MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA RIO DE JANEIRO EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA CÍVEL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO “ANTES DE ME CINGIR, BITOLADAMENTE, AO TEXTO DA LEI, PROCURO SABER SE ELE É JUSTO E SE RESOLVE O CASO CONCRETO. NÃO POSSO ME MANIFESTAR A UM CÓDIGO QUE TEM MAIS DE SESSENTA ANOS, E QUE NÃO ACOMPANHOU A EVOLUÇÃO, QUE NÃO ACOMPANHOU A TÉCNICA, QUE NÃO ACOMPANHOU A CIÊNCIA, QUE NÃO ACOMPANHOU AS MUTAÇÕES DE ORDEM MATERIAL E MORAL. O JUIZ DEVE JULGAR COM OS OLHOS NO SEU TEMPO, POIS SÓ ASSIM PODERÁ ATINGIR O JUSTO”. Desembargador Hermann H. de C. Roenick. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu órgão de execução infra signatário, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro no art. 129, III, da Constituição Federal, nos artigos 1.º, IV, da Lei nº 7.347/85, nos artigos 5.º, I, “h”, II, “b”, 6.º, VII, “b”, XIV, “f”, da Lei Complementar n° 75/93, na Lei 8.625, art. 25, IV, “a” e “b”, e nos artigos 796, 839 e 844 e 846 e seguintes do Código de Processo Civil, promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face da UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, com endereço na Avenida Rio Branco, n.º 123, 6.º andar, Centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP n.º 20.040-006 , com base nas razões de fato e de direito a seguir aduzidas: I - DA LEGITIMIDADE ATIVA E DO INTERESSE DE AGIR Dispõe o art. 127, caput, da Constituição da República que o Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, entre os quais se inserem o patrimônio público e a moralidade administrativa. Ao Parquet, ratificando, foi destinada, pela Carta Magna de 1988, a tutela do patrimônio público e social, como uma das funções essenciais à realização da justiça, um dos aspectos, portanto, da sua atuação fiscalizadora, exercida mediante instrumentos diversos, dentre os quais se destacam o inquérito civil e a ação civil pública, visando à preservação da integridade material, moral e legal da Administração Pública. O Ministério Público é o fiscal institucional por excelência, que torna possível o controle pelo Estado-Juiz das condutas administrativas, susceptíveis de lesionar o erário ou que atentem contra os princípios constitucionais da Administração. Por certo, aí está incluído o dever de zelar para que os poderes do Estado brasileiro observem as normas constitucionais e legais pertinentes à atuação da Administração Pública, em especial no que concerne à correta utilização do patrimônio público. Nesse sentido, a Lei Complementar n° 75/93, em harmonia com o perfil constitucional do Ministério Público, estabelece que: “ Art. 5°. São funções institucionais do Ministério Público da União: I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios: (...) h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União; (...) III - a defesa dos seguintes bens e interesses: (...) b) o patrimônio público e social;” Já o art. 6.° do mesmo diploma legal contém disposição que espanca qualquer dúvida acerca da legitimidade ministerial, in casu: “Art. 6.º. Compete ao Ministério Público da União: VII – promover inquérito civil e ação civil pública para: b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos." Sobre o tema, merecem destaque, como exemplos da jurisprudência amplamente dominante, os seguintes julgados: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE .LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR A PRESENTE AÇÃO. CONEXÃO. SÚMULA 235STJ. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, PARÁGRAFO 3º, DO CPC. ABERTURA DE NOVO CONCURSO PELO IFET/CE. PRETERIÇÃO. INOCORRÊNCIA. OBRIGATORIEDADE DE CONVOCAÇÃO DE CANDIDATO PARA OPTAR EM SER NOMEADO PARA OUTRO CAMPUS. ATO DISCRICIONÁRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A legitimidade do Parquet para tutela da hipótese sub judice decorre da natureza dos interesses envolvidos, que são metaindividuais difusos e individuais homogêneos. A inobservância aos princípios constitucionais, mormente aqueles atinentes à Administração Pública, para provimento de cargo público, implica repercussões que vão além daqueles indivíduos diretamente envolvidos no respectivo certame. Não há dúvida ser do interesse de toda a sociedade que Administração atue consoante os ditames erigidos pela Carta Magna, o que resulta na legitimação processual para estar em juízo, para defesa dos direitos públicos da sociedade quando não estiver sendo observado. Legitimidade ativa do Parquet Federal reconhecida. 