Marx e Polanyi. Elementos para a discussão da questão agrária. EDGARD MALAGODI Prof. Dr. Universidade Federal de Campina Grande - Paraíba- Brasil. E-mail: [email protected]. ARILDE FRANCO ALVES. Prof. Dr. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba - Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO: O problema proposto nesta comunicação é elucidar as divergências e os pontos de convergência entre a crítica da Economia Política de Marx e a crítica do mercado proposto por Karl Polanyi. A importância dessa questão pode ser medida pelo fato de ambos os autores serem referenciados nos estudos sobre as crises do capitalismo tardio que se manifesta tanto em problemas mais gerais (desemprego, estagnação, conflitos sociais e políticos, etc.) como em problemas localizados na periferia da economia e nos pontos de costura das regiões e setores desenvolvidos com as áreas e segmentos pouco desenvolvidos ou até marginalizados. Isso vale especialmente para os estudos sobre a agricultura de base familiar e camponesa. Normalmente a tradição destes autores – Marx e Polanyi – tem se mantido separada, ainda que parcialmente conhecida ou pesquisada por ambos as tradições. Ambos os autores são reconhecidos como autores referenciais para o estudo das questões emergentes relevantes da sociedade atual. Entre outras questões, Polanyi faz a distinção entre mercadorias fictícias e mercadorias reais. Para ele, terra, trabalho e dinheiro são mercadorias fictícias porque elas não foram criadas originalmente para serem vendidas no mercado. A consideração da presença dessas mercadorias fictícias no mercado permite a este autor: 1) reconhecer a inevitabilidade da presença do Estado na Economia; 2) a impossibilidade de um total “desenraizamento” da economia em relação à sociedade. Contudo, sendo muito fortes as pressões para uma economia de mercado autocontrolado, a dinâmica política e econômica das sociedades capitalistas tenderiam a tornar-se uma disputa permanente entre políticas mais estatistas e políticas mais livre-cambistas. Já para Marx, a dinâmica política da sociedade capitalista estaria determinada pela contradição e pela luta de classes, entre os polos representados pelo capital, de um lado, e do trabalho, de outro. A presente comunicação, partindo desta contextualização de ambos os autores, pretende discutir a elaboração de Polanyi sobre o recurso natural “terra” como mercadoria fictícia, contraposta à teoria da renda fundiária de Marx (renda diferencial e renda absoluta), formulada por este autor nos manuscritos preparatórios do Tomo III, de “O Capital”. O objetivo é traçar, a partir do contraponto desses autores, algumas considerações relevantes para os debates muito atuais nos países da América Latina, África e Ásia da questão agrária e das lutas camponesas nesses países. A leitura de Marx através de Polanyi, como ao revés, a leitura de Polanyi a partir da crítica da Economia Política (Marx) pode nos ajudar a elucidar questões postas pela luta pela democratização da terra. Palavras-chaves / Descriptores: renta de la tierra; cuestión agraria; renta absoluta; recursos naturales; naturaleza como mercancía; reforma agraria. INTRODUÇÃO E DESEMVOLVIMENTO DO TEMA O objetivo desta comunicação é propor alguns elementos de contraponto entre a crítica da Economia Política de Karl Marx e a crítica do mercado proposto por Karl Polanyi, autores fundamentais na crítica do atual modo de produção capitalista. Faz parte de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida há vários anos. Pretende-se também, dentro do espaço destas páginas, tecer algumas considerações relevantes para os debates nos países do Sul (América Latina, África e Ásia) da questão agrária e das lutas camponesas nesses países. Tradicionalmente a questão agrária foi entendida como o problema representado pela propriedade fundiária – a propriedade privada da terra – entendida como elemento de exploração e expulsão dos camponeses da terra. Assim, os elementos cruciais da questão agrária aparecem na obra de Marx, em dois momentos principais: na elaboração da teoria