notaçom da articulaçom na música de gaita1

Propaganda
1
NOTAÇOM DA ARTICULAÇOM NA MÚSICA DE GAITA1
Paulo p.,
pirata, malabarista e músico
1
Delimitando o objecto ______________________________________________ 2
2
Articulaçom ______________________________________________________ 3
2.1
2.1.1
2.1.2
2.2
3
Articulaçom e escritura ______________________________________________ 3
Que escrever? ___________________________________________________________3
Como escrever? __________________________________________________________3
Articulaçom na música para gaita______________________________________ 4
Âmbito pedagógico/Âmbito ‘artístico’ _________________________________ 7
3.1.1
3.1.2
Âmbito pedagógico _______________________________________________________7
Âmbito artístico __________________________________________________________7
4
Em rematando (para os de duro ouvido) _______________________________ 8
5
ANEXO
6
Notas___________________________________________________________ 13
Descriçom das actuais regras de notaçom ___________________ 10
RESUMO
No acto da interpretaçom a articulaçom dos eventos no nível da base generatriz da
superfície é um elemento clave para a compreensom dum organismo musical. A
notaçom musical tem desenvolvido por isto signos cuja missom é sugerir a ideia das
articulaçons apropriadas para umha execuçom dotada de sentido. Porem, o mundo da
gaita, alheio a isto, desenvolve signos próprios, sem ter em consideraçom a funçom
sígnica e da própria notaçom musical.
PALAVRAS CLAVE: notaçom prescritiva e descritiva; semiótica; signo; in se, in alio;
©Paulo p., de ligeiras mãos
2
1
Delimitando o objecto
O sistema de notaçom musical mais estendido, aparecido e desenvolvido em Europa,
quer dizer, “Aqui”, entre “Nos”, e importado depois desde “Alô”, polos “Outros”, dito
por “Nos” próprios “ocidental”, estupidamente dito, que “Nos” é sempre Centro, nunca
Ocidente –ouh, nunca esqueço, Je est un autre, claro, mas nom se trata disso, falo agora
de signos, traços, de preto sobre branco, mais nada, caro Rimbaud-, tal sistema, digo,
fundamenta-se na representaçom de vários parâmetros que podem ser agrupados
basicamente em altura, duraçom, articulaçom, tempo, dinâmica, silêncio, e timbre.
Destes sete parâmetros dous som essenciais, sine qua non, e suficientes para poder
escrever já algumha –bastante– música: altura e duraçom.
É assaz assumida no mundo da gaita a crença de que a notaçom da música para este
instrumento é, porque assim deve ser dadas as características organológicas especiais do
mesmo, umha notaçom muito específica. Mas se olham para os elementos que definim
como alvo de representaçom ham reparar no que a seguir explico:
ƒ
para definir a altura emprega-se na música para gaita cinco linhas com os
espaços entre elas –pentagrama– e os signos denominados claves –& ? B–.
ƒ
no caso da duraçom faz-se uso do sistema hierarquizado de figuras
relacionadas entre si com um ratio 1:2 –bw h q e etc.– e os algoritmos e letras
indicadores do compasso –c C etc.–
ƒ
ƒ
quanto ao tempo, expressons como largo, allegro, ritardando, etc. som as que
aparecem nas partituras de gaita –seja em italiano, por tradiçom, ou em galego–.
as dinámicas assinalam-se com palavras ou abreviaturas do género cresc., f, π,
ƒ , e com ícones como
ƒ
ƒ
.
os signos Œ ≈ ‰ etc. som os empregues na tentativa de escrever o silêncio2.
finalmente, o timbre anuncia-se antes da armadura –ao especificar que a obra é
para gaita– e, isto quase nunca explorado na gaita, representa-se também
botando mão aos elementos generalizados –pensem em multifónicos,
harmónicos, e demais recursos tímbricos–.
Com o exposto até aqui fica claro que nom existe um sistema de notaçom da música
de gaita como, apenas, umha tentativa de representaçom do parâmetro articulaçom.
E isto é o que passo a tratar.
©Paulo p., de ligeiras mãos
3
2
Articulaçom
‘Articulaçom’ é um termo que aplicado na prática musical, na interpretaçom, refere a
maneira de executar os sons quanto ao seu ataque e duraçom essencialmente, resultando
umhas determinadas implicaçons organizativas no acontecer musical.3
2.1
Articulaçom e escritura
2.1.1
Que escrever?
