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A construção da performance transcendente a partir da experiência de
pianistas de alto desempenho
Lígia Moreno Silva da Mata
Universidade de Brasília
Programa de Pós-Graduação Música em Contexto – PPGMUS – UnB
[email protected]
Resumo
Este trabalho explora o momento específico do pianista no palco e a maneira como se
dá a construção da performance transcendente, a partir do ponto de vista de pianistas de
notório reconhecimento. Através do estudo das entrevistas e dos resultados providos de
trabalhos que investigam o tema da transcendência na música, tendo por base os
conceitos trazidos pela revisão de literatura, objetiva-se verificar o reconhecimento, a
ocorrência e as características de elementos que poderão servir como auxiliares para o
entendimento e construção da performance transcendente.
Palavras-chave: palco; performance musical; pianista; transcendência.
Introdução
O processo de construção e realização da performance musical é algo de extrema
complexidade, que remete à uma variedade de componentes, como tempo e esforço
empregados; habilidades (mentais, físicas e emocionais) adquiridas e desenvolvidas; e
capacidade de análise do que está sendo feito e de adaptação às mais diversas
situações1, dentre outros. O desafio de estar constantemente no palco, tendo que lidar
com todos os elementos externos (inerentes à rotina de um músico concertista) e ainda
tendo que manter o foco na essência musical, é algo que chega a ser quase sobrehumano.
Mary Alberici (2004) define a performance musical transcendente como “a experiência
de elevar-se acima dos medos e preocupações mentais e físicas normais em direção a
uma experiência de pico que é lembrada e perseguida vez após vez2” (ALBERICI,
2004, p. 22).
Bennet Reimer, por sua vez, traz um conceito mais filosófico, agregando ao termo
transcendência elementos que remetem à Doutrina dos Ethos (Grécia Antiga):
“Este poder atinge as próprias raízes da condição humana – de que os
humanos são conscientes de sua existência individual e coletiva em um
mundo que igualmente os inclui e os transcende, no qual eles são
dependentes de vida e significado e para o qual contribuem com vida e
significado3”. (REIMER, 1995, p.1)
Alf Gabrielsson, em seu livro Strong Experiences With Music, faz uma síntese do que
seria a transcendência durante uma performance musical:
“Algumas vezes o fazer musical acontece de uma forma muito melhor do
que o habitual: há uma capacidade de superação, tudo parece acontecer por si mesmo, o
indivíduo desfruta grandemente e pode continuar fazendo isso para sempre (...). Tudo parece
acontecer por si mesmo sem qualquer forma de esforço, e é um puro deleite continuar com
isso4”. (GABRIELSSON, 2011, p.5).
Como chegar a esse nível de equilíbrio e fusão entre a performance em si (seu preparo e
momento de realização) e os elementos internos (do performer) e externos (não estão
sob o controle do performer) que a permeiam e afetam? Que elementos internos e
1
KRAMPE E ERICSSON, 1995; CLARKE, 2002; GRUZELIER & EGNER, 2001/2002.
No original: “The experience of rising above normal physical and mental fears and concerns
to a peak experience that is remembered and sought after again and again.”
3
No original: “This power reaches to the very roots of the human condition – that humans are
conscious of their individual and collective existence in a world both including
them and transcending them, on which they are dependent for life and meaning
and to which they contribute life and meaning.”
4
No original: “Sometimes the music making goes much better than usual: one surpasses one’s ability,
everything seems to happen by itself, one enjoys it enormously and can go on doing it forever (...).
Everything seems to go by itself without any form of exertion at all, and it is a pure delight to keep on
with it.”
2
externos seriam esses e como podem afetar a performance musical? O que seria, então a
transcendência na performance, a partir desses elementos?
A partir do panorama exposto e da conceituação do termo central que permeia este
trabalho se propõe a explorar essas questões de pesquisa, a partir da literatura existente,
dos trabalhos já elaborados sobre este tema e, sobretudo, com base nas opiniões cedidas
pelos entrevistados (pianistas de notório reconhecimento, com carreira solidificada
internacionalmente).
Metodologia
Foi realizado um estudo de entrevistas, com base nos depoimentos de 2 pianistas de
projeção internacional, a saber Nelson Freire e Maria João Pires. As entrevistas, em
formato semiestruturado, com duração de 52 minutos e 1h44, respectivamente,
forneceram a base de dados, que foi analisada de acordo com o método de Análise de
Conteúdo (Bardin, 2009) e comparada com os conceitos obtidos na revisão de literatura
e os trabalhos que contemplam este tema.
Os dados obtidos nas entrevistas apontam os seguintes resultados e conclusões:
1. O palco é um lugar perigoso, cheio de armadilhas e ilusões, e igualmente
carregado de desafios e dificuldades.
2. Estar no palco faz parte da rotina de um músico concertista, porém é
fundamental aprender a estar nele, sem deixar que o resultado do estar nele
(independente de qual seja) afete o artista e sua relação com a música.
3. A busca musical do artista precisa ser verdadeira, sincera e destituída de
vaidade e do “eu”, pois ele deve ser apenas um condutor, um transmissor da
mensagem, e não a mensagem em si.
4. É indispensável ao artista que ele, a todo o momento, se autoanalise e se
perceba (tanto no palco como fora dele), entendendo seu papel e seu lugar
dentro do “todo”.
5. No momento em que o intérprete deixa de ser o foco e passa a ser apenas o
canal, então ele transcende todos os elementos que não são essenciais à
música, se conectando de forma integral à música e sua mensagem.
Referências
ALBERICI, M. (2004). A phenomenological study of transcendent music performance
in higher education. Unpublished doctoral dissertation, University of Missouri-St.
Louis.
BARDIN, L. (2009). Análise de Conteúdo Ed. Revista e Actualizada. Edições 70, LDA.
Lisboa/Portugal.
BERNARD, R. (2009). Music Making, Transcendence, Flow, and Music Education.
International Journal of Education & the Art, 10 (14).
REIMER, B. (1995). The experience of profundity in music. The Journal of Aesthetic
Education, 29 (4), 1-21.
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