Da paixão tristeza e da sua natureza no contexto da depressão pós-parto manifestada no período puerperal Soraya De Lima Cabral Conturbia Orientadora: Claudia Murta [email protected] Resumo: Esta pesquisa é o estudo acerca da paixão tristeza no contexto da depressãopós-parto manifestada no período puerperal, com base teórica nas obras de René Descartes e Sigmund Freud. O objetivo desta pesquisa é trabalhar com mulheres que apresentem um quadro de risco após o parto, pois na gestação e no puerpério a mulher passa por uma série de transformações físicas e psíquicas que pode predispor ou mesmo intensificar a tristeza ou a DPP. Como parte integrante da metodologia que serão usadas nessa pesquisa, entrevistas pessoais e abertas no modelo de escuta psicanalítica. Os resultados e os impactos esperados desta pesquisa visam ao efetivo estudo e compreensão da “paixão-tristeza” que as gestantes e puérperas sofrem no período da maternidade. Esta pesquisa encontra-se inserido no projeto “PARTHOS Estudo sobre a relação entre corpo e alma a partir das paixões manifestadas nas mulheres durante o período perinatal fundamentado nos pensamentos de René Descartes e Jacques Lacan” que é desenvolvido desde 2006. Palavras chaves: Paixões, tristeza, alma, corpo, depressão pós-parto 1-Introdução O trabalho que será aqui descrito encontra-se inserido no grupo de pesquisa e intervenção “PARTHOS” que é desenvolvida desde 2006 e tem como objetivo identificar os sentimentos vivenciados pela mulher no período perinatal e no puerpério. Para esta pesquisa iremos focar o sentimento da tristeza no período puerperal, trabalhando especificamente com a depressão pós-parto, como ela ocorre e como podemos diagnosticá-la para poder ser tratada. René Descartes, filósofo moderno, publicou sua obra em 1649, chamada “As Paixões da Alma”. A partir daí, propôs que, para conhecer as paixões da alma, é preciso distinguir entre suas funções e as do corpo. A alma está unida ao corpo, não havendo algo que esteja mais diretamente ligado ao corpo do que a própria alma. Sendo assim o que na alma é uma paixão no corpo é habitualmente uma ação. “As paixões da alma são os pensamentos que mais fortemente abalam a alma e podem ser definidas por percepções, ou sentimentos da alma, a que nos referimos particularmente a elas, são causadas, mantidas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos” (DESCARTES, 1649: 147), ou seja, é na alma que são encontradas as mais fortes emoções, onde o indivíduo sente suas paixões mais profundas e os sentimentos mais extraordinários. Descartes irá enumerar seis paixões primitivas, que são: Admiração, amor, ódio, desejo, alegria e tristeza. E todas as outras serão suas espécies. Na obra “As Paixões da Alma”, a paixão tristeza provém da fraqueza que consiste no incômodo que a alma recebe do mal, por isso quando estamos tristes o corpo fica indisposto, apático e enfraquecido. Para Descartes a definição da tristeza é: “(...) um langor desagradável no qual consiste a incomodidade que a alma recebe do mal, ou do defeito que as impressões do cérebro lhe representam como lhe pertencendo. [...] quando sentimo-nos igualmente tristes como quando o corpo está indisposto, embora não saibamos que ele o esteja. Assim, o prazer dos sentidos é seguido de tão perto pela alegria, e a dor pela tristeza, que a maioria dos homens não os distingue de modo algum” (DESCARTES, 1649: 181 182). Descartes descreve as manifestações corporais da paixão tristeza, dentre elas, o pulso fraco e lento. E além do coração, que o sentimos como laços que o apertam e pedaços de gelo que o gelam friamente, sendo assim a alma só é avisada das reações que acontecem por intermédio da dor. A tristeza é a origem da dor e insatisfação, por não encontrar alternativas para eliminar o mal que o rodeia. A função da dor para Descartes é: “(...) é impelir a alma a consentir e a contribuir nas ações que podem servir para conservar o corpo ou para torná-lo mais perfeito; (...), pois a alma não é imediatamente avisada das coisas que prejudicam o corpo, a não ser pelo sentimento que possui da dor, o qual produz nela primeiramente a paixão da tristeza (DESCARTES, 1999, p. 185)”. Depois de tratarmos o sentimento da tristeza em Descartes, observaremos como Sigmund Freud, apresenta