Redescoberta da Perspectiva Escatológica na Teologia

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Redescoberta d a Perspectiva
Escatológica n a T e o l o g i a
Contemporânea
MOISÉS C A V A L H E I R O
D E M O R A I S
Rediscovery of t h e eschatologic
Perspective i n modern Theology
T h e eschatologic theme h a s always
existed i n t h e
Church, b u t w ec a n speak about a rediscovery,
because,
in ancient times, it w a s a final chapter i n Theology, while
in o u r d a y s i ti sa central t h o u g h t i nChristianity. T h e
C h u r c h t h o u g h t a b o u t i t s e l f m o r e a sa n i n s t i t u t i o n t h a n
as a hope to be anounced. I n o u r days w e stress a tension
b e t w e e n a f u t u r e o p e n t om a n a n d a p r e s e n t s e e n a s a n
important part o f this future. T h r o u g h
individualistic
e m p h a s i s given t ot h e a n n o u n c e m e n t o fredemption t h e
eschatologic doctrine o ft h e k i n g d o m o f G o d h a s
been
k e p t i n a secondary levei. T h e r e n e w a l of t h e studies a b o u t
t h e N e wT e s t a m e n t u n d e r l i n e s a g a i n t h e
eschatologic
ideas o ft h e C h u r c h o ft h e first century. T h e c o m i n g u p
o f Úie h u m a n i s t i c e s c h a t o l o g i e s h a d a n i n f l u e n c e , a s t h e
e s c h a t o l o g y o f M a r x i s m , t h a t p r e s e n t a nh i s t o r i e
future
well defined a n d attractive, positively explored b y E m s t
Bloch. Equally w e feel t h e influence of Technology a n d t h e
present scientific h u m a n i s m , that forces C h u r c h to t h i n k
about t h e future o fm a n a n d Church, t h e K i n g d o m o f
God. T h e hope o fthis K i n g d o m m u s t combine with t h e
N e w T e s t a m e n t a n d w i t h t h e w a y o ft h i n k i n g o f m o d e r n
m a n . I nt h i s w a y a r e d e f i c i e n t t h e " c o n s i s t e n t " e s c h a t o logy, w h i c h depreciates t h e m e a n i n g o f t h e C h u r c h
for
the present, a n d t h e eschatology "developed" i n history.
T h e more coherent view is t h e one that focuses t h e K i n g d o m i n t h e p r e s e n t a s w e l l a si n t h e f u t u r e , C h r i s t a l i v e
in history giving t h e feeling o fa tension between " n o w "
a n d " n o t y e t " . I nt h i s v i e w t h e t h o u g h t o f M o l t m a n h a s
n o w m o r e e v i d e n c e . H ep r e s e n t s a p o l i t i c a l t h e o l o g y , r e s ponsible for t h e building o ft h e future
i n a
prophetic
s e n s e , b a s e d o n t h e h o p e o fr e s u r r e c t i o n . T h e r e d i s c o v e r y
of a r e d i m m e n s i o n e d eschatology call t h e C h u r c h to find
t h e true w a y o f c h r i s t i a n love, responsible a n d hopeful,
open to t h e true future i n christian unity.
91
Palavra introdutória
A i n d a me estou a perguntar se
aqui está quem deveria apresentar
esta palestra, nesta semana de ref l e x õ e s sobre a teologia da esperança. E essa interrogação resulta
de três observações: 1 . Q u e m está
a falar encontra-se muito mais env o l v i d o com o ministério pastoral
do que com o magistério teológico,
tendo d e preparar esta palestra em
meio às correrias do trabalho sempre mais exigente d e uma igreja
local; 2. o reconhecimento das próprias limitações por parte de q u e m
f a l a , que o f a z sentir-se como o
marxista q u e , conforme conta Harv e y C o x , ao f a l a r , na Áustria a
uma assembléia da Fed. Mundial
de Estudantes Cristãos, disse q u e
se sentia como um leãozinho numa
imensa cova cheia de Daniéis; 3.
a falta de conhecimento, de q u e m
f a l a , da perspectiva católica no
campo da escatologia, o que força
ainda mais a parcialidade deste
trabalho.
Aceitamos o convite para esta
participação também por três razões: 1 . Porque entendemos o
objetivo dos organizadores desta
semana de dar uma perspectiva
ecumênica às r e f l e x õ e s , a que não
nos poderíamos furtar,- 2. Porque
o convite a um "protestante" parecia indicar o reconhecimento da
contribuição protestante e reformada para a redescoberta da perspectiva escatológica; 3. Porque as
limitações deste trabalho serão cobertas pelo trabalho em grupo.
Este estudo comporta três fases:
] . Uma tentativa d e enumeração
dos fatores que causaram a redescoberta do tema escatológico; 2.
Uma visão panorâmica da escatologia nos teólogos contemporâneos;
3. A l g u m a s observações finais.
92
1 A redescoberta do tema
escatológico
A rigor não se pode afirmar que
a escatologia tenha sido um tema
esquecido da teologia cristã. O
tema da escatologia sempre esteve
presente na história da Igreja. Podemos falar, p o r é m , da redescoberta deste tema pelo menos pelas
seguintes razões:
1. Por muito tempo o tema escatológico ficou confinado a um capítulo final da teologia sistemática.
— Hoje, o tema escatológico é parte central de todo o contexto do
pensamento cristão: a Igreja é a
comunidade escatológica; os sacramentos são sinais escatológicos; o
ministério é o njinistério da esperança cristã; a revelação d e Deus
em Cristo é a revelação escatológica, isto é, o Deus que v e i o e
q u e é, é o Deus que v i r á ; e assim
por diante.