2. Inexiste conexão quando uma das ações já foi julgada, de acordo com o enunciado da Súmula 235 do c. STJ: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado". Preliminar rejeitada. 3. Aplicação do artigo 515, parágrafo 3º, do CPC, por se encontrar a ação madura para julgamento. 4. É cediço que a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação aos candidatos aprovados, não se podendo compelir destarte, a Administração a proceder a sua nomeação, eis que detem a discricionariedade de convocar os candidatos de acordo com sua conveniência e oportunidade. 5. A previsão inserta no item 12.9, do edital 18/2008-IFET/CE (No interesse da Administração e com a anuência do candidato, este poderá ser nomeado para qualquer uma das Unidades do CEFET/CE ou para outra instituição Federal de Ensino), está dentre aqueles atos denominados discricionários, ou seja, que deixam à Administração a possibilidade de apreciação segundo critérios de oportunidade e conveniência administrativa. 6. Em se tratando de ato discricionário, o controle judicial somente se torna possível para apreciar se o Administrador ultrapassou os limites da discricionariedade, o que implicaria em afrontar o princípio da legalidade. Tal situação não se configura na presente hipótese, pois, admitir-se a presente pretensão, estaria o Poder Judiciário substituindo o critério de escolha feito pelo Administrador, em que agiu de forma legítima, que de acordo com sua competência decidiu com esteio em razões de oportunidade e conveniência diante do caso concreto, sem desviar-se dos fins de interesse público definidos em lei, com a abertura de uma nova seleção pública em que todos os interessados poderiam livremente participar. 7. Aplicação do art. 515, parágrafo 3º, do CPC, para julgar improcedente o pedido. (AC 200981000171000, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::07/04/2011 - Página::300.) PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO ERÁRIO. LEGITIMIDADE. 1. Impossível, com base nos preceitos informadores do nosso ordenamento jurídico, deixar de se reconhecer ao MP legitimidade para propor ação civil pública com objetivo de proteger o patrimônio público, especialmente, quando baseia o seu pedido em prejuízos financeiros causados a ele por má gestão (culposa ou dolosa) das verbas orçamentárias). 2. “Com efeito, não poderia a ação civil pública continuar limitada apenas aos interesses difusos ou coletivos elencados em lei ordinária, quando preceitua a Carta de 1988, que é função do MP ‘promover a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses coletivos ou difusos’ (art. 129,III), ‘tout court ( e não interesses coletivos e difusos indicados em lei’ (Milton Folks, in ver. Forense, v. 32, p. 33 a 42). 3. “Nem mesmo a ação popular exclui a ação civil pública, visto que a própria lei admite expressamente a concomitância de ambas (art. 1º)” Hely Lopes Meirelles, In Mandado de Segurança. Precedentes jurisprudenciais entre tantos: RESp 98.648/MG; RESp31.547-9/SP. (STJ, Rel. Min. José Delgado, RESp 167783/MG, DJ de 17/08/1998). PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO ERÁRIO. LEGITIMAÇÃO ATIVA RECONHECIDA. 1. Ao Ministério Público é reconhecida a legitimação ativa para, por via de ação civil pública proteger os danos cometidos contra o patrimônio público por meio de ações ilícitas dos agentes públicos. 2. Interpretação do art. 1º, IV, da lei n.º 7.347/85 em combinação com o art. 25, IV, b da lei n.º 8.625/93. 3. A ação civil pública tem por objetivo, também a proteção do patrimônio público. 4. Uma das funções específicas do Ministério Público é a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público. (art. 129, III, da CF/88). 5. Há de se fazer com que produza eficácia a amplitude do campo de atuação do Ministério Público, conforme pretende a Carta Magna. 6. Não se concebe haver limitação imposta pelo art. 1º, da lei n.º 7.347/85, não por força do contido na lei n.