em sua obra “Luto e Melancolia”, o que é o afeto normal do luto e sua natureza com a melancolia. Na obra Freudiana “Luto e Melancolia” poderíamos dizer que a “perda” é a palavra chave para compreendermos a natureza do luto. Segundo o autor, o luto é uma reação normal a perda do objeto, sendo que esse objeto pode ser uma pessoa querida, um papel social, a liberdade ou o ideal de alguém e assim por diante. Freud explica que no luto o objeto amado não existe mais, portanto o indivíduo está consciente da perda real do objeto. O luto se inicia a partir de uma tristeza intensa devido à perda do objeto amado. Para o indivíduo enlutado, há uma perda de interesse pelo mundo externo e por qualquer atividade que não esteja relacionada com o objeto de amor. Todavia, após um determinado tempo, o luto será superado. Desta maneira, o luto, diferente da melancolia, não é uma patologia. A melancolia é uma patologia que “se caracteriza psiquicamente por um estado de ânimo profundamente doloroso, por uma suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição geral das capacidades de realizar tarefas e pela perturbação de auto-estima esta última característica está ausente no luto. Para Freud, o melancólico: “Demonstra uma ausência de interesse pelo mundo externo, uma desmotivação para realizar as atividades, apresenta um desânimo intenso, perde a capacidade de amar e evidencia, em especial, uma perturbação na auto-estima a ponto de encontrar expressão em autorecriminação (Freud, 1915, p.276), chegando a uma tentativa delirante de autopunição”. Para o melancólico o objeto talvez não tenha realmente morrido como acontece no luto, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor, portanto o indivíduo perdeu seu amor próprio e deve ter tido boas razões para tanto. Sendo assim, Freud aponta “mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua melancolia, está apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém” (Freud, p: 251). Na melancolia, o sujeito diante de uma desilusão e/ou perda reinveste a libido do antigo objeto amado para outro objeto. O sujeito melancólico após o desapontamento e a perda do objeto desejado, redireciona esta libido antes investida no objeto, e agora livre, para o próprio ego, criando uma situação de identificação do ego com o objeto abandonado. Assim, Freud considera: “A analogia com o luto nos levou a concluir que ele sofrera uma perda relativa a um objeto; o que o paciente nos diz aponta para uma perda relativa a seu ego” (Freud, p: 253). Para o melancólico há um empobrecimento do seu ego em grande escala. No luto é o mundo que se torna pobre e vazio, sem sentido; na melancolia, é o próprio ego, o próprio EU que se torna vazio e sem sentido diante da vida, ou seja, é o próprio EU que se torna insignificante. Comparando a teoria Cartesiana com a teoria de Freud, poderíamos dizer que esses dois autores têm em comum uma reflexão da tristeza como um estado de dor da alma, ou seja, a tristeza provoca um estado de dor, um enfraquecimento da alma, segundo Descartes. Para Descartes: “(...) a causa de que a dor produz de ordinário a tristeza é que o sentimento chamado dor provém sempre de alguma coisa tão violenta que ofende os nervos (...)” (Descartes, 1649:183). Freud também vai chamar a disposição para o luto de dolorosa (Freud, 1915: 250). Para dar início a essa pesquisa, foram usadas como obras teóricas “As Paixões da Alma” de Descartes e “Luto e Melancolia” de Sigmund Freud na tentativa de explicar como a paixão tristeza se relaciona com depressão pós-parto manifestada no período puerperal. Para ficarem mais claro esses dois estados, a tristeza cartesiana e a melancolia em Freud, iremos tratar dos transtornos mentais vivenciados pelas mulheres no pós-parto. Existem três tipos de sintomas emocionais que são diagnosticados no pós-parto: O baby blues ou Tristeza Materna, a psicose puerperal e a depressão pós-parto. O Baby Blues, conhecido como tristeza materna, ou, segundo o manual DSM IV por tristeza do pós-parto, afeta setenta (70%) das mulheres nos dez dias após o parto e tem uma duração curta, de semanas. É transitória e não prejudica o funcionamento (DSM IV, 4 Ed). “O transtorno psicótico no puerpério pode ocorrer no período de quatro semanas após o parto. Episódios