INCLUSÃO PERVERSA NA ESFERA DA ASSISTÊNCIA PÚBLICA DE SAÚDE Maria S.da Rocha: Psicóloga clínica. Pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental, Psicanálise e Psicossomática da UFF. Paulo Roberto Mattos da Silva: Professor Associado (Universidade Federal Fluminense/ Br.); Doutor em Psicologia Clínica (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Br.); Diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental, Psicanálise e Psicossomática do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (Universidade Federal Fluminense/Br.); coordenador do projeto permanente "Serviço de Psicologia da Área Cirúrgica"; coordenador do Curso de Psicologia do Pólo Universitário de Rio das Ostras; temas de pesquisa: Os Confins da Psicanálise; A Clínica e O cinema; Psicanálise em Território Médico; Psicopatologia e Transdisciplinaridade; membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Dentro de um contexto de formação que privilegiou o trabalho em instituição pública de saúde, dificilmente poderia tomar a atual situação do atendimento público sem constatar a crise que assola os hospitais públicos e as dificuldades conseqüentes que atingem diretamente a sua clientela, amplificando o sofrimento daqueles que dependem do poder público para enfrentar as agruras do viver em suas múltiplas dimensões. Não é de hoje que a saúde brasileira trava sua luta contra as mazelas políticas, econômicas e sociais que fustigam o país. Vem-se tentando superar suas dificuldades e seus impasses desde o início da era Vargas, quando os limitados direitos referentes à saúde começaram a tomar corpo - ainda contando com as sobras dos Institutos de Aposentadoria e Pensão – e passaram pelo período de incorporação desses institutos, englobados pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), seguindo-se então um remanejamento de siglas e propósitos que transitaram até o projeto do atual modelo de assistência pública à saúde, o Sistema Único de Saúde, o SUS ( May, 1996). Devemos, contudo, reconhecer que o advento do SUS implica em uma superação ainda maior: conseguir sua operacionalidade efetiva. Este mesmo autor considera a falta de uma discussão prévia com os responsáveis por sua aplicação – os profissionais da saúde – um grande descaminho, afirmando que estes deveriam agir como verdadeiros co-autores e avalistas e sendo então os responsáveis pela efetiva ação de pôr em prática seus princípios fundamentais1, que são: 1)Universalidade – 1 SUS de A à Z,disponível na página do Ministério da Saúde Significa que o sistema de Saúde deve atender a todos, sem distinções ou restrições, oferecendo toda a atenção necessária, sem qualquer custo; 2) Eqüidade – Igualdade da atenção à Saúde, sem privilégios ou preconceitos. Implica implementar mecanismos de indução de políticas ou programas para populações em condições de desigualdade em saúde; 3) Integralidade – garante ao usuário uma atenção que abrange as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do Sistema de Saúde. A integralidade também pressupõe a atenção focada no indivíduo, na família e na comunidade (inserção social) e não num recorte de ações ou enfermidades. É em relação à Integralidade que podemos identificar alguns aspectos, já apontados por Mattos e Rocha (2008, p. 71), observados como dificuldades a serem ultrapassadas e que exemplificam impasses na promoção de ações integradas, tomando-se aqui, neste momento, para fins de análise, a Medicina e seu exercício: “Até aqui se coloca em questão o fato do discurso médico não facilitar uma prática clínica, em qualquer de suas modalidades, que escape do eixo prevalente entre o “olhar médico” e o “órgão em mau funcionamento”. Observa-se que, dessa forma, o médico torna-se vítima de si mesmo, e sua prática desponta comportando traço essencial na direção do comprometimento de seu objetivo de implementar um tratamento eficaz de seus pacientes. O grau de desconhecimento da condição de sujeito de seu paciente é diretamente proporcional aos riscos do médico não conseguir alcançar seu objetivo terapêutico, mesmo quando aquele porta uma doença passível de ser bem-assistida pela tecnologia médica.” O SUS,que valoriza as equipes profissionais , define seu papel e sua importância: “Uma gestão pública comprometida com a qualidade da oferta de bens e serviços aos cidadãos deve dispor de equipe profissional qualificada para o exercício da função pública, que tenha os seguintes atributos: mérito, capacidade técnica e política, vocação para serviço público, eficácia no desempenho de sua função, responsabilidade, honestidade e adesão aos princípios e valores da democracia. Assim, uma importante atribuição do gestor municipal é a formação da equipe de profissionais que dividirá com ele as atribuições da gestão.”