio............................................................................................. 6
Agradecimentos ............................................................................... 8
Glossário de Termos Técnicos......................................................... 9
Lista de Abreviações ..................................................................... 10
Introdução .....................................................................................12
1. O Foco Cristocêntrico de Toda a Escritura Sagrada.............15
A Necessidade de um Foco Cristocêntrico na Interpretação
Profética .....................................................................................18
2. A Chave para o Velho Testamento: O literalismo
ou o Novo Testamento? .....................................................22
A Chave para o Velho Testamento:
O Novo Testamento................................................................25
literalismo no Judaísmo no Período do Advento de Cristo.......26
A Chave para o Velho Testamento:
Cristo no Novo Testamento....................................................30
3. A Interpretação literal e a Alegórica ......................................37
A Interpretação literal................................................................37
A Interpretação Alegórica ..........................................................41
4. A Interpretação Tipológica .....................................................51
Limitações dos Tipos .................................................................65
O Dispensacionalismo e a Tipologia ..........................................66
A Tipologia na Escatologia Profética ........................................70
O Israel de Deus na Profecia
5
5. A Interpretação Cristológica ...................................................80
As Profecias Messiânicas .................................................................80
A Ressurreição de Cristo "ao Terceiro Dia" no Velho Testamento .....87
As Aplicações Messiânicas de Jesus nas Músicas Cúlticas
de Israel...........................................................................................90
A Interpretação Cristológica das Descrições Históricas
nos Livros Proféticos.......................................................................95
6. O Significado Teológico do Remanescente de Israel e
a Sua Missão ..........................................................................104
Israel no Velho Testamento ..........................................................104
Propósito Universal da Eleição de Israel.......................................115
7. Interpretação Eclesiológica do Remanescente
de Israel....................................................................................123
Cristo Reunindo o Remanescente de Israel:
O Início da Igreja .....................................................................124
A Igreja como o Remanescente das Profecias de Israel................129
"O Israel de Deus" no Contexto da Gálatas .................................134
Os Cristãos Gentios São Concidadãos em Israel..........................138
A Aplicação Eclesiológica do Concerto Israelense.......................140
8. A Igreja e Israel em Romanos 9-11........................................152
O Papel do Contexto nas Distinções Bíblicas ..............................152
"Israel" no Contexto de Romanos.................................................153
A Aplicação de Paulo da Teologia do Remanescente de Israel ...157
Paulo Esperava a Restauração da Teocracia de Israel na Palestina? ...159
9. A Promessa Territorial de Israel na Perspectiva
do Novo Testamento ...............................................................164
A Terra Foi Prometida Apenas ao Israel de Deus ........................165
A Unidade da Escatologia Bíblica ...............................................167
O Israel de Deus na Profecia
6
A Impropriedade da Hermenêutica do literalismo........................170
Uma Só Esperança para Abraão, Israel e a Igreja.........................173
10. Textos Problemáticos............................................................177
Amós 9:11-12 Como Aplicado em Atos 15:16-18........................177
Isaías 11:1-12: Qual Será o Cumprimento do "Segundo"
Ajuntamento de Israel?................................................................181
Mateus 23:39 Os Judeus Serão Salvos Quando Verem o Messias
em Sua Glória?............................................................................192
Lucas 21:24 Jerusalém Já Não Está Mais Sendo Pisada
Pelos Gentios desde 1967 A.D.? ................................................197
11. O Ultimato Divino a Israel: As Setenta Semanas
de Daniel.................................................................................203
A Unidade Inseparável das Setenta Semanas................................204
Razões Para Dissecar as Semanas.................................................206
Cristo Pôs Um Fim aos Sacrifícios de Israel?...............................210
Em Que Ocasião Cristo Tornou-Se o Ungido? ............................212
A Exegese Literal da Septuagésima Semana de Daniel Elimina
a Hipótese da Brecha.................................................................214
12. A Tribulação Predita e a Esperança Para a Igreja ...........221
A Bendita Esperança da Igreja......................................................222
A Tribulação Profetizada para Israel e para a Igreja.....................224
A Promessa de Cristo de Proteção na Tribulação.........................228
A Parousia Pós-tribulacionista de Cristo em Mateus 24 ..............229
Como Cristo Aplica a "Abominação" Predita em Daniel 9?.........232
A Resposta de Paulo à Expectativa da Iminência.........................238
Sumário e Conclusão...........................................................................245
Bibliografia...........................................................................................250
O Israel de Deus na Profecia
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PREFÁCIO
A correta interpretação bíblica pressupõe corretos princípios de
interpretação. Talvez em nenhum outro lugar uma hermenêutica
deficitária tenha causado maior confusão e equívoco da Escritura do que
na interpretação profética relativa aos eventos culminantes da história
desta Terra. É evidente que o Oriente Médio constitui o maior foco de
atenção no mundo político hoje – como tem sido através dos séculos.
Não obstante, é igualmente evidente que esta região geográfica também
compreende o principal foco das profecias bíblicas relativas aos últimos
dias?
O presente volume atinge o coração das questões sobre esses
importantes assuntos através de uma abordagem que procura, acima de
tudo, os fundamentos da adequada interpretação da Bíblia.
O autor, Dr. Hans LaRondelle, é um perito nessa área e sua obra, O
Israel de Deus na Profecia, é o produto de vários anos de cuidadosa
pesquisa e revela não apenas uma ampla e profunda compreensão das
próprias Escrituras, mas também manifesta um arguto conhecimento da
literatura secundária atual sobre questões relacionadas.
Este livro é uma correção vital e vibrante de uma visão amplamente
ruidosa hoje em dia, proclamada por um segmento dominante do
cristianismo evangélico – a saber, o foco dispensacionalista nos eventos
políticos modernos do Oriente Médio como sendo o cerne da mensagem
escatológica da Bíblia. LaRondelle apropriadamente desvia nossa
atenção para a Escritura como sua própria intérprete, notando a
importância tanto do contexto imediato quanto do contexto escriturístico
mais amplo. Também coloca uma ênfase adequada no conceito de
"remanescente" (básico para a teologia do Velho e do Novo
Testamento). Enfatiza as aplicações cristológicas e eclesiológjcas do
Novo Testamento relativas às profecias do Velho Testamento, a
universalização dessas profecias contendo promessas territoriais a Israel
O Israel de Deus na Profecia
8
e, finalmente, ressalta questões relacionadas que são essenciais para uma
compreensão adequada da própria mensagem bíblica.
Deve-se observar que o capítulo dez trata de maneira proveitosa de
vários problemas textuais (textos freqüentemente usados pelos modernos
dispensacionalistas para sustentar as suas teorias concernentes ao Israel
político), e que os capítulos onze e doze lidam com duas áreas
particulares estreitamente relacionadas ao principal tema do livro, isto é,
a teoria dispensacionalista colocando no futuro, no fim dos tempos a
"septuagésima semana" de Daniel 9, e o assim chamado "arrebatamento
secreto" ou o "segundo advento duplo". Estes últimos dois capítulos
representam uma adaptação (com algum material adicional) de três
artigos pertencentes a uma série mais longa publicada pelo Dr.
LaRondelle na revista Ministry durante os anos de 1980 e 1981.
Deve-se notar também que este volume contém uma certa
quantidade de redundância ou repetição, em alguns casos, necessários a
fim de manter a coerência e uma seqüência lógica para uma linha
particular de argumentação. Há lugares onde a pressão em cumprir-se os
prazos para a publicação impediu uma maior atenção que teria evitado
repetições, algo que seria apreciável. Contudo, esse fato não prejudicou o
conteúdo do livro.
O Israel de Deus na Profecia de LaRondelle é, em meu ponto de
vista, um excelente trabalho. Uma ferramenta essencial que deveria estar
nas mãos de cada ministro cristão e de todos os leigos que necessitam
lidar com os assuntos atuais relativos ao Israel e à profecia. Resumindo,
posso dizer que esta obra é a melhor que já vi sobre o assunto.
Universidade Andrews
Berrien Springs,
Michigan Dezembro de 1982
KENNETH A. STRAND
Professor de
História da Igreja
O Israel de Deus na Profecia
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AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer aos administradores da Universidade Andrews e
ao Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia em Berrien Springs,
Michigan pelo apoio no preparo deste manuscrito. Também sou grato ao
Dr. Adrio Kônig, professor de Teologia Sistemática, Estudos Teológicos
e Teologia Prática na Universidade da África do Sul em Pretória. Ao Dr.
Kenneth A. Strand, professor de História da Igreja, e ao Dr. Gerhard F.
Hasel, diretor do Seminário Teológico, ambos da Universidade Andrews,
por suas críticas construtivas e encorajamento. E ao Dr. Robert Firth,
diretor da Imprensa Universitária da Andrews pelo seu trabalho editorial
que tornou esta obra muito mais versátil.
Agradeço aos editores da revista Ministry a permissão em usar os
meus artigos sobre dispensacionalismo publicados entre maio de 1981 e
julho de 1982. Sou agradecido ao senhor e à senhora Donald E.
Loveridge por prover-me de um lugar tranqüilo para trabalhar nesta
investigação em Melborne, Flórida. E especialmente à Bárbara, minha
esposa, pelo seu amorável apoio e cooperação neste extenso projeto.
– Hans K. LaRondelle
O Israel de Deus na Profecia
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GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS
Apocalíptico – relacionado ao julgamento final e ao glorioso
segundo advento de Cristo.
Cristológico
– cumprindo-se ou realizando-se em Cristo.
Eclesiológico – cumprindo-se ou realizando-se na igreja de Cristo.
Escatológico – estudo dos eventos finais centralizados em ambos
os adventos de Cristo.
Exegese
– ciência do significado de um texto em seu próprio
contexto literário e histórico.
Hermenêutica – ciência da interpretação e aplicação.
Parousia
– a segunda vinda de Cristo.
Teológico
– relacionado ao Deus das Escrituras Sagradas.
O Israel de Deus na Profecia
11
LISTA DE ABREVIAÇÕES
AUSS
Bsac
BKAT
Andrews University Seminary Studies
Bibliotheca Sacra
Biblisher Kommentar Altes Testament.
Neukirchen-Vluyn: Neukirchen Verlag
BWANT Beitrage zur Wissenschaft vom Alten und
Neuen Testament. Stuttgart: W. Kohlhammer.
EOTH
Essays on Old Testament Hermeneutics.
Edited by C. Westermann. English Translation
edited by James L. Mays. Richmond, Va.:
John Knox Press, 1963.
ISBE
International Standard Bible Encyclopedia.
Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Cp., 1979.
JBL
Journal of Biblical Literature
JETS
Journal of the Evangelical Theological Society
JTS
Journal of Theological Studies
KJV
King James Version
NASB
New American Standard Bible
NICNT
New International Commentary on the New Testament.
Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co.
NIDNTT New International Dictionary of New Testament
Theology. Edited by Colin Brown. 3 vols. Grand Rapids,
Mich.: Zondervan, 1975-78.
NIV
New International Version
NSRB
The New Scofield Reference Bible (1967)
NTS
New Testament Studies
NVI
Nova Versão Internacional
OTS
Oudtestamentische Studien. Leiden: E. J. Brill.
RSV
Revised Standard Version
SDABC Seventh-day Adventist Bible Commentary.
O Israel de Deus na Profecia
Edited by Francis D. Nichol. 7 vols.
Washington, D.C.: Review and Herald Pub.
Assn., 1957.
TDNT
Theological Dictionary of the Old Testament.
Edited by G. Johannes Botterweck and Helmer
Ringgren. Translated by John T. Willis and G.
W. Bromiley. Grand Rapids, 34ich.: Wm. B.
Eerdmans Pub. Co., 1974.
ThLZ
Theologische Literatur Zeitug
ThStKr
Theologische Studien und Kritiken. Berlin:
Ev. Verlag sanstalt.
TSF
Theological Students Fellowship (Bulletin)
WTJ
Westminster Theological Journal
ZAW
Zeitschrift für die alttestamentiche Wissenschaft .
12
O Israel de Deus na Profecia
13
INTRODUÇÃO
Os intérpretes modernos das profecias apocalípticas freqüentemente
não reconhecem os problemas hermenêuticos envolvidos na
interpretação profética por causa de suas pressuposições literalísticas.
Nosso objetivo não é o empenho por um tratamento exaustivo de toda as
profecias bíblicas e todos os assuntos escatológicos, mas ao invés disso
procurar descobrir e aplicar princípios teológicos ou normas
fundamentais à interpretação profética adequada. Princípios bíblicos
corretos de interpretação são muito mais decisivos do que a exegese de
textos e palavras isolados, não apenas porque tais princípios afetam e
guiam toda a exegese, mas também porque determinam como a falsa
exegese e a má interpretação podem ser corrigidas.
Hoje em dia é amplamente reconhecido que as pressuposições
filosóficas e teológicas de alguém afetam substancialmente as suas
conclusões. Por isso, é de vital importância a idéia que a pessoa tenha de
inspiração divina e do modo de transmissão profética da revelação, não
importando se ela parte de proposições literalísticas de termos bíblicos
ou se reconhece que Deus comunica Suas revelações através de símbolos
culturais "emprestados" e processos de pensamentos contemporâneos
com alcance maior e um novo conteúdo para palavras antigas.
Nosso propósito põe em evidência o inter-relacionamento das
profecias do Velho Testamento e o seu cumprimento no Novo ou suas
aplicações ulteriores. Desejamos perscrutar aqueles princípios teológicos
que ressaltam a abordagem interpretativa dos escritores do Novo
Testamento em relação às Escrituras hebraicas e estabelecer os seus
padrões de cumprimento. Nosso objetivo é analisar como as profecias do
Velho Testamento se cumpriram na história passada, a fim de usar os
princípios evolvidos em seu cumprimento como guia e norma para
interpretar as que ainda não se cumpriram.
O Israel de Deus na Profecia
14
Nosso profundo interesse é aceitar a Bíblia como uma unidade
orgânica em Cristo e recobrar a perspectiva histórica apropriada sobre a
ascensão e o desenvolvimento das declarações proféticas sobre Israel. A
reconstrução do contexto histórico é essencial para estabelecer o
fundamento exegético de cada interpretação profética. A História e a
interpretação profética não podem ser separadas ou divididas.
Um dos maiores problemas em aplicar mensagens proféticas antigas
aos nossos tempos é que muitos intérpretes modernos manifestam uma
total desconsideração para com as dimensões teológicas essenciais das
profecias do Velho Testamento e especificamente para com as
cristológicas. A visão profética da História nunca foi dirigida a eventos
seculares de natureza política desvinculados do Messias e Seu povo.
Cada profeta bíblico sustentava suas promessas de bênçãos ou
ameaças de condenação sólida e consistentemente no foco da história
redentiva. Interpretar as mensagens proféticas como meras predições de
eventos sociais e políticos em curso no Oriente Médio transformaria o
Deus de Israel em um adivinho. A característica predominante dos
adivinhos tem sido sempre predizer eventos futuros fora da história
redentiva, desassociada do verdadeiro Messias e do povo messiânico.
Quando Deus fala, Seu nome está comprometido em ser fiel ao Seu santo
concerto que é centralizado em Jesus Cristo e por Este confirmado como
o único Mediador entre Deus e o homem, entre Deus e Israel. Ele nunca
está interessado em tentar convencer o homem de Sua existência divina e
de Sua veracidade por uma mera exibição de conhecimento prévio
isolado de Seu plano de salvação. De Gênesis a Apocalipse o foco de
todas as profecias é essencialmente sobre o eterno propósito de Deus
para a reconciliação do Céu e da Terra através de Cristo Jesus (Efésios
1:4-19). Da mesma forma, os profetas e apóstolos insistem na soberania
de Deus em todos os acontecimentos da história da salvação sobre a
continuidade de Seus propósitos através de Cristo em particular. "Porque
não importa quantas promessas Deus tenha feito, elas são 'Sim' em
Cristo" (2 Coríntios 1:20).
O Israel de Deus na Profecia
15
Este estudo é baseado na pressuposição de fé que tanto o Velho
quanto o Novo Testamento não são documentos puramente históricos,
mas escritos religiosos que são inspirados pelo Espírito de Deus, e por
esta razão, constituem a autorizada Palavra de Deus. Acreditamos ser
nossa tarefa interpretar os textos antigos das Escrituras Sagradas como
os encontramos, isto é, enfocamos o texto canônico em sua forma
presente como um produto literário acabado. Aplicamos a esses textos o
princípio indutivo da analogia das Escrituras, que cuidadosamente
relaciona essas passagens das Escrituras que revelam a mesma
terminologia, imagens pictóricas ou eventos redentivos comparáveis,
reconhecendo que apenas Cristo é o verdadeiro Intérprete das Escrituras
Sagradas de Israel.
Essas considerações nos levaram a assumir a posição tradicional
cristã de que o Novo Testamento é o intérprete autorizado e abalizado do
Velho Testamento. Nosso estudo pode ser considerado também um
diálogo contínuo com os teólogos dispensacionalistas sobre sua
escatologia focalizada exclusivamente no povo judeu e no território do
Oriente Médio. Escatologia baseada em sua estrita aplicação do princípio
literalista.
Se não forem indicadas de outra maneira, as citações das Escrituras
são da Almeida Revista e Atualizada no Brasil (Sociedade Bíblica do
Brasil).
O Israel de Deus na Profecia
16
O FOCO CRISTOCÊNTRICO DE TODA A ESCRITURA
SAGRADA
A Bíblia é incomparável na literatura humana. Não há sequer um
segundo livro como este, no qual o Criador do Céu e da Terra revelou-Se
e revelou a Sua vontade à humanidade através de promessas e
cumprimentos, como esboçados no Velho e no Novo Testamento.
A Bíblia é basicamente um livro espiritual porque Deus que é
Espírito, revelou-Se nela. O homem, originalmente criado à imagem e
semelhança de Deus, destituiu-se Dele pela futilidade dos pensamentos e
desconfiança de Sua Palavra revelada. Paulo descreve a destituição
mental, moral e religiosa do homem caído:
obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da
ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração (Efésios 4:18; cf.
também 2:1-3).
Não é de se admirar que Jesus Cristo tenha salientado para
Nicodemos, um dos principais intérpretes das Escrituras Hebraicas em
Jerusalém, que "se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de
Deus" – isto é, não pode compreender a natureza ou partilhar as bênçãos
do reino de Deus (João 3:3). Cristo explicou que o novo nascimento não
é resultado de realizações do próprio homem, mas um ato sobrenatural e
um dom de Deus: "O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido
do Espírito é espírito" (João 3:6).
Assim, Cristo ensinou que a experiência do renascimento pelo
Espírito Santo é uma condição essencial para a compreensão do Velho
Testamento em seu verdadeiro propósito espiritual, em sua mensagem
teológica de salvação e para entender o reino de Deus.
Pedro relembra-nos que as profecias das Escrituras hebraicas se
originaram, não na própria presciência ou invenção do profeta, mas
"homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito
O Israel de Deus na Profecia
17
Santo" (2 Pedro 1:21). Assim, as profecias do Velho Testamento
possuem um propósito moral: salvação através do Messias.
Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem
em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o
dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração (2 Pedro 1:19; ênfase
acrescentada).
A Brilhante Estrela da Manhã é Cristo (Apocalipse 22:16). Este
foco cristológico da Bíblia hebraica em suas duas dimensões de um
Messias-Servo sofredor e de um Messias real exaltado, não está óbvio ou
claro para a mente natural, como a rejeição de Jesus pelos líderes judeus
o demonstrou.
Não se deve, por isso concluir que o Velho Testamento não revela
suficientemente a verdade sobre o sofrimento e a morte expiatória do
Messias ou que Cristo proclamou um Reino e um Messias que era
completamente diferente daquele que os judeus esperavam. O problema
não estava num suposto obscurantismo ou incompreensibilidade da
revelação divina das Escrituras hebraicas, mas na teimosia da mente não
espiritual. Jesus reprovou mesmo aos Seus próprios seguidores:
Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo
o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo
padecesse e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, discorrendo
por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas
as Escrituras.
Essa explicação do Velho Testamento pelo Cristo ressurreto trouxe
uma nova visão da verdade messiânica à mente judaica que resultou em
um renovado amor por Deus. Os discípulos testificaram, "E disseram um
ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho,
nos falava, quando nos expunha as Escrituras?" (Lucas 24:32; ênfase
acrescentada). Cristo "lhes abriu o entendimento para compreenderem as
Escrituras" (Lucas 24:45; ênfase acrescentada).
Portanto, concluímos: Por Jesus ser o Intérprete divino do Velho
Testamento, Ele deve abrir as Escrituras para nós. Nossa mente deve ser
aberta por Ele, a fim de vermos a luz messiânica nas Escrituras de Israel.
O Israel de Deus na Profecia
18
Essa conclusão implica que a fé em Jesus como Cristo, o Messias das
profecias, é uma qualificação essencial para o intérprete cristão das
Escrituras hebraicas.
Aqueles intérpretes que não podem ver a Cristo no coração de todas
os escritos do Velho Testamento não serão capazes de explicar os reais
intentos das profecias de Israel. Paulo afirmou quanto à rejeição de
Cristo pelos judeus:
Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando
fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo
revelado que, em Cristo, é removido (2 Coríntios 3:14).
Para o apóstolo Paulo, a verdade central da Bíblia hebraica não era
a respeito de Israel e seu futuro nacional, mas a respeito do Messias
Jesus, o Senhor de Israel, o Redentor do mundo (Romanos 16:25-27;
Gálatas 3:16, 29; Filipenses 3:3-10).
O apóstolo diz que nenhum dos governantes desta geração
compreendeu a sabedoria oculta de Deus nas Escrituras.
Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as
coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus... Ora, nós não temos
recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que
reconheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também
falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas
ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. Ora, o
homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente
(1 Coríntios 2:10, 12-14; ênfase acrescentada).
Estas palavras de Paulo são plenas de promessas para o estudante da
palavra profética. Ellen G. White nos assegura mesmo hoje: "Ainda há
veios de verdade a serem descobertos; mas as coisas espirituais se
discernem espiritualmente".1 O estudante da Bíblia, portanto, deve estar
sempre disposto a considerar a Palavra profética no espírito de um
constante aprendiz humilde sob a guia do Espírito Santo. Sempre
disposto a esconder o eu em Cristo e a tirar do depósito sagrado, coisas
novas e coisas velhas (Mateus 13:53).
O Israel de Deus na Profecia
19
A Necessidade de um Foco Cristocêntrico na Interpretação Profética
A ampla confusão evidente entre os modernos intérpretes das
profecias bíblicas relacionadas com os eventos dos últimos dias é, em
grande medida, devida à falta de princípios claramente definidos de
interpretação profética. A necessidade de princípios hermenêuticos
sadios para a interpretação da Bíblia é geralmente reconhecida hoje e
manifesta no recente desenvolvimento da ciência teológica da
hermenêutica, o estudo da metodologia de interpretação das Sagradas
Escrituras, a ciência e a arte da interpretação correta da Bíblia,
A tarefa básica da hermenêutica bíblica é determinar o que Deus
disse nas Escrituras Sagradas e o que isso significa para nós hoje, "A
hermenêutica é uma ciência que pode determinar certos princípios para
descobrir o significado de um documento, e indicar em que esses
princípios não são uma mera lista de regras, mas produzir uma ligação
orgânica entre eles".2
A habilidosa aplicação dos princípios da hermenêutica bíblica é
tarefa da disciplina teológica da exegese, ou seja, ela é a hermenêutica
aplicada. Comparativamente, pouco tem sido publicado sobre a
hermenêutica especial de princípios proféticos que desvelam a natureza
da revelação progressiva do eterno propósito de Deus nas porções
apocalípticas das Escrituras. Em outras palavras, as regras hermenêuticas
válidas de interpretação das Escrituras devem ser "princípios inspirados"
que são legítima e sistematicamente derivados das próprias Escrituras e
constituem, dentro do organismo vivo da Bíblia, a estrutura inerente e
unificadora do corpo total dos Sagrados Escritos.
É um ato irresponsável lançar-se despreparado na arena das
profecias bíblicas dos últimos dias. Ao considerar tais porções
apocalípticas das Sagradas Escrituras isoladamente e sem levar em
O Israel de Deus na Profecia
20
consideração a estrutura profético-messiânica do todo, o intérprete cairá
necessariamente na cova de um literalismo geográfico e étnico.
Esses intérpretes não se envergonham de comparar as profecias
bíblicas ao "quebra-cabeças" (H. Lindsey). Mas, sem o Espírito a letra
permanece sem espírito e a bendita esperança torna-se especulação
ociosa do cenário futuro, É necessário mais do que uma exegese
histórico-gramatical de partes isoladas das Escrituras, Cada método de
estudo do texto que apela para as letras dos versos bíblicos, não
considerando o seu contexto teológico imediato e mais amplo, e
conseqüentemente não relacionando os versos ao santo concerto de Deus
com sua estrutura messiânica, nega a unidade teológica da Palavra de
Deus e obscurece as questões religiosas e morais da guerra apocalíptica
entre o Céu e a Terra.
O "método" como tal é um instrumento muito limitado para
assimilar a profunda verdade teológica. Mais básico ainda do que ele, é a
perspectiva espiritual e as pressuposições teológicas com as quais o
intérprete aborda os textos proféticos das Escrituras.
Os intérpretes cristãos aproximam-se do Velho Testamento com
uma perspectiva teológica diferente dos expositores judeus. Suas
conclusões serão inteiramente diferentes em relação à guerra final na
profecia.
A compreensão cristã do Velho Testamento é determinada pelo
foco cristocêntrico com o qual os escritores do Novo Testamento
interpretavam as Escrituras hebraicas. Por isso, é essencial para um
cristão descobrir os princípios e procedimentos com os quais Cristo e os
Seus apóstolos compreendiam e expunham os Escritos de Moisés, os
Salmos, e os Profetas hebreus. De outra maneia, ele estará em grande
perigo de ler as profecias do Velho Testamento de uma maneira não
cristã e dessa forma, equivocar-se e destorcer as profecias bíblicas
simplesmente por não interpretar o Velho Testamento tendo o novo
como chave. O Velho Testamento não é mais a última palavra sobre
profecias do tempo do fim, uma vez que o próprio Messias da profecia
O Israel de Deus na Profecia
21
veio como a última Palavra. O Novo Testamento foi escrito como a
norma final para o cumprimento e interpretação das profecias de Israel.
Um cristão negaria sua fé e o Seu Senhor se lesse o Velho
Testamento como uma entidade fechada, como a mensagem plena e final
de Deus para os judeus independente da cruz e da ressurreição de Jesus,
o Messias, e à parte da explicação neotestamentária dos Escritos
hebraicos.
É de vital importância, por isso, preparar-nos para o estudo das
profecias ainda não consumadas do Velho Testamento analisando,
primeiramente os padrões de promessa e cumprimento nas profecias já
cumpridas. Uma clara compreensão desses padrões neotestamentários é
essencial para a adequada interpretação de todos os símbolos e imagens
da profecia. Devemos partir do conhecido para o desconhecido.
Um conhecimento prático dos princípios neotestamentários de
aplicar o Velho Testamento é indispensável para a acurada compreensão
das Escrituras como um todo. Nossa pressuposição cristã fundamental é
a confissão histórica protestante da unidade espiritual em Cristo do plano
e do concerto de Deus em ambos os Testamentos.
Tanto para Lutero quanto para Calvino, a escatologia era
essencialmente cristocêntrica, com a mensagem de Cristo como a
verdade central das Escrituras Sagradas. Muito embora a escatologia
desses reformadores deixava muito a desejar quanto à amplitude cósmica
e a grandeza da esperança bíblica por causa da negligência de certos
aspectos de conteúdo profético, a perspectiva cristológica da teologia
evangélica dos reformadores é uma salvaguarda válida contra toda a
interpretação especulativa tanto do literalismo exegético quanto do
alegorismo. Precisamos de princípios bíblicos derivados da plenitude da
própria Escritura, a fim de detectar qualquer abordagem especulativa às
imagens e símbolos proféticos.
O apóstolo Paulo adverte ao seu associado mais jovem, Timóteo, a
fazer o seu melhor a fim de apresentar-se "a Deus aprovado, como
O Israel de Deus na Profecia
22
obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da
verdade" (2 Timóteo 2:15).
Essas interpretações modernas da Palavra profética que excluem a
Cristo, Sua graça salvadora, e o Seu povo do novo concerto do centro
das profecias do tempo do fim relativas a Israel, basicamente carecem da
marca divina e exaltam uma tocha de falsa profecia. Cristo é "o Alfa e o
Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Apocalipse 22:13)
de toda a Palavra profética. Ele é a brilhante Estrela da manhã, que
ilumina cada promessa do concerto e cada profecia com Sua presença
salvadora. Ele é "Raiz e a Geração de Davi" (Apocalipse 22:16), o que
significa que Ele é o Senhor de Davi, bem como o Seu Filho. Representa
Jeová, o Deus de Israel em tudo que diz e faz (João 12:44-50). Cristo, o
Espírito Santo e Deus o Pai estão tão intimamente unidos que o foco
cristocêntrico é a marca inalienável de uma exposição bíblico-teológica
da Palavra profética de Israel.
Os adventistas do sétimo dia receberam conselhos especiais para
lançarem todos os olhares sobre Cristo como o centro da esperança em
suas interpretações proféticas:
Deixemos que Daniel fale, que fale o Apocalipse e digam a verdade.
Mas seja qual for o aspecto do assunto apresentado, elevai a Jesus como
centro de toda a esperança, "a Raiz e a geração de Davi, a resplandecente
Estrela da manhã".3
De todos os professos cristãos, devem os adventistas do sétimo dia ser
os primeiros a levantar a Cristo perante o mundo.4
Referências Bibliográficas:
1. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã (CD "Obras de
Ellen White", 1ª Edição), p. 188.
2. Bernard Ramm, Protestant Biblical Interpretation, 3rd ed. (Grand
Rapids, Mich.: Baker Boork House, 1970), p. 11.
3. Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélico,
p. 118.
4. Ellen G. White, Evangelismo, p. 188.
O Israel de Deus na Profecia
23
A CHAVE PARA O VELHO TESTAMENTO: O
LITERALISMO OU O NOVO TESTAMENTO?
O dispensacionalismo representa o sistema de interpretação bíblica
o qual afirma que os termos "Israel" e "Igreja" nas Escrituras sempre se
referem a dois concertos totalmente diferentes entre Deus e o Seu povo:
Israel representa um reino nacional-teocrático e terreno, mas a Igreja, um
espiritual e celestial, Como propõe Lewis S. Chafer:
Os dispensacionalistas acreditam que Deus está buscando dois
propósitos distintos através das gerações: um relacionado à Terra,
envolvendo pessoas e objetivos terrenos, o outro relacionado ao Céu,
envolvendo pessoas e objetivos celestiais.1
Por isso, Daniel P. Fuller conclui: "A premissa básica do
Dispensacionalismo é os dois propósitos de Deus expressos na formação
de dois povos que mantém as suas distinções através da eternidade".2 Em
outras palavras, o dispensacionalismo mantém diferentes escatologias
para "Israel" e a "Igreja", cada um tendo suas próprias contrastantes
promessas do concerto. A essência do dispensacionalismo, portanto,
consiste em "causar divisão" nas Escrituras, não meramente em
compartimentos de tempo ou dispensações, mas também em suas seções
que se aplicam ou a Israel ou a Igreja, ou ainda aos gentios. Uma divisão
derivada de 1 Coríntios 10:32. Chafer foi ainda mais longe ao ensinar
que apenas o Evangelho de João, o livro de Atos e as Epístolas são
dirigidos especificamente aos cristãos.3
O conflito final ou a tribulação mencionada em Apocalipse 6-20
acontece entre o anticristo e os judeus piedosos, não entre o anticristo e a
Igreja, porque "o livro como um todo não é ocupado primariamente com
o programa de Deus para a igreja'' J. F. Walvoord).4
O Israel de Deus na Profecia
24
O princípio fundamental sobre a qual essa divisão das Escrituras se
origina é chamado de "literalismo consistente". Um dos seus modernos
porta-vozes, Charles C. Ryrie, categoricamente afirma:
Desde que o literalismo consistente é o princípio lógico e óbvio de
interpretação, o dispensacionalismo está mais do que justificado.5
O Dispensacionalismo é o resultado da aplicação consistente do
princípio hermenêutico básico de interpretação literal, normal ou direta,
Nenhum outro sistema de teologia pode reivindicar isso.6
O literalismo
dispensacionalista.7
consistente
está
no
coração
da
escatologia
As implicações desse princípio pré-determinado de literalismo são
de grande alcance em matéria de teologia, especialmente em escatologia,
tendo em vista que ele requer o cumprimento literal das profecias do
Velho Testamento, que por isso devem ocorrer durante algum período
futuro na Palestina, "pois a Igreja não as está cumprindo em nenhum
sentido literal".8 Assim, o literalismo leva necessariamente ao futurismo
dispensacionalista em interpretação profética.
De acordo com o dispensacionalismo, a Igreja de Cristo, que nasceu
no dia de Pentecostes conforme relatado em Atos 2, não é
definitivamente uma parte do concerto de Deus com Abraão e Davi. A
Igreja cristã, com o seu evangelho da graça, é apenas uma "interrupção"
do plano original de Deus com Israel, um "parêntesis" (H. Ironside) ou
uma "intercalação" (L. S. Chafer), não previstos pelos profetas do Velho
Testamento e não tendo ligação com as promessas de Deus de um reino
terrestre para Abraão, Moisés e Davi.
Para o sistema dispensacionalista é básica a pressuposição de que
Cristo ofereceu-Se para a nação de Israel como o Rei messiânico para
estabelecer o glorioso reino terrestre que fora prometido a Davi. Sobre
essa suposição repousa a inferência de que Cristo "adiou" o oferecimento
O Israel de Deus na Profecia
25
de Seu reino quando Israel O rejeitou como seu legítimo rei. Por isso,
Ele começou a oferecer o Seu reino da graça (de Mateus 13 em diante)
como um concerto de graça temporário que terminará tão logo estabeleça
novamente a nação judaica como Sua teocracia.
A igreja dos crentes renascidos deve, por isso, primeiramente ser
tirada deste mundo através de um "arrebatamento" repentino e invisível
para o Céu antes que Deus possa cumprir Suas promessas
"incondicionais" feitas a Israel no Velho Testamento.
O dispensacionalismo assegura que as promessas do concerto
veterotestamentárias feitas a Israel podem se cumprir apenas na nação
judaica (em todos os detalhes como escrito) durante o futuro milênio
judaico de Apocalipse 20. Somente então o propósito distintivo e
incondicional de Deus com "Israel" será gloriosamente consumado. Isso
implica a reconstrução do templo em Jerusalém e a reinstituição dos
sacrifícios animais em "comemoração" à morte de Cristo. Todas as
nações reconhecerão, então a Israel como o povo favorecido de Deus.
Ryrie afirma, "essa culminação milenial é o clímax da História e o
grande objetivo do programa de Deus para as gerações".9
Assim, está bem claro que o dispensacionalismo separa a Igreja de
Cristo de todo o plano redentivo de Deus para Israel e a humanidade e
restringe o Seu reino futuro à restauração de um reino estritamente
judaico – o assim chamado reino milenial.
Essa dicotomia entre Israel e a Igreja, entre esta e o reino de Deus
na Terra, entre o Evangelho de Jesus Cristo e o Evangelho da graça de
Paulo, é o desenvolvimento lógico do princípio literalista de
interpretação profética adotado para a Palavra de Deus, O literalismo não
tem raízes na fé cristã histórica, mas foi criado em torno de 1830 em
reação às espiritualizações da teologia liberal do século 19. O
dispensacionalismo moderno ascendeu basicamente nos ensinos do exadvogado John N. Darby (1800-1882), líder de um grupo cristão
chamado Os Irmãos de Plymouth (na Inglaterra), e popularizado nas
O Israel de Deus na Profecia
26
notas de rodapé da Scofield Reference Bible (New York: Oxford
University Press, 1967).
A teologia dispensacionalista é elaborada sistematicamente por
Lewis Sperry Chafer (sucessor de C. I. Scofield) em sua obra apologética
Systematic Theology (8 vols.) e nos escritos de John F. Walvoord,
presidente do Seminário Teológico de Dallas. O dispensacionalismo é
ensinado por princípio no Instituto Bíblico Moody (Chicago) e, em
aproximadamente duzentos institutos bíblicos nos Estados Unidos. A
revista dispensacionalista é a Bibliotheca Sacra (herdada pelo Seminário
Teológico de Dallas em 1934). Autores populares como Hal Lindsey,
Salem Kirban e outros influenciam milhões de pessoas através de seus
escritos e filmes a aceitarem a interpretação dispensacionalista como o
verdadeiro quadro profético do plano de Deus para o povo judeu: uma
guerra do Armagedom no Oriente Médio e um milênio judaico.
A Chave para o Velho Testamento: O Novo Testamento
É a hermenêutica dispensacionalista do "literalismo consistente" a
chave genuína para a interpretação do cumprimento futuro das profecias
do Velho Testamento? Está organicamente (isto é, genuinamente e
intrinsecamente) relacionada às Sagradas Escrituras, ou é uma
pressuposição forçada, impondo sobre a Palavra de Deus elementos
externos como um "padrão objetivo"10, a fim de salvaguardar a Bíblia
contra espiritualizações e alegorizações injustificadas? Não seria melhor
que o princípio "objetivo" para a compreensão da Palavra de Deus fosse
indutivamente derivado do próprio relato inspirado?
O ponto importante é esse: Ao cristão é permitido encarar os
escritos do Velho Testamento como uma unidade fechada em si mesma,
isolada dos testemunhos do Novo Testamento sobre o seu cumprimento,
ou deve aceitar o Velho e o Novo Testamentos juntos como uma
revelação natural de Deus em Cristo Jesus?
O Israel de Deus na Profecia
27
Em primeiro lugar, o Velho Testamento em si mesmo carece de
uma norma indicadora de Jesus Cristo e dos Seus apóstolos para a
compreensão cristã das Escrituras hebraicas, O princípio do "literalismo"
é, então, introduzido nesse vácuo de um cânon não terminado da
Escritura para suprir uma norma indicadora de interpretação apontada
por Deus para se consumar em Cristo e no Novo Testamento, O próprio
termo "literalismo" torna-se dúbio em significado se for definido como
exegese gramático-histórica literal ou normal do Velho Testamento, mas
então exalta essa exegese como a verdade final dentro do cânon total da
Bíblia de maneira que Cristo e o evangelho apostólico não têm
autoridade de desvelar, modificar ou (re) interpretar suas promessas,
Charles C. Ryrie afirma que a visão dispensacionalista da revelação
progressiva pode aceitar luz adicional, mas não aceita que o termo
'"Israel" possa significar "Igreja". Isso significaria uma inaceitável
"contradição" de termos e conceitos.11
O dispensacionalismo nega um relacionamento dependente entre as
profecias do Velho Testamento e a Igreja de Cristo Jesus. Rejeita a
aplicação tradicional das promessas do Reino davídico do governo
espiritual de Cristo sobre Sua Igreja, porque tal aplicação interpretaria a
profecia alegórica e não literalmente, e portanto, ilegitimamente.
Temos aqui uma questão crucial: Os dispensacionalistas realmente
aceitam o caráter dependente da Bíblia como um todo, isto é, a unidade
espiritual e teológica das revelações do Velho e do Novo Testamentos?
Aos expositores cristãos é permitido interpretar o Velho Testamento
como um cânon fechado, como a revelação de Deus completa e final
para o povo judeu, sem deixar que Cristo seja o verdadeiro intérprete de
Moisés e dos profetas, sem permitir que o Novo Testamento tenha a
suprema autoridade de aplicar as profecias do Velho?
O cristão não pode interpretar o Velho Testamento num sentido
final e completo como se Cristo ainda não tivesse vindo e como se o
Novo Testamento não tivesse sido escrito. Não seria preferível a posição
de que Cristo rejeitou o Judaísmo e o Sionismo?12
O Israel de Deus na Profecia
28
literalismo no Judaísmo no Período do Advento de Cristo
Está bem claro, a partir da perspectiva cristã, que os líderes judeus
do tempo de Jesus tinham uma compreensão confusa e unilateral do
Messias prometido. Interpretavam mal a Palavra profética devido ao seu
literalismo, passando por alto o caráter condicional das bênçãos do
concerto prometidas a Israel.13 Os judeus não estavam esperando um
Messias sofredor; nem mesmo os discípulos de Cristo estavam (Lucas
24:20-27; Mateus 26:21-22).
Em todos os escritos judeus apócrifos que refletem vários conceitos
do Messias esperado e do reino de Deus, nem uma vez é previsto um
Messias que deveria morrer pelos pecados de Israel em cumprimento de
Isaías 53.14 O que a teologia judaica do judaísmo no período do advento
de Cristo ensinava a respeito do Messias e do Seu reino nunca devem,
por isso, ser um guia seguro ou uma norma cristã para compreender o
que as profecias do Velho Testamento realmente significavam.
Os discípulos de Cristo, incluindo João Batista (Mateus 11:26),
descobriram um significado novo e mais profundo envolvendo a missão
messiânica e o reino de Deus. Jesus não veio para oferecer-Se a Israel
como o rei da glória ou conceber um reino terreno com poder político.
Quando os judeus tentaram fazê-Lo rei pela força (João 6:15), Jesus
recusou tornar-Se o rei de Israel, como interpretavam o Seu reinado, e
"retirou-se novamente, sozinho, para o monte". E para Pilatos,
governador romano, Ele esclareceu, "O meu reino não é deste mundo. Se
o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por
mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino
não é daqui" (João 18:36; ênfase acrescentada).
Aqui está a razão porque os judeus como nação rejeitaram a Cristo
como seu Rei. Haviam interpretado extremamente mal a missão do
Messias e a natureza profunda e religiosa de Seu governo e do Seu
reino.15 Por se concentrarem primariamente na glória terrena e política do
O Israel de Deus na Profecia
29
Messias vindouro e do Seu reino e por negligenciar o panorama
basicamente religioso da missão e reino messiânicos, o judaísmo
rabínico passou a esperar um Messias político que libertaria a nação
judaica da opressão romana.16 A expectação judaica da vinda do reino
messiânico era, portanto, o oposto do que Jesus tencionava introduzir em
Israel. Aquele que veio, acima de tudo, para vencer a Satanás e seu poder
escravizador sobre o coração dos judeus através de Sua vitória no deserto
e para redimir os israelitas, exorcizando os demônios de sua alma, foi
denunciado pelos judeus como realizando a obra de Belzebu (Mateus
12:22-28), como tendo um "espírito imundo" (Marcos 3:30). Cristo,
contudo, interpretou o exercício de Seu poder salvador em favor de Israel
como o verdadeiro reino de Deus: "Se, porém, eu expulso demônios pelo
Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós"
(Mateus 12:28; ênfase acrescentada; cf. Lucas 17:21 na RSV).
Mesmo os próprios discípulos de Cristo não haviam compreendido
a natureza do reino de Deus. Quando Pedro quis impedir Jesus de ser o
Messias sofredor e moribundo, Cristo o repreendeu veementemente:
"Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos
homens" (Marcos 8:33). T. W Manson faz a sua tradução livre assim:
"Fora do meu caminho, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço;
porque estais mais interessado em um império humano do que no reino
de Deus".17
Jesus ofereceu-Se a Israel exatamente como a Palavra profética
havia determinado, primeiramente não como Rei da glória, mas como
Messias servo. Esse fato está claro, pois, Jesus não ofereceu um Império
Davídico glorioso. Ao invés disso, Ele rejeitou o messianismo político
da esperança judaica, mesmo de Seus próprios discípulos (Lucas 19:4142; Mateus 23:37-38). G. E. Ladd concluiu:
O próprio fato de que Ele não veio como Rei glorioso, mas como um
Salvador humilde, deveria ser uma evidência adequada em si mesma para
provar que o Seu oferecimento do reino não era exterior, terreno, mas
correspondia à forma na qual o seu Rei chegou aos homens.18
O Israel de Deus na Profecia
30
Qual foi então a causa da rejeição de Jesus pelos judeus como o
Príncipe da Paz, de Seu reino espiritual como o reino de Deus? Desde o
começo de Seu ministério público Cristo desapontou a expectativa
judaica de um Messias glorioso no mundo secular e sua esperança de que
Israel como nação deveria ser exaltada como a cabeça de um reino
universal (Lucas 4:16-30; Mateus 5:1-12).
Contudo, a causa fundamental pode ser encontrada em um
literalismo freqüentemente aplicado nas exegeses judaicas do primeiro
século.19 Esta forma de tratamento atomístico das Escrituras levava
muito a sério as letras e as palavras de Moisés e dos profetas, e ainda
dissecava e fragmentava as Escrituras por negligenciar relacionar as
palavras proféticas à história da salvação e ao centro teológico da
Escritura. Esse centro unificador do Velho Testamento é o Deus vivo de
Israel,20 de quem emana toda a revelação da verdade e com quem toda a
revelação deve relacionar-se, a fim de compreender todo o Seu eterno
propósito para o mundo e para o Seu povo do concerto. Por isso, o
literalismo ou o letrismo judaico pode ser descrito como uma forma de
legalismo.
Uma forma peculiar de literalismo judaico e de divisão dos Escritos
proféticos era empregada pela seita de Qumran ou membros do concerto
do Mar Morto. Eles não apenas explicavam partes da lei mosaica de uma
maneira mais dissecada do que o judaísmo farisaico (e.g. sobre Êxodo
16:29),21 mas as suas interpretações das Escrituras proféticas (e.g.
Habacuque) mostram que ignoravam completamente o contexto histórico
e literário das profecias do Velho Testamento. Interpretavam as
passagens proféticas como estando exclusivamente preocupadas com o
período em que viviam como sendo o tempo do fim e a sua própria seita
como o remanescente fiel de Israel.22 A convicção dos essênios de serem
possuidores do único discernimento verdadeiro das Escrituras foi
construída sobre a implícita confiança na direção divina do "Mestre da
Justiça", o fundador da comunidade de Qumran. Deus havia revelado
inquestionavelmente para ele o verdadeiro significado das profecias, a
O Israel de Deus na Profecia
31
chave para desvendar todos os seus mistérios e a pedra de toque para
todas as aplicações da crise iminente. Por isso, a seita de Qumran
identificou inteiramente as interpretações das Escrituras feitas por seu
mestre "justo" com a revelação divina e tomava as suas palavras
específicas como norma absoluta de interpretação. 23 Essa forma de
apocalipsismo com suas reivindicações exclusivas de significado
"literal" das profecias e sua negligência da exegese histórico-gramatical
foi realmente apenas uma forma de literalismo especulativo, uma
caricatura da interpretação literal genuína. É desnecessário afirmar que
sua esperança desorientada terminou em um desapontamento catastrófico
para os seus seguidores. Qumran começou literalmente de um ponto de
partida errado, ou seja, mais interessada na aplicação da palavra
profética do que no significado original do texto bíblico. Sua exegese
levou os crentes a aceitarem incondicionalmente as reivindicações de um
mestre carismático contemporâneo como a norma superior de
interpretação das Escrituras.
A Chave para o Velho Testamento: Cristo no Novo Testamento
Deus mesmo é o Intérprete de Sua Palavra, isto é, as palavras das
Escrituras recebem o seu significado e a sua mensagem do próprio Autor
divino e devem estar constantemente relacionadas com Sua vontade
dinâmica e progressiva, a fim de que possamos ouvir o desdobramento
feito por Ele da interpretação de Suas promessas iniciais através de um
"assim diz o Senhor".
Promessas concernentes a Israel como um povo, relacionadas à
dinastia, à terra, à cidade e aos montes não são auto-abrangentes,
isoladas por causa de Israel, mas são partes integrantes do plano de
salvação progressivo de Deus para o mundo e a raça humana. O Velho
Testamento revela esse plano universal que pode ser detectado por uma
abordagem diacrônica, longitudinal que presta atenção à seqüência
cronológica das mensagens proféticas do Velho Testamento.
O Israel de Deus na Profecia
32
Em nossos dias, Walter C. Kaiser Jr., conduziu uma pesquisa
indutiva do Velho Testamento em seu livro erudito Toward an Old
Testament Theology (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1978). Concluiu
que o centro focal do Velho Testamento como uma unidade orgânica é a
promessa de Deus em abençoar todos os povos através da semente de
Abraão, também sumarizada na fórmula tripartida: "Eu serei o Teu Deus
e tu serás o Meu povo, e Eu habitarei contigo" (pp. 12, 32-35). Este
plano de Deus inclusivo e singular, esta promessa, é o cerne fixo na
revelação progressiva de todos os concertos de Israel. Ele não é
claramente uma "vara divina abstrata" imposta aos textos do Velho
Testamento, mas provê "seu próprio padrão para um modelo permanente
e normativo pelo qual julgar aquele dia e todos os outros dias por uma
régua que reivindica ter sido estabelecida para o escritor da Bíblia e
todos os subseqüentes leitores simultaneamente" (p. 14).
Kaiser mostra que a promessa messiânica é o foco central de todo
concerto de Deus com o homem desde o começo. Essa promessa se
relaciona com as predições divinas do Velho Testamento. Os escritores
do Novo Testamento reconhecem a Cristo como o perfeito cumprimento
das promessas de Deus aos patriarcas e a Israel. Paulo sumaria a
totalidade da esperança messiânica em uma promessa definida:
E, agora, estou sendo julgado por causa da esperança da promessa
que por Deus foi feita a nossos pais, a qual as nossas doze tribos, servindo
a Deus fervorosamente de noite e de dia, almejam alcançar; é no tocante a
esta esperança, ó rei, que eu sou acusado pelos judeus (Atos 26:6-7).
Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais,
como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus
(Atos 13:32-33).
E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros
segundo a promessa (Gálatas 3:29).
O Israel de Deus na Profecia
33
Cristo é o alvo da missão de Abraão e de Israel. Veio para redimir o
mundo e a raça humana como um todo. A salvação vem dos judeus, mas
não para os judeus apenas.
Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé
em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem (Gálatas 3:22).
O Novo Testamento enfatiza a verdade de que Deus cumpriu a
promessa Abraãmica em Jesus de Nazaré e renovou o Seu concerto com
Israel através de Jesus Cristo por uma "superior afiança'' (Hebreus 7:22),
introduzindo uma "esperança superior" (Hebreus 7:19) para todos
israelitas e gentios crentes em Cristo (Hebreus 8).
Assim, o Novo Testamento testifica de um cumprimento básico das
promessas do Velho no Messias Jesus. Nas palavras do apóstolo Paulo,
"Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o 'sim' " (2
Coríntios 1:20). Para ele, cada interpretação que se centraliza no Israel
nacional, nas promessas terrenas e políticas do concerto, falha em
compreender o sentido real e o centro teológico da promessa divina.
Sem reconhecer a Jesus Cristo como a Chave, a Raiz e o Centro de
todos os concertos de Deus com Israel (Apocalipse 22:16), qualquer
compreensão "literal" dos antigos concertos do Senhor com Seu antigo
povo, se constituiria em apenas uma dramática incompreensão e as
reivindicações às bênçãos prometidas, uma presunção. "Mas até hoje,
quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando,
porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado" (2
Coríntios 3:15-16).
Sem Cristo ou o Espírito, as aplicações do concerto de Israel apenas
endurecem o coração. "A letra mata, mas o espírito vivifica" (2 Coríntios
3:6). Apenas quando os judeus aceitam a mensagem do Novo
Testamento de que Jesus é o Messias da profecia e O recebem de todo o
coração como Senhor e Salvador, o véu escuro é removido das letras do
Velho Testamento e eles são capazes de compreender o verdadeiro
significado literal das Escrituras e a intenção original do Velho
O Israel de Deus na Profecia
34
Testamento. Por isso, é necessário fazer uma distinção fundamental entre
uma interpretação literal genuína e o literalismo ou letrismo. A chave
para o Velho Testamento não é um método ou princípio racionalista, seja
literal ou alegórico, mas Cristo Jesus, o Filho de Deus, como revelado no
Novo Testamento.
O intérprete cristão do Velho Testamento é, de uma vez por todas,
obrigado a ler as Escrituras hebraicas à luz do Novo Testamento como
um todo, porque o Velho é aí interpretado autorizadamente, como a
contínua história da salvação, sob a inspiração divina.
O cristianismo histórico sempre confessou que o Novo Testamento
é o alvo e o cumprimento do Velho.24 G. E. Ladd representa a posição de
gerações da Igreja quando afirma: "Nosso ponto de partida deve ser a
maneira como o Novo Testamento interpreta o Velho''.25 F. F. Bruce
declara mais especificamente: "O uso que Nosso Senhor faz do Velho
Testamento bem pode servir como modelo e padrão na interpretação
bíblica e os cristãos ainda podem relembrar que a obra presente do
Espírito Santo é abrir-lhes as Escrituras assim como o Cristo ressurreto
fez aos discípulos no caminho de Emaús".26
The Ecumenical Study Conference (A Conferência Ecumênica de
Estudo), ocorrida em Oxford, Inglaterra em 1949, aceitou como
"Princípios Normativos para a Interpretação da Bíblia", entre outras, a
seguinte pressuposição teológica necessária:
Concorda-se que a unidade do Velho e do Novo Testamento não deve
ser encontrada em qualquer desenvolvimento naturalístico ou em qualquer
identidade estática, mas na continua atividade redentiva de Deus na história
de um povo, alcançando o seu cumprimento em Cristo.
Conseqüentemente, é de importância decisiva para o método
hermenêutico de interpretar o Velho Testamento á luz da revelação total na
pessoa de Jesus Cristo, a palavra de Deus encarnada, do qual ascende a fé
plena trinitariana da Igreja.27
O Israel de Deus na Profecia
35
E em relação à interpretação teológica de uma passagem, depois
que a exegese gramatical e histórica for completada:
Concorda-se que no caso de uma passagem do Velho Testamento, ela
deve ser examinada e exposta em relação à revelação de Deus para Israel,
tanto antes quando depois de seu próprio período. Em seguida, o intérprete
deveria voltar-se para o Novo Testamento, a fim de ver a passagem na
perspectiva deste. Procedendo dessa forma, a passagem do Velho
Testamento pode receber limitações e correções, e também ainda desvelar,
à luz do Novo Testamento, um novo e mais profundo significado,
desconhecido ao escritor original.
Concorda-se que no caso de passagem do Novo Testamento, ela
deveria ser examinada à luz de seu cenário e contexto. Em seguida, volta-se
para o Velho Testamento para descobrir o seu background na revelação
primária de Deus. Ao voltar-se mais uma vez para o Novo Testamento, o
intérprete será capaz de ver e expor a passagem à luz do escopo total da
Heielgeschichte (História da Salvação). Aqui, o nosso entendimento da
passagem do Novo Testamento pode ser aprofundado através de nossa
compreensão do Velho.28
Referências Bibliográficas:
1. Lewis S. Chafer, "Dispensacionalism," BSac. 93 (1936):448.
2. Daniel P. Fuller, "The Hermeneutics of Dispensacionalism"
(dissertation, Northern Baptist Theological Seminary, Chicago, Ill., 1957), p.
25.
3. Chafer, "Dispensacionalism," pp. 406-407.
4. John F. Walvoord, The Revelation of Jesus Christ (Chicago: Moody
Press, 1967), p. 103.
5. Charles C. Ryrie, Dispensacionalism Today, (Chicago: Moody Press,
1965), p. 97.
6. Idem, p. 96.
7. Ibid., p. 158.
8. Ibid.
9. Ibid., p. 104.
O Israel de Deus na Profecia
36
10. Ryrie (ibid., p. 88) afirma: "Que controle haveria sobre a variedade
de interpretações que a imaginação do homem pode produzir se não
houvesse um padrão objetivo provido pelo princípio literal?"
11. Ibid., 94.
12. O objetivo do Sionismo é criar para o povo judeu um lar na
Palestina garantido pela lei pública (o programa de Basel para o Mundo
Judaico, 1897). A "Proclamação de Independência" do Estado de Israel
(1948) declara que a Assembléia Nacional dos Judeus Palestinos e o
Movimento Sionista Mundial, juntos apelam para "os dons naturais e
históricos do povo judeu" para a Palestina como sua terra natal e se referem
à sua "grande luta" para o cumprimento do sonho de gerações pela
redenção de Israel." Ver F. H. Epp, Whose Land is Palestine? (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co.., 1974), pp. 117, 191, 192.
13. Ver S. Mowinckel, He That Cometh (Nashville, Tenn.: Abingdon
Press, 1954), capítulo 9, "The National Messiah."
14. G. E. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom of God (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1961), p. 115. Ladd mostra que
nem mesmo o Messias moribundo de IV Esdras 7:27-31 tem um propósito
vicário. Também G. Scholem, The Messianic Idea in Judaism (New York:
Schockn Books, 1974), pp. 17-18.
15. Ver o excelente tratado "Kingdom of God" de G. E. Ladd em
Baker's Dictionary of Theology, ed. E. F. Harrison (Grand Rapids. Mich.:
Baker Book House, 1973). E também seu, "Theology of the New Testament"
(Grand Rapids.: Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1974), capítulo 4.
16. T. W. Manson, The Servant Messiah (Grand Rapids, Mich.: Baker
Bock House, 1977: reimpressão da edição de 1953), capítulo 1, referindo-se
especialmente à natureza da esperança messiânica nos Psalms of Salomon
(8 e 17).
17. Ibid., p. 36, nota 3.
18. Ladd. Crucial Questions About the Kingdom of God, p. 117.
19. Ver R. Longenecker, Biblical Exegesis in Apostolic Period (Grand
Rapids.: Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1977), capítulo 1, "Jewish
Hermeneutics in the First Century," para alguns exemplos de
"hiperliteralismo". A interpretação literalista "foi considerada básica para
todos os desenvolvimentos exegéticos" (p. 29). Cf. também Ramm,
Protestant Biblical Interpretation, p. 45-48, que conclui: "Há uma lição maior
a ser aprendida da exegese rabínica: o mal do letrismo. Na exaltação da
O Israel de Deus na Profecia
37
própria letra da Escritura o seu verdadeiro significado era perdido" (p. 48).
Cf. G. F. Moore, Judaism (Cambridge: Harvard University Press, 1932), vol.
1, p. 248.
20. Ver G. F. Hasel, "The Problem of the Center in the OT Theology
Debate," 2AV 86 (1974): 65-82.
21. A interpretação literal extremada de Êxodo 16:29 aparece no
relatório de Flávio Josefo de que no sábado os essênios se recusavam até
mesmo a "remover qualquer vaso do seu lugar, ou ir ao banheiro" (War II, 8,
9 [Josephus, Complete Works., trad. W. Whiston (Grand Rapids, Mich.:
Kregel Publ., 1966]).
22. Ver F. F Bruce, Biblical Exegesis in the Qumran Texts (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1959), pp. 9f., 15-17.
23. See H. K. LaRondelle, Perfection and Perfectionism, Andrews
University Monographs, Studies in Religion, Vol. 3, 3d ed. (Berrien Springs,
Mich. : Andrews University Press, 1979), pp. 272-275.
24. Para a confissão Católica Romana mais recente da unidade
progressiva de ambos os Testamentos, ver The Documents of Vatican II, W.
M. Abbot e J. Gallagher, eds. (New York: Guild Press, 1966), capítulo 4,
seção 16, "Dogmatic Constitution on Divine Revelation."
25. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom of God, p. 139. Ver
também, The Last Things (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co.,
1978), pp. 18, 19.
26. F. F. Bruce em Baker's Dictionary of Theology (1973), p. 293.
27. In G. Ernest Wright, "The Problem of Archaizing Ourselves",
Interpretation 3 (1949): 457f.
28. In Wright, "The Problem of Archaizing Ourselves", Interpretation 3
(1949): 458.
O Israel de Deus na Profecia
38
A INTERPRETAÇÃO LITERAL E A ALEGÓRICA
Necessitamos definir tão precisamente quanto possível o que
pretendemos dizer com os termos teológicos que empregamos Tais
vocábulos como "literalismo", "alegorismo", "literal" e "tipológico", não
são usados no mesmo sentido por todos os grupos. E isso causa confusão
na comunicação de idéias.
A Interpretação literal
Primeiramente, o que se pretende afirmar com as expressões:
interpretação "literal" e "literalismo"? O dispensacionalismo as define
como "atribuir à linguagem o seu significado razoável e gramatical" ou
"a forma natural, literal e gramatical, implicadas nas predições"
(Chaferl); como "o significado literal, normal ou claro" (Ryrie2); o
"significado primário, ordinário, normal e literal" (D. Cooper como
citado e aceito por Hal Lindsey3),
Há aqui, contudo, uma suposição secreta subentendida que tem
valor axiomático e fundamental para o dispensacionalismo: que a
exegese literal de uma profecia do Velho Testamento "demanda" um
cumprimento idêntico ou absolutamente literal. J. D. Pentecost declara:
"De acordo com princípios estabelecidos de interpretação, o concerto
davídico demanda um cumprimento literal. Isso significa que Cristo deve
reinar para sempre no trono e sobre o povo de Davi na Terra."4 Tal
O Israel de Deus na Profecia
39
conclusão seria válida apenas se o Velho Testamento fosse interpretado
por si mesmo, separado do Novo.
Não obstante, o intérprete cristão é obrigado, por sua fé em Cristo, a
reconhecer o Novo Testamento como a interpretação autorizada das
promessas do Velho. Até aqui observamos que o escopo da interpretação
profética da Bíblia para o cristão é mais amplo do que a tarefa de fazer
exegese no Velho Testamento. Isso também inclui, o estudo da unidade
essencial de toda a Bíblia e os padrões de promessa e cumprimento no
inter-relacionamento dos dois Testamentos.
O erudito evangélico B. Ramm chama o termo "literalismo" de
ambíguo, porque para alguns ele se afigura negativamente como
"letrismo". Por isso, distingue literalismo de interpretação "literal" ao
extrair a expressão "literal" de seu dicionário (Webster's), como sendo "a
designação socialmente reconhecida, costumeira e usual" das palavras.5
Ele chama o método literal de "histórico-gramatical" ou "filosófico". Seu
objetivo é apenas exegese, "descobrir o significado original e a intenção
do texto"6 à luz da situação na qual ele foi primeiramente escrito sem
incluir o campo de aplicação e cumprimento. Esta distinção entre
exegese e aplicação é crucial, pois elas não são, necessária e inteiramente
idênticas.
As palavras das Escrituras não devem ser um fim em si mesmas,
mas ao invés disso, servir como instrumento para transmitir um sentido
ou uma mensagem. Palavras e significados nem sempre são sinônimos,
como está claro nas figuras de linguagem ou na linguagem simbólica.
Por isso, o ponto essencial é "extrair literalmente o significado da
Bíblia. Nossa consciência dor ser cativada pela Palavra de Deus!...
