ginecologia Vacinas contra HPV V ACINAS SEMPRE FORAM UM PONTO DE DISCUSSÃO ENTRE A CLASSE MÉDICA, OS PACIENTES, A POPU- Divulgação LAÇÃO E OS GESTORES DE SAÚDE PÚBLICA. Fabio Laginha * Médico do Hospital Pérola Byington; responsável pelo Setor de Ginecologia do Hospital 9 de Julho Contato: nono 36 abril/maio 2011 Onco& NÓS estamos habituados a vacinações para a prevenção de doenças infectocontagiosas da infância com história natural mais curta e com resultados populacionais mais rápidos. A imunização é a maneira mais eficaz para o controle das doenças infectocontagiosas sem necessidade de mudanças de estilo de vida. Calcula-se que seu uso evite por volta de 2 a 3 milhões de mortes no mundo. O uso de vacinas é de longe uma intervenção com o melhor custo-benefício quando falamos em investimento em saúde1,2. Alguns tipos de câncer são induzidos por infecções, como herpes-vírus humano tipo 8 (HHV8) (sarcoma de Kaposi3), Epstein-Barr vírus (linfoma de Burkitt, doença de Hodgkin, linfoma B), Helicobacter pylori (câncer de estômago) e as hepatites B e C (câncer de fígado). A vacina contra o vírus da hepatite B é a primeira vacina que previne o câncer. Foi também observado que as imunizações contra esses agentes diminuem a ocorrência de câncer no período da infância4. A correlação da infecção do vírus do papiloma humano (HPV) com o câncer do colo uterino foi feita a partir dos anos 1970 e é uma condição necessária para seu desenvolvimento5. O HPV é um DNA vírus estável com mais de 100 tipos, sendo cerca de 40 deles responsáveis pelas infecções anogenitais. O alvo da infecção são as células da camada basal da pele e mucosa (epiteliotrópico). Não causam viremia, o que dificulta seu reconhecimento pelo sistema imunológico e a consequente formação de anticorpos. A epidemiologia das infecções e das doenças causadas pelo HPV é dinâmica, com maior frequência no início das exposições às atividades sexuais. É a doença sexualmente transmissível (DST) mais comum: a estimativa de risco de exposição é de 15% a 25% por parceiro e leva a novas contaminações com outros tipos de HPV. Calcula-se que mais de 80% da população sexualmente ativa teve ou tem infecção por algum tipo de HPV. Um acompanhamento de universitárias que iniciaram a vida sexual nos EUA mostrou que, após quatro anos de seguimento, mais de 50% delas tiveram contaminação por HPV6,7. Cerca de 70% das infecções clareiam em um ano e 91% em dois anos. Tipos de HPV A história natural do câncer do colo uterino é longa: inicia-se no final da adolescência, com as infecções, evoluindo para lesões pré-cancerosas ao redor dos 30 anos; a partir dos 35 anos já é observado o câncer (Figura 1). Existe também um aumento da incidência de infecção a partir dos 60 anos, com causas ainda incertas, provavelmente por reinfecção ou senescência do sistema imunológico. Uma metanálise com mais de 10 mil casos de câncer do colo uterino de diferentes partes do mundo confirma, em ordem decrescente, os tipos oncogênicos 16, 18, 45, 31, 33, 52, 58 e 35 como os encontrados em 90% dos casos8. Os tipos 16 e 18 causam infecções mais persistentes e, por isso, são responsáveis por cerca de 70% dos cânceres cervicais, além de câncer de ânus, pênis e cabeça e pescoço. É necessário salientar que as lesões precursoras de baixo e alto grau não obedecem essa mesma proporção e distribuição de infecção pelos tipos oncogênicos 16 e 18, portanto não se deve esperar a diminuição desses diagnósticos na mesma magnitude nas pacientes vacinadas (Figura 2). Os HPVs de baixo risco – 6 e 11 – são responsáveis por 90% das verrugas genitais e papilomatose laríngea recorrente, evento pouco comum (4,3/100 mil), com alta morbidade e que requer uma média de três a seis cauterizações9. Apesar dos cuidados disseminados a partir dos anos 1980 devido à infecção por HIV, observamos ainda hoje um aumento da incidência das verrugas genitais10. As lesões condilomatosas, embora “benignas”, têm alto impacto econômico, psicológico e social, com um índice de recidiva em torno de 30%, independentemente do tipo de tratamento. É necessário considerar a imunização contra o HPV por vários motivos: - Hoje existe apenas prevenção secundária; - O vírus é responsável por câncer e lesões precursoras do colo uterino, como também da vagina, vulva, ânus e cabeça e pescoço; - O custo do rastreamento e da prevenção é alto e depende