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Alexsandra Ferreira da SILVA
A gramaticalidade da expressão “foi quando”
Alexsandra Ferreira da SILVA1
Resumo: O presente artigo analisa os diferentes padrões de uso da expressão
“foi quando”. Adotando os pressupostos da Linguística Funcional Centrada no Uso,
partimos da hipótese de que a expressão “foi quando”, em viés sincrônico, apresenta
graus distintos de gramaticalidade em que o uso mais gramatical dessa expressão
se apresenta de maneira bastante integrada na língua, funcionando como um
conector. Para verificar nossa hipótese, procedemos a uma pesquisa sincrônica na
qual são analisadas notícias publicadas no site www.g1.globo.com, tendo em vista
a recorrência de uso da expressão “foi quando” nesse gênero textual. Através dessa
análise, identificamos três padrões de uso representativos da gramaticalidade da
expressão “foi quando”: I) [foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante]; II) [foiverb.ligação(-) +
quandoadv.relativo] e III) [foiquandoconector].
Palavras-chave: Linguística Funcional, gramaticalidade; conector.
Abstract: This paper analyzes the different usage patterns of “foi quando”. Adopting
the concepts of Usage-based Functional Linguistics, we studied the hypothesis
that the expression “foi quando”, in synchronic view, presents different degrees of
grammaticality which the more grammatical use of the term is fairly integrated in
the language, functioning as a connector. To verify our hypothesis, we conducted a
synchronic investigation through news posted on the website www.g1.globo.com,
since “foi quando” occurs frequently in this textual genre. Through this analysis,
we identified three patterns that represent the grammaticality of “foi quando”:
I) [foilinking verb(+)] e [quandointegrating adverb]; II) [foilinking verb(-) + quandorelative adverb] e III)
[foiquandoconnector].
Keywords: Functional Linguistic, grammaticality; connector.
Introdução
A língua, utilizada como instrumento de comunicação de um
povo, vem ao longo do tempo sendo transformada por seus usuários –
os falantes. Desse modo, muitos estudos linguísticos têm como ponto
de partida a observação da língua em seu uso efetivo, ou seja, a língua
como um produto construído coletivamente.
Essa postura é adotada pela Linguística Funcional Centrada no
Uso, linha teórica que constitui a base deste trabalho de pesquisa,
uma vez que o estudo da expressão “foi quando” surgiu através da
observação de seus diferentes padrões de uso estabelecidos pelos
usuários da língua.
Analisando os diferentes meios através dos quais se articulam
1 Doutoranda da Universidade
[email protected].
Federal
Fluminense.
Niterói-RJ.
Correio
eletrônico:
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as orações e períodos, chamou-nos a atenção o uso recorrente da
expressão “foi quando”, principalmente em sequências tipológicas
narrativas. Tal expressão é utilizada no texto, na maioria dos casos,
como um mecanismo de coesão sequencial, com funções sintáticosemânticas e discursivo-pragmáticas específicas.
Assim, com base no reconhecimento da importância de se
abordar os fenômenos linguísticos em seu contexto natural de uso,
procedemos a uma pesquisa piloto na qual são analisadas notícias
publicadas pelo Portal de Notícias da Globo, no site www.g1.globo.
com, tendo em vista a recorrência de uso da expressão “foi quando”
nesse gênero textual. Nessa pesquisa são observados, basicamente,
três padrões de uso da referida expressão, os quais listamos abaixo,
mas explicitaremos mais adiante:
I) [foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante];
II) [foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo];
III)[foiquandoconector].
Diante da observação dos três padrões de uso acima, partimos da
hipótese de que a expressão “foi quando”, em viés sincrônico, apresenta
graus distintos de gramaticalidade em que o uso mais gramatical dessa
expressão se apresenta de maneira bastante integrada na língua, como
uma microconstrução, nos termos de Traugott (2008), que funciona
como um conector.
Ressaltamos que, na maioria dos dados coletados, a expressão
“foi quando” é utilizada como um mecanismo de coesão, atuando como
conector. Observamos que o uso da referida expressão como elemento
de coesão parece estar se fixando na língua, na sincronia atual, em
função da automação de seu uso.
Assim, dedicamo-nos, neste artigo, à apresentação de resultados
parciais de nossa pesquisa, mostrando a expressão “foi quando” em
seus diferentes graus de gramaticalidade, em que o uso mais recorrente
dessa expressão apresenta uma leitura bastante integrada de seus
constituintes, representando o uso mais gramatical dessa expressão.
Na primeira seção, fazemos a apresentação dos pressupostos
teóricos utilizados como base para a análise de “foi quando”. Para
isso, discorremos sobre os conceitos básicos da Linguiística Funcional
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Centrada no Uso, tendo como foco os conceitos de Gramaticalização
e de Gramaticalidade. A segunda seção é destinada à metodologia,
composta pela constituição do corpus e pelos procedimentos de
análise. Em seguida, apresentamos a análise dos dados, tratando
da gramaticalidade da expressão “foi quando”. Ao final, seguem as
referências.
Pressupostos teóricos
Esta seção destina-se à apresentação do arcabouço teórico
utilizado como subsídio para análise da expressão “foi quando”.