2. A Igreja, no curso de sua
história, tem estado por largo tempo mais voltada para si m e s m a ,
como instituição, do que para a
esperança cristã que anuncia. Bem
pergunta Peter Müller-Goldkuhie:
" N ã o seria a institucionalização generalizada da v i d a da Igreja um
abandono da expectativa da vinda
de Cristo, e, portanto, uma apostasia da herança apostólica?" (1).
Claro está que a compreensão apocalipticista da Parusia, desvanecida
pelo retardamento da volta do Senhor — então atribuído à misericórdia d e Deus — ao lado do paralelo d e s e n v o l v i m e n t o da instituição, no período
pós-apostólico,
provocou essa falta de acentuação
do tema escatológico. Hoje se dá
o inverso. A Igreja toma consciên(I) Peter Müller-Goldschule N.o 1, p. 21.
Concilium, 1969,
cia d e sua missão e m relação ao
mundo contemporâneo. Começa a
perceber que o evento tem de sobrepor-se à instituição e, então,
renasce o tema escatológico.
3. A tensão escatológica foi aten u a d a , na Igreja, pelo fenômeno
da constantinização. A Igreja, prestigiada oficialmente, por f i m livre
das condições de comunidade estigmatizada e p e r s e g u i d a , cede ao
pensamento de q u e é chegado o
fim dos tempos (Agostinho, por
exemplo). A tensão ainda existente
com os padres apostólicos (Ex.:
Inácio — Filas 9. 2 ) , dá lugar a
um triunfalismo q u e joga para um
futuro remoto tudo que não se
pode interpretar como presente.
Hoje, ao contrário, nos mais conspícuos círculos teológicos, recomeça-se a celebrar a tensão entre um
futuro aberto ao homem e o presente q u e é visto como parte importante desse futuro. A história
é vista como prenhe de significado escatológico, razão pela qual
os críticos de Bultmann desconfiam
de sua distinção entre " G e s c h i c h t e "
(afirmação da fé) e " H i s t o r i e " (fatos
materiais da história, v e r i f i c á v e i s ) ,
posto que êle não dá a d e v i d a
conta ao fato d e que os atos redentivos de seus ocorrem, afinal
de contas, objetiva e irredutivelmente no tempo histórico.
4 . A perda da perspectiva escatológica decorreu ainda da ênfase
individualista, por largo t e m p o , na
proclamação da Igreja, com o conseqüente afastamento para
um
plano secundário da doutrina do
Reino de Deus e de todo o tema
escatológico; isto é, o cristianismo
em g e r a l , e o protestantismo em
(2) A. Schweitzer — The Mysticism of Pau! the
Apostie, p. 385.
particular, concentraram-se sôbre
a redenção do indivíduo através d e
Cristo, sem incluir nesse conceito
d e redenção o cumprimento e plena realização do Povo d e Deus e m
Seu Reino. Schweitzer o b s e r v o u ,
com propriedade: " É t e m p o da
cristandade examinar-se e v e r se
nós realmente temos fé no Reino
de Deus ou se meramente retemos
a idéia como fraseologia tradicion a l " (2). — Contemporâneamente,
corrigindo a reflexão da Igreja, os
teólogos têm analisado cada expressão da Bíblia que diz respeito
às "últimas cousas" e ao Reino d e
Deus. É conhecimento comum q u e
os estudos do N o v o Testamento
têm descoberto e reenfatizado o
rico depósito de idéias escatológicas q u e permearam a atmosfera
religiosa da Igreja do primeiro século. A s palavras de J e s u s , o "backg r o u n d " do apocalipticismo judaico
e as insinuantes interpretações paulinas e de outros escritores do
Novo
Testamento,
combinam-se
para apresentar vasto material d e
estudo e exposição do tema escatológico. Não é d e a d m i r a r , pois,
que na redescoberta deste t e m a ,
teólogos e eruditos tenham chegado a tantas conclusões conflituantes, pois as fontes são plenas
de v a r i e d a d e e tantas vezes enigmáticas.
5. É preciso reconhecer também
que a redescoberta do tema escatológico está relacionada ao surgimento d e uma escatologia humanista, a do m a r x i s m o . J ü r g e n Moltm a n n , na análise q u e f a z de sua
própria
peregrinação
intelectual
(3), observa criteriosamente q u e , —
apesar d e a redescoberta do cará(3) Jürgen Moitmann — Poiitics and Practice
of Hope - Christian Century, Vol. LXXXVII,
N.o 10
93
ter escatológico da mensagem de
Jesus é da primitiva comunidade
cristã, do ponto de vista exegetico,
se ter dado por volta de 1 9 0 0 , com
Johannes W e i s s e A l b e r t Schweitzer —, essas descobertas permaneceram limitadas à e x a g e s e ,e que
somente o diálogo cristão-marxista
provocou um efetivo transplante
de conceitos que facilitaram a articulação teórica e prática da perspectiva escatológica da f é cristã.