º 8.625/93, art. 25, IV, mas, também, por não exaustiva a fixação da legitimidade regulada pelo referido dispositivo para a propositura da ação. (STJ, Rel. Min. José Delgado, RESp 166848/MG DJ de 03/08/1998). No tocante ao interesse de agir pode-se afirmar, extreme de dúvidas, ser ele presumido, eis que cabe à norma estabelecer as hipóteses autorizadoras da intervenção ministerial, senão vejamos: “O interesse de agir do Ministério Público é presumido. Quando a lei confere legitimidade para acionar ou intervir, é porque lhe presume o interesse. Como disse Salvartore Satta ‘o interesse do Ministério Público é expresso pela própria norma que lhe consentiu ou impôs a ação’ O Ministério Público é voltado a um fim externo, imposto na Constituição e nas leis: a defesa da coletividade. Se a lei vê conveniência ou necessidade de que a instituição acione ou intervenha, está afirmando a existência de interesse social em sua atuação” (Hugo Nigro Mazzilli). Já o Mestre Francesco Carnelutti arremata a vexata quaestio: “No que pertine ao Ministério Público, o interesse processual deriva do poder (legitimação) que o legislador lhe outorgou para o exercício da ação civil. Em outras palavras, o interesse está pressuposto (in re ipsa) na própria outorga da legitimação: foi ele identificado previamente pelo próprio legislador, o qual, por isso mesmo, conferiu legitimação”. Assiste, por conseguinte, induvidosa legitimidade ad causam e interesse processual ao Ministério Público ao postular a presente actio, de forma a proteger a probidade administrativa no trato da coisa pública e a efetivar os princípios da administração pública. II – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL Consoante estabelece o inciso I, do artigo 109, da Constituição Federal, compete aos Juízes Federais julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.” No presente caso, cristalina é a existência da competência da Justiça Federal, vez que é a União que consta no polo passivo, sendo a pessoa jurídica diretamente interessada. III – DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS “NO ESTADO DE DIREITO GOVERNAM AS LEIS E NÃO OS HOMENS. VIGE A SUPREMACIA DA LEI. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE É A PEDRA DE TOQUE DO ESTADO DE DIREITO E PODE SER TRADUZIDO NA MÁXIMA: A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SÓ PODE ATUAR CONFORME A LEI. O PRAETER LEGEM E O CONTRA LEGEM NÃO ENCONTRAM LUGAR NA ATIVIDADE PÚBLICA, POIS SEUS AGENTES SOMENTE PODEM AGIR SECUNDUM LEGEM”. (Pazzaglini Filho, Marino, In Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública, Ed. Atlas S.A., 2000, São Paulo, p. 23). Constata-se dos documentos colacionados aos autos, notadamente o expediente administrativo que visa a defesa da probidade administrativa, do patrimônio público, bem assim os interesses individuais indisponíveis, tombado sob o n.º 1.30.012.000367/2010-80 que militares integrantes das Forças Armadas no Rio de Janeiro, subordinados a diversos Comandos e Centros distintos, estão sendo coagidos a aderirem ao sistema do Bilhete Único como forma de pagamento do auxílio-transporte, o que seria vedado pela Medida Provisória 2.165-36/2001. Esse fato é confirmado pelo Boletim de Ordem e Notícias nº 230 de 1º de abril de 2011 da Marinha do Brasil (fl. 123 do P.A.) e dos ofícios de fls. 436 (da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa) e 450-451 (do Comando da Aeronáutica). Verifica-se, ainda, das representações encaminhadas ao órgão ministerial que os militares, ainda, estariam sendo obrigados a fazer declarações falsas do valor que necessitam para o transporte, de modo que o montante se restrinja ao limite ao valor do Bilhete Único; e que, no caso específico do Centro de Instrução Almirante Alexandrino, os militares que se negaram a fazer tal declaração foram constrangidos a passar dias inteiros em pé, no pátio, como forma de punição e coação. Observa-se, ainda, que, ao conceder o auxílio-transporte apenas por meio do sistema do Bilhete Único, e não em pecúnia, os Comandantes das três Forças Armadas e das diversas Organizações Militares a estas vinculadas retiram dos militares que se utilizam de modos de transporte que não aceitem o Bilhete Único o direito de que estes usufruam do auxílio-transporte a que fazem jus por expressa disposição legal, nos exatos termos da Medida Provisória 2.165-36/2001 que estabelece: “Art. 1o Fica instituído o Auxílio-Transporte em pecúnia, pago pela