QUALIDADE DA FIBRA DO ALGODOEIRO ENCHARCADO NA FASE VEGETATIVA Luis Nery Rodrigues (UFCG / [email protected]); Aparecida Rodrigues Nery (UFPB – Areia); Pedro Dantas Fernandes (UFCG); Napoleão Esberard de Macedo Beltrão (Embrapa Algodão). RESUMO - O algodoeiro herbáceo (Gossypium hirsutum L. r. latifolium Hutch) é uma planta que apresenta modificações no seu comportamento fisiológico quando cultivada em solo com deficiência de oxigênio; é uma das plantas mais sensíveis ao estresse anoxítico, que pode sofrer profundas alterações no metabolismo, com redução do crescimento e desenvolvimento. O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade da fibra do algodoeiro cultivar BRS Rubi, em ambiente protegido, submetido a estresse anoxítico por encharcamento temporário do solo, na fase vegetativa. O experimento foi conduzido em blocos ao acaso, com cinco níveis de anoxia (N1 - 0, N2 - 2, N3 – 4, N4 - 6 e N5 - 8 dias) e quatro repetições. A duração de 8 dias de estresse comparada ao controle, N1 (capacidade de campo) reduziu linearmente a rendimento, a resistência e o índice micronaire da fibra em 27,1 %, 28,4 % e 31,8 %, respectivamente. Com até 6 dias de encharcamento, a uniformidade e o comprimento da fibra praticamente não foram afetados. Palavras-chave: Gossypium hirsutum, fibra, anoxia FIBER QUALITY OF ANNUAL COTTON UNDER FLOODING CONDITION DURING VEGETATIVE PHASE ABSTRACT - Herbaceous cotton (Gossypium hirsutum L. r. latifolium Hutch) it is a plant that suffers modifications in your physiology when cultivated in soil with oxygen shortage. It is a sensitive plant to deficiency of oxygen in the soil, happening several alterations in the metabolism that affect the growth and development. The purpose of this work was to evaluate the fiber quality of cotton genotype BRS Rubi, grown under protected environmental conditions and exposed to periodic flooding stress of the soil, in the vegetative phase. The experiment was carried out in randomized complete blocks with five flooding levels (L1 - 0, L2 - 2, L3 - 4, L4 - 6 and L5 - 8 days) and four replications. Fiber yield, resistance and micronaire were reduced significantly in 27.1 %, 28.4 % and 31.8 %, respectively when compared to the control, L1 (field capacity). However, fiber uniformity and length were not affected by the lack of oxygen in the soil by 6 days. Key words: Gossypium hirsutum, fiber, anoxia INTRODUÇÃO O algodoeiro herbáceo (Gossypium hirsutum L. r. latifolium Hutch) é uma planta considerada sensível à falta de oxigênio no solo (FISHER e HAGAN, 1965; HACK, 1970; HEARN, 1975), dependendo de uma série de fatores, como: estádio fenológico, duração do estresse, tipo de solo, etc (ALBERT e ARMSTRONG, 1931; TACKETT e PEARSON, 1964; HUCK, 1970). As informações são poucas com relação aos efeitos do encharcamento ou alagamento temporário do solo nos vários estágios de crescimento e estádios de desenvolvimento da planta do algodoeiro herbáceo, principalmente no Brasil. Segundo Almeida, Beltrão e Guerra (1992) praticamente não há registros na literatura sobre os efeitos da anoxia temporária do solo nas qualidades tecnológicas da fibra. A planta do algodoeiro pode sofrer profundas alterações no metabolismo, com potencial de redução do crescimento e do desenvolvimento e, conseqüentemente, do rendimento econômico da planta (algodão em caroço). Em condição de anaerobiose edáfica, causada tanto pela saturação quanto por compactação, as raízes do algodoeiro não respiram oxidativamente, via mitocondrial, e a planta paralisa o crescimento, em especial o radicular (TACKETT e PEARSON, 1964; HUCK, 1970). Com referência ao rendimento de fibra e às características tecnológicas (resistência e uniformidade), Almeida, Beltrão e Guerra (1992) não observaram diferenças significativas entre os encharcamentos. Contudo verificaram diferenças entre as duas cultivares testadas, enquanto a CNPA 3H apresentou maior uniformidade e índice micronaire, a CNPA Precoce 1 apresentou maior comprimento de fibra. MATERIAL E MÉTODOS Foi conduzido durante o período de julho a dezembro/2004, em instalações da UFCG-PB, um experimento em vasos sob ambiente protegido, no delineamento em blocos casualizados com 4 repetições. A parcela foi constituída de uma planta por vaso. Os tratamentos ‘N’ − níveis de anoxia (N1 = 0 dia, capacidade