“Omnia quae sunt vel in se vel in alio sunt”
Spinoza: Ethica
(“Todas as entidades que som ou som em si ou som noutra entidade”)
Há duas ideias de importância extrema no tocante à relaçom entre articulaçom e
escritura que agora exponho a modo de premissas, de condiçons necessárias, a saber:
1) A articulaçom dum som tem com tal som sempre umha relaçom de
concomitância, isto é, nom há articulaçom se nom houver um som existente e se
‘há’ umha articulaçom é necessário haver um som ‘a seguir’. Porque a
articulaçom nom é in se, é in alio, em outro, existe noutra cousa distinta de si
pois o que realmente existe é a nota articulada.
2) O facto articulaçom acontece sempre no mundo audível, no mundo dos sons,
nom podendo ser doutra maneira. Dito isto, é claro que pretender ‘escrever umha
articulaçom’ é sempre pretender ‘escrever a ideia dumha articulaçom’.
2.1.2
Como escrever?
Pretender escrever a ideia dumha articulaçom implica representar no suporte material
que for (papel, por exemplo) tal ideia. ‘Representar’ é literalmente ‘pôr à vista’, neste
caso na sua acepçom de ser imagem gráfica ou material de algo. Aparece, entom, o
signo de articulaçom como representaçom da ideia da articulaçom e como aquilo que
existe na escritura e só na escritura para evocar o que só pode ser na interpretaçom
efectiva. Temos toda umha paleta de signos evocadores de distintas ideias de
articulaçom da(s) nota(s), sendo os fundamentais:
Ilustraçom 1
É característica essencial do signo de articulaçom, consequência de ser, como já foi dito,
concomitante, inerente, à nota sobre a que na pauta actua, derivando umha questom de
radical interesse que ninguém pode obviar quando propor quer acrescentos aos signos
quer signos novos, característica essencial, digo, é a capacidade de qualificar a nota.
Com certa imprecisom, digamos, ontológica, mas que permite artelhar a explicaçom,
afirmo que o signo nota é alterado com o acrescento do signo de articulaçom
constituindo-se, logo, um outro signo que evoca umha única coisa, um som que no
momento da sua emissom é como é (curto, longo, unido ao anterior, etc.) e nom doutra
maneira. Aqui há-se perceber melhor, se é que antes nom foi percebido, a essencial
diferença entre ser em si próprio e ser noutra cousa e as implicaçons que a
compreensom disto tem no problema –falso problema– que estou a tratar. A saber:
aquilo cuja realidade consiste em existir em algo que nom é ele nom pode ser
representado como ‘objecto’ independente desse algo. Concretizando: propriamente,
quando dizemos: “olho ao staccatto” o que estamos a dizer é: “olho a essa nota©Paulo p., de ligeiras mãos
4
staccatto”. Nunca aparece nem pode aparecer isto: “.” ou isto: “
” pois nom
poderíamos tocar nada. Tem que ser, indefectivelmente, qualquer cousa como, por
exemplo, ou
2.2
Articulaçom na música para gaita
‘Picar’/‘picado’ ou o erro
“Perigo da linguagem para a liberdade intelectual– Toda palavra é um prejuiço”.
Friedrich Nietzsche: O caminhante e a sua sombra.