da renda da terra em sua obra principal, O Capital, e nas diversas elaborações de Marx sobre os camponeses. É de se notar que, no que diz respeito aos camponeses, foi principalmente posteriormente à morte de Marx que o debate se tornou mais intenso, mais precisamente no momento em que alguns autores formaram a chamada “ortodoxia marxista”. Tratemos inicialmente do debate em torno da obra de Marx. A preocupação com os temas agrários – com os camponeses, de um lado, como classe social explorada e dominada, e com a propriedade privada da terra, como elemento de dominação e exploração – está presente em toda a trajetória teórica de Marx, demarcando posições diferenciadas e avanços substanciais. É no final da década de 1850 que Marx define os parâmetros fundamentais da sua obra teórica. Os Grundrisse1, manuscrito de 1857-1858, marcam um novo desenvolvimento de suas idéias econômicas e a elaboração de uma nova concepção da crítica da economia 1 Grundisse der politischen Ökonomie – Fondamentos de la crítica de la Economia Política, nome editorial de seu manuscrito dessa época marca o reínicio de um novo e definitivo momento teórico de Marx. política, logo seguido por outro manuscrito, cujo título é 'Zur Kritik der politischen Ökonomie' (1859) (Para a Crítica da Economia Política), cujos dois primeiros capítulos e um prefácio famoso foram publicados em 1859. A publicação é interrompida para permitir a Marx realizar estudos mais aprofundados e abrangentes sobre o modo de produção capitalista como um todo. Marx retoma então suas leituras sobre a teoria da renda fundiária de Adam Smith e David Ricardo (além de outros temas e autores), fazendo, a partir deste momento, uma nova tentativa de crítica à teoria da renda da terra de Ricardo, mas agora com base na teoria do valor-trabalho. Embora Marx ainda demonstre suas simpatias para as teorias de Adam Smith, escrevendo os manuscritos do que viria a ser O capital, Marx assinalou muitas vezes a incoerência de Smith em respeito à determinação dos preços com base na teoria do valor-trabalho. Marx se mostra cada vez mais interessado em superar o dualismo de Adam Smith e se empenha na busca de uma teoria da renda da terra que deveria ser totalmente consistente com a teoria do valor; portanto, o seu próprio problema era encontrar um tipo de renda da terra que não tivesse sua razão de ser no simples aumento dos preços dos produtos agrícolas motivado pela imposição do proprietário de terra sobre os agricultores capitalistas ou camponeses, pois a imposição pura e simples de uma renda, independente da formação dos preços, representaria uma quebra da lei do valor. Nesse contexto, ele estava muito impressionado com coerência de Ricardo, em relação à teoria do valor-trabalho, mas segundo esse autor, em matéria agrícola a renda da terra nunca seria algo além de lucros extraordinários, apropriados pelo landlord. Para Ricardo a renda da terra só é possível como renda diferencial. Portanto, apenas a terra melhor situada e mais fértil poderia produzir uma renda. Pois para Ricardo os preços do cereal não são determinados pela necessidade de pagar as rendas, mas os aluguéis pela terra eram pagos porque havia um lucro extraordinário que o agricultor não precisava incorporar aos seus lucros.2 O problema todo para Marx consistia na seguinte questão: como os proprietários podem cobrar uma renda sem ferir a teoria do valor e sem que essa renda signifique simplesmente lucros extraordinários, ou seja, a transferência da renda diferencial dos agricultores para o proprietário da terra? Tentando descobrir uma maneira de tornar possível uma renda fundiária, paga não porque a terra era mais fértil, mas porque o senhorio obriga o agricultor a pagá-la, Marx trata de explorar a diferença entre o valor e o preço de produção. Nesse contexto, 2 RICARDO, 1988; MALAGODI, 1993ª. ele examina o efeito das diferenças na composição orgânica do capital, no setor agrícola e no setor industrial. Sugerindo que o sector agrícola é menos desenvolvido do que industrial, a composição orgânica do capital – a relação entre o capital variável