VIVÊNCIAS DE FAMILIARES DE CRIANÇAS COM NEOPLASIAS E AS IMPLICAÇÕES PARA A ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA Liana Dantas da Costa e Silva Barbosa - CRAS Elayna Dantas da Costa e Silva – UNESC Maria Enoia Dantas da Costa e Silva – NOVAFAPI INTRODUÇÃO No grupo populacional de zero a dezoito anos incidem várias doenças crônicas com maior ou menor prevalência, de acordo com as especificidades de cada faixa etária e região geográfica. Dentre outras doenças crônicas infantis, o câncer se destaca pela sua alta incidência e repercussões na vida da criança e sua família. As famílias de crianças com câncer, muitas vezes, sentem-se impotentes para satisfazerem as necessidades relacionadas aos cuidados de saúde de suas crianças e de sustentarem suas vidas familiares. Orientar e apoiar é uma intervenção que pode ser realizada pela assistência psicológica. A partir das questões sentiu-se a necessidade de investigar a temática e definiram-se os objetivos da pesquisa: descrever as vivências de familiares de crianças com neoplasias atendidas na Casa de Apoio à Criança com Câncer “Lar de Maria” e explorar as situações vivenciadas por esses e às implicações para a assistência psicológica. Nessa perspectiva, acredita-se que este estudo seja de relevância pela contribuição na melhoria da qualidade da assistência prestada, a partir do conhecimento da vivência, do sofrimento e das implicações porque passam os familiares de crianças. Poderá ainda, subsidiar novas pesquisas que abordem essa problemática. METODOLOGIA O estudo é de natureza qualitativa, pois, busca compreender e explicar a dinâmica das relações sociais em torno da doença, por serem estas depositárias de crenças, valores, atitudes e hábitos, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado, valorizando os processos e fenômenos, não se limitando a operacionalização de varáveis (MINAYO, 2002). O cenário foi o “Lar de Maria”, em Teresina – Piauí, que ampara crianças carentes com câncer e seus responsáveis, provenientes do interior dos Estados, durante o tratamento ontológico, nesta cidade. Os sujeitos foram os familiares dessas crianças, na faixa etária entre 09 a 10 anos e do sexo masculino. A amostra constituída por três familiares do sexo feminino, duas mães e uma irmã de uma das crianças, que no período encontrava-se em acolhimento na mencionada casa. Os dados foram coletados por entrevistas, utilizando-se um roteiro com questões abertas. Gravadas em fita cassete, com a devida autorização dos responsáveis, as entrevistas possibilitaram os resultados da pesquisa: a vivência da descoberta da doença, o impacto do câncer infantil no sistema familiar a percepções dos familiares sobre as mudanças físicas e comportamentais das e as percepções da família sobre a necessidade de apoio psicológico. A análise foi realizada mediante articulação dos dados anteriormente ordenados e classificados com os referenciais teóricos do estudo. OS FAMILIARES E IMPLICAÇÕES PARA A ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A vivência dos familiares para o enfrentamento da descoberta, tratamento e controle do câncer em seus filhos e irmão e as mudanças psicossociais que esta doença acarreta estão apresentadas nas categorias seguintes: Descoberta da doença Os sinais e sintomas dos tumores infantis, como mostram a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (2000), envolvem manifestações comuns a outras doenças não malignas, como a palidez, anemia, entre outras, de origem indeterminada, perda de peso, sudorese noturna, dor óssea ou nas juntas, persistente, sem história de trauma local, Alguns desses sinais/sintomas foram destacados nas falas das entrevistadas seguintes: [...] A gente descobriu quando ele inchou o braço, inchou a perna. Quando foi levado pro hospital o doutor falou: - vou internar o R., pois ele está passando por uma crise de anemia muito forte. Aí, o doutor o internou. (Mãe de R. J. – 09 anos) [...] Nasceu um caroço muito pequeno no olho dele. Aí, a gente foi consultar em Mangabeira e o médico passou um remédio. (Irmã de P. H. – 09 anos). O G. estava brincando [...] mandei a irmã banhá-lo. Aí, ela disse: O G. está com uma landra no