comuns nesse período incluem flutuações e instabilidade do humor e preocupação com o bem estar do bebê”, segundo o manual de diagnósticos de saúde mental, “esta instabilidade de humor pode variar com intensidade exagerada a francamente delirante” (DSM IV, 4 Ed). “O infanticídio está associado, com maior freqüência, a episódios psicóticos no pós-parto caracterizados por alucinações de comando para matar o bebê ou delírios de que este está sendo possuído” (DSM IV, 4 Ed). Por isso esse distúrbio necessita de uma maior atenção devido a essa possibilidade de ferir o bebê ou até mesmo de ferir a si próprio. Segundo o manual DSM IV, “os episódios depressivos maiores no pós-parto com freqüência têm ansiedade grave e ataques de pânico. As atitudes maternas quanto ao bebê são altamente variáveis, mas pode incluir desinteresse, medo de ficar a sós com o bebê e um excesso de intrusão que inibe o descanso adequado da criança” (DSM IV, 4 Ed). Temos ainda um indicador de episódio depressivo maior com características melancólicas, segundo o DSM IV, as especificações são: perda de prazer por todas ou quase todas as atividades, falta de reatividade a estímulos habitualmente agradáveis, perda ou ganho de peso excessivo, culpa excessiva ou inadequada, acentuado retardo ou agitação psicomotora dentre outros (DSM IV, 4 Ed). Dentre esses sintomas citados pelo DSM IV, temos um que merece ser destacado que é a qualidade distinta de humor depressivo, ou seja, segundo o manual é um humor depressivo vivenciado diferentemente do tipo de sentimento experimentado após a morte de um ente querido (DSM IV, 4. Ed). A depressão pós-parto pode ocorrer por diversos fatores na vida da puérpera. No período perinatal a mulher já pode apresentar alguns sintomas, sendo eles: irritabilidade, tristeza, choro, ansiedade, raiva etc. No pós-parto esses fatores podem se agravar devido às alterações hormonais, psíquicas, físicas e de inserção social que podem refletir diretamente na saúde mental (IACONELLI, 2005: 4). Segundo o manual de diagnósticos de transtornos mentais, as mulheres que apresentam episódios depressivos maiores no pós-parto, apresentam também alterações hormonais. Entretanto: “Este período é singular com respeito ao grau de alterações neuroendócrinas e ajustamentos psicossociais, ao impacto potencial da amamentação no planejamento do tratamento e às implicações a longo prazo de um histórico de tratamento do humor pós-parto no planejamento familiar subseqüente” (DSM IV, 4 Ed). Outros fatores de riscos para DPP podem ser: histórico familiar de depressão, bem como episódios anteriores de depressão da puérpera, histórico de transtornos afetivos, que passaram por problemas de infertilidade, sofreram dificuldades na gestação, vítimas de carência social, mulheres que perderam pessoas importantes, como um filho anterior, que vivem em desarmonia conjugal, dentre outros (IACONELLI, 2005: 4) De tal modo, quadros de depressão podem ser disparados por problemas psicossociais como a perda de uma pessoa querida, do emprego ou o final de uma relação amorosa. Notadamente a depressão nas últimas décadas apresenta um crescente índice de incidência, tornando-se uma questão da saúde pública. Esta patologia interfere na afetividade, na sociabilidade e na sexualidade do indivíduo e onera a sociedade com o afastamento do profissional de seu trabalho e do atendimento médico-psicológico ao cidadão. A depressão pós-parto, pode se manifestar com intensidade variável, tornando-se um fator que dificulta o estabelecimento de um vínculo afetivo seguro entre mãe e filho, podendo interferir nas futuras relações interpessoais estabelecidas pela criança. Sendo assim, diante do quadro apresentado, pode-se perguntar sobre a relação a ser estabelecida entre tristeza, melancolia e luto? Esta relação dar-se-ia pelas semelhanças do quadro geral das circunstâncias que seria uma dor profunda da alma, ou seja, uma tristeza profunda do EU, assim como pelas “situações da vida que as desencadeiam”. Tanto no enlutado como no melancólico há uma perda do objeto; no luto, há uma perda real, e na melancolia essa perda pode ser inconsciente. No melancólico, Freud, ressalta que “a perda de um objeto que escapa à consciência é uma característica central do desencadeamento da melancolia, ao passo que, no luto, temos clareza do que fora perdido” (FREUD, 1915). Todavia, vale lembrar, que segundo Freud, “a pessoa que está de luto difere psicologicamente do melancólico” (FREUD, 1915). Característica essa que se encontra também explicitada no manual de diagnósticos de transtornos mentais que diz assim: “(...) A qualidade distinta do humor, característica do especificador com características melancólicas, é vivenciado pelos indivíduos como sendo qualitativamente diferente da tristeza sentida durante o luto (...)” [DSM IV, 4 Ed.]