de campo-CC; N2 = 2; N3 = 4; N4 = 6 e N5 = 8 dias) foram aplicados na fase vegetativa (28 a 36 dias após semeadura-DAS) no estádio V3 (3ª folha verdadeira ou definitiva com comprimento de 25 mm). O solo utilizado como substrato foi um podzólico, não-salino, não-sódico, franco-arenoso, densidade global 1,40 kg dm-3. O material de solo apresentou as seguintes características químicas do complexo sortivo: 5,99 cmolc kg-1 de Ca+Mg, 0,20 cmolc kg-1 de Al, 21,5 mg kg-1 de P, 86,02 mg kg-1 de K, 14,8 g kg-1 de matéria orgânica e pH = 5,6. Previamente ao preenchimento (26 kg de material de solo por vaso) fez-se o peneiramento, a calagem adicionando-se 18 g de calcário e adubação orgânica elevando-se o teor de 14,8 para 25,0 g kg-1. As adubações de correção e de manutenção de fertilidade foram realizadas de acordo com metodologia recomendada para ambientes controlados (NOVAIS, NEVES e BARROS, 1991). A fim de assegurar a umidade necessária para a germinação das sementes da cultivar BRS Rubi, as unidades experimentais foram irrigadas antes da semeadura e em cada unidade (vaso) foram semeadas 5 sementes previamente tratadas. Aos 22 DAS efetuou-se o desbaste, deixando-se 1 planta por vaso. As irrigações foram realizadas utilizando-se de proveta volumétrica mantendo-se a umidade do solo próximo a CC, exceto quando e para as parcelas submetidas aos encharcamentos. Foram feitos tratamentos fitossanitários a cada 21 dias. A qualidade da fibra, representada pelas principais características tecnológicas: resistência (força requerida para romper uma amostra de fibras, expressa em g/tex), uniformidade (relação percentual entre os comprimentos médio, e da metade mais longa do feixe de fibras), índice micronaire (adimensional) e comprimento (2,5 % SL, expresso em mm) foi determinada pelo Laboratório de Tecnologia de Fibras do CNPA, de acordo com as normas internacionais padronizadas para análise de fibra de algodão (FONSECA e SANTANA, 2003). Avaliou-se também o rendimento de fibras (relação entre peso da pluma e peso do algodão em caroço, expresso em %). As análises estatísticas foram realizadas segundo os métodos convencionais em que os tratamentos foram considerados como sendo de caráter quantitativo, via modelo regressão polinomial (FERREIRA, 2000). RESULTADOS E DISCUSSÃO Analisando-se os resultados estatísticos apresentados na Tabela 1, verifica-se que somente a resistência da fibra sofreu efeito do encharcamento na fase vegetativa, ao nível de 1 % de probabilidade; entretanto ao se decompor os níveis atóxicos em regressões polinomiais, verificou-se que além da resistência, o encharcamento temporário afetou linearmente o rendimento e o índice micronaire da fibra, ao nível de 5 e 1 % de probabilidade, respectivamente. Tabela 1. Resumo da análise de variância e médias para o rendimento (%), resistência (g/tex), índice micronaire, uniformidade (%) e comprimento (mm) de fibra em função dos níveis de anoxia. FV GL Nível anóxico (N) Reg. Linear Reg. Quadrática Desvio Regressão Bloco Resíduo CV(%) 4 1 1 2 3 12 - Nível anóxico (N) N1 – Controle (CC) N2 – 2 dias N3 – 4 dias N4 – 6 dias N5 – 8 dias Rend. 43,8076NS 161,5638* 1,7115NS 5,9775NS 73,5451NS 25,7537 19,3680 Resistência 37,5842** 147,8402** 1,6802NS 0,4083NS 46,8298** 4,8486 9,3680 % 30,14 27,44 27,78 23,68 21,97 g/tex 27,05 25,40 24,18 21,53 19,38 Quadrado Médio Micronaire Uniformidade 0,8575NS 5,1357NS 3,2490** 14,8840NS NS 3,3029NS 0,0029 NS 0,0891 1,1781NS NS 1,2253 9,1765 NS 0,2928 3,6194 16,3982 2,4370 Média --% 3,93 79,00 3,43 78,58 3,40 78,38 3,08 78,28 2,68 76,10 Comprimento 2,4587NS 5,1840NS 3,0179NS 0,8166NS 1,0178NS 1,6358 5,01107 .mm 25,45 25,33 25,35 25,38 23,63 Aplicação dos tratamentos: 28-36 dias após semeadura - DAS. ** Significativo ao nível de 1 % de probabilidade pelo teste F. * Significativo ao nível de 5 % de probabilidade pelo teste F. NS Efeito não significativo ao nível de 5 % de probabilidade pelo teste F. Analisando-se as médias para rendimento, resistência e índice micronaire da fibra apresentadas na Tabela 1, verificou-se que as condições de estresse impostas provocaram reduções progressivas a partir de N1 (controle). Assim ocorreram os seguintes decréscimos entre o controle e os níveis crescentes de anoxia: 9,0, 7,8, 21,4 e 27,1 % (no rendimento de fibra); 6,1, 10,6, 20,4 e 