( pág. Ministério da Saúde, SUS de A à Z2) Desde sua implantação, o SUS investe na formação de equipes na busca de um serviço que ofereça qualidade e garanta as linhas da política de implementação do que ficou denominado como Humanização da Assistência3. Entre elas podemos destacar alguns princípios básicos: “Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia, raça, orientação sexual e às populações específicas (índios, quilombolas, ribeirinhos, assentados, etc.)”. “Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade”. “Apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos”. “Construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS”; (Política Nacional de Humanização). Esses princípios ilustram bem o caráter elevado e os anseios do que hoje se pretende alcançar em termos de atenção à saúde da população. Tendo na questão social um dos patamares dos valores culturais advindos da modernidade4, seria de se esperar que nos tempos atuais os desafios não fossem tão básicos. No entanto as desigualdades5 que persistem no Brasil fazem com que ainda destaquemos a necessidade de políticas públicas 2 Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/topicos/topico_det.php?co_topico=367&letra=E Disponível em http://portal.saude.gov.br/saude/area.cfm?id_area=390 4 BODSTEIN, Regina fala da inclusão da questão social na agenda pública e diferencia a modernidade do modelo capitalista-burguês, tendo seu efeito se manifestando sobre a forma de reinvenção dos direitos, tendo assim chegado às noções de cidadania e da experiência democrática contemporânea. 5 Investigadas e retratadas no artigo “Desigualdade e Pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável” publicado em 2000 por RBCS. 3 que tenham por prioridade a redução de seus efeitos dada a precariedade que se observa no setor. O que se tem visto nas últimas décadas é que do crescimento econômico resultam os únicos mecanismos utilizados que reduziram a pobreza no país, ainda extremamente limitados quanto ao seu impacto (Barros, Henrique, Mendonça, 2000). Isso, no entanto ainda não foi capaz de transformar a realidade da saúde brasileira. A distância que se observa entre a realidade do atendimento de um hospital da rede pública e a de um hospital particular é, em quase todos os casos, ainda muito longa. Esta mesma distância justifica, além dos investimentos materiais necessários, maior investigação dos processos que contribuem para tão dura desigualdade a fim de se encontrar caminhos que possam reduzir seus efeitos danosos, principalmente, no que tange a promoção de uma assistência capaz de sintonia fina com o sofrimento e as necessidades do cidadão. Cabe aqui algum destaque importante: mesmo sendo assinalada a disparidade existente entre a assistência pública e a privada, não se pode negar que, a despeito dos maiores recursos tecnológicos disponíveis na rede privada, muitos dos aspectos humanos e assistenciais observados cotidianamente na esfera pública, migraram para o setor privado, possivelmente, patrocinados pelas ações e exigências das empresas de saúde coletiva e alimentados pela prevalência de uma ótica naturalizada a respeito da doença e do sofrimento. As filas em consultórios e hospitais privados passam a ganhar paridade com aquelas observadas em hospitais públicos, onde não é raro se perder parte do dia, pelo menos, na busca de auxílio de profissional de saúde. O tempo de atendimento segue o padrão público e a produção passa a ser destaque em detrimento da qualidade da assistência oferecida. O vínculo profissional ganha a impessoalidade, marca significativa da rotina em instituição pública, e os atendimentos médicos eivados de ditames e normas, prescritas não só em termos biológicos, mas também sobre o que deveria ser o bem viver lato sensu. Freqüentemente, o argumento de convencimento é cruel e ameaçador, quando a condição de mortal é convocada em prol do estabelecimento das mudanças prescritas sem consideração dos impasses e limitações de ordem social, psicológica e outras, a serem considerados quando se intenta contemplar a Integralidade no âmbito assistencial. Não há timidez no exercício coercitivo. O