Portanto, é o significado dessa Palavra que devemos procurar"7
A interpretação literal ou normal reconhece o simbolismo poético
em sua tentativa "de atribuir à Escritura o seu significado original,
divinamente intencionado", aquilo "que Deus queria que a passagem
designasse no período em que foi escrita".8 A interpretação literal ou
filosófica não fará justiça à peça de literatura como uma coisa habitual,
O Israel de Deus na Profecia
40
mas a exegese literal sempre deve ser o ponto de partida necessário tanto
na literatura extrabíblica quanto bíblica. Todos os significados
secundários de documentos, como figuras de linguagem, alegorias, tipos,
parábolas, etc., encontram o seu controle básico e o seu sentido na
camada literal da linguagem. A interpretação literal reconhecerá a
natureza peculiar de cada gênero ou tipo de literatura com a qual ela lida.
Ramm compreende a interpretação "literal" das Escrituras como o
posicionamento de forma independente entre os extremos do literalismo
(ou letrismo) e o alegorismo (um método alegórico não controlado). Ele
não aceita a pressuposição dispensacionalista de que a interpretação
literal das predições do Velho Testamento também demanda um
cumprimento literal. Explica: "Em nosso uso da palavra literal temos em
mente literal no sentido filosófico".9
Nesse respeito, não há diferença entre os evangélicos
dispensacionalistas e os da reforma. "A questão central na interpretação
profética entre os evangélicos é esta: A literatura profética pode ser
interpretada pelo método geral de exegese gramatical ou é necessário um
princípio especial?10 Este princípio especial tem sido normalmente
chamado pelos evangélicos da reforma de "interpretação teológica".
Esses eruditos afirmam que é absolutamente necessário
complementar as habituais interpretações gramatical e histórica com uma
terceira (interpretação teológica), a fim de manter a unidade teológica e
a dimensão espiritual de ambos os Testamentos. L. Berkhof chama esta
dimensão teológica de "o sentido mais profundo da Escritura"11 que não
é um segundo sentido adicionado ao significado gramatical, mas é o
sentido próprio da Bíblia. Ele afirma:
O verdadeiro significado das Escrituras nem sempre repousa na
superfície. Não há verdade na alegação de que a intenção dos autores
secundários [Deus sendo o autor primário], determinado pelo método
gramático-histórico, sempre exaure o sentido da Escritura, e represente em
toda a sua plenitude o significado pretendido pelo Espírito Santo.12
O Israel de Deus na Profecia
41
Outros eruditos bíblicos também enfatizam que uma "exegese que
não alcança a teologia do texto é incompleta"13 e mesmo os profetas de
Israel tentaram esquadrinhar as suas predições (1 Pedro 1:10, 11),
compelidos a confessar ignorância sobre as suas próprias visões (Daniel
8:27; Zacarias 4:13) ou palavras (Daniel 12:8).14 Isto é, a exegese
gramático-histórica não é suficiente para a interpretação das Sagradas
Escrituras. A exegese teológica também é necessária.15
Seja como for, o dispensacionalismo rejeita categoricamente esse
princípio "teológico" da hermenêutica, porque este permitiria uma
combinação entre Israel e a Igreja, empregando uma aplicação não literal
ao lado da exegese literal dos escritos proféticos do Velho Testamento.
Contudo, precisamos considerar o fato de "que a identidade da frase [nas
citações feitas pelo NT das profecias do VT] não implica
necessariamente absoluta correspondência de significado''.16
O dispensacionalismo não quer negar a unidade das Escrituras, mas
começa de outra pressuposição. Não o Plano da Salvação, mas "a glória
de Deus é o princípio governante e o propósito global''. 17 Sobre a base da
primazia desse princípio doxológico, como seus propósitos divididos
para Israel e a Igreja, os dispensacionalistas acusam todos os outros
evangélicos de um "erro redutivo" (Walvoord) e de comprometer o
princípio do literalismo, especialmente nos domínios da interpretação
profética.
C. I. Scofield afirmou inequivocamente que as seções proféticas
específicas da Escritura devem ser interpretadas e aplicadas com
absoluto literalismo: "As profecias jamais podem ser espiritualizadas,
mas são sempre literais".18 Tal literalismo absoluto na interpretação
profética, não obstante, leva irrevogavelmente a uma interpretação
forçada. Não apenas Israel deve ser restaurado como uma nação
teocrática, mas também Edom, Moabe e Amon o serão como nações,
porque a predição diz assim: "Eles [os israelitas] se infiltrarão pelas
encostas da Filístia, a oeste; juntos saquearão o povo do leste. Porão as
mãos sobre Edom e Moabe, e os amonitas lhes estarão sujeitos" (Isaías
O Israel de Deus na Profecia
42
11:14, NVI). Esse literalismo consistente não pode ser injustamente
chamado de "a insanidade do literalismo".19
A posição cristã histórica reconhece que a exegese literal da
Escritura veterotestamentária permite a aplicação tipológica como
empregada por Cristo e Seus apóstolos no Novo Testamento. Ela admite
que o Velho Testamento é "um livro cristão".20
O literalismo dispensacionalista não permite que Jesus providencie
uma nova perspectiva para interpretar o Velho Testamento, por essa
razão, ele é orientado basicamente para o Velho Concerto ao invés da
cruz.21
A Interpretação Alegórica
Em relação aos termos "alegoria", "alegorismo" e "alegórico", não
observamos nenhuma compreensão uniforme no seu uso entre os
intérpretes cristãos. Prevalece um acordo geral na definição de alegoria
como uma forma mais extensiva de uma metáfora ou de uma figura de
linguagem. A alegoria é uma história que contém vários pontos de
comparação. Conta a verdade em termos de narrativa. Alguns exemplos
bíblicos são: A alegoria da velha geração sob a figura de uma casa se
deteriorando em Eclesiastes 12:37; de Israel como uma vinha trazida do
Egito em Salmo 80:8-15; dos falsos profetas em Israel que construíam
muros frágeis em Êxodo 13:8-16.22
Cristo usou alegorias em Suas parábolas do bom samaritano em
João 10:1-16 e da vinha em João 15:1-8. Paulo escreve uma profunda
alegoria a respeito da armadura do cristão em Efésios 6:11:17. Todas
essas tencionam ser alegorias e reconhecidas como tais como uma
maneira legítima de ensinar a verdade.
Seria uma situação diferente se um intérprete alegorizasse uma
narrativa claramente histórica na Bíblia. Tal alegorização transformaria a
narrativa bíblica em um trampolim para ensinar uma idéia diferente
daquela pretendida pelo escritor bíblico.
O Israel de Deus na Profecia
43
Quando uma interpretação alegórica arbitrariamente converte uma
narrativa histórica em ensino de uma verdade espiritual ou teológica,
essa alegorização especulativa é negativamente denominada
"alegorismo". Impõe um significado ao texto bíblico que ele realmente
não tem. Ela é adicionada ao texto pelo intérprete apenas com o
propósito de edificação e para encontrar verdades espirituais e sentidos
mais profundos.
A alegorização foi um método muito popular entre os expositores
judeus (especialmente Filo), entre os pais da Igreja Cristã primitiva e os
teólogos escolásticos medievais.23 B. Ramm rejeita essas alegorizações
porque elas assumem um "significado plural da Escritura. A unidade de
sentido da Escritura elimina toda sua alegorização antiga e moderna".24
Entretanto, Paulo usa uma aplicação alegórica quando lida com a
história de Sara e Agar de Gênesis 21 em Gálatas 4:24-31, a fim de
"ampliar para os seus leitores o contraste entre a escravidão e a
liberdade".25 Ele realmente declara em Gálatas 4:24 que interpreta a
narrativa do Gênesis alegoricamente, isto é, "figurativamente" (NIV).
Em 1 Coríntios 9:9, ele faz uma interpretação alegórica de um texto legal
em Deuteronômio 25:4.
Mesmo reconhecendo que esse procedimento é raro no Novo
Testamento, ele nos impede de condenar cada interpretação alegórica de
uma narrativa histórica ou de um texto legal. Paulo declara que neste
caso ele faz uma aplicação alegórica edificada sobre a verdade histórica
de uma narrativa particular em Gênesis e não em lugar dela. A
interpretação alegórica como tal não pode ser descrita como "antihistórica em caráter".26 Ela não deveria ser definida pelas suas aberrações
em Filo, mas ao invés disso, pela sua alegorização homogênea que
permanece em harmonia básica com as doutrinas gerais cristãs.
A crítica do método alegórico deveria, por essa razão, concentrar-se
em seu mau uso, que tem perdido o respeito pela realidade histórica e a
forma dos textos originais.27 Se a alegorização for definida como "a
interpretação de um texto em termos de algo mais, sem levar em
O Israel de Deus na Profecia
44
28
consideração o que esse algo mais representa" , não haverá norma ou
padrão pelo qual se possa determinar o que constitui uma
espiritualização legítima ou ilegítima. Contudo, um erudito argumentou
que a interpretação alegórica válida deve repousar em "uma analogia
genuína" entre o significado original e a aplicação feita. 29 Tal
alegorização pressupõe a unidade e a continuidade da revelação bíblica.
Em outras palavras, na alegorização falsa não há relacionamento
dependente, nem base analógica, nenhuma harmonia existente entre o
texto e o seu "algo mais" místico com o qual ele está relacionado.
A alegorização de Filo e a rabínica eram ilegítimas porque
relacionavam o texto sagrado à tradição oral dos pais. Jesus condenou
essa alegorização quando disse aos líderes religiosos de Seus dias que
eles haviam anulado a Palavra de Deus pelas suas próprias tradições
(Mateus 15:6). Da mesma forma, a alegorização patrística e medieval das
Escrituras eram ilegítimas, pois não estabeleciam um relacionamento
dependente entre o texto bíblico e a tradição católica romana.
Essa foi a razão pela qual Lutero e Calvino explicitamente
rejeitaram o método de alegorização como princípio de interpretação das
Escrituras. Os reformadores partiam do pressuposto de que o Velho e o
Novo Testamentos estão organicamente relacionados um ao outro. A
despeito das diferenças na forma de administrar a graça de Deus, os dois
Testamentos são substancialmente os mesmos. Ambos ensinam a
redenção pelo mesmo Mediador e Redentor, ambos têm uma esperança e
uma filiação com o mesmo concerto, sumariado nas palavras: "E eu serei
o teu Deus e tu serás o meu povo."
Por causa dessa unidade fundamental em Cristo e dessa
correspondência ou analogia teológica, é legítimo interpretar o Velho em
termos de Novo. Alguns, contudo, se recusam a fazer distinção entre
uma interpretação alegórica que é homogênea com a totalidade das
Escrituras e uma interpretação tipológica. Por isso, parece mais correto
concluir que a alegorização incidental de Paulo "repousa em uma
estrutura tipológica e não é alegoria no sentido usual judaico ou
O Israel de Deus na Profecia
45
30
helênico". Na alegorização de Paulo da história de Sara e Agar (de
Gênesis 21) em Gálatas 4:24-31, ele enfatiza o significado teológico que
é comum – a base analógica – tanto da história do Velho Testamento e da
situação histórica de Jerusalém (Judaísmo) presente, quanto da Igreja.
O que o dispensacionalismo ensina em relação à interpretação
alegórica? Ele acusa os não dispensacionalistas de alegorização ou
espiritualização quando se fala em interpretação de profecia e,
conseqüentemente, de inconsistência no uso que faz da interpretação
literal. Ryrie assevera, "Os dispensacionalistas reivindicam aplicar o seu
princípio literal à toda a Escritura, incluindo à profecia, enquanto os não
dispensacionalistas não o aplicam à profecia".31
É realmente verdade que o dispensacionalismo aplica
consistentemente o seu princípio de literalismo "à toda a Escritura"? As
anotações da Scofield Reference Bible freqüentemente aplicam a
interpretação alegórica (figurativa) e a tipológica às narrativas do Velho
Testamento. Os exemplos seguintes são encontrados na New Scofield
Reference Bible (1967). O livro inteiro de Cantares de Salomão (ou
Cântico dos Cânticos) tem uma interpretação tripla: (1) do amor de
Salomão pela Sulamita; (2) "como uma revelação figurativa do amor de
Deus pelo Seu povo do concerto, Israel, a esposa do Senhor (Is. 54:5-6;
Jr 2:2...)"; (3) "como uma alegoria do amor de Cristo por Sua noiva
celestial, a Igreja (2 Cor 11:1-2; Ef. 5:25-32)" (P. 705; ênfase
acrescentada).
Aqui, o dispensacionalismo oficial e explicitamente adota o
princípio da alegorização de uma narrativa do Velho Testamento, mesmo
de um livro inteiro. Como justificativa para essa alegorização em grande
escala de oito capítulos do Cântico dos Cânticos, ele afirma que o amor
do Noivo divino, "simbolizado aqui pelo amor de Salomão", segue "a
analogia do relacionamento matrimonial" (p. 705; ênfase acrescentada).
Dessa forma, o dispensacionalismo adota uma interpretação
alegórica ou espiritualizada de todo livro histórico do Velho Testamento
na base de uma dupla analogia: (1) A analogia do concerto conjugal e a
O Israel de Deus na Profecia
46
do concerto de Deus com Israel. (2) A analogia do concerto de Deus com
Israel e a do amor de Cristo por Sua Igreja. Essa é uma dupla
alegorização de uma história de amor: primeiro, em relação a Israel;
segundo, em relação à Igreja de Cristo. As referências bíblicas
apresentadas sustentam essa interpretação alegórica dupla como uma
hermenêutica legítima.
Porém, isso significa a aceitação de uma analogia teológica básica
entre a velha e a nova dispensação, o velho e o novo concertos, o Velho
e o Novo Testamentos. Portanto, essa correspondência dupla é
teologicamente não heterogênea ou dissimilar, mas homogênea ou
similar uma a outra.
A Scofield Reference Bible também interpreta outras passagens do
Velho Testamento alegoricamente. O cordão escarlate que Raabe
amarrou na janela de sua casa em Jericó (Josué 2:21) é aplicada
alegoricamente por causa de sua cor vermelha "da segurança através do
sacrifício (Heb 9:19-22)" (p. 261). Muitos intérpretes rejeitam esse
alegorismo como uma espiritualização ilegítima. A passagem de Israel
através do rio Jordão (em Josué 3) é vista como "uma figura de nossa
morte em Cristo (Rom 6:3-4, 6-11)" (p. 261).
A narrativa de José em Gênesis 37-45 é alegorizada por causa das
"muitas analogias" entre a sua história e a de Cristo, com a conclusão de
"que José era um tipo de Cristo" (p. 53). Por isso, Asenate, a esposa
egípcia de José, "retrata a Igreja'' (p. 59, sobre Gênesis 41:45). A esposa
de Isaque, Rebeca é considerada "um tipo da Igreja" (p. 34).
No livro de Rute, Boaz "aponta para Cristo; Rute retrata aqueles
que entram em uma nova vida através da confiança Nele" (p. 317). Eva,
a quem Adão chamou "Mulher", para indicar que esta fora tomada "do
homem" (Gênesis 2:23), recebe a seguinte interpretação: A mulher é um
tipo da Igreja, a noiva de Cristo (Ef 5:25-32)" (p. 6).
Torna-se bem claro que o dispensacionalismo constantemente
reconhece tipos cristológicos, eclesiológicos e analogias nas narrativas
veterotestamentárias, com um apelo à confirmação do Novo
O Israel de Deus na Profecia
47
32
Testamento. É altamente notável a aceitação do princípio cristológicoeclesiológjco de tipologia e alegorização para a interpretação do Velho
Testamento, enquanto o seu próprio axioma dogmático declara que Israel
e a igreja são basicamente dissimilares e incongruentes um ao outro. Por
isso, considera a Igreja meramente como um ínterim, um fenômeno que
não foi visto e intencionado pelo Velho Testamento.
O dispensacionalismo tenta harmonizar esta aparente inconsistência
de princípios opostos – que a Igreja de Cristo não é predita no Velho
Testamento, enquanto, não obstante seja ali prefigurada – pelo artifício
da divisão das Escrituras em duas seções separadas que requerem dois
princípios diferentes de interpretação: a História e a Profecia dentro do
Velho Testamento.
A história de Israel deve ser interpretada tipológica e
alegoricamente na visão de Cristo e da Igreja, e a profecia de Israel deve
ser interpretada exclusivamente por um literalismo que se recusa a
reconhecer qualquer tipo ou figura da Igreja. Enquanto os
dispensacionalistas se ufanam de seu literalismo, provam ser
contraditórios.33
O dispensacionalismo opera basicamente com dois cânones
diferentes para interpretar o Velho Testamento: o princípio cristológicoeclesiológjco sobre a base da autoridade do Novo Testamento para a
parte histórica, e o princípio do literalismo para as partes proféticas, que
fundamentalmente nega o cumprimento cristológico-eclesiológjco.
O que motiva essa hermenêutica dispensacionalista contraditória e
duplamente conflitante do Velho Testamento? Qual a base para este
(autoridade desafiadora do Novo Testamento) literalismo em relação à
profecia de Israel? É a visão peculiar dispensacionalista da revelação e
inspiração da profecia de Israel: "a profecia é a História pré-escrita"34, ou
nas palavras de C. I. Scofield, "As Escrituras históricas têm um
significado alegórico ou espiritual... [nos escritos proféticos] nós
alcançamos a base do absolutamente literal".35
O Israel de Deus na Profecia
48
Aqui, enfrentamos a franca admissão de que o princípio do
literalismo não é aplicado coerentemente "à toda a Escritura" pelo
dispensacionalismo, como Ryrie declarou, mas apenas a uma parte
selecionada: a profecia. Qual a justificativa dessa mudança para o literal
absoluto nos domínios do cumprimento de cada palavra profética do
Velho Testamento? O uso dessa hermenêutica dupla é ensinado no Novo
Testamento?
O dispensacionalismo aceita o relacionamento teológico e
dependente entre a História de Israel do Velho Testamento (pessoas,
eventos redentivos, etc., como tipos da Igreja) e a Igreja de Cristo,
embora rejeite esse relacionamento dependente entre a profecia de Israel
e a Igreja. A alegação é feita, "O Concerto davídico demanda um
cumprimento literal. Isto significa que Cristo deve reinar sobre o povo e
no trono de Davi aqui na Terra para sempre".36
A aplicação do concerto de Davi ao presente reino messiânico de
Cristo sobre a Igreja a partir do Seu trono de graça celestial (cf. Atos
2:30-36; 1 Coríntios 15:25; Efésios 1:20-23) é rejeitada pelo
dispensacionalismo como uma alegorização ou uma hermenêutica errada
da interpretação profética. Para os livros históricos e poéticos do Velho
Testamento o método alegórico e tipológico é adequado porque há uma
base analógica. Mas, para a interpretação profética, esse método do
Novo Testamento é amplamente rejeitado pois, supostamente não há
qualquer base analógica entre Israel e a Igreja.
O dispensacionalismo não pode admitir um relacionamento
dependente entre a profecia e a Igreja Cristã. As conseqüências do
literalismo dispensacionalista podem ser sumariadas como segue:
Resumidamente, as palavras de Paulo devem ser interpretadas de tal
maneira que não conflitem com as esperanças e reivindicações dos
Sionistas! A gloriosa era presente de pregação do Evangelho da graça de
Deus a toda a criatura deve ser considerada como uma mera interrupção
temporal no programa do Velho Testamento para a glorificação de Israel.37
O Israel de Deus na Profecia
49
Daí a pergunta: O Novo Testamento usa o método cristológico
tipológico apenas para as partes históricas do Velho Testamento e muda
para o método de "absoluto literalismo" para as seções proféticas deste?
Como o Novo Testamento interpreta as perspectivas proféticas dos
concertos abraâmico, mosaico e davídico? Apenas quando essas
perguntas forem corretamente respondidas se poderá adquirir o "padrão
objetivo" a fim de julgar se a hermenêutica dupla dispensacionalista é
adequada ou especulativa, uma construção moderna que exalta o seu
cânon extrabíblico de interpretação acima da autoridade do Novo
Testamento. .
Sumariando, mantemos a validade dos princípios gramáticohistóricos e teológicos da exegese para toda a interpretação da Escritura.
Reconhecemos os princípios de revelação progressiva, especificamente
entre os profetas do Velho Testamento e as testemunhas de Jesus Cristo
do Novo (Hebreus 1:1-2; João 1:7-18).
Aceitamos a unidade essencial de ambos os Testamentos que
permite ao significado de qualquer parte da Escritura – incluindo a
profética – ser inteiramente determinado pela totalidade da Bíblia.
Essa hermenêutica clássica protestante conhecida como princípio da
Sola Scriptura, parece ser aceita como um axioma da fé por todos os
cristãos evangélicos conservadores.38
Referências Bibliográficas:
1. L. S. Chafer, Systematic Theology (Dallas: Dallas Seminary Press,
1947), vol. 4, pp. 259, 288.
2. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 96.
3. Hal Lindsey, The Late Great Planet Earth (New York: Bantam, 1973),
p. 40; citando David Cooper, When God's Armies Meet the Almighty in the Land
of Israel.
4. J. D. Pentecost, Things to Come (Findlay, Ohio: Dunham Pub. Co.,
1961, p. 112.
5. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, pp. 114, 119vv.
O Israel de Deus na Profecia
50
6. Ibid., p. 115.
7. R. H. Stein, The Method and Message of Jesus' Teachings
(Philadelphia: Westminster Press, 1978), p. 10.
8. J. Barton Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy (New York: Harper
and Row, 1973), p. 43.
9. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, p. 241.
10. Ibid., p. 244 (Itálicos de B. Ramm).
11. Ver discussão por L. Berkhof, Principles of Biblical Interpretation
(Grand Rapids, Mich.: Baker Bock House, 1964), capítulo 7, pp. 133-166. As
citações são da página 134.
12. Ibid., pp. 59, 60.
13. J. Bright, The Authority of the Old Testament Interpretation (Grand
Rapids, Mich.: Baker Book House, 1977), p. 171.
14. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 5; cf. p. 45.
15. F. F Bruce em Baker's Dictionary of Theology, p. 293.
16. R. B. Girdlestone, A Systematic Guide to Biblical Prophecy (Grand
Rapids, Mich.: Kregel, 1955), p. 87. Ver, por exemplo, o capítulo 7.
17. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 102.
18. Citado em C. B. Bass, Backgrounds to Dispensacionalism (Grand
Rapids, Mich.: Baker, 1977; reimpressão de 1960), p. 150.
19. A. B. Davidson, Old Testament Prophecy (Edinburgh: T. & T. Clarke,
1905), p. 476.
20. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, pp. li1, 223.
21. Ver Bass, Backgrounds to Dispensacionalism, p. 151.
22. Ver M. S. Terry, Biblical Hermeneutics (New York: Eaton & Mains,
1890), pp. 214vv.
23. Ver exemplos do rabi Aqiba que acreditava no princípio de que um
significado místico deveria ser encontrado em cada letra da Escritura, em F. W.
Fartar, History of Interpretation (New York: E. P. Dutton, 1886), pp. 71-77; sobre
a alegorização de Filo, ver pp. 139-152; sobre o Escolasticismo, pp. 266-274.
24. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, pp. l11, 123.
25. A. B. Michelson, Interpreting the Bible (Grand Rapids, Mich.: Wm. B.
Eerdmans Pub. Co., 1963), p. 231.
O Israel de Deus na Profecia
51
26. Ver J. Barr, Old and New in Interpretation (New York: Harper and
Row, 1966), pp. 103vv; argumenta que a interpretação alegórica não é
basicamente diferente da interpretação tipológica dentro do Novo Testamento.
Conferir também F. F. Bruce em Baker's Dictionary of Theology (1973), p. 293,
"Uma forma de alegorização é a interpretação tipológica..."
27. Barr, Old and New in Interpretation, pp. l15-117. Também C. H. Dodd,
The Bible Today (Cambridge University Press, 1946), p. 16. Também C. H.
Dodd, The Old Testament in the New (Philadelphia: Fortress Press, Facet Bocks
BS 3, 1971), pp. 5-8.
28. H. A. Wolfson, Philo, vol. l (Cambridge: Harvard University Press,
1947), p. 134.
29. P K. Jewet, "Concerning the Allegorical Interpretation of Scripture",
WTJ 17 (1954): 120. Citação da p. 13.
30. E. E. Ellis, The Pauline Use of the Old Testament (Grand Rapids, Mich.:
Wm. B. Eerdmans Pub. Co.,1957), p. 127; cf. pp. 5vv.
31. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 90.
32. Ver NSRB, p. 6, para a definição dispensacionalista de um tipo bíblico,
baseado na "explícita autoridade do NT."
33. Ver O. T. Allis, Prophecy and the Church (Philadelphia: Presbyterian
and Reformed Pub. Co., 1974; reimpressão de 1947), p. 21.
34. A. C. Gaebelein, The Prophet Daniel, pp. 1, 166; como citado em Allis,
Prophecy and the Church, p. 26.
35. Scofield Bible Correspondence Course (Chicago: Moody Bible
Institute), pp. 45-46, como citado em Bass, Backgrounds to Dispensacionalism,
p. 150.
36. Pentecost, Things to Come, p. l12. Ver, contudo, uma interpretação mais
bíblica em The Last Things, pp. 17-18 de G. E. Ladd.
37. Allis, Prophecy an the Church, p. 50.
38. E. g. B. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, p. 105, afirma: Toda
a Sagrada Escritura é o contexto e a guia para a compreensão das passagens
particulares da Bíblia." J. W. Wenham, Christ and the Bible (Downers Grove,
III.: Inter-Varsity Press, 1973), p. 10: "Tanto no caso da Bíblia quanto no
mundo da natureza, as partes devem ser compreendidas a partir do todo, não o
todo a partir das partes. Uma teologia criada por Deus demanda uma
O Israel de Deus na Profecia
52
metodologia centralizada Nele." C. C. Ryrie, The Basis of the Premilennial
Faith (Neptune, N. J.: Loiseaux Brothers, 1966), p. 37: "Ela [a analogia da fé na
Escritura] não apenas usa passagens paralelas, mas também regula a
interpretação de cada passagem em conformidade com o teor global da verdade
revelada... A aplicação desse princípio hermenêutico significa a harmonização
de toda a Bíblia." Quanto à posição Adventista do Sétimo Dia sobre a "sola
Scriptura", ver L. E. Froom, Movement of Destiny (Washington, D. C.: Review
and Herald Pub. Assn., 1971), capítulo 5.
A INTERPRETAÇÃO TIPOLÓGICA
A interpretação tipológica é distinta do método gramático-histórico
e da abordagem alegórica. Sua exegese focaliza exclusivamente um
período de tempo conforme o contexto da Escritura. Deve-se perguntar,
contudo, se o significado de um evento ou profecia veterotestamentária
pode ser determinado inteiramente pela situação histórica original. O
sentido de um simples evento, com freqüência, será completamente
entendido apenas à luz de suas conseqüências na história posterior.
Desde o princípio, a fé de Israel em Jeová como o Soberano Senhor
da História continha uma esperança fundamental para o futuro (Gênesis
3:15; 12:2-3). Essa esperança foi concentrada, não na exaltação nacional
e prosperidade material como tal, mas na expectante presença de Deus
em Glória entre Israel (Isaías 40:5) e em sua intervenção final para
restaurar o paraíso perdido para o seu povo e para toda a Terra (Isaías 2;
9; 11; 52; Salmo 2; 46; 48; 72).
A esperança de Israel foi construída sobre a promessa do reino
vindouro de Deus: "O teu Deus reina!" (Isaías 52:7). Entre todas as
nações do mundo oriental, apenas Israel desenvolveu uma escatologia,
uma esperança na qual Deus gradualmente desvelou Sua promessa,
corrigiu as falsas esperanças nacionais e constantemente transcendeu os
conceitos de Israel sobre o Seu reino, ao apontar um futuro cumprimento
O Israel de Deus na Profecia
53
que excederia a todas as expectações terrenas israelitas (Isaías 64:4; cf. l
Coríntios 2:9).1
Em sua adoração comum, Israel cantava de seu Deus como o
Salvador e a Esperança do mundo: "...ó Deus, Salvador nosso, esperança
de todos os confins da terra e dos mares longínquos'' (Salmo 65:5; cf.
Deuteronômio 7:9-10; Isaías 2:1-4).
Logo que Jesus de Nazaré nasceu e foi dedicado a Deus no templo
de Jerusalém, um certo Simeão, "que esperava a consolação de Israel",
tomou o bebê Jesus em seus braços e louvou ao Senhor:
Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua
palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste
diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do
teu povo de Israel. – Lucas 2:29-32
Os primeiros cristãos judeus acreditavam que Jesus era o Messias
da profecia, o alvo e cumprimento da promessa veterotestamentária. O
Novo Testamento é o fruto da convicção deles de que Deus havia
cumprido a Sua promessa em Cristo Jesus (2 Coríntios 1:20). A chegada
do Rei davídico e o derramamento do Espírito de Deus, como prometido
para os últimos dias pelos profetas (Joel 2:28 vv; Isaías 32:15; Zacarias
12:10), significava para os apóstolos que o fim da velha geração havia
chegado (1 Coríntios 10:11) e a era predita do reino messiânico ou "os
últimos dias", havia começado (Atos 2:16 vv).
Um profundo senso de unidade dramática da obra salvadora de
Deus por Israel no passado (o êxodo do Egito e a libertação de
Babilônia) e a ressurreição de Cristo, bem como o Seu reino presente, se
apoderaram dos apóstolos. Começaram a ler todo o Velho Testamento sob
uma nova luz – a do seu cumprimento em Jesus Cristo e em Seu Israel.
Para os cristãos primitivos, Cristo e Sua Igreja tornaram-se o
contexto histórico pleno do Velho Testamento! Através do Espírito de
Deus os olhos dos apóstolos foram abertos para compreenderem o
significado do ritual do santuário e os atos redentivos da história de
Israel, antes obscurecidos para eles.
O Israel de Deus na Profecia
54
Os escritores do Novo Testamento, sob inspiração divina,
expuseram surpreendentes correspondências entre os atos redentivos de
Deus no Velho Testamento e a salvação que haviam contemplado em
Jesus. O estudo dessas correspondências históricas é chamado de
tipologia cristã.
Uma definição válida do tipo bíblico pode ser vista na seguinte
descrição:
Um tipo é uma instituição, evento histórico ou pessoa estabelecida por
Deus e que efetivamente prefigura alguma verdade ligada com o
Cristianismo.2
Essa definição teológica traça uma clara linha de demarcação entre
a tipologia e a alegoria. Os tipos bíblicos não são ficção, mas reais e
significativos na história da salvação de Israel, e.g., o santuário, o êxodo,
Abraão e outros.
Porém, que evidência existe de que aqui vamos lidar com os tipos
prefigurativos de Cristo e Sua salvação? É o de haver algumas notáveis
semelhanças e similaridades com a vida e a obra de Jesus Cristo? C. T.
Fritsch responde, "Não". "A tipologia não é simplesmente uma questão
de reunir todas a semelhanças entre o Velho e o Novo Testamentos, mas
de compreender o processo redentivo fundamental e revelacional que
começa no Velho Testamento e encontra o seu cumprimento no Novo".3
Como um exemplo, ele menciona que "o concerto do Sinai se torna
um tipo daquela perfeita relação de concerto entre Deus e o homem em
Cristo, claramente esboçado no novo Concerto de Jeremias 31." Em
outras palavras, uma instituição, evento ou pessoa do Velho Testamento
torna-se um tipo claro e compreensivo à luz de Cristo e do Seu povo do
concerto como antítipos. Esta conclusão apresenta a divisão feita pelos
dispensacionalistas entre Israel e a Igreja, como um literalismo forçado.
É a autoridade do Novo Testamento que estabelece a ligação
divinamente pré-ordenada entre o tipo e o antítipo e revela a natureza
preditiva do tipo. A tipologia é baseada na convicção cristã de fé de que
O Israel de Deus na Profecia
55
Jesus é o Messias da profecia de Israel e o Novo Testamento, é uma
continuação viva e a arrematação das Escrituras hebraicas.
Conseqüentemente: "O relacionamento dependente entre o tipo e o
antítipo é simplesmente uma das muitas evidências do relacionamento
dependente entre o Velho e o Novo Testamento".4
Nossa investigação primária está voltada para a questão se Cristo e
os escritores do Novo Testamento estavam engajados em princípio no
pensamento tipológico. Parece claro que foi o próprio Jesus que
introduziu no judaísmo a nova idéia de que o tempo dos antítipos havia
chegado pela Sua notável reivindicação de que a Sua missão messiânica
era "maior do que" a missão profética de Jonas (Mateus 12:412); "maior
do que" a sabedoria de Salomão (Mateus 12:42); maior do que a realeza
de Davi (cf. Marcos 2:2528). Ele afirmou até mesmo, "aqui está quem é
maior que o templo" (Mateus 12:6). A este respeito, Ele declarou que
Sua morte sacrifical proveria "o sangue da [nova] aliança, derramado em
favor de muitos" (Marcos 14:24).
Em todas essas afirmações, Jesus apresentou-Se como a realidade
última para a qual todos os tipos, símbolos e profecias messiânicas na
economia salvífica de Israel haviam apontado. Vendo-Se a Si mesmo
como o antítipo do sagrado ritual do templo israelense e de seus
oficiantes ungidos, anunciou também o cumprimento da era messiânica
(Lucas 4:16-21) e o derramamento do Espírito de Deus (Lucas 24:49;
Atos 1:8), enfim, a chegada do tempo escatológico.
A tipologia de Jesus, assim como a profecia de Israel, é
caracterizada pelo seu cumprimento culminante no tempo escatológico
dos "últimos dias" (cf. Hebreus 1:1-2).5 Para Jesus, Sua missão em
cumprir as Escrituras hebraicas e os tipos históricos de Israel possuía um
significado tanto redentivo quanto escatológico.
Os escritores do Novo Testamento deram continuidade ao
pensamento tipológico de Jesus em suas aplicações do Velho Testamento
ao seu próprio mandato apostólico e à missão evangélica.
O Israel de Deus na Profecia
56
O Novo Testamento inteiro é essencialmente caracterizado pela
aplicação tipológica e escatológica do Velho Testamento, motivada e
dirigida pelo Espírito Santo.6 Embora L. Goppelt reconheça diferentes
linhas de conexão entre o Velho e o Novo Testamentos, ele chega à
seguinte conclusão: "Entre as várias maneiras das quais o Novo
Testamento aplica o Velho, a tipologia se classifica como predominante
e a mais característica maneira de interpretação"7
Nas epístolas de Paulo – especialmente Romanos 5:12-19 e 1
Coríntios 10:1-11 e na carta aos Hebreus, Goppelt observa o padrão
tipológico mais proeminente e sistematicamente. Observa, contudo, que
a tipologia paulina da história veterotestamentária é determinada pela sua
experiência de fé no Cristo Jesus ressurreto e glorificado. Em outras
palavras, o sentido pleno das Escrituras e dos tipos do Velho Testamento
é revelado e pode ser compreendido apenas pela fé em Cristo. Como
Paulo declara a respeito de seus contemporâneos judeus:
Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração
deles. Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é
retirado. ... em Cristo, é removido (2 Coríntios 3:15-16, 14).
Parece haver um acordo geral de que Paulo usa o termo typos em
um novo sentido histórico para a tipologia em Romanos 5:14, onde
chama literalmente a Adão de "um tipo daquele que haveria de vir"
(NVI). Ele interpreta a narrativa de Gênesis 3 em relação à queda de
Adão à luz do Cristo ressurreto e anuncia, sob o Espírito Santo, um
relacionamento tipológico entre ambos. Isso significa que o primeiro
homem representa uma exposição avançada do futuro Adão, Cristo Jesus
(Ver 1 Coríntios 15:45, 47).
A correspondência entre Adão e Cristo é de natureza antitética que,
não obstante, mantém uma similaridade básica: ambos foram indicados
por Deus como cabeça da raça humana e viveram uma vida de
significado decisivo e universal para a humanidade.
A New Scofield Reference Bible reconhece que (em uma nota sobre
Gênesis 5:1), "Adão, como a cabeça natural da raça (Lucas 3:38) é um
O Israel de Deus na Profecia
57
tipo contrastante de Cristo, a Cabeça da nova criação." Enquanto Adão
causou a queda universal do homem no pecado e na morte, a vitória de
Cristo sobre Satanás valeu "muito mais" para o homem (Romanos 5:7)
do que o que fora perdido por Adão: justiça (justificação) e vida eterna
(ressurreição; 1 Coríntios 15:22; Romanos 5:17-19).
Além disso, Paulo pensa tipologicamente quando interpreta os atos
de Deus na história passada de Israel à luz de Cristo e Sua Igreja em 1
Coríntios 10:1-11.8 Contudo, alguns tomam essa passagem paulina
meramente como uma exortação moral na qual a história do antigo Israel
funciona exclusivamente como uma advertência "exemplo" para a
santificação moral da igreja de Corinto.
Certamente é verdade que o apóstolo tenta retificar para os coríntios
um equívoco básico quanto aos sacramentos cristãos (o batismo e a ceia
do Senhor) através de sua ilustração admoestando sobre a falha moral de
Israel (1 Coríntios 10:1-5). Não obstante, o impulso teológico específico
e o significado escatológico da admoestação de Paulo à igreja de Corinto
se perderiam se os termos typoi (1 Coríntios 10:6) e tipikos (1 Coríntios
10:11) forem privados do senso teológico que Paulo emprega para typoi
em sua tipologia de Romanos 5:14.9
Paulo vai ao ponto em sua exortação dentro do contexto da era
messiânica ao usar uma apresentação avançada em Israel de algumas
realidades obtidas em Cristo Jesus. Não foi a partir de uma exegese
isolada do Velho Testamento que ele chegou a essa dimensão adiantada
da história salvífica de Israel. A partir de seu status como um apóstolo da
Igreja e através do Espírito de Profecia, vê os eventos da história da
salvação de Israel como tipos da comunidade escatológica do Messias,
"para nós ia Igreja] sobre quem os fins dos séculos têm chegado" (1
Coríntios 10:11). De fato, para Paulo, "estas coisas .., foram escritas"
especificamente para a Igreja, o povo de Deus dos últimos dias.
A correspondência encontra-se primariamente na similaridade
essencial dos atos divinos de libertação e julgamento de Israel e da
Igreja. Paulo chama Moisés e os israelitas simplesmente de "nossos pais"
O Israel de Deus na Profecia
58
(1 Coríntios 10:1). Isso expressa a unidade teológica entre Israel e a
Igreja. Ambos participaram da redentora e mantenedora graça de Cristo
(1 Coríntios 10:4). Da mesma forma, o julgamento de Deus sobre Israel
é uma prefiguração de Seu juízo sobre os cristãos que abusam de Sua
graça em Cristo.10
Embora haja mais do que analogia ou correspondência teológica na
tipologia do Novo Testamento, há também progresso messiânico ou
intensificação e complementação teológica além da similaridade.
A exortação moral de Paulo à igreja dos coríntios contém mais do
que a pressuposição de que o Deus de Israel é o mesmo Deus moral da
Igreja e que Ele a salvará e julgará de acordo com os Seus atos no antigo
Israel (1 Coríntios 10:6).
Paulo via a redenção de Israel através do Êxodo como um padrão
ou tipo que apontava para frente "em um sentido remoto, oculto e típico"
(P. Fairbain)11 á cruz de Cristo. Porque Ele foi sacrificado como o
verdadeiro Cordeiro Pascal (1 Coríntios 5:7), na "plenitude dos tempos"
(Gálatas 4:4). Todos os que aplicam o Seu sangue sacrifical ao coração e
à vida pertencem ao Israel do novo Êxodo.
Cristo deu novos sacramentos ao povo do novo concerto (o
batismo e a ceia do Senhor) e os estabeleceu como peregrinos até o
descanso final na Nova Jerusalém (Hebreus 4).
A Igreja, como o Israel escatológico, com o seu novo concerto no
sangue de Cristo, é o cumprimento dos planos de Deus com o antigo
Israel. O novo concerto possui uma glória que ultrapassa o velho (2
Coríntios 3). Desde que a glória divina deixou o velho templo (Mateus
23:38), a Igreja de Cristo tornou-se um templo vivo de Deus na Terra (2
Coríntios 3:16-18). Agora que "os fins dos séculos" (1 Coríntios 10:11),
a complementação de toda a velha dispensação têm chegado, a
comunidade messiânica deve seguir a Cristo como o Rei de Israel e
obedecer à Sua Palavra (2 Coríntios 7:1).
O Israel de Deus na Profecia
59
A desobediência de Israel durante a sua peregrinação no deserto é,
de acordo com Hebreus 4:11, "um exemplo ilustrativo" (hypodeigma)
para a Igreja em sua peregrinação:
Assim, ainda resta um descanso sabático para o povo de Deus...
Portanto, esforcemo-nos por entrar naquele descanso, para que ninguém
venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência. (Hebreus 4:9- 11,
NVI).
Goppelt conclui que "sob a influência de Paulo tipos tornou-se um
termo hermenêutico em toda a Igreja".12 Ele se refere ao uso posterior do
termo antypon em 1 Pedro 3:21. Pedro literalmente escreve que o
batismo é,um "antítipo" ou "contraparte" da libertação de Noé do
dilúvio. Por isso, pode-se concluir da tipologia de Pedro: "Então, é
apenas à luz do antítipo, que o significado pleno do tipo
veterotestamentário torna-se claro. Daí, pode ser dito que é o antítipo que
determina a identidade do tipo do Velho Testamento, tornando nítido o
seu significado mais profundo e espiritual".13 Em outras palavras, a
chave para a compreensão da natureza e identidade de um tipo no Velho
Testamento deveria ser procurada na interpretação que o Novo faz do
Velho.
Além da tipologia horizontal, o Novo Testamento desenvolve uma
tipologia explicitamente vertical, na qual o monte Sião, Jerusalém, o
tabernáculo israelita e o sacerdócio levítico servem como sombra ou
reflexo dos originais celestiais (ver Hebreus 8:5; Atos 7:44 [cf. Êxodo
25:40]; 12:22 [cf. Gálatas 4:26]).
Hebreus relaciona o tabernáculo israelita diretamente à obra
salvífica de Cristo no Céu. A principal seção, Hebreus 8:1-10:18, explica
que o presente reino de Cristo como Rei Sacerdote à mão direita de Deus
(8:1; 10:12) é o cumprimento escatológico pretendido nos tipos do Velho
Testamento e nas sombras de Israel. A implicação clara dessa progressão
na história da salvação desde a antiga geração ou dispensação até a era
messiânica é a descontinuidade do sacerdócio e da lei levítica, dos
O Israel de Deus na Profecia
60
sacrifícios e do santuário terrestre e de um Reinado davídico sobre o
trono terrenal.
Na ressurreição e ascensão de Cristo "uma esperança superior é
introduzida, pela qual nos chegamos a Deus" (Hebreus 7:18). Cristo, de
uma vez por todas, cumpriu e "removeu" ou "anulou" todos os velhos
regulamentos de tipos e sombras (Hebreus 7:18; 10:9). O autor de
Hebreus se refere predominantemente ao cumprimento cristológico da
incomparável promessa ao Reino davídico no Salmo 110:1 e 4:
"Disse o SENHOR ao meu senhor: 'Assenta-te á minha direita, até que
eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés.' O SENHOR jurou e não se
arrependerá: 'Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de
Melquisedeque'."
O contexto dos versos deste Salmo indica que a promessa divina
aplicava-se acima de tudo ao reinado do rei Davi sobre o trono terrestre
em Jerusalém (versos 2 e 3). Contudo, tanto o autor de Hebreus quanto
Pedro transferem o trono davídico de sua localização terrestre para o
trono de Deus no Céu (Hebreus 1:3, 13; 8:1; 10:12; 13; 12:1; Atos 2:36).
Cheio do Espírito de Deus, no dia histórico do Pentecostes, Pedro
proclamou aos judeus em Jerusalém:
Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este
Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo (Atos 2:36; ênfase
acrescentada).
O título "Senhor" significa governador soberano, e "Cristo", quer
dizer Messias ou Ungido. Cristo Jesus, por Sua ascensão ao Céu, entrou
em Seu reino messiânico, assentou-se à destra de Deus (Hebreus 1:13;
Apocalipse 3:21). Ele continuará a reinar até que ponha os Seus inimigos
debaixo dos Seus pés (1 Coríntios 15:25).
Os eruditos do Novo Testamento concordam que a natureza
celestial desse reino messiânico foi prevista no Velho. O Seu reinado
sobre Israel era a partir de Jerusalém (Salmo 132:11). Porém, "no Novo
Testamento, Seu reino é universal em abrangência e a partir do Céu".14
Deveria ficar claro que o autor de Hebreus compreendia o Salmo
110 num sentido diferente e mais amplo do que os autores do Velho
O Israel de Deus na Profecia
61
15
Testamento. A surpreendente verdade do cumprimento cristológico do
concerto davídico é o testemunho especial dessa epístola. Cristo,
governando do Seu trono de graça no Céu como o Rei messiânico, em
unidade com o Seu ofício como Sumo Sacerdote messiânico, é a
mensagem da tipologia vertical de Hebreus.
A aplicação neotestamentária do Salmo 110 ao governo presente de
Cristo é considerada como de importância fundamental para o evangelho
apostólico.16
Ao invés de ensinar um "adiamento" do reino davídico de Cristo ou
assumir qualquer lacuna entre o Salmo 110:1 e 2 como assegura o
dispensacionalismo 17, Hebreus declara que Cristo, pela ordenação de
Deus, começou a cumprir o concerto davídico ao governar sobre a Igreja
e todos os poderes, autoridades e anjos. Reinando a partir do trono da
graça de Deus (Hebreus 4:16) no poder do Altíssimo, ele "pode salvar
totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para
interceder por eles" (Hebreus 7:25).
Já na era presente, "Deus colocou todas as coisas debaixo de seus
pés..." (Efésios 1:20-22; [NVI] ênfase acrescentada), porque Ele agora
está assentado à destra de Deus, "ficando-lhe subordinados anjos, e
potestades, e poderes" (1 Pedro 3:22). Num sentido mais amplo do que
os reis davídicos, Cristo está reinando agora com Deus em Seu trono
(Apocalipse 3:21). Separar o trono de Deus do trono davídico de Cristo18
é uma divisão injustificada do Pai e do Filho, a fim de manter o dogma
de um adiamento do reinado de Cristo para o milênio.
Uma separação do trono de Davi do trono de Deus já foi
considerada uma ficção no Velho Testamento porque o rei davídico era
teocrático e assentava-se "no trono do reino do SENHOR, sobre Israel"
(1 Crônicas 28:5; cf. 29:23; 2 Crônicas 29:8). No estado eterno de glória
na Terra, o trono de Cristo é ainda um com o trono de Deus (Apocalipse
22:1, 3).
Como Abraão reconhecia alguém maior do que ele no sumo
sacerdote Melquisedeque, assim os descendentes de Abraão são
O Israel de Deus na Profecia
62
chamados a reconhecer Alguém que é proclamado por Deus como o ReiSacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hebreus
5:5-10; 7). Este Rei-Sacerdote satisfaz as necessidades de Israel e de
todos os gentios porque ele é santo, inculpável e "feito mais alto do que
os céus" (Hebreus 7:26), e que está mesmo "à destra do trono da
Majestade nos céus" (Hebreus 8:1).
A tipologia vertical de Hebreus não implica que a escatologia
inaugurada pelo presente sacerdócio e reinado de Cristo é o cumprimento
final do concerto davídico. Constantemente, o autor vislumbra a futura
consumação apocalíptica do reino de Deus, a vinda da cidade celestial,
um mundo melhor:
Pois não foi a anjos que sujeitou o mundo que há de vir, sobre o qual
estamos falando (Hebreus 2:5; ênfase acrescentada).
Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que
há de vir (Hebreus 13:14; 11:10; ênfase acrescentada).
Portanto, é correto insistir numa futura consumação do Salmo 110
em ligação com a segunda vinda de Cristo e o julgamento final. Ele
mesmo aplicou a promessa do governo teocrático do referido Salmo em
um sentido apocalíptico à destruição final dos inimigos de Deus quando
de Seu retorno em glória (ver Mateus 25:3.1-33, 41). Quando Caifás, o
sumo sacerdote, colocou Cristo sob juramento para testificar se Ele era o
Messias prometido, Jesus respondeu:
Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o
Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as
nuvens do céu (Mateus 2:64; cf. Marcos 14:62; Lucas 22:69).
Nesse momento solene, Jesus uniu o Filho do Homem apocalíptico
(de Daniel 7:13-14) e o Messias davídico (do Salmo 110) em uma
Pessoa e aplicou ambos à Sua própria vinda em glória do céu para julgar
o mundo. Na Sua segunda vinda, o Salmo 110 encontrará o seu
cumprimento final, dramático e cósmico na salvação da Igreja de Cristo
e na destruição de Seus inimigos.
Sumariando, a perspectiva tipológica é fundamental para a própria
compreensão de Cristo e de Sua missão messiânica bem como da
O Israel de Deus na Profecia
63
mensagem dos escritores do Novo Testamento. A tipologia cristã – tanto
no seu aspecto horizontal quanto vertical – é caracterizada por um
cumprimento presente dos tipos do Velho Testamento na obra redentiva
de Cristo e pela esperança da futura consumação do Seu reinado no
último julgamento.
A abordagem tipológica do Novo Testamento é motivada pela idéia
de cumprimento na história da salvação.19 A tipologia corresponde a uma
teologia de progressão dos atos salvíficos de Deus através de Jesus
Cristo. É baseada no pressuposto bíblico de que Ele sempre age de
acordo com os princípios imutáveis de Sua natureza santa e de Sua
vontade (Números 23:19; Malaquias 3:6).20
No Novo Testamento, a tipologia é caracterizada tanto pela
correspondência histórica quanto teológica entre o tipo e o antítipo. A
correlação teológica consiste no fato de que os tipos do Velho
Testamento são todos determinados teologicamente pela sua relação
específica com Jeová, o Deus de Israel, enquanto todos os antítipos do
Novo Testamento são qualificados por sua relação com Cristo Jesus, o
Filho de Deus.
Pelo fato da comunhão do concerto com Deus ser estabelecida
apenas através de Cristo, toda a tipologia no Novo Testamento converge
e culmina em Cristo. Porque Ele cumpre e completa a história da
salvação do Velho Testamento, a tipologia do Novo se origina, centraliza
e termina em Cristo.21
Esse foco cristológico e a perspectiva escatológica distinguem a
tipologia de qualquer situação paralela acidental. Sempre que
personagens, eventos ou instituições históricas sejam entendidos como
prefigurando algum aspecto do ministério de Cristo, uma perspectiva
tipológica se torna visível. A relação de tipo-antítipo não é simplesmente
de repetição, mas de complementação escatológica. Por isso, o antítipo
não é meramente uma forma desenvolvida do tipo, mas uma obra de
Deus nova e peculiar através do Messias, de maneira que o antítipo, em
O Israel de Deus na Profecia
64
alguns aspectos, pode até mesmo colocar-se em oposição ao tipo (e,g., os
cultos sacrificais, Adão).
Goppelt ressaltou que a interpretação tipológica dos apóstolos
tomou lugar na liberdade do Espírito Santo e não é um método
hermenêutico científico e técnico como o histórico-filosófico.22 A
tipologia neotestamentária não começa com a história do Velho
Testamento ou com rituais simbólicos, mas com Jesus e Sua salvação.
Partindo de Jesus, que provou ser o Messias de Israel por Sua vida,
morte e ressurreição, os escritores apostólicos procuram os paralelos
veterotestamentários e então, guiados pelo Espírito Santo, tiram
conclusões quanto ao seu significado teológico e moral para a Igreja de
Cristo.
Em sua constante retrospectiva23 à história de Israel à luz de Jesus
Cristo, os escritores do Novo Testamento tentam desvelar como o ato
redentivo de Deus em Cristo está relacionado com os atos salvíficos de
Deus no passado (ver 1 Pedro 1:10-12). Se a exegese for definida como
estabelecendo estritamente o verdadeiro significado do texto original
como o autor humano pretendia, por meio do método gramáticohistórico, então a tipologia não é um método de exegese do Velho
Testamento.24 A tipologia é a interpretação teológico-cristológica da
história do Velho Testamento pelo Novo, que vai além da mera exegese.
Nas palavras de Francis Foulkes:
Ela [a tipologia] tira mais do que o sentido literal da passagem. O Novo
Testamento faz isso quando vê a Cristo como o tema e o cumprimento de
todo o Velho, sem limitá-la ao que é explicitamente profecia messiânica...A
interpretação tipológica mostra que a revelação parcial e fragmentária no
Velho Testamento aponta adiante para Cristo...A tipologia lê nas Escrituras
um significado que não está lá, mas o entende à luz do cumprimento na
história...Todavia, não lê um novo princípio no contexto. Interpreta as
relações de Deus com o homem a partir do contexto literal, e então aponta
para uma maneira na qual Deus vem lidando com o homem em Cristo.25
Assim, a interpretação tipológica neotestamentária do Velho
Testamento provê uma chave maior para captar a unidade teológica da
O Israel de Deus na Profecia
65
Bíblia e "ajuda a evitar a fragmentação que é freqüentemente o fruto dos
estudos puramente histórico-gramaticais".26
A tipologia não envolve qualquer depreciação da interpretação
literal ou histórica do Velho Testamento, mas é baseada na exegese
histórica deste, a fim de captar a compreensão mais completa ou o
sentido mais pleno (o sensus plenior) dos atos redentivo-históricos de
Deus para toda a raça humana.27 Alguém poderia dizer também que o
sentido tipológico é o "autêntico prolongamento do sentido literal" do
Velho Testamento tanto quanto a exegese é uma "perspectiva
fundamental'' dos ensinos do Novo (J. Daniélou). 28 Tomás de Aquino
apresentou uma análise perspectiva:
O autor das Escrituras Sagradas é Deus, em cujo poder reside o
expressar o significado não apenas por palavras – o homem também pode
fazer isso – mas também por meio das coisas. Por isso, aqui, como em todo
campo do conhecimento (scientia), as palavras têm significado, porém neste
caso, em adição, as coisas significadas pelas palavras também têm um
sentido. O primeiro sentido pelo qual as palavras significam coisas é o literal
ou histórico. O sentido pelo qual as coisas significadas pelas palavras
querem dizer algo mais, é reconhecido como o seu senso espiritual, o qual é
baseado no literal e o pressupõe.29
Afirmamos que o senso tipológico genuíno não super impõe um
sentido diferente ao significado literal das palavras das Escrituras, mas
pertence ao significado profético das coisas ou eventos expressos pelas
palavras da Bíblia. A verdadeira interpretação tipológica do Velho
Testamento não cria um segundo sentido ou alegorização além do
significado literal, mas ouve "como o sentido histórico do texto continua a
falar na situação do Novo" (H. W. Wolff). 30 Em um ensaio instrutivo,
Donald A. Hagner afirma:
Para esses homens [do Novo Testamento], os relacionamentos da
tipologia eram os resultados do desígnio de Deus de maneira que, de
alguma forma, o tipo "profetizava" o antítipo e o último "cumpria" o primeiro.
...A descrição das correspondências tipológicas é um exemplo especial
na detecção do sensus plenior do material veterotestamentário. Isto é, o
Velho Testamento é visto como contendo um sentido mais pleno do que
O Israel de Deus na Profecia
66
imediatamente percebido pelos olhos, e realmente, discernível apenas à luz
de sua contraparte neotestamentária.31
O sentido teológico completo da história veterotestamentária de
Israel pode ser captado apenas por aqueles que crêem que Jesus é o
Messias de Israel, que o concerto de Deus com as doze tribos israelitas é
cumprido e completado – não adiado – no concerto de Cristo com os
Seus doze apóstolos (2 Coríntios 3; Hebreus 4). Concordamos com a
conclusão equilibrada de David L. Baker de que a "correta compreensão
e o uso do Velho Testamento dependem do Novo, e por outro lado, um
dos usos primários do Velho é ser a base para o correto entendimento e
uso do Novo Testamento".32
Limitações dos Tipos
J. Barton Payne ensina em sua Encyclopedia of Biblical Prophecy
(Harper, 1973) que os tipos bíblicos possuem quatro características
essenciais: (1) um tipo deve ter uma origem divina, e.g., Êxodo 25:40; cf.
Hebreus 8:5; (2) um tipo deve ser redentivo, e.g., Zacarias 14:16; cf.
João 20: 31; (3) um tipo deve ser uma representação simbólica, e.g., do
sacerdócio e ritual levítico; (4) um tipo deve ser uma profecia
representada, e.g., Números 21:9; cf. João 3:14; Colossenses 2:17;
Hebreus 10:1(ver pp. 24-26). Resumindo, um tipo é "uma decretação
divina da redenção futura" (p. 23).
Payne discute mais do que cinqüenta tipos bíblicos que preenchem
aqueles requerimentos cristológicos (listados nas páginas 671-672 de sua
Encyclopedia), muitos dos quais são tirados do ritual do santuário e das
festividades cúlticas de Israel. Embora seu desígnio preditivo tenha sido
compreendido por apenas uns poucos israelitas naquele tempo, tais como
Moisés (Êxodo 25:40), seu significado simbólico em relação à maneira
geral substituinte de salvação e sua função como um símbolo da
santificação de Israel a Deus (Salmo Si :7, 16-17) "parecem ter sido bem
compreendidos" pelos santos do Velho Testamento. .
O Israel de Deus na Profecia
67
Prestimosa é a distinção entre um símbolo e um tipo: "O símbolo é
um fato que ensina uma verdade moral. O tipo é o fato que ensina uma
verdade moral e prediz alguma efetivação real daquela verdade''.33
A pergunta continua, quais são os controles para o estabelecimento
da tipologia bíblica a fim de evitar especulações e alegorizações fúteis?34
Bernard Ramm enfatiza que o Novo Testamento focaliza sua tipologia
nos grandes fatos de Cristo, na Sua redenção e nas verdades básicas,
espirituais e morais da experiência cristã.35
A tipologia do Novo Testamento não lida com minúcias e
eventualidades, nem ensina correspondência ou identidade completa
entre tipo e antítipo. Conseqüentemente, uma pronunciada dissimilaridade
entre tipo e antítipo deve ser reconhecida. Ramm por isso conclui: "A
verdade típica está no ponto da similaridade.Um dos erros cardeais em
tipologia é tornar típicos os elementos de dissimilaridade em um tipo".36
Os esforços cristãos para captar o que é realmente essencial na
história da salvação veterotestamentária e distingui-los claramente de
similaridades meramente externas, demanda mais do que uma exegese
puramente histórica pode oferecer. Requer a iluminação e a direção do
Espírito Santo para descobrir o padrão tipológico entre os dois
Testamentos.
A descoberta de um novo padrão tipológico nas Santas Escrituras,
através do qual nossas esperanças de libertação apocalíptica da Igreja de
Cristo são renovadas e fortalecidas, deve ser baseada, por isso, na clara
autoridade do Novo Testamento.37 Os atos salvadores de Deus na história
de Israel devem ser aplicados por um escritor do Novo Testamento à
futura redenção do povo de Cristo por alusões literárias claras ao Velho
Testamento e a uma analogia transparente da estrutura teológica em
relação à história da salvação de Israel.
O Dispensacionalismo e a Tipologia
O Israel de Deus na Profecia
68
No dispensacionalismo enfrentamos o fato de que a hermenêutica
do literalismo aceita a tipologia cristã para algumas partes históricas
selecionadas do Velho Testamento. Mas, repentinamente, rejeita cada
aplicação tipológica do concerto de Deus com Israel ao novo concerto de
Cristo com Sua Igreja, bem como, qualquer noção de tipologia nas
profecias de Israel. Isso parece demonstrar um uso arbitrário e
especulativo da tipologia dentro do Velho Testamento.
O dispensacionalista Lewis S. Chafer oferece essa razão por sua
aceitação da tipologia cristã: "Parece razoável supor que quando é feito
um relato do casamento de qualquer homem do Velho Testamento, o
qual em si mesmo é um tipo de Cristo, esse casamento pode ter
significado típico".38 Então apresenta muitos exemplos de uniões
matrimoniais no Antigo Testamento que são tipológicas da união de
Cristo com a igreja no Novo Testamento, e.g., "Moisés é um tipo de
Cristo como Libertador; dessa forma, Zípora sua esposa, escolhida entre
os gentios enquanto ele estava longe dos seus irmãos, é uma sugestão da
retirada da Igreja durante o período entre os dois adventos de Cristo".39
É difícil ver como Chafer, ao mesmo tempo, pode manter sua tese
de que a Igreja "foi inteiramente imprevista e está completamente
desvinculada de qualquer propósito divino que a preceda ou suceda".40
Um tipo, de acordo com a New Scofield Reference Bible, é "uma
ilustração divinamente pretendida de alguma verdade" (p. 6; ênfase
acrescentada). Se Eva, Rebeca, Zípora, Abigail, Rute e a Sulamita forem
todas reconhecidas como tipos veterotestamentários da Igreja do Novo
Testamento, então é "razoável" concluir que a Igreja de Cristo "não foi
prevista" e está desde o princípio "desvinculada" dos divinos propósitos
de Deus para a humanidade?
Além do mais, não seria justamente razoável aceitar Israel, o povo
do concerto de Jeová, como um tipo do povo de Cristo no novo
concerto? Mas, aqui, o dispensacionalismo repentinamente relembra a
sua hermenêutica básica de literalismo – cujo princípio não é aplicado às
uniões matrimoniais de pessoas simples no Velho Testamento: "Mas,
O Israel de Deus na Profecia
69
nenhum concerto ou profecia traz essa nação à cidadania celestial ou à
união matrimonial com Cristo".41
Como esse julgamento pode ser justificado, quando considerada a
esperança de Abraão de uma cidade celestial e a de Israel por um país
melhor (Hebreus 11:10, 16)? Cristo anuncia que Abraão, Isaque e Jacó,
juntamente com muitos crentes gentios, receberão a cidadania celestial
no reino de Deus (Lucas 13:28-29) ou no reino dos céus (Mateus 8:11;
cf. Hebreus 11:39-40).
A rejeição de Chafer da união matrimonial de Israel com Cristo,
tampouco é justificada. Primeiramente, quatro profetas do Velho
Testamento descrevem o relacionamento de concerto entre Jeová e Israel
em termos de uma união matrimonial: Oséias (2:7, 16, 19-20), Isaías
(54:5-8), Jeremias (3:8) e Ezequiel (16).