Esta é, f u n d a m e n t a l m e n t e , uma esperança de transformação e v i t ó r i a ,
e m relação ao m u n d o . Não há d ú v i d a sôbre esse fator da redescoberta do tema escatológico em
nosso tempo. O m a r x i s m o propõe
uma escatologia d e f i n i d a , c l a r a ,
q u e se tem tornado a esperança
dos sem esperança. Como filosofia
da história q u e chama o homem à
responsabilidade de participar e
recriar a história da qual êle próprio se torna um produto, o marxismo e x e r c e um fascínio imenso.
Nesse sentido de contribuição a
redescoberta da perspectiva escatológica não se pode d e i x a r d e citar
Ernst Bloch, professor m a r x i s t a .
Para êle o tema básico da filosofia
não é, Como em Heidegger; " o sentido do ser daquilo que é " , mas
"aquilo que ainda não está culminado, o torrão natal ainda não
possuído" (4). É assim que Moitmann se acha em dívida com Bloch
(5), e x a t a m e n t e pelo "princípio da
e s p e r a n ç a " que nêle encontra.
6. Na mesma linha de pensamento precisamos nos referir, aind a , de modo g e r a l , a todo o contexto cultural de nosso tempo que
empurrou a Igreja e os teólogos
para a redescoberta da perspectiva
(4) Cif. H. Cox - Que a Serpente não decida
por nós, — p. 22.
94
escatológica.
Esclarecemos:
relegada a perspectiva teológica a um
segundo plano, no passado, a sociedade secularizada passou a definir a esperança (como faz o marxismo) como a procurar cumprimento dentro dos limites da vida
h u m a n a , chamando o homem à
participação. A s s i m acontece com
todo o naturalismo otimista: a esperança marxista de uma sociedade
sem classes, livre de lutas e temores; a fé humanista no progresso e na perfectibilidade ascendente do h o m e m , através do desenvolvimento científico e tecnológico; o ativismo feroz do indiv í d u o , povo ou nação que procura
cumprimento na pura f o r ç a ; o panteísmo romântico' ou especulativo
q u e encontra redenção na aquiescência. Todas essas tendências são
manifestações
Çscatológicas
que
obrigaram a reflexão da Igreja, em
relação ao futuro do h o m e m , da
Igreja, e ao Reino de Deus.
7. T a m b é m não é possível desconhecer entre os fatores determinantes da redescoberta da escatologia, de modo especial, a indagação teleológica suscitada inarredàv e l m e n t e pelo avanço da ciência
e da tecnologia. " O homem é ser
histórico. Não nasce como um produto acabado. Torna-se o q u e é
em sua relação com a história",
como observa Rubem A l v e s (6).
Se o homem é um ser aberto
para o mundo e para a história,
a transformação rápida do mundo
e da história pelo avanço científico
e tecnológico afeta-o de modo singular, destruindo-lhe vorazmente
valores e conceitos armazenados
numa cultura milenar e despertan(5) J. Moltann - Art. cit.,
(6) Rubem A. Alves ~ A Theology of Human
Hope ~ p. 3.
do nêle essa interrogação: "nesse
passo, para onde v a m o s ? " . Como
diz Paul Tillich, o homem faz indagações religiosas sob aparências
irreligiosas. A s perguntas sôbre direção da história, sôbre últimas
cousas, sôbre f i n a l i d a d e , sôbre sentido da v i d a , se confundem no
tema escatológico para cujos limites o intérprete da história e o teólogo são atirados mais e mais.
8. Por f i m , nesta despretenciosa
enumeração, aberta, evidentemente, para incluir outros fatores concorrentes à redescoberta do tema
escatológico, é preciso fazer referência à influência da filosofia existencialista. Basta referir aqui a
posição de Rudolf Bultmann, o velho professor de Novo Testamento,
em M a r b u r g , o q u a l , se na sua
exegese é radical na desmitologização e na sua teologia é profundamente escatológico, encontra
validade somente nas categorias
oferecidas por uma "interpretação
existencialista como a única soluç ã o " (7) para entender a mensagem do E v a n g e l h e .
II Escatologia em teólogos contemporâneos
a) RitschI, Weiss e a síntese
O s aspectos redentivos e escatológicos se tornaram fracos e incompletos no correr dos tempos,
em contraste com a forte unidade
desses aspectos na fé da Igreja
Primitiva. Se tal f é d e v e ser considerada como normativa para a
nossa f é hoje, devemos concluir
com Schweitzer que "ser um cristão significa estar possuído e dominado pela esperança do Reino
(7) R. Bultmann Kerygma sn Myth,
(8) A. Schweitzer - Op. cit., p. 384.
p.
15
de D e u s " (8). Mas o problema está
em articular tal esperança de modo
que seja ao m e s m o tempo consistente com o Novo Testamento e
inteligível ao nosso modo de pensar hoje. Uma visão panorâmica
das teólogos contemporâneos nos
f a z conscientes desse problema q u e
nos põe perplexos.