. Ou seja, o luto é uma reação natural à perda um objeto que não existe mais, logo para Freud, o enlutado “constitui uma atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica (...)” (FREUD, 1915). Assim, a melancolia, segundo Freud, “é uma disposição patológica” (FREUD, 1915), um sofrimento mais profundo da alma. A paixão tristeza apontada por Descartes como ‘um langor, ou seja, um desânimo da alma é também a origem da dor e da insatisfação” (DESCARTES, 1649. Pág.185). John Bowlby, nascido em 26 de Fevereiro de 1907, foi um britânico psicólogo, psiquiatra e psicanalista notável por seu interesse no desenvolvimento da criança e por seu trabalho pioneiro na teoria do apego. O autor foi uma das principais figuras do movimento psicanalítico inglês. A este pensador, compreende-se uma trilogia: “Apego, Separação e Perda”. O primeiro trata o estabelecimento do vínculo da criança entre a mãe e como se dá o comportamento de Apego nos bebês. O segundo volume aborda questões da angústia e da separação quando há o desapego. E o terceiro, apresenta problemas relativos ao luto e aos processos defensivos, tais como a tristeza inserida no contexto da perda. No terceiro volume o autor não discute especificamente sobre a depressão pós-parto, mas dá uma luz acerca do assunto, colocando alguns pontos para os leitores. Uma pessoa triste é diferente de uma pessoa deprimida ou alguém que sofra algum tipo de distúrbio depressivo. A tristeza está relacionada a um estado normal e saudável a qualquer infelicidade que aconteça no decorrer da vida do indivíduo, logo para Bowlby, a maioria dos episódios de tristeza é provocada pela perda, ou previsão de perda, seja de uma pessoa querida, amada ou de papéis sociais (Bowlby, 1907c. p. 258), o que vai ao encontro das idéias de Freud quando diz que “o luto de um modo geral é uma reação à perda de um ente querido, como o país, a liberdade ou ideal de alguém” (Freud, 1915. p. 249). A tristeza, para Bowlby, “é uma questão de período e acredita que com o tempo e assistência esse indivíduo conseguirá recuperar-se e que seu senso de competência e valor pessoal permanece intacto” (Bowlby, 1907c. p. 258). Podemos concluir que a mãe na fase do pós-parto, quando acometida pela tristeza ou ainda pela depressão pós-parto, muitas vezes, não quer realmente cuidar de seu filho. Nesse momento de dúvidas e de aflição, a mulher é tomada por um sentimento de tristeza, de dor. Este sofrimento, segundo Bolwby, são sinais de mães que padecem desse estado doente após o parto. Para Bowlby, há uma dificuldade que flui da relação mãe com o bebê que pode ser prejudicada pelo fato de a mãe estar fisicamente presente, mas emocionalmente ausente. Para ele isso significa que a mãe está fisicamente junto do filho, mas não reage aos seus desejos de receber atenções e carinhos. Bowlby conclui então: “Esta falta de receptividade pode associar-se a numerosas condições, sendo elas: depressão, rejeição, preocupação com outros assuntos” (Bowlby, 1907b. p. 52). Sendo assim, a mãe está meio-presente seja qual for a causa de sua falta de receptividade. Referências Bibliográficas BOWLBY, John. Apego e Perda, tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1985. Volume 3 da trilogia. DESCARTES. René. As paixões da Alma. São Paulo. Nova Cultural, 1996 (Coleção Os Pensadores). DSM-IV- Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Claudia Dornelles; - 4. Ed. ver. - Porto Alegre: Artmed, 2002. FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Obras completas. Imago, 2006. Volume XIV. Completas, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975. IACONELLI, Vera. Depressão pós-parto. Artigo publicado na Revista de Pediatria Moderna, Julho-Agosto, v. 41, nº 4, 2005.