Trabalhamos com base na Linguística Funcional Centrada no Uso
(doravante, LFCU). De acordo com Furtado da Cunha (2012), trata-se
de uma abordagem resultante da união do Funcionalismo Linguístico
norte-americano – na linha de Givón, Hopper, Thompson, Bybee,
Traugott, entre outros – com contribuições da Linguística Cognitiva –
na linha de Goldberg, Taylor, entre outros.
Nossa pesquisa fundamenta-se na LFCU, uma vez que
trabalhamos com dados de língua em uso, analisando a expressão
“foi quando” sob perspectiva de gramaticalidade. Além disso, os três
padrões de uso em que se apresenta a referida expressão levaram-nos
a um olhar mais amplo sobre a expressão “foi quando”, por meio do
modelo da Gramática de Construções.
Sendo assim, com base em conceitos advindos do Funcionalismo
e do Cognitivismo, ou seja, da LFCU, procuramos estudar os diferentes
graus de gramaticalidade da expressão “foi quando”, que, enquanto
conector, é analisada como uma construção, um pareamento entre
forma e significado. Para esse estudo, consideramos não só aspectos
estruturais como também o propósito comunicativo e o contexto
discursivo. Desse modo, apresentamos na presente seção uma
descrição da LFCU, focando os conceitos que, de fato, são pertinentes
à análise que propomos nesta pesquisa.
Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU)
A LFCU surge devido à forte e atual tendência de pesquisadores
funcionalistas estabelecerem, em pesquisas linguísticas, pontes com
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perspectivas Cognitivistas, especialmente, através do modelo da
Gramática das Construções, conforme Goldberg (1995; 2006) e Croft
(2001).
Essas pontes têm possibilitado o desenvolvimento de pesquisas
que não analisam apenas itens linguísticos independentes em um
contínuo léxico-gramática, como se fazia nos primeiros trabalhos
de base teórica funcionalista. Atualmente, as pesquisas linguísticas
funcionalistas estão voltadas para as construções que instanciam os
itens antes isoladamente estudados.
Na verdade, a linha funcionalista – que congrega conceitos como
iconicidade, pancronia, marcação, planos discursivos, informatividade,
bem como o paradigma da gramaticalização – agora com uma base
cognitivista mais sólida – principalmente em função do estudo de
construções e de processos cognitivos gerais ligados a estratégias
comunicativas como inferência, analogia, dentre outros – ganha o
rótulo de Linguística Funcional Centrada no Uso.
Para Bybee (2010), que utiliza o termo Linguística Centrada no
Uso (Usage-Based Linguistics), essa teoria se desenvolveu diretamente
do funcionalismo norte-americano e, de certa forma, é apenas um
novo nome para ele. No entanto, a autora (2010, p.14) ratifica que “a
hipótese central dessa teoria é que as instâncias de uso impactam a
representação cognitiva da linguagem”, e até mesmo concorrem para a
configuração dessa representação cognitiva através da representação
exemplar, que regula o uso linguístico e permite a mudança gradual no
que se refere às construções, por exemplo.
Sendo assim, a LFCU procura explicar a mudança linguística
a partir de novos campos de investigação, como a gramaticalização
de construções, um dos pontos centrais dessa corrente teórica. Trata
das relações entre uso, cognição e gramática, articulando pressupostos
teóricos da Linguística Funcionalista com os da Linguística Cognitiva.
Essa aproximação entre a Linguística Funcionalista e a Linguística
Cognitiva tem enriquecido a análise dos mais diversos fenômenos da
língua, incluindo a análise da expressão “foi quando”, objeto de estudo
na presente pesquisa. Partindo da observação do uso de “foi quando”
em situações reais de comunicação, pudemos observar que a análise
dessa expressão vai além da classificação sintática como conector, por
exemplo. Observamos que a função pragmática de marcador de foco e
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as relações semânticas de causa e consequência são alguns dos fatores
que possibilitam e até legitimam a função sintática de “foi quando”
como um conector.
A LFCU entende que a gramática é afetada pela experiência dos
usuários com a língua. A gramática é considerada, portanto, como uma
representação cognitiva do uso que os indivíduos fazem da linguagem.
De acordo com Furtado da Cunha (2012, p. 29-30), assume-se que “a
categorização conceptual e a categorização linguística são análogas, ou
seja, o conhecimento de mundo e o conhecimento linguístico seguem,
essencialmente, os mesmos padrões”.
Sob essa ótica, as categorias linguísticas são baseadas na
experiência e comportam-se como as categorias conceituais humanas,
ou seja, é a experiência que os indivíduos têm com o mundo que vai
possibilitar o desenvolvimento de construções gramaticais; estas,
por sua vez, são típicas e até automatizadas em certos contextos.
Por exemplo, o uso de “foi quando” como um conector é legitimado
por meio de um processo cognitivo de classificação, refinamento e
generalização que se constrói num determinado gênero textual ou
em uma sequência tipológica, tornando-se recorrente a partir das
interações comunicativas.