Da idéia Ritschiiana do Reino
como uma ordem moral progressiva dentro da história, com sua
ênfase sôbre a construção do Reino
de Deus na terra, os teólogos se
deslocaram abruptamente para a
posição completamente antagônica,
cujo expoente m á x i m o foi J o h a n nes W e i s s , de que o Reino nada
e n v o l v e da presente ordem do
m u n d o , mas q u e é puramente escatológico e não-histórico, como último dom d i v i n o , ao invés de uma
construção h u m a n a . Mais recentemente, no entanto, a tendência foi
para a síntese entre esses dois extremos, uma síntese que leva em
conta tanto a d i v i n a revelação de
Deus em Seu Filho, como a ação
de Deus na esfera da história, com
a cooperação do h o m e m .
b) Escatologia "consistente"
Não resta d ú v i d a que os estudos
d e J o h a n n e s W e i s s marcaram decisivamente todos os estudos do
Novo Testamento e da teologia
dogmática posteriores. "Seu livro
'A Pregação de J e s u s a respeito do
Reino de Deus', publicado em
1 8 9 2 , t e m , em seus próprios limites, uma importância igual à da
primeira " V i d a
de J e s u s " ,
de
Strauss. Weiss suscita a terceira
grande alternativa que o estudo da
vida de J e s u s despertou. A pri(9) A. Schweitzer ~ The Quest of the Historical
Jesus, p. 237.
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m e i r a , colocada por Strauss f o i :
puramente história ou puramente
sobrenatural. A s e g u n d a , colocada
pela escola de Tübingen e Holtzmann f o i : sinótica ou joanina.
A g o r a aparece a terceira: escatológica ou n ã o " (9).
Na mesma linha de W e i s s colocou-se A l b e r t S c h w e i t z e r , o q u a l ,
mesmo admitindo a autenticidade
da passagem de Mt. 16, 18 ("Tu
és Pedro e sôbre esta pedra edificarei a minha I g r e j a . . . " ) , declara que J e s u s se refere não à
Igreja sôbre a terra, mas à comunhão dos santos que está para ser
manifestada na vinda do Filho do
H o m e m , em acordo com a profecia
de Enoque (10). A Igreja é concebida, pois, como uma entidade
escatológica, sem significado para
o presente. Para Schweitzer a pergunta é esta: Preocupar-se-ia J e s u s
em edificar uma Igreja que daí a
pouco seria destruída? Conforme
Schweitzer, Paulo procurou explicar
a existência do povo eleito entre a
ressurreição e a volta de Cristo,
ensinando que participavam da
nova v i d a da ressurreição com
Cristo, durante o tempo da expectação (11). A s s i m Paulo queria mostrar q u e a comunidade dos eleitos
já gozava dos poderes espirituais
sobrenaturais m e s m o antes da ressurreição dos mortos no último d i a .
Diz Schweitzer: " C o m o os crentes
morreram e ressuscitaram com Cristo, e possuem o Espírito, são já
participantes do Reino de Deus,
embora não sejam manifestados
como tal até q u e o Reino c o m e c e "
(12). Dessa f o r m a Schweitzer percebeu em Paulo o caráter dialético
(10) A. Schweitzer — The AAysticIsm of Paul the
Apostie, p. 103.
(11) A. Schweitzer - Op. cit., p. 109.
(12) A. Schweitzer - Op. cit., p. ,120.
96
da relação Igreja—Reino de Deus,
de modo q u e , d e alguma f o r m a , o
Reino está presente e, contudo, se
realiza no futuro.
c) Escatologia "realizada"
Como a contrapartida da escatologia "consistente" s u r g e , com C.
H. D o d d , a escatologia " r e a l i z a d a " .
Diz êle que "enquanto a escatologia
judaica encara o f i m do processo
histórico como o cumprimento necessário do qual depende o sentido
da história, o cristianismo acha o
cumprimento da história
numa
série de eventos atuais — dentro
da história — especialmente a v i d a ,
a morte, a ressurreição de J e s u s , e
a aparição da Igreja como a portadora do Seu eSpírito. A história,
diz ê l e , de fato ainda prossegue e
em uma perspectiva distante terá
um f i m . Mas enquanto isso o verdadeiro " e s c h a t o n " , o evento no
qual seu significado é conclusivamente revelado, já se tornou objeto da e x p e r i ê n c i a " (13).
Para D o d d , portanto, a escatologia não é mais objeto da expectação cristã. Não podemos reproduzir aqui toda a discussão em
torno de suas idéias, mas podemos
dar algumas de suas principais linhas de pensamento. Dodd procura mostrar q u e , a despeito das
referências de J e s u s sôbre o Reino
"por v i r " , os ditos que declaram o
Reino como já " v i n d o " são explícitos e inequívocos ( 1 4 ) , e acrescenta: Não os discípulos, nem os
evangelistas, mas o próprio J e s u s
foi quem primeiro interpretou Seu
próprio ministério, morte e ressurreição como a irrupção do Reino de
(13) C. H. Dodd - The Kingdom of God and
History, p. 23.
(14) C. H. Dodd - The Parables of the Kingdom
— Fontana Books, p. 36.