O termo ‘picar’, e o conceito e/ou a realidade aos que alude, é em grande parte origem
da confusom existente neste tema. Com esta verba o gaiteiro refere, originariamente, a
repetiçom dumha nota, ou, melhor, a execuçom dumha(s) nota(s) semelhante(s) à
anterior –mesmo nome, dedilhaçom, etc.– , e, num segundo momento, o mecanismo da
articulaçom dum modo geral enquanto 'separaçom' de notas ou grupos de notas. Por
umha degradaçom linguística passou-se a utilizar aquilo que é acçom como se fosse
objecto; a acçom, que é devir, que é in-forme, foi cousificada no ´picado’. O
razoamento subjacente é este: se o ‘picado’ é, ad litteram, o efeito de ‘picar’, é ‘algo’
real que pode e deve ser representado. Logo, aquilo que era assim representado
Ilustraçom 2
será escrito deste jeito
Ilustraçom 3
pretendendo ser, a Ilustraçom 3, mais pormenorizada, portadora de mais informaçom do
que a Ilustraçom 2 quando, em verdade, é, como produto dum raciocínio totalmente
errado, umha representaçom-mentira, umha irrepresentaçom, porquanto, já à partida, é
escrita a articulaçom como acontecimento independente situado entre duas notas e,
como já expliquei acima, ela nom é nunca in se. Em segundo lugar está o facto de, como
sabido polos gaiteiros, essa notinha Sol semicolcheia nem ser Sol nem ser semicolcheia,
que é o movimento do dedo que tapa o buraco 3 (vid. Anexo). Evidentemente o erro
óbvio e clamoroso é utilizar esse signo para representar o mexer dum dedo pois tal
signo já tem associado o seu conteúdo conceptual ou a sua manifestaçom fónica,
constituindo aquele evento, aquela unidade, conhecida como nota Sol (com a duraçom
determinada). E ainda se fosse possível, através dumha lobotomia, ponho por caso,
obviar o escrito até aqui e nom ver a parvada que faz sangrar os olhos, há umha terceira
objecçom: a questom musical, dalgum interesse se temos em consideraçom que entre
gaiteiros-funcionários, gaiteiros-médicos, gaiteiros-alunos, gaiteiros-professores-de-
©Paulo p., de ligeiras mãos
5
música, etc. talvez há, algures, algum gaiteiro-músico ou músico-gaiteiro. Olhem o
exemplo a seguir:
Ilustraçom 4
Dança de paus de Santo Isidro de Montes,
Ponte Vedra (Casto Sampedro e Folgar,
Cancioneiro musical da Galiza, nº 382)
Perante a necessidade –consciente ou nom, derivada da análise prévia, das
características organológicas da gaita, ou do gosto estético sublimado a partir do
inconsciente colectivo– de ter que articular a melodia transcrita e em base ao
subsistema em uso o gaiteiro havia escrever, por exemplo:
Ilustraçom 5
Ora bem, o representado na Ilustraçom 5 implica tocar algo semelhante com isto?
Ilustraçom 6
ou com isto?
Ilustraçom 7
ou haverá que fazer isto?
Ilustraçom 8
Qualquer das hipóteses reflectidas nas Ilustraçom 6, 7, e 8 pode ser obtida a partir das
‘indicaçons’ da Ilustraçom 5, quer dizer, mover o dedo 1 abrindo e fechando o seu
buraco, como pode comprovar qualquer pessoa com um domínio técnico da gaita nom
muito elevado. No entanto, os resultados som totalmente diferentes, aliás, opostos em
muitos momentos, e sem o mais mínimo sentido noutros. Já algumha vez ouvim
gaiteiros e professores de gaita dizer que o resultado prático de tocar o escrito à
maneira da Ilustraçom 5 nom havia ser nunca o que aparece em Il. 6, 7, 8 e, portanto,
esta escritura aqui julgada nom seria tam problemática. Tal asseveraçom justificando a
utilizaçom dessa grafia amostra, primeiro, o apego à parolada vácua e superficial, ou
nem sequer isso, plana, melhor, que tenhem alguns, e, segundo, relacionado, claro, com
isto, o desconhecimento do papel desgraçadamente necessário e irrenunciável,
©Paulo p., de ligeiras mãos
6
tragicamente irrenunciável e necessário, que tem para o ser humano o signo, linguístico,
musical, ou o que for, na sua relaçom com o 'exterior'. Qualquer resultado prático é em
funçom da consciência pola nossa parte de saber que nom era um cachimbo o cachimbo
de Magritte. E, ainda, se por resultado prático alguém pretendia aludir apenas à
consequência sonora, seja isto abondo:
Ilustraçom 9
Neste excerto, tal e como indica o gráfico4 –numha peça tam clara como esta nem seria
preciso um gráfico analítico mas decidim fazê-lo para a diafanidade ser absoluta–, as
notas fá e mi do compasso 2 organizam-se num movimento 4-3 com as consequências
sabidas que isto tem na sua interpretaçom. Escrevendo como na Ilustraçom 10 fica
claro, em parte, como tocar o fragmento pois a notaçom pretende reflectir a hierarquia
que existe entre as notas de acordo com a construçom interna da melodia. Mas se o
escrito fosse tal que na Ilustraçom 11 é de todo jeito impossível saber como tocar pois
nada nos é dito sobre a nota mi e a sua relaçom com o outro, quer dizer, no mínimo,
com a nota fá.
