Do conceito de cidade do livro didático para uma leitura das territorialidades da cidade de São Caetano do Sul: análise de uma experiência no ensino médio. David Augusto Santos Diversos são os debates sobre os rumos do ensino da educação básica pública no Brasil, que varia desde os discursos da academia, passando por de representantes de estado, até o professor que leciona na periferia de uma capital ou dos interiores de Brasil. E quem pode melhor dizer sobre a dinâmica da escola pública é o professor. Pois ele é o agente que faz a intermediação entre o conhecimento cientifico e o aluno que vai desde uma leitura de texto, um debate ou mesmo uma conversa sobre os problemas do bairro. A escola em que atuo como esse agente intermediador do conhecimento cientifico de uma área do conhecimento com os alunos, está localizada na região metropolitana de São Paulo no município de São Caetano do Sul. A EME Profª Alcina Dantas Feijão é uma das escolas mais antigas e a maior em infra estrutura, número de alunos e professores do município, onde funciona o ensino fundamental I, ensino fundamental II, ensino médio e o ensino profissionalizante. A escola possui dinâmicas territoriais, sociais de forma e ritmos diferentes ao longo de um dia, num mesmo ambiente geográfico possui variados fluxos( SANTOS: 1998) de intencionalidades conforme a realidade do nível da educação básica em que se atua. E dentro dessa dinâmica escolar, atuo como professor de geografia do ensino médio. A proposta desse artigo é apresentar os resultados de um procedimento de ensino que envolve uma relação aluno-professor a partir de uma temática de aula que é a cidade e o território. E como professor da escola pública um dos poucos recursos para as nossas práticas pedagógicas que possuímos é o livro didático. No entanto o meu esforço não foi ficar preso só ao livro didático, mas como fazer com que os conceitos de cidade e território tenha um significado que vai além das tabelas e dos textos do livro didático? I – O Livro didático da escola Na escola o livro didático de geografia adotado atualmente foi selecionado dentro de uma variedade dos livros conceituados pelo Programa Nacional do Livro Didático do ensino médio no ano de 2008. O livro utilizado na escola é: Geografia Volume Único do Ensino Médio. Editora Scipione – São Paulo, ano de publicação: 2007. Autores: João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene. Anterior ao livro didático a escola adotava para os alunos do ensino médio um sistema apostilado. Lembrando que seja um livro didático ou sistemas apostilados envolve agentes como especialistas, autores, editores, autoridades, professores onde necessita constantemente ser desenvolvidos pesquisas, críticas e discussões para melhorar a qualidade dos livros didáticos. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 II – Procedimento de ensino, o que fazer? São tantas indagações, situações do cotidiano e o ritmo de lecionar em mais de duas escolas para sobreviver faz com que muitos professores no cotidiano escolar utilizem o livro didático de forma constante sem nenhum questionamento de ordem epistemológica dos conceitos abordados ou o discurso dos autores no livro. A temática de aula para o terceiro trimestre de 2009 segundo o planejamento era a cidade, urbanização e a relação campo-cidade. Entra a questão, como ensinar essa temática? Segundo SCARPATO(2004): “uma prática docente deve ser repleta de idéias, reflexões, leituras, discussões. Os professores querem sempre ensinar os seus alunos; porém, mais que ensinar, querem que aprendam e se interessem pelo que vão aprender, para que esse conhecimento seja significativo(...)”. No ensino de geografia é muito importante que o aluno vivencie um processo de apropriação significativa dos conceitos abordados em sala de aula com o seu cotidiano. Analisando o livro didático as unidades que enfoca as categorias de cidade é a unidade 7. Como ensinar cidade junto com a categoria de território? Por que a categoria de território está em outra unidade do livro? Qual conceito de território utilizar? Como correlacionar a abordagem dos autores do livro com a escala de vivência dos alunos? Como fazer que os alunos percebam isso no seu cotidiano? Questões essas que me indagou a refletir por onde começar, como começar essa temática na sala de aula. Enquanto a unidade 7 do livro trata das questões da cidade, o conceito de território é enfocado na unidade 4(industrialização e geopolítica). A proposta inicial foi analisar a possibilidade de correlacionar a cidade de São Caetano do Sul com essa temática. III – a cidade no livro didático Na unidade 7 (o espaço urbano e o processo de urbanização) está dividido em 3 capítulos. Capítulo 1 ( o espaço urbano do mundo contemporâneo); capítulo 2 (as cidades e a urbanização brasileira); capítulo 3( impactos ambientais urbanos). Os autores iniciam a unidade antes de uma definição de cidade, os processos de urbanização no mundo com definições “ em todo o mundo, há cidades pequenas, médias, grandes e gigantescas. Há as mais bem equipadas e aquelas com precária infra-estrutura, nas quais não há saneamento, pavimentação, transporte eficiente, coleta de lixo etc.”