Deus" (15). Cinco pontos êle apresenta para comprovar sua teoria:
a) a vinda de J e s u s é "a plenitude
do t e m p o " (kairós) em que os profetas disseram viria o Dia do Senhor; b) o " b r a ç o do Senhor é
posto a descoberto" nos muitos
"atos poderosos" q u e J e s u s realizou entre o p o v o ; c) os poderes
do mal são sobrepujados e e x p u l sos, no seu ministério; d) o julgamento tem lugar na presença de
Cristo, em cuja luz os homens pod e m reconhecer suas trevas pecaminosas; e) a v i d a eterna é realizada na experiência daqueles q u e
crêem na ressurreição de J e s u s
(16). Não se pode duvidar da valia
dessas afirmações, mas a visão de
Dodd parece marginalizar
toda
outra evidência neo-testamentária
sôbre a transitoriedade da Igreja
e sôbre a incompletude do Reino
no presente. Não se tem de reconhecer, com Paulo, que o Reino é
realizado agora apenas como um
" a r r h a b o n " , um penhor (2 Co. 1 .
2 2 ; 5.5); Ef. 1.14)? Embora atraente como é, a teoria, de Dodd parece
não fazer justiça c^uer aos ensinos
de J e s u s , quer aos ensinos apostólicos, q u e se relacionam claramente com o "cumprimento f u t u r o "
do Reino de Deus. Esse esquema de
pensamento dificilmente pode ser
aceito sem jogar o Reino de Deus
à categoria de um mero mito ou
símbolo. Dodd mesmo chegou a
declarar explicitamente que o julgamento final é um conceito mitológico e simbólico da teleologia
cristã (17). Não seria consistente
então considerar a idéia do Reino
de Deus da mesma m a n e i r a ?
(15) C. H. Dodd - The Kingdom of God and
History, p. 32.
(16) C. H. Dodd - The Apostolic Preaching and
Its Developments, p. 85ss.
(17) C. H. Dodd - History and the Gospel,
pp. 168-^171.
(18) Vincent Taylor - Jesus and His Sacrifice
- p. 9.
(19) Rudolf Otto - The Kingdom of God and
the Son of Man, p. 62.
(20) E. Brunner — The Divine Imperativa, p.
526
c) O Reino "já, mas ainda não"
Muitos teólogos contemporâneos
concordam
com Vincent
Taylor
q u a n d o êle observa q u e "as discussões sôbre se o Reino é presente ou futuro são estéreis, pois
êle é as duas cousas ao m e s m o
t e m p o " (18). O q u e d e v e ser lev a d o e m conta como decisivo não
é nem mesmo o q u e J e s u s e n s i n a ,
mas Êle próprio v i v e n d o na história. Essa tensão d o " j á " e " a i n d a
n ã o " não pode ser simplesmente
acomodada para tornar fácil um esquema intelectual. S e m p r e encontraremos na Escritura o que Rudolf
Otto chama de " u m a peculiar d u p l a
f a c e , q u e aparecerá s e m p r e como
p a r a d o x a l " (19). Isso significa que
há uma tensão entre o Reino como
presente e m J e s u s Cristo e sua
Igreja e o Reino q u e está para ser
consumado. Emil Brunner acentua
essa mesma tensão e m b o r a de maneira d i f e r e n t e . Diz ê l e : " O último,
o absoluto f i m , isto é, o Reino de
Deus, começa nesta c o m u n i d a d e , a
Igreja". Mas o fato d e que é apenas o " c o m e ç o " e não a " p l e n i t u d e " d e v e ser sublinhado. " A
Igreja é o v é u histórico terrestre
q u e oculta o Reino, o u , m u d a n d o
a f i g u r a , ela é já o Reino em forma d e s e r v o " (20).
Não falaremos a q u i , evidentemente, das tentativas d e f i x a r
datas da Parusia que muitas v e z e s
são feitas por fanáticos adventistas.
Existe, p o r é m , o problema do tempo em relação ao "eschaton". Há
divergências entre os teólogos con-
97
temporâneos sôbre se o Reino se
cumprirá dentro do tempo histórico
ou na esfera da eternidade. Paul
Tillich não nega a possibilidade de
um f i m infra ou supra-histórico,
porque ambos pertencem à fé cristã. Entretanto, sustenta ê l e , a menos q u e saibamos que podemos
falar do f i m somente em símbolos,
e nisso somente e m termos negativ o s , facilmente caímos no erro tão
comum da "utopia transcendente"
(21). Na mesma discussão Tillich
assevera q u e Cristo é o centro da
história, e, portanto, o significado
final da história — isto é, o seu
significado escatológico — consiste
somente na preparação da recepção desse centro (uma concepção
a p r o x i m a d a à de Teilhard de Chard i n . Está claro que Tillich mantém
essa tensão do " j á , mas ainda n ã o " ,
o q u e Reinhold Niebuhr afirma de
forma inequívoca q u a n d o diz que
o f i m da história tem sentido para
o cristão somente com respeito à
v i d a , morte e ressurreição de J e s u s
Cristo (22). AAas ê l e rejeita com
igual vigor o conceito de escatologia que fala somente em linguagem transcendente e aquele que
a esse se o p õ e , de uma escatologia
e x c l u s i v a m e n t e imanente e histórica.
Deus. Diz êle que o real significado
do Reino d e Deus para a mensagem de J e s u s não depende em
nenhum sentido dos eventos dramáticos, mas do efeito do Reino
transcendente sôbre a existência
(23). Isso significa q u e , para Bultm a n n , a mensagem do Evangelho
como mensagem de e para a libertação do h o m e m , tem de ver exclusivamente com a esfera da existencialidade subjetiva.