de estruturas políticas em saúde pública não totalmente eficazes; - O resultado é condicionado a uma cadeia de atuação, desde a abrangência populacional, a periodicidade, a qualidade dos exames e o tratamento adequado até o acompanhamento das doenças pré-invasivas; - As características socioeconômicas, geográficas e culturais de cada país e grupo étnico no mundo são impeditivos para uma prevenção adequada. Segundo o crescimento populacional previsto para 2020, espera-se um aumento de 40% nos casos de câncer do colo uterino no mundo, sendo 6% nos países desenvolvidos e 55% nos países em desenvolvimento11. Nesse cenário, a vacina contra o HPV destaca-se como uma grande aliada contra a doença, considerando-se que nem todos os tratamentos são eficazes, além de envolverem altos custos e possíveis sequelas. Tipos de vacinas e resultados Existem atualmente duas vacinas profiláticas disponíveis, ambas dentro das normas em relação a imunogenicidade, segurança e eficácia: a bivalente (16 e 18) e a quadrivalente (6,11,16 e 18), produzidas por tecnologia recombinante para formar partículas análogas às virais (VLPs), que compõem o capsídeo viral sem material genético e com alta capacidade imunogênica. Os adjuvantes à base de alumínio usados são diferentes e têm capacidade de aumentar a resposta imunológica. O ASO4 (GlaxoSmithKline) usado pela bivalente confere uma resposta imunológica maior em relação ao Alum (Merck) da quadrivalente. A imunogenicidade das VLPs é mediada por resposta humoral do tipo Th2, formando anticorpos neutralizantes. As duas vacinas mostram alto índice de soroconversão (100% nos estudos)12, sendo a bivalente a que apresenta títulos de anticorpos mais altos. Ambas apresentam resposta anamnéstica (memória imunológica), inclusive em pacientes previamente infectadas13. Já foram descritas proteções cruzadas com ou- tros sorotipos de HPVs em pacientes com infecção natural e a discreta proteção contra o câncer. As infecções simultâneas ou anteriores parecem ajudar a clarear a infecção pelo HPV 1614. Nas pacientes vacinadas, isso também ocorre por similaridade de alguns tipos de HPV oncogênicos da mesma família. Apesar de não ser o objetivo inicial dos ensaios clínicos, foi observado que nas duas vacinas encontram-se títulos menores de anticorpos neutralizantes “cruzados” com HPV 45 e 31, com eficácia comprovada contra lesões de alto grau induzidas por eles, embora não em 100% dos casos. Teoricamente, o HPV 45 é responsável por 6,7% dos cânceres do colo uterino, e o HPV 31, por 2,9%. Somados, seriam 10% adicionais de ganho com essa proteção cruzada15,16. As vacinas apresentam todos os critérios de segurança, sendo os eventos adversos locais dor e sinais inflamatórios os mais observados17. Elas são contraindicadas na gestação e consideradas categoria B. Os resultados de eficácia dependem da população estudada, mas nas mulheres vacinadas sem contato prévio com os HPVs das vacinas a prevenção foi de 100%. A vacinação, portanto, será mais efetiva e terá maior ganho se usada antes do início da atividade sexual. Os desenhos dos ensaios clínicos das duas vacinas foram diferentes, desde o recrutamento até o acompanhamento. O desfecho final – prevenção das Figura 1 – História natural do câncer do colo uterino Clifford G et al. Vaccine 24S3;2006 S3/26-S3/34 Figura 2 – Previsão de impacto com vacina contendo HPV 16 e 18 Onco& abril/maio 2011 37 “As pesquisas e os trabalhos na área são convincentes, apoiando a indicação da vacinação. Entretanto, [...] o custo da vacinação ainda é proibitivo para as populações mais necessitadas nos países em desenvolvimento e nos subdesenvolvidos." 38 abril/maio 2011 Onco& lesões de alto grau e das verrugas genitais, no caso da vacina quadrivalente – cumpriu as exigências das principais agências regulatórias mundiais. Como não é possível definir o título mínimo de anticorpos que protegem contra a infecção (correlato de proteção), sua real importância ainda não foi determinada, principalmente porque, embora os títulos tendam a cair com o tempo, a proteção pode se manter, como ocorre com os vacinados contra hepatite B. Para esclarecer esse ponto, existe uma coorte sentinela de quase 5,5 mil mulheres desde 2003, que usaram a vacina quadrivalente nos países escandinavos, onde o rastreamento é eficaz. Como o lançamento da vacina se deu 3,5 anos depois do início do