Ilustraçom 10
Ilustraçom 11
Isto que eu amostro e desenvolvo entre as ilustraçons 4 até 11 é apenas um exemplo
revelador da falta de sentido daquela notaçom da articulaçom na música de gaita que
pretende ser de movimentos dos dedos. Nom-sentido unido a umha absoluta ineficácia,
que se a ‘mentira’ serve à Vida (ou à música, tanto faz), ‘pereat veritas, fiat vita’, mas,
como digo, nom é este o caso. É desnecessário dar mais exemplos porquanto neste
assunto a verdade nom depende da quantidade de vozes-casos a favor, umha vez
desmascarado o sistema, por chamar-lhe dalgum jeito, e posta de manifesto, como foi e
ainda será, a sua inutilidade.
©Paulo p., de ligeiras mãos
7
3
Âmbito pedagógico/Âmbito ‘artístico’
A execuçom musical com instrumentos consiste, cingindo-nos à questom objecto desta
análise, na realizaçom sonora das ideias evocadas através da notaçom musical5. Para
isto ser possível é necessário, dentro, repito, dos marcos citados, o conhecimento dos
signos da notaçom, nomeadamente, por ser este o caso, os signos de articulaçom. Dito
isto, hei diferenciar dous âmbitos: o âmbito pedagógico e o âmbito ‘artístico’. Estas
duas áreas nom se identificam com marcos físicos concretos, nom há que cair no engano
de identificar o primeiro como o que acontece numha sala num centro de ensino, e o
segundo como aquilo que se passa numha sala de concerto. Correspondem-se melhor
com limites psicológicos, entrando em jogo questons como consideraçom da música —
ou o facto músical—, tradicional ou nom, pretensons, arelas, etc.
3.1.1 Âmbito pedagógico
É neste contexto no que se produz a aprendizagem do signo de articulaçom, a ideia que
representa, e a sua realizaçom prática, sonora. Ou o que é o mesmo, a aprendizagem da
linguagem musical e a funçom alusiva, comum a toda linguagem, do signo. Acontece
que muitas vezes som empregues por parte do mestre signos diacríticos para clarificar,
lembrar, ou o que for, o significado do signo de articulaçom, a sua execuçom, etc. Isto,
perfeitamente compreensível aqui, no ensino, neste momento de formaçom, nesta
relaçom particular entre esse mestre e esse aluno6, nom pode transcender, nom pode ser
transportado e formar parte do sistema de notaçom musical, ou mesmo, como já quase é
na gaita, chegar a ser sistema per se. Entenda-se bem, de vez: admitindo, por evidente, a
já explicada incoerência, ineficácia, e confusom existente na notaçom de determinados
parâmetros na escritura para gaita –para a música tradicional em geral, pois nalguns
outros instrumentos (sanfona, requinta) há tendência a ‘copiar’ a escritura da que falo–,
admitindo isto, digo, nom se trata de “aperfeiçoar”, de, ponho por caso, criar um outro
signo a substituir à fusa “representativa” do dedo responsável polo ‘picado’ confiando
em evitar assim o problema. Fazendo isto, o absurdo –um deles– permanece: está-se a
representar nom a ideia da articulaçom, qual seria desejável, e sim a explicaçom –
suposta– da execuçom da tal ideia, o que é, como mínimo, incompreensível. Ofereçolhes agora, para ser percebido como tem que ser percebido, uma sugestom perspícua de
seu: por quê nom deixar de escrever os sons como figuras (semibreve, mínima, colcheia,
etc., quer dizer, duraçom) numha pauta (notas: la, sib, etc., quer dizer, altura) e começar
a escrever a explicaçom desses signos, isto é, os buracos do ponteiro que há que fechar
ou abrir e os segundos ou minutos a ficar em cada dedilhaçom?