Conforme
Bultmann entende o pensamento
de J e s u s , o Reino, como ordem
real de pessoas, não existe e não
pode existir. O Reino significa a
vida supra-temporal do próprio
Deus, e todas as referências parabólicas a êle e todos os conceitos
teológicos de sua natureza, são meramente símbolos e mitos. Esse
fato, p o r é m , assevera ê l e , não rem o v e o Reino J a esfera do real,
porque é de fato a realidade final e última. Cada homem confrontado por essa realidade, na f é , terá
de responder, terá de decidir à luz
das exigências divinas para com
êle: " O h o m e m , diz Bultmann,
agora permanece sob a necessidade d e d e c i s ã o . . . seu " A g o r a " é
s e m p r e a última h o r a , na qual a
sua d e c i s ã o . . . a favor de Deus é
e x i g i d a " (24).
Uma das mais peculiares contribuições no estudo da escatologia
cristã e m nosso tempo é a de Rudolf Bultmann. Bultmann não reconhece qualquer real presença
do Reino, no sentido literal, mas
enfatiza o efeito d o Reino totalmente transcendente sôbre a pessoa individual q u e , em cada hora
da v i d a , precisa fazer uma decisão
a favor ou contra a vontade de
É com KarI Barth, p o r é m , que
chegamos à exposição escatológica
na esfera da pura transcendência,
porque em seu pensamento achamos a distinção completa entre o
tempo da história, do calendário,
no qual o homem está confinado,
e o tempo que é província da revelação, de Deus. Em seus primeiros trabalhos, como no seu comentário à "Epístola aos Romanos",
(21) Paul Tillich - The Kingdom of God and
History, p. 225.
(22) Reinhold Niebuhr - Falth and History, p.
175
(23) R. Bultmann — Jesus and the Word, pp,
40ss.
(24) R. Bultmann - Op. cit., p. 131.
98
Barth chega a afirmar que o Reino
de Deus não foi trazido à t e r r a ,
nem mesmo o mais tênue fragmento d ê l e ; e q u e , contudo, foi
proclamado; não v e i o , nem mesmo
em sua forma mais s u b l i m a d a ; e,
contudo está p r ó x i m o , à mão. O
Reino de Deus permanece assunto
da f é , sua revelação em J e s u s Cristo é matéria de f é (25). Deus, para
ê l e , age na história, mas não é
condicionado por e l a , porque permanece acima e além do tempo histórico. Não considera o f i m como
o término do processo histórico,
como se o calendário parasse u m
dia para dar lugar à eternidade. O
tempo não é dissolvido pela eternidade, mas é marcado por ela
como finito. O tempo para o qual
aponta a esperança cristã, não é
o da finitude, mas o da eternidade
de Deus, que não é uma continuação do tempo histórico, mas uma
completamente outra d i m e n s ã o , à
qual também pertence a Encarna-
cilia Barth seu conceito radical da
escatologia com o ensino do N o v o
Testamento a respeito das "últimas
cousas" e do Reino de Deus? A
chave para essa harmonização êle
a encontra nas referências neo-testamentárias ao " R e i n o de C r i s t o "
como distinto do Reino de Deus.
Essa distinção que êle acha clara
em 1 Co. 15. 2 2 - 2 8 e implícita em
C l . 1 . 1 3 , torna possível para Barth
falar de um reino que s e espera
dentro da história e um Reino consumado fora d e l a . Estamos agora
no Reino de Cristo, mas nossa relação com Deus aqui e agora é prov i s ó r i a , uma antecipação da relação
com Êle, em g l ó r i a , que há de vir
(26).
Muitas vozes se< levantaram contra esse radicalismo de Barth, porque julgaram não ter feito ê l e
justiça à doutrina bíblica escatológica, e, assim, Barth, mais recentemente, modificou suas posições
mais e x t r e m a d a s . Sua v i s ã o do
tempo em que o homem v i v e parece niilista, não d e i x a n d o aberturas à participação do homem e
à construção do futuro. Folke Holmstrõm, q u e discute pormenorizadamente as idéias escatológicas de
Barth, acusa-o de ter feito exatamente o q u e procura evitar, isto é,
desloca o pensamento bíblico da
eternidade com uma categoria filosófica — o Absoluto. Como recon-
Seguindo essa mesma pista de
Barth, mas desenvolvendo-a mais
compreensivamente,
Oscar
Cullmann v ê no "Reino de Cristo" a
solução do problema da relação
Igreja—Reino de Deus. A despeito
da opinião e m contrário d e KarI
L u d w i g Schmidt de que o Reino
de Cristo é a mesma cousa que o
Reino d e Deus, no Novo Testamento ( 2 7 ) , C u l l m a n n afirma q u e o
Reino de Deus e o Reino d e Cristo
são tão pouco interligados como a
Igreja e o Reino de Deus. O Reino
d e Cristo e a Igreja não são idênticos, mas estão muito ligados um ao
outro porque participam da mesma
espécie d e tempo. Isso distingue
ambos do Reino de Deus, que não
pertence a este tempo. T a m b é m
para C u l l m a n n , contudo^ "a concepção d e tempo no N o v o Testamento
caracteriza-se
justamente
pela tensão entre "o já r e a l i z a d o "
e " o ainda não consumado". Essa
tensão, continua ê l e , percorre todo
(25) K. Barth 102
(2ó) K. Barth pp. 176ss.