União, de natureza jurídica indenizatória, destinado ao custeio parcial das despesas realizadas com transporte coletivo municipal, intermunicipal ou interestadual pelos militares, servidores e empregados públicos da Administração Federal direta, autárquica e fundacional da União, nos deslocamentos de suas residências para os locais de trabalho e vice-versa, excetuadas aquelas realizadas nos deslocamentos em intervalos para repouso ou alimentação, durante a jornada de trabalho, e aquelas efetuadas com transportes seletivos ou especiais. [...] Art. 2º [...] § 2o O valor do Auxílio-Transporte não poderá ser inferior ao valor mensal da despesa efetivamente realizada com o transporte, nem superior àquele resultante do seu enquadramento em tabela definida na forma do disposto no art. 8o.” Art. 6o A concessão do Auxílio-Transporte far-se-á mediante declaração firmada pelo militar, servidor ou empregado na qual ateste a realização das despesas com transporte nos termos do art. 1o. § 1o Presumir-se-ão verdadeiras as informações constantes da declaração de que trata este artigo, sem prejuízo da apuração de responsabilidades administrativa, civil e penal. § 2o A declaração deverá ser atualizada pelo militar, servidor ou empregado sempre que ocorrer alteração das circunstâncias que fundamentam a concessão do benefício. Dessa forma, além de a referida norma vedar o pagamento do auxílio-transporte por meio da sistemática do Bilhete Único, visto que prevê expressamente que o pagamento desse auxílio deve ser feito em pecúnia; também afirma que o valor do auxílio-transporte não poderá ser inferior ao valor mensal efetivamente despendido pelo militar com o transporte. A lei nº 7.418/1985, que regula o vale-transporte, também prevê: “Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador: a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; [...] Art. 5º [...] § 3º - Para fins de cálculo do valor do Vale-Transporte, será adotada a tarifa integral do deslocamento do trabalhador, sem descontos, mesmo que previstos na legislação local.” Neste pormenor, cabe fazer uma pequena explicação sobre o que é e como funciona o Bilhete Único: é ele um sistema de bilhetagem eletrônica que unifica em apenas um sistema, toda a bilhetagem dos meios de transportes, gerando assim, em regra, benefícios aos seus usuários, tais como as tarifas integradas, onde é concedido desconto ou isenção da tarifa ao se utilizar meios de transporte em sequência O referido Bilhete Único é regulado, no Rio de Janeiro, pela lei estadual nº Lei 5628/2009, encontrando-se a tarifa hoje no importe de R$ 4,95. O usuário que fizer uso do bilhete único pode viajar em até 2 meios de transporte diferentes ônibus, vans legalizadas, trens, barcas e metrô - durante o período de até duas horas e meia, desde que um deles faça a integração entre municípios. O benefício vale também para quem usa apenas um transporte intermunicipal que custe acima desse valor. Feitos estes esclarecimentos retornemos aos fatos. Em face da ilegalidade perpetrada pelos Comandos das OGMs o Ministério Público Federal, na figura do Procurador da República que ora subscreve, expediu as Recomendações nº 03/2012, 04/2012 e 05/2012 para que a Diretoria de Finanças da Marinha, o Terceiro Comando Aéreo Regional e ao Comando Militar do Leste, respectivamente, se abstivessem de impor aos militares o cadastramento involuntário e coercitivo no Bilhete Único. Entretanto, em resposta as aludidas Organizações Militares alegaram que não poderiam seguir a Recomendação, tendo em vista que ela supostamente contrariaria o disposto no Parecer 471/2012/CONJUR-MD/CGU/AGU, aprovado pelo Despacho Decisório nº 37/MD/2012 do Ministério da Defesa, ao qual ela se encontra vinculada, consoante art. 11 da Lei Complementar nº 72/1993. Ocorre que, na verdade, não existe essa contrariedade entre o disposto na Recomendação e o disposto no referido Parecer, visto que ele prevê que: “III – Não se vislumbra qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na adoção dos valores referentes ao Bilhete Único como base para a concessão do auxíliotransporte, considerando o caráter indenizatório dessa parcela, a vedação ao enriquecimento ilícito do agente, bem como ao amparo dos entendimentos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Controladoria-Geral