O apóstolo Paulo aplica o motivo matrimonial à relação de Cristo
com sua Igreja: "Visto que vos tenho preparado para vos apresentar
como virgem pura a um só esposo, que é Cristo" (2 Coríntios 11:2). A
New Scofield Reference Bible, no entanto, conclui: "Israel será a esposa
terrena do Senhor (Oséias 2:23); a Igreja, a noiva celestial do Cordeiro
(Ap 19:7)" (p. 920). Essa concepção antevê que a divindade tem duas
diferentes noivas em dois diferentes lugares.
Não obstante, em relação à visão apocalíptica de João da descida da
nova Jerusalém do céu à Terra (Apocalipse 21:2), lemos no comentário
da Scofield: "A nova Jerusalém é o lugar de habitação dos santos de
todas as eras através da eternidade e cumpre a esperança de Abraão
quanto à cidade celestial (Hebreus 11:10-16; Hebreus 12:22-24)" (p. 1375).
Este comentário não admite que tanto os redimidos de Israel quanto
os da Igreja serão reunidos em um só rebanho sob um único Pastor em
um só lugar (comparar João 10:14-16 com Isaías 56:8)? A unidade
orgânica do Israel espiritual e dos gentios espirituais em Cristo não está
expressa pela combinação dos nomes das doze tribos e dos doze
apóstolos na estrutura da nova Jerusalém [Apocalipse 21:12, 14)?
O Israel de Deus na Profecia
70
O dispensacionalismo legitimamente rejeita uma identificação ou
equação não histórica da nação de Israel com a Igreja do novo concerto.
Contudo, conclui que tanto um quanto o outro estão basicamente
separados por diferentes propósitos e promessas. Ele nunca considera
qualquer ligação tipológica entre o Israel de Deus e a Igreja. Enquanto
aceita os tipos messiânicos no Velho Testamento em relação a Cristo e a
Igreja42, rejeita o velho concerto como um tipo cio novo concerto e Israel
como um tipo da Igreja.
Interpretar a Igreja como "um novo Israel espiritual" é considerado
por Ryrie uma "interpretação tipológica artificial"43 porque conflita com
o literalismo. Ele declara: "Levar esta designação Israel para os crentes
na Igreja não é autorizado pelo Novo Testamento... Os crentes, como um
grupo, não são chamados de Israel espiritual".44
No entanto, o dispensacionalista Charles F. Baker argumenta
fortemente contra Scofield e Ryrie, de que a Igreja de Cristo e os
apóstolos (sem Paulo) eram Israel como uma Igreja do Novo Testamento
(Mateus 16:18; 18:17; Atos 2:47), que ele chama de "Igreja do Reino" e
separa completamente do "Corpo da Igreja", criado pelo apóstolo Paulo
(Efésios 3:9).45 Baker insiste que a Igreja do reino (de Mateus 16:18) já
existia no dia de Pentecostes em Atos 2, porque milhares de novos
crentes foram simplesmente "acrescentados" à Igreja de Cristo (Atos
2:41, 47).
A igreja do reino de Cristo era "a ekklesia israelita da profecia",
porque o apóstolo Pedro, cheio do Espírito Santo, declarou "que todas as
coisas que estavam acontecendo em ligação com aquela ekklesia era em
cumprimento de tudo o que os profetas haviam falado desde o início do
mundo" (Atos 3:21).46 Nós concordamos de coração com a resposta de
Baker a Ryrie. Por outro lado, Baker desenvolve uma distinção
indefensável e aguda quando separa a Igreja do "reino" de Cristo, do
"Corpo" da Igreja de Paulo:
A verdade a respeito do Corpo de Cristo foi um segredo guardado de
todas as eras e gerações passadas (Efésios 3:9) e por isso, deve
O Israel de Deus na Profecia
71
necessariamente ser algo diferente daquilo que foi o objeto de todos os
pronunciamentos proféticos da antiguidade. Dessa maneira, a verdadeira
distinção dispensacionalista que deve ser feita é entre a ekklesia israelita da
profecia e a ekklesia do Corpo de Cristo do mistério, ambas as quais são
encontradas no livro chamado o Novo Testamento).47
Essas distinções e dilemas dispensacionalistas são o resultado de
inferências injustificadas e um literalismo que perde a visão da tipologia
teológica entre o Israel de Deus e a Igreja de Cristo no único e contínuo
plano de Salvação arquitetado por Deus para toda a humanidade.
O dispensacionalismo opera sob o uso reduzido da tipologia
messiânica no qual as aplicações cristológicas dos tipos do Velho
Testamento são aceitas, mas as aplicações eclesiológjcas da missão e do
mandato de Israel são negadas e rejeitadas.
A tipologia do Novo Testamento não cria essa dicotomia entre
Cristo e o Israel de Deus. A questão central do evangelho
neotestamentário e sua esperança profética repousam no fato de que a
Igreja de Cristo é indicada para cumprir o propósito divino da eleição de
Israel: ser uma luz salvadora para os gentios. Os apóstolos Paulo e
Barnabé viam a sua missão e mandato evangelísticos expressos no
chamado de Deus a Israel (Atos 13:47; cf. Isaías 49:6). O escopo total da
tipologia do Novo Testamento pode ser sumariado como segue:
É Jesus Cristo que provê em primeiro lugar o antítipo dos tipos do
Velho Testamento; juntamente com ele também podemos mencionar o oficio
apostólico em 2 Coríntios 3:7vv, os sacramentos em 1 Coríntios 10:1vv, e a
experiência da graça e julgamento pelos cristãos como o povo do novo
concerto em 1 Pedro 1:5, 9; Apocalipse 1:6; e 1 Coríntios 10:6. Todos esses
casos não são questões subordinadas e insignificantes, mas são elementos
centrais na realização da salvação.48
Na tipologia bíblica não é somente Cristo que é o antítipo, mas
Cristo e Seu povo fundidos em uma unidade indissolúvel e orgânica no
propósito salvador de Deus para o mundo.49
A Tipologia na Escatologia Profética
O Israel de Deus na Profecia
72
Correspondências teológicas foram já anunciadas em princípio
pelos profetas de Israel, muito embora eles puderam ver apenas uma
pequena porção de toda a história da salvação. Escreveram suas
profecias preditivas na convicção de que os atos de Deus de libertação e
julgamento no passado seriam repetidos em essência, porque Deus
permanece fiel a Si mesmo e ao Seu concerto (Deuteronômio 7:9). Seus
atos seriam repetidos numa escala mais ampla e universal, e mais
gloriosamente do que nunca.50
Os profetas retratam o reino futuro de Deus na terra com motivos e
imagens pictóricas derivadas da Sua perfeita criação no Paraíso
(comparar Gênesis 2 com Isaías 11:6-9; 35; 65:23-25; Ezequiel 34:2530; 36:35). Em adição, Isaías prediz o futuro livramento de Israel do
cativeiro assírio-babilônico em termos de um novo e maior Êxodo (Isaías
43:16-19; 51:10-11; 52; 11:15).
Além do mais, Isaías, Jeremias e Ezequiel predisseram a vinda de
um Messias davídico que governaria Israel e as nações em paz e justiça.
Seria um Rei como Davi, mas muito maior do que ele (Isaías 9:1-7; 11:19; 55:1-5; Jeremias 23:5-6; 30:9; 33:14-18; Ezequiel 34:23-3l; 37:24-28).
Há mais exemplos da profecia tipológica veterotestamentária
anunciando a vinda de um novo Melquisedeque (Salmo 110), um novo
Moisés (Deuteronômio 18:15-19), um novo Elias (Malaquias 4:5), um
novo templo (Ezequiel 41-48), um novo concerto Jeremias 31:31-34) e a
recriação de um novo povo (Isaías 65:17vv; 66:22; Ezequiel 36:26;
37:11-14).51
Constantemente, os profetas do Velho Testamento expressavam
suas esperanças no futuro em termos dos atos de Deus no passado, que
não obstante, excederiam em glória, qualquer coisa experimentada
anteriormente. Os profetas relembravam os grandes atos divinos de
outrora, a fim de assegurar a Israel os grandes atos de Deus no futuro.
Por isso, as profecias do Velho Testamento são "ao mesmo tempo,
indissoluvelmente, memoriais e preditivas".52
O Israel de Deus na Profecia
73
Sumariando, o futuro profético do Velho Testamento é
caracterizado por dois aspectos: (1) Deus agirá no futuro de acordo com
os princípios de Sua ação no passado; (2) Ele assim fará, numa escala
sem precedentes e gloriosa através do Messias na vinda da era
messiânica.
A retratação profética do futuro reino de Deus por meio do estilo
literário de uma escalada "típica" de Suas ações passadas demonstram
que a hermenêutica dispensacionalista de "absoluto literalismo"
(Scofield) para a interpretação profética é inadequada e abortiva.
O problema com o literalismo dispensacionalista não está no seu
exemplo do cumprimento concreto-histórico e visível da profecia de
Israel, mas o seu literalismo está muito destituído da proeminência
transcendente e da transformação gloriosa do futuro cumprimento da
profecia na história humana.
A projeção literal para o futuro das palavras da profecia é apenas o
que os olhos humanos já contemplaram, mas "Nem olhos viram, nem
ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus
tem preparado para aqueles que o amam" (1 Coríntios 2:9, aplicando
Isaías 64:4).
Contra toda espiritualização e alegorização abstrata, afirmamos um
cumprimento literal e histórico da profecia veterotestamentária.
Deveríamos ser cuidadosos, contudo, para não sermos apanhados nas
malhas de um falso dilema, como se tivéssemos que escolher entre duas
posições extremas: o literalismo ou o alegorismo.
A estrutura tipológica é o estilo da esperança e da profecia bíblica. 53
De fato, todo o conceito do pensamento tipológico, com o seu progresso
histórico do tipo para o antítipo superior, "brotou pela primeira vez
(Velho Testamento) na escatologia profética'' (L. Goppelt).54
A "tipologia" nascente na profecia do Velho Testamento não está
enraizada no disseminado pensamento cíclico das nações pagãs
circunvizinhas, as quais antecipavam que a última geração na trajetória
cósmica automaticamente corresponderia à primeira geração. O conceito
O Israel de Deus na Profecia
74
de uma recorrência literal do passado na geração futura é um motivo
pagão que foi sobrepujado pela abordagem tipológica da profecia
veterotestamentária.
A promessa de futura renovação de Israel está enraizada na
fidelidade de Deus de sua eleição deste, para abençoar todas as famílias
da terra que caíram em maldição (Gênesis 12:2-3; Isaías 42-53;
especialmente 45:22). Não apenas o propósito de Deus será cumprido na
continuidade de Seus atos redentores no passado, mas a restauração
vindoura "não corresponde exatamente ao que ocorreu anteriormente,
porém o transcende" (Goppelt).55
Assim como os antítipos do Novo Testamento estão num nível mais
alto de glória em Cristo do que os seus tipos no Velho Testamento, a
tipologia profética de Israel prevê uma história sagrada numa chave mais
ampla de um radical recente, de uma nova criação.
O profeta do Velho Testamento não é um adivinho com uma
mensagem fixa que mais tarde pode ser autenticada em termos de uma
correspondência factual com um conjunto de fatos preditos. Como
Senhor da História e da profecia, Deus tem o direito de interpretar as
Suas promessas através dos seus cumprimentos, "e as suas interpretações
podem ser cheias de surpresas, até mesmo para os próprios profetas" (W.
Zimmerli).50
A noção de "transcendência" e "transformação" no cumprimento
tipológico é basicamente a mesma para a categoria de "recente" na
escatologia profética de Israel. A tipologia e a profecia são irmãs
gêmeas, ambas indicando o Grande Dia do Senhor, a gloriosa
consumação de todas as promessas do concerto divino. Sua conexão
interna pode ser explicada como segue: "A tipologia difere da profecia,
no estrito sentido do termo, apenas no modo da predição. A profecia
prediz principalmente por meio de palavra, enquanto a tipologia, prediz
por instituição, ato ou pessoa".57
. Os eruditos bíblicos afirmam que os tipos genuínos são "símbolos
proféticos'' (B. Ramm), "profecia representada'' (J. B. Payne), "uma
O Israel de Deus na Profecia
75
espécie de profecia preditiva", "cada porção, tão preditiva quanto os
pronunciamentos verbais da profecia preditiva" (S. N. Gundry).58
A tipologia enfatiza o concreto, a natureza histórica do futuro
prometido. A profecia, por outro lado, "torna explícito o que está
freqüentemente apenas implícito e simbólico na tipologia, e evita o senso
de 'repetição' reincidindo na fuga pagã da histórica cíclica".59 O profeta,
olhando com fé para o futuro, era um "tipologista", diz Lampe60, porque
baseava sua fé nos atos passados de Deus (e.g. a libertação do êxodo).61
A profecia correlaciona predição e cumprimento. Além disso, a
profecia expressa o seu incansável progresso da sua realização inicial a
um cumprimento mais pleno. A correlação tipológica do tipo e antítipo é
por isso considerada uma parte da escatologia do Velho Testamento. "A
tipologia pertence em princípio à profecia; ela está estreitamente ligada
com a esperança escatológica e deve ser explicada a partir das mesmas
forças fundamentais da profecia".62
Tentar interpretar as retratações proféticas da era messiânica pelo
princípio racionalista de "literalismo absoluto", como se tais quadros
fossem partes de um quebra cabeças63 ou fotografia instantânea de
antemão, é tão inadequado quanto construir em detalhes as glórias do
antítipo (e.g., o Messias, o remanescente apostólico, a reunião final de
Israel) apenas a partir de seu tipo veterotestamentário ou a realidade a
partir de sua sombra.
Os cumprimentos divinos dos tipos e profecias fragmentários de
Israel são sempre cheios de surpresa e de inesperados, pois Jeová
permanece o Senhor sobre a maneira na qual a Sua vontade deve ser
realizada. Essa nova maneira surpreendente é revelada no Novo
Testamento e o reconhecimento dessa diretriz do Velho Testamento para
a história messiânica do Novo, distingue a exegese cristã da exegese
literalista do Velho Testamento.
O cristão ouve a Bíblia "estéreo-foneticamente" – isto é, a ambos os
Testamentos da Santa Escritura – porque a revelação de Deus nos dois
Testamentos é consistente e basicamente uma. A tipologia cristã é a
O Israel de Deus na Profecia
76
expressão da convicção de que a História está sob o controle de Deus e
se movimenta adiante para a gloriosa consumação das promessas divinas
através de Jesus Cristo.
A tipologia bíblica não está confinada ao período desta geração,
mas interessa também ao reino de Deus na era vindoura e à renovação de
toda a criação. Em outras palavras, a tipologia também tem uma
dimensão e um cumprimento apocalíptico definidos em conexão com o
glorioso segundo advento de Cristo.64
Referências Bibliográficas:
1. Ver H. D. Preuss, Jahweglaube und Zukunftserwartung, BWANT 7
(Stuttgart: Kohlhammer Verlag, 1964), especialmente as páginas 205-214.
W. C. Kaiser, Jr., Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids,
Mich.: Zondervan, 1978), mostrou que todo o Velho Testamento centralizase em torno do cerne sempre em expansão e constante: a promessa de Deus.
2. C. T. Fritsch, "Principles of Biblical Typology", BSac 104 (1947):
214.
3. Ibid., p. 230.
4. Ibid., p. 215.
5. Cf. L. Goppelt, Typos. Die Typologigische Deutung dês Alten
Testaments im Neuen (Darmstadt: Wissensch. Buchg., 1969; reimpressão
de 1939), pp. 286, 240. R. T. France, Jesus and the Old Testament
(London: Tyndale, 1971), capítulo 3.
6. Ver Goppelt, Typos, especialmente as páginas 239-249.
7. Ibid., p. 239 (tradução do autor).
8. Ryrie, The Basis of Premillennial Faith, p. 43, reconheceu que "que
Israel tipifica a igreja."
9. Ver C. T. Fritsch, "Biblical Typology: Typological Interpretation in
the New Testament", BSc; 104 (1946): 87-100.
O Israel de Deus na Profecia
77
10. H. Meuller in NIDNTT, Vol. 3, P. 905. e. e. Ellis, Prophecy and
Hermeneutics in Early Christianity (Grand Rapids, Mich.: Wm. B.
Eerdmans Pub. Co., 1978), p.168, refere-se a uma "tipologia do
julgamento" mais ampla no Novo Testamento.
11. P Fairbain, The Apology of Scripture, vol. 2 (Grand Rapids, Mich.:
Baker Book House, 1975, reimpressão de 1900), p. 65. E. E. Ellis,
(Prophecy and Hermeneutics in Early Christianity p. 66) afirma: "A
tipologia do concerto aborda a totalidade do Velho Testamento como
profecia.
12. TDNT, vol. 8, p. 253.
13. C. T. Fritsch, "Para "Antitypon", em Studia Biblica et Semitica.
Festschrift por TH. C. Vriezen; W. C. van Unnik, ed. (Wageningen: H.
Veeman, 1966), p. 101.
14. Ladd, The Last Things, p. 18. Também, F. F. Bruce, New Testament
Developments of Old Testament Themes (Grand Rapids, Mich.: WWm. B.
Eerdmans Pub. Co., 1970), p. 19.
15. Cf. S. Kistemaker, The Psalm Citations in the Epistle to the
Hebrews (Amstedam G. van Soest, 1961), p. 132. Também H. J. Kraus,
Psalmen BKAT XV/2 (Neukirchener: Verlag, 1972) pp. 752-764.
16. Ver C. H. Dodd, According to the Scripture: The Substructure of
New Testament Theology (London: Nesbet, 1952), p. 35. Cf. o índice de
citações do Salmo 110 em The Greek New Testament, K. Aland, et al., eds.
(London: United Bible Society, 1966), p. 908.
17. J. F. Walvoord cita H. A. Ironside para uma quantidade das assim
chamadas lacunas ou intervalos "no programa de Deus", entre os quais
haveria "um grande parêntesis entre o Salmo 110:1 e 110:2" (em BSac 101
[1944]:47).
18. A New Scofield Reference Bible comenta sobre Apocalipse 3:21 que
esta passagem conclusiva de que Cristo não está agora assentado sobre o
Seu trono" (p. 1355), de forma que o Concerto davídico e "o reino
messiânico estão esperando o seu cumprimento" (pp. 355-56).
19. Cf. Goppelt, TDNT, vol. 8, p. 259.
O Israel de Deus na Profecia
78
20. Ver F. Foulkes, The Acts of God: A Study of the Basis of Typology
in the Old Testament (London: Tyndale, 1955).
21. France, Jesus and the Old Testament, p. 43.
22. Goppelt, Typos, pp. 244, 277vv.
23. A conclusão da dissertação de S. Kistemaker, The Psalm Citations
in the Epistle to the Hebrews (Free University, Amsterdam, 1961:
publicado por G. van Soest [Amstedam], 1961, confirma esse fluxo
retrospectivo na tipologia: "O autor de Hebreus interpretava as passagens
das Escrituras apenas à luz do cumprimento do Velho Testamento" (p. 90).
24. Bright, The Authority of the Old Testament, p. 92. France, Jesus
and the Old Testament, pp. 41-42. Foulkes, The Acts of God, pp. 38-40.
25. Foulkes, The Acts of God, pp. 38, 39. .
26. R. C. Dentan, "Typology – Its Use and Abuse", Anglican
Theological Review 34 (1952); 211-217; citação da página 215.
27. G. W. H. Lampe, "Typological Exegesis", Theology 16 (1953): 201208.
28. Jean Daniélou, Sacramentum Futuri. Études sur lês Originnes de la
Typologie Biblique (Paris: Beauchesne, 1950), pp. 52, 143.
29. Thomas de Aquinas, Summa Theologica, tradução Fathers of
English Dom. Prov. (New York: Benziger Brothers, 1947), Ia, q. 1, art. 10.
Cf. Robert A. Markus, "Presuppositions of the Typological Approach to
Scripture", Church Quarterly Review 158 (1957): 442-451. Também Jean
Daniélou. Dieu Vivant, p. 151, como citado por W. Eichrodt. "Is
Typological Exegesis an Appropriated Method?" em EOTH, p. 242. E. C.
Blackman, "Return of Typology?", Congressional Quarterly 32 (1954): 5359. Oscar Cullmann, Salvation in History (New York: Harper, 1967), p.
133.
30. H. W. Wolff, "The Hermeneutics of the Old Testament", em EOTH,
P. 189.
31. D. A. Hagner, "The Old Testament in the New Testament", em
Interpreting the Word of God, ed. S. J. Schultz and M. B. Inch (Chicago:
Moody Press, 1976), p. 94.
O Israel de Deus na Profecia
79
32. D. L. Baker. "Typology and the Christian Use of the Old
Testament". Scottish Journal of Theology, 29 (1976): 137-157; citação da
página 155.
33. Davidson, Old Testament Prophecy, p. 229.
34. Semelhantes aqueles da Epístola de Barnabé (Ver Goppelt. Typos,
pp. 245-248), e da Escola Cocceiana (ver Fairbaim, The Typology of
Scripture, vol. 1, pp. l -14).
35. Ramm, Protestant Biblical Interpretation, pp 229vv.
36. Ibid.
37. Gerhard F. Hasel. New Testament Theology: Issues in Debate
(Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1978), pp. 190-193.
38. Chafer, Systematic Theology, vol. 4, p 137.
39. Ibid.
40. Ibid., vol. 5. p. 348.
41. Ibid., vol. 4, p. 142.
42. A NSRB até mesmo afirma, "Arão e seus filhos tipificam a Cristo e
aos crentes da era da Igreja (Ap. 1:6; 1 Pe 2:9)", pp. 106,107.
43. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 149, 154, 190.
44. Ibid., pp. 144, 150.
45. Charles F. Baker. A Dispensational Theology (Grand Rapids,
Mich.: Grace Bible College Pub., 1972), pp. 470f, 500, 508, 527, 655. Ele
mantém que os israelitas espirituais entre o Israel ético eram também uma
"igreja" no Velho Testamento, "a Igreja israelita".
46. Ibid., pp. 47i. 497-500.
47. Ibid., p. 471.
48. W. Eichrodt, "Is Typological Exegesis an Appropriate Method?".
em EOTH, p 226.
49. Ver H. W. Wolff, "The Old Testament in Controversy:
Interpretative Principles and Illustrations", Interpretation 12 (1958): 28191.
50. Ver Foulkes, The Acts of God. Daniélou, Sacramentum Futuri;
English Translation, From Shadows to Reality, (Westminster, Md.:
O Israel de Deus na Profecia
80
Newman, 1960). S. Amsler, "Prophetie et Typologie", Revue de Theol. Et
de Phil. 3 (1953): 139-148.
51. Foulkes, The Acts of God, pp. 23-33. Goppelt, TDNT, vol. 8, p. 254.
Fritsch, "Biblical Typology", pp. 91-100.
52. Daniélou, Sacramentum Futuri, p. 4.
53. Cf. Marakus. "Presuppositions of the Typological Approach lo
Scripture", pp. 442-451. S. Amsler. "Prophetie et Typologie", pp. 139-148.
54. Goppelt, TDNT, vol. 8, p. 254.
55. Ibid., Cf. Foulkes. The Acts of God, pp. 22, 32. G. W. H. Lampe,
"Hermeneutics and Typology", London Quarterly and Holburn Review,
190 (1965): 17 -23.
56. W. Zimmerli, "Promise and Fulfillment", em EOTH, pp. 106-107.
57. Fritsch. "Principle of Biblical Typology". BSac 104 (1947): 215.
Cf. Art Moorehead, "Type", em ISBE, vol. 5.
58. S. N. Gundry. "Typology as a Means of Interpretation: Past and
Present", JETS 12 (1969); 233-240: citação da página 237. Cf. Fritsch,
"Biblical Typology". p. 90. Terry, Biblical Hermeneutics, p. 248. Berkhof,
Principles of Biblical Interpretation, pp. 144-145.
59. H. d. Hummel, "The Old Testament Basis of Typologica1
Interpretation", Biblical Research 9 (1964): 38-50; citação da página 49.
60. Lampe, "Hermeneutics and Typology", p. 24.
61. Ver B. W. Anderson, "Exodus Typology in Second Isaiah", em
Israel Prophetic Heritage, ed. B. W. Anderson and W. Harrrelson (New
York: Harper, 1962), capítulo 12.
62. Eichrodt, "Is Typological Exegesis an Appropriate Method?", em
EOTH, p. 234. cf. Ramm, Prophetic Biblical Interpretation, p. 239.
63. Ver T. Boersma, Is the Bible a Jigsaw Puzzle? An Evaluation of
Hal Lindsay's Writings (St. Catharines, Ontario, Canada: Paideia Press,
1978).
64. Goppelt, Typos, p. 248. Cf. o seu "Apokalyptik und Typologie bei
Paulus", ThLZ 89 (1964): 321-344; também o seu Typos, pp. 259-299. Ellis,
Prophecy and Hermeneutics in Early Christianity, pp. 168-169. R. H.
Smith, "Exodus Typology in the Fourth Gospel", JBL 81 (1962): 324-342.
O Israel de Deus na Profecia
81
M. D. Goulder, Type and History in Acts (London: S.P.C.K., 1964),
capítulo 1, "The Typological Method", R. E. Nixon, The Exodus in the New
Testament (London: Tyndale, 1962), pp. 29-32. Ver também o importante
estudo de R. M. Davidson, Typology in Scripture, Andrews University
Seminary Doctoral Dissertation Series, vol. 2 (Berrien Springs, Mich.:
Andrews University Press, 1981), especialmente as páginas 396-408.
A INTERPRETAÇÃO CRISTOLÓGICA
No reino da interpretação profética o estudo do método adequado
tem sido freqüentemente negligenciado ou olvidado o necessário
cuidado. Aprendemos que Cristo e o Novo Testamento são as
autoridades finais e a norma mais elevada para a compreensão teológica
da história, da profecia, da sabedoria e da poesia sagrada de Israel. Ficou
estabelecido que a profecia e a tipologia verbais – como profecia indireta
– não são elementos desvinculados no Velho Testamento com princípios
hermenêuticos inerentemente diferentes. A profecia preditiva e os
modelos do pensamento tipológico formam uma unidade natural e
integral. A profecia messiânica pertence à essência da esperança
veterotestamentária. Nelas, todas as promessas do concerto israelense se
convergem e delas emerge a missão universal de Israel. Mesmo as
profecias apocalípticas específicas, com o seu simbolismo mais
O Israel de Deus na Profecia
82
amplamente desenvolvido, são freqüentemente centralizadas no Messias
(Daniel 7-12).
As Profecias Messiânicas
À luz do Novo Testamento, três categorias de profecias messiânicas
podem ser distinguidas no Velho Testamento. Primeiro, há profecias
diretas ou retilíneas tais como aquelas que prediziam o lugar do
nascimento do Messias, Miquéias 5:2 (ver Mateus 2:5-6); a Sua expiação
vicária, Isaías 53 (ver Lucas 22:37; Romanos 5:19; 1 Pedro 2:24); o ser
"cortado" (NIV) e o Seu ato que "fará cessar o sacrifício e a oferta de
manjares", Daniel 9:26, 27 (ver Mateus 27:51; Hebreus 10:8-9); Sua
ressurreição, Salmo 16:10 (ver Atos 2:27, 31); Sua entrada triunfal em
Jerusalém, Zacarias 9:9 (ver Mateus 21:12, 23) e o Seu reino de eterna
paz mundial, Isaías 9:5-7 (ver Lucas 1:32-33; Apocalipse 11:15).
Predições tais como essas têm sido ou serão cumpridas direta e
exclusivamente em Cristo Jesus e por isso representam o esquema mais
simples de predição e cumprimento dos eventos e sua verificação.
Os cumprimentos de tais predições magnificam a onisciência e a
soberana providência de Deus. Suas predições não são fragmentos
desassociados, mas constituem parte de um contínuo plano ou promessa
de salvação. Segundo, há profecias messiânicas tipológicas que já
encontraram os seus cumprimentos iniciais e parciais na sucessão dos
profetas desde Moisés (Deuteronômio 18:15, 18-19)1, e na sucessão dos
reis em Jerusalém (2 Samuel 7:12l 6)2, até ambas as linhas culminarem
em um único Messias. Embora o cumprimento imediato do profeta
prometido tenha ocorrido em Josué, o sucessor de Moisés (Números
27:18-23; Deuteronômio 34:9) e o cumprimento imediato do rei
prometido aconteceu em Salomão, o filho de Davi (2 Samuel 7:14;
Salmo 132:12), apenas o próprio Messias seria o maior Profeta e o Rei
eterno, de acordo com o Novo Testamento (Atos 3:22-26; Lucas 1:3233). À categoria das promessas tipológicas pertence a maioria das
O Israel de Deus na Profecia
83
profecias messiânicas, especialmente os Salmos monárquicos: 2:7vv;
18:43vv; 22; 45:6-8; 72:8; 89:26vv; 10:1, 4; 118:22, 23; 132:11-18.
O Novo Testamento parece ter por garantido que os Salmos de Davi
possuem uma dimensão messiânica adicional. Na epístola aos Hebreus,
por exemplo, quatro passagens de Salmos são citadas, analisadas
exegeticamente e aplicadas escatologicamente como tendo encontrado o
seu cumprimento em Cristo Jesus: Salmo 8:46 (o homem da humanidade
perfeita); 95:7-11 (seu repouso perfeito); 110:4 (o Mediador perfeito);
40:6-8 (Seu auto-sacrifício perfeito); respectivamente em Hebreus 2:12,
13; 3:7-11; 5:6; 10:5-7. O autor de Hebreus adicionou sua interpretação
das citações dos Salmos ao significado histórico que essas palavras
possuíam originalmente. Como conclui Kistemaker em sua dissertação
considerando essas quatro citações do Saltério em Hebreus: "O autor
ligava a profecia em seu contexto original ao seu cumprimento realizado
no período quando a escreveu. Por isso, aquelas passagens das Escrituras
que são tiradas do seu tipo de interpretação Midrash pesher
[interpretação escatológica judaica] reluzem com a perspectiva histórica
dirigida para o cumprimento em Cristo Jesus".3 Nessa perspectiva
histórica, um profeta, sacerdote ou rei davídico funcionava em seu santo
ofício como um representante do Redentor vitorioso, como um tipo do
maior antítipo vindouro.
Essa espécie de profecia tipológica provê espaço para uma
aplicação basicamente dual, com um cumprimento inicial e parcial da
promessa messiânica, sem ter um sentido "duplo" ou ambíguo.4 O
sentido pretendido de uma aplicação histórica imediata ou a realização
parcial da promessa deve servir como um tipo histórico ou profecia
representada, que reafirma a promessa e intensifica a esperança no
cumprimento futuro. Um erudito luterano explica: "Uma profecia que é
messiânica através do tipo, não o é de maneira alguma num sentido
inferior, desde que o tipo não seja acidental, mas divinamente ordenado e
nos seja descrito como tal pelo Espírito de profecia".5 O Comentário
O Israel de Deus na Profecia
84
Bíblico Adventista do Sétimo Dia explica de forma mais completa (sobre
Deuteronômio 18:15):
A força de uma profecia em relação a Cristo não é de forma alguma
enfraquecida porque as palavras do profeta primeiro se aplicam a uma
situação histórica mais imediata. Com freqüência, o primeiro e mais imediato
cumprimento serve não apenas para confirmar e clarificar o segundo, mas
pode até mesmo ser requisito para ele. Quando um escritor
neotestamentário aplica a declaração de um profeta veterotestamentário ao
Novo Testamento ou a períodos subseqüentes, negar a validade de tal
aplicação equivale a negar a inspiração do escritor neotestamentário. Mas
quando o contexto de uma declaração veterotestamentária torna evidente
que ela se aplica também a uma situação histórica imediata, negar essa
aplicação seria violar uma regra primária de interpretação; isto é, que um
exame do contexto e do cenário histórico é fundamental para uma correta
compreensão de qualquer passagem.
Precisamos levar em consideração que as profecias messiânicas não
são predições separadas e dispersas, mas todas constituem um plano
contínuo de Deus. Esse plano começou com a primeira promessa feita
depois da Queda no jardim do Éden, quando o Redentor foi prometido da
"semente da mulher" (Gênesis 3:15). A fim de cumprir essa promessa
"mãe" original, Deus escolheu chamar a Abraão e fez-lhe a promessa que
o Redentor seria de sua "semente" (Gênesis 12:2-3; 22:17-18; 28:13-14).
Deus confinou a Sua promessa de um Redentor real especificamente à
tribo de Judá (Gênesis 49:10; Cf. Números 24:17). Finalmente, Ele
restringiu a promessa do rei Redentor, cujo reino seria eterno e universal,
à casa de Davi (2 Samuel 7:12-15). Essa linha de revelações repetidas e
progressivas do Rei Redentor é essencial para a adequada perspectiva
das numerosas predições messiânicas dentro de uma grande Promessa
que vem consumar-se apenas na realização de um novo céu e uma nova
Terra, o lar dos justos (2 Pedro 3:13).
Um dos eruditos do Velho Testamento enfatiza o "emocionante
ritmo" dessa perspectiva messiânica: "Cada predição é adicionada à
promessa contínua de Deus que era anunciada primeiro aos povos prépatriarcais, depois ampliada e continuamente suplementada dos
O Israel de Deus na Profecia
85
patriarcas até a era pós-exílica de Ageu, Zacarias e Malaquias, mas
permanecia a promessa única e cumulativa de Deus".6
Ali permanece, contudo, um número de passagens históricas não
preditivas que são aplicadas no Novo Testamento como sendo
"cumpridas" em Cristo, mas que no seu contexto original não contêm
aparentemente nenhuma intenção preditiva. Tais passagens podem ser
narrativas ou ocorrências históricas, experiências de sofrimento,
lamentação, súplica ou ação de graças por um salmista, ou asserções
descritivas nos livros proféticos.
Uns poucos exemplos podem ilustrar esse modelo particular do
Novo Testamento de promessa-cumprimento. Cristo cita a experiência
de Jonas que permanece no interior de um grande peixe por "três dias e
três noites" (Jonas 1:17) como Seu próprio sinal de apelo aos escribas e
fariseus descrentes (Mateus 12:40; Lucas 11:29-30, 32). Embora a
narrativa de Jonas seja uma descrição puramente histórica de sua
experiência de morte virtual e da miraculosa libertação que levou ao
arrependimento os gentios em Nínive, Jesus a aplica como um sinal
messiânico, isto é, como um tipo profético de Sua própria morte e
sobrenatural ressurreição. A implicação parece ser: assim como Jonas foi
autorizado por seu sinal para pregar arrependimento aos ninivitas, assim
também Jesus como o Messias seria autorizado em Sua mensagem ao
povo judeu, Visto que Cristo é maior do que Jonas, a falha em se
arrepender sob a mensagem de Cristo incorrerá, portanto, em uma maior
condenação divina do que a que pesava sobre os ninivitas, mas que foi
cancelada devido ao seu arrependimento.
Da mesma forma, os apelos de Jesus à sabedoria de Salomão
(Mateus 12:42; Lucas 11:31) e à autoridade de Davi para guardar o sábado
livre de certas restrições cerimoniais (Marcos 2:25-26; Mateus 12:3-4, 56; Lucas 6:3-4) pertencem basicamente à mesma categoria de tipologia
messiânica como o Seu apelo ao sinal de Jonas. Pelo fato da esperança
messiânica ter sido exemplificada nos três tipos israelitas de mediadores
entre Deus e o Seu povo do concerto – o profeta, o sacerdote e o rei – ela
O Israel de Deus na Profecia
86
possuía profundo significado quando Jesus reivindicava estes três ofícios
sagrados como tipos de Sua própria missão para Israel e o mundo.7
Por isso é muito significativo estudar os tipos messiânicos na vida
religiosa, cúltica e política de Israel. Eles são essenciais para uma melhor
e mais adequada compreensão da obra e missão de Jesus. O Velho
Testamento permanece válido e necessário para o cristão, a fim de saber
quais as implicações da missão de Cristo, o Ungido. Uma compreensão
mais plena pode ser adquirida, além do mais, ao considerar como Jesus
aplicava, de uma maneira peculiar, a história primitiva de Israel à Si
mesmo. Como representante indicado de Seu povo, Jesus recapitulava –
isto é, repetia e consumava – o plano de Deus com Israel, e através deste,
com o homem.8 Ele deliberadamente palmilhou o mesmo terreno, a fim
de conquistar onde Israel havia falhado. Cristo conscienciosamente sabia
que fora chamado para Se tornar "o Servo do Senhor" predito em Isaías
42-53, especialmente depois que a voz de Seu Pai O havia identificado
como Cristo, Seu Filho e amado Servo (Mateus 3:17), e publicamente o
capacitado com o Espírito de Deus (Mateus 3:16; cf. Isaías 42:1). Como
Messias, Jesus não apenas foi solidário a Israel, mas foi a incorporação
deste, intitulado da mesma maneira "o filho primogênito" de Deus
(Êxodo 4:22). Através deste Servo, "a vontade do SENHOR prosperará"
(Isaías 53:10).
Os escritores dos Evangelhos asseveram que Jesus, depois de Seu
batismo, foi imediatamente "levado pelo Espírito ao deserto, para ser
tentado pelo diabo" (Mateus 4:1; Marcos 1:12; Lucas 4:1). O antigo
Israel, depois de seu êxodo do Egito e do "batismo" no Mar Vermelho,
foi testado por Deus por quarenta anos no deserto antes que pudesse
entrar na terra prometida (Deuteronômio 8:2). Assim, Cristo foi
conduzido ao deserto por quarenta dias para ser tentado pelo diabo
concernente à Sua confiança messiânica na vontade soberana de Deus,
antes de começar Sua singular comissão. Em Seu jejum deliberado por
exatamente quarenta dias, Jesus desempenhou a experiência de Israel,
mas manifestou total obediência a Deus através do apelo à Sua Palavra
O Israel de Deus na Profecia
87
revelada a Israel (três vezes: Mateus 4:4, 7, 10; citando respectivamente,
Deuteronômio 6:13, 16; 8:3). O fato notável é que Cristo, cada vez que
respondia às três tentações, citava uma passagem do livro de
Deuteronômio, capítulo 6-8, quando outras passagens também estavam
disponíveis. Robert T. France sugere:
Não seria por que Ele via nesses capítulos, com suas vívidas
lembranças das lições aprendidas por Israel em seus quarenta anos de
peregrinação no deserto, um padrão para o Seu próprio tempo de prova?
Deus havia testado a obediência de Israel no deserto por quarenta anos
(Deuteronômio 8:2), Seus "filhos" (Dt. 8:5; cf. Êx. 4:22), antes da missão de
conquista da terra prometida. Agora Ele estava testando Seu Filho Jesus no
deserto por quarenta dias, antes de Sua grande missão de libertação.9
À luz de um estudo mais detalhado do contexto lingüístico e
teológico de Deuteronômio 8, que tem sido empreendido por vários
eruditos10, torna-se claro que Jesus via a Si próprio, em termos
tipológicos, como um novo Israel. Em ambas as ocasiões, um "filho de
Deus" foi provado (Êxodo 4:22; Deuteronômio 8:5); a prova ocorreu
justamente depois de seus batismos (Mateus 3:16; 1 Coríntios 10:2); e
em cada ocasião ocorreu a tentação de testar a Deus, se Ele realizaria um
milagre, a fim de cumprir as Sua promessas (Deuteronômio 6:16; Êxodo
17:2-7; Mateus 4:3-7), bem como a prova para verificar se Israel adoraria
apenas a Deus (Deuteronômio 6:13-15; Mateus 4:10). Israel falhou
diante da prova, mas Jesus triunfou em favor daquele e da humanidade.
Dessa forma, a história israelense é repetida e conduzida ao
cumprimento bem sucedido perante Deus em Cristo. A verdade da
representação inclusiva de Cristo é a razão pela qual o Novo Testamento
não apenas afirma que as profecias messiânicas diretas e tipológicas são
"cumpridas" Nele, mas também que certas experiências históricas na
vida dos israelitas veterotestamentários – a maioria dos reis davídicos
também são "cumpridas" na vida de Cristo. É como se o Novo
Testamento tomasse a história e a profecia israelense como "típicas" da
história infinitamente maior do Messias de Israel, o qual sofreria e seria
exaltado em um sentido infinitamente mais profundo.
O Israel de Deus na Profecia
88
A verdade neotestamentária de que Jesus Cristo incorpora o Israel
de Deus como um todo e assim produz o cumprimento essencial da
história e profecia deste em Sua própria vida, é crucial para a
compreensão cristã da escatologia israelense.11 Com base no conceito do
Novo Testamento de que o Messias inclui em Si mesmo todo o povo de
Deus ou a humanidade redimida, os sofrimentos de Cristo, Sua morte e
ressurreição significam mais do que a experiência isolada de um
indivíduo justo. Eles cumprem o eterno propósito divino de Israel para
com a humanidade.
A mais antiga confissão de fé no Novo Testamento reflete essa
interpretação cristológica de Israel:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que, foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras (1 Coríntios
15:3-4; ênfase acrescentada).
A que passagens do Novo Testamento esta confissão religiosa se
refere? Como Cristo e os escritores neotestamentários aludiam ao Velho
Testamento em sua interpretação cristológica?
De acordo com C. H. Dodd,12 os escritores neotestamentários não
argumentam com textos separados do Velho Testamento, mas citam
frases ou sentenças únicas apenas como indicadores de um todo no
contexto do Velho Testamento. Esse contexto mais amplo desvela o
"enredo" dentro da história israelense e provê a chave para o significado
único da Igreja e da vida, morte e ressurreição de Jesus. O que aconteceu
com Jesus de Nazaré e com o Seu povo não foi uma frustração trágica ou
um adiamento do plano e das profecias divinas. Pelo contrário, de acordo
com o apóstolo Pedro no dia de Pentecostes, todos esses eventos
tomaram lugar "pelo determinado desígnio e presciência de Deus" (Atos
2:23; cf. 4:28) como revelado no Velho Testamento. Como então, o
"determinado desígnio" foi revelado? Nosso interesse particular aqui
focaliza um estilo muito negligenciado e olvidado no qual Cristo e os
escritores do Novo Testamento procuravam algumas experiências
históricas do Israel coletivo como tipologia das experiências do Messias
O Israel de Deus na Profecia
89
(êxodo, batismo, as experiências no deserto da tentação). Contemplavam
um sentido mais profundo e completo nas profecias em relação à
restauração nacional de Israel depois do exílio assírio-babilônico.
A Ressurreição de Cristo "ao terceiro dia" no Velho Testamento
Cristo anunciou várias vezes que a Sua ressurreição aconteceria
"depois de três elas" (Marcos 8:31; 9:31; 10:34), ou, "ao terceiro dia"
(Mateus 16:21; 17:23; 20:19; Lucas 9:22; 18:33; 24:7, 46). Afirmou que
não apenas Seu sofrimento e morte, mas também sua ressurreição "ao
terceiro dia" fora predita no Velho Testamento (Lucas 18:31-33; 24:46).
Contudo, quais as passagens do Velho Testamento sugerem essa
predição messiânica particular? Enquanto os apóstolos apelavam para três
Salmos (2:7; 16:10; 118:22) a fim de substanciar as suas convicções de que
as promessas de Deus aos pais haviam sido cumpridas na ressurreição de
Jesus (Salmo 2:2 em Atos 13:33; Salmo 16:10 em Atos 2:31 e 13:35;
Salmo 118:22 em Atos 4:11), nenhuma destas citações sugerem qualquer
ressurreição "depois de três dias" e por isso não podem ser consideradas
como a fonte particular do elemento de tempo predito por Jesus. Contudo,
duas outras passagens veterotestamentárias podem ser reconhecidas como a
fonte específica do anúncio de Jesus: Jonas 1:17 e Oséias 6:2.
É evidente que Jesus via na experiência de aprisionamento de Jonas
dentro do peixe por "três dias e três noites" um tipo messiânico de Sua
própria permanência na sepultura. A notável predição de Oséias – feita
antes de 722 A.C. – de que Israel como o povo do concerto de Deus seria
reavivado e restaurado depois do cativeiro assírio, é extremamente
instrutiva para compreender a aplicação messiânica de Cristo da profecia
de Israel. Dentro do contexto do iminente julgamento divino da nação de
Dez Tribos por meio do exílio assírio, Oséias retrata um Israel
arrependido que mostrará uma mudança de coração real, ao dizer:
Vinde, e tornemos para o SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos
sarará; fez a ferida e a ligará. Depois de dois dias, nos revigorará; ao
O Israel de Deus na Profecia
90
terceiro dia, nos levantará, e viveremos diante dele (Oséias 6:1-2; ênfase
acrescentada).
Um erudito faz uma observação com respeito a Oséias 6:2,
"Verbalmente, este verso é o paralelo mais próximo que o Velho
Testamento oferece às predições de Jesus de sua ressurreição, e sua
influência sobre elas é amplamente aceita".13 Outro chama Oséias 6:2 de
texto "fundamental" para a ressurreição de Cristo.14 Aplicada a Israel no
exílio assírio, a promessa de Oséias de reavivamento e restauração de um
povo arrependido "depois de dois dias" e "ao terceiro dia", poderia
apenas significar o restabelecimento deste no futuro próximo. A profecia
de Oséias concernente aos "dois dias" e "ao terceiro dia" claramente se
referia ao retorno de Israel do exílio assírio. Este começou em 722 A.C.
e não terminou até depois da queda de Babilônia em 539 A.C. Depois do
exílio, os rabis aplicavam a promessa de Oséias de uma nova forma, de
maneira escatológica à ressurreição dos israelitas, um fato que levou
Matthews Black a observar: "Porém, a interpretação de ressurreição em
Oséias vi.2 não é uma invenção cristã. É uma exegese judaica tradicional
bastante antiga de Oséias vi.2".15 A exegese judaica também combinava
Oséias 6:2 com Jonas 1:17, a fim de fortalecer a esperança israelense na
ressurreição.16 Assim, concluímos que a fonte escriturística de Jesus para
a Sua convicção de que seria ressuscitado dos mortos "ao terceiro dia"
era a combinação da passagem de Oséias 6:2 com Jonas 1:17.17
Jesus aplicou literalmente a expressão simbólica da profecia de
Oséias concernente à restauração de Israel, depois de "dois dias" e no
"terceiro dia", a Si mesmo, à Sua morte substitutiva e à Sua ressurreição.
Em outras palavras, Ele aplicou uma profecia que originariamente
pertencia à restauração nacional de um remanescente fiel israelense a Si
mesmo como o Messias de Israel e à Sua própria ressurreição. Enquanto
os rabis faziam uma aplicação escatológica da profecia de Oséias (6:2),
referindo-se à ressurreição de Israel, Jesus fez uma nova e singular
aplicação messiânica da restauração de Israel à Sua própria ressurreição.
Este era o sentido mais profundo da profecia de Oséias na visão de Jesus.
O Israel de Deus na Profecia
91
A implicação de Seu princípio de interpretação profética é reveladora:
Jesus é Israel, e em Sua ressurreição a restauração deste é realizada. Até
mesmo C. H. Dodd diz, "A ressurreição de Cristo é a ressurreição de
Israel da qual falou o profeta".18
Se a ressurreição de Jesus é o sentido mais profundo e o
cumprimento da profecia de Oséias 6:2, então os termos "Israel" e sua
"restauração" deveriam sempre ser compreendidos sob a perspectiva
messiânica – isto é, cristologicamente – em sua aplicação escatológica. O
cumprimento profético literal na escatologia passa pela cruz de Cristo e é
transformado em Sua ressurreição. Nela, a esperança de restauração
israelense tem sido consumada. Este estilo messiânico de interpretar a
profecia de Oséias em relação à restauração de Israel tem implicações
profundas e de longo alcance para a compreensão cristã da profecia
veterotestamentária. É refletido em muitas aplicações neotestamentárias
a Cristo Jesus dos eventos do Velho Testamento que pertencem a Israel
ou aos representantes israelitas.
As Aplicações Messiânicas de Jesus nas Músicas Cúlticas de Israel
Quatro Salmos para os quais Jesus apelou especificamente como
prefigurações de Sua experiência messiânica (Salmo 22, 41, 69 e 118)
merecem nossa mais profunda atenção a fim de estabelecer firmemente o
próprio princípio de Cristo da interpretação messiânica.
Os Salmos 22, 41 e 69 pertencem à reconhecida categoria de
lamentações cúlticas que se aplicavam tanto ao israelita individualmente
como a Israel coletivamente em tempos de crise e sofrimento, muito
embora a confiança e as ações de graças a Deus pela Sua intervenção
redentora também podem ser ouvidas nas lamentações. A relação entre o
indivíduo e o povo como um todo era muito próxima em Israel,
especialmente quando o indivíduo em um cântico de adoração comum
era um rei ou um outro líder representativo do povo.
O Israel de Deus na Profecia
92
Em Seu momento de mais profunda agonia na cruz, Cristo clamou,
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mateus 27:46;
Marcos 15:34). Estava citando as próprias palavras do Salmo 22:1 que
Davi clamara muito antes no contexto de seu próprio desespero enquanto
circundado por vorazes inimigos. Pelo fato do Salmo como um todo ser
uma unidade, consistindo de uma lamentação extensa a respeito de
grande sofrimento e escárnio (versos 1-21), Cristo via na amarga
experiência de Davi uma clara correspondência ou mesmo um tipo da
Sua própria e infinitamente mais exasperada agonia. A lamentação
histórica de Davi no Salmo 22 não é uma profecia messiânica direta,
embora Cristo e os escritores neotestamentários apliquem muitos
aspectos deste Salmo tipologicamente à cruz e à glória que seguiria. Ele
é um dos Salmos mais referidos no Novo Testamento como tendo
encontrado um cumprimento mais profundo em Cristo. O Salmo 22:18
concernente ao lançamento de sortes pelas roupas do condenado, é citada
em João 19:24 como "cumprido" em Cristo. A ação de graças de Davi no
verso 22 é citada em Hebreus 2:12 como se cumprindo na glorificação de
Cristo.
No Salmo 41, o rei de Israel expressou sua necessidade em tempos
de severa enfermidade (versos 3, 4) e como os seus inimigos estavam
próximos a ele, procurando sua morte com falsas acusações (versos 5-8).
No centro dessa lamentação está a queixa de que mesmo um amigo
chegado, que estava acostumado a sentar-se à mesa real, o havia traído:
Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão,
levantou contra mim o calcanhar. - Salmo 41:9
É possível ver aqui uma referência a Aitofel, o conselheiro de
confiança de Davi (2 Samuel 15:12, 31).
Jesus aparentemente se referiu a essa experiência de Davi quando
disse aos doze, "Em verdade vos digo que um dentre vós, o que come
comigo, me trairá... Pois o Filho do Homem vai, como está escrito a seu
respeito" (Marcos 14:18; cf. Lucas 22:22). E acrescentou, "é, antes, para
O Israel de Deus na Profecia
93
que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra
mim seu calcanhar" (João 13:18, ênfase acrescentada; cf. 17:12).
A chocante traição do rei Davi por um amigo próximo (Salmos
41:9) não foi uma predição ou uma profecia messiânica direta, não
obstante, Jesus aplicou essa experiência histórica e lamentação cúltica a
Si mesmo e, dessa forma, elevou a desafortunada traição de Davi a um
tipo que foi "cumprido" em Cristo. Assim, Ele desvelou o Salmo 41:9
em um sentido mais profundo e cristológico.
O Salmo 69 contém uma desesperada lamentação do rei de Judá,
porque ele é falsamente acusado e amargamente perseguido. Não
obstante, conclui com um cântico de ação de graças e um chamado ao
louvor universal a Deus (versos 34-36; cf. Salmo 22:22vv; 41:13). Este
líder é compelido por um zelo consumidor, um amor apaixonado pela
casa de Deus, o templo. Acusado de roubo, ele sofre inocentemente a
esse respeito (versos 4, 9). Em seu sofrimento, vê a si mesmo como um
representante e exemplar de outros que partilham uma situação
semelhante (verso 6).19 Está só, como servo de Deus, pela Sua causa
(versos 8-9, 17), mas a despeito de sua angustia extrema continua a
esperar nEle (verso 6). A intervenção divina efetuou uma mudança
repentina para o rei, de maneira que uma conclamação ao louvor e à ação
de graças e todo o Israel conclui este cântico comovente (versos 30-36).
Várias citações do Salmo 69 no Novo Testamento revelam o
significado messiânico desta lamentação e doxologia.
São mais que os cabelos de minha cabeça os que, sem razão, me
odeiam... (verso 4). ...
.. -pois o zelo da tua casa me consumiu, e as injúrias dos que te
ultrajam caem sobre mim. (verso 9).
Por alimento me deram fel e na minha sede me deram a beber vinagre
(verso 21).
Quando Cristo notou que os judeus começaram a rejeitá-Lo a
perseguir os Seus discípulos, Ele disse, "Quem me odeia, odeia também
a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum
outro fez, pecado não teriam; mas, agora, não somente têm eles visto,
O Israel de Deus na Profecia
94
mas também odiado, tanto a mim como a meu Pai. Isto, porém, é para
que Se cumpra a palavra escrita na sua lei: Odiaram-me sem motivo"
(João 15:23-25; ênfase acrescentada). O Novo Testamento vincula uma
situação particular da vida de Davi com uma situação semelhante na vida
de Cristo. Mais ainda, intitula a rejeição de Cristo por parte de Israel um
"cumprimento" do que foi escrito no Salmo 69. Essa ligação é justificada
de acordo com o princípio da tipologia messiânica.
Pouco depois do incidente da purificação do templo de Jerusalém
de vendedores de gado e cambistas por Jesus, os discípulos relembraram
as palavras do Salmo 69:9, "O zelo da tua casa me consumirá" (João
2:17). A mudança da sentença original no tempo presente do Salmo 69:9
para o futuro em João 2:17 parece indicar o reconhecimento de uma
dimensão profética nesse Salmo.
O apóstolo Paulo também aplica outras palavras do Salmo 69:9, que
pertenciam originalmente a Davi, à experiência de Cristo (ver Romanos
15:3). Além disso, a descrição nos evangelhos sinóticos de que a Jesus
foi oferecido vinagre enquanto pendia da cruz (Mateus 27:48; Marcos
15:36; Lucas 23:36) corresponde à experiência do salmista no Salmo
69:21. O Evangelho de João explicitamente afirma que Jesus disse na
cruz, "Tenho sede", "para se cumprir a Escritura" (João 19:28; ênfase
acrescentada). Esta "Escritura" é encontrada no Salmo 69:21: "... na
minha sede me deram a beber vinagre."
O julgamento que Davi reivindicara sobre os seus perseguidores no
Salmo 69:25 é, mais tarde, cumprido no destino fatal de Judas, o traidor
de Cristo, de acordo com Atos 1:20. Hans J. Kraus observa
perceptivamente:
Através dos sofrimentos de Jesus, o Servo de Deus, a misteriosa
mensagem do Salmo 69 é finalmente trazida à luz. Daí em diante, a
mensagem essencial desse salmo não será acessível de outra maneira. O
cumprimento "preenche" o kerugma do salmo veterotestamentário,
transcendendo cada individualidade; ele penetra na profundidade inexaurível
de sofrimento expresso em cântico o qual, em sua proclamação majestosa,
coloca-se ao lado de Isaías 53, Salmo 22 e 118.20
O Israel de Deus na Profecia
95
O Salmo 118 é considerado parte de uma ação de graças litúrgica
do templo. Contém aclamações de louvor responsivas pela comunidade
em adoração. Um adorador individual que pertencia aos "justos" (verso
20), possivelmente o rei, experimentou uma libertação miraculosa da
morte (verso 17). Sente-se compelido a agradecer a Deus no meio de
Israel e a recontar o ato de livramento de Jeová (verso 17) como resposta
às suas súplicas (verso 21). Os outros adoradores no templo expressam a
sua admiração quanto à redenção desse oprimido e à espantosa mudança
nos eventos para ele, o qual era como uma rocha que os edificadores
rejeitaram, que provou ser, não obstante, de fundamental importância:
A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal
pedra, angular; isto procede do SENHOR e é maravilhoso aos nossos olhos.
- Salmo 118:22, 23.
A idéia básica desse dito proverbial é que alguém desprezado foi
erguido à estima e à honra; alguém que fora condenado à morte recebeu
uma nova vida (versos 17-18). Todo o Israel é convidado a regozijar-se
em sua salvação (versos 24-29). O Salmo 118 mostra como a experiência
individual e coletiva em Israel está entrelaçada. Os escritores dos
evangelhos aplicavam o Salmo 118:22 profeticamente ao sofrimento e à
ressurreição do Messias (Mateus 21:42, cf. versos 14-15). De acordo
com Lucas, Jesus perguntou aos rabis e principais sacerdotes que
estavam inclinados a destruí-Lo, "Que quer dizer, pois, o que está escrito:
A pedra que os construtores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra,
angular?" (Lucas 20:17; ênfase adicionada). Aparentemente, Jesus via
nos cânticos tradicionais de ação de graças do Salmo 118 um significado
messiânico que transcendia uma exegese puramente histórica. Cristo
penetrava no sentido oculto desse cântico de ação de graças através da
aplicação do método tipológico. A interpretação cristológica revelou o
significado desse salmo.
A aplicação de Pedro do Salmo 118 ressalta a ressurreição de Cristo
como o maravilho ato de Deus. Este salmo aparentemente não preditivo
encontrou o seu cumprimento em Cristo. Pedro identificou
O Israel de Deus na Profecia
96
especificamente os governantes e mestres de Jerusalém como "os
construtores" (Atos 4:11). O Targum judaico explica o Salmos 118:22
como se referindo apenas a Davi, que havia sido rejeitado antes de ser
escolhido como o ungido.21 Porém, Pedro desenvolve com convicção
apostólica o cumprimento escatológico e cristológico do Salmo 118 (ver
1 Pedro 2:4, 7).
Ademais, tanto Pedro quanto Paulo aplicam "a pedra" do Salmo 118
também num sentido coletivo ou corporativo à igreja dos apóstolos (1
Pedro 2:4,5; Efésios 2:20). Os crentes cristãos são como pedras vivas
"edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele
mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular" (Efésios 2:20; 1 Pedro 2:5).
Conseqüentemente, a construção do verdadeiro templo de Deus na terra
não foi detida ou adiada, mas ao contrário, avançou e acelerou desde o
Pentecostes pelo próprio Cristo ressurreto.
Sumariando, os salmos de Israel que encontraram cumprimento em
Jesus Cristo (Salmo 22, 41, 69, 118) não foram predições messiânicas
diretas. São orações e ações de graças de Israel que se aplicavam
diretamente ao tempo do poeta ou do próprio rei davídico. Seguindo as
pegadas de Jesus, os escritores do Novo Testamento proclamaram que a
missão de Cristo, Sua progressão do sofrimento e rejeição para a
ressurreição e exaltação como Senhor, foi o "cumprimento" de algumas
das mais dramáticas experiências de Israel descritas nos cânticos cúlticos
deste. Assim, o Novo Testamento ensina a interpretação tipológica dos
salmos e orações de Israel.22 Esse surpreendente padrão de tipologia no
livro de Salmos, que veio à luz apenas através de Jesus Cristo e do Novo
Testamento, justifica a classificação de tais salmos como profecias
messiânicas indiretas. O princípio hermenêutico que ressalta a sua
aplicação cristológica parece ser que Cristo deve repetir a experiência de
Israel num sentido bem mais pleno, a fim de cumprir o propósito de
Deus para Israel e o mundo.23
O propósito dessas citações neotestamentárias não é simplesmente
mostrar como as predições messiânicas encobertas foram verificadas de
O Israel de Deus na Profecia
97
forma precisa na vida de Jesus, mas ao invés disso, proclamá-Lo como o
alvo da história de Israel e a perfeita realização do concerto de Deus com
este. Jesus é entesourado no Novo Testamento como infinitamente mais
elevado do que o verificador das predições verbais. A Ele são
transmitidos de uma só vez os títulos messiânicos – Messias, Escolhido,
Amado, Filho de Davi – e os títulos de Israel – Servo de Jeová, a pedra
rejeitada mas vindicada, pedra angular, templo. Em resumo, o Novo
Testamento exalta a Cristo Jesus como "o Consumador da fé" (Hebreus
12:2), como "o clímax do modelo do verdadeiro relacionamento de
concerto".24
A Interpretação Cristológica das Descrições Históricas nos Livros
Proféticos
Os escritores dos Evangelhos declaram que certas ocorrências
históricas no passado de Israel foram "cumpridas" na própria vida de
Cristo. Mateus cita uma referência histórica no livro do profeta Oséias,
"do Egito chamei o meu filho" (11:1), uma declaração que relembrava a
Israel de seu êxodo histórico do Egito. Ele aplica estas palavras à fuga de
José e Maria daquele país até a morte de Herodes: "...para que se
cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: Do
Egito chamei o meu Filho" (Mateus 2:15). O ponto da citação de Mateus
é que a profecia de Oséias se "cumpriu" no Jesus infante. Contudo, as
palavras do profeta, não eram profecia, mas uma lembrança significativa
da experiência histórica de Israel como "filho" de Deus (cf. Êxodo 4:22).
Como Mateus pode, então, afirmar que Oséias 11:1 se "cumpriu" em
Jesus? Pelo mesmo raciocínio que justificou a interpretação messiânica
da experiência de Davi (ver a seção anterior). Como o Filho de Deus,
Cristo não apenas representa Israel perante Ele, mas também representa a
história e o destino daquela nação em Sua própria vida. Mateus tenta
ensinar que o significado da história israelita é inteiramente revelado na
vida e missão de Jesus Cristo.
O Israel de Deus na Profecia
98
Mateus continua o relato descrevendo o assassinato de todas as
crianças de dois anos para baixo em Belém por Herodes. Agora, ele se
refere a um evento na história de Israel, descrito no livro do profeta
Jeremias, como tendo se "cumprido" nos chocantes eventos de Belém.
Então, se cumpriu o que fora dito por intermédio do profeta Jeremias:
Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto, [choro] e grande lamento; era Raquel
chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem. - Mateus
2:17-18; c£ Jeremias 31:15
Estas palavras se referem à deportação dos judeus de Jerusalém –
via Ramá – para Babilônia, que o próprio Jeremias testemunhou.
Simbolicamente, Raquel, como a mãe de Israel, estava então chorando.
De acordo com Mateus, esse choro se "cumpriu", contudo, no lamento
dos belemitas por causa do massacre decretado por Herodes, a fim de
matar Jesus. Mateus interpreta muitos eventos cruciais na história
israelense como prefigurações dos eventos messiânicos. Na vida de
Cristo, o sentido mais pleno da história sagrada de Israel é trazido à luz.25
Dessa maneira, ele tenta confirmar a fé cristã de que Jesus é o Messias
de Israel e de que Deus realizou o Seu objetivo com Ele na Sua história
de Salvação.