28,4 % (na resistência da fibra) e 12,7, 13,5 21,6 e 31,8 % (no índice micronaire), sendo portanto, esta última, a característica tecnológica mais afetada. A redução do índice micronaire pode está associada a menor maturidade da fibra nas plantas estressadas durante 8 dias (84 % de maturidade) em relação às plantas sem estresse (88 % maturidade) (dados não apresentados), pois Almeida, Beltrão e Guerra (1992) associaram a redução do referido índice decorrente do encharcamento na fase de botão floral, a uma taxa maior de fibras imaturas. Os modelos matemáticos apresentados na Figura 1 com elevados coeficientes de determinação (superiores a 92 %) explicam um alto grau de associação entre as variáveis. Observando-se as médias relatadas na Tabela 1 e plotadas na Figura 2 sob a forma de histograma, verifica-se que na fase vegetativa o comprimento e a uniformidade da fibra só são afetados se a duração do encharcamento for superior a uma semana. As plantas estressadas por 8 dias tiveram o comprimento e a uniformidade de fibra com redução de 7,2 e 3,7 %, respectivamente, quando comparadas às plantas não submetidas ao estresse. Portanto o dano final irá depender do tempo de exposição às condições anaeróbicas, espécie, cultivar e estádio de crescimento. Almeida, Beltrão e Guerra (1992) observaram diferenças entre as cultivares CNPA 3H e CNPA Precoce 1 bem como entre estádios fenológicos. 30 35 25 Resistência (g/tex) Rendimento (%) 30 25 20 y = -1,0046x + 30,22 15 R2 10 = 0,922* 5 20 y = -0,9613x + 27,35 15 R 2 = 0,9834** 10 5 0 0 0 2 4 6 0 8 2 4 Duração da anoxia (dias) 6 8 Duração da anoxia (dias) Índice micronaire 6 4 y = -0,1425x + 3,87 2 2 R = 0,9472** 0 0 2 4 6 8 Duração da anoxia (dias) Figura 1. Rendimento, resistência e índice micronaire da fibra em função da duração da anoxia na fase vegetativa. 26 25,33 25,35 25,38 80 25 24 23,63 23 Uniformidade (%) Comprimento (mm) 25,45 79,00 78,58 78,38 78,28 78 76,10 76 74 0 2 4 Duração da anoxia (dias) 6 8 0 2 4 6 8 Duração da anoxia (dias) Figura 2. Comprimento e uniformidade da fibra em função da duração da anoxia na fase vegetativa. CONCLUSÕES 1. A anoxia no meio edáfico por 8 dias na fase vegetativa reduziu linearmente o rendimento, a resistência e o índice micronaire da fibra em 27,1 %, 28,4 % e 31,8 %, respectivamente; 2. A uniformidade e o comprimento da fibra praticamente não foram afetados até o nível de 6 dias de encharcamento na fase vegetativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERT; W. B.; ARMSTRONG, G. M. Effects of high soil and lack of soil aeration upon fruiting behaviour of young cotton plants. Plant Physiology, v. 65, p. 585-591, 1931. ALMEIDA, O. A.; BELTRÃO, N. E. M.; GUERRA, H. O. C. Crescimento, desenvolvimento e produção do algodoeiro herbáceo em condições de anoxia do meio edáfico. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 27, n. 9, p. 1259-1272. 1992. FERREIRA, P. V. Estatística experimental aplicada à agronomia. 2.ed. Revisada e ampliada. Maceió: UFAL/EDUFAL/FUNDEPES, 2000. 437 p. FISHER, R. A.; HAGAN, R. M. Plant water relations. Irrigation management and crop yield. Experimental Agriculture, v. 1, p. 101-117, 1965. FONSECA, R.G.; SANTANA, J.C.F. Análise de fios e equipamentos e aspectos relevantes de qualidade. Campina Grande: Embrapa Algodão, 2003. 9p. (Embrapa Algodão. Circular Técnica, 69) CNPA 1091. HACK, H. R. B. Emergence of crops in clay soils on the Central Sudan rainlands in relation to soil water and air-filled pore space. Experimental Agriculture, v. 6, n. 4, p. 287-302, 1970. HEARN, A. B. Response of cotton to water and nitrogen in tropical environment. I. Frequency of watering and method of application of nitrogen. Journal of Agricultural Science, v. 84, p. 407-417, 1975. HUCK, M. G. Variation in taproot elongation rate as influenced by composition of the soil air. Agronomy Journal, v. 62, p. 818-828, 1970. NOVAIS, R. F.; NEVES, J. C. L.; BARROS, N. F. Ensaio em ambiente controlado. In: OLIVEIRA, A.J.; GARRIDO, W.E.; ARAUJO, J.D.; LOURENÇO, S. (Coord.) Métodos de pesquisa em ambiente controlado. Brasília: Embrapa. 1991. p.189-273. (Documentos, 3). TACKETT, J. L.; PEARSON, R. W. Oxygen requirements of cotton seedling roots for penetration of compacted soil cores. Soil Science Society of America Proceedings, v. 29, n. 5, p. 600-605, 1964.