É
nas
relações
interpessoais,
quando
acontece
a
intersubjetivização, conforme Traugott (2010), que construções como
“foi quando” se estabelecem no repertório do falante como uma
unidade de processamento. Isso significa que é no discurso que muitos
padrões se estabelecem e vão além do que é licenciado pelas regras
gramaticais, apenas. Segundo a LFCU, a explicação para a existência
desses padrões está no âmbito da cognição e da comunicação.
Diante da forte relação entre cognição, discurso e gramática, é
importante percebermos a categorização gramatical de acordo com o
modo como os indivíduos categorizam o mundo na cognição humana e
exibem padrões no discurso. A focalização de atenção a que se presta
a expressão “foi quando”, por exemplo, é expressa claramente no
discurso, de modo que os falantes fazem dessa expressão uma unidade
de processamento que serve à focalização. A percepção cognitiva dos
usuários a respeito das diversas funções de uso de “foi quando” no
discurso implicam a existência dessa construção, enquanto conector –
uma categorização gramatical, no repertório dos falantes.
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É importante destacarmos que, na LFCU, fazem-se correlações
entre forma e significado através de uma análise focada tanto no
contexto linguístico como na situação extralinguística. Logo, esse tipo
de análise vai além de uma abordagem formal. São as expressões
situadas em um contexto que vão fornecer os dados para a descrição do
funcionamento linguístico. Os fenômenos linguísticos resultam, assim,
de um quadro pragmático, dentro do qual a semântica e a sintaxe têm
papel fundamental também.
Gramaticalização e Gramaticalidade
No âmbito da LFCU, entendemos a língua como algo dinâmico.
Assim, os limites no que se refere à categorização, por exemplo, não
são altamente precisos ou demarcados. Nessa perspectiva, a análise
é baseada em protótipos e não há o encaixamento de formas a
modelos previamente estabelecidos. De acordo com essa visão, é mais
apropriado analisarmos os itens como lexicais ou gramaticais de acordo
com as características mais ou menos prototípicas de uma classe ou
outra. Ademais, a dinâmica da língua permite que os itens oscilem
de uma categoria a outra, mudando, inclusive, seu status de lexical a
gramatical.
Nesse viés, estudam-se diferentes clines categoriais sob a ótica
da gramaticalização e da gramaticalidade. De uma forma geral, tanto a
gramaticalização como a gramaticalidade são fenômenos relacionados
à regularização de usos linguísticos. São analisados os possíveis
caminhos pelos quais as formas gramaticais perpassam no processo
de mudança, no caso da gramaticalização, ou é observada a polissemia
de determinados itens, no caso da gramaticalidade, sem alocar os
fenômenos em categorias estanques.
De acordo com Traugott (2010), a gramaticalização se refere
a um cline diacrônico, que demonstra um esquema de tendências de
mudança atestadas ao longo do tempo; enquanto a gramaticalidade diz
respeito a um cline sincrônico que pode ser estabelecido de acordo com
diferentes graus de granularidade, normalmente feito com referência
aos graus de fusão ou abstratização das estruturas. Os graus de fusão
são atestados sincronicamente e podem ser vistos, por hipótese, como
resultados de mudanças diacrônicas.
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Desse modo, é estudado o processo pelo qual diversos usos da
língua sofrem transformações, cedendo a pressões de informatividade.
Tais pressões se referem à maneira como os interlocutores constroem
os discursos para alcançar suas intenções comunicativas, que, de
uma forma ou de outra, exercem influência sobre determinados usos
linguísticos, podendo derivar em gramaticalização. O foco é a análise
da estrutura linguística como é manifestada na interação diária.
Ressaltamos que as mudanças resultantes do processo de
gramaticalização acontecem de maneira gradual, através de uma
escala unidirecional, em que as estruturas apresentam um contínuo no
que se refere à abstratização.
Metodologia
Como esse trabalho analisa a expressão “foi quando” em
contextos de uso, optamos por trabalhar com a sequência tipológica
em que tal estrutura é recorrente – narração, selecionando a notícia
como gênero textual. O objetivo é investigar o uso da expressão “foi
quando”, observando, à luz da LFCU, os fatores sintáticos e discursivopragmáticos envolvidos na motivação de tal expressão. Para tanto,
procedemos a uma pesquisa piloto proveniente de um recorte de
dados constituído por notícias, publicadas pelo portal da Globo: www.
g1.globo.com.
Constituição do corpus
Separamos 115 notícias que apresentavam o uso da expressão
“foi quando”, publicadas em www.g1.globo.com, no período de
28/04/2011 até 28/07/2011, totalizando 119 ocorrências. Delimitamos
apenas o intervalo de tempo – 3 meses. Foram extraídas todas as
notícias em que figurava o uso de “foi quando”, independentemente do
padrão de ocorrência. Esses dados foram distribuídos em três padrões
de uso:
I – Uso sem integração, representado neste trabalho como
[foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante], por se tratar de itens
independentes;
II – Uso pouco integrado, representado como [foiverb.ligação(-)
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+ quandoadv.relativo], por haver alguma integração entre seus
itens;
III – Uso integrado, representado por [foiquandoconector],
por apresentar uma leitura bastante integrada de seus
constituintes, formando uma microconstrução, ou seja, uma
sequência convencional que ocorre na língua como uma
unidade cristalizada.