da União sobre o tema. IV – Esclareça-se que aqueles militares que residirem em localidades não atendidas pelo transporte integrado à sistemática do Bilhete Único, ou que, por qualquer outro motivo, a ser informado pelo agente, não puder se utilizar desse sistema para deslocamento da sua residência ao local de trabalho, prestarão declaração nesse sentido, cabendo ao órgão competente da Administração avaliar cada caso concreto.” Ou seja, o parecer atesta a legalidade do pagamento aos militares do valor do Bilhete Único como auxílio-transporte, mas em momento algum estabelece a obrigatoriedade dos agentes de se cadastrarem no sistema do Bilhete Único. Ao contrário, o parecer inclusive veda expressamente essa prática, como se verá mais adiante. Dessa forma, os militares podem utilizar esse valor recebido em outro tipo de transporte. A intenção da AGU, por meio desse parecer, é possibilitar a uniformização dos valores de pagamento, utilizando-se de um valor padrão que seria suficiente para acatar as necessidades de muitos dos militares afetados pela medida. Como, no entanto, vários militares necessitam de valores maiores do que esse para se locomoverem entre sua casa e o Comando, ou não puderem se utilizar desse sistema para deslocamento da sua residência ao local de trabalho, o próprio parecer já previu exceções. Nessas situações, o militar deve prestar declaração, que deve ser analisada no caso concreto. Não se pode deixar de registrar, com fulcro no parecer AGU, que o valor pago como auxílio-transporte pode até mesmo ser reduzido, já que se trata de parcela indenizatória que visa atender os gastos tidos pelo trabalhador com transporte coletivo no deslocamento entre sua casa e seu local de trabalho. Logo, se o valor do transporte diminuir, exemplificadamente por ter o militar mudado de residência, com diminuição de transportes diários para a chegada ao serviço, o valor do auxílio-transporte também poderá ser reduzido. O que não se pode, repita-se, é impor ao militar que adira a um sistema que lhe cause prejuízos econômicos, fazendo-o com que arque, com desfalque no seu vencimento/soldo, com despesas de transporte, quando legalmente cabe a União custeá-las. O que se pretende, portanto, nesta ação é vedar a conduta arbitrária da União (Ministério da Defesa e Comandos Militares) ao reduzir o valor do auxílio-transporte, fazendo com que os militares das três Forças sejam obrigados a utilizar do seu próprio soldo para custear seu transporte diário para o serviço, além dos 6% (seis por cento) previstos pela legislação. Assim, o valor do auxílio-transporte do militar só pode ser reduzido para o valor da tarifa do Bilhete Único se esse valor for efetivamente suficiente para suprir as suas necessidades de deslocamento. A respeito do modo de pagamento dos valores e da obrigatoriedade do cadastro no sistema do Bilhete Único, o parecer estabelece de forma conclusiva e definitiva: “Outro aspecto que pode ser extraído do art. 1º da Medida Provisória nº 2.165-36/2001 é que o auxílio-transporte deve ser pago em pecúnia. Desse modo, afasta-se qualquer alegação no sentido de que os militares estariam sendo compelidos a se cadastrar no sistema do Bilhete Único, pois o recebimento da parcela se dá em sua conta-salário.” Percebe-se, portanto, que o parecer estabelece que o valor deve ser pago em pecúnia. Entretanto, constata-se que não é isso que vem sendo praticado pelos Comandos Militares do Rio de Janeiro. Conforme representações que instruem a presente ação, vários militares foram e estão sendo obrigados a se cadastrar no sistema do Bilhete Único ou a declarar valores falsos, menores do que os que eles efetivamente necessitam, em seus pedidos de auxílio-transporte. Corrobora e comprova o quanto acima aduzido a resposta ofertada a questionamento feito por este órgão ministerial à Diretoria de Finanças da Marinha, que assim se manifestou: “Aliás, a própria Diretoria de Finanças da Marinha esclarece que esta não é a prática da Administração, consoante salientado no item 3.6 do Anexo A do Ofício nº 204/2012, da DFM (Memória sobre Bilhete Único), transcreve-se: É importante frisar que a MB não obriga os militares e os servidores civis a se cadastrar no sistema do Bilhete Único, apenas utiliza o valor deste tipo de tarifa para cálculo do pagamento do