Os eruditos bíblicos começam a aceitar o termo teológico sensus
plenior, ou "sentido pleno", a fim de reconhecer que a história
veterotestamentária de Israel tem um significado mais profundo do que
uma exegese puramente histórico-gramatical poderia trazer à luz.26
Dirigido por controles adequados27, o conceito de "sentido pleno" ou
"sentido mais profundo" é válido e indispensável para reconhecer como
os escritores dos Evangelhos – e do Apocalipse – interpretam o Velho
Testamento. O significado "pleno" das Escrituras figura, por definição,
como o sentido intencionado por Deus na Palavra, que pode ou não ter
sido discernido pelo autor humano, mas que é tornado claro pela
revelação subseqüente do Espírito Santo. Como um erudito esclarece,
"Em ambas as situações, o autor não transmite o sensus plenior aos seus
ouvintes, mas posteriormente, à luz de revelação ulterior, o significado
O Israel de Deus na Profecia
99
pleno torna-se claro aos leitores sob a influência do Espírito que inspirou
o autor original".28
Alguns exemplos do Evangelho de João são instrutivos para
aprender como os apóstolos entendiam o significado da história israelita
no Velho Testamento. João interpreta a descrença judaica em Jesus como
o Messias como um cumprimento da descrença de Jerusalém na
mensagem de Isaías.
E, embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram nele,
para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em
nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? (João 12:37-38;
ênfase acrescentada; cf. Isaías 53:1).
Enquanto o antigo Israel descria na mensagem profética de Isaías
concernente à vinda do Servo de Jeová (Isaías 53), os judeus nos dias de
Jesus descriam num sentido mais profundo, pois viam o cumprimento da
profecia de Isaías perante os seus olhos e ainda não criam Nele. João
procede de maneira a clarificar a implicação teológica da rejeição pelos
judeus de Jesus Cristo, apelando para Isaías 6:9-10 através de uma
maneira literária que não se conforma nem com o texto hebraico, nem
com o da Septuaginta. Ele introduz a Jesus como realmente atuando da
maneira como Isaías originalmente havia descrito sob a ordem de Jeová.
De acordo com Isaías, Deus mandou- lhe dizer à Jerusalém:
Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna
insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os
olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e
a entender com o coração. Isaías 6:9-10
Contudo, João cita Isaías como dizendo, "[o Senhor] cegou-lhes os
olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, nem
entendam com o coração..." (João 12:40, ênfase acrescentada). Por isso,
João transforma a comissão de Deus ao profeta Isaías em uma tarefa
cumprida por Jesus Cristo. Adiciona significativamente, "Isto disse
Isaías porque viu a glória dele e falou a seu respeito'' (João 12:41).
Essa impressionante afirmação declara nada menos que Isaías – em
sua visão da impressionante santidade de Jeová no templo celestial e do
O Israel de Deus na Profecia
100
seu chamado profético ao povo de Israel (Isaías 6:1-8) – havia visto em
realidade, a glória de Cristo em Seu esplendor pré-encarnado, e a Ele se
referido. Para João, a pessoa de Jesus manifesta uma fusão da glória de
Jeová e da missão profética de Isaías 29 (cf. João 1:14; 17:4-5). Dessa
maneira surpreendente, o apóstolo desdobra o significado pleno da
missão profética de Isaías e a subseqüente cegueira de Israel. Jesus até
mesmo lê a descrição de Isaías da hipocrisia dos adoradores de
Jerusalém – no oitavo século A.C. – como uma profecia da hipocrisia
dos fariseus e rabis de Seus próprios dias:
Hipócritas! Bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo
honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão
me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. - Mateus
15:7-9; ênfase acrescentada; cf. Isaías 29:13
Uma comparação literária de Isaías 6:9-10 com João 12:40 – tanto
no texto Massorético como na Septuaginta – mostra que João não se
apega conscientemente à letra do Velho Testamento quando o cita.
Enquanto preserva o sentido original do texto hebraico, ele sente-se livre
para modificar o texto original – ou a sua versão grega – a fim de
apresentar o sentido cristológico mais apropriadamente.30 Para ele, bem
como para os outros autores do Novo Testamento31, o significado
cristológico do texto original era de importância primária para a sua
compreensão cristã do Velho Testamento. Henry M. Shires conclui a
partir de seu estudo do Evangelho de João, "O evangelista é
primariamente influenciado pela sua convicção teológica [de que Jesus é
o Messias de Israel], e vê o V.T. como um recurso que pode usar na
formulação eficiente de sua concepção. Mas, para os cristãos, o
significado do VT. é profético".32
Sumariando, o Novo Testamento revela uma abordagem do Velho
Testamento que é múltipla e centralizada em Cristo, a qual é também
teologicamente mais rica e compreensiva do que a hermenêutica do
literalismo. Uma consideração de vários exemplos neotestamentários de
interpretação das profecias messiânicas do Velho Testamento revela
O Israel de Deus na Profecia
101
alguns padrões fascinantes de promessa e cumprimento dentro de uma
estrutura mais ampla da contínua história divina da salvação. Baseada na
implícita pressuposição da soberania de Deus na história de Israel, o
Novo Testamento reconhece algumas profecias messiânicas diretas do
Velho Testamento que encontraram seu cumprimento em Cristo Jesus.
Ainda com mais freqüência, contudo, o Novo Testamento reconhece
muitas profecias messiânicas indiretas que têm sido confirmadas em seu
significado mais pleno (sensus plenior) em Cristo através de um
cumprimento tipológico, especialmente no modelo de sofrimento
seguido pela exaltação nos Salmos monárquicos. Finalmente, o Novo
Testamento inova uma interpretação messiânica das passagens históricas
não preditivas da experiência israelita no Velho Testamento, novamente
em termos de correlações tipológicas. Através dessas várias maneiras, o
Novo Testamento ensina que os eventos na vida de Cristo – Seu
nascimento em Belém, Sua morte humilhante, mas também Sua
ressurreição e exaltação à destra de Deus – não foram eventos
imprevistos ou acidentais, mas predeterminados de acordo com os
desígnios de Deus quando formou e chamou a Israel. Enquanto as
profecias messiânicas diretas têm uma utilidade apologética definida
para a proclamação do Evangelho aos não-cristãos, o padrão de
promessa-cumprimento nas profecias tipológicas e na história de Israel
parece válido e convincente apenas para os cristãos que já crêem que
Jesus é o Messias da profecia.
Essa fé em Cristo Jesus é inteiramente baseada nos fatos históricos
objetivos da vida e ressurreição de Cristo. Tal fé abre os olhos para vêLo em todo o Velho Testamento33, de maneira que as profecias
messiânicas não são mais isoladas e limitadas a um grupo particular de
profecias preditivas ou a algumas seções das Escrituras (ver João 5:39,
46; Lucas 24:27, 44-47). Essa visão de Cristo como a incorporação de
Israel e o representante da humanidade, devemos ao próprio Jesus,
porque Ele compreendia o Velho Testamento tipologicamente como um
todo. Por essa razão, o Velho Testamento não pode ser exaurido ou
O Israel de Deus na Profecia
102
tornado obsoleto, mesmo pelo cumprimento literal de suas predições ou
prefigurações.
"Cresce a convicção de que os escritores do Novo Testamento
usavam as Escrituras com conhecimento e discernimento espiritual,
compreendendo inteiramente o que estavam fazendo. Para eles, o Velho
Testamento como um todo e em todas as suas partes era uma testemunha
de Cristo".34 Através do Espírito de Cristo o crente se comove com a
alegria da descoberta ao discernir novos veios da verdade nas Escrituras
que confirmam a unidade espiritual do Velho e do Novo Testamentos. O
Velho torna-se para ele um livro cristão tanto quanto o Novo
Testamento, porque "a inteireza do Antigo Testamento aponta como uma
grande flecha para o cumprimento relatado no Novo".35
Referências Bibliográficas:
1. Ver W. C. Kaiser, Jr., "Messianic Prophecies in the Old
Testament", em Hand Book of Biblical Prophecy, ed. C. E. Amerding and
W. W. Gasque (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1978), p. 84.
Também Toward an Old Testament Theology, p. 141. Cf. SDABC, vol. 1,
pp. l017-19 (sobre Deuteronômio 18:15).
2. Ver Kaiser, Toward an Old Testament Theology, pp. 149-157
(sobre 2 Samuel 7); pp. 159-166 (sobre os salmos monárquicos); pp. 208210 (sobre Isaías 7:14. Quanto a Isaías 7:14, ver Problems in Bible
Translation, ed. Uma comissão da Conferência Geral dos Adventistas do
Sétimo Dia (Washington, D.C. : Review and Herald Pub. Assn., 1954),
pp.151-169.
3. Kistemaker, The Psalm Citations in the Epistle to the Hebrews, pp.
145-146.
4. W. J. Beecher, The Prophets and the Promises. (Grand Rapids,
Mich.: Baker Book House, 1975; reimpressão de 1905), pp. 129-131.
5. Paul Peters, citado em W. J. Hassold, "Rectilinear or Typological
Interpretation of Messianic Prophecy", Concordia 38 (1967): 155-167;
O Israel de Deus na Profecia
103
citação da página 155. Esse artigo apresenta um relatório instrutivo do
debate no luteranismo acerca da profecia messiânica direta ou tipológica.
6. Kaiser, "Messianic Prophecies in the Old Testament", em Hand
Book of Biblical Prophecy, p. 77.
7. Ver France, Jesus and the Old Testament, pp. 43-49.
8. K. J. Woollcombe (Essays on Typology, ed. Lampe and
Woollcombe [Naperville, Ill.: A. R. Allenson, 1957], pp. 43-44) encontra o
conceito de recapitulação entrincheirado nas profecias escatológicas do
Velho Testamento, e.g., a visão do templo de Ezequiel, em consideração do
templo de Salomão e o tabernáculo de Israel.
9. R. T. France, "In all the Scriptures" – A Study of Jesus' Typology",
TSF Bulletin (1970), p. 14.
10. France, Jesus and the Old Testament, pp. 50-53. B. Gerhardsson,
The Testing of God's Son (Lund: CWK Gleerup, 1966), capítulos 1-4,
especialmente, pp. 19-35.
11. Dodd, The Old Testament in the New, p. 29. Cf. H. Wheeler
Robinson, Corporate Personality in Ancient Israel (Philadelphia: Fortress
Press, 1967).
12. Dodd, According to the Scriptures. Também The Old Testament in
the New (Philadelphia: Westminster Press, 1974); Bruce, New Testament
Development of Old Testament Themes.
13. France, Jesus and the Old Testament, p. 54. Cf. Dodd, The Old
Testament in the New, p. 30; C. Westermann, The Old Testament and Jesus
Christ, tr. Omar Kaste (Minneapolis: Augsburg Pub.:, 1971).
14. H. E. Tödt, The Son of Man in the Synoptic Tradition, tr. Dorothea
M. Barton (Philadelphia: Westminster Press), p. 185.
15. Ver M. Black, "The Christological Use of the OT in the NT", NTS
18 (1972): 1-14; citação da página 6.
16. J. W. Doeve, Jewish Hermeneutics in the Synoptic Gospels and
Acts (Assen: Van Gorcum, 1954), p. 149, que se refere a Ber. Rabba LVI:1;
XCL:7 (fim).
17. Ver France, Jesus and the Old Testament, p. 55.
O Israel de Deus na Profecia
104
18. Dodd, According to the Scripture, p. 103. Cf. também France, Jesus
and the Old Testament, p. 55.
19. Ver Kraus, Psalmen, p. 482 (sobre o Salmo 69:7).
20. Kraus, Psalmen, p. 485 (tradução do autor).
21. Black, "The Christological Use of the OT in the NT", pp. 12-13.
22. Mowinckel, He That Cometh, p. 12.
23. France, Jesus and the Old Testament, p. 59.
24. C.F.D. Moule, "Fulfillment-Words in the New Testament: Use and
Abuse", NTS 14 (1968): 293-320; especialmente, 298-302.
25. Para um tratamento mais completo, D. A. Hagner, "The Old
Testament in the New Testament", pp. 90-104. J. C. K. von Hofmann,
Interpreting the Bible (Minneapolis: Augsburg Pub., 1972), pp. 169-204.
26. D. A. Hagner, em Handbook of Biblical Prophecy, ed. C. E.
Amerding and W. W. Gasque (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House,
1978), p. 91. W. S. LaSor, "Interpretation of Prophecy", em Hermeneutics,
ed. B. Ramm, et al. (Grand Rapids, ich.: Baker Book House, 1971), pp.
106-108. Ver o erudito católico romano R. E. Brown, The Sensus Plenior
of Sacred Scripture (Baltimore: St. Mary's University, 1955), p. 92.
27. Ver Hagner, em Handbook of Biblical Prophecy, p. 93v; LaSor,
"Interpretation of Prophecy", em Hermeneutics, p. 116.
28. LaSor, "Interpretation of Prophecy", em Hermeneutics, p. 108.
29. Cf. Von Hofmann, Interpreting the Bible, pp. 202-204.
30. Cf. Old Testament Quotation in the New. Testament, ed. R. G.
Bratcher (London: United Bible Society, 1967), p. 24. Para a versão de
Isaías 6:9-10 em Marcos 4:12 de acordo com a versão encontrada no
Targum de Jônatas, ver Hagner, The Old Testament in the New Testament,
em Interpreting the Word of God, pp. 87-88. A citação em Mateus 13:14-15
concorda com a Septuaginta de Isaías 6:9-10.
31 . Um outro exemplo de notável liberdade em desviar-se do texto
original é encontrado na '"citação" de Hebreus 10:37-38 de Habacuque 2:34. Ver T. W. Manson, "The Argument From Prophecy", JTS 46 (1945):
129-136.
32. Shires, Finding the Old Testament in the New, p. 60.
O Israel de Deus na Profecia
105
33. Ver Westermann, The Old Testament and Jesus Christ; J.A.
Borland, Christ in the Old Testament: A Comprehensive Study of OT
Appearance of Christ in Human Form (Chicago: Moody Press, 1978);
Wnham, Christ and the Bible.
34. Westermann, Christ and the Bible, p. 108.
35. Hagner. The Old Testament in the New Testament, em Interpreting
the Bible, p. 103. Cf. H. L. Ellison, The Centrality of the Messianic Idea for
the Old Testament (Leicester: Theological Students Fellowship, 1977), p. 6:
"O Velho Testamento inteiro, e não meramente uma antologia de passagens
provas, foi considerado como se referindo a Cristo Jesus."
O SIGNIFICADO TEOLÓGICO DO REMANESCENTE DE
ISRAEL E A SUA MISSÃO
Em seu livro Studies in the Name "Israel" in the Old Testament
(Uppsala, 1946), o erudito sueco Gustaf A. Danell conclui que o
vocábulo "Israel", além de ser usado como nome de uma pessoa, pode
designar três grupos relacionados: (1) a união das doze tribos antes da
divisão do reino; (2) as dez tribos do norte de Israel; (3) Judá, depois da
queda do reino do norte, como o remanescente de Israel (p. 9). Nosso
interesse primário procura penetrar além dessas designações externas até
a natureza religiosa e o significado teológico da expressão "Israel" como
apresentado no Velho e no Novo Testamentos. Nesse respeito, o erudito
O Israel de Deus na Profecia
106
holandês do Antigo Testamento, A. R. Hulst, demonstrou que o
vocábulo "Israel" tem duplo sentido desde o início: "pessoa", "nação" e
"povo de Jeová" ou congregação religiosa".1 Vamos considerar
brevemente o uso teológico-religioso da expressão "Israel" no Velho
Testamento.
Israel no Velho Testamento
O primeiro uso da palavra "Israel" na Bíblia, em Gênesis 32,
apresenta a origem e o significado deste novo nome. Quando estava para
entrar na terra de Canaã, o patriarca Jacó, levado pela culpa e temendo
por sua vida, começou numa noite a lutar com um "Homem"
desconhecido que parecia possuir uma força sobre-humana. Jacó
persistentemente pleiteava a bênção desse Homem. Então, a resposta foi
dada, "já não te chamarás Jacó, e sim Israel, pois como príncipe lutaste
com Deus e com os homens e prevaleceste'' (Gênesis 32:28; cf. 35:9-10).
Mais tarde, o profeta Oséias interpretou a peleja de Jacó como uma luta
"com Deus" e "com o anjo" (Oséias 12:3, 4). O nome "Israel" é dessa
forma revelado como sendo de origem divina. Simboliza o novo
relacionamento espiritual de Jacó com Jeová e o representa reconciliado
através da graça perdoadora de Deus.
Tem-se enfatizado que a luta de Jacó foi iniciada por Deus e a sua
vitória foi o progresso "da resistência para o apego", significando que
Jacó abandonara sua própria auto-suficiência e autodefesa ao apegar-se
confiantemente ao Anjo de Deus, a fim de receber a garantia divina de
aceitação.2 E. G. White explica a mudança do nome de Jacó como segue:
"Como prova de que fora perdoado, seu nome foi mudado de um nome
que lembrava seu pecado, para outro que comemorava sua vitória".3
Em outras palavras, o nome "Israel", desde o começo, simboliza um
relacionamento pessoal de reconciliação com Deus. O restante das
Escrituras nunca perde de vista a raiz sagrada desse nome. De fato, Deus
queria repetir a Sua iniciativa de lutar com o homem em todos os
O Israel de Deus na Profecia
107
israelitas que descenderam de Jacó. Através do profeta Oséias, Ele
apresenta a luta de Jacó e a total confiança em Jeová como um exemplo
que precisa ser imitado pelas tribos apóstatas de Israel que estavam
confiando mais nos cavalos de guerra da Assíria e do Egito (Oséias 12:36; 14:1-3). Isto é, a luta de Jacó com Deus é colocada por Oséias como
um protótipo do verdadeiro Israel, como um padrão normativo para a
casa de Israel, a fim de tornar-se o Israel de Deus.
O propósito divino para o povo israelita foi indicado por Moisés
quando disse a faraó, "Assim diz o SENHOR: Israel é meu filho, meu
primogênito. Digo-te, pois: deixa ir meu filho, para que me sirva''
(Êxodo 4:22). As tribos israelitas são chamadas para adorar ao Senhor, o
Santo, de acordo com a Sua vontade revelada. Eles são "Israel, seu povo"
(Êxodo 18:1), "a comunidade do Senhor" (Números 20:4, NIV).
Israel é diferente de todas as outras nações, não por causa de
qualquer qualidade étnica, moral ou política, mas unicamente porque foi
escolhido pelo Senhor para receber Suas promessas feitas aos patriarcas
(Deuteronômio 7:6-9). Deus redimiu a Seu povo do cativeiro no Egito a
fim de ligá-lo exclusivamente a Si:
Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de
águia e vos cheguei a mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha
voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade
peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis
reino de sacerdotes e nação santa (Êxodo 19:4-6).
Podemos distinguir dois aspectos do concerto divino com Israel.
Primeiro, este como uma unidade étnica foi escolhido para ser o próprio
povo de Deus, a fim de adorá-Lo por causa de Sua graça redentora e do
Seu amor (cf. Ezequiel 16). Segundo, Israel permaneceria a Sua preciosa
possessão e nação santa apenas se Lhe obedecesse e guardasse o Seu
concerto (Êxodo 20-24). Esse é claramente um aspecto condicional em
relação ao status futuro de Israel no concerto divino.
É fundamental a revelação de que a unidade nacional de Israel foi
desde o princípio baseada na ação redentora de Deus para com ele e na
O Israel de Deus na Profecia
108
reivindicação divina de sua adoração e lealdade. Os conceitos étnico e
religioso são mantidos juntos através da concepção veterotestamentária
de um remanescente fiel.4 G. E. Ladd explica:
Os profetas viam a Israel como um todo, como rebeldes e
desobedientes e, por isso destinados a sofrer o julgamento divino. Mas ainda
permanecia dentro da nação infiel um remanescente de crentes que foram
os objetos da atenção divina. No remanescente se encontrava o verdadeiro
povo de Deus.5
O concerto divino com Israel, contudo continuaria sempre através
do remanescente, mesmo quando as maldições do concerto dispersassem
a nação como um grupo étnico entre todas as outras nações do mundo
(ver Deuteronômio 27-28) e o templo fosse desunido (ver Levítico 26).
A promessa divina é que, a despeito da desobediência e rebelião de Israel
contra Deus, Ele garante, "não os rejeitarei, nem me aborrecerei deles,
para consumi-los e invalidar a minha aliança com eles, porque eu sou o
SENHOR, seu Deus'' (Levítico 26:44). O plano divino para Israel em
favor das nações se cumprirá, mas da maneira surpreendente do próprio
Deus.
O livro de Deuteronômio enfatiza o objetivo da eleição de Israel
como uma missão profundamente religiosa. Ele é caracterizado como
"Filhos...do SENHOR, vosso Deus" (Deuteronômio 14:1), como "povo
santo ao SENHOR, vosso Deus" (14:2), escolhidos "para serem o seu
tesouro pessoal" (Deuteronômio 14:2, NVI). Israel foi chamado para
responder ao Seu redentor adorando a Jeová (Deuteronômio 13:6-10) e
assim tornar-se religiosamente inculpável perante Deus (Deut. 18:9-13).
Deus colocou uma obrigação sagrada sobre todos os israelitas:
Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da
servidão. Não terás outros deuses diante de mim... - Êxodo 20:2-3
Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás,
pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
toda a tua força. - Deuteronômio 6:4-5
E ainda:
O Israel de Deus na Profecia
109
Guarda silêncio e ouve, ó Israel! Hoje, vieste a ser povo do SENHOR,
teu Deus. Portanto, obedecerás á voz do SENHOR, teu Deus, e lhe
cumprirás os mandamentos e os estatutos que hoje te ordeno. Deuteronômio 27:9-10
No monte Sinai, as tribos de Israel foram oficialmente constituídas
como Israel, o povo do Senhor. A própria palavra e o ato de Deus elevou
Israel a uma congregação veneradora ou a uma assembléia (qahal), a fim
de ser uma luz sacerdotal para o resto da humanidade. A conclusão de A.
Hulst em relação ao significado do nome "Israel" em Deuteronômio é
significativa:
O seu interesse não é com um conglomerado de diferentes tribos e
grupos, não com uma soma total de indivíduos, não com um povo como uma
entidade étnica ao lado de outros povos – isso deve ser enfatizado – mas ao
invés disso, com a "assembléia", a comunidade religiosa que encontra a sua
unidade na palavra e na lei de Jeová, por isso, completamente no Próprio
Jeová.
O nome "Israel" em Deuteronômio significa, por tanto, o povo em seu
relacionamento com Jeová. O foco não é o povo em seu aspecto nacional,
nem acima de tudo, como um grupo étnico, mas como uma unidade
religiosa. Ele pertence á pureza de vida em sua esfera social, religiosa e
cúltica.6
No livro de Deuteronômio, o termo "israelitas" (literalmente, filhos
de Israel; [1:1; 4:44-46; 10:6; 28:69; 33:1; 34:8, 9; etc-]) parece designar
mais os descendentes físicos de Jacó, enquanto o nome "Israel" indica a
unidade religiosa do povo do concerto. Naturalmente, o relacionamento
consangüíneo não é necessariamente idêntico ao da fé. Deuteronômio
mostra uma distinção entre a comunidade que adora e os laços étnicos.
As leis religiosas de Deuteronômio 23 permitem às famílias
egípcias e edomitas que haviam vivido por três gerações entre os
israelitas, participarem na adoração da "assembléia do SENHOR"
(qahal; Deuteronômio 23:7-8). A benção da prosperidade na terra
prometida em Deuteronômio nunca é incondicional, mas sempre
depende da obediência de Israel em guardar os mandamentos do Senhor
e a Torah (ver Deuteronômio 26:16-19; 27:9-10). Josué, o sucessor de
O Israel de Deus na Profecia
110
Moisés, relata como em Siquém Israel aceitou a adoração apenas do
Senhor como a base de sua vida comum (Josué 24:16-18). Israel
continuamente renovava o seu concerto com Deus na liturgia sagrada de
suas festividades anuais:
No santuário, ao centro, a confederação das doze tribos era
continuamente chamada de volta ao seu relacionamento de concerto com o
Senhor e pleiteavam um renovado serviço a Deus através da obediência à
Sua lei. Assina, aquelas coisas que aconteciam no Sinai não são
simplesmente uma série de fatos do passado, mas na adoração solene das
doze tribos tornavam-se novamente uma realidade presente e
contemporânea. A palavra de proclamação torna visível a base do ser de
Israel. A menos que essa palavra seja pronunciada, a corporação das doze
tribos está em perigo de incorrer no erro da auto-afirmação e
autodeterminação.7
No livro de Salmos, que contém o nome "Israel" cinqüenta e nove
vezes, o vocábulo denota o povo como uma assembléia que adora a
Jeová no templo em Jerusalém.8 A palavra "Judá" praticamente nunca é
usada para designar a comunidade que adora.
Os profetas começaram a indicar que Israel como uma nação cairia,
assim como as outras nações, sob a justiça punitiva do Senhor, por causa
de sua apostasia religiosa e de sua injustiça social (Amos 3:2). Não
obstante, um remanescente, uma "santa semente", permaneceria (1 Reis
19:18; Isaías 6:13; 8:17-18; 10:20-22). Amós foi o primeiro profeta a
rejeitar a idéia popular de que Israel como uma nação seria salvo no dia
do Senhor quando Jeová julgar o mundo (Amós 3:2; 9:1-4, 9, 10). Ele
enfatizou a condição da sensibilidade religiosa de Israel à promessa de
salvação:
Buscai ao SENHOR e vivei, para que não irrompa na casa de José como
um fogo que a consuma, e não haja em Betel quem o apague (Amós 5:6).
Apenas um remanescente da nação israelita sobreviveria ao futuro
juízo divino (Amós 3:12; 5:15). Esse remanescente seria peneirado pela
fidelidade ao concerto no dia do Senhor (5:15), assim como Deus
escolhera o Seu remanescente nos dias de Elias (1 Reis 19:18).
O Israel de Deus na Profecia
111
Surpreendentemente, Amós revelou outro aspecto vital da promessa de
restauração de Israel: os não israelitas também serão conduzidos ao
círculo do remanescente escatológico de Israel e à casa de Davi:
Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas
brechas; e,levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias
da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações
que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas
(Amós 9:11-12).
A profecia de Amós anuncia que o remanescente escatológico de
Israel é "principalmente uma entidade de designação religiosa ao invés
de nacional".9
O tema do remanescente torna-se um elemento dominante na
proclamação de Isaías do julgamento e salvação. A combinação entre
condenação e salvação é inerente ao conceito da santidade de Jeová. O
profeta Isaías sentiu-se totalmente perdido, embora fosse graciosamente
reconciliado, purificado e chamado para ser embaixador de Deus (6:1-8).
G. F. Hasel explica, "Assim, o próprio profeta pode ser considerado o
representante proléptico do futuro remanescente porque foi confrontado
pela 'santidade' de Jeová e emergiu como um indivíduo limpo e
purificado".10
O julgamento destrutivo sobre a casa de Israel e sobre a casa de
Davi não aniquilaria toda a vida em Israel. "Como terebinto e, como
carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a
santa semente é o seu toco" (Isaías 6:13). Este "toco" ou cepo de raiz,
representa tanto a destruição da nação israelita, quanto a vida preservada
que continuaria no remanescente. Porém, este remanescente de Israel
será santo apenas porque, como Isaías, experimentou o juízo purificador
de Deus. E, "por causa dessa experiência se posicionará corretamente no
relacionamento de fé, confiança e obediência para com Jeová. Ele será
então o portador da eleição".11
Isaías também usa o nome "Israel" para a casa de Judá (Isaías 1:1-3;
8:14). Ele anuncia a sua destruição como uma nação (Isaías 6:11-13) de
O Israel de Deus na Profecia
112
maneira que apenas o remanescente fiel a Deus herdará as promessas do
concerto. O propósito divino para Israel como uma nação "santa" (Êxodo
19:6) ou povo "santo" (Deuteronômio 7:6) era que "toda a terra"
estivesse cheia da glória divina (Isaías 6:3). Este alvo havia sido
frustrado pela infidelidade israelita, embora o eterno propósito de Deus
permanecerá e será cumprido através do santo remanescente de Israel
(Isaías 4:2-6; 6:13). Esse conceito de um remanescente santo pertence ao
cerne da escatologia de Isaías (cf. Isaías 1:24-26).
Durante a crise sírio-efraimita em Jerusalém (734-733 A.C.), Isaías
revelou que uma fé confiante em Jeová é o critério distintivo do
remanescente santo (Isaías 7:9; cf. 30:15-18). Ele, seus filhos e seus
discípulos, eram "sinais e símbolos da parte do SENHOR dos Exércitos"
apontando adiante para o futuro remanescente (Isaías 8:18, NVI). Esse
fato mostra que Isaías usa o tema do remanescente não apenas para o
juízo divino escatológico, mas o aplica também à crise política de seu
próprio tempo (cf. Isaías 1:4-9; 11:11, 16). A sua esperança é que o
remanescente israelita contemporâneo proveja as condições para a
manifestação do santo remanescente futuro. Isaías "não conhece a
distinção temática entre um remanescente 'secular profano' e um
'teológico'."12 Ele usa a questão do remanescente apenas em um sentido
teológico-religioso, tanto para o seu tempo quanto para o futuro.
Mais do que as palavras de qualquer outro profeta, as profecias
preditivas de Isaías dos capítulos 40-66 figuram como as grandes
promessas de restauração israelita depois do exílio assírio-babilônico.
Nessas garantias acumuladas da reunião de Israel da grande dispersão, o
foco profético não está exclusivamente nos descendentes físicos de Jacó
que se comprometeram a adorar Jeová.
Isaías visualiza que entre o Israel pós-exílico, muitos não israelitas
que escolheram adorar ao Deus de Israel seriam congregados. Duas
classes de pessoas, estrangeiros e eunucos (machos castrados), que eram
proibidos de participar da assembléia em adoração a Jeová, de acordo
com a lei de Moisés (Deuteronômio 23:1-3), agora são bem-vindos para
O Israel de Deus na Profecia
113
adorar no novo templo, no monte Sião, sob a condição de que aceitem o
sábado do Senhor e se mantenham fiéis ao concerto de Deus.
...também os levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa
de Oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu
altar, porque a minha casa Será chamada Caia de Oração para fedor os
povos. Assina diz o SENHOR Deus, que congrega os dispersos de Israel:
Ainda congregarei outros aos que já se acham reunidos (Isaías 56:78,
ênfase acrescentada; cf. 45:20-25).
Quando os gentios se unirem em fé e obediência ao Senhor (Isaías
56:3), o Deus de Israel dará a esses estrangeiros "um memorial e um
nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um
deles..." (Isaías 56:5). Dessa maneira, Isaías demonstra como a
benevolência universal de Deus para com o mundo, como indicada no
seu concerto com Abraão (Gênesis 12:2-3) e Israel (Êxodo 19:16), será
finalmente cumprida através de um novo Israel. A característica
essencial deste não é a descendência étnica de Abraão, mas a fé de
Abraão, a adoração a Jeová. Os crentes gentios gozarão os mesmos
direitos e esperanças das promessas do concerto como israelitas crentes.
Claus Westermann observa em Isaías 56:
Aqui...o físico e o espiritual cessaram a fim de estar necessariamente
unidos dessa forma. O nome [Israel] pode sobreviver sem descendentes
nascidos do corpo físico de alguém...A nova comunidade está a caminho de
uma nova forma de associação que já não é mais idêntica aos velhos
conceitos do povo escolhido. Desde essa época [Isaías 56], encontramos
importantes elementos do conceito neotestamentário de comunidade...Ele
'congrega' Israel também entre aqueles que até agora não foram capazes de
pertencer a Israel.13
Westermann conclui que Isaías visualiza Israel, primariamente não
como uma entidade étnica ou política, mas ao invés disso, como uma
congregação religiosa ou uma "igreja", como o povo de Deus.
O profeta Miquéias une a promessa de um "remanescente de Israel"
(2:12, NVI), o novo povo de Deus, à promessa do Messias que sairia de
Belém (5:2). Ele congregará o remanescente de Israel "como ovelhas no
O Israel de Deus na Profecia
114
aprisco, como rebanho no meio do seu pasto" (2:12). "Ele se manterá
firme e apascentará o povo na força do SENHOR" (5:4). .
O profeta Jeremias, que serviu a Deus durante os últimos quarenta
anos do reinado de Judá (625-586 A.C.), usa o nome "Israel" de várias
maneiras, dependendo de cada contexto imediato. Torna-se claro, por
isso, que Jeremias não focaliza suas promessas e predições sobre a
restauração de Israel como um estado político independente, mas como
um povo de Deus espiritualmente restaurado, congregado de todas as
doze tribos. O novo concerto que Jeová fará com a casa de Israel e a casa
de Judá depois do exílio babilônico será explicitamente diferente do
concerto sinaítico (31:31-34). O Israel restaurado será um remanescente
devoto e de oração, composto de todas as doze tribos, nas quais cada
israelita individualmente experimenta um relacionamento salvífico com
Deus e obedece a Sua santa lei com inteireza de coração (31:6; 32:38-40).
Embora Jeremias não inclua explicitamente os não israelitas em sua
profecia do novo concerto de Deus com Israel, não obstante, todos os
crentes em Jeová de todas as nações são incluídos a princípio. O
privilégio de pertencer à comunidade do novo concerto tornou-se
acidental, não sob condições étnicas ou políticas, mas sob a ligação
pessoal e espiritual com Deus, "ou melhor, sob a atitude de Deus para
com o homem".14 O propósito de Deus, de acordo com Jeremias, não é
um estado judaico como tal, "mas um povo que obedece a Jeová, uma
comunidade que O serve e é inteiramente orientada para Ele". 15 Essa
conclusão é grifada pelas predições de Jeremias de que até mesmo a arca
do concerto do Senhor, o símbolo da presença visível de Deus no templo
de Jerusalém, não será mais necessária ou relembrada (Jeremias 3:16).
O profeta Ezequiel, que foi deportado para Babilônia em 597 A.C.,
também predisse que um Israel novo e espiritual retornaria do exílio de
todas as nações para a sua terra natal:
Voltarão para ali e tirarão dela todos os seus ídolos detestáveis e todas
as suas abominações. Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro
deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne;
O Israel de Deus na Profecia
115
para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os
executem; eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. Mas, quanto
àqueles cujo coração se compraz em seus ídolos detestáveis e
abominações, eu farei recair sobre sua cabeça as suas obras, diz o
SENHOR Deus. (Ezequiel 11:18-21).
Essas predições e outras similares (cf. 36:24-33; 37:22-26)
enfatizam que o interesse central de Deus por Israel é a sua restauração,
não como um estado secular e político, mas como uma teocracia unida,
um povo espiritualmente limpo e que verdadeiramente adore a Deus. O
foco de Ezequiel nas promessas de restauração não é primariamente
sobre o retorno de Israel à terra prometida, mas ao seu retorno a Jeová.
Ele afirma que Deus expurgará os exilados israelitas no "deserto das
nações" de sua contaminante idolatria e espírito de secularização, de
maneira que apenas um Israel arrependido e purificado retornará à sua
terra (Ezequiel 20:32-36).16
O Israel pós-exílico era uma comunidade religiosa centralizada ao
redor do templo reconstruído, não ao redor de um trono real. Embora, a
maioria dos exilados retornados era das tribos de Judá e Levi, esse
remanescente espiritual considerava-se como uma continuação e
representação do Israel de Deus (Esdras 2:2, 70; 3:1, 11; 4:3; 6:16-17, 21;
Neemias 1:6; 2:10; 8:1, 17; 10: 39; 12:47; Malaquias 1:1, 5; 2:11).
O profeta Zacarias predisse que, em Israel, a diferença entre a
santidade ritual e a vida ordinária será finalmente abolida e que nenhum
idólatra ali permanecerá:
...sim, todas as panelas em Jerusalém e Judá serão santas ao
SENHOR dos Exércitos; todos os que oferecerem sacrifícios virão, lançarão
mão delas e nelas cozerão a carne do sacrifício. Naquele dia, já não haverá
mercador na Casa do SENHOR dos Exércitos (Zacarias 14:21).
O último profeta, Malaquias, acentuou que aqueles israelitas que
"temem ao Senhor" são o povo de Deus, e apenas o que "serve a Deus" é
reconhecido como Seu particular tesouro e possessão no Dia do Juízo
(Malaquias 3:16 – 4:3). Judá é considerado como os filhos de Jacó e o
herdeiro do concerto de Deus com Israel (1:1; 2:11; 3:6; 4:4).
O Israel de Deus na Profecia
116
Em suma, o Velho Testamento usa o nome "Israel" de mais de uma
maneira. Primeiro e acima de tudo, representa a comunidade do concerto
religioso, o povo que adora a Jeová em espírito e em verdade. Segundo,
denota um grupo étnico distinto ou uma nação que é chamada para
tornar-se o Israel espiritual. Decisivo para os profetas do Antigo
Testamento e suas profecias é a qualidade teológica do "povo de Deus",
não as suas características étnicas e políticas. O significado original do
nome "Israel", como um símbolo da aceitação de Deus através de Sua
graça perdoadora (Gênesis 32:28), permanece para sempre a raiz sagrada
para a qual os profetas chamam ao retorno as tribos naturais de Israel
(Oséias 12:6; Jeremias 31:31-34; Ezequiel 36:26-28).
Sempre que os profetas do Velho Testamento retratam o
remanescente escatológico de Israel, o caracterizam como uma
comunidade fiel e religiosa que adora a Deus com um novo coração
sobre a base do "novo concerto'' (Joel 2:32; Sofonias 3:12, 13; Jeremias
31:3134; Ezequiel 11:16-21). Esse fiel remanescente do tempo do fim se
tornará a testemunha de Deus entre todas as nações e incluirá também os
não israelitas, pois não levará em consideração a sua origem étnica
(Zacarias 9:7; 14:16; Isaías 66:19; Daniel 7:27; 12:1-3).
O panorama total da escatologia veterotestamentária revela que as
bênçãos do concerto israelita como um todo serão cumpridas, não no
Israel nacional descrente, mas apenas naquele fiel a Jeová e que confia
no Seu Messias. Esse remanescente incorporará os fiéis de todas as
nações gentílicas e assim cumprirá o propósito divino da eleição de
Israel.
O Propósito Universal da Eleição de Israel
Moisés havia enfatizado o fato de que Deus escolheu e redimiu a
Israel não por causa de qualquer virtude moral dos israelitas, mas
exclusivamente devido à fidelidade divina às Suas graciosas promessas
feitas aos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó (Deut. 7:7-9; Êxodo 2:24-25).
O Israel de Deus na Profecia
117
Aquele que tirara Abraão de Ur dos Caldeus (Gênesis 15:7) removeu as
tribos de Israel para fora do Egito (Êxodo 20:2), a fim de cumprir o
concerto abraâmico:
...de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o
nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei
os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra
(Gênesis 12:2-3; cf. 22:17-18; 26:4).17
Precisamos ter em vista a unidade orgânica dessa múltipla promessa
e seu propósito universal: abençoar todos os povos da terra através de
Abraão e sua descendência. Essa bênção universal indubitavelmente
serve para contrafazer a maldição universal que havia caído sobre toda a
raça humana por causa de sua rebelião contra Deus (Gênesis 3:17; 4:1112). Enquanto a "maldição" representa os poderes destrutivos que
finalmente levarão à morte, a "bênção" representa o poder restaurador,
próspero e prevalecente que finalmente conduzirá à vida eterna (cf.
Gênesis 22:17; Números 23:7-10, 20-24; 2 Samuel 7:29). À luz desse
fato, torna-se claro que a eleição divina de Abrão e de Israel como um
povo serviu ao propósito universal de salvação. As promessas
particulares à etnia e ao Israel geográfico estão subordinadas ao
propósito de salvar a humanidade e não a um objetivo diferente e
independente. O profeta Isaías afirma:
Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares
a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz para os gentios,
para seres a minha salvação até à extremidade da terra (Isaías 49:6).
Jesus confirma: "a salvação vem dos judeus" João 4:22). A eleição
particular de Israel é, por isso, organicamente uma com o plano divino de
salvação universal. Como G. Vos sumariza,'A eleição de Abraão e o
desenvolvimento ulterior das coisas de Israel, objetivava, como um meio
particular, a finalidade universal".18
Desde o princípio, Israel foi chamado para ser uma luz sacerdotal
entre as nações, "reino de sacerdotes e nação santa" (Êxodo 19:6). Todas
as outras nações foram chamadas por Deus para partilhar das bênçãos
dadas a Israel "se reconhecessem a Israel ou ao seu rei como portadores
O Israel de Deus na Profecia
118
19
de bênção". O plano divino de bênção è paz universal através da
eleição de Israel (Salmo 72:17; Jeremias 4:2) torna-se o assunto da
profecia preditiva em Isaías:
Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do SENHOR será
estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele
afluirão todos os povos. Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao
monte do SENHOR e á casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus
caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a
palavra do SENHOR, de Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá
muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e
suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra
outra nação, nem aprenderão mais a guerra. Vinde, ò casa de Jacó, e
andemos na luz do SENHOR (Isaías 2:2-5).
Essa predição, de maneira alguma, elimina ou enfraquece o Reino
davídico ou a condição moral de obediência amorosa por parte de Israel
à Torah revelada. Em nome de Deus, Jeremias confrontou um Israel
apóstata em Jerusalém com a condição original: "Obedeçam-me, e eu
serei o seu Deus e vocês serão o meu povo" Jeremias 7:23).
A eleição de Israel não implica a rejeição de outros povos, mas ao
contrário, a sua inclusão. Israel foi escolhido, não simplesmente pela sua
própria salvação, mas para conduzir o mundo inteiro a partilhar do
conhecimento da salvação e da bênção. Para resumir, Israel foi escolhido
para representar o caráter atrativo e a vontade de Jeová em salvar os
gentios. Comentando Jeremias 7:23, H. H. Rowley escreveu essas
palavras instigadoras:
O propósito da eleição é o serviço, e quando este é retido, a eleição
perde o seu significado, e por isso fracassa... Se ele [Israel] cessasse de
reconhecer a Jeová como seu Deus, então estaria declarando não desejar
ser mais o Seu povo. Isso está bem demonstrado na parábola do oleiro de
Jeremias (Jer. 18:1v). O vaso que fracassa em realizar a intenção do oleiro
será remodelado em outro vaso...Seu supremo chamado para ser o Povo
Escolhido não foi a marca da indulgência ou do favoritismo divino, mas a
convocação para uma tarefa exigente e incessante. A eleição e a tarefa
estavam tão rigorosamente unidas que ele não poderia possuir uma sem a
outra.20
O Israel de Deus na Profecia
119
Se Israel determinasse finalmente ser infiel a Jeová, perderia os seus
privilégios de receber as bênçãos divinas e ainda se colocaria sob a
maldição do concerto, como foi claramente afirmado em Levítico 26 e
Deuteronômio 28. A história de Israel, como relatada por Moisés e os
profetas, tem sido intitulada "uma história de fracasso" (R. Bultimann).
Não obstante, o propósito de Deus para o mundo não pode ser frustrado
Jó 42:2). Está escrito, "Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este
propósito, também o executarei" (Isaías 46:11). Quando Israel fracassou
como nação, o Senhor proveu um perfeito Israelita como uma bênção e
luz tanto para o próprio Israel quanto para o mundo. O Messias
prometido não falharia, porque "a vontade do SENHOR prosperará nas
suas mãos'' (Isaías 53:10).
O propósito fundamental da missão de Israel alcança sua maior
clareza nos quatro cânticos proféticos de Isaías ,"Cânticos concernentes
ao Servo do Senhor" (Isaías 42:1-4; 49:1-6; 50:4-9; 52:13–53:12).
Assumimos a posição de que o Servo representa tanto o Israel coletivo
quanto o israelita representativo em quem o povo de Israel foi
incorporado. Israel como um todo foi chamado para ser uma comunidade
missionária, mas finalmente apenas Um provaria cumprir a missão,
como Isaías havia esboçado. O Servo escolhido serviria ao Senhor, não
apenas em espalhar o conhecimento do verdadeiro Deus até aos confins
da terra (Isaías 42:1-4), mas também em reconduzir Israel ao Senhor
(Isaías 49:5-6). O Servo é chamado de Israel (Isaías 49:3) e também
imaginado como possuindo uma missão em função deste (Isaías 49:5-6).
Para o pensamento moderno, essa tensão entre a identificação e a
diferenciação estabelece uma antítese, mas como tem sido amplamente
reconhecido hoje, "O conceito hebreu de personalidade corporativa pode
reconciliar a ambos e passar sem explanação ou indicação explícita de
um para o outro em uma fluidez de transição". 21 Isto significa que no
Israel antigo um representante individual poderia expressar o mais
elevado propósito de um grupo ou nação. Por exemplo, o rei em Israel é
chamado "filho" de Deus (2 Samuel 7:14; Salmo 2:7); enquanto Oséias
O Israel de Deus na Profecia
120
também chama a nação israelita de "filho" de Deus (Oséias 11:1). Esse
conceito hebreu de representação ou "personalidade corporativa" é o
próprio fundamento da doutrina cristã de salvação pela fé em Cristo,
como proclamado pelo apóstolo Paulo: '"Porque, assim como, em Adão,
todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo" (1
Coríntios 15:22).
O profeta Isaías faz distinção entre um Israel literal, que é um servo
de Jeová "cego" e "mudo" (Isaías 42:19-20) e o servo sofredor de Jeová
como o Israel fiel (Isaías 42:1-4; 49;1-6; 50:4-9; 52:13–53:12). Como
observa um erudito:
Mas enquanto o Servo é em algum sentido o representante ou
incorporação de Israel, é distinto da nação como um todo, para a qual a sua
missão é de fato primeiramente dirigida, bem como (daí para frente) para o
mundo gentílico.22
O Servo individual é fortalecido por Deus para a sua missão e é
vindicado contra falsas acusações da oposição judaica e gentílica (Isaías
50:4-9). O quarto Cântico do Servo do Senhor, Isaías 52:13–53:12, tem
sido chamado de "a glória culminante da religião do Velho Testamento"
(H. W. Robinson). O Servo aceitaria não apenas sofrimento e desprezo,
mas também – diferente de qualquer outro profeta – mesmo a morte
como um ato coroador de sua obediência, como "o próprio meio através
do qual ele cumpre o propósito de Deus...e em conseqüência, traz a
bênção e a libertação para as multidões".23
Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão
do meu povo, foi ele ferido... Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo,
fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado,
verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR
prosperará nas suas mãos (Isaías 53:8b, 10).
Nessa profecia dramática a nova idéia é apresentada sobre um
sofrimento que é representativo. Como H. H. Rowley explica:
Ele redime não apenas o sofredor, mas aqueles que infligem sobre ele
o sofrimento; e redime não apenas por sua própria virtude, meramente
porque está sofrendo, mas por causa do espírito no qual suporta o
sofrimento. O Servo cumpre a sua missão para o mundo ao sofrer nas mãos
O Israel de Deus na Profecia
121
deste, e por ceder a sua vida sem luta ou queixa, a fim de ser um sacrifício
para aqueles que o mataram.24
Finalmente, o sofrimento do Servo escolhido é vicário perante
Deus, porque "o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos"
(Isaías 53:6). Essa mensagem surpreendente de triunfo para Israel e a
raça humana seria compreendida e reconhecida pelos gentios apenas
depois do cumprimento histórico da morte e ressurreição do Servo do
Senhor (Isaías 52:13-15).
O Servo de Isaías 42-53 possui as características vitais do Messias
davídico prometido de Isaías 11:1-10: "O Espírito de Jeová repousa
igualmente sobre o Messias davídico e o Servo. Ambos administram
eqüitativamente a justiça entre as nações bem como em Israel".25 Essa
identificação do Servo sofredor com o Rei messiânico prometido nunca foi
concebida como uma possibilidade no judaísmo. Como pode o Messias
glorioso ser alguém que julga a terra, mata os ímpios com o sopro de seus
lábios e ao mesmo tempo sofre passivamente a morte pelos seus inimigos?
Aqui ficamos face a face com a nova compreensão revolucionária
de Jesus de Nazaré concernente à missão do Messias prometido. Ele une
três diferentes conceitos da profecia israelita – a vinda do Rei davídico; o
Filho do Homem (em Daniel 7); o Servo de Deus sofredor – todos em
uma Pessoa: Ele mesmo.26
Jesus via uma ordem definida nas tarefas do Messias: primeiro, um
aparecimento em humildade para cumprir a missão do Servo sofredor, e
depois disso, Seu surgimento em glória divina como Rei-Juiz. Ele até
mesmo reprovou os Seus discípulos por serem tardos de coração em
acreditar nesse programa messiânico:
Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua
glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunhalhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lucas 24:26-27.
O propósito de Deus em Sua eleição de Abraão e Israel para redimir
o mundo e estabelecê-lo sob reinado divino foi, em princípio, cumprido
na vida, morte e ressurreição do Messias Jesus. Cristo foi a única
semente de Abrão perfeitamente obediente, o único israelita sem pecado
O Israel de Deus na Profecia
122
que realmente merecia as infindáveis bênção do concerto divino com
Israel. Ele agora oferece as bênçãos do reino redentivo de Deus a todos
os homens, aos judeus e gentio igualmente, sem distinção (João 12:32;
Gálatas 3:14). Portanto, o plano de Deus com Israel em favor dos gentios
não foi frustrado ou adiado, mas ao contrário, prosperou no Messias
(Isaías 53:10). O plano divino progrediu sem tardança, vindo a plenitude
dos tempos (Gálatas 4:4, 5) e Cristo foi exaltado como o Governante
messiânico à destra de Deus (Atos 2:36; 5:31; 1 Coríntios 15:25). Em
Cristo todas as promessas divinas são "sim" (2 Coríntios 1:20). Ele
estabeleceu o Seu próprio Israel messiânico, a Sua ekklesia ou Igreja, o
Seu reino ou governo espiritual no mundo presente (Mateus 16:18; 13:41).
Referências Bibliográficas:
1. A. R. Hulst, Wat betekent de naam "Israel" in het Oude Testament?,
Miniaturen No. 1, Bijlage Maandblad Kerk em Israel, Jrg. 16, No. 10 (Den
Haag: Boekencentrum, (1962). Ver também "Der Name 'Israel' im
Deuteronomium", OTS 9 (1951): 65-106.
2. F. B. Meyer, Israel:. Prince with God (Ft. Washington, Penn.:
Christian Literature Crusade, 1972), pp. 78-81.
3. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Santo André, São Paulo:
Casa Publicadora Brasileira, 1976), p. 199.
4. Ver G. F. Hasel, The Remnant: The History and Theology of the
Remnant Idea from Genesis to Isaiah, Andrews University Monographs,
Studies in Religion, Vol. 5, 3rd ed. (Berrien Springs, Mich.: Andrews
University Press, 1980).
5. Ladd, A Theology of the New Testament, p. 108.
6. Hulst, "Der Name 'Israel' im Deuteronomium", pp. 73, 103-104
(tradução do autor).
7. H. J. Kraus, The People of God in the Old Testament, World
Christian Book No. 22 (London: Lutterworth Press, 1963), p. 21.
8. Ver Danell, Studies in the Name 'Israel' in the Old Testament,
capítulo 4.
O Israel de Deus na Profecia
123
9. Hasel, The Remnant, p. 393.
10. Ibid., p. 243.
11. Ibid., p. 247.
12. Ibid., p. 401.
13. C. Westermann, Isaiah 40-66: A Commentary (Philadelphia:
Westminster Press, 1977), pp. 314, 315. Cf. E. Jacob, Theology of the Old
Testament (New York: Harper & Row, 1958), p. 324.
14. O. Eisfeldt, Geschchtliches und Ubergeschichtliches im Alten
Testament, ThsSKr Bd 10912 (Berlin: Ev. Verlagsanstalt, 1947), pp. 14-15.
15. Hulst, Wat betekent de naam "Israel" in het Oude Testament, p.
20.
16. Ver H. Eichrodt, Ezekiel: A Commentary (Philadelphia:
Westminster Press, 1970), p. 280.
17. Ver Kaiser, Toward an Old Testament Theology, pp. 13, 30f., para
fortes argumentos preferindo a tradução passiva, "serão benditas" em
Gênesis 12:3 acima da tradução reflexiva "abençoar-se-ão".
18. G. Vos, Biblical Theology (Grand Rapids, Mich.: lm. B. Eerdmans
Pub. Co., 1963, reimpresso), p. 90.
19. J. Scharbert, in TDOT, vol. 3, p. 307.
20. H. H. Rowley, The Biblical Doctrine of Election (London:
Lutterworth Press, 1964), pp. 52, 51, 59.
21. Robinson, Corporate Personality in Ancient Israel, p. 15.
22. Bruce, New Testament Development of Old Testament Themes, p.
86.
23. Ibid.
24. H. H. Rowley, The Missionary Message of the Old Testament
(London: Cary Kingsgate Press, 1955), pp. 61-62.
25. Bruce, New Testament Development of Old Testament Themes, p.
90.
26 Ver Rowley, The Missionary Message of the Old Testament, p. 54;
Ladd, The Last Things, capítulo 1.
O Israel de Deus na Profecia
124
INTERPRETAÇÃO ECLESIOLÓGICA DO
REMANESCENTE DE ISRAEL
A Eclesiologia, ou a doutrina da Igreja, é considerada a "pedra de
toque" ou o teste decisivo do dispensacionalismo.1 C. C. Ryrie
argumenta que a Igreja é distinta e separada de Israel em dois aspectos:
(1) na Igreja, os gentios são colocados em pé de igualdade com os
judeus; (2) Cristo habita dentro da Igreja, Seu corpo espiritual.
A Igreja deve ter sido desconhecida nos tempos do Velho
Testamento, ele infere, porque é chamada de um "mistério" pelo apóstolo
Paulo (Efésios 3:4-6; Colossenses 1:25-27). Além do mais, Paulo chama
a Igreja de Cristo explicitamente de um "novo homem" (Efésios 2:15),
uma criação que foi resultado da morte de Cristo. A Igreja foi construída
sobre a ressurreição e ascensão de Cristo (Efésios 1:20-23; 4:7-13) e
tornou-se operante apenas no dia de Pentecostes (Atos 2). A Igreja, ele
assegura, não é um sujeito da profecia veterotestamentária e por isso, "a
Igreja não está cumprindo as promessas de Israel". Conseqüentemente,
O Israel de Deus na Profecia
125
2
"o próprio Israel deve cumpri-las no futuro". A Igreja será arrebatada do
mundo antes que Deus lide novamente com Israel. Ryrie conclui, "A
essência do dispensacionalismo, então, é a distinção entre Israel e a
Igreja".3 Ele apela para 1 Coríntios 10:32 a fim de confirmar a sua tese
de que o "Israel natural e a Igreja também são contrastados no Novo
Testamento".4
Contudo, a pergunta não é: O Novo Testamento contrasta a Igreja
com o "Israel natural"? Mas, pelo contrário: A Igreja é chamada o "Israel
de Deus" no Novo Testamento e é aí apresentada como o novo Israel, a
única herdeira de todas as bênçãos prometidas do concerto divino para o
presente e o futuro? Outras indagações que deveriam ser feitas são,
Quando exatamente começou a Igreja, de acordo com Cristo, e de que
forma Ele e os escritores do Novo Testamento aplicaram o antigo
concerto com Abraão, Israel e Davi?
Cristo Reunindo o Remanescente de Israel: O Início da Igreja
A Igreja cristã não foi criada pela pregação de Paulo entre os
gentios, mas por Cristo pessoalmente dentro do judaísmo palestino. Em
Seu batismo no rio Jordão, Ele foi "revelado a Israel" como o Messias da
profecia (de Isaías 42:53). Deus O ungiu com o Espírito Santo (Atos 10:38)
e testificou do céu que Jesus era o Filho de Deus, o Servo escolhido do
Senhor, o qual cumpriria o papel profético messiânico de levar os pecados
do mundo como o Cordeiro de Deus (João 1:29-34, 41; Mateus 3:16, 17).
Sua vinda a Israel foi o teste mais elevado para a nação judaica
quanto ao seu relacionamento para com o concerto divino. Como o
Messias, Ele seria a "pedra de tropeço", "pedra" que faz Israel tropeçar
(Romanos 9:32, 33; 1 Pedro 2:8). Simeão havia predito:
Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para
levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (também
uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os
pensamentos de muitos corações. (Lucas 2:34, 35).
O Israel de Deus na Profecia
126
A relação de Israel com Jeová deveria ser decisivamente
determinada perante Deus pelo relacionamento de Israel com o primeiro
advento de Cristo e o Seu sacrifício expiatório. Ele veio como
Representante único de Deus para falar e agir em Seu favor a Israel e ao
mundo (João 12:48-50). A vida, a morte e o destino eterno de cada pessoa
estão ligados à reação individual às reivindicações de Jesus Cristo:
O Pai ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos. Por
isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém
rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de
Deus. (João 3:35, 36; ênfase acrescentada).
Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto
não crê no nome do Unigênito Filho de Deus (João 3:18; c£ 5:24, 25 ênfase
acrescentada).
O que importa perante Deus para o judeu individual, é o que vale
para a nação judaica coletivamente. Jesus disse para aqueles judeus que
pleiteavam ser filhos de Deus e de Abraão, embora planejassem matá-Lo ,
"Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos"
(João 8:44), porque Ele havia proclamado que Israel deveria ser libertado
do pecado através Dele como o Filho de Deus. Para Jesus, os verdadeiros
descendentes de Abrão foram finalmente definidos, não pelo sangue,
mas pela fé de Abraão. A filiação e paternidade são primariamente
determinadas, não pelo relacionamento físico, mas pelo espiritual (cf.
Mateus 12:47-50). O teste para Israel veio em sua reação a Jesus como
Messias. Cristo reivindicou que todo Israel deveria vir a Ele, a fim de
receber o repouso divino ou estariam sob juízo:
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu
vos aliviarei (Mateus 11:28; cf. Isaías 45:22).
Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha
(Mateus 12:30; cf. 18:20; 23:37).
Cristo foi enviado, em primeiro lugar, para reunir a Si como o
Messias "as ovelhas perdidas da casa de Israel", assim como os profetas
haviam predito que Davi (o vindouro) reuniria Israel para Jeová (Mateus
15:24; 10:5, 6; cf. Ezequiel 34:15, 16, 23, 24; Jeremias 23:3-5). Cristo
O Israel de Deus na Profecia
127
estava convencido de que fora também enviado para redimir o mundo
(João 3:16) e que os gentios precisariam recorrer a Ele (cf. Isaías 11:10;
Mateus 11:28).
Proclamou que Sua missão – sofrer a morte sob o juízo divino –
pretendia beneficiar todos os povos: "E eu, quando for levantado da
terra, atrairei todos a mim mesmo" (João 12:32). O evangelista João
explica que Jesus morreu "não somente pela nação, mas também para
reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos" (João
11:52). Referindo-se à profecia de Isaías de uma reunião futura dos
gentios no templo, Cristo anunciou:
Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém
conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um
pastor (João 10:16; cf. Isaías 56:8).
Como o Pastor messiânico, Cristo declara que fora enviado para
cumprir as promessas do concerto com Israel de congregá-lo. Como
Messias, veio para reunir Israel a Si mesmo (ver Mateus 12:30), porém
mais do que isso, para congregar os gentios a Si mesmo (João 12:32).
Isso requeria uma decisão de fé nEle como Messias de Israel. Para essa
missão universal, Ele chamou dentre os israelitas Seus doze apóstolos,
que em seu número escolhido claramente representam as doze tribos de
Israel. Ao ordenar oficialmente doze discípulos como Seus apóstolos
(ver Marcos 3:14, 15), Cristo constituiu um novo Israel, o Seu
remanescente messiânico, e o chamou Sua Igreja (ver Mateus 16:18). Na
ordenação dos doze, Cristo fundou a Sua Igreja como um novo
organismo, com sua própria estrutura e autoridade, capacitando-a com
"as chaves do reino dos céus" (verso 19; cf. 18:17).
A decisão final de Cristo concernente à nação judaica veio no final
do Seu ministério, quando os líderes judaicos haviam determinado
rejeitar a sua reivindicação de ser o Messias de Israel. As Suas palavras
em Mateus 23 revelam que a culpa de Israel perante Deus havia
alcançado a sua conclusão (Mateus 23:32). Seu veredicto, por essa razão
foi, "Portanto, vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será
O Israel de Deus na Profecia
128
entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos" (Mateus 21:43;
ênfase acrescentada). Essa decisão solene implica que Israel não seria
mais o povo de Deus e seria substituído por um outro que aceitasse o
Messias e a Sua mensagem do Reino de Deus. Que novo "povo" Cristo
tinha em mente? Numa ocasião anterior Ele observou, para a Sua
admiração, que um centurião romano mostrou mais fé nEle do que
qualquer um em Israel já havia feito. Então disse:
Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares
à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os
filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e
ranger de dentes (Mateus 8:11-12; ênfase acrescentada).
Sob essa luz torna-se evidente que Cristo não prometeu o Reino de
Deus – a teocracia – para outra geração de judeus num futuro distante,
como um escritor dispensacionalista advoga5, mas ao contrário, para os
crentes em Cristo de todas as raças e nações, "do oriente e do ocidente."
Enfim, Sua Igreja ("Minha Igreja", Mateus 16:18) substituiria a nação
que rejeitou a Cristo. Tem sido salientado que Mateus está interessado
em mostrar a continuidade do governo divino de salvação:
O basilei tou Theou [Reino de Deus] é uma realidade que abarca tanto
o Velho quanto o Novo Testamento. Deus o conferiu a Israel e depois o tirou
dele quando este se tornou culpado. Ele o conferiu novamente a um povo.
Como os velhos depositários eram um "povo", assim também os novos.
Dessa maneira, a continuidade do Reino assegura a continuidade de um
povo de Deus.6
O Reino de Deus foi manifesto como uma realidade presente na
vida e missão de Cristo. A esperança messiânica do Velho Testamento
foi realmente cumprida no Seu ministério vitorioso sobre o pecado,
Satanás e a morte, de maneira que Ele publicamente anunciou, "Se, porém,
eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino
de Deus sobre vós" (Mateus 12:28; ênfase acrescentada) . Esse é o Reino de
Deus que os judeus rejeitaram. G. E. Ladd afirma, "Quando a nação
como um todo rejeitou a oferta, aqueles que a aceitaram constituíram o
novo povo de Deus, os filhos do Reino, o verdadeiro Israel, a Igreja
O Israel de Deus na Profecia
129
7
incipiente". O próprio Jesus identificou o "povo" que Deus escolheu.