Procedimentos de Análise
Quanto aos procedimentos de análise, procuramos, inicialmente,
distinguir os padrões de uso em que a expressão “foi quando” é utilizada
na língua, a fim de observar não só o modo como essas estruturas
ocorrem como também a sua frequência em cada um desses padrões.
Posteriormente, realizamos um estudo de cada um dos padrões
encontrados, através da análise expositiva de alguns dados, comentandoos e discutindo-os à luz da LFCU. Observamos os diferentes graus de
gramaticalidade e atentamos para a possibilidade de gramaticalização
da referida estrutura.
Análise dos dados
Nessa pesquisa são observados, basicamente, três padrões
de uso da expressão “foi quando”, conforme tabela abaixo. O terceiro
padrão se apresenta em três subtipos.
Tabela 1: Representação quantitativa das ocorrências de “foi quando” de acordo
com seus padrões de uso e integração.
Representação
Integração
Total: 119
I) [foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante]
Uso sem integração
26
II)[foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo]
Uso pouco integrado
08
III)a-[foiquandoconector de sequencialidade]
Uso integrado
31
III)
b-[foiquandoconector lógico]
Uso integrado
36
III)
c-[foiquandoconector argumentativo]
Uso integrado
03
Casos ambíguos
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Análise piloto do uso de “foi quando” em notícias publicadas em www.g1.globo.com,
no período de 28/04/2011 até 28/07/2011.
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Como amostra do padrão I – [foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante],
destacamos a seguinte, retirada de nosso corpus:
(01) A apresentação, feita durante o evento Expo Comm
Wireless Japan, exibiu a leitura de artigos de jornal em japonês
sendo traduzidas para inglês com alguma eficiência. Mas o
grande momento foi quando duas funcionárias da companhia
ensaiaram uma conversa com smartphones utilizando a
ferramenta. Claro que houve certo delay (ou seja, atraso na
hora da resposta), mas o conceito se mostrou perfeitamente
utilizável. (publicada em 01/06/2011)
Na amostra (01), os itens “foi” e “quando” figuram no mesmo
período, em orações distintas, atuando, respectivamente, como verbo
de ligação prototípico e advérbio com função integrante. Compõem
esse grupo os casos em que a expressão “foi quando” participa do
processo de articulação oracional denominado pela tradição como
subordinação, apresentando-se, mais especificamente, como um caso
que se assemelha às orações subordinadas substantivas predicativas.
As orações estão articuladas pelo verbo SER, presente na
primeira oração, seguido de “quando”, que inicia a segunda oração
e é considerado nesta pesquisa um advérbio com função integrante.
Nesses casos, o elemento “foi” apresenta a função de ligar o sujeito ao
seu predicativo, iniciado pela palavra “quando”.
Pode-se dizer que a oração iniciada pela palavra “quando” exerce
a função de predicativo, uma vez que se relaciona ao sujeito da oração
maior por meio de verbo SER. Sobre esses casos, Azeredo (2008, p.
315) afirma que “a versatilidade do verbo de ligação ser permite, até
mesmo, que um mais variado grupo de estruturas participe da relação
sujeito-predicativo”. Azeredo (2008, p. 316) exemplifica a citação
acima descrita com casos como: “Minha maior preocupação é quando
preciso dirigir à noite.”. Trata-se de um exemplo de oração substantiva
predicativa iniciada por “quando”, como a que destacamos na amostra
(01), retirada de nosso corpus.
Em uma abordagem um pouco diferente da apresentada por
Azeredo (2008), Neves (2000) reforça essa visão, visto que assume
que as orações substantivas podem, quanto ao modo de conexão, vir
justapostas, iniciadas por palavras interrogativas ou exclamativas.
No que diz respeito às orações predicativas, Neves (2000) mostra,
ainda, que elas podem instaurar não só uma relação de predicação,
como também uma relação de identidade com o sintagma nominal
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sujeito. Apresenta como exemplos orações com forma verbal infinitiva:
“Seu grande PROGRAMA é ficar ali, à tardinha, vendo televisão.”
(NEVES, 2000, p. 337).
Desse modo, é válido ratificar que a oração iniciada por “quando”,
presente na amostra (01) acima, apresenta essa relação de identidade.
Num tipo similar de expressão, o sintagma nominal sujeito “O grande
momento” remete a um conceito, cujo significado identifica-se à oração
“quando duas funcionárias da companhia ensaiaram uma conversa com
smartphones utilizando a ferramenta”. O referido “momento” é descrito
na oração predicativa. Essa relação de identidade é estabelecida pelo
verbo SER, considerado de ligação.
Quanto ao padrão II – [foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo], destacamos
a seguinte amostra:
(02) A história de Carol e Nick é muito bonita, mas começa
de um jeito triste. Ela é filha única de um casal de médicos.