(p 471). Ou seja, inicia-se uma discussão no livro sobre os processos e problemas da cidade de ordem espacial e social sem definir o conceito. Somente na página 487, o autor começa no capítulo 2 com a seguinte abordagem: “o que consideramos cidade?”. Diante do texto apresentado ele não propõe uma definição, mas enfoca o que pode definir uma cidade como por exemplo a questão demográfica, a extensão territorial, a visão do IBGE. O que percebe a nos exercícios propostos são questões que enfoca uma leitura mais de Brasil e mundo do que do lugar de vivência, ou seja, o autor também não propõe uma Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 atividade que possibilite trabalhar os processos da dinâmica da cidade correlacionando com cotidiano do aluno. O que devemos enquanto professor-pesquisador é ter um olhar crítico sobre livro didático, mas tendo a plena consciência que ele não é a única base para um professor, mas como um auxílio durante as aulas. Pois conhecer a cidade envolve o sentimento de pertencimento e envolve o espaço percebido e vivido e o desenvolvimento da cidadania. E como a geografia escolar contribui nisso? Segundo DAMIANI no livro “a geografia na sala de aula”(p.50): “A noção de cidadania envolve o sentido que se tem do lugar e do espaço, já que se trata da materialização das relações de todas as ordens próximas ou distantes. Conhecer o espaço é conhecer a rede de relações a que se está sujeito, da qual se é sujeito. A alienação do espaço e cidadania configuram um antagonismo a considerar”. A geografia enquanto disciplina escolar pode correlacionar os conceitos dos livros didáticos com a rede de relações que possibilite o exercício da cidadania e não ficar apenas com discursos de uma realidade distante sobre cidade com os alunos. IV – a cidade na sala de aula. De certa forma, no ensino médio surge uma preocupação entre os alunos. O vestibular. Diante desse momento de preocupações entre os alunos resolvi trabalhar a temática cidade em duas perspectivas: a abordagem que os vestibulares enfocam sobre a temática e depois a proposta de um olhar para São Caetano do Sul. Nas duas primeiras semanas do terceiro trimestre enfoquei os conceitos de que eles precisavam para o vestibular: urbanização, rede urbana, problemas da cidade, relações entre cidades em uma rede urbana, metrópole, megalópole e as principais cidades do mundo. V – São Caetano do Sul, como a percebemos? O espaço geográfico de São Caetano possui diversas territorialidades ao longo dos momentos históricos assim como a relação de transformação entre sociedade-natureza é determinado por conflitos devido às diversas necessidades de uma sociedade de classes. Atualmente a cidade vende uma imagem que é o resultado de um processo histórico-geográfico que no passado foi de fazendas de imigrantes europeus e do predomínio do setor industrial da família Matarazzo, e que na atualidade os sistemas de ações e os sistemas de objetos do município possuem uma outra territorialidade, que segundo GIROTTO(2009) : “Em São Caetano vende-se a cidade ideal, sem problemas urbanos, marcada pela qualidade de vida sócio-ambiental, pelos Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 elevados índices de IDH. Vende-se a cidade sem favelas, sem periferia, no qual o direito à cidade, pelo menos em discurso, está a todos garantidos. Vende-se a imagem de alguns bairros, de algumas famílias; ocultam-se, porém, tantas outras que, por vários motivos, não devem fazer parte deste marketing urbano que se quer construir.” Hoje na paisagem geográfica de São Caetano percebemos a influencia forte de um marketing urbano nas principais avenidas e é comum ver propagandas ligadas ao setor imobiliário como: “melhor IDH do Brasil”, “o melhor lugar para se viver”ou “faça o melhor negócio na melhor cidade”. E dentro dessa lógica percebe-se as condições ao acesso do solo urbano onde o setor imobiliário redefine a utilização desse solo. O espaço geográfico não é apenas a materialidade dos fixos mas também a dinâmica dos fluxos nos lugares. E os fluxos de uso e ocupação do espaço sancaetanense reflete o poder das famílias