Ele disse para os Seus discípulos, "Não temais, ó pequenino rebanho;
porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino'' (Lucas 12:32;
ênfase acrescentada). Aqui, Cristo inequivocamente identifica os Seus
discípulos como o verdadeiro Israel, pois este era chamado pelos
profetas de rebanho ou ovelhas de Deus (Isaías 40:11; Jeremias 31:10;
Ezequiel 34:12-14). O verdadeiro Israel encontra sua identidade ao
aceitar o jugo do Messias Jesus (Mateus 11:29). Aqueles que seguem a
Cristo são os verdadeiros filhos do Reino (Mateus 13:3738; cf. 8:12). F.
F. Bruce confirma: "O chamado dos discípulos por Jesus para estarem
ao Seu redor, a fim de constituírem o "pequeno rebanho" que deveria
receber o Reino (Lucas 12:32; cf. Daniel 7:22, 27) caracteriza-O como
fundador do Novo Israel".8
A pregação feita por Jesus de fé e arrependimento como condição
para a entrada no Reino (Marcos 1:15) leva à conclusão de que
"Dificilmente pode ser concebida a partir de qualquer coisa, senão do
começo da reunião de um remanescente de fé ao longo das linhas das
esperanças do remanescente das profecias do Velho Testamento". 9 Cristo
criou a Sua Igreja, não fora de Israel, mas com o fiel remanescente deste
que herda as promessas e as responsabilidades do concerto. A Igreja de
Cristo não está separada do Israel de Deus, porém apenas da nação
judaica que rejeitou a Cristo. Este assumiu o lugar de Deus quando
prometeu:
Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou
no meio deles (Mateus 18:20).
Aqui, Jesus obviamente diferencia o Israel crente em Cristo – o
qual está reunido a Ele – do Israel que rejeita a Cristo e se reúne apenas
ao redor de Moisés. Sua declaração está num relevo mais acentuado se
contrastada com o ditado familiar rabínico: "Quando dois se assentam
juntos e se preocupam com as palavras da Torah, então o Shekinah está
entre eles" (Aboth 3, 2; na Mishna).
O Israel de Deus na Profecia
130
A conseqüência imediata da retirada da teocracia da nação israelita
foi a concessão das maldições do concerto como especificadas por
Moisés em Levítico 26 e Deuteronômio 28, e ainda por Daniel no
capítulo 9:26, 27 de seu livro. Chorando intensamente sobre o horrível
futuro da cidade posta sob a maldição divina, Cristo lamentou:
Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz!
Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os
teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o
cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra
sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação
(Lucas 19:42-44; ênfase acrescentada).
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te
foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a
vossa casa vos ficará deserta (Mateus 23:37-38; ênfase acrescentada).
A vinda de Cristo a Jerusalém havia sido "a oportunidade da
visitação de Deus" a Israel. As conseqüências do afastamento do Messias
foram imensas para a nação judaica, pois a perda da protetora teocracia
divina continuará até o próprio fim dos tempos (Daniel 9:26, 27; Lucas
21:24; 1 Tessalonicenses 2:16). Cristo enfaticamente advertiu o Seu
pequeno rebanho, o fiel remanescente de Israel, para fugir da cidade
condenada quando o abominável da desolação dela se aproximasse
(Marcos 13:14; Mateus 24:15-20; Lucas 21:20-24).
Apenas em Cristo, Israel como uma nação poderia ter permanecido
o verdadeiro povo do concerto divino. Ao rejeitar a Jesus como o Rei
messiânico de Deus, a nação judaica fracassou no teste decisivo de
cumprir os propósitos divinos para os gentios. Cristo, contudo, renovou o
concerto com os Seus doze apóstolos. Concedeu o chamado divino do
antigo Israel ao Seu rebanho messiânico, para que fosse a luz do mundo,
(Mateus 5:14) e para fazer "discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mateus 28:19). Deus
não dependia da nação judaica para o cumprimento de Seu propósito
para todos os homens. Seu plano não poderia ser frustrado ou adiado
O Israel de Deus na Profecia
131
pela rejeição do Messias por Israel. O dia de Pentecostes provou que
Deus estava dentro de Seu "programa". Quando precisamente a festividade
anual do Pentecostes chegou (Atos 2:1; literalmente: "completou-se"),
eventos novos e dramáticos tomaram lugar no cumprimento da profecia.
Do céu, Cristo derramou o Espírito prometido sobre o fiel remanescente
de Israel.
A Igreja como o Remanescente das Profecias de Israel
Os apóstolos não consideravam a Igreja como uma interrupção
temporária do plano divino, fora o escopo da profecia de Israel. Ao invés
de qualquer sugestão de um adiamento do Reino de Deus ou uma
mudança no Seu plano, os apóstolos enfatizavam que cada ocorrência na
vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, o derramamento do
Espírito Santo e Sua entronização à destra de Deus, constituíram o
desdobramento e o cumprimento explícito das profecias israelitas. A
traição e a morte de Cristo são explicadas por Pedro no dia de Pentecostes
como o cumprimento do "determinado desígnio e presciência de Deus"
(Atos 2:23). Mesmo a perseguição à Igreja cristã em Jerusalém foi vista
como um fato em que a "mão" de Deus e o Seu "propósito
predeterminaram" (Atos 4:28; com um apelo ao Salmo 2:1, 2).
Em relação à ascensão de Cristo ao céu e Sua entronização como o
Governante davídico tanto de Israel quanto das nações, Pedro apela ao
Salmo 110, um Salmo profético de Davi, dizendo:
Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o
Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os
teus inimigos por estrado dos teus pés. Esteja absolutamente certa, pois,
toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo (Atos 2:34-36).
A aplicação de Pedro do Salmo 110 ao reinado presente de Cristo
foi chamada de "uma notável porção de reinterpretarão das profecias do
O Israel de Deus na Profecia
132
Velho Testamento", porque as promessas do Salmo 110 se referem ao
trono real em Jerusalém (ver Salmo 110:2). Ladd explica:
Pedro, sob inspiração, transfere o trono de Davi de seu sítio terrestre
em Jerusalém para o céu...Agora ele está entronizado à mão direita de
Deus. Agora que os Seus sofrimentos messiânicos passaram, Ele é
introduzido em Seu reino messiânico e continuará até que todos os Seus
inimigos tenham sido subjugados (1 Coríntios 15:25).10
A interpretação de Pedro não é uma exegese literal do Salmo 110,
mas a aplicação cristológica autorizada das profecias de Davi. O método
cristão de interpretar o Velho Testamento é compreender a profecia de
Israel à luz de Cristo e do Novo Testamento. Por isso, não há
absolutamente nenhum adiamento, mas apenas um novo progresso e um
dramático cumprimento (cerca de três mil judeus aceitaram a interpretação
de Pedro e foram batizados em Cristo e Sua Igreja; Atos 2:41) . A
interpretação de Pedro do derramamento do Espírito como cumprimento
direto da profecia de Joel para os últimos dias (Atos 2:16-21) confirma o
conceito de que a Igreja não foi uma entidade imprevista, não predita no
Velho Testamento, mas o surpreendente cumprimento da profecia do
remanescente de Joel. Dessa forma, a Igreja não é uma reflexão posterior
ou uma interrupção do plano de Deus com Israel para o mundo, mas o
progresso e a realização divina do remanescente escatológico de Israel.
Pouco depois do derramamento do Espírito de Deus sobre a Igreja, Pedro
afirmou categoricamente, "E todos os profetas, a começar com Samuel,
assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram estes
dias" (Atos 3:24). Em outras palavras, desde o Pentecostes todas as
profecias do Velho Testamento concernentes ao remanescente de Israel
receberam o seu cumprimento real na formação da Igreja apostólica. A
Igreja é claramente profetizada nas promessas do remanescente
veterotestamentário.
Perito dirigiu-se às igrejas cristãs de seu tempo, espalhadas pelo
Oriente Médio (1 Pedro 1:1) utilizando honrosos títulos de Israel:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele
O Israel de Deus na Profecia
133
que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pedro 2:9; cf.
Êxodo 19:5, 6).
Embora o apóstolo não use o nome "Israel", tudo o que este
representava como o povo do concerto divino, ele agora aplica à Igreja.
Essa é a interpretação eclesiológica de Pedro do concerto de Deus com
Israel (Êxodo 19:5, 6). Essa aplicação é o desenvolvimento da
interpretação cristológica das profecias messiânicas. A aplicação
eclesiológica é apenas a extensão orgânica do cumprimento cristológico.
Assim como o corpo está organicamente ligado à cabeça, da mesma
maneira, a Igreja ao Messias. O povo do novo concerto não é mais
caracterizado pelos laços de raça ou país, mas exclusivamente pela fé em
Cristo. Isso pode ser chamado a espiritualização de Pedro de Israel como
uma "nação santa". Ele reflete tendo como vetor as linhas de uma
tipologia da Páscoa quando enfatiza que os cristãos, como "eleitos" de
Deus foram "resgatados" "pelo precioso sangue, como de cordeiro sem
defeito e sem mácula" (1 Pedro 1:1, 18, 19).
Essa tipologia da Páscoa (ver Êxodo 12:5) é também usada pelo
apóstolo Paulo em 1 Coríntios 5:7. Além do mais, a descrição de Pedro da
Igreja como sendo chamada "das nevas para a sua maravilhosa luz" (1
Pedro 2:9) sugere fortemente uma analogia com o êxodo de Israel do Egito,
a casa da servidão (Êxodo 4:23; 19:4; Isaías 43:21). Assim como o antigo
Israel experimentou o seu êxodo salvador a fim de louvar a fidelidade de
Jeová e Suas virtudes salvadoras, Sua Igreja também experimenta a
salvação presente do domínio das trevas, a fim de "proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (cf. também
Colossenses 1:13). Isso nos leva a afirmar que a comunidade cristã é o
verdadeiro Israel.11
Ao continuar a citar uma profecia específica feita a Israel, Pedro
consistentemente segue a aplicação escatológica:
...vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus,
que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes
misericórdia (1 Pedro 2:10; cf. Oséias 1:10; 2:23).
O Israel de Deus na Profecia
134
O profeta Oséias pronunciou essas palavras como uma promessa às
dez tribos israelitas apóstatas antes do exílio assírio em 721 a.C. Essas
tribos estavam vivendo como as nações pagãs e por isso, atraíram sobre
si as maldições do concerto. Perito declara que a profecia de Oséias da
futura restauração divina de Israel agora se cumpriu na Igreja universal
de Cristo (1 Pedro 2:9, 10)!
Paulo também assegura "as boas novas" aos judeus e gentios da
Ásia Menor:
Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais,
como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus,
como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te
gerei. (Atos 13:32-33).
O fundamento de Paulo para as boas novas de que Jesus foi coroado
Rei de todas as nações do mundo é a sua interpretação cristológica do
Salmo 2. Fundamentados nessa aplicação cristológica das profecias
messiânicas, ele e Barnabé declararam que a respectiva mensagem
evangélica – a justificação perante Deus através da fé em Cristo – lhes foi
comissionada pelo Deus de Israel:
Porque o Senhor assim no-lo determinou: Eu te constituí para luz dos
gentios, a fim de que sejas para salvação até aos confins da terra (Atos
13:47, citando Isaías 49:6; ênfase acrescentada).
No contexto original de Isaías, a "luz" de salvação predita para os
gentios é uma profecia da vinda do Messias que é descrito como um
indivíduo distinto da nação israelita. Como o "Servo" de Jeová, Sua
primeira missão seria "para que torne a trazer Jacó [a Jeová] e para reunir
Israel a ele" (Isaías 49:5). Além disso, o servo foi chamado para tornarSe um missionário aos gentios: "te [referindo-se ao Servo] dei como luz
para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra"
(Isaías 49:6).
Essa profecia messiânica recebeu a sua primeira aplicação
cristológica por Simeão, quando tomou nos seus braços o menino Jesus
(ver Lucas 2:28-32). Paulo e Barnabé, contudo, dão um passo adiante.
Declaram que, como apóstolos de Cristo, estão agora cumprindo essa
O Israel de Deus na Profecia
135
comissão messiânica. Perante o rei Agripa, a fim de defender a sua
missão, Paulo declara:
...nada dizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haver de
acontecer, isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro da ressurreição
dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios (Atos 26:22-23).
Ele se vê tão intimamente ligado a Cristo – até mesmo incorporado
a Ele (Romanos 6:3, 5, 11) – que sua aplicação cristológica das profecias
messiânicas de Isaías resulta em uma aplicação apostólica da missão do
Messias. Por isso, para Paulo, o chamado de Israel por Jeová cumpriu-se
na Igreja apostólica. Ele se une a Pedro ao citar a profecia da restauração
de Israel de Oséias, a fim de afirmar o seu cumprimento na Igreja
universal de Cristo (ver Romanos 9:24-26). Dessa maneira, Pedro e
Paulo estão juntos em declarar que as profecias do remanescente de
Israel encontraram um cumprimento escatológico. Essa aplicação
universal à comunidade da Igreja não é uma espiritualização abstrata,
mas denota o verdadeiro cumprimento literal. A realidade desse
cumprimento do propósito original de Deus para com Israel é ilustrada
pela afirmação de Paulo de que os descrentes que visitam uma igreja
local serão profundamente impressionados pela presença divina e
confessarão, "Deus está, de fato, no meio de vós" (1 Coríntios 14:24-25).
Esse era o plano divino para a influência de Israel entre os gentios
(ver Isa. 45:14; Zac. 8:23) e atualmente é cumprido onde quer que dois
ou mais se reúnam para adorar a Deus em nome de Cristo (Mat. 18:20).
"O Israel de Deus" no Contexto de Gálatas
Paulo conclui sua epístola às igrejas da Galácia com uma bênção,
"Paz e misericórdia a todos que seguem essa regra, mesmo ao Israel de
Deus" (Gálatas 6:16, NIV; ênfase acrescentada). Qual é o significado da
frase, "mesmo [kai] ao Israel de Deus"? Gramaticalmente falando, "kai'
pode ser traduzido por "mesmo" ou "e". C.C. Ryrie afirma: "De fato,
uma decisão absoluta não pode ser tomada a partir do próprio verso, mas
O Israel de Deus na Profecia
136
o uso geral favoreceria o reconhecimento de duas classes neste verso". 12
Não obstante, com esta última afirmação, ele ignora um princípio básico
da exegese literal. Quando a sintaxe gramatical não for conclusiva, o
contexto histórico pode iluminar o significado particular de um termo.
O pano de fundo histórico dessa epístola indica que Paulo está
rejeitando veementemente qualquer status ou reivindicação de diferença
perante Deus dos cristãos judeus pondo-se ao lado ou acima dos cristãos
gentios. Judeus e gentios batizados são todos um em Cristo, são todos
"filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus". Conseqüentemente, "não
pode haver judeu nem grego" em Cristo (Gálatas 3:26-28). "E, se sois de
Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa" (Gálatas 3:29). Como poderia a língua afirmar tal fato mais
conclusiva e inequivocamente? E ainda, Paulo não quer ser malcompreendido e por isso tem mais a dizer àqueles que ainda reivindicam
promessas especiais para o Israel étnico. Em Gálatas 4:21-31, o apóstolo
nega enfaticamente qualquer pretensão do Israel étnico às promessas do
concerto. Esta passagem tem sido corretamente chamada de "a mais
arguta polêmica do Novo Testamento contra Jerusalém e o judaísmo".13
Paulo vai até o ponto de equacionar a "Jerusalém presente", a nação
israelita, com o status de Ismael perante Deus, que foi totalmente
destituído de herança porque perseguiu a Isaque:
Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao
que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. Contudo, que diz a
Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da
escrava será herdeiro com o filho da livre. E, assim, irmãos, somos filhos
não da escrava, e sim da livre Gálatas 4:29:31).
Nesse contexto, Paulo aplica a profecia de Isaías quanto ao retorno
de Israel do exílio (Isaías 54:1) à criação da Igreja (ver Gálatas 4:27). Em
seu contexto original, Isaías assegurou a Israel no cativeiro que o Senhor,
como o seu "Marido" (Isaías 54:5), logo traria de volta a mulher "estéril"
(Israel) de sua "viuvez", com profunda compaixão (verso 7). Como
resultado, Israel novamente se multiplicaria e prosperaria como nunca
O Israel de Deus na Profecia
137
antes (versos 2-3). Com autoridade apostólica, Paulo declara que a
promessa de restauração de Isaías encontrou o seu cumprimento concreto
na Igreja. A sua aplicação é: "Vós porém, irmãos, sois filhos da promessa,
como Isaque.'' (Gálatas 4:28; ênfase acrescentada). Esse cumprimento da
promessa de restauração israelita foi realizado por Cristo – que agora
está na "Jerusalém lá de cima" (verso 26) – nos cristãos renascidos pelo
Espírito Santo (verso 29).
H. Ridderbos afirma:
Paulo vê o cumprimento dessa promessa [Isaías 54:1] na reunião dos
crentes em Cristo. É o ajuntamento feito não apenas entre os judeus, mas
também entre todos os gentios.14
A chave para a compreensão do princípio paulino de interpretação
profética é encontrada exclusivamente na persistente rejeição de Cristo
como o Messias por Jerusalém. Como no julgamento de Jesus, esta
"enchia" a medida do pecado de Israel (Mateus 23:37), assim Paulo julga
que a oposição deliberada dos líderes judaicos à sua proclamação de
Cristo aos gentios para a sua salvação continua "enchendo sempre a
medida de seus pecados" (1 Tess. 2:16). E acrescenta, 'A ira [de Deus],
porém, sobreveio contra eles, definitivamente" [completamente ou para
sempre] (Tessalonicenses 2:16).
O uso paulino do termo "o Israel de Deus" em Gálatas 6:16 deve
receber o seu significado específico em harmonia com o cerne total da
epístola de Paulo aos Gálatas, que ele sumariza nas palavras:
Pois nem a circuncisão [ser um judeu] é coisa alguma, nem a
incircuncisão [ser um gentio], mas o ser nova criatura. E, a todos quantos
andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre
eles e sobre o Israel de Deus (Gálatas 6:15, 16; ênfase acrescentada).
Paulo pronuncia as bênçãos divinas de paz e misericórdia sobre
todos os que seguem a regra ou princípio de ser uma nova criação pela fé
em Cristo. Claramente faz uma declaração toda inclusiva para os cristãos
(verso 15). Seria concebível que ele repentinamente fizesse distinção
dentro da Igreja de uma classe judaica e uma classe gentílica cristã? J.
Barton Payne deve admitir que a exegese dispensacionalista de "e sobre
O Israel de Deus na Profecia
138
o Israel de Deus'' (Gálatas 6:16) como se referindo a uma classe especial
de pessoas dentro da Igreja é inadmissível.
Traduzir o e [Gálatas 6:16] como se um grupo distinto de cristãos
hebreus fosse contemplado, se oporia à índole da epístola como um todo.
Essa distinção agora chegou a um fim entre o povo de Deus.15
A expressão Paulina "o Israel de Deus" é uma qualificação
profundamente religiosa e é claramente sinônima da anterior para todos
os cristãos, que são "os descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa" (Gálatas 3:29). Os teólogos dispensacionalistas garantem que
Paulo, com o termo "o Israel de Deus", referia-se aos crentes no Senhor
Jesus Cristo.16 Porém, por causa de seu interesse dispensacionalista em
manter Israel e a Igreja separados, eles insistem que Paulo deve ter tido
em mente os cristãos judeus como uma classe distinta dentro da Igreja.
Mas destacar os crentes judeus na Igreja como "o Israel de Deus" é um
conceito que está em conflito básico com a mensagem de Paulo aos
Gálatas. Ele categoricamente declara que "não pode haver judeu nem
grego" dentro da Igreja, e que esta como um todo – todos os que
pertencem a Cristo – são a semente de Abraão, o herdeiro da promessa
do concerto de Israel (Gálatas 3:26-29).
Por causa desse contexto histórico-teológico, a New International
Version e traduções similares da Bíblia (como a Revised Standard
Version; a Amplified New Testament; o New Testament de J. B. Philips,
etc.) estão justificadas por traduzir o "kai' de Gálatas 6:16, um "e"
explanatório, como "mesmo". Compreendida dessa maneira, a Igreja e "o
Israel de Deus" estão completamente identificados.17 A bênção de Paulo
em Gálatas 6:16 torna-se, assim, a principal testemunha do Novo
Testamento em declarar que a Igreja universal de Cristo é o Israel de
Deus, a semente de Abraão, o herdeiro da promessa de Israel (cf.Gálatas
3:29; 6:16). A asseveração de Ryrie, "Apenas quando um crente pertence
à raça de Israel pode, em qualquer sentido, ser chamado de um israelita
espiritual"18, não é uma idéia derivada da epístola de Paulo aos Gálatas e
contradiz a sua clara mensagem.
O Israel de Deus na Profecia
139
P. Richardson sugeriu que a frase de Paulo, "o Israel de Deus"
(Gálatas 6:16) se refere a "todos aqueles israelitas que crêem e recebem
as boas novas de Cristo...Há um Israel (de Deus) dentro de (todo) Israel."
Ele parafraseia Gálatas 6:16, assim: "Que Deus conceda paz a todos
aqueles que andarem de acordo com este critério, e também misericórdia
ao seu fiel povo Israel".19 Essa interpretação assume que Paulo aceita
duas espécies de Israel fiel: um que aceitou a Cristo – e por isso tornouse uma "nova criatura" (Gálatas 6:15) – e um Israel de Deus que ainda
não aceitou a Cristo, mas ainda assim, é o "fiel povo de Israel".
Richardson apela para a similaridade estrutural de Gálatas 6:16 e a
Bênção Judaica do Shemoneb Esred ("misericórdia sobre nós e sobre
todo Teu povo Israel"). Ele sugere que Paulo pode inconscientemente
aludir à sua bênção judaica, mas admite que ambas não são exatamente
idênticas, e por isso conclui: "A sentença de Gálatas transmite a
impressão de ser uma reflexão interpretada da bênção''.20 A deficiência
básica dessa abordagem está em não procurar a sua chave hermenêutica
na própria mensagem de Gálatas, mas em uma similaridade externa de
fonte não bíblica. Negligenciando a motivação teológica da Epístola de
Paulo às igrejas dos Gálatas, Richardson introduz duas espécies de Israel
fiel em Gálatas 6:16: um que já aceitou a Cristo e o outro que ainda não
aceitou. Tal projeção de duas espécies de Israel fiel ao lado do infiel
fracassa em apreciar a importância de Cristo como a única norma para
determinar "o" fiel Israel de Deus desde a cruz de Cristo.
A cristologia e a eclesiologia de Paulo o compelem a definir todos
os crentes em Cristo como a "nova criação" (NVI) de Deus, o "novo
homem" em Cristo (Efésios 2:15). Os crentes renascidos em Cristo tanto dos judeus como dos gentios – são por isso, na teologia de Paulo, o
único Israel fiel de Deus.
Os Cristãos Gentios São Concidadãos em Israel
O Israel de Deus na Profecia
140
A Epístola de Paulo "aos santos que vivem em Éfeso" ilumina nossa
compreensão do relacionamento de Israel com a Igreja. Escrita
explicitamente para os cristãos gentios (Ef. 2:11, 17; 4:17), o apóstolo
lhes informa que a integração dos gentios em Israel como filhos ou
herdeiros de Deus não foi uma questão de idéia divina posterior, pelo
contrário, era um plano ou predestinação de Deus (Efésios 1:5, 11) desde
"antes da fundação do mundo'' (Ef. 1:4). Os filhos de Deus, tanto judeus
quanto gentios, estarão para sempre unidos "em Cristo" (Ef. 1:10, NVI).
Ser cristão é saber que também compartilha das bênçãos do concerto
israelita. Através do evangelho, os cristãos receberam a "cidadania em
Israel" (NVI) e se regozijam na mesma esperança que este (Ef. 2:12; 4:4).
Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos
santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular
(Efésios 2:19-20).
Através da cruz, Cristo reconciliou tanto judeus quanto gentios
"com Deus" (Efésios 2:16). Dessa forma, Ele também destruiu "a parede
da separação que estava no meio, a inimizade" entre judeus e gentios, ao
abolir "na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças"
(Efésios 2:14, 15). Essa é uma inegável referência à ab-rogação por
Cristo da lei mosaica com o seu ritual do templo terrestre. A formação de
um Israel messiânico, constituído de todos os crentes em Cristo entre os
homens, foi a Sua comissão. "O objetivo dele era criar em Si mesmo, dos
dois [judeus e gentios], um novo homem, fazendo a paz" (Efésios 2:15;
ênfase acrescentada). Este propósito foi realizado através da cruz de
Cristo (2:16) e comissionado para ser proclamado pelos "santos apóstolos
e profetas de Deus."
Este mistério é que através do evangelho os gentios são herdeiros
juntos com Israel, membros juntamente de um corpo, e partilham juntos da
promessa em Cristo Jesus (Efésios 3:6, NIV; ênfase acrescentada).
Paulo enfatiza aqui três vezes – com a expressão "juntos" que os
cristãos judeus e os cristãos gentios são totalmente iguais dentro de Israel
e da promessa do concerto. (No original é ainda mais conspícuo:
O Israel de Deus na Profecia
141
synkleronoma, syssoma, symmetocha). Assim, nenhum sistema teológico
é justificado quando constrói um muro de separação entre Israel e a
Igreja. A recepção dos gentios na comunidade de Israel foi comparada,
na parábola de Jesus , com o recebimento do filho pródigo na casa de seu
pai (Lucas 15:11-32).21 O pai abraçou o filho perdido quando ele
retornou envergonhado, enquanto o filho mais velho reprovou a sua
generosidade. Assim, a grande Igreja gentílica do tempo de Paulo deve
considerar que os gentios entraram na casa de Israel como a casa de seu
Pai e foram intitulados plenos participantes do concerto de Israel como
concidadãos e co-herdeiros (cf. Romanos 8:17). A filiação dos gentios é
uma adoção à família já existente.
Paulo diferencia entre "nós, os que de antemão esperamos em
Cristo" (Efésios 1:12) – ou Israel – e os gentios que eram forasteiros,
"não tendo esperança e sem Deus no mundo" (Efésios 2:12). Quanto aos
judeus, ele diz, "nós" fomos predestinados em Cristo ... para louvor da
sua glória" (Efésios 1:12). Quanto aos gentios, ele diz, "E também vocês,
foram incluídos em Cristo.., para o louvor de sua glória" (Efésios 1:13,
14, NIV). Assim, tanto judeus quanto gentios são chamados ao mesmo
destino: louvar a glória de Deus. Paulo enfatiza em Efésios 1 o seguro
conceito de que apenas Cristo cumpre e apenas o Espírito Santo revela o
que Deus escolheu e determinou na eternidade.22
A cruz foi o meio apontado para cumprir o preconcebido plano
divino. A Igreja, como a adoração unida a Deus pelos judeus e gentios
em um corpo, não é uma solução temporária para uma situação de
emergência causada com a rejeição a Cristo pela nação israelita. A união
em Cristo de dois ramos da humanidade previamente separados é o
mistério, a substância e a essência do eterno plano de Deus. Isso foi
revelado em princípio – embora não em tal grau e clareza – nos escritos
proféticos de Israel (Efésios 3:5; Romanos 1:2; 16:25, 26). O evangelho
de Cristo não foi totalmente velado nos escritos proféticos israelitas, mas
apenas palidamente compreendido antes do Seu tempo (ver 1 Pedro
1:10-12; Lucas 24:15-17, 44). À luz da nova revelação divina em Cristo,
O Israel de Deus na Profecia
142
os apóstolos foram capazes de compreender o eterno plano de salvação
em seu escopo universal e captar a sua estrutura cristocêntrica (Efésios
1:9, 10; cf. 2 Coríntios 3:13-18).
Como todas as coisas foram criadas e são sustentadas por Cristo,
assim todas as coisas no universo finalmente serão reunidas e mais uma
vez totalmente integradas em um todo por Ele, sobre a base de Seu
sangue reconciliador derramado na cruz (Colossenses 1:20). Essa
unidade cósmica do céu e da terra está agora sendo realizada em Cristo
(Efésios 1:22) e por isso significa também o fim decisivo das barreiras
sociais, de cada dicotomia da verdadeira semente de Abraão e da família
espiritual israelita perante Deus (Efésios 2:16-22). Todos os olhos não
estão sobre Israel como uma nação, mas sobre Cristo e Seu Israel
messiânico, o qual deu as boas vindas aos cristãos gentios como
concidadãos completamente iguais em Israel.
A Aplicação Eclesiológica do Concerto Israelense
A incumbência do autor inspirado da Carta aos Hebreus é
especialmente exortar os cristãos judeus com a convicção de que Cristo,
através de Seu auto-sacrifício e sacerdócio presente, é a realização do
concerto de Deus com Israel.
Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto
é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em
superiores promessas (Hebreus 8:6).
Hebreus assume uma conexão íntima entre o sacerdócio e o
concerto. O velho concerto possuía um "santuário terrestre" com seu
sacerdócio próprio (Hebreus 9:1). Cristo foi "nomeado por Deus sumo
sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque" (Hebreus 5:10), depois
de Sua ressurreição, no santuário celestial (Hebreus 8:1, 2). Essa
mudança de sacerdócio – do levítico para o de Melquisedeque –
acarretou uma mudança necessária do santuário e sua lei cerimonial
(Hebreus 7:12). Enquanto o velho concerto por si mesmo não podia
O Israel de Deus na Profecia
143
purificar o coração de impurezas, "Jesus se tem tornado fiador de
superior aliança" (Hebreus 7:22). Ele não possui apenas um "sacerdócio
imutável" (7:24, 25); mas o Seu concerto é também baseado nas
melhores e mais eficientes promessas divinas. O novo concerto funciona
melhor do que o velho para o povo de Deus. Cristo aparece "agora, por
nós, diante de Deus" (9:24) sobre a base dos méritos de Seu sacrifício
expiatório oferecido de uma vez por todas (Hebreus 7:27). Jesus é capaz
de outorgar, a todos que se aproximam de Seu trono, as bênçãos
prometidas por Deus ao antigo Israel: libertação de uma consciência má
e a garantia pessoal de salvação (Hebreus 9:14; 10:22).
Em contraste com o velho concerto israelita que fracassou, o novo
concerto, prometido através de Jeremias (31:31-34), não falhará porque
Cristo é a sua segurança e garantia (Hebreus 7:22). Ele executa três
promessas básicas de Deus: (1) Internaliza a divina lei moral no coração
de Seu povo, o que é melhor do que colocá-la como um jugo externo
sobre Israel (Hebreus 8:10). Isso implica a regeneração do coração, de
maneira que ele se torne inclinado a obedecer a Deus através do poder
interior do Espírito, como torna claro a promessa paralela em Ezequiel
(Ezequiel 36:26, 27). (2) Individualiza o conhecimento salvador de Deus,
de maneira que cada israelita sem exceção, tem um relacionamento
pessoal e imediato com Deus (Hebreus 8:11); e (3) Perdoa os pecados do
povo de Deus e de seus pecados jamais se lembrará (Hebreus 8:12).
Essas são as "superiores promessas" da profecia de Jeremias que Cristo
veio cumprir (Hebreus 8:6). Por Sua inauguração desse novo concerto,
"torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e
envelhecido está prestes a desaparecer" (Hebreus 8:13). Somos
lembrados que "o comentário do autor foi escrito a partir da perspectiva
do profeta (Jeremias), não de sua própria. Ele sabia que o velho concerto
já havia desaparecido como uma expressão válida do relacionamento
entre Deus e seu povo (7:12)". 23 Em outras palavras, Jeremias já
anunciava o término do velho concerto tão logo Deus introduzisse o
conceito de um novo. A pergunta é levantada: A que povo Hebreus
O Israel de Deus na Profecia
144
aplica a promessa do novo concerto de Jeremias: ao povo judeu como
uma nação no futuro ou aos judeus e gentios individuais na Igreja do
tempo presente?
Os autores dispensacionalistas não estão unidos em cada aspecto de
suas interpretações. J. F. Walvoord relata24 que J. N. Darby mantinha que
o novo concerto pertencia apenas aos israelitas, mas que L. S. Chefer
concebia dois diferentes novos concertos: um novo concerto Jeremias
31) para a nação israelita, a ser cumprido apenas no futuro milênio, e um
novo concerto (Hebreus 8), que se refere à Igreja na era presente. A
Scofield Reference Bible (primeira edição, 1917), contudo, afirma que o
novo concerto tem uma dupla aplicação: primeiro à Israel, a fim de ser
cumprida no milênio, e segundo, à Igreja do presente. A New Scofield
Reference Bible mudou a sua antiga visão e agora declara que o novo
concerto é com Israel e que seu cumprimento será realizado apenas "no
reino milenial depois da segunda vinda de Cristo".25
É bastante óbvio que o dispensacionalismo encontra dificuldade em
fazer justiça ao contexto imediato de Hebreus 8, porque aqui o novo
concerto de Jeremias é aplicado inegavelmente a todos os cristãos.
Walvoord sustenta, "Ela é, de fato, a única passagem que provê qualquer
dificuldade à visão pré-milenial [mais precisamente: dispensacionalista],
e essa dificuldade desvanece se a passagem for cuidadosamente
estudada".26 Seu assim chamado "cuidadoso estudo", The Millennial
Kingdom (capítulo 18, "The New Covenant with Israel") é muito
decepcionante, contudo, porque nenhuma consideração é dada ao dever
sagrado da exegese e nenhum esforço é feito para relacionar a passagem
de Hebreus 8:8-13 com o contexto e a mensagem vital da própria Carta!
Dificilmente toca nas opiniões de outros, meramente defende a sua visão
dispensacionalista e conclui: "O conceito dos dois novos concertos é uma
análise melhor do problema e mais consistente com o premilenialismo
como um todo".27 Essa curiosa projeção de "dois novos concertos" é
mais a defesa de um dogma problemático do que o resultado de
cuidadosa exegese da Santa Escritura. Os esforços de Walvoord para
O Israel de Deus na Profecia
145
negar que a "superior aliança" de Hebreus 8 é o "novo concerto" de
Israel profetizado chega até a ponto de claramente recusar a mensagem
bíblica:
O único argumento é aquele que já era verdade – a predição de um
novo concerto automaticamente declara o concerto mosaico como
temporário e não como eterno...ele declara uma "melhor aliança" do que o
concerto mosaico tornou possível (Hebreus 8:6), mas não afirma...que essa
superior aliança é "o novo concerto com a casa de Israel", ou que o novo
concerto foi introduzido.28
Essa incrível análise do texto sagrado aborta completamente a
convicção que Hebreus 8 quer trazer aos cristãos judeus, isto é, que o
novo concerto divino com Israel encontrou o seu verdadeiro
cumprimento na entronização de Cristo à mão direita de Deus como o
melhor Sumo Sacerdote para Israel. Hebreus 8 nem reitera aquilo "que já
era verdade", e nem promete algum cumprimento futuro do novo
concerto de Jeremias, mas proclama a mensagem do evangelho que o
"novo concerto" prometido foi ratificado pelo sacrifício expiatório de
Cristo e é agora poderosamente eficaz no Cristo ressurreto (ver Hebreus
4:14-16; 5:5, 6, 10; 6:19, 20; 7:11-27; 8:1, 2; 9:14, 24; 12:24; 13:20).
Três passagens em particular parecem relatar a conclusão de
Walvoord de que o novo concerto de Israel ainda não foi introduzido por
Cristo.
Jesus se tem tornado fiador de superior aliança (Hebreus 7:22).
Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que,
intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a
primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm
sido chamados (Hebreus 9:15).
Mas tendes chegado ao monte Sião e á cidade do Deus vivo,...e igreja
dos primogênitos arrolados nos céus,...e a Jesus, o Mediador da nova
aliança (Hebreus 12:22, 23, 24).
Essas mensagens inspiradas não recebem a devida consideração na
argumentação de Walvoord. Hebreus 7:22 é sistematicamente omitido
em sua discussão dos textos sobre o novo concerto, de maneira que a
mensagem vital de que Cristo "se tem tornado fiador de superior aliança"
O Israel de Deus na Profecia
146
29
nem sequer é mencionada. Em relação a Hebreus 9:15, ele observa:
"Cristo é o Mediador 'de um novo concerto', o que é verdade
naturalmente, tanto em relação ao concerto com a igreja, quanto com
Israel".30 Ao evitar uma explanação de Hebreus 9:15 pelo seu contexto,
Walvoord força um conceito basicamente diferente sobre este texto: o de
que Cristo se tornará o Mediador "de um novo concerto" para a nação
judaica no segundo advento. Ele simplesmente conclui que muitos
dispensacionalistas concordam que "um novo concerto foi provido para a
igreja, mas não o novo concerto para Israel".31 C. C. Ryrie chega até o
ponto de reconhecer que o novo concerto que Jesus instituiu para a Igreja
na Ceia do Senhor (Mateus 26 :28; Marcos 14:24) outorga todas as
bênçãos importantes prometidas a Israel em Jeremias 31:33-34 para
"aqueles que crêem em Cristo nesta geração'', mas então começa a
retroceder:
Não se pode negar que a Igreja recebe bênçãos similares a aquelas do
novo concerto com Israel, mas a similaridade não é cumprimento...Não
poderia haver um novo concerto para a Igreja bem como um novo concerto
para Israel?...A nova aliança de Hebreus 8:7-13 pertence ao povo judeu e
não á igreja.32
O dispensacionalismo é forçado a projetar dois diferentes novos
concertos em uma mesma profecia da Escritura! Isto ainda é sustentado
como "sentido normal e literal", "o senso literal ordinário"?33 Se o
"novo" concerto da Igreja não é o novo concerto prometido a Israel,
então onde está o primeiro concerto da Igreja na Escritura (cf. Heb. 8:13)?
Não admira que J. B. Payne ache "difícil de sustentar" a pretensão
dispensacionalista para Hebreus 8-10 – a negação da eficácia do novo
concerto de Jeremias na Igreja. Ela sofre "da inerente dessemelhança de
tal não elaborada sutileza de pensamento", ou seja, que as palavras de
Jeremias se aplicam à Igreja apenas por analogia, mas não em realidade.
Esse raciocínio deprecia o argumento de Hebreus:
Os seus leitores estavam sendo confrontados com a tentação de
escorregar de volta para o cerimonialismo mosaico. E explicar que Jeremias
havia predito que no milênio o cerimonialismo seria substituído por uma
O Israel de Deus na Profecia
147
forma mais espiritual de adoração, dificilmente seria tão convincente quanto
citar o profeta para provar a sua substituição no tempo presente.34
Payne mostra que Hebreus 8:13; 9:14 e 10:16-17 requerem que o
novo concerto de Jeremias 31 seja "um e ...pertença à igreja." O perdão
de pecados que Jeremias promete no novo concerto é agora mediado por
Cristo a todos que têm "intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo
sangue de Jesus" (Hebreus 10:19).
Considerando Hebreus 12:24, o único comentário de Walvoord é:
"A referência é aparentemente ao concerto com a Igreja e não ao novo
concerto com Israel".35 Alguém pode perguntar, contudo, se a Igreja está
separada do concerto de Israel, por que então ela tem "chegado ao monte
Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial", ao vir a Jesus como
mediador de uma nova aliança (Hebreus 12:22-24)? Como alguém pode
aqui negar a noção de um cumprimento essencial? Toda a Epístola aos
Hebreus é conduzida, não pela idéia de analogia, mas pela noção do
cumprimento escatológico do concerto de Israel e a mediação tipológica
do santuário (Hebreus 1:1-3, 13). Na vida e ministério de Jesus chegou
aquilo que todos os símbolos e tipos prefiguraram. Por isso o autor de
Hebreus discorre, não sobre alguma analogia imaginária entre os dois
novos concertos, mas sobre o contraste histórico da salvação na nova
aliança de Cristo com Israel – os doze apóstolos eram todos israelitas – e
da salvação na velha aliança mosaica.
Daniel P. Fuller, portanto, está claramente em harmonia com a
estrutura básica da Epístola aos Hebreus quando conclui:
Ele claramente contrasta esse "novo Concerto" como o velho Concerto
Mosaico em Hebreus 7:22-23; 9:15; 12:18-24, e cita Jeremias 31:33-34 em
apoio desse contraste em Hebreus 8:8-13 e 10:16-17. Tais passagens
oferecem considerável evidência para concluir que esse escritor inspirado
considerava a obra de Jesus como um cumprimento do novo concerto
prometido em Jeremias 31:31-34. Mas, então uma promessa para Israel
encontraria algum cumprimento na Igreja, e isso refutaria a premissa básica
do dispensacionalismo de que o trato de Deus com Israel permanece
separado de Seu trato com a igreja.36
O Israel de Deus na Profecia
148
É verdade que o reinado de Cristo sobre a Igreja, que é eficiente em
inclinar o coração e a vida dos crentes individuais (judeus e gentios) à
obediência de fé, ainda não é a glória do futuro reino messiânico. A
segunda vinda traz a sua própria e mais gloriosa consumação do novo
concerto no reino da glória. Mas, essa maior glória nunca deveria nos
levar a negar a verdade e a realidade do cumprimento espiritual do
presente reinado de Cristo (ver Rom. 14:17; 1 Cor. 4:20; Col. 1:13). Ao
1idar com as promessas divinas de um novo concerto em Jeremias 31,
Walvoord tenta sustentar sua aplicação futurista da promessa do "novo
concerto" de Jeremias para a nação judaica no milênio, através de uma
notável desconsideração ao princípio exegético histórico-gramatical. Ele
declara:
O concerto prometia um cumprimento depois dos dias da tribulação de
Israel [Jeremias 30:7] ou a grande tribulação que Cristo predisse (Mateus
24:21). Ela ainda está sincronizada com o tempo da reunião de Israel que é
considerada como uma preparação para o cumprimento do concerto (cf. Jer.
31:1-20) e constitui o contexto imediato da revelação da nova aliança.37
O contexto histórico no qual Jeremias predisse a salvação de Israel
do "tempo de angústia" (Jeremias 30:7) está claramente afirmado como a
libertação prometida do cativeiro babilônico (Jeremias 30:3; 29:10). Os
capítulos 30 e 31 de Jeremias contêm uma antologia das promessas
divinas de restauração, escritas pouco depois de Nabucodonosor ter
deportado o rei de Judá para o exílio em 597 A.C. (Jeremias 29),
juntamente com dez mil judeus. Essas promessas de restauração
inspiraram os judeus exilados com uma nova esperança pelo fim dos
profetizados setenta anos de cativeiro Jeremias 25:11; 29:10). Através de
Jeremias, o Senhor prometeu um novo êxodo de Babilônia para um
Israel arrependido e piedoso.
Assim diz o SENHOR: Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta
anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa
palavra, tornando a trazer-vos para este lugar....Buscar-me-eis e me
achareis quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de
vós, diz o SENHOR, e farei mudar a vossa sorte; congregar-vos-ei de todas
O Israel de Deus na Profecia
149
as nações e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o SENHOR, e
tornarei a trazer-vos ao lugar donde vos mandei para o exílio (Jeremias
29:10, 13-14).
Esse é o contexto histórico com o qual a promessa do novo concerto
de Jeremias 31:31-34 deve estar relacionada na sua exegese histórica,
mas que é negligenciado na interpretação de Walvoord.
A promessa do novo concerto de Jeremias já começou a ter um
cumprimento inicial no retorno de Israel à terra prometida sob o príncipe
Zorobabel (Esdras 1:1-5; Ageu 2:20-23). Mas o seu cumprimento
histórico imediato não exauriu o significado da promessa. Apenas
quando Cristo reuniu os fiéis israelitas a Si mesmo, o novo concerto de
Jeremias recebeu o seu cumprimento espiritual, porém essencial, no
Israel messiânico, a Igreja (Mat. 12:30; João 12:32; Heb. 8:1-2; 10:15-22).
C. C. Ryrie, contudo, considera a aplicação eclesiológica do novo
concerto de Israel como não tendo nenhum cumprimento. Ele argumenta,
"Se a Igreja não é um assunto da profecia do Velho Testamento, então
ela não está cumprindo as promessas de Israel, mas ao invés disso, o
próprio Israel deve cumpri-las no futuro".38 Ele até mesmo afirma, "A
Igreja não está cumprindo em qualquer sentido as promessas para
Israel".39 Esta é uma asserção bastante curiosa se comparada com sua
confissão no mesmo livro de que "as quatro bênçãos importantes
prometidas a Israel em Jeremias 31:31-34, foram todas prometidas
àqueles que crêem em Cristo nesta geração" (regeneração, a habitação do
Espírito Santo, o ensino do Espírito Santo e o perdão de pecados). 40
"Algumas das bênçãos do novo concerto com Israel são aquelas que
gozamos agora como membros do corpo de Cristo".41
Mas em seu aspecto judaico e étnico, Ryrie assegura, o
cumprimento eclesiológico reclamado "altera" ou "muda" o
cumprimento literal.42 Ele até mesmo chama a aplicação eclesiológica
uma ab-rogação do novo concerto de Israel.43 E se admira, "O Novo
Testamento muda tudo isso? Se o faz, o premilenialismo [ler:
dispensacionalismo] está enfraquecido"." Admite que a construção
O Israel de Deus na Profecia
150
dispensacionalista dos dois novos concertos não é absolutamente nada
mais do que uma inferência necessária para sustentar a sua doutrina do
literalismo étnico em profecia. "A indução de que haja dois novos
concertos fortalece a posição premilenial".45 A premissa de Ryrie de que
o cumprimento eclesiológico implica a ab-rogação do novo concerto de
Israel é um non sequitur, uma ação não-justificada para uma conclusão
que não tem fundamento ou justificativa no Novo Testamento.
A interpretação eclesiológica não pode ser considerada como abrogação do novo concerto de Israel, porque o próprio Cristo instituiu o
sacramento da Última Ceia como o cumprimento do concerto predito de
Jeremias, utilizando-se das palavras, "Este é o cálice da nova aliança no
meu sangue derramado em favor de vós... para remissão de pecados"
(Lucas 22:20; Mateus 26:28; cf. Jeremias 31:34).
Em relação à insistência do literalismo étnico no cumprimento
profético, o apóstolo Paulo enfaticamente corrige tal necessidade autoimposta ao apontar para a teologia familiar do remanescente nos próprios
profetas. Os crentes gentios são incluídos no remanescente escatológico
de Israel.
E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem
todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de
Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua
descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da
carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da
promessa (Romanos 9:6-8).
Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque (Gálatas
4:28).
Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um
remanescente segundo a eleição da graça (Romanos 11:5).
De acordo com Hebreus 8-12, a Igreja de Jesus representa o
verdadeiro cumprimento do novo concerto predito por Jeremias. Longe
de ser uma ab-rogação do novo concerto de Israel, é, ao invés disso, um
tipo e uma garantia da consumação final do novo concerto, quando os
verdadeiros israelitas de todas as eras se ajuntarão às bodas do Cordeiro
O Israel de Deus na Profecia
151
na Nova Jerusalém (Mateus 8:11, 12; 25:34; Apocalipse 19:9; 21:1-5).
Concluímos, por isso, com J. Barton Payne: "A Igreja representa a
consumação da história de Hebreus. Ela constitui o cumprimento do
novo testamento a ser feito 'com a casa de Israel e com a casa de Judá'
(Jer 31:31, Heb 8:8, 10:17-19)".46
Referências Bibliográficas:
1. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 132, 133.
2. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 126.
3. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 46-47.
4. Ibid., p. 138.
5. Ver Pentecost, Things to Come, pp. 91, 465. Ladd, A Theology of
the New Testament, a nota da página 200 comenta, "isso, contudo, é uma
interpretação forçada."
6. W. Trilling, Das Wahre Israel. Studien zur Theologie dês MattheusEvangeliums, Stud. A. Sund N. T., Bd X (München: Kösel Verlag, 1964),
p. 65 (tradução do autor).
7. Ladd, A Theology of the New Testament, p. l13. No capítulo 8, "The
Kingdom and the Church", Ladd apresenta um esplêndido estudo sobre a
diferença e o inter-relacionamento entre o Reino de Deus e a Igreja.
8. F. F. Bruce, em The New Bible Dictionary, ed. J. D. Doulas (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1979; reprint ed.), p. 558.
9. G. F. Hasel, "Remnant", em ISBE, new ed., section III C2.
10. Ladd, The Last Things, pp. 17, 18. Cf. também Bruce, New
Testament Development of Old Testament Themes, p. 79.
11. B. Reicke, The Epistle of James, Peter and Jude, The Anchor Bible,
vol. 37 (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), p. 93.
12. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 69.
13. J. C. DeYoung, Jerusalem in the New Testament (Kampen: Kok,
1960), p. 106.
14. H. Ridderbos, The Epistle of Paul in the Churches of Galatia,
NICNT (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1957), p. 179.
15. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 100, n. 183.
O Israel de Deus na Profecia
152
16. J. F. Walvoord, Israel in Prophecy (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1962), p. 59.
Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 69.
17. Assim também U. Luiz, Das Geschichtsverständnis bei Paulus
(München: C. Kaiser, 1968), p. 269; Ridderbos, The Epistle of Paul in the
Churches of Galatia, p. 227; Ladd, A Theology of the New Testament, p.
539, que se refere a outros eruditos do NT. Contudo, nem todos concordam
(sobre Gálatas 6:16). Ver W. Hendriksen, Israel in Prophecy (Grand
Rapids, Mich.: Baker Book House, 1974), pp. 33-34.
18. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 149.
19. P. Richardson, Israel in the Apostolic Church (Cambridge:
Cambridge University Press, 1969), pp. 82, 83, 89.
20. Ibid., p. 80.
21. M. Barth, Israel und die Kirche im Brief des Paulus na die Epheser,
Theol. Existenz Heute, NF NR 75 (München: Kaiser Verlag, 1959), p. 8.
22. Ver ibid., p. 14.
23. M. M. Bourke, em The Jerome Biblical Commentary, ed. R. E.
Brown, J. A. Fitzmyer, e R. E. Murphy (Englewood Cliffs, N. J.: PrenticeHall, 1968), p. 396 (no. 47).
24. J. F. Walvoord, The Millennial Kingdom (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1974), pp. 109, 110.
25. Ibid., p. 209.
26. Ibid., p. 215; cf. também sua confissão: "Há problemas que
permanecem na compreensão premilenial [ler: dispensacionalista] dessa
passagem [Hebreus 8]", Israel in Prophecy, p. 54.
27. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 219 (ênfase acrescentada).
Ver também Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 118.
28. Walvoord, The Millennial Kingdom, pp. 216, 217.
29. Ambos os seus trabalhos, The Millennial Kingdom e Israel in
Prophecy ignoram a existência de Hebreus 7:22.
30. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 218.
31. Ibid., p. 214.
32. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. l17, 118, 122.
O Israel de Deus na Profecia
153
33. Ver as reivindicações de Walvoord em Israel in Prophecy, pp. 44,
48, 93, 121.
34. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 328, n. 24.
35. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 218.
36. Daniel P. Fuller, Gospel and Law: Contrast or Continuum? The
Hermeneutics of Dispensationalism and Covenant Theology (Grand Rapids,
Mich.: Wm. BB. Eerdmans Pub. Co., 1980), p. 165.
37. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 211.
38. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 126.
39. Ibid., p. 136.
40. Ibid., p. l18.
41. Ibid., p. 124.
42. Ibid., p. 105.
43. Ibid., p. 125.
44. Ibid., p. 115.
45. Ibid., p. 125.
46. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 100.
A IGREJA E ISRAEL EM ROMANOS 9-11
A doutrina da Igreja é de importância decisiva no
dispensacionalismo. A igreja é considerada distinta de Israel e não um
novo Israel espiritual.1 Deus tem diferentes propósitos e programas para
Israel e a Igreja "dentro de Seu plano geral." C. C. Ryrie afirma
claramente: "A Igreja não está cumprindo em qualquer sentido as
promessas de Israel...A era da igreja não é vista no programa divino para
Israel. Ela é uma intercalação".2 O Novo Testamento não "as relaciona
[as promessas divinas a Israel] com a Igreja". 3 "E tudo isso", afirma ele,
"é construído sobre um estudo indutivo do uso de duas palavras ["Israel''
e "igreja'], não um esquema superposto na Bíblia''.4 E conclui:
O Israel de Deus na Profecia
154
O uso das palavras Israel e Igreja mostra claramente que no Novo
Testamento o Israel nacional continua com suas próprias promessas, e a
Igreja nunca é equacionada com um assim chamado "novo Israel", mas é
cuidadosa e continuamente distinguida como uma obra separada de Deus
nesta geração.5
Podem essas asserções ser demonstradas a partir do Novo
Testamento, usando o método exegético histórico-gramatical, como o
dispensacionalismo reivindica? Quais são as regras de tal exegese?
O Papel do Contexto nas Distinções Bíblicas
Um princípio básico de exegese, algumas vezes ignorado nas
construções doutrinárias, é o papel determinante do contexto, permitindo
que cada texto ou termo receba o seu significado literal a partir de seu
próprio contexto imediato. Está sempre presente o perigo de que o
intérprete superponha o significado de um termo em um contexto
histórico sobre o mesmo termo em um contexto histórico diferente da
Escritura. É claro que quando dois textos aparentemente se contradizem,
cada um precisa ser compreendido a partir de seu próprio contexto
histórico e literário (ver por exemplo, Romanos 3:28 e Tiago 2:24).
Assim, o termo "Israel" como usado na carta de Paulo aos Romanos
deve ser determinado pelo contexto deste livro e o seu uso do mesmo
termo na carta aos Gálatas; deve ser compreendido pelo contexto de
Gálatas. Esses diferentes contextos históricos diferem consideravelmente
e não podem ser ignorados ou negados por causa da uniformidade da
construção doutrinária. Isso seria uma exegese forçada e dogmática que
já não está aberta às nuanças dos contextos bíblicos.
"Israel" no Contexto de Romanos
Parece evidente que em Romanos 9-11, Paulo está especialmente
preocupado com os seus compatriotas, "o povo de Israel" (9:3, 4). Além
O Israel de Deus na Profecia
155
de se referir com freqüência ao Israel étnico fora da Igreja, ele também
distingue entre os judeus crentes em Cristo e os gentios crentes dentro da
Igreja (Romanos 11:5, 13). Porque essa distinção dentro da igreja de
Roma? Será que ele fazia distinção entre Israel e os gentios sob o
princípio de que Deus tem duas espécies de povo, cada um com uma
diferente promessa e destino escatológico? A evidência interna aponta
para o contrário. Por exemplo, Paulo adverte as duas facções dentro da
igreja de Roma, judeus e gentios, para não se ufanarem um contra o
outro quanto a alguma alegada superioridade ou prerrogativa (ver
Romanos 11:18, 25; 12:3).6 A diferenciação de Paulo de origens étnicas
dentro da comunidade cristã não o levou a fazer distinção entre as
promessas do concerto para Israel e para os gentios. O caso é exatamente
o contrário. O objetivo da epístola de Paulo é lembrar a igreja do
propósito original da eleição de Israel: ser uma bênção para todos os
gentios do mundo ao compartilhar com eles a luz salvadora de Deus e do
Messias de Israel (Isaías 42:1-10; 49:6).
Contra o pano de fundo desse plano divino, Paulo relata o
surpreendente fato de "Que os gentio, que não buscavam a justificação,
vieram a alcançá-la, todavia, a que decorre da fé [em Jesus como
Messias]; e Israel, que buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa
lei" (Romanos 9:30, 31). O teste decisivo para permanecer na adequada
relação de concerto com Deus é, por isso, exercer fé em Cristo, agora
como o Messias de Israel (Romanos 9:33). Apenas essa fé assegura as
bênçãos do concerto. A Igreja não tem acesso a Deus através de outro
pacto a não ser o novo concerto prometido ao fiel remanescente de Israel
(Romanos 9:24-29).
Ellen G. White reconhece essa abertura fundamental do concerto
divino com Israel para os gentios:
As bênçãos assim asseguradas a Israel são, nas mesmas condições e
no mesmo grau, asseguradas a toda nação e a cada indivíduo sob o vasto
céu.7
O Israel de Deus na Profecia
156
8
Em Romanos 9-11, Paulo alcança o clímax de sua epístola em sua
exposição de como os crentes gentios se relacionam ao Israel de Deus.
Ele retrata a conversão de gentios a Cristo como o enxerto dos ramos da
oliveira brava (gentios) no tronco da oliveira do Israel de Deus
(Romanos 11:17-24). Dessa forma, ele visualiza a unidade espiritual e a
continuidade do concerto divino com Israel e o Seu novo concerto com a
Igreja de Cristo. Através da fé em Cristo, os gentios estão legalmente
incorporados na oliveira, o povo do concerto de Deus, e partilham da raiz
de Abraão (verso 18). A lição da parábola da oliveira cultivada em
Romanos 11 é que a Igreja vive da raiz e do tronco do Israel do Velho
Testamento (Romanos 11:17-18).
A preocupação especifica de Paulo em Romanos 11 é, contudo, a
revelação de um "mistério" divino concernente ao Israel étnico:
Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não
sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a
Israel, até que haja entrado a plenitude [o pleroma] dos gentios. E, assim,
[boutos, desse modo] todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de
Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades (Rom. 11:25, 26).
Muitos comentaristas concordam que Paulo aqui coloca a salvação
do Israel étnico em uma inter-relação dinâmica [boutos] com a salvação
dos gentios. Ele antecipa uma interação entre a salvação de "todo Israel",
ou sua "plenitude" (Romanos 11:26, 12) e a reunião da plenitude dos
gentios com Cristo (Romanos 11:25). Paulo não sugere uma ordem de
sucessivas dispensações, mas vê muitos judeus respondendo
favoravelmente à salvação de muitos gentios que se regozijam na
misericórdia de Deus através de Cristo. Descreve o seu relacionamento
misterioso com uma perspectiva apocalíptica, embora reconheça também
a necessidade de um cumprimento presente (três vezes: "agora"):
Assim como vocês [cristãos gentios] que uma vez foram desobedientes
a Deus, agora receberam misericórdia como resultado da desobediência
deles [judeus que rejeitaram a Cristo], assim eles também têm agora se
tornado desobedientes, a fim de que possam agora receber misericórdia
como resultado da misericórdia de Deus para como vocês. Pois Deus
O Israel de Deus na Profecia
157
colocou todos os homens sob desobediência para que tenha misericórdia de
todos (Romanos 11:31, 32; NIV, ênfase acrescentada).
Pode-se observar neste clímax admirável uma surpreendente
interdependência da salvação dos judeus e dos gentios. Como um erudito
adequadamente afirma: "Deus não garante nenhuma misericórdia a Israel
sem os gentios, mas nem o faz aos gentios sem Israel".9
Arrebatado por essa fantástica visão da fidelidade de Deus às
promessas de Seu concerto com Israel, a despeito da infidelidade deste –
o chamado divino a Israel é "irrevogável" (11:29) – Paulo abre uma
surpreendente perspectiva do propósito salvador de Deus para a raça
humana como um todo. A misericórdia divina fluiu de Israel para os
gentios, a fim de que "todo Israel" fosse desperto para também ansiar a
mesma misericórdia que os gentios regozijam. Na visão de Paulo, Israel
não caiu além da recuperação. "De modo nenhum! Mas, pela sua
transgressão, veio a salvação aos gentios, para pô-los em ciúmes"
(Romanos 11:11; ênfase acrescentada). É a intenção de Deus trazer Israel
de volta a Si por meio da Igreja de Cristo. Essa maneira de salvar muitos
judeus do Israel étnico para Cristo é parte do maravilhoso "mistério"
divino.
Apenas nessa interdependência entre Israel e a Igreja, o mesmo
evangelho de salvação – justificação pela graça através da fé em Cristo –
pode ser mantido para todos os homens. É necessário enfatizar:
Não há nenhuma indagação de outra conversão a não ser daquela que
resulta da pregação do evangelho na história (cf. capítulos 10:14 vv; 11:11,
14, 22) e da atividade presentemente chegada até eles a partir do mundo
gentílico crente (capitulo 11:31).10
Por essa razão a Igreja é chamada para estar ativamente envolvida
no evangelho aos judeus. E. G. White encoraja os cristãos a
testemunharem ao povo judeu e esperar as bênçãos divinas.
É chegado o tempo de conceder luz aos judeus. O Senhor quer que
encorajemos e sustenhamos os homens que labutarão nas vias correras por
este povo, pois deve haver uma multidão convencida da verdade que tomará
a sua posição ao lado de Deus. É chegado o tempo quando deve haver
O Israel de Deus na Profecia
158
tantos convertidos em um dia quanto ocorreu no dia de Pentecostes, depois
que os discípulos receberam o Espírito Santo.11
Como o dispensacionalismo conecta a esperança Paulina para o
Israel étnico com a pregação do evangelho da cruz de Cristo, quando o
seu axioma afirma que "a glória de Deus deve ser realizada não apenas
na salvação, mas também no povo judeu"?12 Como Israel será salvo, de
acordo com a escatologia dispensacionalista? Esta pergunta é
incisivamente feita por Bruce Corley:
Devemos esperar por um milagre apocalíptico a ocorrer sete anos
depois que a "plenitude dos gentios" tenha sido arrebatada do mundo? Os
judeus virão por tratamento preferencial ou através da justificação pela fé? A
primeira opinião fere o coração do evangelho Paulino.13
Paulo não admite outro caminho para "todo Israel" ser salvo, a não
ser através do qual todos os gentios são salvos: pela fé em Cristo, pela
confissão do coração de que Jesus é o Senhor ressurreto de Israel (10:9,
10). Ele explicitamente afirma as condições divinas para a salvação de
Israel: "Eles também, se não permanecerem na incredulidade, serão
enxertados; pois Deus é poderoso para os enxertar de novo" (11:23;
ênfase acrescentada). O Israel étnico chegou a reivindicar amplamente as
promessas do concerto divino ao confiar no seu relacionamento
consangüíneo com o pai Abraão e, dessa maneira, esperava as bênçãos
escatológicas de Deus como uma garantia incondicional (ver Mateus 3:79; João 8:33-34).
Contra essa atitude de ufanar-se na vantagem étnica de Israel (ver
Romanos 2:25-29), o apóstolo proclama urgentemente:
Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o
Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (Romanos 10:12, 13; cf.
3:22-24).
O apóstolo remove toda a distinção teológica entre judeus e gentios
perante Deus, porque "Cristo é tudo em todos" (Colossenses 3:11; cf.
Gálatas 3 :26-29). A atitude de Paulo de cortar as arestas do Israel
natural é devido ao fato de que a justiça própria da religião israelita, de
O Israel de Deus na Profecia
159
fazer reivindicação perante Deus enquanto rejeitando a Cristo e Seu
evangelho do reino (Romanos 9:31-10:4), foi a própria causa de sua
queda e rejeição (Romanos 11:11, 15). Mas isso não significa que Deus
rejeitou a Seu povo Israel (Romanos 11:11)!