Auxílio-Transporte, cabendo mencionar que o citado cadastramento é gratuito, de fácil execução e está disponível a todos os usuários de transporte público, independente de categoria profissional.” Tais medidas, apesar do alegado pelos Comandos, não se fundamentam no parecer da AGU; ao contrário, expressamente o contrariam. Infere-se dos fatos expostos, portanto, que a imposição pelos Comandantes das Organizações Militares no Estado do Rio de Janeiro para que seus subordinados se cadastrassem obrigatoriamente no sistema do Bilhete Único, e a determinação de que eles declarassem valores falsos em seus pedidos de auxílio-transporte constitui ato abusivo, arbitrário e atentatório aos direitos dos militares, violando expressamente a Medida Provisória 2.165-36/2001, a lei nº 7.418/1985, e o próprio Parecer 471/2012, da AGU. Cabe também ressaltar que foi instaurado o Procedimento de Investigação Criminal nº 0000037-34.2011.1106, no âmbito do Ministério Público Militar, para investigar a situação relatada nesta ação e averiguar se teria havido crime de prevaricação. O MPM expediu, em fevereiro de 2012, uma Recomendação aos gestores de pagamento dos Comandos Militares, no sentido de não tornar obrigatória a adoção do Bilhete Único. Apenas o militar que voluntariamente desejasse se cadastrar nesse sistema é que deveria receber seu auxílio-transporte dessa forma. Ao final da investigação, apesar de determinar o seu arquivamento, por entender que trata-se de questão administrativa, e que não houve crime, o MPM concluiu pela ilegalidade da imposição de cadastramento compulsório no sistema do Bilhete Único para recebimento do auxílio-transporte, visto que não há previsão para tal em lei, e que essa medida feriria o princípio da isonomia, previsto na Constituição da República, reiterando sua anterior recomendação. O relatório e decisão se encontram nas fls. 325 a 327 PA (frente e verso). “A concessão de auxílio-transporte, aos militares das Forças Armadas, tendo como parâmetro de despesa, o uso do Bilhete Único, não constitui, por si só, nenhuma violação prevista como crime. O conflito decorrente dessa questão se situa na seara do direito administrativo, e tem como órgão competente para dirimi-lo a Justiça Federal, por força do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. [...] Entretanto, entendo que, até que haja normatização, para esta questão, de abrangência a todos servidores da União, os gestores da Marinha do Brasil, amparados na Orientação Normativa nº 4, de 08 de abril de 2011, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e nas Normas Sobre Pagamento de Pessoal da Marinha do Brasil, as quais estabelecem o transporte menos oneroso, para fins de indenização de auxílio-transporte, podem usar como base de cálculo da despesa de transporte, o Bilhete Único, somente para os militares que se cadastrarem voluntariamente e se utilizarem desse benefício. Aqueles que não quiserem se cadastrar, não deverão ser obrigados. Neste ensejo, ante o caráter meramente administrativo do conflito, decido pelo arquivamento dos presentes autos, e recomendar aos gestores de pagamento da Marinha do Brasil que se abstenham da referida imposição. “ Dessa forma, verifica-se que outro órgão do Ministério Público da União (o MPM) também entendeu pela ilegalidade da imposição compulsória do cadastro no Bilhete Único, ratificando a posição do Órgão Ministerial que propõe a presente demanda. IV – DA APLICAÇÃO DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA Por essa forma, os fatos e fundamentos acima narrados evidenciam a situação de patente ilegalidade perpetrada pelos Comandantes das Organizações Militares vinculadas ao Exército, Aeronáutica e Marinha, no Estado do Rio de Janeiro. De forma direta, as ações desses órgãos feriram a Medida Provisória 2.165-36/2001 e a lei nº 7.418/1985, pois obrigaram os militares a declararem valores falsos em seus pedidos de auxílio-transporte, e aplicaram punições administrativas aos que se recusam; determinaram aos militares que aderissem, involuntária e compulsoriamente, no sistema do Bilhete Único para poder usufruir do benefício do auxílio-transporte, entre outras. No entanto, conforme já demonstrado, essas condutas são ilegais, e não devem ser praticadas pela Administração Pública. Resta cristalina, destarte, a