A doutora Mery Gonzaga De Oliveira se lembra bem daquele
Dia das Mães do ano de 2005. Foi quando chegou a notícia
de que a filha estava com uma doença grave. (publicada em
29/06/2011)
Na amostra (02), temos a expressão “foi quando” estabelecendo
uma relação interperíodo, em que os itens “foi” e “quando” se
apresentam pouco integrados, atuando, respectivamente, como
verbo de ligação não prototípico e advérbio relativo. Essa expressão é
responsável por um processo de retomada da expressão de tempo na
oração imediatamente anterior, ao mesmo tempo em que faz o texto
progredir.
Tratamos esse padrão de ocorrência como um uso semiintegrado, uma vez que, enquanto o item “foi” focaliza um tempo pontual,
atrelado a uma elipse do sujeito que pode ser recuperada no período
anterior, o elemento “quando” apresenta uma relação de equivalência
com a expressão de tempo imediatamente anterior. Verificamos,
portanto, que a integração entre os elementos da expressão parece
pouco rígida, pois ainda é possível verificarmos uma função para cada
item da expressão.
O elemento “foi” pode ser considerado um verbo de ligação,
mesmo que não prototípico, uma vez que ainda é possível resgatarmos
uma espécie de sujeito que tem uma relação de identidade com a
oração evidenciada no período seguinte. Por exemplo: Naquele dia das
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mães de 2005 foi quando chegou a notícia de que a filha estava com
uma doença grave.
Além disso, o elemento “foi” funciona como o focalizador da
ideia de tempo assumida pelo item “quando”. Nesse caso, a focalização
é acionada pelo verbo SER, dando maior destaque ao acontecimento
apresentado na oração iniciada pela expressão “foi quando”. Esse
mecanismo de focalização evidencia a subjetivização presente na
expressão, conforme Traugott (2010). Trata-se da focalização de
um evento que é recrutado como de maior destaque/relevância na
perspectiva do escritor ou falante.
No que se refere ao item “quando”, podemos observar que
ele funciona como um advérbio relativo, retomando a expressão de
tempo anterior. De acordo com Azeredo (2008, p. 198), classificam-se
como advérbios relativos “os advérbios onde, como e quando sempre
que atuam com as propriedades anafóricas e conectivas do pronome
relativo”. O item “quando” retoma anaforicamente a expressão de
tempo “aquele dia das mães de 2005”, numa relação de “transposição”
(AZEREDO, 2008, p. 296).
Como amostra do padrão III – [foiquandoconector], destacamos a
seguinte:
(03) Só depois de ser atendido em um hospital particular,
o menino contou o que tinha acontecido. Ele disse aos pais
que quatro adolescentes esperavam a sala de musculação
ser aberta. Foi quando as crianças se aproximaram. Sem
nenhum motivo, um rapaz de 14 anos teria dado rasteiras no
menino, que teria batido a cabeça no chão mais de uma vez.
Os outros três adolescentes teriam impedido as crianças de
buscar socorro. (publicada em 03/06/2011)
Na amostra (03), a expressão “foi quando” é considerada um
todo construcional, atuando também em uma relação interperíodo,
como um conector de sequencialidade. Nesse caso, a expressão “foi
quando” estabelece uma relação coesiva, garantida, principalmente,
pela foricidade, que promove simultaneamente um movimento de
retomada a porções textuais diversas e de progressão sequencial.
Conforme destacamos anteriormente, este terceiro padrão,
que funciona como um conector, apresenta-se em nossos dados em
três subtipos: conector de sequencialidade, conector lógico e conector
argumentativo.
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Conector de Sequencialidade
O uso de “foi quando” como conector de sequencialidade
acontece quando tal expressão somente participa da sequenciação de
fatos. O uso de “foi quando”, neste caso, faz parte da ordenação dos
estados de coisas do mundo, reproduz iconicamente a ordenação dos
eventos da realidade, conforme a amostra (04):
(04) Segundo a Braskem, os cinco funcionários terceirizados
montavam os andaimes que seriam usados nos reparos de uma
tubulação da unidade de produção de cloro da petroquímica.
Foi quando outro duto se rompeu e os trabalhadores
foram arremessados ao chão com violência. (publicada em
23/05/2011)
Nesse caso, há uma sucessão de eventos: “os funcionários
terceirizados montavam andaimes”, “outro duto se rompeu”, “os
trabalhadores foram arremessados ao chão”. O fato de o duto ter se
rompido, registrado na oração iniciada por “foi quando”, não aconteceu
devido ao fato anterior de os funcionários montarem andaimes. Tais
eventos são expostos seguindo a uma ordem cronológica. Há uma
marcação da noção de tempo, uma vez que foi no momento em que
os funcionários montavam andaimes, que outro duto se rompeu. A
sinalização da noção temporal retoma a situação descrita anteriormente,
através de um mecanismo de coesão textual sequencial.
Destacamos, no entanto, que o evento mostrado na oração
iniciada por “foi quando” – o fato de o duto ter se rompido – é posto
na sequenciação como aquele de maior destaque ou relevância na
veiculação da informação. Quanto ao relevo discursivo, esse fato
representa a Figura, enquanto os demais constituem o Fundo. Mais
uma vez, registra-se a subjetivização presente na expressão, conforme
Traugott (2010). A ordenação dos estados de coisas do mundo real
acontece segundo a percepção ou conhecimento do locutor, que é quem
decide ou escolhe qual evento estará focalizado através da oração
iniciada por “foi quando”.