A Aplicação de Paulo da Teologia do Remanescente de Israel
O apóstolo apela para as bem conhecidas promessas dos profetas
israelitas quanto ao "remanescente", para manter a sua tese de que as
promessas do concerto divino não falharam, embora Israel como uma
nação fracassou em aceitar a majestade de Jesus Cristo. "E não pensemos
que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são,
de fato, israelitas" (Romanos 9:6). Assim, Paulo continua a distinção
veterotestamentária de um Israel espiritual dentro da nação israelita. Os
profetas chamavam esse Israel espiritual de "o remanescente", e ele
deveria ser o depositário das promessas do concerto divino. No
remanescente fiel, Israel continuou sempre como o povo de Deus na
história da salvação. Deus proveu um remanescente fiel por Sua graça
soberana e assim mostrou que em cada julgamento sobre Israel Ele não
rejeitou aqueles que confiaram nEle e O obedeceram. As promessas do
concerto divino nunca podem ser usadas como reivindicações fora de
uma vida de obediência por fé no relacionamento com o Senhor. As
promessas divinas e a fé de Israel são inseparáveis e pertencem uma a
outra, como afirma Paulo, "Essa é a razão por que provém da fé, para
que seja segundo a graça" (Romanos 4:16).
O dispensacionalismo aceita a natureza condicional das promessas
divinas para o israelita individual, mas insiste nas incondicionais para o
Israel nacional. Ryrie comenta sobre a distinção de Paulo entre o Israel
espiritual e o natural em Romanos 9:6:
Na passagem de Romanos, Paulo está lembrando aos seus leitores
que ser um israelita por nascimento natural não assegura a alguém a vida e
o favor prometidos ao israelita crente que se aproximava de Deus pela fé.14
O Israel de Deus na Profecia
160
Ele afirma que na visão de Paulo, um israelita natural não tem
direito de reclamar as promessas do concerto divino de "vida e favor"
que Deus assegurou tanto no concerto abraâmico quanto no mosaico. E
por que não? Porque a fé no Senhor e no Seu Messias é a condição
requerida para receber as Suas bênçãos (ver Romanos 11:23). Contudo,
deve-se reconhecer que essa condição de fé é também realizada e
mantida no remanescente de Israel, escolhido pela vontade soberana de
Deus. Um comentarista de Romanos explica:
Um "remanescente" não é simplesmente um grupo de indivíduos
separados, tirados de um povo fadado à deposição. É em si mesmo o povo
escolhido, é Israel in nuce...No "remanescente" Israel continua sendo o povo
de Deus...A livre e soberana graça divina decide quem pertencerá ao
"remanescente"... Mas de acordo com a eleição divina, o "remanescente"
havia sido trazido para a fé em Cristo. Ele se achega a Deus sem
reivindicações. Sabe que é inteiramente dependente da graça divina. Por
isso, como o Israel espiritual, ele agora recebe o cumprimento da
promessa.15
Paulo não opera com o contraste dispensacionalista dos israelitas
individuais versos o Israel nacional, no qual os indivíduos têm apenas
promessas condicionais e a nação apenas promessas incondicionais
dentro do mesmo concerto. Paulo continua a teologia de Hebreus de que
"o remanescente é que será salvo" (Rom. 9:27; citando Isa. 10:22-23
onde o remanescente de Israel retorna "ao Deus forte", verso 21). A
mensagem de Paulo consiste em que Deus é fiel à Sua palavra porque
mais uma vez proveu graciosamente de Israel um remanescente de fé, a
igreja apostólica, através do poder criador de Sua promessa. "Assim,
pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente
segundo a eleição da graça" (Romanos 11:5). Os herdeiros legítimos do
concerto mosaico e abraâmico não são os descendentes descrentes e
naturais de Abraão ("Israel segundo a carne", 1 Coríntios 10:18), mas
exclusivamente os seus filhos espirituais, aqueles que pertencem a Cristo.
O Israel de Deus na Profecia
161
Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas
devem ser considerados como descendência os filhos da promessa
(Romanos 9:8).
E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros
segundo a promessa (Gálatas 3:29).
O remanescente fiel de Israel no tempo de Paulo foi criado pela fé
na proclamação de que Jesus de Nazaré era o Cristo da profecia. Como
ele escreve, "E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra
de Cristo" (Romanos 10:17). Não há superioridade étnica ou preferência
por categoria no remanescente israelita, da maneira como Paulo o
compreendia.16 O nome "cristãos", (Atos 11:26) simplesmente significa
"o povo messiânico", todos de Israel e dos gentios que são batizados em
Cristo (Gálatas 3:26-29). Por isso, Paulo aplica as promessas de Oséias
de restauração israelita à formação da Igreja de Cristo como um todo,
pelo seu cumprimento escatológico (Romanos 9:25, 26; cf. Oséias 2:23;
1:10). A Igreja agora ocupa o lugar do Israel étnico que rejeita a Cristo –
os ramos podados de Romanos 11:17 – e por essa razão é dotado com o
concerto de Israel, as bênçãos e as responsabilidades, bem como as
maldições se ocorrer apostasia. A benção espiritual da presença de Deus
entre Seu povo pretendia levantar o ciúme do Israel natural, porque o
chamado divino e redentivo de Israel é irrevogável (Romanos 11:29).
Paulo Esperava a Restauração da Teocracia de Israel na Palestina?
As palavras de Paulo, "E, assim, todo o Israel será salvo" (Romanos
11:26) podem ser entendidas na intenção de ensinar a restauração da
teocracia israelita na Palestina? A New Scofield Reference Bible parece
dizer isto em seu comentário sobre Romanos 11 :26, "De acordo com os
profetas, Israel, reunido de todas as nações, restaurado à sua própria terra e
convertido, deverá possuir a sua maior exaltação e glória terrena" (p. 1226).
Paulo apela ao Velho Testamento a fim de substanciar a sua
desafiadora declaração:
O Israel de Deus na Profecia
162
E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o
Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades. Esta é a minha aliança
com eles, quando eu tirar os seus pecados (Romanos 11:26-27).
Através do testemunho vivo dos cristãos gentios, muitos judeus se
achegarão à fé em Cristo e assim serão enxertados no verdadeiro Israel
de Deus (Romanos 11:23). Dessa forma, Israel é salvo da mesma
maneira que os gentios ("assim", Romanos 11:26).
Tal conversão dos judeus está de acordo com outras promessas do
Velho Testamento. Por isso, Paulo apela para uma combinação de
passagens de Isaías 59:20, 21; 27:9, e de Jeremias 31:34, que predizem
uma renovação espiritual de Israel através do perdão divino de seus
pecados. Essas passagens também expressam a condição de
arrependimento e obediência para a restauração de Israel como teocracia.
A promessa divina de redenção em Isaías diz na íntegra:
O Redentor virá a Sião, aos que em Jacó se arrependerem dos seus
pecados, declara o SENHOR (Isaías 59:20, NVI; ênfase acrescentada).
Deus prometeu que viria como Redentor a "Sião" "aos que... se
arrependerem dos seus pecados". O arrependimento foi requerido de
Sião ou Israel por causa de suas injustiças sociais sistemáticas (Isaías
59:2-8) que causou o exílio israelita entre as nações. O arrependimento já
havia sido afirmado por Moisés como condição para qualquer retorno de
Israel como teocracia à terra prometida (ver Deuteronômio 30:1-10).
Conseqüentemente, Paulo enfatiza a natureza da redenção de Israel ao
chamá-la de uma redenção da "impiedade" e da remoção divina de "seus
pecados" (Romanos 11:26, 27).
Jeremias havia prometido a Israel uma "nova aliança" na qual cada
israelita conheceria o Senhor pessoalmente no perdão de pecados
Jeremias 31:31-34). Porém, mais uma vez a condição é afirmada
inegavelmente: "Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no
coração lhas inscreverei" (verso 33). Estas são as próprias bênçãos do
evangelho que Cristo oferece tanto a judeus quanto a gentios através de
Sua morte, ressurreição e exaltação como Rei de Israel (Atos 5:31).
O Israel de Deus na Profecia
163
Cristo é o Redentor divino que finalmente vem a Sião. O texto de Isaías
59:20 afirma literalmente que o Redentor virá "a Sião". No grego da
Septuaginta se lê: "por causa de Sião". Paulo modifica esta frase de
Isaías ao afirmar que o Libertador virá "de Sião" (Rom. 11:26), porque
agora Cristo vem de Israel. "'De Sião' se refere ao primeiro advento",
comenta Lenski.17 A salvação vem do Messias judeu (João 4:22). Cristo
ainda vem a Israel através da pregação do evangelho, a fim de redimi-lo
de seu pecado da descrença e dureza de coração (ver Mat. 11:28). Dessa
maneira, todos os israelitas crentes serão salvos (Rom. 11:26).
A perspectiva de Paulo sobre o Israel natural em Romanos 11 é uma
das esperanças e garantias de que ainda muitos – "a plenitude" dos –
israelitas retornarão ao Deus do concerto através da fé em Cristo.
Contudo, ele nada diz a respeito do retorno físico de Israel à terra da
Palestina. F. F. Bruce observa que Paulo não fala "nada a respeito da reinstauração nacional na terra de Israel. O que ele visualizava para o seu
povo era algo infinitamente melhor".18 Naturalmente, a melhor promessa
é a de salvação do pecado e a garantia da aceitação de Deus. É
significativo a este respeito o testemunho do perito em Novo
Testamento, Herman Ridderbos durante a "Conferência Sobre Profecia
Bíblica em Jerusalém" em 1971:
Não consigo encontrar qualquer garantia escriturística para a
restauração nacional e a glória de Israel como povo de Deus...Romanos
11:26 proclama que todo Israel será salvo. Compreendo isso como
significando aquele pleroma [plenitude] dos crentes em Israel. Pela graça
de Deus, todos aqueles que crêem serão reunidos em Seu reino, junto
com o pleroma de todas as outras nações.19
Referências Bibliográficas:
1. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 154.
2. Ryrie, The Basis of the Premillenial Faith, p. 136.
3. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 96.
4. Ibid.
O Israel de Deus na Profecia
164
5. Ibid., p. 140.
6. W. D. Davis, "Paul and the People of Israel", NTS 24 (1978): 4-39,
afirma, "Já sugerimos que em Romanos 9-11, Paulo enfrentou urna postura de
crescente hostilidade entre os cristãos gentios para com os cristãos judeus e os
judeus; isto é, ele enfrentou um antijudaísmo. Essa atitude, ele rejeitou" (p. 29).
7. White, Profetas e Reis (Santo André, São Paulo: Casa Publicadora
Brasileira, 1981), p. 480.
8. Ver K. Stendahl, ed., Paul Among Jews and Gentiles (Philadelphia:
Fortress Press, 1976), pp. 78-96.
9. H. N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology (Grand Rapids,
Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1975), p. 360.
10. Ibid., p. 358.
11. Em What Ellen G. White Says About the Jewish People (Washington,
DC.: North American Mission Committee, General Conference of Seventh-day
Adventists, 1976). Citação da Review and Herald, 29 de junho de 1905, p. 8.
12. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 104; cf. p. 155.
13. B. Corley, "The Jewish, the Future, and God" (Romans 9-11)",
Southwestern Journal of Theology 19:1 (1976): 42-56; a citação é da p. 51, nota
44. Ver também, Ladd, A Theology of the New Testament, p. 539; Ridderbos,
Paul: An Outline of His Theology, seção 58.
14. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 138.
15. A. Nygren, Commentary on Romans (Philadelphia: Fortress Press,
1978), pp. 393, 394.
16. M. Bourke, A Study of the Metaphor of the Olive Tree in Romans XI
(Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 1974), pp. 80-111.
17. R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul's Epistle to the Romans
(Columbus, Ohio: Wartburg Press, 1945), p. 729.
18. F. F. Bruce, The Epistle of Paul to the Romans, Tyndale New Testament
Commentary (Grand Rapids, Mich.: Wm B. Eerdmans Pub. Co., 1971), p. 221.
Assim também, J. Murray, The Epistle of Paul to the Romans, NICNT, Vol. 2
(Grand Rapids, Mich. : Wm B. Eerdmans Pub. Co., 1977), p. 99; C. E. B.
Cranfield, The Epistle of Paul to the Romans, The International Critical
Commentary, Vol. 2 (Edinburgh: Clarke, 1979), p. 579.
O Israel de Deus na Profecia
165
19. Em Prophecy in the Making, ed. C. F. H. Henry (Carol Stream, Ill.:
Creation House, 1971), p. 320.
A PROMESSA TERRITORIAL DE ISRAEL NA
PERSPECTIVA DO NOVO TESTAMENTO
A insistência dispensacionalista sobre a dicotomia1 entre Israel e a
Igreja manifesta-se muito notavelmente na projeção das esperanças
separadas e nos programas escatológicos distintos para cada um. De
O Israel de Deus na Profecia
166
acordo com esta concepção, a Igreja pode esperar apenas pelo céu, e
Israel, unicamente pela Palestina, como as suas respectivas heranças.
O dispensacionalismo chama as promessas do concerto divino para
Israel em Deuteronômio 30:1-10, "o concerto Palestino"2, porque Deus
claramente havia derrubado as fronteiras da terra prometida em Seu
concerto com Abraão: "Naquele mesmo dia, fez o SENHOR aliança com
Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito
até ao grande rio Eufrates" (Gênesis 15:18; cf. Deuteronômio 11:24).
O destino do Israel natural nessa terra do Oriente Médio é visto
como sendo desvelado ainda mais em Isaías 32, "Eis aí está que reinará
um rei com justiça, e em retidão governarão príncipes... O meu povo
habitará em moradas de paz, em moradas bem seguras e em lugares
quietos e tranqüilos" (Isaías 32:1, 18).
Em agudo contraste com o concerto "Palestino" de Israel, a Igreja
pode apenas reivindicar o céu como o seu destino e esperança. Deus "que
nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo" (Efésios 1:3) "e, juntamente com ele, nos
ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus"
(Efésios 2:6).
O marcado contraste entre Isaías 32 e Efésios 2 fez John N. Darby
deduzir em 1868 "uma obvia mudança de dispensação"3, tendo como
base a interpretação literal. Isso o levou a concluir que o governo real de
justiça e paz na terra foi planejado por Deus apenas para a nação judaica.
A Terra Foi Prometida Apenas ao Israel de Deus
O Velho Testamento descreve a terra prometida aos patriarcas e a
Israel em termos teológicos consistentes: como gracioso dom ou bênção
de Deus ao Seu povo do concerto (Gênesis 12:1, 7; 13:14-17; 15:18-21;
Deuteronômio 1:5-8; Salmo 44:1-3). A própria terra como tal, é chamada
O Israel de Deus na Profecia
167
para observar um sábado ao Senhor (Levítico 25:2), "à simbolizar a
criação de Jeová e o Seu direito de propriedade sobre a terra". 4 Ela
continuou sendo a "Sua terra santa" (Salmo 78:54) durante o tempo em
que Ele habitou no meio de Israel (Números 35:34). A santidade da terra
israelita é inteiramente derivada. O seu destino, a cidade e o templo
dependem, por isso, do relacionamento religioso de Israel com o Senhor
(ver Levítico 26). O julgamento divino de Israel engloba o juízo sobre
sua terra, pois ela é a terra do Senhor e a Sua herança. "Também a terra
não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois
para mim estrangeiros e peregrinos" (Levítico 25:23). Tanto o povo do
concerto quanto a sua terra dependem inteiramente de Jeová.
Conseqüentemente, "Israel não pode reivindicar uma relação imediata
com sua terra, não pode tê-la à sua disposição de uma maneira autônoma,
nem venerá-la como uma possessão absoluta".5 Israel não possui a terra.
Por isso, Oséias anuncia este julgamento divino sobre as dez tribos, "Na
terra do SENHOR não permanecerão" (Oséias 9:3). Jeremias explica:
Eu vos introduzi numa terra fértil, para que comêsseis o seu fruto e o
seu bem; mas, depois de terdes entrado nela, vós a contaminastes e da
minha herança fizestes abominação. (Jeremias 2:7)
A obrigação de Israel para com Jeová era basicamente esta, "Pai me
chamarás e de mim não te desviarás" (Jeremias 3:19; cf. 2:8; Salmos
105:43-45). Embora a terra fosse um dom da graça para Israel, o povo do
concerto poderia habitar ou permanecer na terra divina apenas se
obedecesse ao Senhor (ver Deuteronômio 4:40; Isaías 1:19). O dom não
pode ser recebido sem o Seu Doador.
Sem essa dimensão ou condição teológica, não poderia haver a
existência política do Israel de Deus, a teocracia. Quando Israel tornouse persistentemente infiel ao seu concerto com Deus, o Senhor, por isso,
retirou a Sua herança dele (Jeremias 17:1-4; 15:13-14). Isso significava,
no Velho Testamento, a dispersão israelita entre os gentio e a destruição
da terra (Isaías 1:5-9; Jeremias 4:23-26). Com a rejeição de Israel como
O Israel de Deus na Profecia
168
uma nação fiel, Deus da mesma forma rejeitou a sua terra que também já
não goza de Suas bênçãos.
A existência de Israel como uma teocracia está inseparavelmente
atada à sua habitação na terra da Palestina. O exílio israelita foi causado
pela retirada das bênçãos do concerto divino. Essa verdade é confirmada
pelas graciosas promessas de Deus de um "novo concerto" com todas as
doze tribos6, em conjunto com a promessa de um novo êxodo das terras
do cativeiro assírio e babilônico, um novo estabelecimento na terra dos
antepassados Jeremias 30-32), e a vinda do Messias, o Davi maior
(Jeremias 23:5, 6). Essas notáveis promessas de Jeremias revelam que a
fidelidade de Deus ao Seu concerto com Israel continuou dentro e
através de Seu julgamento das tribos desobedientes.
Não obstante, o retorno de Israel do exílio estava ainda
condicionado ao seu retorno a Jeová. "Os restantes se converterão ao
Deus forte, sim, os restantes de Jacó (Isaías 10:21; ver também Isaías
4:2-6; Jeremias 3:12-13; 31:21-22). Esses oráculos de julgamento
profético evidenciam o fato de que Israel como o povo do concerto não
pode possuir a Palestina sem Jeová. Como observa Peter Diepold em
relação ao Velho Testamento, "Embora a terra seja um dom da graça de
Jeová, ela ainda conta que a Sua dádiva só pode ser auferida na
obediência à revelação de Sua vontade".7.
A inovação da promessa do novo concerto de Jeremias é uma
maravilhosa garantia de que Deus, pela Sua graça soberana, proverá esse
novo Israel no qual os requerimentos espirituais de obediência amorosa e
conhecimento experimental de Deus serão cumpridos. Tal promessa é
nada menos do que uma promessa escatológica, porque denota um
começo radicalmente novo da história divina com Israel. Embora,
mesmo nas promessas dos capítulos 30-32 de Jeremias, a restauração
israelita na terra prometida não pode ser realizada sem uma relação de
novo concerto com Deus.
Uma reconstituição secular e política de Israel como uma nação não
é vista em nenhum lugar na profecia veterotestamentária. Apenas quando
O Israel de Deus na Profecia
169
Jeová for reconhecido em Seu Messias, o novo Davi, como o único
Senhor e Governante, Israel habitará na Palestina como o fiel
remanescente, como o Israel de Deus (Isaías 9:7; 11:10-12; Ezequiel
37:21-27; Jeremias 23:5-8). Então a terra será restaurada à justiça e paz,
não em sua forma antiga e pecaminosa, porque a glória de Deus no
Shekinnah será manifesta entre o Seu povo (Ezequiel 37:27-28).
A Unidade da Escatologia Bíblica
Ao invés de buscar a nossa própria solução independente para os
diferentes aspectos da escatologia bíblica, devemos nos prender ao dever
de perguntar como Cristo, o verdadeiro Intérprete e os escritores do
Novo Testamento compreendiam a esperança veterotestamentária de paz
e justiça. Em Seu Sermão da Montanha, Cristo prometeu o reino do céu
(Mateus 5:3, chamado o reino de Deus em Lucas 6:20) aos "pobres de
espírito"; e "aos mansos" ou "os humildes", Ele prometeu a terra (Mateus
5:5). Duas conclusões devem ser tiradas: (1) Jesus designa aos Seus
seguidores espirituais a terra inteira como Sua herança, junto com o reino
do céu (ou de Deus).8 (2) Ele aplica a herança territorial de Israel à Igreja
ao ampliar a promessa original da Palestina, a fim de incluir a terra
renovada. No antigo Israel, Davi assegurou aos israelitas que enfrentaria
a repressão de homens maus, que Deus vindicaria a sua confiança Nele:
"Mar os mansos herdarão a ferra e Se deleitarão na abundância de
paz... Os justos herdarão a ferra e nela habitarão para sempre" (Salmo
37:11, 29).
Cristo claramente aplica o Salmo 37 de uma maneira nova e
surpreendente: (1) Essa "terra" será mais ampla do que Davi pensava. A
consumação incluirá a terra inteira em sua beleza recriada (ver Isaías
11:6-9; Apocalipse 21-22). (2) A terra renovada será a herança de todos
os mansos de todas as nações que aceitam a Cristo como Seu Senhor e
Salvador. Cristo não está definitivamente espiritualizando a promessa
O Israel de Deus na Profecia
170
territorial de Israel quando inclui a Sua Igreja universal. Pelo contrário,
amplia o escopo do território até que se estenda por todo mundo.
O apóstolo Paulo compreendia a promessa do concerto territorial da
mesma maneira que Jesus , como sendo universal desde o princípio e
como um dom da graça. Ele escreve:
Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência
coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé
(Romanos 4:13; ênfase acrescentada).
Paulo declara que essa promessa territorial de dimensão mundial era
a essência do concerto Abraâmico e seria garantida por meio da
justificação pela fé. O convite de Deus a Abrão incluía "o norte e o sul, o
leste e o oeste". Na terra de Canaã, não estabeleceu limites.
Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o
oriente e para o ocidente; porque toda essa terra que vês, eu ta darei, a ti e
à tua descendência, para sempre. Farei a tua descendência como o pó da
terra; de maneira que, se alguém puder contar o pó da terra, então se
contará também a tua descendência (Gênesis 13:13, 14, is-16).
A fim de compreender a Paulo, deve-se ver a terra da Palestina
como um pagamento ou penhor, garantindo a Israel como uma nação, o
território mais amplo necessário para acomodar as incontáveis multidões
da descendência de Abraão. O concerto Abraâmico continha a promessa
de um descendente e de uma terra para esse descendente. Essas
promessas encontraram um cumprimento gradualmente crescente desde
o estabelecimento de Israel na terra de Canaã sob Josué (Josué 21:45). W
C. Kaiser, Jr., interpreta a conquista israelita de Canaã como segue:
Isso, por outro lado, tornou-se uma prova ou penhor de garantia da
terra completa ainda a vir no futuro, exatamente como as ocupações iniciais
foram simultaneamente reconhecidas como "exposições, confirmações e
expansões da promessa".9
Paulo reconhece Abrão como sendo o pai de todos os crentes que
são justificados pela fé em Cristo entre todas as nações do mundo (ver
Romanos 4:13, 16-24). Abraão "é o pai de todos nós" (tanto judeus
crentes quanto gentios crentes). "Ele é pai de todos nós. Como está
O Israel de Deus na Profecia
171
escrito: "Eu o constituí pai de muitas nações". Ele é nosso pai aos olhos
de Deus" (Romanos 4:16, 17; NVI). Ele interpreta as promessas divinas
a Abraão em relação à terra e à descendência "aos olhos de Deus" como
sendo cumpridas através de Cristo. Não de acordo com a hermenêutica
do literalismo, mas com a exegese teológica de Paulo.
A terra torna-se o mundo, as nações tornam-se os crentes que
confiam em Deus e são justificados pela fé, como foi Abraão. Por isso, é
exata a conclusão de D. P. Fuller em relação a Romanos 4: "Paulo
compreendia que Abrão seria pai de uma multidão de nações através de
Cristo".10 Isso está de acordo com a afirmação de Paulo de que a terra ou
o mundo que é prometido "provém da fé, para que seja segundo a graça,
a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, [de
Abraão]" (Romanos 4:16).
As promessas territoriais de Israel são asseguradas em Cristo e
garantidas através Dele a todos os crentes, sejam judeus ou gentios.
Conseqüentemente, o concerto de Israel é condicional com respeito
aqueles que são qualificados como recipientes. A condição é: fé em Jesus
como o Messias de Israel.
Essa conclusão milita contra a asserção do dispensacionalista J.
Dwight Pentecost: "Este pacto feito por Deus com Israel concernente à
sua relação com a terra deve ser visto como sendo um concerto
incondicional".11 Por outro lado, a New Scofield Reference Bible (p. 251)
reconhece a natureza condicional explícita de Deuteronômio 30:1-10,
afirmando, "O Concerto Palestino fornece as condições sob as quais
Israel entrou na terra da promessa."
W C. Kaiser explica essa tensão, talvez com melhores palavras: "A
condição não estava agregada à promessa, mas apenas aos participantes
que se beneficiariam dessas permanentes promessas...A promessa
continuou constante, mas a participação nas bênçãos dependia da
situação espiritual dos indivíduos".12 Esse aspecto condicional por parte
dos recipientes não infringe no mínimo o fundamento incondicional da
promessa divina em relação ao reino de Deus, em termos de uma terra
O Israel de Deus na Profecia
172
redimida (Isaías 11:6-9; Amós 9:13-15). Isaías descreve isso em termos
cósmicos: "Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá
lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas" (Isaías
65:17; cf. 66:22). Aqui o profeta une o céu e a terra como uma gloriosa
herança para o Israel escatológico. O Novo Testamento declara
enfaticamente que Abraão e os seus descendentes crentes contemplavam
pela fé a algo bem mais permanente e glorioso do que a conquista da
Palestina ou uma Jerusalém reconstruída:
Pela fé [Abraão], peregrinou na terra da promessa como em terra
alheia ... porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é
o arquiteto e edificador...Todos estes [o Israel espiritual] morreram na fé,
sem ter obtido as promessas...Porque os que falam desse modo manifestam
estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de
onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma
pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de
ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade (Hebreus
11:9, 10,13, 15, 16; ênfase acrescentada).
Assim, basicamente uma única escatologia enlaça Israel e a Igreja.
A Impropriedade da Hermenêutica do Literalismo
A hermenêutica do literalismo étnico e geográfico na profecia é
baseada na pressuposição de que a profecia nada mais é do que a história
adiante no tempo. Conseqüentemente, atribui às descrições proféticas a
exatidão de um quadro fotográfico por antecipação. Essa pressuposição
não permite que coisas maiores e melhores tomem lugar no futuro, coisas
que "jamais [penetraram] em coração humano'' (1 Coríntios 2:9; Isaías
64:4). O literalismo nega que uma tipologia progressiva seja inerente à
estrutura bíblica. Cristo veio em humanidade, embora fosse maior do que
Jonas, maior do que Salomão e maior do que o templo (Mateus 12:40,
42, 6). Ele ergueu a esperança judaica muito acima de um suposto
Messias que era literalmente idêntico ao rei, ao profeta ou ao sacerdote
israelita. Como o Messias divino, colocou-Se infinitamente acima
O Israel de Deus na Profecia
173
daqueles antigos profetas, já em Sua humilde encarnação, mas
especialmente na glorificação vindoura. Uma reprodução exata do rei
teocrático de Israel, não deveria ser esperada. Se compreendidas como
tipos de coisas maiores e melhores a ocorrer, "as representações
deveriam ter sido, em uma maior extensão, figurativas e simbólicas". 13
Por isso, também se pode ver a terra prometida – Palestina – como "um
mundo em miniatura no qual Deus ilustrou o Seu reino e a Sua maneira
de lidar como o pecado. A terra que Deus prometeu a Abraão e a sua
semente...era um tipo do mundo (Romanos 4:13)". 14 O escopo completo
dos profetas israelitas não era nacionalista, mas universal com uma
crescente dimensão cósmica que envolvia o céu e a terra (Isaías 65:17;
24:21-23).
O princípio decisivo para a aplicação escatológica da promessa
territorial de Israel é, por isso, a maneira como Cristo e o Novo
Testamento como um todo aplicam essas promessas do concerto. A
passagem clássica que ensina a ampliação universal do restrito território
sagrado israelita é encontrada na revelação de Jesus à mulher samaritana.
Reconhecendo que Jesus era um profeta, a mulher Lhe perguntou que
monte era santo na visão de Deus, o de Samaria (Monte Gerezim) ou o
Monte Sião em Jerusalém? Cristo respondeu, "Mulher, podes crer-me
que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o
Pai" (João 4:21). Desde a vinda do Messias, Ele agora é o lugar Santo
com o qual todo Israel e os gentios devem se unir (Mateus 11:28; 23:37).
Cristo declarou, "Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu
nome, ali estou no meio deles" (Mateus 18:20). Contemplando as
gerações futuras, Ele adicionou mais tarde, "E eu, quando for levantado
da terra, atrairei todos a mim mesmo" (João 12:32). Cristo não faz
diferença entre a esperança judaico-cristã e a gentílico-cristã em
escatologia. Os descendentes espirituais de Abraão de todas as nações
serão reunidos em "um rebanho" e "um pastor" (João 10:16).
Um princípio notório parece governar as aplicações de Cristo das
promessas de Israel: a remoção da restrição étnica dentre o povo do novo
O Israel de Deus na Profecia
174
concerto resulta na retirada do velho centro geográfico do Oriente Médio
para a Igreja. Onde quer que Cristo esteja, aquele é um espaço santo.
Essa é a essência da aplicação neotestamentária do sagrado território
israelita. O Novo Testamento substitui a santidade da velha Jerusalém
pela santidade de Jesus Cristo. Ele "cristianiza" a velha santidade
territorial e assim, transcende as suas limitações. Isso não deveria ser
considerado como rejeição das promessas territoriais israelitas pelo Novo
Testamento, mas como o seu cumprimento em Cristo.
A continuidade básica da escatologia do Velho e do Novo
Testamento é dramaticamente visualizada na Epístola aos Hebreus. Esse
escritor apostólico assegura ao Israel do novo concerto que ao vir a Jesus
Cristo, "..,tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial...e à universal assembléia e igreja [ekklesia] dos
primogênitos arrolados nos céus, e a Deus...e a Jesus, o Mediador da
nova aliança..." (Hebreus 12:22-24). Através do sangue expiatório de
Cristo em Sua morte, a Igreja está constantemente entrando pela fé no
santuário celestial e se aproximando do próprio nono da graça para
receber socorro (Hebreus 4:16; 10:19-22).
Essa imagem pictórica da adoração cristã não é apresentada como
uma analogia ou uma adoração paralela ao lado da de Israel, mas como
uma proclamação de um cumprimento essencial dos antigos tipos e
sombras israelitas. A retenção do quadro pictórico e da terminologia
hebraica serve ao propósito de enfatizar a unidade básica e a
continuidade da adoração divina na revelação progressiva e na realização
histórica em Cristo (Hebreus 1:1-3).
O cumprimento espiritual presente não anula ou cancela a futura
consumação apocalíptica das promessas de Israel. A cruz, não obstante,
transformou-lhes a todos, de uma vez por todas pelo cristocentrismo da
hermenêutica evangélica.
A continuidade dos termos veterotestamentários e das imagens do
Oriente Médio em Hebreus asseguram à Igreja de Cristo que a promessa
de Deus nem falhou nem foi adiada, mas é experimentada agora em
O Israel de Deus na Profecia
175
Cristo (Hebreus 6:5) e será cumprida de uma maneira ainda mais
gloriosa em sua consumação apocalíptica (Hebreus 13:14).
Uma Só Esperança para Abrão, Israel e a Igreja
A Abraão e à sua descendência crente foi prometida, não
simplesmente a Palestina, na sua condição pecadora presente, mas a
"pátria superior" com uma cidade celestial (Hebreus 11:10, 16).
Resumindo, eles olhavam para além da Palestina, para um novo céu e
uma nova terra e para uma nova Jerusalém. Além do mais, essa herança
eterna não está restrita aos israelitas da casa de Judá e Israel. Hebreus
ensina explicitamente que Israel e a Igreja serão unidos em uma herança:
"por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito [a Igreja], para
que eles [Israel], sem nós, não fossem aperfeiçoados" (Hebreus 11:40; cf.
13:14).
Essa Carta apostólica aplica o novo concerto que Deus havia
prometido às doze tribos de Israel (Jeremias 31:31-34), à Igreja universal
de Cristo (Hebreus 8:1-13). O autor até mesmo declara que o concerto
Mosaico agora se tornou antiquado, a lei Levítica ab-rogada, e que o
templo terrestre, com o seu ritual de sacrifício, foi "removido" por Cristo
como "obsoleto" (Hebreus 8:13; 10:9). Todos os crentes devem voltar os
seus olhos para Jesus como o Rei Sacerdote no trono da graça, porque o
Espírito Santo desvelou que a verdadeira mediação é transferida do
santuário terrestre para o celestial (Hebreus 9:8; 10:19-22). Através de
Cristo, todos nós agora podemos entrar no vivificante descanso divino,
seguros da esperança de um lugar de repouso pela eternidade (Hebreus
4:3, 9).
Em Cristo estamos "recebendo nós um reino inabalável" (Hebreus
12:28) e "buscamos a [cidade] que há de vir" (Hebreus 13:14). Mas, a
certeza inalterável da vinda da Nova Jerusalém, e o reino de Deus
inabalável não tornam antiquada a condição espiritual da aceitação de
O Israel de Deus na Profecia
176
Jesus como Senhor e Cristo. Jesus enfatizou em termos inequívocos a
natureza condicional de participação no banquete messiânico vindouro:
Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares
à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus [de Deus, em Lucas
13:28]. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas;
ali haverá choro e ranger de dentes. (Mateus 8:11, 12; cf. Lucas 13:28, 29).
Em outras palavras, de acordo com Cristo, o Israel natural
(descrente) não tem qualquer parte na promessa do reino. Os crentes
gentios tomarão os seus assentos vazios na festividade escatológica da
descendência de Abraão.
A Igreja de Cristo não tem outra esperança, nem outro destino, nem
ainda outra herança, a não ser aquela que Deus deu a Abraão e a Israel –
um céu e uma terra redimida (Isaías 55:17). Isso não poderia ter sido
confirmado mais conclusivamente do que pelas palavras do apóstolo
Pedro:
...esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual
os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se
derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e
nova terra, nos quais habita justiça (2 Pedro 3:12, 13; ênfase acrescentada).
Pedro com autoridade apostólica transfere a esperança de Israel para
a Igreja. O novo céu e a nova terra – prometidos a Israel em Isaías 65:17
– agora tornou-se a herança prometida da Igreja.
É levantada a pergunta, como a Igreja triunfante, glorificada e
levada ao paraíso com Deus no segundo advento de Cristo (ver 1
Tessalonicenses 4:16, 17; João 14:1-30), receberá a terra como o seu lar
eterno? A resposta é encontrada em Apocalipse 21-22, onde a inspiração
divina revela que a Nova Jerusalém, pelo poder de Deus, descerá do céu
à terra:
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra
passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova
Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva
adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono,
dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com
eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes
O Israel de Deus na Profecia
177
enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele
que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E
acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras
(Apocalipse 21:1-5).
Uma nova terra é o objetivo culminante de toda a história da
redenção. O destino final do homem centraliza-se em uma terra
regenerada (Mateus 5:5; 19:28). De acordo com Paulo, "a própria criação
será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos
filhos de Deus" (Romanos 8:21). Apenas então a esperança de Abraão
será cumprida e todos os seus filhos, em Israel e na Igreja, viverão juntos
através da eternidade como uma família em uma cidade. A realização
apocalíptica da herança divina e Sua gloriosa habitação entre o Seu povo
(Apocalipse 21:3) serão a consumação eterna de Seu concerto com
Abraão (Gênesis 17:7), com Moisés (Êxodo 6:7; Deuteronômio 29:13),
com Davi (2 Samuel 7:24), e do Seu novo concerto com Israel Jeremias
31:1, 31; Ezequiel 36:28; 37:23).
Em Apocalipse 21-22, as contínuas promessas divinas encontram
finalmente o seu perfeito cumprimento na nova terra da era vindoura. 15
Através de Cristo, tanto Israel quanto a Igreja são um e se encontram em
uma nova cidade, a Nova Jerusalém, que tem os portões com o nome das
doze tribos de Israel e os seus fundamentos contém os nomes dos doze
apóstolos da Igreja Cristã (ver Apocalipse 21:12-14). A lição para os
cristãos é profunda, como conclui John Bright:
Assim, como o antigo Israel, teremos sempre que viver em tensão. A
tensão entre a graça e a obrigação: a graça incondicional de Cristo que nos
é oferecida, suas promessas incondicionais nas quais somos convidados a
confiar e a obrigação de obedecer-Lhe como o soberano Senhor da Igreja.16
Referências Bibliográficas:
1. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 154, 155.
2. NSRB, p. 251 (em Deuteronômio 30).
3. Documentation em Fuller, Gospel and Law: Contrast or Continuum?, pp. 15,
16.
O Israel de Deus na Profecia
178
4. W. D. Davies, The Gospel and the Land: Early Christianity and Jewish
Territorial Doctrine (Berkeley, Calif: University of California Press, 1974), p. 29.
5. P. Diepold, Israel's Land, BWANT NR 15 (Stuttgart: W. Kohlhammer, 1972),
p. 109 (minha tradução).
6. Daviues, The Gospel and the Land, p. 43, provas que o coração de Jeremias
era "que o reino do norte de Israel bem como Judá deveria eventualmente retomar do
exílio (Jeremias 3 :12f.; 31:3-4; 31:9, 15-20).
7. Diepold, Israel's Land, p. 183 (minha tradução).
8. The New Scofield Reference Bible consideram os termos (a) "reino do céu" e
(b) "reino de Deus" como sendo rotativos mas nunca distintos: (a) significa o governo
de Deus do céu sobre os seres humanos, entretanto na esfera de urna profissão
universal de Deus pelo povo: (b) significa o reino cósmico, universal de Deus (pp. 994,
1002). Ryrie amortiza este estranho literalismo dizendo, "Esta distinção não é o
assunto essencial. O assunto relevante é se a igreja é ou não o reino. . .
(Dispensationalism Today, p. 173). Entretanto, o assunto essencial, é se o reino
presente de Cristo no trono de Deus é o presente cumprimento do concerto Davídico.
9. Kaiser, Toward to Old Testament Theology, pp. 90, 91.
10. Fuller, Gospel and Law: Contrast or Continuum, p. 133.
11. Pentecost, Things to Come, p. 98.
12. Kaiser, Toward to Old Testament Theology, pp. 94, 100.
13. P. Fairbairn, Prophecy and the Proper Interpretation (Grand Rapids, Mich.:
Guardian Press, 1976; reprint of 1865), p. 229.
14. L. F. Were, The Certainty of the Third Angel Message (Berrien Springs,
Mich.: First Impressions, 1979), p. 86.
15. See Ladd, A Theology of the New Testament, p. 632.
16. J. Bright, Covenant and Promise: The Prophetic Understanding of the Future
in Pre-Exilic Israel (Philadelphia: Westminster Press, 1976), p. 198.
TEXTOS PROBLEMÁTICOS
Amós 9:11-12 Como Aplicado em Atos 15:16-18
Durante o primeiro concílio apostólico em Jerusalém foi discutida a
questão se os gentios crentes em Cristo deveriam ser circuncidados e se
teriam que obedecer a lei de Moisés a fim de serem salvos (ver Atos
O Israel de Deus na Profecia
179
15:1, 5, 6). Pedro então testificou que Deus lhe havia demonstrado, na
conversão de Cornélio e de sua parentela (ver Atos 10), que Ele "não
estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o
coração" (Atos 15:9). Daí concluiu, "Mas cremos que fomos salvos pela
graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram" (verso 11).
Depois que Barnabé e Paulo confirmaram essa conclusão ao relatar
a sua própria experiência, Tiago, o irmão de Jesus, concordou que Deus
aparentemente havia constituído "dentre eles um povo para o seu nome"
(verso 14). Tiago usou uma frase que foi reservada para Israel como o
povo do concerto de Jeová (Deut. 7:6; 14:2; 28:9, 10; Isaías 43:7).
Assim, os gentios crentes em Cristo estão incluídos no povo do
concerto divino. Tiago não pensou haver decretado um novo arranjo de
salvação para os gentios, mas sua resposta é exatamente o contrário:
"Conferem com isto as palavras dos profetas [plural], como está escrito"
[citado de Amós 9:11, 12, na versão Septuaginta] (Atos 15:15). Essa
interpretação de Amós por Tiago confirma a aplicação de Pedro de Joel
2:28-32 para a Igreja (em Atos 2:16-21). A missão da Igreja apostólica
aos gentios, forma uma parte essencial do propósito divino predito. A
profecia de Amós de restauração de Israel recebe uma aplicação
escatológica, por isso os gentios devem ser inteiramente aceitos no
remanescente messiânico (Romanos 11:5), a Igreja, apenas pela fé. Deus
outorgou o Seu Espírito Santo aos gentios em Cesaréia mesmo antes que
fossem batizados (Atos 10:44-47)! Amós predisse explicitamente que os
fiéis remanescentes de Edom e outras nações serão abençoados
juntamente com o Israel restaurado:
Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas
brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias
da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações
que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas
(Amós 9:1l-12).
A finalidade de Tiago em citar essa passagem na conclusão do
concílio apostólico é demonstrar que a predição de Amós havia se
O Israel de Deus na Profecia
180
tornado realidade desde o Pentecostes através do influxo dos crentes
gentios para dentro da Igreja. O fato de que Tiago altera o texto hebraico
ao citar a profecia de Amós havia dado uma oportunidade à Scofield
Reference Bible para impor o seu programa de eventos dispensacionalista
nas palavras introdutórias de Amós como citadas por Tiago: "Cumpridas
estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi" (Atos
15:16). As palavras "cumpridas estas coisas voltarei" são interpretadas
como significando
...o período após o presente testemunho mundial (Atos 1:8), quando
Cristo retornar. Trago mostrou que haverá crentes gentios naquele tempo,
bem como crentes judeus. Daí ele concluiu que não é requerido dos gentios
tornarem-se prosélitos pela circuncisão.1
Essa teoria tem como objetivo, três dispensações sucessivas no
texto de Amós 9:11: (1) O chamado de um povo dentre os gentios
durante a era da Igreja presente. (2) "Cumpridas estas coisas", significa,
depois desta era da Igreja, a reunião do Israel nacional e a restauração do
trono Davídico sobre a terra durante o milênio. (3) Depois disso, a
salvação do remanescente de Israel e de todos os gentios.2
Esta construção dogmática não tem recebido apoio dos exegetas
bíblicos de uma maneira geral. A razão é que a exegese responsável das
Escrituras não admite a interpretação dispensacionalista quando a
passagem está ligada ao contexto original no livro de Amós e com o
contexto imediato de Atos 15:13-15.
No contexto do livro de Amós, a frase "Naquele dia, levantarei o
tabernáculo caído de Davi", se refere claramente ao tempo da restauração
de Israel depois do cativeiro babilônico. J. F. Walvoord declara, contudo,
que as palavras da citação de Amós, "cumpridas estas coisas, voltarei"
(Atos 15:16), quer dizer que depois do juízo divino sobre Israel – sua
dispersão e disciplina – Cristo retornará. 3 Esta conclusão viola a exegese
histórica literal de Amós 9, que requer a aplicação do juízo divino sobre
Israel com o exílio na Assíria e Babilônia (ver Amós 5:27). Esse juízo
começou nos dias do próprio Amós, em 722 a.C. Depois do exílio
O Israel de Deus na Profecia
181
babilônico, o Senhor retornou em favor de Jerusalém e restaurou a Sua
teocracia ao remanescente fiel de Israel (ver Zacarias 8). Zacarias
adicionou a promessa de que o Messias viria governar Israel e o mundo
com a paz universal (Zacarias 9:9, 10). O juízo final de Deus sobre Israel
dependeria de sua resposta ao sacrifício expiatório do Messias (Daniel
9:26, 27; ver o capítulo 11, abaixo). É a alegação de Tiago em Atos 15
que a profecia de Amós encontrou o seu progressivo cumprimento desde
a primeira vinda do Messias, na missão da Igreja apostólica.
No aparecimento de Cristo, Deus retornou para Israel. J. Barton
Payne explica:
A referência [a reedificação do tabernáculo caído de Davi] deve ser à
Sua primeira vinda, pois Atos 15:16 enfatiza que é esse evento que capacita
aos gentios a verem a Deus, do período apostólico em diante.... [Então]
ocorreu o enxerto dos gentios incircuncisos na Igreja, para quem Atos 15
aplica a passagem do VT, de maneira que ela não possa se referir a tempos
ainda futuros.4
Deus restaurou o trono de Davi na ressurreição, ascensão e
inauguração de Cristo Jesus como Senhor e Redentor de Israel(Atos
2:36; 5:31). Cristo já é o Rei Sacerdote à mão direita de Deus (Atos
2:33-36; Hebreus 1:3, 13), para quem é dada toda a autoridade no céu e
na terra (Mateus 28:18). Como os reis Davídicos estavam assentados "no
trono do reino do SENHOR" (1 Crônicas 28:5; 29:23), assim Cristo está
agora assentado com Seu Pai no Seu trono (Apocalipse 3:21). O trono
Davídico não está mais desocupado ou ineficaz, mas transferido de
Jerusalém para a sala real no céu, onde Cristo é, no presente o Rei
Davídico (Atos 2:34-36; 1 Coríntios 15:25; Efésios 1:20-22). O trono de
Davi e o trono do Senhor não podem estar separados, como presume o
dispensacionalismo. A predição de Amós da restauração do trono de
Davi foi cumprida na entronização de Cristo no céu.
Esta é a mensagem apostólica. G. E. Ladd confirma essa conclusão:
Tiago cita a profecia de Amós 9:11-12 para provar que a experiência de
Pedro com Cornélio foi um cumprimento do propósito divino para visitar os
gentios e extrair deles um povo para o seu nome. Por isso, continua, "a
O Israel de Deus na Profecia
182
reedificação da habitação de Davi" que havia resultado na missão aos
gentios deve referir-se à exaltação e entronização de Cristo sobre o trono
(celestial) de Davi e o estabelecimento da igreja como o verdadeiro povo de
Deus, o novo Israel. Desde que Deus havia trazido os gentios à fé sem a lei,
não havia necessidade de insistir que os gentios se tornassem judeus para
serem salvos.5
A aplicação neotestamentária de Amós 9:11-12 é chamada
cristológica-eclesiológica das promessas de restauração de Israel. Uma
verificação mais atenta revela outra característica interessante. Enquanto
Amós profetizou a conquista física do reinado Davídico sobre o
remanescente de Edom, Tiago transporta esse reinado político-militar a
uma conquista de Cristo mais elevada e espiritual sobre o coração dos
crentes gentílicos. A frase de Amós "para que possuam o restante de
Edom", torna-se em Atos 15:17, "para que os demais homens busquem
ao Senhor." Martin J. Wyngaarden analisa Atos 15:16-18 como segue:
Aqui o exaltado reino de Cristo do céu, representa a gloriosa
restauração da dinastia, o remanescente de Edom torna-se o resíduo de
homens, a possessão militar de Edom dá lugar á busca voluntária do Senhor
pelos gentios, com a ausência de batalha física sugerida pela imagem
pictórica de Amós.6
Ele caracteriza essa transformação como uma espiritualização do
Novo Testamento autorizada pelo Espírito Santo. A igreja apostólica
universal é a restauração de Israel.
Isaías 11:1-12: Qual Será o Cumprimento do "Segundo"
Ajuntamento de Israel?
Naquele dia, recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por
estandarte dos povos; a glória lhe será a morada. Naquele dia, o Senhor
tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo, que for
deixado, da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinar, de
O Israel de Deus na Profecia
183
Hamate e das terras do mar. Levantará um estandarte para as nações,
ajuntará os desterrados de Israel e os dispersos de Judá recolherá desde os
quatro confins da terra (Isaías 11:10-12).
A New Scofield Reference Bible considera essa passagem um texto
prova para a sua esperada reconstituição futura de Isael como uma
teocracia nacional na Palestina na segunda vinda de Cristo (NSRB 723).
J. F. Walvoord sustenta esse futurismo com um apelo à seqüência de
Isaías que descreve primeiro o reino messiânico (versos 6-9) e depois o
ajuntamento de Israel (versos 10-15).7 Sobre a base dessa seqüência
literária, Walvoord argumenta, a reunião messiânica de Israel tomará
lugar apenas quando o Messias aparecer em glória no começo do
milênio. Contudo, essa interpretação futurista fracassa em fazer justiça,
tanto à exegese histórico-gramatical de Isaías 11, quanto à interpretação
teológica do Novo Testamento. Para uma discussão ordenada dessa
profecia messiânica devemos relacionar Isaías 11: (1) ao tempo de sua
própria dispensação; (2) à primeira vinda de Cristo; (3) à segunda vinda
de Cristo.
1 . O Cumprimento Inicial de Isaías 11.
Isaías profetizou a respeito do "segundo" ajuntamento do Israel de
Deus por volta de 701 a.C., quando a Assíria já havia deportado muitas
tribos israelitas para além do rio Eufrates (721 a.C.). Ele vê Israel de
forma ampla no exílio da Assíria e da Babilônia (naquele tempo uma
província da Assíria), prediz as boas novas de que o Deus de Israel
reunirá "o restante do seu povo, que for deixado" entre as nações do
Oriente Médio e relaciona claramente essa reunião futura ao antigo
ajuntamento de Israel, quando Moisés miraculosamente secou as águas
do Mar Vermelho de maneira que Israel tivesse um caminho livre para
fora do cativeiro egípcio.
Haverá caminho plano para o restante do seu povo, que for deixado, da
Assíria, como o houve para Israel no dia em que subiu da terra do Egito
(Isaías 11:16; ênfase acrescentada).
O Israel de Deus na Profecia
184
O profeta Isaías fica entre o êxodo passado do Egito sob o comando
de Moisés e o futuro êxodo de Babilônia (ver diagrama abaixo).
PASSADO
PRESENTE
Primeiro Êxodo de Predição de Isaías
Israel: Do Egito
Tempo:
Sob Moisés
Tempo:
Cerca de 700 a.C.
FUTURO
Segundo Êxodo de
Israel: De Babilônia
Tempo:
Cumprido no retorno de
Israel à Palestina em 536
a.C. sob Zorobabel
Quando o príncipe Davídico Zorobabel ajuntou o fiel remanescente
de Israel da Babilônia (Esdras 1:5) e retornou para Jerusalém em 536 a.C.,
Deus realmente começou a cumprir a promessa em Isaías de reclamar o
fiel remanescente uma "segunda" vez de sua dispersão entre as nações
gentílicas (ver Esdras 1-2). É certamente correto concluir que esse
ajuntamento de Israel sob Zorobabel em 536 a.C. e mais tarde em 457 a.C.
sob Esdras, não constituiu o cumprimento completo de Isaías 11:11-15,
porque o Messias ainda não havia aparecido. Não obstante, Zorobabel
era um príncipe da casa de Davi e, por isso, um tipo do Messias. Isso faz
do êxodo israelita sob Zorobabel basicamente um cumprimento inicial da
profecia do ajuntamento messiânico, que apenas reforçava a promessa de
Isaías do ajuntamento escatológico de todas as pessoas crentes no
Messias dentre Israel e dentre todas as nações, pelo Próprio Cristo na
Sua vinda.
A predição de Isaías de que o "SENHOR fará secar...o Eufrates"
(Isaías 11:15; NVI) a fim de libertar Israel, também encontrou um
admirável cumprimento histórico. Ciro, o general persa, desviou as águas
do Eufrates, ao norte da cidade de Babilônia, a fim de precipitar a sua
queda repentina em 539 a.C. O sentido mais profundo da profecia de
Isaías quanto a essa secagem das águas do Eufrates em favor de Israel, é
O Israel de Deus na Profecia
185
trazido à luz no Apocalipse do Novo Testamento (Apocalipse 16:12), em
ligação com a igreja remanescente do tempo do fim.5
2. O Cumprimento Cristológico-Eclesiológico de Isaías 11
Isaías começa com a predição da vinda do Messias em uma
manifestação dupla. A que é comparada a um rebento do tronco de Jessé,
fortalecido pela unção do Espírito do Senhor (versos 1-3). A segunda
manifestação é o Seu aparecimento como glorioso juiz que "ferirá a terra
com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso"
(versos 4-5). O Novo Testamento revela que essas duas manifestações do
Messias se referem a dois diferentes adventos históricos de Cristo ao
mundo. Pelo fato de ser do mesmo Messias, ambos os adventos
partilham basicamente o mesmo Senhorio ou reino de Cristo. Por isso, a
paz e a justiça do reino messiânico, como descritos em Isaías 11:6-9,
encontram os seus cumprimentos conforme o aparecimento de Cristo. A
primeira vinda de Cristo traz paz interna com Deus e com o próximo,
através do sacrifício reconciliatório e do Espírito de Cristo (ver Col.
1:19-20; Efésios 2:14-18). A segunda vinda adicionará paz externa e a
justificação universal através do julgamento do mundo e a Sua nova
criação (2 Tess. 1:5-10; 2 Tessalonicenses 2:8; Apocalipse 21:1-5).
A previsão de Isaías do ajuntamento de Israel está profundamente
centralizada em Deus e no Messias. O ajuntamento é primariamente ao
próprio Messias e apenas secundariamente à terra de Israel. Além do
mais, o ajuntamento não é apenas de Israel, mas explicitamente, de todos
os crentes gentílicos (Isaías 11:10).
O cumprimento histórico desse ajuntamento messiânico ao "lugar
de descanso" divino, já começou com o primeiro advento de Cristo (ver
Mateus 12:30; João 12:32; Hebreus 4:14-16).
O apóstolo Paulo cita a essência de Isaías 11:1, 10, para assegurar à
igreja em Roma que a predição de Isaías do repouso messiânico agora
está sendo experimentado através da fé em Cristo (Romanos 15:8, 9, 12).
O Israel de Deus na Profecia
186
Dessa maneira, Paulo faz uma inegável aplicação cristológicaeclesiológica de Isaías 11:10. O remanescente profético de Israel em
Isaías é o crente em Cristo, não simplesmente uma nação étnica-política
que rejeita a Jesus como o Messias. Cristo é o "Estandarte" para o qual o
remanescente recorrerá. Os cristãos do Israel étnico e os gentios já estão
bebendo "água das fontes da salvação" com alegria messiânica (Isaías
12:3; João 7:38, 39; 15:11).
3. A Consumação Apocalíptica de Isaías 11
A intenção mais profunda das profecias de Isaías em relação ao
ajuntamento de Israel da dispersão, indubitavelmente implica uma
perspectiva apocalíptica. Apenas quando o fiel remanescente for restaurado
na Palestina (Isaías 11:1-9) o ajuntamento de todo Israel estará completo.
Unicamente quando todos os ímpios forem julgados pela justiça do Messias
(Isaías 11:4), as promessas em Isaías serão completamente realizadas: "Não
se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se
encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar"
(Isaías 11:1-9). Essa perspectiva universal é expandida em Isaías 24-27, o
assim chamado Apocalipse de Isaías, que tem sido intitulado "uma das
partes mais belas e magníficas do VT" (E. Sellin). Essa unidade
apocalíptica culmina na trombeta divina chamando Israel para se reunir ao
Senhor no reino eterno.
Naquele dia, em que o SENHOR debulhará o seu cereal desde o
Eufrates até ao ribeiro do Egito; e vós, ó filhos de Israel, sereis colhidos um a
um. Naquele dia, se tocará uma grande trombeta, e os que andavam
perdidos pela terra da Assíria e os que forem desterrados para a terra do
Egito tornarão a vir e adorarão ao SENHOR no monte santo em Jerusalém
(Isaías 27:12-13; ênfase acrescentada).
Esse remanescente final de Israel não é retratado como um grupo
étnico ou uma entidade política, mas como um remanescente religioso. O
propósito da última trombeta de Deus é congregar cada israelita de
O Israel de Deus na Profecia
187
maneira que todo Israel possa "adorar Jeová" em Seu santo templo em
verdade e no Espírito, e da libertação eterna de toda a opressão.
Cristo e os escritores do Novo Testamento visualizavam tal
ajuntamento apocalíptico do Israel de Deus no glorioso segundo
advento? Cristo via a Sua segunda vinda como a colheita final de Sua
missão em atrair todos os homens a Si através da cruz (João 12:24, 32;
14:1-3). Ele anunciou que retornaria com poder e grande glória para
julgar Israel e as nações da terra em relação à sua rejeição ou fé na Sua
missão messiânica de morrer pelos seus pecados (João 5:22-24). Ele a
todos julgaria pela sua relação para com o Seu povo (Mateus 25:31-46).
Quando Ele retornar, "enviará os seus anjos, com grande clangor de
trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de
uma a outra extremidade dos céus" (Mateus 24:31).
Cristo aqui se refere, não a um Israel étnico, mas aos "Seus eleitos".
Esse Israel messiânico será congregado, não ao Oriente Médio, mas a Si
mesmo "dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus" (cf.
João 14:2, 3; 1 Tessalonicenses 4:16, 17). Esta é a aplicação final de
Cristo às promessas de ajuntamento em Isaías (cf. Mateus 8:11, 12).
4. A Interpretação Dispensacionalista de Isaías 11:11-15
O hebreu cristão Arthur W. Kac, defende a tese de que a formação
do moderno Estado de Israel em 1948 A.D., foi o cumprimento inicial ou
"preparatório" da profecia de Isaías. Deus agora está ajuntando Israel
uma "segunda vez" das nações para a sua terra natal (Isaías 11:11), a fim
de reconstituí-lo como "um Estado Soberano inteiramente
independente".9
Então, o que Kac vê como o primeiro ajuntamento de Israel? Ele
rejeita a libertação do Egito como o primeiro ajuntamento divino do
povo de Deus, porque a permanência de Israel no Egito foi "voluntária
por cerca de quatrocentos anos" (contudo, verifique Gênesis 15:13-16!).
O Israel de Deus na Profecia
188
Kac assevera: "A primeira dispersão do povo judeu foi realizada por
Babilônia e o primeiro retorno tomou lugar no fim do exílio babilônico.
A passagem citada acima [Isaías 11:11] fala de um segundo ajuntamento
e implicava uma segunda dispersão".10 Ele até mesmo afirma que "as
promessas [de restauração] ... nunca encontraram cumprimento após a
conclusão do exílio babilônico".11 Conseqüentemente, Kac esboça a
seguinte ordem de eventos em Isaías 11:11 (ver diagrama) :
Isaías prediz dois
ajuntamentos
futuros
Tempo: 700 a.C.
Primeiro, um ajuntamento de Israel da
Babilônia
Cumprido depois de
537 a.C.
Um segundo ajuntamento de Israel de
todas as nações
Cumprido desde 1948
A.D.
Kac parece não aceitar qualquer cumprimento da promessa de Isaías
para o período depois do exílio babilônico. Ele afirma categoricamente
que as promessas divinas de ajuntamento "nunca encontraram
cumprimento depois da conclusão do exílio babilônico", embora admita
que "o primeiro retorno ocorreu no final do exílio babilônico".
Geralmente se reconhece que o retorno de Israel de Babilônia foi um
cumprimento verdadeiro, embora parcial da profecia de Isaías do
ajuntamento de Israel. De acordo com a exegese literal, Isaías não
predisse que Deus ajuntaria Israel "duas vezes", mas "uma segunda vez".
Evidentemente, a implicação é que o primeiro ajuntamento ocorreu no
passado de Isaías (ver Isaías 11:16). Uma outra indicação de uma falta
básica de exegese histórica da parte de Kac é encontrada nas observações
de que a profecia de Zacarias capítulo 8 foi feita "depois que o
ajuntamento do Exílio Babilônico já havia ocorrido'', e
conseqüentemente "implica outra Restauração".12 Kac simplesmente
passa por alto o fato de que a profecia de Zacarias foi feita em 518 a.C
O Israel de Deus na Profecia
189
(Zacarias 7:1) e se cumpriu mais tarde no ajuntamento ulterior de Israel
da Babilônia sob Esdras em 457 a.C. (Esdras 7). Esta foi de fato, a
restauração prometida por Zacarias.
Mais sério ainda, é o fato de que Kac viola o princípio fundamental
do Novo Testamento de interpretação das profecias do Velho
Testamento que passam da velha para a nova dispensação. A cruz e a
ressurreição de Cristo irrevogavelmente transformam a natureza de Israel
e todos os seus cumprimentos escatológicos (ver o capítulo 7 acima).
A aplicação étnica e política feita por Kac do Israel escatológico,
priva ao "remanescente" de seus profundos elementos essenciais
religiosos-teológicos e deixa apenas uma nação secular restaurada, o
moderno Estado de Israel. Como esse presente Estado israelita "é
preparatório para a redenção final e completa de Israel'', e como
"redundará na transformação do reino desta terra no reino de Deus"13,
são questões deixadas abertas. Ele "associa" o presente Estado de Israel
ao retorno de Jesus Cristo, de uma maneira inexplicada e misteriosa.
A posição dispensacionalista sobre Isaías 11 é apresentada na New
Scofield Reference Bible: "Este capítulo é um quadro profético da glória
do futuro reino que será estabelecido quando o Filho de Davi retornar em
glória (Lucas 1:31-32; Atos 15:15-16)" (p. 723). J. F. Walvoord também
declarou que o ajuntamento de Israel tomará lugar apenas na segunda
vinda de Cristo baseado na seqüência da descrição de Isaías. 14 Mais tarde
ele afirmou:
O ajuntamento final de Israel, do qual a presente ocupação de uma
porção da Terra Santa é o primeiro estágio, culminará quando o Messias de
Israel retornar à terra com poder e glória para reinar.15
Como Kac, Walvoord agora aplica o "segundo" ajuntamento de
Isaías ao Estado secular de Israel, desde 1948 A.D. A seqüência da
descrição de Isaías aparentemente não é mais acolhida literalmente
(primeiro o reino messiânico de justiça e depois o ajuntamento de Israel).
Dessa maneira, o Israel restaurado é basicamente privado de sua essência
teológica.
O Israel de Deus na Profecia
190
O falecido erudito em Velho Testamento J. Barton Payne, apresenta
uma interpretação das profecias de ajuntamento em Isaías que pertence
basicamente à hermenêutica do dispensacionalismo. Em sua
Encyclopedia of Biblical Prophecy (Harper, 1973), Payne reconhece
brevemente que o ajuntamento prometido de Israel em Isaías 11:11
pressupõe "a primeira vez tendo sido em seu êxodo do Egito'' (p. 299). O
seu interesse é pelo tempo do cumprimento do predito "segundo"
ajuntamento do Israel étnico. Para ele, isso será "o reajuntamento dos
judeus convertidos, após Cristo haver estabelecido o Seu reino futuro".