estudo, será possível identificar uma eventual perda dessa eficácia em longo prazo e a prevenção do câncer. Para obtenção de uma efetividade adequada da vacina, é necessário pesar variáveis que podem alterar seus resultados, como idade da vacinação, abrangência da população e tempo de duração da eficácia. Não existe população-alvo em relação à infecção por HPV, portanto vacinar apenas determinados grupos não deve produzir o resultado populacional esperado, como ocorreu com o início da vacinação contra a hepatite B. Na década de 1980 foram vacinados apenas os grupos de risco e, após dez anos, não houve mudança em números significativa e o impacto efetivo só ocorreu com a vacinação universal das crianças adolescentes18. A vacinação da população masculina contra o HPV pode ajudar a formar uma rede de proteção contra a infecção (proteção de rebanho) e ser uma estratégia de controle do vírus, uma vez que os homens são os vetores – usando como analogia a experiência inglesa de vacinação das mulheres contra rubéola para a prevenção da doença congênita, que mostrou um declínio inicial mas levou a uma epidemia em 1996 nos homens adultos suscetíveis não vacinados e não expostos anteriormente à doença. Os resultados pouco satisfatórios da vacinação contra rubéola exclusiva em mulheres para prevenção de doença congênita mostram que vacinar os homens pode ser uma forma mais eficaz de controle do vírus19. O primeiro resultado populacional da vacina contra o HPV foi na Austrália, com verrugas genitais que correspondiam a 10,6% dos atendimentos num centro de atendimento de DST. Em 2007, as mulheres abaixo de 27 anos receberam a vacina quadrivalente. A partir de 2008 já ocorreu uma queda de 25% a cada trimestre de lesões em mulheres e 5% nos homens que fazem sexo com mulheres (HSM) pelo efeito rebanho. Essa queda não aconteceu em homens que se relacionam sexualmente com homens (HSH)20. Esse resultado rápido é decorrente da história natural mais curta das verrugas genitais. As novas tecnologias biomoleculares para a detecção do HPV somadas às vacinas devem modificar os modelos existentes de rastreamento do câncer do colo uterino. Por ora, como as vacinas não abrangem todos os tipos de HPV oncogênicos e não atingem a população de maior risco, é recomendável manter o rastreamento de rotina. As pesquisas e os trabalhos na área são convincentes, apoiando a indicação da vacinação. Entretanto, embora muitos modelos mostrem um custo-benefício em favor dela para os países desenvolvidos, o custo da vacinação ainda é proibitivo para as populações mais necessitadas nos países em desenvolvimento e nos subdesenvolvidos. Calculase que, em países cuja renda per capita anual é menor que mil dólares, o preço das vacinas não possa ultrapassar 2 dólares. Algumas estratégias populacionais idealizadas para o Brasil mesclam vacinação ao custo de 15 dólares e três rastreamentos e podem chegar a quase 70% de prevenção21. Ainda não temos as vacinas contra HPV em nosso calendário vacinal e raros municípios fizeram campanha por iniciativa própria. Até o momento, o comitê multi-institucional que estuda as vacinas decidiu pela sua não incorporação no SUS. Apesar de ser o segundo câncer nas mulheres em número de óbitos, a perda de anos de vida por câncer do colo uterino nos países em desenvolvimento ainda é maior se comparado ao câncer de mama. Os custos das infecções pelo HPV vão muito além dos rastreamentos: eles devem incluir os tratamentos das lesões precursoras e suas morbidades, o tratamento global do câncer do colo uterino com quimioterapia, radioterapia, cuidados paliativos, podendo chegar até, por exemplo, os recém-nascidos de baixo peso por partos prematuros após conizações do colo uterino. Conflito de Interesse: PI – Vacina Quadrivalente – FUTURE II Merck Referências bibliográficas: 1. Immunization against diseases of public health importance.2006. http://www.who.int/topics/immunization/en/. 2. Armstrong EP. Economic Benefits and Costs Associated With Target Vaccinations.JMCP. 2007 (13)7. 3. Leão JC, Hinrichsen SL,Freitas BL, Porter SR. Herpes vírus humano-8 e Sarcoma de Kaposi,1999 Rev. Assoc. Med. Bras. vol.45 n.1. 4. Pagaoa MA, Okcu MF, Bondy MA, Scheurer ME. Associations between Vaccination and Childhood Cancers in Texas Regions.J Pediatr. 2011 Jan 11. 5. Zur Hausen. 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