cidadão é infantilizado e a criança que aí aparece é levada a ter que aprender novas formas de lidar com a vida, direcionada por alguém que, por se julgar legitimado por um campo de saber, supõe maior mestria e conhecimento pleno sobre o complexo existir humano. Logo, pode-se depreender que o sujeito é excluído de sua própria vida, seus recursos e potencialidades de reorganização desconhecidos e desconsiderados por atores sociais no desempenho de sua função assistencial, tanto no contexto público quanto privado, pela estreita imbricação entre saber e exercício de poder. Nestas condições, o sujeito é também excluído de si mesmo, circunstância que demonstra a exclusão social desdobrada pela fenda aberta pela experiência assistencial em termos restritos centrada no aspecto saber–poder, o que acarreta no fato do sujeito ser atingido em sua dimensão mais íntima. Logo, o cuidar, em termos de saúde, se situa em um espaço além da mera aplicação de recursos tecnológicos, indispensáveis, diga-se passagem, mas não suficientes. Queremos destacar aqui que o papel da Integralidade se expressa - na prática exatamente na capacidade dos profissionais para responder ao sofrimento manifesto. Lembrando que a assistência é sempre vinculada a uma experiência individual de sofrimento, ainda que sob semelhanças sociais e econômicas. Isso faz com que em tal conceito partamos do princípio de que defender a Integralidade nas práticas de assistência é defender que a oferta de ações de saúde deva estar em sintonia com o contexto específico de cada encontro que tenha como finalidade o cuidado. ( Mattos, 2004) Os processos geradores de exclusão dividem e criam um grande contingente de sujeitos que - com acesso aos recursos da saúde de forma precária e flutuante sob o ângulo técnico e humano - na verdade deveriam estar para o Estado sob as condições descritas e almejadas pelas políticas do SUS no que tange a cidadania e os direitos a serem preservados. Além disso, não se pode desconhecer que as rotinas das instituições públicas, em geral primam pela exclusão da subjetividade como algo inerente ao humano, reduzindose sua condição de plena cidadania a uma restrita atenção com a doença. Visando o avanço em relação ao tema, Castel (1998) desponta como um autor que não pode ser esquecido. De acordo com sua perspectiva de análise, identifica-se um processo crescente de fragilização e ruptura dos laços que se inserem no trabalho e nas relações sociais e que servem de suporte no cotidiano, podendo culminar na situação de desafiliação6, embora este termo não seja necessariamente o equivalente à ausência completa de vínculos, mas represente a ausência de inscrição do sujeito em estruturas que tenham sentido. Por esta via acabam tornando os indivíduos supranumerários7, uma vez que flutuam na estrutura social sem encontrar um lugar designado. Encontramos relação entre as precarizações no trabalho e o achatamento salarial com o desmantelamento das políticas sociais, serviços públicos e das proteções e direitos sociais anteriormente conquistados. A situação de vulnerabilidade a que está submetida grande parte da população brasileira impõe a condição de exclusão nas relações vigentes nos atendimentos prestados dentro da esfera pública. A vulnerabilidade social, não deixando de produzir suas marcas, se irradia, tornando-se também vulnerabilidade psíquica (Berlinck, 2000). A produção da exclusão pode ser também pensada e ampliada a partir da Psicologia Social, utilizando-se para tal fim a perspectiva de Bader Sawaia que nos propõe pensar este conceito como uma dialética inclusão/exclusão: “ Analisar a ambigüidade constitutiva da exclusão é captar o enigma da coesão social sob a lógica da exclusão na versão social, subjetiva, física e mental(...) a qualidade de conter em si a sua negação e não existir sem ela , isto é, ser idêntico à inclusão ( inserção social perversa). A sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico.” ( Sawaia, 1999, p.7) O uso desta dialética implica em um questionamento quanto a idéia de exclusão social sob um prisma estático, passando-se a pensar em formas de inclusão perversa, como 6 “Efetivamente, desafiliado é aquele cuja trajetória é feita de uma série de rupturas com relação a estados de equilíbrio anteriores, mais ou menos estáveis, ou instáveis” , citação de Castel ( texto de M. B. Wanderley, p. 21 em As artimanhas da exclusão,SAWAYA, 1999. 