Ele intitula esse fato de "o re-ajuntamento milenial divino de Israel" (p.
300), "o retorno milenial de Israel para a Palestina" (p. 398; sobre Oséias
1:11; 2:23). Payne passa por alto completamente o cumprimento
histórico de Isaías 11 no retorno de Israel da Babilônia, mas aponta
exclusivamente para um cumprimento futuro apocalíptico para o Israel
étnico no Oriente Médio no segundo advento de Cristo. Seu esboço de
Isaías 11:11 é (ver diagrama) :
O primeiro Ajunta- Isaías Prediz
mento Israel do
Egito
O
"Segundo"
ou
Milenial Ajuntamento do
Israel
Nacional
Convertido na Palestina
Sob Moisés
Milênio
Tempo: 700 a.C.
A confusão do literalismo dispensacionalista torna-se mais evidente
quando se nota que a exegese de Isaías 11 de Kac conclui que o primeiro
ajuntamento de Israel não foi do Egito, mas de Babilônia. O segundo
ajuntamento, então começou em 1948 A.D. Payne, contudo, declara que
o primeiro ajuntamento foi do Egito e que o segundo começará na
segunda vinda de Cristo. Além do mais existe a confusão acerca da
natureza do remanescente de Israel. Kac opera apenas com um Israel
secular e natural, enquanto Payne aborda sobre "judeus conversos" que
serão convertidos "pelo aparecimento de Cristo nas nuvens", acima da
O Israel de Deus na Profecia
191
cidade de Jerusalém (p. 140). Não obstante, todos os dispensacionalistas
concordam que o Israel escatológico deve ser o povo judeu que retornará
à Palestina, de maneira que Cristo possa restabelecer o reino Davídico
para eles na velha Jerusalém.
Agora precisamos inquirir, com que base Payne retém as restrições
étnicas e geográficas em seu cumprimento escatológico. O seu
argumento básico é que a Igreja será arrebatada da terra para o céu, de
forma que o Messias reinará na terra apenas sobre Israel. Sua
pressuposição é que Israel e a Igreja devem estar para sempre separados,
a despeito do ensino de Cristo e da revelação do Novo Testamento. Ele
assevera mais particularmente:
A base para distinguir entre aqueles para quem Ele vem, se para a
Igreja, em seu arrebatamento, ou para os judeus, em seu ajuntamento, deve
ser encontrada nos ensinos das Escrituras de que os judeus devem ser
trazidos de volta por outros povos (Isa 14:2, 49:22) e pelo uso de meios
emblemáticos, e.g. um caminho, 11:16, 35:8. A igreja, em contraste,
experimenta o seu arrebatamento por uma ação direta de Deus. Ela pode
ser identificada por tais elementos sobrenaturais como o soar de Sua grande
trombeta (Isa 27:12-13; Mat 24:31; 1 Tess 4:16; '"última trombeta", 1 Cor
15:52).
Alusões geográficas, indicando a presença localizada de Jesus Cristo,
formam uma chave básica para a identificação das profecias mileniais.16
Nossa crítica fundamental da interpretação profética de Payne é que
ele opera com uma hermenêutica preconcebida do literalismo. Subordina
a Cristo e a escatologia do Novo Testamento a aspectos étnicos e
geográficos do velho concerto, ao invés de fazer de Cristo a norma
superior pela qual todas as alusões étnicas e geográficas são
transformadas e transcendidas (ver capítulos 7 e 9, acima). Ilustramos
isso com um exemplo das declarações de Payne:
Quando Zacarias 8:22, por exemplo, fala de muitas nações buscando
ao Senhor, pode-se imaginá-las na era da igreja, como em Zacarias 2:11;
mas as nações no capítulo 8 "vêm para buscar Jeová em Jerusalém".17
Um exame minucioso de Zacarias 2 revela, contudo, que Zacarias
2:11 em nenhum respeito é diferente de 8:22, como afirma Payne. Assim
O Israel de Deus na Profecia
192
como no capítulo 8, Zacarias 2 se refere à "filha de Sião" (2:10) e a
"Judá como sua [de Jeová] porção na terra santa e [Ele], de novo,
escolherá a Jerusalém" (2:12).
Além disso, as designações geográficas de 'Jerusalém", "Monte
Sião", etc., sempre significam a realidade religiosa da presença de Jeová
dentro das profecias do Velho Testamento, daí a qualificação teológica
monte "santo", cidade "santa", terra "santa". A presença da glória do
Shekinah de Jeová determina se Jerusalém ou qualquer outro lugar está
sob a bênção do concerto. No Salmo 46 Israel canta a respeito de
Jerusalém: "Deus está no meio dela; jamais será abalada;...O SENHOR
dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é o nosso refúgio" (Salmo
46:5-7). Se a glória de Jeová sempre se afastava do templo por causa das
abominações de Israel, então a maldição de Deus substituía a bendita
proteção e o lugar "profano" era destruído (Lev. 26:31-33; Ez. 8, 9). Isso
aconteceu com Jerusalém no tempo de Ezequiel. Depois que a presença
de Deus deixou o templo através do Portão Oriental (Ez. 11:22, 23),
Nabucodonosor destruiu Jerusalém e o templo em 586 A.C. Isso
aconteceu de novo quando Jerusalém se recusou a ser ajuntada ao
Messias (Mateus 23:37). Cristo então anunciou: "Eis que a vossa casa
vos ficará deserta" (Mateus 23:38). Essa maldição punitiva – causada
pelo afastamento do Messias de Jerusalém – caiu sobre a cidade
condenada em 70 A.D., através do general romano Tito. Assim, a
profecia de Daniel 9:26, 27, que predizia a destruição de Jerusalém por
causa da rejeição do Messias, foi cumprida dramaticamente.
O Novo Testamento não prediz outra restauração da glória de Jeová
na velha Jerusalém que até estes dias rejeita o sacrifício expiatório e
substituinte de Cristo na cruz. Contudo, proclama as boas novas a Israel
e aos gentios de que todos os que aceitam o Cristo crucificado, ressurreto
e exaltado como seu Senhor e Salvador, chegaram assim ao "verdadeiro
tabernáculo" (Hebreus 8:1, 2), e
ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial...e à
universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus...e a
O Israel de Deus na Profecia
193
Jesus , o Mediador da nova aliança (Hebreus 12:22, 23, 24; ênfase
acrescentada).
Paulo conclui que a presente cidade de Jerusalém está "em
escravidão com seus filhos", teologicamente falando. A nossa Jerusalém
é de "cima" e "é nossa mãe" (Gálatas 4:25, 26).
Se o dispensacionalismo tomasse a Cristo como sua norma
orientadora de interpretação profética ao invés do literalismo geográfico,
ele não poderia mais considerar o velho Monte Sião como o sagrado
centro da profecia. A glória de Cristo excede em muito à do velho
templo (Mateus 12:6; João 4:21). A revelação progressiva do Shekinah
divino em Cristo é o princípio decisivo da escatologia cristã. O princípio
apostólico da interpretação cristológica-eclesiológica dificilmente pode
ser chamada uma "espiritualização indiscriminada de todos os termos e
promessas relacionados à terra''.18
Não é legítimo concluir que simplesmente porque as promessas
geográficas a Israel foram "afirmadas e reafirmadas tantas vezes", que
essa freqüência por si mesma "torna claro que Deus tencionava que
fossem encaradas na sua forma nominal".19 O nosso conceito de
"literalismo" é a norma divina para a compreensão do cumprimento das
profecias escatológicas de Israel? Ou Cristo deveria ser a nossa norma
para o verdadeiro entendimento do Velho Testamento, sob a direção do
Espírito Santo no Novo Testamento?
Mateus 23:39 Os Judeus Serão Salvos Quando Verem o Messias em
Sua Glória?
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te
foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a
vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não
me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!
(Mateus 23:37-39; ênfase adicionada; cf. Lucas 13:35).
O Israel de Deus na Profecia
194
Os escritores dispensacionalistas usam a declaração final do
discurso antifarisaico de Jesus (Mateus 23:39) como uma promessa
escatológica de restauração de uma teocracia judaica. Em sua visão,
Cristo meramente adia o cumprimento do reino Davídico para a nação de
Israel porque a Sua geração contemporânea O rejeitou como Messias. 20
Walvoord considera Mateus 23:39 como a promessa de Cristo de um
ajuntamento apocalíptico do remanescente piedoso de Israel na Sua
segunda vinda:
Ao pronunciar juízo sobre a Sua geração, Cristo estava de fato,
predizendo a sua dispersão final e o seu ajuntamento definitivo quando o
remanescente piedoso de Israel dirá arrependido: "Bendito o que vem em
nome do Senhor".21
Em outras palavras, o juízo de Cristo sobre Israel foi apenas uma
punição temporária, não o Seu julgamento final. O dispensacionalismo
apela para a conversão de Paulo próximo a Damasco (Atos 9:3-6) como
uma ilustração da futura conversão nacional de Israel. 22 J. D. Pentecost
vê Mateus 23:39 também como um paralelo à afirmação de Paulo em
Romanos 11:26, "E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito:
Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades." Por isso
ele assume, "Deve ser notado que o remanescente de Romanos 11:26 não
será convertido até o segundo advento de Cristo".23
Os textos recebem os seus significados específicos do seu contexto.
Uma verificação detalhada do contexto de Mateus 23:39 leva-nos a
conclusão de que os sete ais em Mateus 23 contêm uma inevitável nota
de desígnio. É o ajuste de contas final do Israel teocrático:
Enchei vós, pois, a medida de vossos pais... para que sobre vós recaia
todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel
até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o
santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir
sobre a presente geração (Mateus 23:32, 35, 36; ênfase acrescentada).
Esse caráter de juízo final torna-se explícito também na parábola
dos lavradores maus (Mateus 21:33-42), que sumaria a história da
rebelião israelita contra Deus até que alcance ao seu clímax na violenta
O Israel de Deus na Profecia
195
rejeição do Filho do proprietário, o cumprimento messiânico da pedra
rejeitada pelos construtores do Salmo 118:22, 23. Mateus não separa os
líderes judeus da nação judaica, como se a punição divina fosse final
para os líderes, mas apenas temporária para a nação judaica.
Mateus adiciona a interpretação ambígua:
Portanto, vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será entregue
a uma nação [ethnos] que lhe produza os respectivos frutos (Mateus 21:43,
RSV; ênfase acrescentada).
Essa inspirada interpretação da parábola de Jesus dos lavradores
infiéis, claramente implica a rejeição de Israel como uma teocracia
nacional. A perda desse status privilegiado como o povo exclusivo de
Deus, também é afirmada explicitamente nos ditos escatológicos de
Jesus em Mateus 8:11, 12. A punição real da nação culpada não foi a
destruição do templo e da cidade ou a dispersão do povo judeu entre as
nações, mas o afastamento da presença do Messias, o ato de Deus retirar
da nação o Seu reino ou as bênçãos do concerto. Para um povo
escolhido, nenhuma posição neutra é possível. A nação judaica só
poderia ser por Ele ou contra Ele (Mateus 12:30). Em Cristo, Jerusalém
estava se deparando ou com o seu Salvador ou com o seu Juiz.
Todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre
quem ela cair ficará reduzido a pó (Mateus 21:44).
Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que, desde
agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em
nome do Senhor! (Mateus 23:38, 39).
"Vossa casa" parece referir-se diretamente ao templo, do qual Jesus
havia dito pouco tempo antes, "Está escrito: A minha casa será chamada
casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores"
(Mateus 21:13). Em seu sentido mais amplo, toda a cidade e a nação
estavam inextricavelmente ligadas ao templo. Toda a nação ficaria
"desolada", porque Cristo deixaria aquela geração e a entregaria ao juízo
(cf Jeremias 7:14, 15). Esta relação causal da rejeição de Cristo por
Jerusalém e a sua destruição parece estar implícita nas palavras de Jesus:
"Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis..." Um erudito
O Israel de Deus na Profecia
196
interpreta estas palavras como significando: "Nossa casa será
abandonada porque o Messias retirou-Se".24
Mas o dispensacionalismo insiste em interpretar as seguintes
palavras de Jesus, "até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome
do Senhor!", como uma promessa de que um remanescente escatológico
de Israel reconhecerá a Cristo quando Ele retornar em glória. Serão
salvos porque confessarão, "Bendito o que vem em nome do Senhor!"
Então devemos supor que Cristo prediz Sua aceitação forçada pelos
judeus no Seu glorioso segundo advento? Essa nova maneira de salvação
– "pela visão" ao invés de "pela fé" – vai contra a própria essência do
evangelho (ver Romanos 10:17). Cristo nunca coage a vontade ou o
coração humano a aceitá-Lo. Ele já poderia tê-lo feito em Seu primeiro
advento. A projeção de tal controle forçado sobre o coração dos judeus
no segundo advento é uma especulação injustificada. A implicação seria
uma mancha sobre o caráter de Deus:
Deus não força a vontade de Suas criaturas. Ele não pode aceitar
homenagem que não Lhe seja prestada de maneira voluntária e inteligente.
Uma submissão forçada impediria todo verdadeiro desenvolvimento do
espírito ou do caráter, tornaria o ser humano em simples máquina.25
Os judeus não são salvos de outra maneira, senão pela crença na
mensagem evangélica do Salvador crucificado e ressurreto (ver capítulo 8).
A pergunta é levantada, Paulo de Tarso não foi convertido pela
gloriosa visão de Cristo na estrada de Damasco? A experiência de
Damasco foi o chamado de Saulo por Cristo para se tornar o Seu
"instrumento escolhido". Ele deveria testemunhar do Cristo ressurreto a
todos os povos com a mesma autoridade apostólica quanto os outros
apóstolos para quem o Salvador ressuscitado havia aparecido (Gálatas
1:12, 15, 16). Cristo comissionou a Saulo:
...livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio, para
lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade
de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e
herança entre os que são santificados pela fé em mim (Atos 26:17, 18)
O Israel de Deus na Profecia
197
Paulo cumpriu esse elevado chamado "demonstrando [pela
Escritura] que Jesus é o Cristo" (Atos 9:22; 17:3; 18:5, 28). A autorevelação de Cristo a Saulo próximo de Damasco não foi da mesma
espécie daquela que ocorrerá no Seu glorioso segundo advento.
Primeiramente, apenas Saulo viu, "uma luz do céu brilhou ao seu redor"
e apenas ele ouviu uma voz distinta dirigir-se a ele, enquanto "Os seus
companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não
vendo, contudo, ninguém" (Atos 9:7; cf. 22:9). Além do mais, nem
mesmo Saulo sabia com quem estava se deparando, e por isso perguntou,
"Quem és tu, Senhor?" (Atos 9:5; 22:8; 26:15). Em contraste, quando
Cristo retornar à terra em Sua gloria divina, "todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre
ele" (Apocalipse 1:7; cf. Mateus 24:30). Ao invés de uma nova
oportunidade de salvação para aqueles que O rejeitaram como o Cordeiro
de Deus, os ouviremos clamar, "Caí sobre nós e escondei-nos da face
daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o
grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?" (Apocalipse 6:16,
17; cf. Hebreus 10:29-31).
O segundo advento será muito tarde para o verdadeiro
arrependimento. Por isso, Paulo adverte: "eis, agora, o tempo sobremodo
oportuno, eis, agora, o dia da salvação" (2 Coríntios 6:2). As palavras de
Cristo aos líderes do Sinédrio israelita são similares àquelas registradas
em Mateus 23:39:
...entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do
Homem assentado á direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do
céu (Mateus 26:64).
Estas não são palavras que prometem uma nova oportunidade para
arrependimento e salvação na segunda vinda de Cristo, mas pelo
contrário, sugerem que os judeus que o rejeitaram terão que reconhecer
por ocasião de Seu glorioso aparecimento como Messias Juiz, que este
Jesus a quem agora desprezam é o verdadeiro Rei messiânico de Israel.
O Israel de Deus na Profecia
198
Apenas então eles O verão novamente, o Bendito "que vem em
nome do Senhor". Nessa ocasião se encontrarão com Ele como o seu Juiz
(ver também Mateus 7:21-23). Esse clímax adapta-se exatamente à série
de "ais" em Mateus 23. Nenhuma perspectiva de conversão repentina
pode ser projetada na solene previsão de Cristo em Mateus 23:39, a
partir do contexto imediato ou mais amplo dos Evangelhos.
Em adição, o texto nada sugere quanto a um futuro político para
Israel.26 As palavras de Jesus foram pronunciadas no contexto de juízo
divino sobre a nação. Parecem sugerir a condição irrevogável para a paz
de Israel: Primeiro Cristo deve ser aceito como o Servo Sofredor
Messias, a pedra rejeitada do Salmo 118:22, antes que seja
cumprimentado com as expressões de alegria, "Bendito o que vem em
nome do Senhor" (Salmo 118:26; cf. Lucas 19:41-44). Ele não pode ser
aceito meramente como o Messias que aparece gloriosamente. Cristo não
está interessado em ser aceito na base de Seus milagres divinos. Quando
os judeus "estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o
proclamarem rei" (João 6:15) por ser Ele o notável Profeta messiânico de
Deuteronômio 18:15 (João 6:14), Cristo não aceitou tal espécie de
coroação. Ele atrai todos os homens para a salvação apenas através de
Sua cruz:
E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto
dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer (João 12:32,
33).
Se os judeus persistirem em sua descrença e rejeição de Cristo
como o Messias sofredor e ressurreto, O encontrarão irrevogavelmente
como seu Juiz (Mateus 8:11-12). Apenas aqueles judeus que chegaram à
fé em Cristo através da proclamação do evangelho apostólico irão
finalmente regozijar-se quando verem a Cristo em Seu glorioso segundo
advento. Este tema é ainda tratado por Paulo em Romanos 11:25-27 (ver
capítulo 8).
O Israel de Deus na Profecia
199
Lucas 21:24 Jerusalém Já Não está Mais Sendo Pisada Pelos Gentios
desde 1967 a.D?
Cairão a fio de espada e serão levados cativos para todas as nações;
e, até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por
eles (Lucas 21:24).
O escritor dispensacionalista J. D. Pentecost oferece essa
interessante exposição:
O "tempo dos gentios" foi definido pelo Senhor como aquele período de
tempo no qual Jerusalém estava sob o domínio da autoridade gentílica
(Lucas 21:24). Este período começou com o cativeiro babilônico quando
Jerusalém caiu nas mãos dos gentios, continuou até o tempo presente e
seguirá através do período da tribulação, em cuja era os poderes gentílicos
serão julgados. O domínio dos gentios termina no segundo advento do
Messias á terra.27
A New Scofield Reference Bible da mesma maneira explica o fim do
"tempo dos gentios" como sendo "a destruição do poder gentílico
mundial por 'uma pedra cortada sem auxílio de mãos' (Daniel 2:34-35,
44), isto é, a vinda do Senhor em glória (Ap 19:11, 21)". 28 Outros, não
obstante, aplicam o final do "tempo dos gentios" ao momento quando o
exército judeu recapturou a velha cidade de Jerusalém dos árabes na
guerra dos seis dias de 1967. J. Ockenga vê até mesmo a data de seis de
junho de 1967 como "uma notável manifestação do cumprimento da
Palavra de Deus" em Levítico 26:18, 24, 28, onde Moisés anuncia que
Deus puniria um Israel apóstata por seus pecados "ainda sete vezes".29
Ele converte a expressão idiomática "sete vezes" em sete anos
simbólicos e então aplica o simbolismo cada-dia-por-um-ano de maneira
que se torne mais de 2556 anos literais. Começando com o cerco de
Jerusalém por Nabucodonosor em 7 de março de 588 a.C., os anos
terminam exatamente em 6 de junho de 1967. Realmente notável! Ele
conclui especulativamente:
A terminação do tempo dos gentios é aquele período quando a geração
de então não passará até que todas as profecias concernentes á segunda
vinda de nosso Senhor tenham sido cumpridas (Lucas 21:23).30
O Israel de Deus na Profecia
200
Em outras palavras, Ockenga prediz que a geração de 1967 não
passará antes que Cristo retorne em glória.
Outros estudantes da Palavra profética aplicam a frase de Jesus
"tempos dos gentios" apenas à destruição de Jerusalém pelo exército
romano em 70 A.D.31, ou lhes estendem até a segunda vinda de Cristo, J.
B. Payne, por exemplo, conclui: "Esses 'tempos', então, apareceriam
ainda como continuando hoje, porque, muito embora o exército israelita
capturasse a Velha Cidade de Jerusalém em 1967, a política presente é
tão pouco receptiva a Cristo e tão 'gentílica' no sentido do Novo
Testamento (ver Rom 2:28; Filip. 3:2) quanto foi o governo árabe
precedente".32
Por outro lado, alguns têm interpretado esses "tempos dos gentios"
– não há artigo definido na frase grega – como um período de
oportunidade para os gentios entrarem no reino de Deus. Eles ainda
ligaram a frase de Jesus com as palavras de Paulo de que a plenitude dos
gentios chegará "E, assim, todo o Israel será salvo" (Rom. 11:25, 26).33
Chegaram à conclusão de que quando tais "tempos dos gentios" forem
completados, todo o Israel étnico (Jerusalém) "será salvo". A expectativa
de tal interpretação de Lucas 21:24 – por meio de Romanos 11 – não é
mais um ressurgimento político de Israel, mas apenas o seu retorno
espiritual para Deus através da fé no evangelho. Contudo, o contexto de
Lucas 21:20-24 é baseado nas predições de Daniel do calcar aos pés o
santuário israelita (Daniel 8:13) e da destruição de Jerusalém (Daniel
9:26, 27). Por essa razão os tempos dos gentios são caracterizados como
períodos de perseguição e inquietude para o Israel étnico.
A pergunta permanece, qual a implicação da expressão "até que os
tempos dos gentios se completem" (Lucas 21:24)? Indicaria uma futura
restauração de Jerusalém e do templo para a nação judaica no segundo
advento de Cristo, como era antes de 70 A.D.? C. F. Baker argumenta
que "se a cidade for pisada ATÉ um certo período, deve necessariamente
chegar um tempo seguindo aquele quando a cidade será calcada...Se essa
Escritura ensina qualquer coisa, é que a Jerusalém terrestre deve ser
O Israel de Deus na Profecia
201
34
restaurada". Tal raciocínio parece lógico a princípio, mas não é
necessariamente escriturístico, porque não relaciona Escritura com
Escritura, como requer a exegese responsável. A conjunção "até" nem
sempre implica uma promessa de restauração a uma situação precedente.
O significado preciso de "até" depende do contexto no qual é usado. A
declaração de W Hendriksen é mais orientada biblicamente:
Aqui em Lucas 21:24, o significado é simplesmente este, que para
Jerusalém a condição de ser calcada a pés não cessará em cem anos, ou
cinqüenta anos, ou mesmo dez anos antes do retorno de Cristo, mas durará
interminavelmente até a Sua segunda vinda. De alguma forma similar é o
significado dessa pequena palavra em Romanos 11:25; 1 Coríntios 11:26;
15:25 e Apocalipse 2:25.
Está claro, por isso, que nem a palavra até nem qualquer outra coisa
nessa passagem é ou implica uma predição da restauração nacional em
reserva para os judeus ou pouco antes ou em ligação com o retorno de
Cristo.35
É definitivamente verdade que a conjunção "até" (achri) não contém
em si mesma a sugestão de mudança para uma situação prévia. Isso pode
ser demonstrado a partir de seu uso em outros lugares da Escritura:36
Sê fiel até á morte, e dar-te-ei a coroa da vida (Apocalipse 2:10).
Tão-somente conservai o que tendes, até que eu venha (Apoc. 2:25).
Ao vencedor, que guardar até ao fim as minhas obras... (Apoc. 2:25).
Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos
debaixo dos pés (1 Coríntios 15:25).
Em todas estas passagens o vocábulo "até" (achri) não é usado para
sugerir uma mudança futura na atitude dos crentes ou no governo de
Cristo. A mensagem é claramente que depois da morte ou do segundo
advento, nenhuma mudança na fidelidade dos crentes deve ocorrer – que
nenhuma reversão a uma situação prévia tomará lugar.
Apenas o contexto indica se a conjunção "até" tenciona transmitir a
idéia de mudança. Em relação a Lucas 21:24, o discurso apocalíptico
como um todo (Lucas 21), em parte alguma sugere qualquer restauração
da velha Jerusalém a uma glória ou teocracia prévias. Por isso, é "mais
provável que nenhuma seqüência aos 'tempos dos gentios' foi antevista a
O Israel de Deus na Profecia
202
37
não ser a consumação final". O livro de Daniel prediz que guerra e
desolação – significando a ausência da glória messiânica – foram
decretadas para continuar em Jerusalém "até ao fim" (Daniel 9:26, 27). A
única restauração prometida à Jerusalém no Novo Testamento é a nova
Jerusalém construída pelo Próprio Deus como a metrópole da nova terra
para o Seu povo fiel (Apocalipse 21-22; ver o capítulo 9).
Referências Bibliográficas:
1. NSRB, P. 1186 (em Atos 15:16). Scofield conclui que o texto
hebraico em Amós 9:11 deve ser falso o qual fora originado de após a
escrita de Atos 15 (p. 938, em Amós 9:12). As palavras "Neste dia" (Amós
9:11) do texto hebraico obviamente não oferece suporte para a exegese
dispensacionalista (ver Wyngaarden, na nota 6).
2. NSRB, p. 1186.
3. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 92. Ver também, G. D. Young, em
Prophecy in the Making, ed. C. F. Henry (Carol Stream, Ill.: Creation
House, I971), p. 166.
4. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 417 (nos. 23, 24).
5. Ladd, A Theology of the New Testament, p. 355. Ver a refutação da
exegese dispensacional de Atos 15:15-18 por A. C. Schultz no The New
Testament and Wycliffe Bible Commentary, 4a. edição (New York:
Yversen-Norman Assn., 1973), p. 483. Também por P E. Hughes,
Interpreting Prophecy: Na Essay in Biblical Perspectives. (Grand Rapids,
Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1976), p. 107; e M. J. Wyngaarden,
The Future of the Kingdom (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House,
1955), pp. 110-112, 168-169.
6. Wyngaarden, The Future of the Kingdom, p. 168. Ele defende com
êxito a autenticidade do texto hebraico em Amós 9:12 nas pp. 112-113,
nota.
7. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 66.
8. Ver SDABC, vol. 7 (1957), p. 842-844. Extensivamente por Were,
The Certainty of the Third Angel's Message, chapter 25.
O Israel de Deus na Profecia
203
9. A. W. Kac, The Rebirth of the State of Israel: Is It of God or of
Men?, ref. Ed. (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1976), pp. 39,
372.
10. Ibid., p. 38.
11. Ibid., p. 39.
12. Ibid., p. 41.
13. Ibid., p. 372.
14. Walvoord, Israel in Prophecy, pp. 66.
15. Walvoord, Prophecy in the Making, p. 338.
16. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, pp. 114, 115 (ênfase
adicionada).
17. Ibid., p. 115.
18. Walvoord, Prophecy in the Making, p. 72.
19. Ibid.
20. Pentecost, Things to Come, pp. 142, 248, 266 (citando L. S.
Chafer).
21. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 106; cf. seu The Millennial
Kingdom, p. 268.
22. Pentecost, Things to Come, pp. 298, 299.
23. Ibid., p. 298.
24. Trilling, Das Wahre Israel, p. 86 (minha tradução). Ver também
Lucas 19:41-44.
25. Ellen G. White, Steps to Christ (Mountain View, Calif.: Pacific
Press Pub. Assn., 1908, 1921, 1956), p. 44.
26. R. T. France, "OT Prophecy and the Future of Israel," Tyt1dale
Bulletin 26 (1975) : 53-7 8. Citação na p. 76, n° 41.
27. Pentecost, Things to Come, p. 315 (ênfase adicionada).
28. NSRB, p. 1368 (em Apocalipse 16:19).
29. J. Ockenga, "Fulfilled and Unfulfilled Prophecy," em Prophecy in
the Making (Carol Stream, Ill.: Creation House, 1971), p. 309.
30. Ibid., pp. 309, 3 lo.
31. L. A. DeCaro, Israel Today: Fulfilled of Prophecy? (Grand Rapids,
Mich.: Baker Bock House, 1974).
O Israel de Deus na Profecia
204
32. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 100. Ver também nota
12, capitulo 2.
33. Ver I. H. Marshall, Luke, Historian and Theologian (Exeter,
England: Paternoster Press, 1970), pp. 186-187.
34. Baker, A Dispensational Theology, p. 606.
35. Hendriksen, Israel in Prophecy, p. 28.
36. Ver W. Bauer, Greek-English Lexicon of the New Testament, trans.
And ed. W. F. Arndt and F. W. Gingrich (Chicago: University of Chicago
Press, 1957).
37. Cf. France, "OT Prophecy and the Future of Israel", p. 76.
O ULTIMATO DIVINO A ISRAEL: AS SETENTA SEMANAS
DE DANIEL
A importância da profecia das setenta semanas de Daniel 9 é
amplamente admitida. Diz o dispensacionalista Alva J. McClain,
"Provavelmente, nem um único pronunciamento profético seja mais
crucial nos campos da interpretação bíblica, da apologética e da
escatologia."1 Contudo, esta mais expressiva profecia messiânica de toda
O Israel de Deus na Profecia
205
a Bíblia é também considerada por alguns como sendo "uma das mais
difíceis [de compreender] em todo o Velho Testamento".2
Não obstante, o livro de Daniel testifica da inspiração divina da
Bíblia hebraica e da profecia preditiva em particular. Uma avaliação das
setenta semanas de Daniel 9 como 490 anos, leva irrevogavelmente à
conclusão de que o Messias prometido de Israel já apareceu antes da
destruição de Jerusalém em 70 A.D. É compreensivo que o Talmude
amaldiçoe aqueles que tentam computar as setenta semanas de Daniel.3
24
Setenta "setes" estão decretados para o teu povo e a tua santa
cidade para finalizar a transgressão, para dar fim ao pecado, para expiar a
iniqüidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia e para
ungir o santíssimo.
25
saiba e compreenda isso: Desde a saída do decreto para restaurar e
reconstruir Jerusalém até que venha o Ungido, o governante, haverá sete
'setes', e sessenta e dois 'setes'. Ela será reconstruída com ruas e uma
trincheira, mas em tempos de tribulação.
26
Depois dos sessenta e dois 'setes', o Ungido será cortado e nada
terá. O povo do governante que virá destruirá a cidade e o santuário. O fim
virá como um dilúvio: Guerras continuarão até o fim, e desolações são
decretadas.
27
Ele confirmará um concerto com muitos por um "sete', mas no meio
deste 'sete' ele porá um fim ao sacrifício e a oferta. E alguém que causa
desolação colocará abominações em uma ala do templo até que o fim que
está decretado seja derramado sobre ele (Daniel 9:24-27, NIV).
A admoestação de Cristo a Seus apóstolos para ler e compreender
"o profeta Daniel" concernente ao "abominável da desolação" em
Jerusalém (Mateus 24:15) indica que a profecia de Daniel determinou a
perspectiva de Cristo quanto ao futuro. Não há dúvida de que Cristo
aplicou o assolador que causa abominações de Daniel 9:27, não às
atrocidades passadas de Antíoco Epifânio em 167-164 A.C. (como faz 1
Macabeus 1:54vv), mas ao Seu próprio futuro imediato, quando o
exército romano destruiria Jerusalém e o templo em Sua geração (ver
Luc. 21:20-24). A aplicação contemporânea de Jesus de Daniel 9:26, 27
foi confirmada em 70 A.D. quando os exércitos romanos sob o general
O Israel de Deus na Profecia
206
Tito colocaram a sua insígnia idolátrica em Jerusalém como uma
"abominação" e destruiu o templo.4
A posição de L. F. Hartman de que "a quase-profecia de Daniel
9:26" se refere exclusivamente "ao clima da perseguição aos judeus por
Epifânio, quando aboliu os sacrifícios legítimos a Jeová no templo de
Jerusalém e erigiu em seu altar a estátua de Zeus Olímpio"5, é respondida
por J. G. Baldwin: "Comentaristas que argumentam que Antíoco
Epifânio cumpriu essa profecia encontrarão dificuldade para explicar o
fato de que ele não destruiu nem o templo e nem a cidade de Jerusalém
[como requer Daniel 9:26]".6
Assim Cristo aplicou a profecia das setenta semanas do Messias
vindouro e as subseqüentes devastações de Seu inimigo, ao Seu próprio
tempo e não ao passado ou ao futuro indefinido. Cristo relacionou a queda
de Jerusalém em 70 A.D. com a recusa final de Israel em aceitá-Lo como
seu Rei e Salvador (ver Mat. 21:33-43; 23:37, 38; Luc. 19:41-44). Essa
correlação entre a vinda do Messias e a destruição tanto da cidade quanto
do santuário é a mensagem crucial de Daniel 9:26, 27. A profecia das
setenta semanas é basicamente messiânica e anuncia as conseqüências da
rejeição do Messias por Jerusalém. É o ultimato de Deus ao Israel nacional.
A Unidade Inseparável das Setenta Semanas
"Setenta 'setes' foram decretados ou determinados por Deus como
um período de teste final para Jerusalém e o povo judeu depois que os
setenta anos de exílio babilônico houvesse terminado (ver Daniel 9:24).
Não há dúvida a respeito da duração desse período: setenta vezes sete
"anos" ou 490 anos (ver RSV). Nenhum simbolismo de um-dia-por-umano precisa ser suposto aqui, porque Gabriel não usa símbolos na sua
explanação cronológica detalhada.
G. F. Hasel observa, "Há virtualmente um acordo unânime entre os
intérpretes de todas as escolas de pensamento de que a frase 'setenta
semanas' ou literalmente 'setenta setes'...significa 490 anos".7
O Israel de Deus na Profecia
207
Gabriel explicou a Daniel que a história de Israel dentro desse
espaço de 490 anos se desenvolveria em três fases distintas: uma de sete
semanas, uma segunda de sessenta e duas semanas e uma terceira de uma
semana (ver versos 25 e 27). Contudo, em nenhuma parte o anjo indica
uma brecha entre qualquer uma dessas três fases. Sugerir um intervalo de
tempo indeterminado entre as sete e as sessenta e duas ou entre as
sessenta e duas e a última semana, é uma suposição antinatural que
milita contra a unidade e o objetivo expresso das setenta semanas (ver o
verso 24).
A pressuposição exegética normal e natural é que as setenta
semanas consecutivas são uma unidade inseparável. São apresentadas
como uma unidade, assim como os setenta anos de exílio babilônico em
Daniel 9:2. E. J. Young conclui, "Se não há justificativa para inserir uma
brecha na profecia de Jeremias, que justificativa há para fazê-lo na
profecia dos setenta setes? Se houvesse uma brecha a profecia de
Jeremias (Jer 25:10), Daniel nunca poderia ter compreendido os anos de
cativeiro".8 Conclui Philip Mauro, "Nunca um número específico de
unidades de tempo, compondo uma extensão descrita, foi tomado para
significar qualquer coisa senão unidades de tempo contínua ou
consecutiva''.9 Porque os outros períodos de tempo preditos são
consecutivos, a expectação natural pode ser apenas que as setenta
semanas de Daniel também são consecutivas.
J. F. Walvoord, contudo, traça um paralelo entre as profecias
messiânicas do Velho Testamento e as profecias de tempo de Daniel, a
fim de sustentar a idéia de uma brecha entre a sexagésima nona e a
septuagésima semana de Daniel 9. Mas o fato de que os profetas do
Velho Testamento normalmente fundiam o primeiro com o segundo
advento de Cristo em suas profecias messiânicas sem considerar o
intervalo entre os dois (Isaías 9:6; 61:1, 2; Zacarias 9:9, 10) não nos dá
apoio para criar uma brecha entre os períodos específicos de tempo em
Daniel 9. A unidade cronológica das setenta semanas não é "paralela" a
O Israel de Deus na Profecia
208
nenhuma promessa messiânica não cronológica, a despeito da afirmação
de Walvoord.10
As promessas messiânicas regulares nem sempre pretendem
apresentar a ordem histórica adequada dos dois adventos de Cristo, e às
vezes, até mesmo a reverte (ver Gênesis 3:15; Zacarias 9:9). Tais
exemplos nunca podem servir como argumento para criar uma brecha
entre a sexagésima nona e a septuagésima semana profética de Daniel. E.
Hengstenberg representa a interpretação clássica da igreja: "As 70
hebdomadas ou 490 anos, está aqui predito como um período que
continuará ininterruptamente desde o seu começo até o seu
encerramento...O que pode ser mais evidente do que isso? São
transcorridas exatamente setenta semanas ao todo, e como alguém pode
imaginar que há um intervalo entre 69 e 1 semana, quando juntas elas
compreendem 70?"11 A fragmentação dispensacionalista na unidade das
setenta semanas destrói a própria finalidade da especificação de setenta
semanas consecutivas.
Razões Para Dissecar as Semanas
De acordo com Walvoord12, é "de maior importância" para o
dispensacionalismo separar a última semana da unidade total das setenta
e projetá-la para um futuro indefinido. Reconhecendo que essa "notável"
dessecação necessita de algumas razões, MacClain pergunta, "Como tal
método pode ser justificado?"13 Ele oferece cinco razões:
Primeiro, a expressão de Daniel "Depois dos sessenta e dois 'setes',
o Ungido será cortado" (cap. 9:26) indica que a morte do Messias deve
tomar lugar antes da septuagésima semana. Ela também ocorre depois
das sessenta e duas semanas; conseqüentemente deve cair entre a
sexagésima nona e a septuagésima semana! Apenas depois da morte de
Cristo e da destruição (mencionada depois) de Jerusalém (verso 26)
chegamos à semana final no verso 27. Esta leitura literalista dos versos
26 e 27 é determinada pela idéia de que Daniel necessariamente
O Israel de Deus na Profecia
209
apresenta uma seqüência estritamente cronológica nessas duas
passagens. Tal pressuposição é aceita como um axioma auto-evidente. J.
F. Walvoord afirma: "O ungido ou Messias, é cortado depois da
sexagésima nona semana, mas não na septuagésima". 14 Contudo, esta
última frase, "mas não na septuagésima", não aparece em nenhuma outra
parte em Daniel 9;26, 27. Essa é uma suposição injustificada de
Walvoord. Essa pressuposição tem sido severamente criticada tanto do
ponto de vista da análise literária quanto da exegese teológica. 15 Quando
Daniel anunciou que setenta semanas foram determinadas para o Israel
nacional e que o Messias seria "cortado" depois das primeiras sessenta e
nove semanas, a pressuposição natural poderia ser apenas que a morte do
Messias tomaria lugar em algum período durante a última semana. J.
Barton Payne conclui, "O que poderia ser mais naturalmente suposto do
que o [cortar do Messias] relacionar-se com a 70ª, semana?"16
O segundo argumento de MacClain é, "No relato da profecia, a
destruição da cidade [verso 26] é colocada antes da última semana [verso
27]".17 Por isso, os eventos da septuagésima semana não podem ocorrer
antes da destruição de Jerusalém. Por essa razão o dispensacionalismo vê
o verso 27 como uma predição acerca de outro inimigo de Deus, o
anticristo do fim do tempo, que repentinamente ascenderia mais de
dezenove séculos depois da morte de Cristo e depois da destruição de
Jerusalém em 70 A.D. Essa argumentação é válida apenas sob a
pressuposição de que as frases dos versos 26 e 27 foram estruturadas em
um estilo moderno de prosa que descreve os eventos em ordem
estritamente cronológica. Mas estudos recentes (ver a nota 15) têm
tornado claro que a leitura literalista dispensacionalista fracassa em
reconhecer o estilo poético hebraico de "repetição com elaboração" em
Daniel 9:2427, o qual J. B. Payne chama de um "padrão revelacional".18
Esse padrão estilístico aparece também nos versos 24 e 25. Payne
argumenta que "Daniel 9:25, 26 não pode ser encarado como
subseqüente a 9:24; ao invés disso, os versos 25, 26 retomam [repetem e
elaboram] o sumário das setenta semanas inteiras dadas no verso 24."
O Israel de Deus na Profecia
210
Isso parece bem óbvio e a relação do verso 27 com o 26, também é
óbvia. Payne observa: "Que o verso 27 dessa maneira repete o 26, é
reconhecido por intérpretes de cada estampa e confirmado pelas
correspondências verbais que aparecem, particularmente nas últimas
partes dos versos respectivos".19 Com esse reconhecimento, vemos a
morte expiatória de Cristo novamente mencionada no verso 27 e agora
mais precisamente localizada "no meio" da última semana profética, não
numa brecha que não foi citada. Os versos 26 e 27 se relacionam um ao
outro de acordo com a estrutura: Messias versus Destruidor (verso 26),
Messias versus Assolador (verso 27). O simples estilo poético do
paralelismo hebraico nos versos 26 e 27 (que também é arranjo poético
do verso 25)20 é a mais meticulosa resposta da exegese gramatical à
imposição de uma brecha dissecadora.
Mas permanece a pergunta, a destruição de Jerusalém e do santuário
(verso 26) não ocorreu em 70 A.D., quase quarenta anos depois da morte
de Cristo e assim fora das setenta semanas de anos? Essa objeção seria
válida se a destruição de Jerusalém e do santuário fosse mencionada no
verso 24 como um dos seis objetivos preditos da profecia das setenta
semanas. Mas não é assim. A época da unção do Messias e de Sua morte
expiatória é predita precisamente para ocorrer dentro dos 490 anos, mas
a ocasião da destruição de Jerusalém, não. Esse juízo divino foi
prorrogado até quarenta anos depois da cruz de Cristo, de maneira que
muitos milhares de judeus pudessem ouvir sobre o significado da cruz e
serem salvos através da fé e arrependimento.
A terceira razão de Macclain para separar a septuagésima semana é,
"O cumprimento dos tremendos eventos no verso 24 não pode ser
encontrado em nenhum lugar da história conhecida''. 21 Ele quer dizer que
nenhum fim do pecado e nenhum começo da justiça eterna podem ser
notados entre o povo judeu. Nenhuma expiação da iniqüidade, nenhum
selamento da visão e da profecia, nenhuma unção de uma coisa
santíssima é discernível. Porém, tal observação é rejeitada por muitos
intérpretes conservadores da Bíblia, porque não alcança o alvo. O verso
O Israel de Deus na Profecia
211
24 deve ser compreendido como sendo executado pelo Próprio Ungido
em favor de Israel (versos 25-27). A morte e ressurreição de Cristo para
um novo sacerdócio efetivaram uma perfeita expiação pelos pecados de
Israel e proveu para este uma justiça eterna. Os verdadeiros israelitas
foram beneficiados pela Sua morte sacrifical e por isso, foram vestidos
com as vestiduras brancas de Sua justiça. O batismo (Sua unção pelo
Espírito) e a Sua morte autenticaram a visão profética de Daniel. Sua
ascensão ao céu significou a consagração de um novo sumo sacerdócio22
no santuário do céu, manifesto na terra no derramamento da unção do
Espírito de Deus no dia de Pentecostes (ver Atos 2:33; Hebreus 7:12, 22;
8:1, 2; 9:23, 24). Dessa forma, E. J. Young declara de Daniel 9:24, 27,
"A passagem é completamente messiânica".23 E J. G. Baldwin conclui a
sua exegese nessas palavras: "A primeira vinda de Cristo é o ponto focal
da visão profética, muito embora a segunda vinda em juízo seja também
considerada".24 Esta visão faz justiça a ambos os aspectos da profecia
messiânica de Daniel 9:24-27 – o foco central na vida do Messias para
cumprir os seis alvos do verso 24, e o juízo divino final derramado sobre
o assolador no "fim" (versos 26, 27). O dispensacionalismo nega
categoricamente que o primeiro advento de Cristo (Seu batismo, Sua
morte e ressurreição) tenha cumprido qualquer dos seis alvos desta
magnífica profecia messiânica.
A quarta razão de Macclain para uma interpretação da brecha, é o
argumento a partir da analogia com as profecias messiânicas não
cronológicas. Isto já foi discutido acima.
O seu quinto argumento: "O próprio testemunho de nosso Senhor
mostra que a Septuagésima Semana ainda está no futuro".25 MacClain
baseia esta afirmação na pressuposição de que o futuro assolador referido
na segunda parte do verso 27 é o mesmo poder aludido anteriormente no
verso como fazendo cessar o sacrifício e a oferta "na metade" da
septuagésima semana. Dessa forma ele argumenta que enquanto Daniel
colocou a "abominação da desolação" (KJV) exatamente no meio da
última semana, em Mateus 24:15, 21, 29, 30, "nosso Senhor a colocou no
O Israel de Deus na Profecia
212
'fim', pouco antes de Sua segunda vinda em glória." Ele conclui: "Por
isso, a Septuagésima Semana também deve vir ao fim da era presente
pouco antes da vinda de Cristo em glória. Esta é a própria interpretação
de Cristo, e deveria encerrar a questão".26 MacClain chega a esta
conclusão na base de várias pressuposições injustificadas. A primeira é a
falha em reconhecer o estilo do paralelismo hebraico nos versos 26 e 27,
pelos quais torna-se claro que o verso 27 aborda mais elaboradamente a
cerca dos mesmos dois poderes – o Messias e o Seu oponente como faz o
verso 26. Não o anticristo, mas o Próprio Messias é predito dando fim ao
sistema sacrifical no meio da septuagésima semana, exatamente três anos
e meio depois de Seu batismo como o Ungido. O Evangelho de João
verifica o cumprimento histórico preciso dessa profecia na vida de
Cristo. O período entre o Seu batismo e a cruz foi de exatamente três
anos e meio.27
Cristo Pôs Um Fim aos Sacrifícios de Israel?
MacClain insiste que "a morte de Cristo não fez cessar os
sacrifícios judaicos. Eles continuaram, de fato, até a destruição de
Jerusalém quase quarenta anos mais tarde...Os sacrifícios deveriam ter
cessado imediatamente, mas isso não aconteceu''.28 Este raciocínio leva
em consideração apenas o ponto de vista humano. Do ponto de vista
divino, como relatado no Novo Testamento, a descrição de Daniel
desvela uma das mais profundas e decisivas revelações da missão do
Messias. É o próprio alvo da profecia das setenta semanas, o método
divino do cumprimento do seis objetivos de Daniel 9:24. A abolição de
todo o sacerdócio levítico e do serviço sacrifical já foi anunciado no
Salmo 110:1, 4, uma profecia messiânica anterior. Aqui Davi havia
declarado que o futuro Governante messiânico também seria "um
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque." O Novo
Testamento formula a desafiadora pergunta:
O Israel de Deus na Profecia
213
Se a perfeição pudesse ser obtida através do sacerdócio levítico (pois,
sobre a sua base a lei foi dada ao povo), por que haveria ainda necessidade
da chegada de outro sacerdote - segundo a ordem de Melquisedeque, e não
a de Arão? "Pois, quando se muda o sacerdócio, necessariamente há
também mudança de lei" (Hebreus 7:11, 12).
Apenas o Próprio Messias poderia legitimamente abolir, de uma vez
por todas, o sistema de símbolos que apontava para frente, para o autosacrifício expiatório do imaculado Cordeiro de Deus. Ele "fez isto uma
vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu" (Hebreus 7:27). "...agora,
porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas,
para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado... Cristo, tendo-se
oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos"
(Hebreus 9:26-28). "Remove o primeiro [sacrifícios e ofertas] para
estabelecer o segundo [a vontade de Deus]" (Hebreus 10:9).
Não pode haver um retorno válido ao velho concerto e à adoração
do templo terrestre. Cristo finalizou a "sombra" e inaugurou uma
"superior aliança" que oferece a Sua justiça como a justiça eterna (ver
Hebreus 7:22; cf, 10:12; Romanos 3:22, 25). "Quando ele diz Nova,
torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e
envelhecido está prestes a desaparecer" (Hebreus 8:13).
Cristo confirmou o concerto de Deus com Israel quando instituiu a
Ceia do Senhor na noite anterior à Sua morte. Tomando o cálice,
declarou: "Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado
em favor de muitos, para remissão de pecados" (Mateus 26:28). Assim,
Cristo confirmou o concerto divino com muitos em Israel por uma
semana (sete anos): três anos e meio antes de Sua morte através do Seu
próprio ministério e três anos e meio pelo ministério de Seus apóstolos
em Jerusalém.29
O cumprimento da predição de Daniel de que "no meio deste 'sete'
ele [o Ungido de Daniel 9:25, 26] porá um fim ao sacrifício e a oferta"
(cap. 9:27), foi maravilhosamente confirmado por um ato do Próprio
Deus. Quando Jesus morreu, "Eis que o véu do santuário se rasgou em
O Israel de Deus na Profecia
214
duas partes de alto a baixo" (Mateus 27:51; cf. Marcos 15:38). A morte
de Cristo significou o fim do ritual sacrifical do templo de Israel por um
ato inequívoco do céu. A legitimidade dos sacrifícios do templo havia
chegado ao fim.
Os judeus como um todo não aceitaram essa decisão divina e
imediatamente reinstituíram os seus sacrifícios sangrentos. Mas a glória
do Shekinah agora havia se afastado de seu templo, por isso ele não era
mais o templo de Deus, e Jerusalém não era mais a cidade santa. Ao
invés das bênçãos de Deus, a Sua maldição agora repousava sobre a casa
deles ("vossa casa", Mateus 23:38; cf. l Tessalonicenses 2:16). Logo a
destruição total pelos exércitos romanos deveria ocorrer. "...não deixarão
em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua
visitação" (Lucas 19:44; cf. 21:20-24). Essa conseqüência fatal da
rejeição do Messias por Israel – a destruição de Jerusalém em 70 A.D. –
era parte e parcela da profecia de Daniel. Cristo explicou: "Porque estes
dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito" (Lucas
21:22). Por isso, concordamos com a opinião de G. F. Hasel: "Embora os
sacrifícios judaicos não tenham cessado com a morte de Jesus Cristo, os
sacrifícios oferecidos após a Sua morte, não poderiam mais ser
considerados como legítimos e válidos á vista de Deus (Heb 7:11; 8:13;
9:25, 26; 10:8, 9)".300
Em Que Ocasião Cristo Tornou-Se o Ungido?
MacClain ainda desafia a interpretação messiânica de Daniel 9:26,
ao afirmar, "Eles não podem apontar o lugar na história onde ele [o
concerto do Messias com Israel] começou e nem onde terminou".31 Isto
nos leva a considerar o significado do repetido título de "Ungido"
empregado por Daniel para o Redentor de Israel.
As primeiras sessenta e nove semanas de anos deveriam chegar "até
ao Ungido, ao Príncipe" (Daniel 9:25). Esta é uma das mais explícitas
profecias messiânicas da Bíblia hebraica. O Messias é designado pela
O Israel de Deus na Profecia
215
dupla característica de Ungido e Príncipe, identificando-O como o
Messias real ou Rei Sacerdote (cf. Isaías 61:1-3; Zac. 6:13; Sal. 110:4).
Os dispensacionalistas regularmente negligenciam a ênfase de Daniel no
Príncipe vindouro como o Ungido (cap. 9:25, 26) e selecionam o termo
"líder" (verso 25; NVI) como o foco exclusivo dessa profecia de tempo.
MacClain aponta para 6 de abril de 32 A.D., como o tempo quando Jesus
"ofereceu-Se como o Príncipe e Rei de Israel" em Sua entrada triunfal
em Jerusalém, apenas poucos dias antes de Sua crucifixão. 32 O fato é,
contudo, que Jesus não foi "ungido" nessa ocasião!
A pergunta imprescindível é: Quando Jesus ofereceu-Se como o
Ungido? O Novo Testamento responde com inequívoca clareza que
"Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder" (Atos
10:38) e proclamou a este Ungido como Seu Filho (ver Marcos 1:9-11;
cf. Salmo 2:6, 7) no dia do batismo de Jesus por João Batista. Lucas, o
historiador, data o batismo de Cristo no "décimo quinto ano do reinado
de Tibério César" (cap. 3:1; ver os versos 2, 3, 21), aparentemente o
único evento na vida de Cristo que é historicamente datado no Novo
Testamento. O próprio testemunho de Jesus na sinagoga de Nazaré,
pouco depois de Seu batismo, confirma essa conclusão. Ele leu a
profecia de Isaías 61:1, "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que
me ungiu" e então comentou, "Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais
de ouvir" (Lucas 4:18, 21). Dessa maneira Cristo Se ofereceu a Israel
como o "Ungido", o Messias, imediatamente após o Seu batismo, três
anos e meio antes de Sua crucifixão. Em contraste, a entrada triunfal de
Jesus em Jerusalém pretendia claramente chamar a atenção de Israel e do
mundo para o significado redentivo de Sua crucificação iminente em
favor de todos os homens.
Por isso, justamente depois do Seu batismo, Cristo anunciou a
Israel, "O tempo está cumprido" (Marcos 1:15). Concordamos, por essa
razão, com a conclusão de J. B. Payne: "Aqui, [no batismo de Cristo]
surge uma consumação Messiânica que encontrou cumprimento na
história e que se ajusta à cronologia [de Daniel 9:25]".33 É preciso
O Israel de Deus na Profecia
216
enfatizar que Jesus tornou-Se o Messias predito em Seu batismo, apenas
a fim de cumprir a missão divina sêxtupla descrita em Daniel 9:24. Esse
alvo foi basicamente alcançado em Sua morte expiatória na cruz,
exatamente três anos e meio mais tarde. Esta era, evidentemente, a
"metade" da septuagésima semana de Daniel 9:27. Na cruz, pouco antes
de morrer, Cristo clamou em triunfo para o Pai, "Está consumado" (João
19:30). Sua missão como descrita em Daniel 9:24, foi completada. Desde
que o objetivo da profecia das setenta semanas é tão intensamente
messiânico, "a principal ênfase não está sobre o começo e o fim deste
notável período, mas sobre os poderosos eventos que deveriam ocorrer
dentro dele, eventos que operaram a nossa paz com Deus".34
A Exegese Literal da Septuagésima Semana de Daniel Elimina a
Hipótese da Brecha
O fato estabelecido de que a profecia das setenta semanas de Daniel
foi escrita em estilo poético de paralelismo sintético35 deveria ser
considerado como um guia hermenêutico em uma exegese literária
responsável. As pressuposições doutrinárias nunca podem invalidar ou
negar a verdade da exegese literária. A aplicação do estilo de paralelismo
em Daniel leva à interpretação messiânica, em perfeita harmonia com as
testemunhas do Novo Testamento quanto ao significado da cruz de
Cristo para o concerto de Israel e os seus cultos. Por isso, não há
necessidade de inovar uma aplicação forçada ao anticristo com a
dissecação sem precedentes de um período de tempo profético.
A devastação de Jerusalém e do seu santuário pelo governante
romano é descrita duas vezes:
A cidade e o Lugar Santo serão destruídos pelo povo do governante
que virá. O fim virá como uma inundação: guerras continuarão até o fim, e
desolações foram decretadas (Daniel 9:26b; NVI).
E numa ala do templo será colocado o sacrilégio terrível, até que
chegue sobre ele o fim que lhe está decretado (Daniel 9:27b; NVI).
O Israel de Deus na Profecia
217
Todos os comentaristas conservadores concordam que Daniel
prediz a destruição de Jerusalém e do seu templo pelo governante
romano como cumprida pelo general Tito em 70 A.D. Este é o
cumprimento literal de Daniel 9.
O dispensacionalismo, contudo, declara com certeza dogmática que
Daniel se refere a "um futuro príncipe romano" que é idêntico ao
"pequeno chifre" dos capítulos 7:8 e 8:23, ao homem do pecado de 2
Tessalonicenses 2:1-9, e à besta de Apocalipse 13:10. Ele fará "um falso
concerto" com o futuro Estado Judaico por "uma semana" (de anos) para
permitir-lhes "o restabelecimento do sistema sacrifical judaico".36 Depois
de três anos e meio, o príncipe romano repentinamente "romperá o seu
tratado com o povo judeu", porque "pela sua própria natureza, o Homem
do Pecado será violentamente anti-semita." Então, "ele realmente se
assentará no templo de Deus e demandará as honras e a adoração devidas
ao Próprio Deus".37 Pelos três anos e meio seguintes, esse anticristo
romano trará desolação e tribulação ao povo judeu "até ao fim" (Daniel
9:26). Este é o "tempo de angústia para Jacó" (Jeremias 30:7). Cristo
também apontou para esse período na história futura de Israel quando
advertiu aos judeus acerca da vinda do "abominável da desolação" e a
"grande tribulação" em Mateus 24:15-21. A. MacClain arrazoa:
Desde que agora é uma questão histórica que Jerusalém foi destruída
em 70 A.D. pelo povo romano,...segue que '"o príncipe que virá"...é algum
grande príncipe que ascenderá do Império Romano.38
Esta interpretação sofre de três fraquezas básicas, como demonstra
a crítica de J. Barton Payne:
(1) Ela quebra a seqüência das setenta semanas ao introduzir um
intervalo antes da sua última parte.
(2) Ela assume uma elaboração de concerto pelo anticristo sem
precedentes.
(3) Ela transforma um príncipe romano do passado em um futuro
representante do diabo.39
O Israel de Deus na Profecia
218
Enquanto Daniel apresenta uma profecia da vinda do destruidor de
Jerusalém, o dispensacionalismo disseca essa declaração profética em
duas profecias diferentes: uma acerca do povo romano no ano 70 A.D. e
a outra, a respeito do anticristo do fim do tempo, "o governante".
Contudo, é bem óbvio que "o povo" e "o governante", juntos pertencem
ao exército e seu general. Isto fica evidente a partir de uma simples
exegese literal. O salto do exército romano em 70 A.D. para o anticristo
do fim do tempo de outras profecias bíblicas, já não é mais exegese
literal, mas uma exegese dogmática forçada. E. J. Young responde a essa
dissecação dispensacionalista de Daniel 9:26:
A ênfase do verso 26 não está sobre um príncipe do povo, mas sobre o
povo que pertence ao príncipe... Em outras palavras, ele deve ser seu
contemporâneo, ainda vivo quando eles estiverem vivendo...O povo que
destruiu a cidade e o príncipe que deveria vir...são contemporâneos. De
outra maneira, a linguagem não faz sentido...Por isso, essa posição de que
um futuro príncipe romano fará um concerto com os judeus deve ser
abandonada.40
Está claro que Daniel 9:26 encontrou o seu cumprimento literal na
história de Israel: um cumprimento literal no batismo de Cristo (Sua
unção) e a morte expiatória (o ser cortado). Um cumprimento literal na
subseqüente destruição de Jerusalém e do santuário pelos exércitos
romanos liderados por Tito em 70 A.D. Essa maldição foi conseqüência
de Israel ter rejeitado o cumprimento dos seis alvos da profecia das
setenta semanas na vida do Messias. A frase final de Daniel 9:27 diz (na
tradução da NASB):
E na asa das abominações (virá) alguém que desola, mesmo até uma
completa destruição, algo que é decretado, é derramado sobre aquele que desola.
Esse juízo de "uma completa destruição" pelo decreto divino sobre
o desolador de Jerusalém está em paralelo com as anteriores descrições
dos juízos de Deus decretados sobre a Assíria e Jerusalém (ver Isaías
10:22-25; 28:21, 22). Em Daniel 9:27, Deus decretou guerra e
desolações "até ao fim" para Jerusalém depois que Israel havia rejeitado
o Messias. Ele também decretou que uma destruição completa será
O Israel de Deus na Profecia
219
derramada sobre o próprio desolador (Daniel 9:27). Esta última frase
parece ser uma clara referência ao Dia do Juízo Final, o que o Novo
Testamento basicamente chama o segundo advento de Cristo. Contudo,
se a versão King James for preferida, a qual traduz as palavras "sobre
aquele que desola" como "sobre o desolado", então o ponto focal do
juízo apenas intensifica a natureza permanente da maldição divina sobre
o templo e sobre Jerusalém.41 A profecia messiânica de Daniel 9, faz
com Israel o teste definitivo: ou permanecer uma teocracia divina ao
aceitar Cristo como o Messias, ou ser julgado pelo Próprio Cristo.
Referências Bibliográficas
1. A. J. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks (Grand Rapids,
Mich.: Zondervan, 1940), p. 9.
2. E. J. Young, The Prophecy of Daniel: A Commentary (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1949), p. 191.
3. Sanhedrim 97b (Soncino ed), p. 659.
4. Ver G. R. Beasley-Murray, em The New International Dictionary
of New Testament Theology, ed. C. Brown (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1976), vol. l, pp. 74, 75. F. F. Bruce, Israel and the Nations.
(Exeter, England: Paternoster Press, 1973), p. 224, refere-se ao costume
romano de ofertas e sacrifícios.
5. L. F. Hartman, The Book of Daniel, The Anchor Bible, vol. 23
(Garden City, N. Y.: Doubleday, 1978), p. 252.
6. Joyce G. Baldwin, Daniel: An Introduction and Commentary
(Downers Grove, Ill.: Inter-Varsity Press, 1978), p. 171; ver também p.
174. Cf. G. McCready Price, The Greatest of the Prophets (Mountain View,
Calif.: Pacific Press, 1955), p. 244, que aponta para Mateus 22:7.
7. G. F. Hasel, "The Seventy Weeks of Daniel 9:24-27," Insert D,
Ministry, May 1976, p. 5. Duas observações contextuais corroboram para
esta conclusão: (1) Daniel estava pensando sobre tempo em termos de anos
apenas (Cap. 9:2); (2) No capítulo 10:2 Daniel adiciona à expressão "três
semanas" as palavras "de dias" (em hebraico) para distinguir estas três
O Israel de Deus na Profecia
220
semanas como semanas ordinárias, em contraste aparente com semanas-ano
do capítulo 9.
8. Young, The Prophecy of Daniel, p. 216.
9. Philip Mauro, The Seventy Weeks. and the Great Tribulation
(Boston: Hamilton Bros., 1923), p. 95. Ele refere-se aos 430 previstos para
Israel em Gênesis 15:13 e Gálatas 3:17; os sete anos de fartura e os sete
anos de fome para o Egito em Gênesis 45:6; os quarenta anos para Israel
em Números 14: 34; e a ressurreição de Jesus em três anos.
10. J. F. Walvoord, The Return of the Lord (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1971), p. 77.
11. E. W. Hengstenberg, Christology of the Old Testament (Grand
Rapids, Mich.: Kregel, 1956), vol. 3, p. 143.
12. J. F. Walvoord, The Rapture Question (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1957), p. 24.
13. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 33.