pescoço. Não me importei. Estava pensando que era mesmo [...] no outro dia, já apareceu inchado debaixo do braço [...] na garganta dele. (Mãe de G. P. S. – 10 anos). A partir dos relatos se percebe as primeiras alterações corporais, os sinais, presentes nas crianças provenientes da doença, não fazendo as responsáveis (mães e irmã) nenhuma relação entre estes e o provável diagnóstico de problemas oncológicos. Este momento é permeado de ansiedade, dor e sofrimento, causando impactos emocionais e físicos nas famílias: [...] O doutor falou pra mim: olha, seu filho está muito doente. Ele vai morrer. Então, me desesperei [...] recebi a notícia e fiquei desesperada, sabe? Eu fiquei quase louca. Depois disso, eu nunca mais na minha vida, parei de sentir dor de cabeça. (Mãe de R. J. – 09 anos) [...] A gente ficou muito abalada porque, para nós, foi uma coisa nova. Depois que se descobriu a doença foi acontecendo um problema atrás do outro. (Irmã de P. H. – 09 anos) Impacto do câncer infantil no sistema familiar Após o diagnóstico e durante o tratamento, as famílias enfrentam muitos problemas de ordem psicossociais. Neste sentido, a literatura internacional apresenta um conceito para definir o enfrentamento à doença trazido pela oncologia pediátrica mais especificamente relacionada ao modo como os pais enfrentam o câncer infantil (CLARKE, 1997). A família se defronta com inúmeras dificuldades durante o tratamento da criança, destacando-se as situações de sofrimento físico e emocional que a doença acarreta nas crianças e nos próprios familiares: [...] ele fala sobre o câncer comigo e tenta falar com o pai dele [...] mas, o pai não leva a sério [...] fala pra ele que isso é só um tempo que ele está dando para morrer. (Mãe de R. J. – 09 anos) [...] ele não tem noção do perigo [...] às vezes converso muito com ele [...] a gente não pode assim, falar [...] qualquer coisinha magoa ele e tem que procurar um jeito de falar senão ele chora [...] um dia a gente vai vencer. (Irmã de P. H. – 09 anos) Outra dificuldade apontada pela família, é a de manter a interação saudável entre os familiares. Algumas alterações podem ser observadas na estrutura familiar de crianças com neoplasias, durante o tratamento e controle da doença: o foco da atenção dos pais passa a ser o filho doente; a separação dos membros da família; a interrupção das atividades diárias, tanto da família quanto da criança; desajuste financeiro, limitações na compreensão do diagnóstico. Este fator é evidenciado nas falas das entrevistadas: [...] Eu me separei do pai dele porque ele não quis entender que o menino estava doente [...] ele não estava no colégio, porque no colégio, as outras crianças vão machucar ele [...] eu larguei o meu emprego. Fui obrigada a sair. (Mãe de R. J. – 09 anos) [...] Tenho dez filhos. Ficaram todos lá. Não sei como estão. Se estão passando fome. Se ainda estão vivos. Desde que fizeram a biópsia e deu que era câncer, a doutora mandou eu vir pra cá e até hoje estou. (Mãe de G. P. S. – 10 anos) As percepções desses familiares sobre as mudanças físicas e comportamentais de crianças com neoplasias O aspecto crônico do câncer diferencia as crianças portadoras, pois elas têm um período de tratamento longo, com internações freqüentes, separação da família, perda das atividades educacionais e recreativas, podendo apresentar reações de agressividade ou depressão. Estas reações podem ser evidenciadas: [...] Ele é uma pessoa carinhosa, mas, ele era muito agressivo [...] o tratamento deixou ele mais calmo [...] tudo o que eu falava, ele achava que era pro mal dele [...] depois ele recaiu, ficou um menino humilde, um menino carinhoso. (Mãe de R. J. – 09 anos) [...] Ele era assim, uma criança mais calma. Agora, ele ficou um pouco rebelde [...] com facilidade pra chorar. Ele já terminou a radioterapia, está no controle [...] o comportamento dele mudou. Ele ficou mais calmo (Irmã de P. H. – 09 anos) Algumas mudanças comportamentais são percebidas pelas responsáveis das crianças após a descoberta da doença. Esses comportamentos podem ser de agressividade, demonstrando a não aceitação da doença pela criança ou de sensibilização, deixando-as mais calmas, frente o enfrentamento do câncer: [...] O cabelo dele caiu todinho, duas vezes. Ele toma vacina todo mês. Volta de mês em mês para casa. Vem de mês em mês pra Teresina. Faz quimioterapia e radioterapia [...]