3.1.2 Âmbito artístico
Todo o anterior é (deve ser) sabido. A partitura, como soporte —parcial, claro— da
obra nom pode reflectir os caprichos e a vontade de desenhar bonecos que poida ter
alguem.
©Paulo p., de ligeiras mãos
8
4
Em rematando (para os de duro ouvido)
ƒ
Deve-se representar o referente á articulaçom com os signos existentes no
sistema ‘geral’ de notaçom musical. O relevante na informaçom dada pola
partitura é qual a articulaçom das notas, nom o jeito particular de faze-la que
pode ter alguém (isto pertence, se pertence, à pedagogia, ao b com a, ba; nh com
a, nha...). Para alem de que se chega, com este jeito de escritura, a situaçons que
provocam umha intensa dor de olhos a quem lê, pois um elemento que aqui tem
funçom prescritiva, tem no tempo seguinte funçom descritiva, constituindo-se
entes difíceis de decifrar e impossíveis de justificar. A Ilustraçom 12 pom de
manifesto este transtorno bipolar induzido a algum signo.
Ilustraçom 12
Sem entrar na pertinência do escrito neste exemplo, de se é sarrabulhada, refugalho
inservível, ou enfeite artístico, que isso aporta material para outro artigo (ou nom, pode
ser muito patente), o que é muito claro é que aí nom há nada claro, que a confussom é
total. A logorreia gaiteira definiria a situaçom como um Mi ornamentado ou Mi com
picado-duplo-batemento-mordente. Atendendo ao ornamento, ele é constituído polas
notas fusas Si, Mi, Sol, Mi, Do, Mi, Fa, quer dizer, um mesmo signo —a fusa—
colocado em diferentes alturas. Mas o significado desse signo —eis a dissociaçom
psicótica— é absolutamente diferente se está numha ou noutra linha do pentagrama. Já
expliquei que a pequena fusa representa, nesta gramática impossível, um movimento de
dedos. O que nom mencionei, e agora fago, é que nom sempre é assim. Nom sempre é
assim e é impossível saber quando ou por quê nom é assim, pois varia de jeito aleatório.
Neste exemplo o Si indica o movimento do dedo 1; o Mi indica a nota Mi; o Sol quer
dizer movimento do dedo 3; o Mi é outra vez o som de altura definida Mi; o Do refere
um batemento com os dedos que ficam por baixo da dedilhaçom da nota Mi (qualquer
deles, vid. Anexo), ou seja, um gesto; o Mi e o Fa últimos conformam um mordente,
isto é, som aquilo que parecem a priori. Nom parece que haja muito mais a dizer para
evidenciar que há qualquer cousa que está a falhar aqui.
ƒ
A única consequência que tivo copiar esta maneira de escritura e que terá querer
mantê-la é o isolamento da gaita com respeito ao resto de instrumentos musicais.
Todos eles partem de funcionamentos mecânicos díspares mas confluem na
representaçom gráfica da ideia musical. Outra cousa é a escrita daquilo que por
ser exclusivo dum instrumento ou família de instrumentos nom tem
correspondência no sistema geral de notaçom musical. A estas alturas já ficou
claro que nom é este o caso dos picados pois aí do que se trata é de grafar a ideia
da articulaçom. Mas a gaita si tem características exclusivas do seu grupo
organológico, a saber, os bordons, que precisam dumha traduçom à linguagem
simbólico-musical. Historicamente –quero dizer desde que se leva a escrever a
música feita pola gaita, isto é, desde há aproximadamente um século– isto nom
tem sido umha necessidade e nom se lhe tem dado muita atençom –nenhuma, em
verdade– ao registo escrito do som emitido polos roncos, pressupondo-se
ininterrupto. Hoje, com a gaita extraída do que foi sempre o seu meio próprio,
meio caracterizado pola agrafia, há outra estética, outras obras, outras
©Paulo p., de ligeiras mãos
9
pretensons, nom melhores ou piores, à partida –no caso das obras sem dúvida
piores, no geral, na actualidade–, mas outras, que tenhem o efeito dumhas outras
exigências em diversos eidos, entre eles a notaçom. Nom quero estender-me no
assunto da notaçom dos bordons, nom é objecto deste texto. Remato dizendo que
eu próprio e mais MoMo temos feito umha proposta a este respeito em Nove
canções do Mimo morto e umha cançom de amor, e sei que Xose Luís Miguelez
Sainza tem feito outra, diferente na forma, nos seus Estudos para gaita galega.7
ƒ
Urge (sem tempo nom é) ser conscientes da dimensom do assunto, poderia-se
dizer da importância do óbvio: teimar em “escrever” a mecânica da articulaçom
deriva, necessariamente, em tantos sistemas de notaçom como instrumentos há
(Ilustraçom 128).