e o capital constante – seria também mais baixa, de modo que a percentagem de capital variável em relação ao constante seria maior do que no sector industrial. Supondo-se que há uma taxa igual de mais-valia para toda a produção na sociedade, o sector que dispende proporcionalmente mais capital variável e, portanto, mobiliza mais trabalhadores, produziria uma massa maior de mais-valia. Esse seria o caso do sector agrícola, e nesse caso, a quantidade de mais-valia produzida seria maior do que no sector industrial. Com isso, o valor da mercadoria agrícola teria uma magnitude superior ao seu preço de produção (sendo o preço de produção constituído pelo custo do produto mais um percentual médio, a taxa de lucro, estabelecido igualmente para o setor agrário e o setor industrial). Como a mais-valia obtida seria maior, o proprietário de terras poderia explorar essa diferença e cobrar uma renda do produtor rural seja ele um trabalhador ou um empresário rural. Nesse caso, a classe dos latifundiários poderia exercer pressão sobre os agricultores e obriga-los a pagar um aluguel pela terra, sem ferir a teoria do valor.3 Nos manuscritos 1861-2 (publicado pela primeira vez como Teorias mais-valia – Theorien über den Merhwert), Marx concluiu que seria a única base normal para uma renda absoluta.4 Em seguida – nos anos posteriores, inclusive posteriormente à publicação do primeiro livro de O Capital – Marx trabalhou na transformação geral dos valores em preços de produção (finalmente publicado como as duas primeiras seções de Capital III, em especial, o Capítulo 8). Agora, ele tem diante de si a necessidade de encontrar uma solução geral para o problema da transformação dos valores em preço de produção – não apenas para resolver o problema de um setor da economia, mas encontrar uma solução para acerto entre os produtores individuais, que competem entre si, como também a competição entre os setores da economia que se relacionam entre si. Um problema geral – o problema da interação entre as esferas de produção e circulação – cuja solução deveria também ser geral. 5 3 MALAGODI, 1993b. MARX, 1980, vol. Cap. 8º. ao 10º. 5 O processo de transformação de valores em preços de produção, que foi originalmente concebido para explicar a possibilidade de uma renda fundiária absoluta, na verdade, foi um passo no caminho para descobrir a grande solução para um problema geral da economia capitalista: a transformação de valores 4 Desaparecem assim as bases teóricas para uma teoria da renda absoluta. Fica a renda diferencial, e fica a questão da exploração promovida pela propriedade privada da terra sobre os camponeses. Diante de tal quadro teórico, impõe-se a questão: que efeito teria tal entendimento da propriedade fundiária para nossas análises da economia agrária e dos movimentos camponeses? Qual é a relação entre a teoria da renda do solo e a questão agrária? Particularmente em vista dos países do Sul (América Latina, África e Ásia), que novas questões devem ser retomadas e reavaliadas? Como entender a movimentos camponeses e sua relação com a economia? Em Polanyi, há a percepção que a terra é submetida ao sabor de uma economia de mercado, ou seja, passa a ser envolvida e controlada por um processo histórico cujo elemento definidor das relações sociais de produção é um mercado autocontrolado. Como resultado, a própria natureza se transforma em mercadoria, e com isso a terra deixa de ser um bem para uso livre dos seres humanos, criando um óbice para o livre exercício do trabalho, e os produtos do trabalho na terra – os alimentos e matérias primas orgânicas – tornam-se também mercadoria. (cap. 15, de The Great Transformation). Ele expõe detalhadamente, com exemplos, como esse processo ocorreu nos países da Europa, mas observa também as consequências dramáticas para os países coloniais e dependentes. “Superficialmente, havia pouca semelhança nas respostas a esses desafios e, no entanto, eles foram estágios na subordinação da superfície do planeta às exigências de uma sociedade industrial. O primeiro estágio foi a comercialização do solo, mobilizando