7 Desnecessários, supérfluos socialmente. afirma a autora. A exclusão serve a produção de processos de inclusão que localizam os indivíduos em espaços sociais específicos e, freqüentemente, não atendem ao respeito de seus direitos e cidadania. Desta forma, amplia-se o raio das reflexões, colocando-se em evidência que processos de inclusão podem mascarar circunstâncias sociais nefastas, mantidas sob um véu que não deixa evidenciar seus reais efeitos no trajeto social. Usar esta dialética implica lançar mão da ética e da subjetividade na análise sociológica da desigualdade. Assim, a exclusão passa então a ser entendida como: descompromisso político com o sofrimento do outro. No contexto atual da saúde encontramos lugar propício para se investigar como se articulam a dialética exclusão/inclusão a partir da noção de inclusão perversa8, em detrimento da noção de exclusão social9, pois coloca em destaque uma ação contínua de inserção do sujeito em um contexto social onde a perversão se acha presente como elemento determinante. As instituições públicas de saúde, como também as privadas, ambas operando a partir do discurso médico, primam pela exclusão da subjetividade como algo inerente ao humano, reduzindo-se com isso a condição de plena cidadania a uma restrita relação assistencial dotando de privilégio somente a doença ou qualquer outra fragilidade vista isoladamente. Sustenta-se aqui que a exclusão da subjetividade na assistência implica em uma forma de inclusão perversa do sujeito no circuito social dos cuidados com a saúde. Nestes termos, cabe recorrer a Castel (2005) para lembrar, a fim de se melhor articular a dimensão social com a psicológica, que por mais que se aumente a segurança social patrocinada pelo estado a partir de dispositivos específicos de larga ação criados ou melhorados constantemente, o que pode ser constatado nas sociedades securitárias, certo quantum de insegurança não se faz desaparecer. Isto porque a polaridade segurança/insegurança remete sempre a uma dialética em que é constante a presença de ambas no plano da vida social. É sob o aporte da Psicanálise que melhor se pode enfocar a questão. Neste sentido é necessário se estabelecer políticas de ação pública que atendam a 8 Parte de uma linha de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Psicopatologia Fundamental, Psicanálise e Psicossomática HUAP/UFF. O LPFPP caminha na direção do diálogo entre as esferas Política e Social e a Psicanálise 9 Os excluídos seriam todos aqueles que são rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, ou seja, de nossos valores. Definição usada por Wanderley no livro de Sawaya, população de maneira efetiva e que, simultaneamente, possam ser reavaliadas constantemente e transformadas a partir de instrumentos de leitura situacional que contemplem todos os atores envolvidos, a dinâmica institucional, a política pública, dentre outros. Mas é importante se ter precisão com relação ao fato de por mais que se busquem elementos para uma maior segurança social, e embora isso sempre se faça necessário para a manutenção da vida em sociedade, algo transbordará inevitavelmente, criando demanda a partir de inscrições fazendo despontar índices de insegurança que extrapolam a proteção da rede social de cuidados. Ultrapassa a esfera de qualquer conformação e possibilidade social a experiência nirvânica da segurança idealizada pelo humano. Birman (1999, p 38) salienta que “Freud pôde enunciar de maneira seca e cortante que a felicidade jamais poderia ser alcançada por uma fórmula universal – como teria preconizado o discurso iluminista da ciência que prometeu bem-estar para todos -, mas apenas de maneira singular, já que seria possibilitada pela economia pulsional10“. Joel Birman apóia-se no texto freudiano “O mal-estar na civilização”, obra onde é acentuado que o desamparo, posição de fragilidade estrutural do sujeito, acha-se vinculado a sua corporeidade tanto no sentido das ameaças da natureza, quanto dos horrores gerados nas relações ambivalentes com os outros. Cabe mencionar que a Psicanálise, contemplando a noção de Laço Social (Quinet, 2006), define e reaviva o quão importante e indissolúvel é a relação sujeito, subjetividade e sociedade. Com Quinet, pode-se reafirmar que participa, tomando lugar de destaque, o relacionamento com os outros como um dos determinantes essenciais do sofrimento do homem. O mal-estar na civilização é o mal-estar dos laços sociais – governar e ser governado, educar e ser educado, analisar e ser