Ilustraçom 13
A volta da festa (quinta parte)
Do repertório d’Os gaiteiros de Soutelo
A interpretaçom deste excerto leva ao violinista usar umhas arcadas singulares; o
pianista há mexer os dedos de tal ou qual maneira e utilizar ou nom pedais; no flautista
implica uns movimentos de língua e nom outros, e um emprego do ar em consequência;
o gaiteiro tem que “fazer picados”, utilizando terminologia do microcosmos, num ou
noutro lugar, parar o som empregando, por exemplo, dedilhaçons para tal fim, etc. Quer
dizer, cada instrumentista há utilizar uns recursos próprios, pois os instrumentos som
diferentes, para poder fazer o que está escrito. A gaita nom tem mais especificidades na
sua execuçom do que qualquer outro instrumento (e falo da execuçom, mais nada. A
gaita nacional-popular, é outra cousa, diga-se de passagem, cousa, com certeza, muito
mais importante [pensem nisto os que pretendem tirar este simbolismo, este vencelho
entre a gaita e o Pais], mas isto fica para outra ocasiom).
Já nom digo mais...
©Paulo p., de ligeiras mãos
10
5 ANEXO
Descriçom das actuais regras de notaçom
O sistema de representaçom da articulaçom analisado e criticado neste artigo nom é
propriamente um sistema, nom tem uns princípios organizativos que devenham num
corpus com umha mínima coerência interna. Na sua totalidade, este nom-sistema
consiste apenas em tentar representar o movimento dos dedos na pauta segundo em que
circunstâncias e como explico a seguir.
Há dous mecanismos básicos de articulaçom na gaita galega –nas gaitas, em geral–
derivados de ser este um instrumento, em princípio, de som contínuo: utilizando dedos
acima da dedilhaçom de nota na que começa a articulaçom; ou utilizando dedos por
baixo dela. No primeiro caso temos isso que os gaiteiros chamamos picado. No segundo
temos o batemento. Ambos os modos poderiamos explica-los a partir daquilo que os
psicólogos da Gestalt chamarom nos anos vinte do século XX percepçom sensorial e
percepçom representativa —extra-sensorial, para os dualistas—, e os processos de
agrupamento derivados, processos que, por outra parte, estam na base da percepçom da
articulaçom de qualquer instrumento e, ainda, de muitas outras áreas cognitivas.
Basicamente: no continuum sonoro-melódico inicial da gaita introduzem-se uns outros
sons que nom som percibidos, ao se fazerem dum determinado jeito, como eventos
independentes –o que seria pura percepçom sensorial–. Muito polo contrário,
contribuem para umha melhor compreensom dos outros elementos –as notas–, que,
agrupados, e após a actividade mental do indivíduo, chegam com sentido. Este processo
cognitivo é regido, na parte que nos interesa para este caso, polas Lei de Proximidade e
Lei de Semelhança gestalticas, segundo as quais os elementos próximos tendem a ser
agrupados e os elementos semelhantes tendem a ser agrupados.
Ex. 1
a.
b.
Em Ex.1a os factores de proximidade e os de semelhança por paralelismo reforçam-se
entre si tendo como resultado umha intuiçom de agrupamento bastante precisa, que se
corresponderia com o indicado em Ex.1b. Por outra parte, se aplicarmos isto à música,
ao tocarmos este exemplo na gaita, o facto da nota 5 ter umha muito menor duraçom —
um terço da nota 4 e umha quarta parte das demais— unido às características tímbricas
e de intensidade desiguais ao longo de todo o registo do instrumento seram factores
favorecedores mais ainda da intuiçom de agrupamento citada., fazendo com que
subjectivamente seja percebido tal como aparece no Ex.2, ou, essa é, polo menos, a
pretensom de qualquer gaiteiro, consciente ou inconscientemente.