necessidade de adoção de providências urgentes para se restabelecer a legalidade. A propósito, confiram-se os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho1: “Não se pode perder de vista que a ação civil se preordena à tutela de interesses coletivos e difusos. A violação desses interesses, é natural, pode-se consumar por meio de ações ou omissões. Quando o agente os vulnera por meio de ação, a providência judicial a ser requerida é a ordem para que não mais a pratique, isto é, para não fazer. Se, ao contrário, é a omissão o fato gerador da ofensa, deve o juiz expedir contra o agente omisso ordem de fazer. Em suma, a decisão que acolher o pedido deverá obrigar o réu a uma conduta 1 Ação Civil Pública, Lumen Juris, 7ª edição, Rio de Janeiro, 2009, pg. positiva ou negativa.” Também a respeito: “Lei n.º 7.347/85, Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”. A lei que regula a ação civil pública, a lei nº 7347, prevê as possíveis consequência da ACP: Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Assim, a condenação de réu em ação civil pública se dá em face de uma ação ofensiva ao interesse coletivo sob tutela. No caso em exame, os Comandos das Forças Armadas do Rio de Janeiro e de todas as Organizações Militares a eles vinculadas, vêm violando as leis que regulam o auxílio transporte dos militares, e dessa forma os direitos dos subordinados hierárquicos, constrangendo-os e prejudicando-os economicamente, com a indevida redução dos seus soldos, em face do desfalque de valores para pagamento de despesas com seu transporte diário para o serviço, importe que deveriam ser custeados pela União e não pelos próprios militares, nos termos da legislação vigente. Compete, destarte, ao Poder Judiciário intervir nos Comandos das Forças Armadas, para restabelecer a ordem jurídica, fazendo-se cumprir a lei, com a imediata exigência de cessação da coerção aos militares para que declararem valores falsos em seus pedidos de auxílio-transporte, e de aplicação de sanções disciplinares aos que se recusam; bem como a cessação da determinação aos militares que se inscrevam no sistema do Bilhete Único para poder usufruir do benefício do auxílio-transporte, obrigando a União a custear os valores devidos a título de auxílio-transporte em pecúnia e não através de bilhete único, instituído por lei estadual e não lei federal, diferentemente da Medida Provisória 2.165-36/2001 e da lei nº 7.418/1985 que já regulam a matéria em exame. V – DA TUTELA ANTECIPADA In casu, portanto, como visto acima, justifica-se uma pronta e firme atuação deste juízo federal, no sentido de se ordenar a imediata cessação da imposição, pelos Comandos das Forças Armadas do Rio de Janeiro, de que os militares se cadastrem no sistema do Bilhete Único para poder receber o auxílio-transporte, devendo o mesmo ser pago em pecúnia. Os requisitos para a concessão da antecipação da tutela estão todos presentes. Vejamos. A verossimilhança das alegações decorre da situação fática notória, comprovada pelas diversas representações recebidas pelo MPF, a respeito da imposição compulsória de cadastro no regime do Bilhete Único para que os militares possam receber o seu auxílio-transporte, em valor muitas vezes inferior ao que necessitam. Além disso, a resposta do próprio Departamento Financeiro da Marinha, da Consultoria vinculada ao Ministério da Defesa e do Comando da Aeronáutica – Subdiretoria de Encargos Especiais às Recomendações expedidas por este Órgão Ministerial, de que não poderiam cumpri-las, confirma inequivocamente que esta conduta está sendo realmente praticada pelos Comandos. A ré, assim, descumpre escancaradamente a lei, cabendo ao Poder Judiciário intervir na situação concreta, a fim de fazer valer o Direito. No mais, a continuidade dessa imposição faz com que muitos militares estejam recebendo valores aquém dos quais necessitam, logo são obrigados a utilizar o seu próprio soldo (além da cota de 6% autorizada em lei) para pagar o deslocamento entre suas residências e seus Comandos, o que, por sua vez, prejudica o seus sustento e o de suas famílias, vez que trata-se de verba alimentar. Impõe-se, portanto, a imediata cessação das condutas ilegais da ré, a fim de que não se perpetue por mais um longo período a prática ilegal narrada, restabelecendo-se, desde logo, os