Ressaltamos, portanto, que a utilização de “foi quando” como
um mecanismo de coesão é diferente da utilização de uma simples
conjunção temporal, que inicia uma oração subordinada adverbial
temporal. A expressão “foi quando” apresenta funções semânticopragmáticas específicas, fato que evidencia o princípio da não-sinonímia
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, proposto por Goldberg (1995, p. 67). A foricidade da expressão
em estudo neste trabalho pode retomar situações diversas descritas
anteriormente, apresentando como escopo porções de texto que variam
quanto ao tamanho.
Conector lógico
Este padrão de uso corresponde ao maior número de ocorrências
entre os padrões integrados em nosso corpus. Trata-se dos casos
em que “foi quando”, além de marcar uma noção de tempo pontual,
estabelece uma relação factual de causa e consequência entre duas
proposições, de acordo com o que Koch (1987, p. 87) chama de relação
de causalidade, conforme se pode observar na amostra (05):
(05) “Ele falou que ia passar, se não abrisse ia passar, quando
eu fui ver ele já estava com o carro arrancado. O jeito de
me defender foi me apoiar no capô do carro. Ele me arrastou
por uns 10 metros e quando parou, levantei e voltei para o
manifesto. Ele me agrediu verbalmente, me xingando com
palavras ofensivas, tentou me bater, e aí eu disse ‘o movimento
é pacífico, você pode bater à vontade’. Foi quando ele
começou a me bater, com socos no rosto, na cabeça, na região
da nuca. No início era ele sozinho, em seguida apareceu um
amigo dele”, contou Victor. (publicada em 26/05/2011)
Nesse caso, há a marcação da noção temporal que sinaliza o
momento em que determinada ação acontece, focalizando tal evento.
Na amostra (05), trata-se do início da agressão física, com socos.
Ademais, verificamos uma relação de causalidade. Há a combinação
de duas proposições em que a situação descrita antes do uso de “foi
quando” revela a causa que acarreta a consequência retratada no
trecho iniciado pela referida expressão. Em outras palavras, toda a
situação tensa de agressão verbal leva à agressão física propriamente
dita, numa relação de causa e efeito.
É importante destacarmos ainda que essa relação semânticopragmática de causa e consequência se sobrepõe à ordem cronológica
que organiza os fatos na sequência como eles ocorreram. É nesse ponto
que se acusa a diferença do uso de “foi quando”, como conector de
sequencialidade, mostrado anteriormente, e conector lógico. O primeiro
serve à ordenação dos fatos em sequência, enquanto o segundo vai
além dessa ordenação. Estabelece um tipo de relação lógica entre duas
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proposições, resultantes de um único ato de fala.
Neste caso, também estamos lidando com um mecanismo
de coesão textual que, através da foricidade, estabelece a conexão
sequencial interfrástica. “Foi quando” funciona como um mecanismo
de remissão anafórica responsável por um tipo de conexão semântica
– relação de causa e efeito – que perpassa a sucessão de eventos.
Conector argumentativo
Esse padrão de uso constitui-se de casos em que “foi quando”
também remete a uma ordenação dos fatos em sequência cronológica
acompanhada de uma relação de causa e efeito. No entanto, trata-se de
relações não tão factuais em relação àquelas articuladas pelo conector
lógico, ou seja, os eventos articulados pelo conector lógico participam
da realidade externa como fatos concretos, enquanto os eventos
articulados pelo conector argumentativo são, basicamente, inferenciais.
Apesar de os usos do conector argumentativo serem constatados em
sequências tipológicas narrativas, são situações que abrem um frame
de discussões, próprio dos textos opinativo-argumentativos, em que a
relação de consequência atua no modus, no campo da inferência, como
podemos observar na amostra (06):
(06) Henrique afirma que foi isso mesmo: uma lamentável
confusão de datas. “No domingo, dia 16, que eu acreditava
que era dia 15, eu fui lá. Aí foi quando a casa caiu, tinha
percebido a besteira que eu tinha feito”, contou ele.
O rapaz de 20 anos, iniciante na carreira, diz que ficou arrasado
com o erro que cometeu. Chegou a duvidar da própria vocação.
(publicada em 22/05/2011)
Na amostra (06), também há um encadeamento que evidencia
a sequência cronológica, marcando uma noção de tempo pontual ao
mesmo tempo em que focaliza um evento: o fato de ele ter percebido
a besteira que tinha feito. Todavia, não se trata de eventos factuais. O
trecho iniciado por “foi quando” diz respeito a uma inferência do falante.
Trata-se de um trecho que foge um pouco da sequência narrativa mais
factual e passa a um tipo de conexão que apresenta uma orientação
discursiva, fornecendo ao texto uma direção argumentativa.
De acordo com Koch (1987, p. 89), os conectores argumentativos
são responsáveis por orientar o texto em determinada direção
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argumentativa e segundo a autora (1987, p. 86) esses encadeadores
de tipo discursivo atuam em atos de fala diferentes, produzindo
enunciados distintos.