Ex. 2
O picado é empregado para articular notas da mesma ou distinta altura, assim como
grupos de notas, sendo, logo, o responsável pola articulaçom no fraseado. No entanto, o
batemento é apenas, e só assim é que pode ser pola natureza do movimento, utilizado
para articular notas de altura igual. Em ambos os dous supostos umha fusa de menor
tamanho que as notas reais colocada no pentagrama é o símbolo do gesto causa do som,
©Paulo p., de ligeiras mãos
11
seja este qual for —é irrelevante qual o som resultante, neste jeito de articulaçom—, que
actuará como elemento de segmentaçom/agrupamento. Aqui esta o cerne desta maneira
de representaçom: a nota com a figura de fusa nom é umha nota, é um gesto, um aceno.
No caso do primeiro mecanismo de articulaçom a fusa indica o dedo a mover, a saber,
aquele que corresponde ao último buraco, falando do grave ao agudo, que haveria que
destapar para obter a nota que seria se a tal fusa fosse realmente nota.
Ex. 3 Articulaçom dumha nota
a. Notaçom para gaita
b. Notaçom para um instrumento musical
No Ex.3a. a fusa situada entre os dois Mi sinala nota Si. A dedilhaçom para o Si –
dedilhaçom base ou inicial– é 0. Logo, o último buraco a destapar para obter um Si,
começando desde a parte grave do ponteiro, é o buraco 1 –fura-bolos ou indicador da
mão esquerda–. Portanto, sobre a dedilhaçom 0123 4 –primeira nota, Mi–, é o dedo 1,
correspondente ao buraco citado, que se tem que mover para produzir o segundo Mi e
obter como resultado o escrito em Ex. 3b.
Ex. 4 Agrupamento por articulaçom
a. Notaçom para gaita
b. Notaçom para um instrumento musical
O Ex.4a. representaria umha aplicaçom da articulaçom/picado no fraseado, ou, melhor
dito neste caso, representaria um agrupamento por articulaçom –fraseado nom é
conceito aplicável a este exemplo–. Aqui nom se trata de articular umha nota para ela
existir1. Nom vou incidir muito nesta questom –de importância extraordinária, diga-se
de passagem– pois é o suficientemente vasta como para eclipsar o assunto base deste
anexo. Direi apenas que se no Ex.3a. a articulaçom ‘pertence’ a umha nota2 neste Ex.4a.
‘pertence’ a quatro notas com igual direito. Porque aqui essa articulaçom nom é precisa
para a existência concreta dumha dessas notas mas para elas existir enquanto grupo ou
motivo. Fazendo o mesmo processo dedutivo que no exemplo anterior, o gaiteiro havia
utilizar o dedo 1 para conseguir interpretar esses grupos de notas tal como se representa
em Ex.4b.
No caso da repetiçom de notas utilizando os chamados batementos –com alternância e/i,
sendo também batimentos–, a regra é um bocado confusa. A nota articula-se batendo
com os dedos no canto de destapar. A univocidade entre o símbolo3 –fusa– e o dedo
aludido é questionável ou, directamente, nom há tal univocidade. Aqui a fusa nom
indica o último buraco/dedo que há que destapar para obter a nota que supostamente
representaria se supostamente existisse como símbolo de nota.. Se assim indicasse, no
1
No Ex.1a. fazer o segundo Mi é fazer o movimento do dedo. Se nom há gesto/articulaçom nom há nota.
Haveria umha nota Mi com o valor de mínima.
2
Sobre a relaçom entre som e articulaçom Vid. Articulaçom e escritura, no próprio artigo.
3
A univocidade entre o símbolo utilizado e o movimento do dedo é impossível, claro, pois a relaçom já
está estabelecida entre esse signo e a nota musical, Si neste caso. Isso é tratado no artigo, mas aqui tento
descrever a regra de escritura tal como ela existe. O artigo é a posta em causa deste dislate.
