Danca em cadeira de rodas

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Revista Conexões, v. 6, 2001
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DANÇA PARA PESSOAS COM LESÃO MEDULAR
UMA EXPERIÊNCIA DE ABORDAGEM TERAPÊUTICA
DANCE FOR PEOPLE WITH INJURY MEDULAR
AN EXPERIENCE OF THERAPEUTICAL BOARDING
Marta Peres
Carlos Alberto Gonçalves
Universidade de Brasília/UnB
Resumo
Este estudo descreve uma experiência de dança em cadeira de rodas no contexto da
reabilitação de pessoas com lesão medular. Desse modo, apresenta uma revisão da
literatura científica referente à dança enquanto abordagem terapêutica, relaciona os
fundamentos, objetivos e principais benefícios de nossa prática com um grupo de
portadores de lesão medular. Os relatos e a observação dos pacientes atendidos
trouxeram a necessidade de avaliar os ganhos funcionais obtidos, o que se tornou
objeto de outros artigos.
Palavras-Chaves: Dança; Lesão Muscular; Abordagem terapeutica
Introdução
Embora seja uma atividade de grande valor terapêutico para pessoas com lesão
medular, são raros os trabalhos científicos sobre dança com esses pacientes. Além
disso, ao longo de minha experiência como professora de dança em reabilitação, uma
reação muito freqüente por parte das pessoas convidadas às aulas era indagar: “como
dançar, na cadeira de rodas?”.
Isso trouxe a necessidade de responder a essa questão, além de buscar uma
maior fundamentação teórica da prática terapêutica de dança em cadeira de rodas.
Este trabalho descreve os principais objetivos da dança com um grupo de
pacientes lesados medulares do Hospital de Apoio de Brasília e da Adapte (Associação
de pessoas portadoras de necessidades especiais do DF – Ceilândia/DF). O programa
traçado fundamentou-se no método de consciência corporal desenvolvido por Angel
Vianna (Teixeira, 1998). Esses voluntários participaram de uma pesquisa mais ampla,
na qual foram avaliados alguns dos benefícios alcançados por essa abordagem, cujo
detalhamento é objeto de outros trabalhos.
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Revisão Bibliográfica
A Associação Americana de Terapia pela Dança1 (American Dance Therapy
Association) define a ‘terapia pela dança’ como “o uso psicoterapêutico do movimento
como um processo que visa promover a integração física e emocional do indivíduo”
(Couper, 1981).
Delisa (1992) relata que a terapia em dança é praticada mais freqüentemente
com pacientes de saúde mental que com portadores de deficiência física, o que reforça
a necessidade de explorá-la também com os últimos.
Hecox, Levine, & Scott (1976) citaram as vantagens da dança a partir do relato
de uma experiência com um grupo de pessoas portadoras de incapacidades crônicas
diversas. Boshoff (1978) relaciona benefícios físicos e psicológicos da ‘dança de salão’.
Couper (1981) investigou os efeitos da dança em crianças com dificuldade de
aprendizagem e os resultados indicaram uma melhoria em seu desempenho motor.
Deusen et col. (1987) avaliaram a eficácia de um programa de dança no tratamento de
pacientes com artrite reumatóide, de modo que a abordagem trouxe resultados
positivos.
Perlman et al.. (1990) utilizaram, com um grupo de pacientes artríticos, um
programa de dança aeróbica. O estado da doença apresentou melhoria significativa,
assim como as funções física e psicológica. Berrol (1990) relata um estudo de caso em
que a terapia pela dança foi utilizada no tratamento de um paciente com lesão cerebral
severa, descrevendo suas bases neuroanatômicas e neurofisiológicas.
Boswell (1993) utilizou a estabilometria para avaliar o equilíbrio dinâmico de
crianças com retardo mental. Os resultados evidenciaram um ganho de equilíbrio
significativo. Crotts (1996) observou que a habilidade para o equilíbrio de bailarinos
profissionais é melhor que a de ‘não-bailarinos’. Ele sugere que a análise de suas
estratégias e técnicas pode oferecer recursos a programas de tratamento de ‘nãobailarinos’ e de bailarinos que sofreram algum tipo de lesão.
1
American Dance Therapy Association – Associação Americana de Terapia pela Dança.
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Dança na Reabilitação da Pessoa com Lesão Medular
Na realidade, a dança compartilha, com a equipe de profissionais de
reabilitação, de suas metas fundamentais, como a busca de ganhos motores,
psicológicos, educativos, de independência, bem-estar e uma maior qualidade de vida.
Intimamente ligada aos serviços da fisioterapia, da terapia ocupacional, das atividades
de lazer, a dança possui características próprias: assim como os esportes, possui
interseções com a cinesioterapia2, já que conta basicamente com o movimento
enquanto instrumento de tratamento.
Desse modo, a dança oferece vários benefícios, tais como: a prevenção de
rigidez articular; estimulação da musculatura e da coordenação, da resistência física;
diminuição de contraturas; age sobre a circulação, gerando um aumento do fluxo
arterial, venoso e linfático, o que favorece a nutrição dos tecidos; melhoria da função
cárdio-respiratória; além do ganhos de agilidade no manejo da cadeira de rodas e de
equilíbrio de tronco.