o rendimento feudal da terra. O segundo foi o incremento da produção de alimentos e de matérias primas orgânicas, para atender as exigências, em escala nacional, de uma produção industrial em rápido crescimento. O terceiro foi estender esse sistema de produção excedente aos territórios de além-mar e coloniais. Com esse último passo, a terra e sua produção se inseriram finalmente no esquema de um mercado autoregulável.” (POLANYI, 2000, p. 215) Assim, sendo muito fortes as pressões para uma economia de mercado autocontrolado, a dinâmica política e econômica das sociedades capitalistas tenderiam a tornar-se uma disputa permanente entre políticas mais estatistas e políticas mais livreem preços de produção, numa base universal (geral) para a formação de preços de mercado. Nos últimos anos, com a edição MEGA-2 das obras completas de Marx, incluindo os manuscritos e sua datação, especialmente referente aos materiais referentes ao Livro III do Capital, nos fornecem subsídios fundamentais para confirmar essas considerações. cambistas. Nos países do Sul observamos a existência de movimentos sociais e expressões notáveis apontando para a necessidade da reforma agrária, como também de políticas públicas que fomentem a agricultura familiar camponesa e que atuem contra os entraves que limitam o desenvolvimento e a consolidação da economia de base familiar e camponesa. Mas tem também posições muito aguerridas que concentram suas forças na defesa do livre jogo do mercado e na pregação do afastamento do Estado de políticas de apoio à agriculturas de base familiar e camponesa. No caso do Brasil, nos últimos anos, alguns autores passaram a negar não apenas a existência da questão agrária, mas a relevância das políticas públicas direcionadas à reforma agrária, supondo-se sumariamente que esta já estaria totalmente superada pelo desempenho comercial das commodities agrícolas.6 Argumenta-se ainda que os movimentos sociais rurais teriam perdido sua razão de ser, e estariam, com suas ações “radicais”, escondendo a perda de foco e a falta de sentido social e histórico. O pressuposto desses autores é que o desempenho da agropecuária brasileira teria colocado uma pá de cal nos debates e mostrado por si só o caminho do futuro e da solução das questões sociais e políticas ligadas à posse e uso da terra no país, fazendo cair por terra as históricas aspirações reformistas de tantos quantos já desejaram uma reforma ampla da estrutura agrária no Brasil.7 E, do outro lado, do lado dos movimentos sociais, estes estariam descaracterizados e estariam sendo instrumentalizados por dirigentes impregnados de uma ideologia autoritária. Nesse contexto os questionamentos à estrutura agrária brasileira, a denúncia do problema social no campo, etc., seriam problemas de outrora, especialmente dos anos 50 e 60 quando a agricultura brasileira, então dominada pelos latifúndios improdutivos, estava estagnada e não estava realizando seu papel de dinamizar a industrialização e a economia como um todo. Hoje tais problemas estariam totalmente superados pelo boom do agronegócio, ao mesmo tempo em que as demandas dos movimentos sociais deveriam ser tão somente objeto de políticas sociais compensatórias. Observa-se, portanto, que a posição neoliberal de defesa do mercado auto regulável está em pleno vapor, apoiada no êxito da exportação das commodities rurais. Enquanto por outro lado, vastos segmentos de camponeses e agricultores sem terra continuam sofrendo um processo de empobrecimento e expulsão de suas terras. É o processo que vivemos nas economias do Sul. Chama a atenção que, ao invés de termos 6 7 BUAINAIN et al. 2013; BUAINAIN et al. 2014. NAVARRO 2013. um amplo debate sobre a necessidade da reforma agrária e da eficiência das políticas públicas para os diversos segmentos de agricultores familiares e camponeses, aliás bastante diversificados entre si, o que se observa de fato é, por um lado, um esforço deliberado em condenar as propostas reformistas e negar a necessidade do aperfeiçoamento das políticas públicas para o setor rural. Propõe-se tão somente entregar ao sabor do mercado auto-regulável o destino de milhões de agricultores, assim como manter indefinidamente, ainda que marginalmente, vastas áreas do país entregues a proprietários rurais voltados à especulação fundiária. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em Polanyi, duas idéias: primeiro, a terra faz parte do território nacional, e deve servir primeiramente à comunidade; em segundo, na história da Europa, a defesa da terra como meio de trabalho ficou por conta dos camponeses e quem se colocou a seu lado. Fica evidente que as instituições do capitalismo – o mercado e a acumulação ampliada do capital – desenvolvem processos de exclusão, e o campesinato teve sempre quer lutar com suas próprias forças, e com eventuais forças aliadas, nem sempre provindas dos setores supostamente mais progressistas (no caso dos países da Europa) e ligados aos movimentos dos operários urbanos. A respeito da história da industrialização e da crise agrária na Europa, observa Polanyi: “As classes trabalhadoras foram conquistadas pelo livre comércio quando se tornou aparente que ele tornava o alimento mais barato. Os sindicatos profissionais se tornaram os bastiões do antiagrarismo e o socialismo revolucionário estigmatizou o campesinato do mundo como massa indiscriminada de reacionários.” (Op.cit. p. 219) Portanto, Karl Polanyi nos ajuda reconhecer a inevitabilidade da presença do Estado na Economia, e a necessidade da reforma agrária e de políticas públicas de fomento da agricultura de base familiar e camponesa como mecanismos de enfrentamento da barbárie do livre-mercado, do mercado autorregulado; em segundo lugar, a idéia da impossibilidade de um total “desenraizamento” da economia em relação à sociedade tem justamente esse caráter: a necessidade de pressionar o Estado na busca de garantias para a sobrevivência de formas sociais historicamente e 8 NAVARRO, 2014. culturalmente relevantes, o que somente será possível a partir de mecanismos criados conscientemente. Essa idéia aponta também para a importância dos movimentos sociais do campo, especialmente os movimentos camponeses. Voltando a Marx e às questões formuladas acima, podemos reconhecer as dificuldades teóricas da “teoria da renda absoluta”, cujos efeitos analíticos e práticos nunca ficaram claros para ninguém. Fica a questão da exploração promovida pela propriedade privada da terra sobre os camponeses. Mas esta relação não necessita de uma teoria de “renda absoluta” para a sua compreensão. A propriedade fundiária rentista, enquanto exerça a sua dominação sobre as famílias de camponeses e trabalhadores não precisa de uma “teoria da renda absoluta”, pois a exploração econômica se faz como uma exploração direta dos trabalhadores, e não pelo aproveitamento da diferença entre valor e preço do produto. São salários muito baixos, pagamentos pelo trabalho abaixo do custo da reprodução da força de trabalho, ou até, são rendas que se produzem à parte, depois que o trabalhador – ou camponês submisso produziu na terra o seu próprio sustento. Diante de tal quadro teórico, impõe-se a questão: que efeito teria tal entendimento da propriedade fundiária para nossas análises da economia agrária e dos movimentos camponeses? Qual é a relação entre a teoria da renda do solo e a questão agrária? Particularmente em vista dos países do Sul (América Latina, África e Ásia), que novas questões devem ser retomadas e reavaliadas? Como entender a movimentos camponeses e sua relação com a economia? Com relação à renda diferencial, este é um aspecto que temos que observar com muita atenção, pois é aí que se forma a enorme massa de lucros e superlucros na atividade agrária. Primeiramente, a busca e ocupação das melhores terras continuam a ser o movimento mais forte do capital na agricultura. Assim, a renda diferencial é o elemento-chave para explicar a ocupação das melhores terras, a expansão da produção de grãos em países como o Brasil, enfim o movimento do grande capital na agricultura. Este movimento pode explicar a luta política nos países do Sul (América Latina, África e Ásia) depois da independência