©Paulo p., de ligeiras mãos
12
Ex.5 haveria que fazer o batemento com o dedo 4 –fura-bolos ou indicador da mão
direita–,
Ex. 5 Batemento
mas o que em verdade faria qualquer gaiteiro é o batemento quer com os dedos 2 e 3 ao
mesmo tempo quer com só um deles . Poderia-se inferir que os batementos assinalam o
dedo do último buraco que há que tapar, desde o agudo até o grave, para obter a nota
que a fusa representaria se a sua funçom aqui fosse representar umha nota. Assim,
teríamos no exemplo anterior umha fusa cuja funçom nom é representar nota nenhuma
representando a nota Fa; começando a tapar buracos no ponteiro desde acima para baixo
chega-se à nota Fa na dedilhaçom 0123; eis o 3, último dedo a tapar, como responsável
polo batemento. O raciocínio semelha equivalente ao feito no caso dos picados, mas
nom se corresponde com a realidade. Porque a verdade é que no caso dos batimentos a
única regra aplicada é que som escritos por baixo da nota real. Isto é, de facto, sinal
indicador para fazer o movimento com o/s dedo/s que nom tapa/m buraco/s nesse
momento, sejam eles quantos e os que forem.
©Paulo p., de ligeiras mãos
13
6
Notas
1
Este artigo versa sobre a norma de maior emprego entre os gaiteiros, polo menos entre os gaiteiros
pertencentes aos centros de ensino regulado, nomeadamente conservatórios médios e superior, centros
onde se pressupom um grau de excelência da aprendizagem abrangente da música. É esta umha regra, ou
regras, introduzida na Galiza no início do decénio dos noventa do s. XX. como umha cópia literal das
normas de escritura para gaita escocesa.
2
Estes signos representam dois parâmetros, realmente: duraçom e silêncio.
3
Definiçom (de-finitio) é sempre delimitaçom, é pintar em negativo, chegar às fins ou limites da cousa
em relaçom às outras cousas apreendendo assim, supostamente, o que ela tem de essencial e de próprio.
Por isto é que às vezes os tratados de teoria da música falam de ‘articulaçom’ como cousa em si, quase
como noumenon, com um carácter muito local e neutro, evitando segundas intençons para com o discurso
musical. Mas eu nom podo, nom quero, obviar que estamos perante algo que strictu senso nom existe de
seu e, sendo isto assim, as aparentemente rigorosas delimitaçons, úteis no seu contexto pois estruturam,
através da dissecçom da totalidade, a própria Teoria, podem acabar nom sendo “realmente” definiçons
para o que “realmente” interessa (polo menos neste o nosso caso), já que, e isto tem de estar presente,
estamos a falar de articulaçom da música, com o que a sua definiçom tem necessariamente que incluir
articulaçom na música para ser, e redundo, certamente definidora. Eis o porquê da referência às
repercussons na organizaçom musical.
4
O exemplo é analisado aqui como umha totalidade, representando-se, em consequência, o descenso
estrutural ^5 - ^4 - ^3 - ^2 - ^1. Este mesmo fragmento dentro do conjunto da peça constitui apenas umha
prolongaçom do ^5 estrutural.
5
É evidente (é evidente?) que a interpretaçom musical nom é a realizaçom sonora das ideias evocadas
através da notaçom musical. Consiste nisto, como digo, porque sem realizaçom sonora nom há execuçom
musical –e, repare-se, digo: nom há execuçom musical, que ‘música’ é outra cousa- , mas nom é simples
descodificaçom de signos.
6
Nom é que neste contexto seja justificada esta má utilizaçom do signo, ou esta utilizaçom dum signo
errado. Simplesmente é que, como é óbvio, nom há nada a dizer acerca do que se passa no transcorrer
dumha aula particular entre um professor e um aluno.
7
Paulo e Momo: Nove canções do Mimo morto e umha cançom de amor.Ed. Dos acordes, 2006
Xose Luís Miguelez Sainza: Estudos.Volume 1. Ed. Dos acordes, 2006
8
Este excerto nom é transcriçom nenhuma. Todo o artigo fala de notaçom prescritiva. Claro que no
âmbito da notaçom descritiva os problemas, os pre-supostos, etc. som outros que aqui nem trato nem
sequer aludo. Portanto as articulaçons desta quinta parte d’A volta da festa som propostas por mim –por
quem se nom?– (‘polo autor’, que diria o pedante, ou ‘por nos’, que diria o covarde).
©Paulo p., de ligeiras mãos
Download