Acreditamos que, passada a fase aguda, em que a fisioterapia ocorre
intensamente, visando ganhos mais imediatos, é fundamental que a pessoa opte por
um tipo de exercício de sua preferência. Assim, quanto maior o leque de opções
oferecido, maiores serão as chances de se
encontrar uma atividade que suscite
identificação e motivação. Nesse caso, a receptividade do sujeito ao tipo de proposta é
fundamental, já que ele é o elemento ativo e central do processo.
Enquanto atividade física, a dança difere das terapias convencionais, pois
consiste num exercício que se pratica ‘brincando’. Além disto, as conquistas alcançadas
durante o treinamento pela dança são aplicadas no cotidiano dos pacientes. Estas devem
ser praticadas, elaboradas, aperfeiçoadas, enfim, integradas ao ‘vocabulário’ de
movimentos da pessoa. Se, ainda, isto ocorrer de maneira mais prazerosa, ou
‘despretensiosa’, reduz-se a ansiedade de alcançar determinado objetivo. O foco de
atenção aponta para a própria atividade, o que é diferente de quando se tem em mente
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apenas cumprir uma ‘obrigação’. Desse modo, pode-se traduzir ‘imagens’ por gestos,
ou simplesmente buscar o prazer que o movimento proporciona.
Considerando-se indispensável a prática de exercícios, se trouxerem alguma
satisfação pessoal, estes serão ainda mais benéficos, pois podem gerar também efeitos
psicológicos positivos, ligados ao aumento da auto-estima, da motivação e da
esperança.
Outro aspecto a ressaltar é que, quando baseada em técnicas de conscientização
corporal, a dança também tem como objetivo aumentar na pessoa a percepção e o
contato com seu próprio corpo. Lembrando que os sujeitos dessa pesquisa sofreram um
comprometimento grave destas noções, pela perda de motricidade voluntária e de
sensibilidade, estimular o ‘esquema corporal’ é fundamental para resgatar a sensação
de que o corpo lhes ‘pertence’, para que seja dispensada a devida atenção em situações
diversas, como durante a observação da pele, as transferências ou os deslocamentos em
cadeira de rodas, de forma a evitar acidentes.
Além de melhorar a agilidade em sua utilização, praticar exercícios e divertir-se
na cadeira de rodas favorece a integração deste meio de locomoção à imagem corporal.
Como durante as aulas há um tempo dedicado à pesquisa, em que a pessoa não
segue um modelo determinado, mas experimenta suas possibilidades, também é
freqüente a descoberta de maneiras de executar movimentos que ela não imaginava ser
capaz. Neste momento, a proposta com base na linguagem da dança oferece recursos
que estimulam tentativas mais ousadas, especialmente no que se refere a enfrentar o
temor de cair da cadeira de rodas, em treinos de equilíbrio mais elaborados.
Finalmente, a prática em grupo possui vantagens relevantes, no sentido de
promover a troca de experiências e de criatividade entre os membros, e a socialização.
Trata-se, portanto, de um momento de lazer coletivo, em que as pessoas têm
oportunidade de se relacionar por uma linguagem não-verbal, ou seja, através do corpo.
Além de tudo isto, ao buscar a ‘humanização’ do tratamento dos incapacitados
físicos, Guttmann levantou a importância dos esportes na vida dos ingleses e a
2
Etimologicamente, cinesioterapia quer dizer ‘a arte de curar que utiliza todas as técnicas do
movimento’; esta terapêutica consiste num ramo da fisioterapia, e a significação dos termos é
mais ou menos ampla conforme o país ou o meio onde é utilizado.
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necessidade de oferecê-los num centro de reabilitação. Num país de forte tradição
musical como o nosso, a dança pode atingir profundamente o interesse de muitos,
tornando-se então um valioso instrumento da reabilitação.
Enfim, esses são os principais objetivos que se tem em mente na elaboração de
um programa de atendimento pela dança para esses pacientes.
Discussão
Podemos dizer que os benefícios observados ao longo da experiência
profissional na utilização da dança são inúmeros, tendo sido alguns deles relatados na
literatura.
Dentre os mais relevantes, podemos citar os relatos dos participantes, de uma
sensação de ‘bem-estar’ e relaxamento, o aguçamento da percepção do próprio corpo e
do espaço, a oportunidade de socialização, a descoberta de possibilidades de
movimento ainda não experimentadas, a chance de divertir-se na cadeira de rodas, o
que favorece sua aceitação, e o ganho de maior segurança na mesma, em função do
incremento do equilíbrio de tronco.
Como as observações de melhoria dessa habilidade tinham um caráter
unicamente subjetivo, surgiu uma motivação para realizar uma avaliação mais precisa,
exposta em outros artigos (Peres, 2000).
Nesse trabalho buscamos apresentar uma perspectiva ampla dos benefícios da
dança observáveis na prática profissional. Entretanto, não pretendendo esgotar aqui um
tema tão vasto, pensamos que novos estudos poderão esclarecer outras questões
surgidas.
Finalmente, pensamos que o maior benefício para quem dança, com ou sem
uma cadeira de rodas, é a alegria proporcionada por esses momentos que escapam à
rotina de obrigações e abrem novas maneiras de perceber a si mesmo e ao mundo.
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