tradicionais principalmente de imigrantes italianos fazendo uma geografia do poder de São Caetano do Sul. É comum os fixos da cidade(escolas, postos de saúde e praças) ter o nome dessas famílias tracionais e os fluxos das territorialidades assim como a percepção da população local envolve a extensão territorial que de acordo com GIROTTO(2009): “Por se tratar de uma cidade pequena, do ponto de vista da extensão territorial (15km2), possibilita aos seus moradores outras relações sócio-espaciais que nas cidades de maior porte são pouco presentes. Quase todo mundo se conhece em São Caetano do Sul. É difícil “passar despercebido”. Aquela sensação de não-reconhecimento, de um entre tantos que marca a realidade dos grandes centros urbanos do mundo e que tem como elemento central o fenômeno da massa(...) é dificilmente encontrado nas falas dos moradores de São Caetano do Sul”. E diante dessa territorialidade do uso e ocupação do solo na cidade percebi a necessidade de levar a discussão dessa tendência para a sala de aula. VI – Das territorialidades (des)percebidas pelos alunos à elaboração de croquis das relações de poder em São Caetano do Sul. Como levar essa discussão para sala de aula a partir do conceito de cidade e territorialidades em uma abordagem geográfica a partir da linguagem cartográfica? Os mapas permitem ter um domínio espacial e fazer síntese dos fenômenos que ocorrem num determinado espaço geográfico(Simielli, 2007). O croqui como uma representação gráfica estabelece uma maior liberdade nas representações( cognição, percepção individual e criatividade) exatamente porque o aluno acaba participando no processo de confecção e mapeando as suas percepções do seu espaço de vivência a partir dos conceitos estabelecidos pelo professor. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Nesse processo o aluno faz uma leitura crítica e não se fixa apenas nas localizações porque segundo SIMIELLI(2007): “Croqui é uma representação esquemática dos fatos geográficos. Não é um mapa, não se destina a ser publicado, tem um valor interpretativo de expor questões, não sendo especialista em cartografia. Não é uma acumulação de signos, mas a escolha amadurecida dos elementos essenciais que se articulam na questão tratada(...) é uma arte simples e de difícil expressão figurativa”. Pois a representação dos fatos(territorialidades) de São Caetano do Sul a partir do croqui faz com que os alunos percebam a definição dos diferentes usos, das moradias e das atividades econômicas, fazendo aparecer com efetiva força o real significado de se estudar geografia que vai além da fixação de conceitos fora da realidade. VII – Considerações Finais O ensino com pesquisa é a base para um geógrafo-professor da rede pública de ensino, onde muitas vezes a ausência de recursos didáticos faz com que ele fique apenas com o livro didático em sala de aula. Ao trabalhar o conceito de cidade o professor tem uma função muito importante no processo de correlação com as geograficidades dos alunos, pois muitos carregam em suas experiências um ensino de geografia apenas como o “decorar” temáticas. E para os alunos a atividade que foi realizado no período de um trimestre possibilitou que eles percebessem a dinâmica das territorialidades aqui de São Caetano do Sul que inicialmente parecia estar distantes do cotidiano deles. Essa experiência no cotidiano escolar possibilitou ampliar as minhas perspectivas de saber que o professor é um pesquisador e não um mero reprodutor de conhecimento científico apenas. Mas sabemos que as condições de trabalho na atual conjuntura é um agente desestimulador da profissão docente. Enfim, é de grande importância o professor criar possibilidades de procedimentos de ensino dentro de sua realidade de trabalho que enfoque a dinâmica das geograficidades de seus alunos. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Referências Bibliográficas CARLOS, Ana Fani Alessandri (org.). A Geografia na sala de aula. São Paulo. Contexto 2007. CASTRO, Elias de Castro; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. Geografia: Conceitos e Temas. 11ª ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2008. GARCIA, Paulo Sérgio (org.). Debates e Contribuições sobre a Escola Pública: de Professor para Professor. São Paulo. LCTE, 2009. GIROTTO, Eduardo Donizeti. Escola, Lugar e Poder: as aventuras de um professor-pesquisador entre o subúrbio e a periferia. Dissertação de Mestrado defendida na F.F.L.C.H. da USP em 2009. HEIDRICH, A. L. ; HEIDRICH B. B. Reflexões sobre o estudo do Território. MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. 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