(27) K. L, Schmidt - A Igreja no Novo Testamento - ASTE — Verbete Reino e Rei,
p. 93.
ção.
The Epistie to the Romans, p.
The Ressurrection of the Dead,
99
o N o v o Testamento. Na pregação
de J e s u s , como na da Igreja o
Reino de Deus não está ainda presente e só aparece no f i n a l ; e,
entretanto, já irrompe ali mesmo
onde J e s u s está presente (Mt. 12.
28) (28).
T a l v e z o teólogo de maior evidência na teologia contemporânea
seja J ü r g e n M o i t m a n n . seu livro
"Theology of H o p e " põe de lado,
d e certa f o r m a , essa escatologia
transcendental q u e apresenta um
Deus irreal e uma realidade sem
Deus. No seu próprio dizer não
aceita a alternativa entre uma fé
sem esperança e uma esperança
sem f é . Êle se situa no q u e , com
seu consentimento, se pode chamar
de uma teologia política. Isso significa a opção por uma " p r a x i s "
cristã, uma aceitação imediata da
responsabilidade da construção do
futuro, por parte do h o m e m . Essa,
t o d a v i a , não é uma construção des o r d e n a d a , um humanismo sem
Deus, mas uma efetiva ação do
homem no plano da história, na
qual êle se torna o cooperador de
Deus na construção do Reino que
êle mesmo não poderá consumar.
Para Barth, o futuro está formalmente à frente e o presente não
serve para moldar o futuro. Moitm a n n tenta corrigir essa perspectiva mostrando uma
perpectiva
profética da escatologia-. o f u turo v e m ao presente para atraílo e o homem responde a essa
atração caminhando para o futuro.
É um esquema escatológico que
provoca — talvez como nenhum
outro — a responsabilidade do
h o m e m . Mas qual a base da esperança cristã para M o i t m a n n ? Êle
responde que a "a esperança cristã
(28) Oscar Cullmann — Pedro — discípulo, apóstolo e mártir - ASTE, p. 222.
(29) J. Moitmann - Theology of Hope, p. 194.
100
no futuro v e m da observação de
um evento único, específico — o da
ressurreição e aparecimento de
J e s u s Cristo" (29). Com Barth, êle
afirma q u e nosso futuro depende
de um evento passado: a ressurreição. Mas não identifica o vento da
ressurreição com nosso futuro. A
ressurreição é a base do futuro,
mas esse não é acabado. A ressurreição é a promessa do que v i r á .
Deus é o Deus do futuro. Nossa
confiança em Deus é nossa confiança no f u t u r o , como se o futuro
fosse uma frondosa árvore potencialmente escondida na semente da
ressurreição de Cristo.
Desejo terminar estas considerações sôbre M o i t m a n n , citando estas
suas palavras: "Estou preocupado
com o desenvolvimento de uma
teologia política» Mas tenho resolv i d o também r e í l e x i o n a r , com mais
intensidade do que antes, sôbre o
sentido da cruz para a teologia,
para a Igreja e para a sociedade.
Numa cultura que glorifica o sucesso e a f e l i c i d a d e , e é cega para
o sofrimento d e outros, lembrando
q u e no centro da f é cristã está um
Cristo mal sucedido, sofredor e
agonizante, podem os olhos do
homem se abrir à v e r d a d e , esmagar a tirania do orgulho e acordar
para a solidariedade com aqueles
que são feridos e humilhados por
nossa cultura. A lembrança de que
Deus levanta um crucificado e dêle
faz a esperança do mundo pode
ajudar as igrejas a q u e b r a r e m suas
alianças com os poderosos e entrar
na fraternidade dos pequenos. Está
claro que os pequenos têm bastante advogados, mas êles precisam é
de irmãos" (30).
(30) J . Moitmann - Politics an the Practice of
Hope
— The
Christian
Century,
Vol
LXXXVII, N.o 10
III. o
chamado
da
escatologia
Acrescentamos a q u i , quase num
atrevimento, estas
considerações
finais:
1. A redescoberta da escatologia.
constitui uma chamada à Igreja
para ajudar o homem a descobrir,
no catálogo das possibilidades para
o futuro, aberto q u e m sabe ao
acaso das situações, a via cristã do
amor. M a s , para isso, a Igreja e n carnada na história, terá de descomprometer-se com todas as formas do "status q u o " , para poder
agir a favor do h o m e m , em quaisquer das múltiplas possibilidades.
A Igreja que encontra seu lugar na
sociedade chamada cristã e adquire
crescente influência sôbre a escola,
a imprensa e a política, é automaticamente mais influenciada pelos
poderes da sociedade, especialmente pelo Estado, do que ela
pode imaginar. O modo como largos setores da Igreja cederam ao
nacional—socialismo, na A l e m a n h a
de Hitier, d e v e constituir uma lição
da história à Igrefa toda. A Igreja
d e v e comprometer-se, isto s i m ,
com o homem e n v o l v i d o nessas estruturas da sociedade, mas d e v e
permanecer i n f l e x í v e l à tentação
de se tornar uma instituição rígida
ao lado de outras, reconhecida e
apoiada, bem colocada pelos padrões de sucesso deste m u n d o .