. É um menino inteligente, mas, devido o problema dele, ele se sente assim, caído na frente de uma criança boa e assim ele leva a vida. Na semana passada, ele deu uma crise depressiva muito forte. Ele falava: - Eu não sei onde estou? Quem sou eu? Não sei. (Mãe de R. J. – 09 anos) As percepções da família sobre as implicações do apoio psicológico O suporte emocional para as crianças, pais e irmãos é um aspecto a ser levado em conta frente ao câncer pediátrico. Uma criança, ao passa por uma situação muito conflitante, como a do câncer, se depara com muitas modificações em seu viver e na forma de enfrentar esta realidade: [...] A semana retrasada ele deu uma crise depressiva muito forte. Não sabia onde estava, quem era. Estava triste. Depois que ele descobriu que tem câncer, ele se sente culpado. Fico muito triste com medo disso. (Mãe de R. J. – 09 anos) Kovács (1998) afirma que o objetivo principal da intervenção do terapeuta em pacientes com câncer e sua família é a de considerar as necessidades e desejos individuais como centro do tratamento. Nas afirmações das entrevistadas podemos perceber claramente esse sentimento: [...] Eu queria assim [...] que ele aprendesse alguma coisa pra ele e pra mim também, pra eu saber lidar com os problemas dele e com a minha tristeza [...] o organismo de defesa dele está muito fraco. Qualquer coisa o abala. Queria que ele aprendesse alguma coisa pra ficar mais forte [Mãe de R. J.] (09 anos) A necessidade de apoio emocional e psicológico, para ajudá-las a enfrentar a doença com equilíbrio e calma é fundamental; conhecer suas limitações, entender seus próprios sentimentos e dos seus filhos para que possam ajudá-los durante tratamento e recuperação da doença e saber lidar com suas expectativas e ansiedades frente a cura ou ao sentimento de fracasso pela morte do paciente (CARVALHO, 2002). Considerações finais A experiência de ter uma criança com câncer na família, desvela necessidades relacionadas às diversas fases ao longo do processo da doença. A doença não afeta só a criança, mas toda a família. Tem um potencial de romper profundamente sua estrutura. Porém, à medida que seus membros adaptam-se à doença, seus papéis e responsabilidades podem mudar. Os vários estados de desequilíbrio vivenciados ao longo da doença são substituídos por um estado de equilíbrio, quando todos os membros da família dominam suas necessidades emocionais e físicas. Ao contrário, quando estas necessidades não são atingidas, permanece o estado de desequilíbrio e os indivíduos devem trabalhar continuamente para o restabelecimento do equilíbrio familiar A partir dos resultados deste estudo percebe-se que o processo de adaptação dos pais se dá de forma dinâmica, com a modificação de suas habilidades e estratégias de enfrentamento da doença, de acordo com o momento clínico pelo qual estão passando. Assim, espera-se contribuir efetivamente para que a compreensão sobre o atendimento psicológico das crianças portadoras de câncer e de suas famílias seja mais aprofundada e incentive novas pesquisas. Palavras Chave: vivências familiares, crianças com câncer, implicações psicológicas REFERÊNCIAS CARVALHO, M. M. Imunologia, estresse, câncer e o programa Simonton de ajuda. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, v. 10,n. 01, 2000. CLARKE, S. L. Reconstructing reality: family strategies for managing childhood câncer. Journal of Pediatria nurses, v. 12, n. 5, 1997. MINAYO, M.C de S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 21. ed. Petrópolis – Rio de Janeiro: Vozes, 2002. KOVÁCS, M. J. Avaliação de qualidade de vida em pacientes oncológicos em estado avançado da doença. São Paulo: Summus, 1998. Projeto Câncer no Brasil.SBOC – Sociedade Brasileira de Oncologia, 2000. Disponível em: < http://www.sboc.org.br/old/sboc/index.asp> Acesso em: 20 nov. 2005. * Psicóloga do Centro de Apoio Social – CRAS/ ASA ** Bacharel em Direito pela UNESC [email protected] *** Professora Mestre da NOVAFAPI [email protected]