e também pode explicar o movimento de capital estrangeiro para os recursos minerais, extração de ferro, alumínio e outras jazidas, além do petróleo. Em segundo lugar, podemos indagar o que acontece com a terra menos fértil? Este tipo de terra não pode obter o investimento de capital e tende a tornar-se obsoleto e desocupado. Como resultado desta situação os pequenos agricultores e camponeses podem assumir a produção e fazer algum desenvolvimento neste tipo de terreno. Mas este espaço dos camponeses, justamente por estar afeto às terras de menor qualidade, precisa receber um forte aporte de recursos do Estado, a custo perdido, pois aí os camponeses enfrentam as maiores dificuldades de empreender algum tipo de desenvolvimento sustentável. Temos também que observar um outro, terceiro aspecto, muito frequente: se os camponeses e os agricultores pobres fazem um melhoramento e a terra se torna produtiva, ou então se as terras se tornam mais valorizadas por efeito de obras de infraestrutura construída nas imediações, o capital especulativo começa a aparecer nessas áreas, surge um forte interesse de empresários de fora para comprar estas terras e começa haver um processo de violência e grilagem de terras. Um quarto aspecto que podemos derivar desse novo entendimento da teoria da renda fundiária, é a constatação de que não existe a suposta contradição intransponível e um choque absoluto de interesses entre proprietários de terra, especialmente grandes, e os demais empresários capitalistas, ao contrário da compreensão da propriedade privada da terra como uma barreira ao desenvolvimento e livre expansão do capital, como supunham alguns teóricos (KAUTSKY, 1984; e mais recentemente, Terry Byres apud NAVARRO, 2014). Ao contrário, proprietários de terra e empresários capitalistas, especialmente do capital financeiro, podem estar juntos contra os camponeses e pequenos proprietários. Também politicamente, a burguesia industrial pode dar apoio à grilagem de terras e aos segmentos mais atrasados da propriedade da terra, fazendo alianças uma vez que seus interesses não são contraditórios. Um último aspecto, em quinto lugar, uma vez que os camponeses e os pequenos agricultores são expulsos para as terras menos férteis, e porque há sempre intermediários criando mecanismos de extorsão, eles precisam de políticas especiais tanto voltadas para a produção como para a comercialização. Mas eles podem ser muito produtivos e desempenham um papel importante no desenvolvimento de nossos países, dado seu número e capacidade criativa. Em face desta situação social no campo, a existência de um debate amplo com a população urbana e de políticas públicas eficientes representam condições imprescindíveis. REFERÊNCIAS. 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Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA. (Vol. 23) Mai/Ago 1993a. MALAGODI, Edgard. Formas e limites do capitalismo no campo. Uma leitura crítica de Smith, Ricardo e Marx. São Paulo, PUC (Tese de Doutoramento). 1993b MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico: livro 4 de O Capital. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. São Paulo: DIFEL, 1983. Cf. MARX, K. in MEW (MARX-ENGELS WERKE), Berlin, Dietz Verlag,Vol. 26.2, 1974; cap. 8º. ao 10º. NAVARRO, Zander. Pá de cal na reforma agrária. – In O Estado de S. Paulo (jornal) 21 de setembro de 2013. NAVARRO, Zander. Por que não houve (e nunca haverá) reforma agrária no Brasil? In BUAINAIN, A. M., ALVES, E., SILVEIRA, J. M. DA, NAVARRO, Z. (Orgs.). O mundo rural no Brasil do século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola. (por Antônio Márcio Buainain, Eliseu Alves, José Maria da Silveira, Zander Navarro, editores técnicos). Brasília, DF: Embrapa, 2014. POLANYI, Karl. The great transformation: the political and economic origins of our time. 2nd Ed. Beacon Paperback ed. 2001. Citado edição brasileira: POLANYI, Karl. A Grande Transformação: As origens de nossa época. 7a. edição. Rio de Janeiro: Campus, 2000. RICARDO, D. Princípios de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.