2. O futuro está aberto diante
do h o m e m . Trata-se de um futuro
cheio d e a m b i g ü i d a d e s , para o
homem sem Deus. Nas opções feitas até aqui o homem tem enveredado pelo caminho tortuoso do
aumento das barreiras raciais, sociais e nacionais. Em face das divisões h u m a n a s , terrível retrato
da angústia e ansiedade crescentes, que é do testemunho da re-
conciliação dado pela Igreja? A
redescoberta do tema escatológico,
com todas as suas conseqüências,
d e v e despertar a Igreja para o reconhecimento d e sua responsabilidade de romper com o denominacionalismo e caminhar para a unid a d e , pois a falta d e unidade da
Igreja é um escândalo à mensagem
de reconciliação em Cristo, de que
ela é portadora.
3. A redescoberta da escatologia
é um convite à reavaliação da
esperança como um dom d i v i n o .
H a r v e y Cox chama a atenção para
a afirmativa d e Ernst Bloch d e
" q u e " o princípio da e s p e r a n ç a "
que foi o gênio tutelar do cristianismo primitivo, já não d e v e ser
encontrado no cristianismo; foi assumido em nosso tempo pelos comunistas. São os comunistas q u e
olham com confiança para o f u t u r o ,
enquanto os cristãos pensam melancòlicamente nas províncias perdidas e nos privilégios sepultados"
(31). Está a Igreja pronta a retomar
sua missão junto aos homens, confiando nesse dom divino da esperança e não simplesmente renegar
essa tarefa para guardar-se dentro
de sua terra de C a n a ã ?
4 . A redescoberta da escatologia
é um chamamento para tomarmos
a sério a v i d a do homem aqui e
agora. Na escatologia tradicional o
caminho da esperança é o caminho da rejeição e da f u g a , a rejeição do m u n d o e a fuga para um
reino e um céu " s e p a r a d o s " . Essas
esperanças para-terrenas têm um
elemento v á l i d o : a recusa de aceitar os fatos óbvios da v i d a cotidiana como limites finais à esperança
do h o m e m . Mas encorajam a des(31) Harvey Cox — Que a serpente não decida
por nós, p. 70.
101
preocupação e a irresponsabilidade
com o aqui e agora. V e r , p o r é m ,
o futuro como aberto à construção
do h o m e m , é ser chamado à responsabilidade. A Igreja é chamada
è presença r e s p o n s á v e l , isto é, profética. A escatologia apocalipticista
é um convite à alienação, cria " u m
clima de negação do m u n d o , o f a talismo, o afastamento dos afazeres
humanos e, por v e z e s , até uma v i rulenta a n t i m u n d a n a l i d a d e " (32).
A escatologia telefinalista, no modelo de Lecomte de N o ü y , é cheia
de orgulho, mas desencoraja a iniciativa e a responsabilidade por
ser fatalista. Contra essas perspectivas q u e acomodam o presente a
um futuro f a t a l , a v i s ã o profética
v ê o futuro transformando o passado, isto é , v ê o f u t u r o , com suas
múltiplas possibilidades anulando
o poder determinante do p a s s a d o "
(33). Temos d e nos perguntar se
o futuro não recebe a mediação
d o presente, d e modo que a história seja o meio pelo qual Deus f a z
o futuro, q u e estaria, portanto, totalmente aberto diante de nós. Se
assim é, é sem limites nossa responsabilidade na ação no presente
sob a direção de Deus.
Conclusão
A escatologia, dentro dessas ref l e x õ e s todas, é um convite à renovação. É sintomático q u e , em
Í32) Idem, idem (33) Idem, idem -
102
p. 52.
p. 57.
nosso t e m p o , por toda a parte, nos
mais diversos centros e escolas de
teologia, bem como nas diferentes
igrejas, a recuperação da teologia
da esperança se alia à atmosfera
de renovação e ao chamamento à
responsabilidade do homem e, especialmente, do cristão. O movimento ecumênico do
Conselho
Mundial de Igrejas a escolher para
a A s s e m b l é i a d e Uppsala o Moto;
"Eis que faço novas todas as cous a s " e o chamado do Papa João
X X l l l para o " a g g i o n a r m e n t o " da
Igreja, são os sinais maiores d e
toda a ebulição que nos permite
entrever o futuro com esperança.
A esperança cristã não é um otimismo cego. É esperança que v ê
sofrimento e contudo crê na liberd a d e . Como Jes^s Cristo, seu Senhor, a Igreja endureça seu rosto
na direção da J e r u s a l é m do perigo
e, na perspectiva da Cruz encontre
a glória de servir aos homens amados por Deus. Corra a Igreja os
riscos inerentes à sua renovação.
Deixe a Igreja a procura mundana
de sua segurança. Seja menos ciosa
da organização para o sucesso.
Descubra sua destinação como companhia de f i é i s , e m meio ao intrincado das relações no mundo de
hoje. Aceite os riscos e perigos de
incompreensão e rejeição, porque
seu Senhor foi incompreendido e
rejeitado. Descubra a sua cruz e
carregue-a, confiando na ressurreição.
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