analisado, desejar e 10 “Por pulsão, antes de mais nada, não podemos designar outra coisa senão a representação psíquica de uma fonte endossomática de estimulações que fluem continuamente, em contraste com a estimulação produzida por excitações esporádicas e externas. A pulsão portanto, é um dos conceitos da demarcação entre o psíquico e o somático”, Freud, 1910. (ROUDINESCO E PLON, 1998, P.629). ser desejado. Daí ser possível conceber que através do discurso todo tratamento se insere num laço social, isso implicando a renúncia da tendência pulsional de tratar o outro meramente como objeto a ser consumido – “a inclinação do homem é ser o lobo do outro homem” (Quinet 2006, p. 17), pois a civilização exige do sujeito uma renúncia de suas pulsões destrutivas. Não seria enganoso pensar que o fator humano, estando este diretamente vinculado ao eixo de articulação sujeito-subjetividade-sociedade, participa de forma incisiva no status quo observado no contexto da assistência promovida pelas instituições de saúde, responsáveis pela implementação das políticas estabelecidas para a área. O que caracteriza a posição da subjetividade é que ela é insuperável. É atributo da experiência humana e marca do funcionamento psíquico, a busca daquilo que lhe colmate o fato de que por ter sido marcado pela linguagem e tornado-se um animal simbólico, a falta lhe é intrínseca a partir do momento em que, por ação do significante, se constitui naquele que pode saber do seu destino inelutável. O fato de poder conhecer leva o humano a constatar, de forma trágica, a contingência irrefutável do seu encontro marcado com a morte, contudo sem que possa descortinar hora e lugar. Ora um nível adequado de segurança social é direito do cidadão, mas mesmo atendo-se ao legítimo e necessário para a vida social seguir em bom passo, isso não lhe traz como conseqüência alijar sua insegurança ontológica para com a vida. Diríamos que a segurança social merece a devida atenção para o sujeito suportar as agruras da vida, sendo-lhe uma parcela de sofrimento impossível de lhe ser tirada, e dadas certas circunstâncias merece o devido cuidado a ser dispensado por profissional específico na medida em que o viver se lhe mostre insuportável. Portanto, mais do que um aporte material e financeiro às necessidades candentes do setor público de saúde, o que demanda providências urgentes, por outro lado, há que investigar metodologias e práticas que resgatem a cidadania e a inserção subjetiva do sujeito na vida de modo a contemplar em atos concretos o que se prescreve como metas no plano formal. Nesta direção, usuários e profissionais de saúde exigem atenção da mesma ordem. Seguindo-se então nessa direção coloca-se em evidência que as forças em jogo operam resultados nem sempre almejados pelas políticas públicas, desenhadas para melhor atender a população. Procurar-se-á pensar os efeitos iatropatogênicos como fruto do processo de inclusão perversa dos sujeitos, no âmbito da assistência pública de saúde, bem como abordar os impasses que assolam os profissionais submergidos pelo contexto, também, perverso do funcionamento institucional. Podemos, portanto, cogitar que a implementação de ações integradas, aspecto fundamental para a consistência da política de saúde tal qual está preconizada pelo SUS, demanda uma reestruturação das práticas no campo da saúde, a partir de uma concepção transdisciplinar que articule de maneira efetivamente integrada os trabalhos no âmbito médico, psicológico e social. Somente ao se resgatar e contemplar aspectos relativos à cidadania e à subjetividade no circuito institucional dos cuidados com a saúde, melhor dito, cuidados com a vida (Mattos, 2008), é que se pode esperar a efetivação e ampliação da eficácia da política pública em termos de sues objetivos individuais e sociais. BLIOGRAFIA BARROS, R. P. ; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. Desigualdade e Pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. RBCS, 2000, pp. 123-142. BERLINCK, M. T. Psicopatologia Fundamental.São Paulo. Escuta, 2000. BIRMAN, Joel, Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999. BODSTEIN, Regina 1997. Cidadania e modernidade: emergência da questão social na agenda pública. Cadernos de Saúde Pública 13(2).pp.185-204. CASTEL, ROBERT, - As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, RJ, Vozes, 1998. ________ - A insegurança social: o que é ser protegido? 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