A gramaticalidade da expressão “foi quando”
A partir da observação dos diferentes padrões de uso de “foi
quando”, verificamos que a referida expressão apresenta um crescente
processo de integração no qual os itens “foi” e “quando” vão se
aproximando, alcançando um status de construção, na perspectiva de
Goldberg (1995, 2006) e Croft (2001). Os elementos “foi” e “quando”
passam a ser observados como um todo de forma e sentido, que o
legitimam como um conector. A expressão “foi quando”, enquanto
conector, estabelece uma relação coesiva entre partes do texto,
acumulando algumas funções discursivo-pragmáticas específicas,
como podemos ver na amostra (07):
(07) Mas nem sempre foi assim. Quantas vezes foi preciso
deixar a colheita apodrecer no pé ou no galpão, pois não tinha
comprador ou ninguém sabia como aproveitar tomates sem
valor comercial.
Foi quando a família sofreu uma crise financeira. E decidiu
trocar a produção convencional pela orgânica e investir na
fábrica de molhos. Hoje, quanta diferença. Eles fazem parte
de uma cooperativa. E já distribui os produtos em quase todo
o país. Assim, dentro dos vidros, a colheita dá lucro o ano
todo e dá mais prazer. “Ah, sabor, é outro sabor, não contem
agrotóxico, nada. Tudo natural”, diz dona Albertina Maia, na
beira do fogão. (publicada em 22/07/2011)
Na amostra (07), “foi quando” funciona como conector lógico.
Apresenta-se em seu padrão de uso mais integrado, como uma
microconstrução, conforme Traugott (2008). Trata-se de uma estratégia
de remissão anafórica, que retoma toda a porção de texto anterior
à estrutura, promovendo, também, a progressão sequencial. Essa
progressão assume importância na organização coerente ou lógica do
raciocínio, uma vez que evidencia as relações de temporalidade e de
causalidade em que eventos factuais acontecem.
Toda a situação negativa em relação à falta de sucesso na colheita
é projetada na oração iniciada por “foi quando”, que pontua não só o
tempo quando a família sofre a crise, como também indica um efeito.
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que há a focalização de uma
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noção de tempo pontual em que a crise financeira da família acontece,
é possível verificar que toda a porção textual descrita antes de “foi
quando” configura uma causa que tem como efeito a crise destacada
na oração iniciada por “foi quando”.
Verificamos, portanto, que, na amostra (07), a microconstrução
“foi quando” estabelece uma relação coesiva entre porções de texto,
evidenciando relações semânticas específicas. De acordo com a LFCU,
notamos, ainda, que tais usos resultam de uma reinterpretação
contextual por reanálise metonímica, que determina a emergência de
um uso de “foi quando” mais integrado, como uma construção.
Entendemos essa reinterpretação como um processo de
reanálise sintática dos usos da expressão “foi quando” considerados
não integrados ou de pouca integração. Esses usos configuram possíveis
contextos favorecedores da reinterpretação contextual. O primeiro
desses usos diz respeito àqueles sem integração, no qual os elementos
“foi” e “quando” figuram como itens independentes, como podemos
ver na amostra (08):
(08) Dallas Wiens, 26, sofreu uma queimadura que o desfigurou
em 2008. Há dois meses, ele foi submetido a uma cirurgia de
15 horas para ganhar uma cara nova. Ele disse que, desde
então, o momento mais gratificante foi quando encontrou
sua filha. ‘Ela ficou maravilhada. Ela disse: ‘Papai, você está
tão bonito’’, disse Wiens numa entrevista coletiva no Hospital
Brigham and Women’s, ligado à Universidade Harvard, em
Boston. (publicada em 09/05/2011)
O segundo uso, considerado por nós como um contexto
favorecedor mais efetivo da reinterpretação contextual, diz respeito
aos usos que apresentam pouca integração. O verbo “ser” aparece
relacionado ao “quando”, como advérbio relativo, que retoma a
expressão de tempo imediatamente anterior, como podemos ver na
amostra (9):
(09) O piloto teve a perna esquerda decepada. O outro
passageiro, Jardel, sofreu ferimentos graves e traumatismo
craniano. Marrone recebeu alta na quarta-feira (4). Foi
quando começou a polêmica. Uma testemunha disse que viu
Marrone sentado do lado direito helicóptero, local destinado ao
comandante. O próprio cantor e o piloto Almir confirmaram. “Eu
estava do lado esquerdo, mas a aeronave tem duplo comando,
você pode voar de qualquer um dos lados. O Marrone estava
do lado direito”, disse. (publicada em 08/05/2011)
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Consideramos esse segundo padrão de uso, presente em (9)
- [foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo], como um caso híbrido, ocasionado
pela reanálise sintática. Em uma interpretação, “foi quando” atua de
maneira menos integrada: o item “foi” funciona como verbo de ligação
não prototípico, focalizando um tempo pontual e o elemento “quando”
apresenta uma relação de equivalência com a expressão de tempo
imediatamente anterior. Por outro lado, dado o contexto contíguo, “foi
quando” atua de maneira análoga aos casos considerados de maior
integração, atuando como um mecanismo de coesão. A diferença é
que, nesses casos, o processo de retomada remete especificamente à
expressão de tempo imediatamente anterior.