efeitos que o ordenamento jurídico pretende que sejam produzidos no plano fático. VI - DO PEDIDO “No quadro de controle administrativo, sem prejuízo dos instrumentos de fiscalização popular, o Ministério Público ingressa como fiscal e como implementador do controle jurisdicional. Titular do inquérito civil, está co-legitimado à promoção da ação civil pública para invalidação dos atos de improbidade que afrontam a coisa pública e os princípios reitores do sistema jurídico. Seu escopo não é a singela condenação dos agentes público e/ou terceiros à recomposição do patrimônio público que lesionaram moral ou materialmente, mas a preservação da própria higidez da Administração Pública” (Marino Pazzaglini Filho e outro, idem). Cumpre asseverar que o Ministério Público está imbuído de um firme posicionamento – aliás do qual nunca se afastou, nem se afastará – qual seja, a busca da verdade, promovendo justiça e punindo exemplar e implacavelmente os culpados, nos estritos limites das leis. Ex positis, estando solidificada a prática de atos arbitrários, ilegais e atentatórios aos direitos e interesses dos militares no Estado do Rio de Janeiro por parte da ré, o ÓRGÃO DE EXECUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO requer: 1) a concessão de tutela antecipada para determinar: 1.1) aos órgãos de pagamento dos Comandos Militares do Rio de Janeiro que realizem o pagamento do auxílio-transporte dos militares em pecúnia; e cessem a imposição de cadastro compulsório no sistema do Bilhete Único; 1.2) aos órgãos administrativos dos Comandos Militares do Rio de Janeiro que se abstenham de coagir os militares a declararem valores falsos em seus pedidos de auxíliotransporte, e de aplicar de sanções disciplinares aos que se recusarem; e que cessem de determinar aos militares que se inscrevam no sistema do Bilhete Único para poder usufruir do benefício do auxílio-transporte; 1.3) seja cominada multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à Requerida pela não comprovação do cumprimento da medida liminar ou da sentença, na hipótese de eventual inobservância do prazo judicial a ser estabelecido para correção das ilegalidades perpetradas em desfavor dos militares, sem prejuízo das sanções penais decorrentes de eventual desrespeito à ordem judicial; 2) a citação da ré, por oficial de justiça, no endereço declinado na presente ação, para que conteste a ação, no prazo de 15 dias, sob pena dos consectários jurídicos – legais da revelia e confissão quanto a matéria de fato; 3) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do que dispõe o artigo 18 da Lei n.º 7.347/85 e artigo 87 da Lei n.º 8.078/90, aplicadas subsidiariamente a presente; 4) A condenação da acusada ao pagamento das custas processuais e demais ônus da sucumbência, bem como honorários dos peritos eventualmente indicados para elaboração de laudos no curso do feito; 5) Seja a intimação ao autor feita pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista ao órgão do Ministério Público com atuação nesta Seção Judiciária, em face do disposto no artigo 236, § 2.o, do CPC, e 18, II, h, da Lei Complementar Federal n.º 75/93. 7) o julgamento, ao final, da procedência desta ação para, ratificada a antecipação de tutela pleiteada, determinar: 7.1) aos órgãos de pagamento dos Comandos Militares do Rio de Janeiro que realizem o pagamento do auxíliotransporte dos militares em pecúnia; e cessem a imposição de cadastro compulsória no sistema do Bilhete Único; 7.2) aos órgãos administrativos dos Comandos Militares do Rio de Janeiro que se abstenham de coar os militares a declararem valores falsos em seus pedidos de auxíliotransporte, e de aplicar de sanções disciplinares aos que se recusarem; e que cessem de determinar aos militares que se inscrevam no sistema do Bilhete Único para poder usufruir do benefício do auxílio-transporte; Requer, por fim, provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, inclusive o depoimento pessoal dos acionados, sob pena de confissão, inquirição de testemunhas, produção de prova pericial, juntada, requisição e exibição de documentos em prova e contraprova. Dá-se a causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Neste termos, Espera recebimento. Rio de Janeiro, 04 de março de 2013. EDSON ABDON PEIXOTO FILHO PROCURADOR DA REPÚBLICA