14. Walvoord, The Rapture Question, p. 25.
15. A importância hermenêutica da estrutura literária, com suas formas
poéticas de paralelismo e chiasmo, em Daniel 9: 24-27 é trazido à luz em
três valiosos estudos: J. Doukhan, "The Seventy Weeks of Daniel 9: Na
Exegetical Study", AUSS 17:1 (Spring 1979): 1-22; W. H. Shea, "Poetic
Relations of the Time Periods in Daniel 9:25," AUSS 18:1 (Spring 1980):
59-63; J. B. Payne, "The Goal of Daniel's Seventy Weeks," JETS 21:2
(June 1978): 97-115.
16. Payne, "The Goal of Daniel's Seventy Weeks," p. 109.
17. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 35.
18. Payne, "The Goal of Daniel's seventy Weeks," p. 109.
19. Ibid. Ver especialmente Doukhan, "The Seventy Weeks of Daniel
9," pp. 12-14.
20. Ver Shea, "Poetic Relations of Time Periods in Daniel 9:25," pp.
59-63.
21. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 35.
22. Ver Doukhan, "The seventy Weeks of Daniel 9," pp. 1-12,
especialmente p. 12.
O Israel de Deus na Profecia
221
23. Young, The Prophecy of Daniel, p. 221.
24. Baldwin, Daniel: An Introduction and Commentary, p. 177.
25. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 39.
26. Ibid., p. 40.
27. Ver SDBAC, vol. 5, "Chronology of the Gospel of John," pp. 192,
193, 229-231; Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 387.
28. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 52.
29. Ver Payne "The Goal of Daniel's seventy Weeks," p. 109; também
em sua Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 388.
30. Hasel, "The Seventy Weeks of Daniel 9:24-27," p. 17.
31. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 52.
32. Ibid., p. 26. Esta data pode ser identificada a partir de uma
transformação complicada de anos lunares para anos solares, o qual é
rejeitado como incorreta em detalhes por outros escritores
dispensacionalistas. Ver Hasel, "The Seventy Weeks of Daniel 9:24-27."
33. Payne, "The Goal of Daniel's Seventy Weeks," p. 101. Payne aponta as
69 semanas ou 483 anos a partir do decreto de Artaxerxes para Esdras em
458 A.C. até o batismo de Cristo no outono do ano 26 A.D. Adventistas do
Sétimo Dia preferem as datas de 457 A.C. até 27 A.D. como mais acuradas;
ver Hasel, "The Seventy Weeks of Daniel 9:24-27." 34. Young, The
Prophecy of Daniel, p. 221.
35. Doukhan, "The Seventy Weeks of Daniel 9," pp. 1-22; Shea,
"Poetic Relations of Time Periods in Daniel 9:25," pp. 59-63.
36. NSRB, p. 913; McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p.61.
37. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 61.
38. Ibid., p. 50.
39. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, pp. 388, 389. Ver a
discussão mais detalhada através de P. Mauro, The Seventy Weeks and the
Great Tribulation, pp. 92-94.
40. Young, The Prophecy of Daniel, pp. 211, 212; cf. Mauro, The
Seventy Weeks and the Great Tribulation, p. 78. W. H. Shea (Andrews
University), numa monografia não publicada, prefere a possibilidade da
seguinte exegese que a frase, "e o povo de um príncipe que há de vir" em
O Israel de Deus na Profecia
222
Daniel 9:26 refere-se ao povo judeu, porque eles causaram a destruição de
Jerusalém ao rejeitarem a Cristo como seu Rei.
41. E. J. Young e J. B. Payne preferem a versão do Rei Artur (KJV) de
Daniel 9:27.
A TRIBULAÇÃO PREDITA E A ESPERANÇA
PARA A IGREJA
O Novo Testamento ensina que a Igreja, a despeito de esperar
apostasia e tribulação, deveria olhar adiante para a bendita esperança do
segundo aparecimento de Cristo. Ele retornará do céu com a glória
O Israel de Deus na Profecia
223
divina para ressuscitar os que morreram Nele, para salvar os justos vivos
e destruir o opressivo anticristo:
...aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a
salvação (Hebreus 9:28).
Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a
voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os
mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que
ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, enfie nuvens, para o
encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o
Senhor (1 Tessalonicenses 4:16, 17.
...se, de fato, é justo para com Deus que ele dê em paga tribulação aos
que,vos atribulam e a vós outros, que sois atribulados, alivio juntamente
conosco, quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu
poder (2 Tessalonicenses 1:6, 7.
...então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus
matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua
vinda (2 Tessalonicenses 2:8).
Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas
transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos,
ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão
incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este
corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se
revista da imortalidade. E, quando este corpo corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se
cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória (1
Coríntios 15:51-54).
De acordo com a escatologia dispensacionalista, a segunda vinda de
Cristo deve ser dividida em dois eventos: o arrebatamento secreto da
Igreja, que pode acontecer a qualquer momento, seguido por sete anos,
ao fim do qual ocorre a segunda vinda de Cristo para destruir o
anticristo. Durante esses sete anos intermediários, a grande tribulação
para o povo judeu (o Israel nacional) tomará lugar. No arrebatamento,
antes dessa tribulação, Cristo vem apenas para os santos (ver João 14:3).
Na gloriosa parousia ou epiphaneia (aparecimento), Cristo vem com os
O Israel de Deus na Profecia
224
santos (ver 1 Tessalonicenses 3:13). Para encurtar, este é o programa de
eventos ensinado pelos dispensacionalistas pré-tribulacionistas.
Se o programa não está baseado em uma exegese bíblica
responsável, mas imposto sobre as Santas Escrituras por uma doutrina
preconcebida da separação entre Israel e a Igreja, então uma comparação
cuidadosa de Escritura com Escritura deveria estabelecer a verdadeira
bendita esperança do povo de Cristo e sua relação com a tribulação final.
Tão logo for determinado pela Bíblia que o "arrebatamento" e o
"glorioso aparecimento" não são dois eventos separados, mas um único
advento glorioso, a doutrina de um iminente arrebatamento prétribulacionista, demonstrar-se-á uma concepção defectiva e uma
esperança mal orientada.
A Bendita Esperança da Igreja
O Novo Testamento emprega três termos gregos para descrever o
segundo advento de Cristo: parousia (vinda), apocalypsis (revelação) e
epiphaneia (aparecimento).
A parousia de Cristo é descrita em 1 Tessalonicenses 3:13; 4:15-17;
2 Tessalonicenses 2:8 e Mateus 24:27. Uma comparação dessas
passagens torna claro uma coisa: a parousia de Cristo redundará não
apenas no arrebatamento da Igreja e na ressurreição dos justos que então
estiverem mortos, mas também na destruição do anticristo, o homem do
pecado. Em 2 Tessalonicenses 2:8 Paulo fala da "manifestação de sua
vinda'' (literalmente: "a epiphaneia de sua parousia"), assim apontando
para a parousia como um evento dramático e glorioso. Esse glorioso
aparecimento de Cristo é, para o apóstolo, a bendita esperança da Igreja:
"aguardando a bendita esperança e a manifestação [epiphaneia] da glória
do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus" (Tito 2:13). Cristo até
mesmo comparou a Sua parousia ao aparecimento do relâmpago que sai
do oriente e se mostra até no ocidente, enfatizando novamente um evento
visível que será evidente a todas as pessoas (ver Mateus 24:27).
O Israel de Deus na Profecia
225
Nenhum traço secreto, invisível ou instantâneo de arrebatamento da
Igreja será encontrado no Novo Testamento. Pelo contrário, 1
Tessalonicenses 4:15-17 sugere o próprio oposto: "palavra de ordem",
"voz do arcanjo", "a trombeta de Deus", "os mortos em Cristo
ressuscitarão" (ênfase acrescentada). Os santos vivos serão "tomados"
(arrebatados) juntamente com os santos ressurretos para encontrar com o
Senhor nos ares. Nenhuma palavra sobre segredo ou invisibilidade, ou
mesmo acerca de arrebatamento instantâneo é encontrado aqui. Paulo,
em 1 Coríntios 15, revela o mistério de que a Igreja será "transformada"
da mortalidade para a imortalidade "num momento, num abrir e fechar
de olhos, ao ressoar da última trombeta" (verso 52). É a transformação
que será instantânea, de acordo com Paulo, não o arrebatamento da terra
para os ares ou para o céu. A parousia de Cristo será o evento mais
dramático que sacudirá a terra na história da humanidade – a salvação
para todos os santos, em conjunto com o juízo do mundo impenitente e
do anticristo – e ocorrerá por ocasião da última trombeta no tempo exato
indicado por Deus (ver versos 51-55; Atos 1:6, 7).
A destruição dos ímpios perseguidores da Igreja de Cristo também
tomará lugar no apocalypsis ou na revelação de Jesus Cristo em glória
(ver 2 Tessalonicenses 1:6, 7). É através dessa revelação que a Igreja
receberá alívio ou repouso de sua perseguição, não em algum
"arrebatamento secreto" sete anos antes da gloriosa vinda de Cristo
"quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder"
(verso 7).
Paulo ensinava aos crentes em Corinto que eles deveriam aguardar
ansiosamente "a revelação [apocalypsis] de nosso Senhor Jesus Cristo"
(1 Coríntios 1:7). Isso faz do glorioso apocalypsis ou revelação, a
bendita esperança da Igreja. Esse evento toma lugar "no Dia de nosso
Senhor Jesus Cristo" (verso 8). Pedro também chama a esperança de
salvação da Igreja, não um arrebatamento, mas uma revelação da glória
de Jesus Cristo (ver 1 Pedro 1:7, 13; 4:13). Por isso, chegamos à
conclusão de que o Novo Testamento não faz distinção entre a parousia,
O Israel de Deus na Profecia
226
o apocalypsis e a epiphaneia de Jesus Cristo. Estes termos significam um
único e indivisível advento de Cristo para trazer a salvação e a gloriosa
imortalidade a todos os crentes e juízo aos ímpios perseguidores .
O vocabulário do Novo Testamento não admite a idéia de duas
vindas ou duas fazes da vinda de Cristo, separadas por um período de
sete anos de tribulação. Ele substancia apenas um aparecimento de Cristo
em glória, a fim de resgatar a Igreja do anticristo no final da tribulação. 1
A inspiração declara que Ele aparecerá uma "segunda vez" (Hebreus
9:28), não "duas vezes mais."
A Tribulação Profetizada para Israel e para a Igreja
De que maneira, então os dispensacionalistas chegaram à idéia do
"arrebatamento secreto" a partir da Bíblia? Basicamente, isso é o
resultado de uma hermenêutica fundamentada no literalismo preconcebido
para "Israel". C. C. Ryrie explica: "A distinção entre Israel e a Igreja leva
à crença de que esta será tomada da terra antes do começo da tribulação
(a qual em um sentido mais amplo concerne a Israel)".2
Quando alguém pergunta porque o tempo de tribulação diz respeito
apenas ao Israel literal ou aos judeus, e não à Igreja, J. F. Walvoord
afirma que a grande tribulação é "um tempo de preparação para a
restauração de Israel (Deut 4:29, 30; Jer 30:4-11)".3
Mas, qual a natureza desse tempo de preparação de acordo com
Deuteronômio 4:29 e 30:1-10? Uma grande tribulação? Não! Esse é um
tempo de buscar a Jeová de todo coração e com uma nova obediência aos
Seus mandamentos! Moisés fez dessa preparação espiritual a condição
explícita para o retorno à terra prometida e à teocracia restaurada quando
Israel estava em angústia por causa da diáspora. A garantia de que Deus
sustentaria um remanescente fiel e espiritual durante o exílio babilônico,
o tempo da tribulação de Jacó (ver Jeremias 30:7), não negou ou
obscureceu o pré-requisito divino de um verdadeiro arrependimento
O Israel de Deus na Profecia
227
antes que tal remanescente pudesse ser restaurado à terra de benção e
prosperidade (ver Deuteronômio 30:1-10).
Um exame cuidadoso de Jeremias capítulo 30 e 31, revela a
antologia bem conhecida das promessas de restauração das doze tribos
do cativeiro assírio-babilônico. Essas passagens incluem a promessa do
novo concerto de que Jeová proveria um novo espírito de obediência
voluntária no coração de um Israel e de um Judá arrependidos (ver
Jeremias 31:31-34, 18, 19; 30:9). Tal foi a natureza espiritual do tempo
de preparação de Israel na tribulação sofrida em Babilônia antes de sua
restauração. A Bíblia não apresenta um programa diferente para Israel
hoje ou no futuro. Essas promessas divinas condicionais são imutáveis e
irrevogáveis para Israel até o juízo [mal.
Então, por que alguns dos principais escritores dispensacionalistas
inferem que a Igreja de Cristo não passará pela tribulação ou repressão
final infligida pelo anticristo? Por que a Igreja não necessita desse tempo
de preparação para a sua glorificação? Walvoord declara, "Nenhuma
passagem do Novo Testamento sobre a tribulação menciona a Igreja
(Mat. 24:15-30; 1 Tess. 1:9-10; 5:4-9; Ap. 4:19)".4 Não obstante,
certamente todas essas passagens são inquestionavelmente dirigidas à
Igreja de Cristo! O argumento do silêncio nada prova. R. H. Gundry
apropriadamente responde:
A Igreja não é mencionada como tal em Marcos, Lucas, João, 2
Timóteo, Tito, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João ou em Judas e nem até o
capítulo 16 de Romanos. A menos que estejamos preparados para relegar a
Igreja, a qual compõe uma grande porção do NT, a um limbo de irrelevância,
não podemos fazer da menção ou da omissão do termo "Igreja" um critério
para determinar a aplicação de uma passagem aos santos da era presente.5
Além do mais, o Apocalipse de João mostra que uma incontável
multidão de crentes no Senhor Jesus Cristo passarão e virão "da grande
tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do
Cordeiro" (Apocalipse 7:14). Esses "santos em tribulação" têm sofrido
intensamente por causa de Cristo (Apocalipse 7;16, 17). Podemos
assegurar que esses cristãos são apenas da raça judaica, quando João não
O Israel de Deus na Profecia
228
faz diferença entre os santos e os cristãos em tribulação? Ele até mesmo
afirma explicitamente que esses crentes vitoriosos vêm "de todas as
nações, tribos, povos e línguas" (Apocalipse 7:9). Essa "grande
tribulação" não se refere à ira punitiva de Deus sobre o impenitente, mas
à feroz perseguição aos santos pelo anticristo e o falso profeta –
resumindo, refere-se á ira de Satanás (ver Apoc. 12:17; 13:15-17; 14:12).
Jesus advertiu antecipadamente aos Seus seguidores que eles
teriam aflições ou tribulação por Sua causa e que seriam até mesmo
assassinados por causa do fanatismo religioso (ver João 16:2, 33). À
igreja em Esmirna, o Cristo exaltado enviou esta consolação: "Não temas
as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar cm prisão
alguns dentre vós, para serdes postos á prova, e tereis tribulação de dez
dias. Sê fiel até á morte, e dar-te-ei a coroa da vida" (Apocalipse 2:10; cf.
1:9; Atos 14:22; Romanos 5:3).
Para escapar da interpretação natural e normal dos santos como a
Igreja de Cristo em Apocalipse 6-20, as palavras do céu a João em
Apocalipse 4:1, "Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer
depois destas coisas", são interpretadas como ensinando o arrebatamento
da Igreja da terra para o céu. Mas tal exegese forçada é rejeitada até
mesmo por alguns escritores dispensacionalistas, tais como R. H.
Gundry Ele sustenta que a exegese literal requer que aquelas palavras
sejam aplicadas ao próprio João, o Revelador, e que a frase "depois
destas coisas" (meta tauta) se refere à seqüência na experiência pessoal
de João ao receber uma nova visão. Depois de sua visão na terra, ele é
chamado para ter uma nova visão no céu. Não há nenhuma referência a
uma sucessão de tempos ou dispensações no cumprimento dessas visões.6
Por isso, concluímos que a Igreja sob Cristo será submetida a
ardentes tribulações, mas será vitoriosa e subsistirá à grande tribulação
final do anticristo (ver 1 Tessalonicenses 3:3; 1 João 2:18; 4:3; (Mateus
16:18). Paulo escreve que a Igreja está destinada a essas provas (ver 1
Tessalonicenses 3:3), mas adiciona que "Deus não nos destinou para a
ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo" (1
O Israel de Deus na Profecia
229
Tessalonicenses 5:9). Conseqüentemente, precisamos distinguir entre a
tribulação ocasionada pela perseguição do anticristo e a ira punitiva de
Deus designada para o mundo impenitente.
Durante as sete pragas de Apocalipse 16, a Igreja na terra recebe a
promessa de Cristo de proteção divina, assim como o antigo Israel gozou
a proteção de Deus quando Ele atacou o Egito com as dez pragas (ver
Apocalipse 3:10, 11; 14:20; 16:15; Êxodo 11:7). A Igreja de Cristo
sofrerá perseguição durante a tribulação final infligida pela "Babilônia"
anticristã, mas ela não sofrerá a ira divina. Essa ira será derramada do
céu sobre a ímpia Babilônia durante a crise final, enquanto o povo de
Deus estiver sendo protegido e resgatado pelo glorioso segundo advento
de Cristo (ver Apocalipse 16; 18:14; 19:11-21). O Apocalipse não
menciona nenhum arrebatamento da Igreja pré-tribulacionista, mas ao
contrário disso, apresenta uma segunda vinda de Cristo exclusivamente
pós-tribulacionista.
Esta conclusão é confirmada em outras passagens apocalípticas do
Novo Testamento por Cristo e Paulo que retratam a inegável ordem da
grande tribulação, primeiro para a igreja, seguida pela sua libertação no
glorioso aparecimento de Cristo. Uma parousia pré-tribulacionista ou
arrebatamento secreto da Igreja, não constitui o ensino do Novo
Testamento (nem explícita e nem implicitamente), mas é baseada, ao
contrário, na doutrina preconcebida de uma separação entre os israelitas
e os cristãos. Daí, a separação forçada sobre os textos por causa da
doutrina.
Qualquer separação básica entre os povos do velho e do novo
concerto, tem validade apenas se houver uma separação bíblica entre
Jeová e Cristo, entre o Redentor de Israel e o Redentor da Igreja.
Contudo, Cristo reivindicou enfaticamente ser o Pastor de ambos os
rebanhos, que veio para ajuntar tanto os judeus quanto os gentios em um
rebanho, com um destino - a nova Jerusalém (ver João 10:14-16;
Apocalipse 21).
O Israel de Deus na Profecia
A Promessa de Cristo de Proteção na Tribulação
230
Cristo nunca prometeu a Sua Igreja um arrebatamento prétribulacionista deste mundo. Pelo contrário, em Sua súplica ao Pai Ele
disse, "Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal"
(João 17:15). É claro o contraste entre um arrebatamento "do mundo" e a
proteção "do mal" dentro do mundo. Cristo explicitamente rejeita
qualquer pensamento de um arrebatamento, secreto ou público que
remova Sua Igreja da terra enquanto permitindo que o mundo continue a
sua existência apenas com os ímpios. Ele requer algo mais: Deus os
protegerá do [terein ek, "guardar", "proteger do'] mal. Jesus explicou a
necessidade do poder protetor de Deus: "Já não estou no mundo, mas
eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai
santo, guarda-os em teu nome" (verso 11). O poder mantenedor ou
protetor de Deus é necessário porque a Igreja existe na esfera do
maligno. Em Apocalipse 3:10, Cristo promete à Igreja de Filadélfia:
"Porque guardaste a palavra da minha perseverança, também eu te
guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para
experimentar os que habitam sobre a terra."
R. H. Gundry comenta visivelmente acerca desses textos, tanto em
João quanto em Apocalipse: 'A implicação evidente é que se eles se
ausentam do mundo com o Senhor, guardá-los não seria necessário. Da
mesma maneira, se a Igreja se ausentasse da hora da provação, guarda-Ia
não seria necessário".7
J. F. Walvoord discorda. Ele argumenta: "A idéia do grego [terein
ek] é 'guardar de', não 'guardar em', assim à igreja de Filadélfia é
prometido livramento antes que venha a hora [da provação]". 8 Contudo,
este apelo ao significado do grego é refutado pelo uso que Jesus faz do
mesmo verbo grego em João 17:15, onde Ele coloca esta expressão
("guardar de") em total contraste com a idéia de remover a Igreja do
mundo. Ao invés disso, Cristo promete proteção que resulta em um
resgate vitorioso através do poder mantenedor de Deus. Em relação á
O Israel de Deus na Profecia
231
grande e incontável multidão perante o trono de Deus, um dos anciãos
falando a João, declara, "São estes os que vêm da grande tribulação"
(Apocalipse 7:14). A ênfase não está no período de tribulação, mas na
emergência dos santos da referida tribulação.
Dizer, como faz Walvoord, que as promessas de Cristo em
Apocalipse 3:10 indicam um arrebatamento da Igreja antes da hora ou
tempo de tribulação, é alterar a ênfase de Cristo quanto à experiência da
Igreja durante aquele tempo para o próprio período de tribulação. Porém,
tal distinção racionalista fracassa em perceber o idioma no qual uma
"hora" se refere não a mera passagem do tempo, mas a uma proeminente
experiência ou prova (ver João 2:4; 7:30; 8:20; 12:23, 27; 13:1).9
Cristo promete guardar a igreja de Filadélfia da hora escatológica
da provação. Se isso indica um arrebatamento da Igreja prétribulacioinista para fora do mundo, por que então as promessas divinas
similares ao antigo Israel concernente ao exílio babilônico não
indicavam um arrebatamento pré-tribulacionista da provação babilônica?
"É tempo de angústia pata Jacó; ele, porém, será livre dela" (Jeremias
30:7). Este texto promete meramente livramento do tempo de angústia de
Jacó depois de Israel ter ido para o exílio. Nem Apocalipse 3:10 requer
um arrebatamento pré-tribulacionista para a igreja de Filadélfia, mas
oferece proteção divina durante o tempo de probante tribulação e
perseguição.
A Parusia Pós-tribulacionista de Cristo em Mateus 24
Um dos principais dogmas do dispensacionalismo é a doutrina da
iminência do arrebatamento secreto e da vinda de Cristo, "isto é, ela
pode acontecer em qualquer dia, a qualquer momento".10 Gundry explica
de maneira mais completa: "Pelo senso comum, iminência significa que,
tanto quanto saibamos, nenhum evento predito irá necessariamente
proceder a vinda de Cristo. O conceito incorpora três elementos
O Israel de Deus na Profecia
232
essenciais: surpresa, imprevisto ou incalculabilidade e uma possibilidade
de ocorrência a qualquer momento". 11
Obviamente, tal doutrina da iminência cria uma tensão insuportável
com admoestações para vigiar os sinais apocalípticos que anunciam a
aproximação do dia do Senhor. Walvoord até mesmo nos coloca perante
o dilema de esperar pela vinda de Cristo pré-tribulacionista ou "pelos
sinais". Ele declara: "A exortação para esperar 'o glorioso aparecimento
de Cristo para os Seus' (Tito 2:13) perde o seu significado se a tribulação
deve intervir primeiro. Os crentes nesse caso deveriam esperar pelos
sinais."12 A idéia de iminência a qualquer momento parece ser
incompatível com a crença em uma vinda de Cristo pós-tribulacionista.
Contudo, uma atitude expectante em relação ao retorno do Senhor
está em completa harmonia com as admoestações bíblicas para observar
os sinais indicados. Lucas, escrevendo para a Igreja gentílica, transmite a
predição de Cristo de eventos futuros desde a queda de Jerusalém até o
Seu retorno, incluindo sinais no sol, na lua e nas estrelas, bem como
condições caóticas e tribulação em todo o mundo (ver Lucas 21). Cristo
conclui: "Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei a
vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima" (Lucas 21:28). Ele
adverte a Igreja que ela deve esperar pela Sua vinda enquanto observa os
sinais preditos e experimenta aflição. Tais sinais não se harmonizam com
a doutrina da iminência, mas estimulam uma atitude de expectativa
quanto a parousia de Cristo depois da tribulação.
Pode parecer uma surpresa para muitos aprender que, exceto os
versos 40 e 41, os dispensacionalistas aplicam todo o discurso profético
de Jesus em Mateus 24 ao Israel nacional e não á Igreja cristã!
Walvoord afirma, "Os remanescentes piedosos da tribulação são
retratados como israelitas, não membros da Igreja."13 Contudo, os
israelitas crentes em Cristo tornam-se parte da Igreja através do batismo
na Sua morte. A fim de eliminar a força dessa conclusão, o
dispensacionalismo simplesmente declara todo o capitulo aplicável
apenas aos judeus. Dessa forma, segundo esta visão, "este evangelho do
O Israel de Deus na Profecia
233
reino" (verso 14) se refere à restauração do reino nacional de Davi; a
tribulação dos santos (versos 15-22), aplica-se apenas aos crentes judeus.
Conseqüentemente, o arrebatamento do eleito na parousia de Cristo
(verso 31) envolve apenas os israelitas crentes. O contexto de Mateus 24,
não obstante, claramente indica que Cristo dirigiu o Seu discurso
profético aos Seus apóstolos que são inquestionavelmente representantes
de Sua Igreja e não do Israel nacional. Por conseguinte, todo o discurso
de Mateus 24, relaciona-se com a igreja, e os santos na tribulação predita
ali, pertencem à Igreja da qual os apóstolos foram as primeiras
testemunhas. Isso é confirmado pelo fato de que tanto Marcos quanto
Lucas repetem o discurso de Cristo para a Igreja gentílica (Marcos 13;
Lucas 21). O "evangelho do reino" é exatamente aquele que Paulo
pregou tanto aos gentios quanto aos judeus (ver Atos 20:25; 28:23, 31;
Colossenses 1:13).
A perspectiva profética de Cristo de eventos futuros em Mateus 24
não contém um arrebatamento pré-tribulacionista da Igreja. Pelo
contrário, o ajuntamento dos eleitos pelos anjos de Deus na parousia de
Cristo, ao som da trombeta (verso 31), é inequivocamente o
arrebatamento da igreja e vem depois da tribulação. O texto, "E ele
enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão
os seus escolhidos", refere-se tanto aos judeus quanto aos gentios
cristãos na Igreja evangélica que será congregada na segunda vinda de
Cristo, depois da tribulação precedente (Mateus 24:31; cf. Lucas 21:28).
O termo geral "eleito" não está restrito aos judeus (ver 1 Pedro 1:1; 2:9).
E notável que o dispensacionalismo quer aplicar Mateus 24
exclusivamente ao Israel nacional e ainda destacar os versos 40 e 41
como aplicáveis ao arrebatamento da Igreja. Mas se as expressões desses
versos forem associadas, "um será tomado", pelo arrebatamento da Igreja
(que tem apoio lingüístico em João 14:1-3, onde a raiz do verbo
paralambanein é a mesma daquela que é usada em Mateus 24:40, 41),
esse arrebatamento é ainda descrito em ligação com o arrebatamento dos
eleitos (versos 31). Em outras palavras, ele se refere à parousia de Cristo
O Israel de Deus na Profecia
234
pós-tribulacionista. Por isso, concordamos com a conclusão de G. E.
Ladd, "O arrebatamento da Igreja antes da Tribulação é uma
pressuposição; ele não foi ensinado no Discurso do Monte das
Oliveiras".14
Como Cristo Aplica a "Abominação" Predita em Daniel 9?
As palavras de Cristo em Mateus 24:15-30 predizem uma
perseguição religiosa dos judeus no moderno Estado de Israel dentro de
sete anos depois que a Igreja for arrebatada da terra para o céu? Os
dispensacionalistas dizem que sim, apontando para as referências do
Salvador ao "abominável da desolação" e á "grande tribulação". 15 De
acordo com A. J. MacClain, Cristo colocou o "assolador" que causa
"abominações" (de Daniel 9:27) no futuro, no fim do tempo, "pouco
antes de Sua segunda vinda em glória" (Mateus 24:29, 30).16
J. F. Walvoord concorda que em Mateus 24:15-22, Jesus "tinha em
mente a predição do clímax da septuagésima semana ou setenta setes de
anos preditos para Israel em Daniel 9:27".17 E uma nota sobre Mateus
24:15-20 na New Scofield Reference Bible fala de "uma futura crise em
Jerusalém depois da manifestação da 'abominação".18
As palavras de Jesus em Mateus 24 realmente se referem a uma
futura tribulação dos judeus, depois que a Igreja houver sido arrebatada
para o céu? Essa posição pode ser sustentada por uma exegese objetiva?
A exegese dispensacionalista de Mateus 24 é um exemplo chocante de
um futurismo dogmático que nega a função contemporânea dos
Evangelhos Sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas. O discurso profético de
Jesus é relatado por todos três e por isso deveria ser estudado à luz dos
três relatos.
Contudo, o dispensacionalismo exclui Lucas de sua interpretação do
discurso que Cristo fez no Olivete, porque o relato de Lucas não
favorece a sua exegese do "abominável da desolação". Muitos estudantes
do Novo Testamento consideram a narrativa de Lucas como
O Israel de Deus na Profecia
235
historicamente mais completa do que os primeiros dois Evangelhos.
Lucas é o primeiro em extensão e mais completo.
A New Scofield Reference Bible chega a ponto de declarar que as
palavras de Jesus em Lucas 21:20-24 – o inegável paralelo de Mateus
24;15-22 – predizem o próprio oposto do que o que Ele diz no relato de
Mateus"
A passagem em Lucas se refere em termos expressos à destruição de
Jerusalém que foi cumprida por Tito em 70 A.D.; a passagem em Mateus
alude a uma crise futura em Jerusalém depois da manifestação da
'abominação'...No primeiro caso, Jerusalém foi destruída.19
Tal dualismo é o resultado de uma exegese que rompe a unidade
orgânica dos Evangelhos Sinóticos a fim de manter um conceito
dogmático. R. H. Gundry reconhece que é irresponsável impor uma
aplicação judaica ao Evangelho de Mateus – ao invés de á igreja – ou
relacionar Mateus 24 a uma futura dispensação, depois que a Igreja
houver sido arrebatada da terra.20 Ele declara: "O discurso do Olivete
aparece substancialmente na mesma forma em Marcos e de alguma
maneira, de forma alterada em Lucas. Conseqüentemente, ele pode ainda
se relacionar à Igreja destes evangelhos."21 Além do mais, Cristo dirigiu
o discurso aos Seus apóstolos que representavam a Igreja,
evidentemente, ao invés da nação judaica.
Todos os três evangelistas sinóticos relatam a advertência de Cristo
de que antes do aparecimento da abominação em Jerusalém, os cristãos
palestinos deveriam experimentar as provações de falsos cristos, de
guerras e rumores de guerras, de fomes e terremotos (ver Mateus 24:4-8;
Marcos 13:5-8; Lucas 21:8-11). Estas predições se tornaram realidades
históricas entre 35 A.D. e 55 A.D.22 Embora Cristo tenha enfatizado,
"tudo isto é o princípio das dores" (Mateus 24:8; cf. Marcos 13:8).
Cristo então mencionou uma segunda espécie de provação:
perseguição tanto pelos judeus quanto pelos gentios, traição pelos
parentes e ódio por parte de todos por causa de Seu nome (ver Mateus
24:9-14; Marcos 13:9-13; Lucas 21:12-19). Bo Reicke faz um relato
O Israel de Deus na Profecia
236
detalhado do cumprimento de todos essas provas antes da destruição de
Jerusalém em 70 A.D. e declara, "A situação pressuposta por Mateus
corresponde ao que é conhecido acerca do Cristianismo na Palestina
entre o ano 50 A.D. e 64".23 E em todas essas sublevações Paulo afirmou
que o evangelho "foi pregado a toda criatura debaixo do céu"
(Colossenses 1:23). Esses fatos nos permitem concluir que Mateus 24:114 e seus paralelos em Marcos 13:1-13 e Lucas 21:5-19 encontraram um
cumprimento literal nos anos entre a morte de Cristo e a destruição de
Jerusalém.24
Então, qual era o propósito de Cristo ao dar todos esses sinais,
como "o princípio das dores"? Foi para advertir os Seus discípulos contra
os falsos profetas que declarariam, "O tempo está próximo"! (Lucas
21:8; NVI). Ele alertou aos Seus próprios discípulos quanto à verdade de
que o Seu segundo advento não ocorreria logo: "mas o fim não será
logo" (Lucas 21:9). Quando as legiões romanas sitiaram a Jerusalém, os
judeus zelotes ficaram inflamados pelas predições do resgate
apocalíptico e mantiveram sua resistência com a falsa expectativa de que
Deus livraria a cidade de maneira sobrenatural, como havia feito no
tempo do rei Ezequias (701 A.C). 25 Contra esses falsos profetas Cristo
advertiu aos Seus discípulos para não esperarem o Seu retorno em glória
por ocasião da destruição de Jerusalém. Quando eles vissem a
abominação da desolação no lugar santo, compreenderiam este fato
como o sinal para fugir imediatamente da cidade e da Judéia. Não
deveriam esperar que Deus livrasse a Jerusalém como os profetas Joel
(capítulo 3), Daniel (12:1) e Zacarias (capítulos 12 e 14) haviam
antevisto. A razão era clara: essas profecias apocalípticas pressupunham
um remanescente fiel de Israel no Monte Sião. Mas nesse tempo, o
remanescente fiel era o rebanho messiânico que foi chamado para sair da
cidade condenada. Jerusalém seria destruída de acordo com a profecia de
Daniel 9:26, 27, porque a cidade havia rejeitado o Messias como o Seu
Deus do concerto. Em Mateus 24, Jesus aponta especificamente para a
profecia de Daniel sobre a ruína de Jerusalém:
O Israel de Deus na Profecia
237
Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta
Daniel, no lugar santo (quem lê entenda), então, os que estiverem na Judéia
fujam para os montes...Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno,
nem no sábado; porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde
o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais
(Mateus 24:15-21).
Aqui não há nenhuma perspectiva pata o livramento de Jerusalém
"pela intervenção divina, como reivindica a Scofield Bible. Exatamente o
oposto: o remanescente fiel deve fugir de Jerusalém e da Judéia quando
virem o invasor abominável entrando na terra de Israel. Fugir por quê?
Porque o desolador romano funcionou como o vingador decretado por
Deus sobre a cidade e o templo, devido à rejeição do Messias e dos Seus
apóstolos (ver Daniel 9:26, 27 e Lucas 21:22).
Uma comparação minuciosa do contexto paralelo nos Evangelhos
Sinóticos confirma essa conclusão além de qualquer dúvida. O relato de
Marcos da advertência de Jesus , diz:
Quando, pois, virdes o abominável da desolação situado onde não
deve estar (quem lê entenda), então, os que estiverem na Judéia fujam para
os montes... Orai para que isso não suceda no inverno. Porque aqueles dias
serão de tamanha tribulação como nunca houve desde o princípio do
mundo, que Deus criou, até agora e nunca jamais haverá (Marcos 13:14-19).
O Evangelho de Lucas explica de maneira mais elaborada para
Teófilo (1:3) a versão de Marcos da profecia de Cristo:
Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está
próxima a sua devastação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os
montes; os que se encontrarem dentro da cidade, retirem-se; e os que
estiverem nos campos, não entrem nela. Porque estes dias são de vingança,
para se cumprir tudo o que está escrito... Porque haverá grande aflição na
terra e ira contra este povo. Cairão a fio de espada e serão levados cativos
para todas as nações; e, até que os tempos dos gentios se completem,
Jerusalém será pisada por eles (Lucas 21:20-24).
Parece impossível interpretar a descrição de Lucas como se
referindo a qualquer outra coisa a não ser a destruição de Jerusalém, que
logo se tornou realidade histórica em 70 A.D. Mesmo a New Scofield
O Israel de Deus na Profecia
238
Reference Bible admite isso, como temos visto. Embora, as inegáveis
passagens paralelas em Mateus 24:15vv e Marcos 13:14vv (todas as três
passagens sinóticas começam com "Quando, pois, virdes...") são
explicadas pelos dispensacionalistas como se referindo a uma
dispensação diferente e futura quando a Igreja não estará mais na terra.
Realmente, a Scofield Bible encontra dois diferentes cercos de Jerusalém
nas mesmas palavras do discurso de Cristo no Monte das Oliveiras!
Dois cercos de Jerusalém estão em vista no discurso do Olivete, um
cumprido em 70 A.D., e o outro ainda para se cumprir no fim do mundo... As
referências em Mateus 24:15-28 e Marcos 13:14-26 devem ser o cerco final,
quando a cidade será tomada pelos inimigos, mas libertada pelo retorno do
Senhor à terra (Ap. 19:11-21; Zac. 14:2-4).26
Aparentemente tal interpretação das palavras de Cristo é guiada,
não por uma exegese que leva em consideração o contexto dos
Evangelhos Sinóticos, mas por um futurismo preconcebido que força um
sistema de dispensacionalismo às palavras de Cristo. Essa interpretação
está dizendo que Marcos e Mateus não escreveram nada acerca da
iminente desolação de Jerusalém que tomou lugar em 70 A.D., enquanto
Lucas não escreveu nada a respeito da abominação e da tribulação
"final" que o anticristo tem em estoque para os judeus "finamente reajuntados". Por que então, Lucas que segue em grande medida o relato
de Marcos, ignora completamente tal tribulação horrível para os judeus
do futuro? Por que ele focaliza exclusivamente a desolação iminente de
Jerusalém por Tito e a conseqüente diáspora dos judeus naquele tempo
como o cumprimento total da punição divina de Jerusalém (ver Lucas
21:22; cf. Deuteronômio 28:44-59; Daniel 9:26, 27)? Por que Cristo, no
Seu discurso do Olivete, dá instruções idênticas acerca da abominação da
desolação aos Seus apóstolos para a Igreja? Os exércitos de Roma
invadindo a "terra santa" podiam ser vistos por todos na Judéia (ver
Mateus 24:15, 16; Marcos 13:14). Tanto Mateus quanto Marcos falam,
não meramente de uma "abominação" vindoura, mas de uma abominação
da desolação. Lucas explica aos seus leitores, na maioria gentios, que
O Israel de Deus na Profecia
239
essa horrível desolação viria a Jerusalém com destruidores exércitos
pagãos (ver Lucas 21:20).
Se os três Evangelhos Sinóticos descrevem um e o mesmo evento
em relação a Jerusalém – a aproximação da desolação da cidade e do
santuário – então Cristo colocou o cumprimento de Daniel 9:26, 27 em
70 A.D., dentro de Sua própria geração (cf. Mateus 24:34; 23:36; Lucas
21:32, 22). A enfática declaração de Lucas de que a destruição de
Jerusalém (por Tito em 70 A.D.) foi "para se cumprir tudo o que está
escrito" (ucas 21:22) é a confirmação seladora de que a "septuagésima
semana" de Daniel cumpriu-se completamente pela missão de Cristo a
Israel e pela terrível destruição de Jerusalém pelos romanos.27
G. G. Cohen tem argumentado que a "abominação da desolação"
predita não se cumpriu em 70 A.D., porque a "história não revela
nenhuma ação pelo general romano Tito que possa ser identificada como
a abominação da desolação de Mateus 24:15 ou 2 Tessalonicenses 2:3,
4".28
Mas F. F. Bruce relata que
...quando a área do templo foi tomada pelos romanos e o próprio
santuário ainda estava queimando, os soldados trouxeram os seus
estandartes legionários para dentro do recinto sagrado, erigiram-nos do lado
oposto ar) portão oriental e ofereceram-lhes sacrifícios ali, aclamando a Tito
como imperator (comandante ,vitorioso), à medida que prosseguiam...A
oferta de tal sacrifício na corte do Templo foi o supremo insulto ao Deus de
Israel.29
Compreendido dessa forma, o Salvador substancia o fato de que as
Setenta Semanas de Daniel terminam, não numa perseguição dos últimos
dias pós Igreja aos judeus em Israel, mas com a rejeição de Cristo e suas
conseqüências para Jerusalém.30
A Resposta de Paulo à Expectativa da Iminência
O Israel de Deus na Profecia
240
Uma confirmação dupla do arrebatamento pós-tribulacionista pode
ser encontrada nas palavras de Paulo descrevendo a parousia de Cristo
como acompanhada pela "voz do arcanjo, e...a trombeta de Deus" (1
Tessalonicenses 4:16). O único arcanjo mencionado pelo nome na Bíblia
é Miguel (Judas 9), que está associado, em Daniel 12:1, 2 com a
ressurreição dos santos depois do tempo de angústia ou da tribulação
final. Walvoord está suficientemente impressionado com esse
testemunho de livramento e ressurreição pós-tribulacionista dos santos
do Velho Testamento (cf. Isaías 25:8; 26:14-21) que ele admite "o fato
de que a ressurreição dos santos do Velho Testamento acontece após a
tribulação."31 Ele se sente compelido, contudo, a divorciar
completamente essa ressurreição da trasladação e ressurreição da Igreja,
porque "os santos do Velho Testamento nunca são descritos pela frase
'em Cristo".32
Este argumento literalista é insustentável porque Paulo dirige
muitas de suas epístolas aos santos, a típica descrição veterotestamentária
do povo do concerto divino (cf. l Pedro 2:2), e considera, também, os
santos do Velho Testamento como sendo crentes no Messias ou Cristo
(ver 1 Coríntios 10:1-4; cf. Hebreus 11: 24-26). A deliberada declaração
de Paulo aos Tessalonicenses de que na ocasião do arrebatamento da
igreja a voz do Arcanjo (o Defensor de Israel) soará, é uma confirmação
suficientemente clara de que a ressurreição dos santos tanto do Velho
quanto do Novo Testamento ocorrerá simultaneamente como apenas uma
ressurreição (ver João 5:28, 29). Walvoord chama esse argumento de
"prova não conclusiva", porém, o que mais Paulo quer dizer ao declarar
que a voz do Defensor de Israel, o Arcanjo, será ouvida no
arrebatamento e ressurreição da Igreja de Cristo? A declaração adicional
de Paulo em 1 Tessalonicenses 4:16 de que "a trombeta de Deus" soará
naquela ocasião é um apoio adicional à mesma idéia. Isaías predisse que
"se tocará uma grande trombeta'' (Isaías 27:13) no final do exílio ou
tribulação de Israel e "Naquele dia...vós, ó filhos de Israel, sereis
colhidos um a um" (verso 12). Esta profecia será gloriosamente
O Israel de Deus na Profecia
241
cumprida, sugere Paulo, na dramática parousia de Cristo e no
arrebatamento de Sua Igreja.
Walvoord também reivindica que 2 Tessalonicenses 2:1-12 "não
apóia o pós-tribulacionismo", porque Paulo estava apenas "demonstrando
que o Dia do Senhor predito ainda estava no futuro", e que os cristãos
tessalonicenses não deveriam se preocupar "que as suas perseguições
presentes foram antecipadas daquele período (o Dia do Senhor)". 33
Contudo, uma verificação detalhada na passagem bíblica e no seu
contexto, revela que muito mais está envolvido. Paulo escreve
explicitamente para corrigir um falso ensino (aparentemente estabelecido
sob o próprio nome de Paulo) de que o Dia do Senhor já havia começado
ou no mínimo era tão iminente que poderia ocorrer a qualquer momento.
Essa idéia havia alarmado alguns e lhes conduzido a parar o seu trabalho
cotidiano para se tornarem um peso aos outros (ver cap. 3:6-15). Paulo
corrige esse engano da vinda do Dia do Senhor ou parousia a qualquer
momento, lembrando à Igreja de seu ensino oral a respeito dos sinais
precedentes de significação profética que deve se desenvolver na história
antes que o Dia do Senhor aconteça (cap. 2:3-5). Ele torna claro que "à
vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo" não apenas a Igreja será 'reunida' a
Ele (verso 1), mas também o homem do pecado (anticristo) será
destruído pela "manifestação de sua vinda" (verso 8). Isso implica
claramente uma vinda de Cristo pós-tribulacionista para a Sua igreja!
Essa conclusão está em perfeita harmonia com o testemunho
conclusivo contra a vinda de Cristo em duas fases encontrada em 2
Tessalonicenses 1:5-10, embora o dispensacionalismo ensine que a
Igreja será secretamente ajuntada a Cristo sete anos antes do anticristo
ser destruído pela parousia de Cristo. As observações esclarecedoras de
Paulo em 2 Tessalonicenses 2 refutam, efetivamente qualquer
arrebatamento secreto. A ocasião de nosso ajuntamento a Cristo, ele diz,
também envolverá simultaneamente a destruição do anticristo perseguidor .
Os esforços dos escritores dispensacionalistas para escapar dos
óbvios ensinos de Paulo são curiosos. Alguns criam uma distinção
O Israel de Deus na Profecia
242
artificial entre "o dia de Cristo" (que eles aplicam ao arrebatamento) e "o
dia do Senhor" (em sua visão, a tribulação subseqüente para Israel e o
julgamento de Deus). Mas, como pode o Dia do Senhor incluir a
tribulação pelo anticristo quando Paulo declara que o homem do pecado
trará a sua apostasia antes do Dia do Senhor?34 ''Que ninguém vos engane
de forma alguma; por que esse dia não virá, a menos que a rebelião
[apostasia] venha primeiro [protos], e o homem do pecado seja revelado"
(2 Tessalonicenses 2:3; RSV).
Todos aceitam a conclusão de que esse iníquo é o anticristo
apocalíptico que causará a grande tribulação para os santos de Deus pela
sua auto deificação dentro do templo de Deus (verso 4). Essa apostasia
não é uma mensagem exclusiva para os judeus, mas é vitalmente
relevante para os cristãos! Estes deveriam conhecer o anticristo, para que
não fossem confundidos por uma iminência equivocada da parousia.
Então vigiarão e verão a aproximação do dia de antemão e estarão
prontos para "o Dia do Senhor."
Evidentemente, os tessalonicenses haveriam compreendido desde a
primeira epístola de Paulo que seriam arrebatados antes da tribulação
(cap. 4:13-18). Gundry declara, "Os tessalonicenses erroneamente
concluíram que a vinda de Cristo estava no futuro imediato, como a
resultante cessação do trabalho, excitação fanática e desordem".35 A
resposta de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 é uma refutação de tal doutrina
da iminência. A tribulação apocalíptica deve vir primeiro, antes da
parousia e do arrebatamento.
Um outro esforço para evitar o advento de Cristo pós-tribulacionista
é uma exegese forçada do termo apostasia em 2 Tessalonicenses 2:3,
para denotar não a apostasia ou rebelião do anticristo, mas a partida ou
arrebatamento da Igreja da terra antes que surjam o anticristo e a sua
tribulação. O simples fato, contudo, é que o termo apostasia no Novo
Testamento e na Septuaginta é usado exclusivamente para a deserção
religiosa, um afastamento da fé.36 Ele nunca se refere à partida da Igreja
da terra. Em 2 Tessalonicenses 2:3 ele é corretamente traduzido como "a
O Israel de Deus na Profecia
243
rebelião'' tanto na Revised Standard Version quanto na New International
Version. O artigo definido "a" antes de "rebelião" aponta para uma
apostasia bem conhecida, acerca da qual Paulo havia informado
anteriormente aos Tessalonicenses (verso 5) e que de agora explica mais
detalhadamente nos versos seguintes, especialmente os versos 4, 9 e 10.
A apostasia apocalíptica, diz Paulo, será um afastamento deliberado da fé
apostólica, uma rebelião contra Deus conduzida pelo anticristo. Este é o
tempo de grande tribulação para o povo de Deus. Paulo orienta a Igreja
para vigiar o desenvolvimento dessa apostasia, de maneira que a
parousia ou o Dia do Senhor, não a surpreenda como um ladrão (1
Tessalonicenses 5:1-6).
Finalmente, alguns dispensacionalistas insistem que o misterioso
Detentor do anticristo (ver 2 Tessalonicenses 2:6) deve ser o Espírito
Santo trabalhado através da Igreja. Assim, o Detentor sendo "afastado"
(verso 7) indicaria o arrebatamento da Igreja para fora do mundo antes
que o anticristo traga a sua tribulação sobre a terra. Mas, R. H. Gundry
mostrou convincentemente que essa exegese dispensacionalista não tem
fundamento nem no contexto imediato e nem no Novo Testamento como
um todo. Mesmo que o Espírito Santo seja finalmente retirado de um
mundo impenitente e ímpio, isso não prova que a Igreja de Custo será
retirada da terra para o céu "com um passo retrógrado à economia do
Velho Testamento".37
É certamente uma "pressuposição fanática'', como J. Wilmot diz,
para a escatologia dispensacionalista afirmar que na ausência do Espírito
Santo e da Igreja, e dentro dos "sete" anos de reinado do anticristo, "uma
grande multidão que ninguém pode enumerar" dentre todas as nações,
será convertida a Cristo! A escatologia de Paulo em 1 e 2
Tessalonicenses coloca tanto o glorioso arrebatamento da Igreja quanto a
destruição simultânea do anticristo na dramática parousia (ver
especialmente, 2 Tessalonicenses 2:1, 8). Este é o ensino de Paulo de
uma parousia e arrebatamento pós-tribulacionista, baseado no esboço de
Cristo dos eventos pertencentes à dispensação cristã de Mateus 24.38
O Israel de Deus na Profecia
244
Se os cristãos confiarem nos ensinos de que serão arrebatados para
o céu antes da perseguição do anticristo, como se prepararão para o
vindouro teste final de fé? O perigo do pré-tribulacionismo é que ele
instila no coração do povo de Deus uma falsa esperança e assim fracassa
em preparar a Igreja para a sua crise final.
Referências Bibliográficas
1. Ver G. E. Ladd, The Blessed Hope (Grand Rapids, Mich.: Wm B.
Eerdmans Pub. Co., 1960), capítulo 3, para um estudo mais detalhado. O
teólogo dispensacional Charles F Baker, em A Dispensational Theology, 2a
ed., admite após sua análise de três palavras para a segunda vinda,
"Devemos concluir que a distinção entre a segunda vida de Cristo no tempo
do arrebatamento e Sua vinda à Terra não podem ser estabelecidas
simplesmente pelo aplicação das palavras usadas" (p. 616).
2. Ryde, Dispensacionalism Today, p. 159. Cf. Walvoord, The
Rapture Question, p 192, "Somente o pretribulacionista distingue
claramente entre Israel e a igreja e seus respectivos programas."
3 Walvoord, The Rapture Question, p. 193.
4. Ibid.
5. R. H. Gundry, The Church and the Tribulation (Grand Rapids,
Mich.: Zondervan, 1973), p. 78.
6. Ver Ibid., p. 64-66.
7. Ibid, p. 58.
8. Walvoord, The Rapture Question, p 70.
9. Gundry., The Rapture Question, p. 60.
10. Walvoord, The Return of the Lord, p. 80
11. Gundry, The Church and the Tribulation, p. 29. Ver capítulo 3
"Expectativa e iminência," para uma resposta excelente à doutrina
dispensacional da iminência.
12 Walvoord, The Rapture Question, pp. 195, 196.
13. Ibid , p 195.
14 Ladd, The Blessed Hope, p. 73.
15 Walvoord, The Return of the Lord, capítulo 5.
O Israel de Deus na Profecia
245
16. McClain, Daniel's Prophecy of the 70 Weeks, p. 40.
17. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 109.
18 NSRB, p. 1034.
19. Ibid.
20. Gundry, The Church and the Tribulation, capítulo 9, "The Olivet
Discourse."
21. Ibid, p. 130.
22. Ver detalhes com referências históricas, com B. Reicke, "Synoptic
Prophecies on the Destruction of Jerusalem," em Studies in New Testament
and Early Christian Literature (monografias em honra de A. P. Wikgren),
ed. D. E. Aune (Leiden E. J. Brill, 1972), pp. 121-134; especialmente 130.
23. Ibid., p 133.
24. Ver também o SDABC em Mateus 24:2-14, vol. 5, pp. 497, 498
25. Josephus, Wars V15.2, apresenta que "um grande número de falsos
profetas . . . anunciara a eles (povo) que eles deveriam esperar pela
libertação de Deus.'' Isto causou o massacre de seis mil mulheres e crianças
no pátio do templo". cf. Strack-Billerbeck Kommentar zum NT (München:
Beck, 1922) 4/2:1003.
26. NSRB. p. 1114 (em Lucas 21:20).
27. Josephus escreve que 1,1 milhão de judeus pereceram e 97.000
foram vendidos como escravos. Ele conclui: "De acordo com a multidão
que pereceram nesse lugar excedeu todas as destruições que ambos homens
ou Deus trouxeram sobre a tenra " (Wars, VI 9A).
28. G.G Cohen, "Is the Abomination of Desolation Past?" Moody
Monthly, April 1975, pp. 31, 34.
29. Bruce, Israel and the Nations, pp. 31, 34.
30. Ver meu comentário de Marcos 13 e Mateus 24 no periódico do
mês de março na Revista Ministry.
31. Walvoord, The Rapture Question, p. 154.
32. Ibid.
33. Ibid., pp. 164, 165.
34. R. H. Gundry, em The Church and the Tribulation, pp. 96-99,
mostra conclusivamente que as variações "dia de Cristo" e "dia do Senhor"
O Israel de Deus na Profecia
246
não tem diferença de significado técnico. Ver, por exemplo, 1 Coríntios
5:5.
35 Ibid., p. 121.
36. E I. Carver, When Jesus Comes Again (Philipsburg, N. J.:
Presbyterian and the Reformed Publishing Co., 1979), p. 271. Para um
estudo mais detalhado, ver Gundry, The Church and the Tribulation, pp.
114-118.
37. Gundry, The Church and the Tribulation, p. 128; ver discussão
detalhada nas pp. 122-128.
38. Ver G. H. Waterman. "The Sources of Paul's Teaching on the
Second Coming of Christian in 1 and 2 Thessalonians," JETS 18:2 (Spring
1975):105-113 Ele conclui, "As palavras de Jesus como relatadas por
Mateus foram a fonte para os ensinos de Paulo."
SUMÁRIO E CONCLUSÃO
O Israel de Deus na Profecia
247
Nosso ponto de partida fundamental neste trabalho foi o axioma de
fé que a Bíblia é o seu próprio expositor, através do contexto imediato e
do mais amplo. Porque aceitamos a Jesus Cristo como o verdadeiro
Intérprete da Bíblia hebraica, assumimos nossa posição ao lado da Igreja
de todas as eras, ao confessar que o Novo Testamento é a interpretação
autorizada de Deus e a aplicação autoritativa do Velho Testamento.
Concluímos que o Novo Testamento ensina o cumprimento das profecias
messiânicas na vida, morte, ressurreição e exaltação de Jesus Cristo. Um
notável elemento no relacionamento entre o Velho e o Novo Testamento
é o fato de que o Novo considera mesmo a história do antigo Israel como
tipológica da missão de Cristo (ver o capítulo 5). o Próprio Cristo iniciou
o novo conceito de que com Ele o tempo do antítipo havia chegado (ver
o capítulo 4).
Desde que o Próprio Custo criou a Sua Igreja, a conseqüência
inevitável do cumprimento cristológico é o cumprimento da missão de
Israel na missão da Igreja Cristã. Esse cumprimento eclesiológico se
concentra especialmente em três conceitos hebreus: a sobrevivência de
um fiel remanescente de Israel, a promessa de um novo concerto em
Jeremias 31 e as promessas do vivificante Espírito de Deus em Ezequiel
36-37. Essas três promessas inter-relacionadas tornaram-se o evento
inaugural da era messiânica e são aplicadas eclesiologicamente no Novo
Testamento (ver o capítulo 7).1 A implicação da interpretação
eclesiológica de Israel no Nov.o Testamento é inquestionavelmente que
as restrições étnicas das promessas divinas a Israel são cumpridas em
Cristo e Sua Igreja. A Igreja apostólica considerava-se o nov.o e
verdadeiro Israel da era messiânica. Mesmo em Romanos 9-11, Paulo
não vislumbra uma teocracia restaurada do Israel nacional na Palestina
(ver o capítulo 8). A restauração ou as promessas de ajuntamento do
Velho Testamento são consistentemente aplicadas cristologicamente e,
por extensão, eclesiologicamente, no Novo Testamento, com a
continuada expectativa de uma consumação apocalíptica no glorioso
O Israel de Deus na Profecia
248
segundo advento de Cristo. Este futuro cumprimento escatológico é
novamente apresentado com um foco exclusivamente cristocêntrico.
Uma outra conseqüência do cumprimento cristológico das
promessas do concerto israelita é o fato de que o Novo Testamento
inequivocamente universaliza as promessas territoriais de Israel (ver o
capítulo 9). Embora, o Novo Testamento ocasionalmente empregue a
velha imagem étnica e geográfica nos Evangelhos e nas Epístolas, o foco
do Oriente &tédio, ou as restrições palestinas, são consistentemente
eliminadas em sua aplicação eclesiológica e apocalíptica. O Novo
Testamento reconhece como território santo apenas o lugar onde Cristo
está, ou por Sua presença física ou pela presença espiritual, onde dois ou
três estiverem reunidos em Seu nome.
No concílio apostólico em Atos 15, chegou-se a conclusão de que a
Igreja apostólica não foi instituída ao lado de Israel, mas como o Israel
restaurado (ver o capítulo 10). A finalidade da decisão de Cristo ao tirar
a teocracia da nação judaica (Mateus 21:43) e outorgar as bênçãos e
responsabilidades do novo concerto á comunidade messiânica (Lucas
12:32), em nenhuma parte é mais impressionantemente predita do que na
profecia das setenta semanas de Daniel (ver o capítulo 11). A hipótese da
brecha não é necessária e nem justificada na base de uma exegese literal.
No Seu discurso no Olivete, Cristo aplicou a abominação da desolação
profetizada m) livro de Daniel à profanação do templo e à destruição de
Jerusalém em Sua Própria geração. Mas não parou nesta aplicação. Em
Marcos 13 e Mateus 24, mesclou o juízo de Jerusalém com o tempo de
tribulação ou a angústia de Seus eleitos, a Igreja, através da era cristã até
o tempo do fim (ver o capitulo 12). A Igreja é comissionada a dar
testemunho de Cristo como o Messias perante todas as nações, a despeito
da angústia universal, de maneira que o mundo finalmente enfrente o
mesmo tribunal divino de justiça como aconteceu a Jerusalém em 70
A.D.
A aplicação de Cristo do esboço profético de Daniel é ainda
desenvolvida pelo apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 2, uma
O Israel de Deus na Profecia
249
2
perspectiva que demanda um estudo mais detalhado. Mas, acima de
tudo, o Apocalipse de João precisa de uma nova abordagem sobre a base
da hermenêutica cristocêntrica. Uma vez que os princípios de
cumprimento profético tenham se tornado claros, poderemos ter a
renovada confiança na tarefa sagrada de expor as profecias das Santas
Escrituras ainda não cumpridas. A mesma hermenêutica cristocêntrica
deve ser aplicada tanto à profecia cumprida quanto à não cumprida.
Todas as profecias escatológicas, incluindo aquelas que encontrarão um
cumprimento específico no fim do tempo, devem passar através da cruz
transformadora de Cristo e Sua ressurreição a uma mora vida. Isto é
verdade, tão certamente quanto o novo concerto recebe o seu presente
cumprimento e consumação futura exclusivamente através do sangue do
auto-sacrifício de Cristo e Sua triunfante ressurreição.
Um dos resultados mais importantes dessa hermenêutica evangélica
– a interpretação cristológica-eclesiológica dos concertos israelitas –
constitui a conclusão de que é basicamente injustificado aplicar qualquer
bênção do velho concerto incondicionalmente ao moderno Estado de
Israel no Oriente Médio, como se Cristo ainda não houvesse aparecido e
o Novo Testamento ainda não tivesse sido escrito. Nenhum apelo à
exegese "natural" pode ser válido se ele passa por alto a cruz de Cristo
(ver 2 Coríntios 1:20). O foco bíblico da profecia nunca está sobre Israel
como um povo ou uma nação como tal, mas sobre Israel como uma
comunidade de crentes, em adoração, como povo do concerto
messiânico. O foco definitivo está sobre Deus e o Seu Messias.
Finalmente, todos os olhos serão direcionados, não para Israel, mas para
Cristo Jesus como o Rei de Israel e Senhor da Igreja (ver Apocalipse
1:7; Zacarias 12:10; Isaías 40:5). A profecia bíblica e apocalíptica é
totalmente teocêntrica e cristocêntrica. Esta verdade focaliza e glorifica o
Criador e Redentor da humanidade. Na Nova Jerusalém não haverá
separação ou divisão entre Israel e a Igreja. A Santa Cidade apocalíptica
une todos os vinte e quatro nomes dos patriarcas de Israel e dos
apóstolos de Cristo (Apocalipse 21:12-14). O centro é "o trono de Deus e
O Israel de Deus na Profecia
250
do Cordeiro'' (Apocalipse 22:1, 3). Os santos que houverem passado
triunfantemente pela grande tribulação cantarão "o cântico de Moisés,
servo de Deus, e o cântico do Cordeiro" (Apocalipse 15:3; cf. 7:9, 14).
É encorajador observar como alguns que chamam a si mesmos
"modernos dispensacionalistas" estão preparados para reconhecer que
através do cuidadoso estudo do inter-relacionamento entre o Velho e o
Novo Testamento,
a velha e aguda distinção entre Israel e a Igreja começa a se tornar
embaçada de alguma forma...Estritamente falando, também é incorreto
chamar Israel de povo terrestre de Deus, e a Igreja de povo celestial de
Deus, desde que no estado eterno, todos viveremos juntos, partilhando as
bênçãos da Nova Jerusalém e da nova terra...Temos dividido
excessivamente.3
O elo que estabelece a unidade básica e a continuidade entre o
Velho e o Novo Testamento e os seus concertos, é o conceito comum do
remanescente. Os apóstolos e discípulos de Cristo são chamados o
"remanescente" fiel de Israel (Romanos 11:5), e a Igreja apostólica é
referida como o "Israel de Deus" (Gálatas 6:15, 16; 3:29). Contudo, não
é correto afirmar que a Igreja substituiu Israel. Ao invés disso, a Igreja é
a continuidade do Israel de Deus do Velho Testamento. Ela substituiu
apenas a nação judaica. Os gentios cristãos não constituem uma entidade
diferente ou separada do fiel remanescente de Israel, mas são enxertados
no Israel messiânico. No Novo Testamento existe apenas uma oliveira
simbólica (Romanos 11), apenas um templo espiritual (Efésios 2),
somente uma mulher de Deus apocalíptica (Apocalipse 12) e uma Nova
Jerusalém (Apocalipse 21) para o povo de Deus em todas as
dispensações ou eras. Com esse propósito Cristo veio ao mundo: "Ainda
tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las;
elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor" (João
10:16; cf. 11:51, 52). A Sua última oração visava esta unidade universal:
Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a
crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam
O Israel de Deus na Profecia
251
um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós;
para que o mundo creia que tu me enviaste (João 17:20, 21).
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