É possível afirmarmos que a abdução metonímica dos usos de
[foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo] estaria levando à reanálise da estrutura.
A reanálise permite a ampliação de um status gramatical preexistente,
criando novas formas gramaticais, à medida que, gradualmente,
alteram-se as fronteiras de constituintes em uma expressão. No caso
da expressão “foi quando”, verificamos a existência dessa alteração de
fronteiras a partir da integração do uso da referida expressão.
Desta maneira, é possível afirmarmos que a expressão “foi
quando” apresenta, através de seus diferentes usos, uma polissemia
linguística, que analisada em perspectiva sincrônica, evidencia graus
distintos de gramaticalidade, num contínuo, de acordo com Traugott
(2010). Nesse contínuo de gramaticalidade, o Estágio I compreende os
casos em que não há integração entre os elementos “foi” e “quando”;
funcionam como itens independentes. O Estágio II diz respeito aos
casos em que há alguma integração entre os itens, que aparecem
antes de uma pausa. São interpretados como casos híbridos, uma vez
que já apresentam também alguns traços característicos do Estágio
III, atuando como um mecanismo de coesão. Por fim, ao Estágio III
correspondem os usos coesivos de maior integração, interpretados
como uma construção cristalizada, disponível no sistema linguístico
atrelada a funções sintático-semânticas específicas.
Tais funções podem ser identificadas como: a) estabelecem uma
relação coesiva entre partes de texto; b) funcionam como marcadores
de foco, ressaltando a ação indicada na oração na qual figura a expressão
“foi quando”, bem como as relações de temporalidade e causalidade.
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Trata-se de funções sintáticas e semânticas que se realizam atendendo
às necessidades pragmático-discursivas do falante.
Ressaltamos, ainda, que essa integração da expressão conduz
a uma maior abstratização do uso de “foi quando”, considerado um
conector. Vale destacarmos que, enquanto conector, o subtipo conector
argumentativo revela o padrão de uso mais abstrato, portanto mais
gramatical, uma vez que articula porções textuais que representam
eventos, basicamente, não factuais, fornecendo uma orientação
discursivo-argumentativa. Nesse caso, as funções semânticodiscursivas levam as relações de temporalidade e causalidade para o
campo da inferência, constituindo graus maiores de subjetivização e
abstratização, fato que nos permite atestar maior gramaticalidade de
“foi quando”.
Consideramos os diferentes padrões de uso de “foi quando”
como uma evidência de polissemia da referida expressão. Esses
usos polissêmicos permitem a representação de um contínuo de
gramaticalidade da expressão, desde seu uso como itens independentes
até sua interpretação como um conector, revelando não só a integração,
como a crescente abstratização da expressão.
Todo esse processo representa um cline de gramaticalidade,
nos moldes de Traugott (2010), em que os diferentes graus de fusão
da expressão “foi quando” constituem uma organização sincrônica dos
dados por nós analisados:
Itens lexicais > Itens gramaticais semi-integrados > Itens integrados (construção) 2
[foiverb.ligação(+)] e [quandoadv.integrante] >[foiverb.ligação(-) + quandoadv.relativo]> [foiquandoconector]
De acordo com Traugott (2010), os diferentes graus de fusão de
uma estrutura podem ser medidos em uma perspectiva sincrônica. Por
outro lado, eles podem ser atestados, por hipótese, como resultados de
uma mudança diacrônica, observada sob a ótica da gramaticalização,
uma vez que esse fenômeno é considerado como
uma mudança através da qual itens lexicais e construções
linguísticas vêm em certos contextos para servir a funções
gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver
novas funções gramaticais. (HOPPER; TRAUGOTT, 2003, p.18).
2 O cline aqui representado é uma adaptação do cline apresentado por Traugott (2010),
baseado em Bybee, Perkins e Pagliuca (1994, p. 40), conforme segue: “phrase or word > nonbounded gram > bound gram”. Traugott (2010) analisa o referido esquema como um cline
de gramaticalidade e argumenta que ele pode ser estabelecido através de vários graus de
granularidade, tipicamente realizado com referência aos graus de fusão.
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Assim, consideramos que os diferentes graus de gramaticalidade
da expressão “foi quando” atestados sincronicamente podem ser,
por hipótese, resultantes de um processo de mudança diacrônica,
por gramaticalização. O uso mais integrado de “foi quando”, uma
construção que cumpre a função gramatical de conector, pode ser
recente na língua. Ressaltamos que pretendemos testar essa hipótese
através da análise de “foi quando” em corpora históricos. No entanto,
a análise sobre o processo de gramaticalização representa outra etapa
da presente pesquisa, em andamento.
Referências
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Paulo: Publifolha, 2008.
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foco. Recife: PPGL/ UFPE, 2012.
GOLDBERG, A. Constructions: a construction approach to argument
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NEVES, M. H. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.
TRAUGOTT, E. Revisiting subjetification and intersubjetification. IN: CUYCKENS, H.;
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Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2008.
Recebido em 24 de dezembro de 2013.
Aceito em 24 de março de 2014.
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