1 Estudo Químico-Quântico de Espécies Precursoras de Filmes Nanoestruturados B. Caleffi1, V. C. Fernandes2, K. Capelle3 e P. Homem-de-Mello1 1 CCNH, Universidade Federal do ABC; IQSC, Universidade de São Paulo, S. Carlos, SP, Brasil; 3 IFSC, Universidade de São Paulo, S. Carlos, SP, Brasil 2 Filmes nanoestruturados podem ser formados, por exemplo, com o uso de azocorantes (com aplicações em armazenamento óptico, chaves ópticas, hologramas, grades de relevo superficiais e alinhamento de cristais líquidos). Neste trabalho, são estudadas moléculas utilizadas na composição de alguns materiais nanoestruturados: azocorantes (Sudan 3, Sudan 4, Sudan Red, Orange G e Sunset Yellow), utilizando a Teoria do Funcional da Densidade e o método de solvatação Integral Equation Formulation of Polarizable Continuum Model. Palavras chave — Diazocorantes, Filmes Nanoestruturados, DFT, IEFPCM. I. INTRODUÇÃO A tualmente, a nanotecnologia e as nanociências vêm dando um grande impulso à inovação e à evolução do conhecimento, sendo hoje uma das áreas mais atraentes e promissoras da ciência. Este fato pode ser verificado ao observar o aumento expressivo nos números de trabalhos na área, publicados em importantes revistas científicas da atualidade. [1] Neste contexto, uma importante área de estudo é a de materiais nanoestruturados. Esses materiais apresentam características estruturais bem definidas, e suas propriedades físicas e químicas são de crescente importância para futuras aplicações tecnológicas. [2] Essas propriedades (magnética, óptica, ponto de fusão, calor específico, reatividade de superfície, dentre outras) podem ser afetadas pelo tamanho de partícula e ser de interesse para diversas aplicações como células solares, lasers, análises biológicas, catalisadores, spintrônica e computação quântica. A seguir, são apresentados compostos utilizados na produção de materiais nanoestruturados, com diferentes aplicações tecnológicas, que têm sido objeto de estudo deste trabalho. Atualmente, existem diversos grupos cromóforos utilizados na síntese de corantes. Dentre eles, cerca de 60% pertencem à família dos azocorantes, que se caracterizam por apresentarem um ou mais agrupamentos –N=N– ligados a sistemas aromáticos [3], vide Figuras 1 e 2. Fig. 2. Estrutura geral para os azocorantes: Orange G: R1=H, R2=SO3; Sunset Yellow: R1=SO3, R2=H. Outra área de interesse para a aplicação desses filmes é no alinhamento de cristais líquidos, resultando em processos considerados “limpos“, sem contato mecânico na preparação de substrato, ao contrário do processo de esfregamento de uma superfície polimérica, que pode introduzir impurezas e depositar cargas na superfície, prejudicando o bom desempenho dos dispositivos. [4] Além disso, esses filmes podem ser usados na produção de microtexturas que possibilitam o controle local do alinhamento do cristal líquido possibilitando sua aplicação para gravação a de informações, tais como as memórias ópticas. [5] Pelo fato destes materiais serem hoje estudados para estas e diversas outras aplicações, neste trabalho foi realizado o estudo químico–quântico de alguns diazocorantes em diferentes conformações geométricas. II. OBJETIVOS Fig. 1 Estrutura geral para os diazocorantes estudados: Sudan III: R1=R2=H; Sudan IV: R1=CH3, R2=H; Sudan Red: R1=H, R2=CH3. Estudar, por meio de métodos de química-quântica, moléculas precursoras de filmes nanoestruturados. Foram estudados dois tipos de compostos: azo e diazocorantes, utilizando-se o método DFT. Foi dada especial atenção à inclusão do solvente, utilizando-se o IEFPCM (Integral Equation Formulation of Polarizable Continuum Model). 2 III. METODOLOGIA Foram estudados os diazocorantes Sudan 3, Sudan 4, Sudan Red (Figura 1) e os azocorantes Orange G e Sunset Yellow (Figura 2). Para tanto, foi utilizada a Teoria do Funcional de Densidade (DFT), um método de Mecânica Quântica, que tem sido utilizado intensamente no auxílio da interpretação de resultados experimentais, bem como no estudo de caminhos de reações, de barreiras de reação, da influência de ligantes em compostos de coordenação, em espectroscopia, etc. De acordo com Kohn et al. [6], a DFT é uma linguagem conveniente e universal para a teoria de estrutura eletrônica, que ajuda a unificar a química orgânica, a inorgânica, química de superfície e a ciência dos materiais. Com o avanço computacional, a DFT vem ocupando um espaço ainda maior, tornando-se também uma ferramenta de grande utilidade no estudo de sistemas bioquímicos, como as interações fármaco-receptor e mecanismos de atividade biológica. [7] Foram feitas otimizações de geometria e cálculos de propriedades eletrônicas, utilizando os funcionais B3LYP e LSDA, base DGDZVP, no vácuo e em solução aquosa (simulada com IEFPCM [8]), conforme implementados no programa Gaussian 03 [9], sendo os inputs construídos com o programa GaussView03 [10]. Para garantir que todas as estruturas se tratassem de mínimos na superfície de energia, foram realizados, também, cálculos de freqüência. [12] Os azo e diazocorantes foram estudados em diferentes conformações envolvendo o estereoisomerismo E-Z destes compostos. Para o estudo do equilíbrio tautomérico, presente nessas espécies, foram realizadas otimizações geométricas partindo de dois ângulos H-O-C diferentes com a finalidade de comparar o efeito deste tipo de interação nas propriedades dos compostos estudados. Primeiro foram estudadas moléculas com ângulos H-O-C de 109,5° que após a otimização assumem valores em média de 106°. Essas moléculas otimizadas servem como ponto de partida para novas geometrias após a alteração no diedro H-O-C-C, o ângulo HO-C passa a ser aproximadamente 254°, após a otimização de geometria temos ângulos de aproximadamente 265°. Os dois ângulos obtidos estão representados na figura 4. Figura 4: Ângulos H-O-C obtidos. Os espectros teóricos de absorção foram obtidos pelo método ZINDO a partir das estruturas com geometrias otimizadas em fase gasosa. IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os valores de energa total e espectro de absorção teórico, obtidos para os azo e diazocorantes com ângulos H-O-C de 265° no vácuo são apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. De maneira geral, o estereoisômero E possui uma geometria mais plana e menores valores de energia total, o que indica que é uma estrutura de maior estabilidade. Para os dois azocorantes: Orange G e Sunset Yellow, não foi encontrado com o funcional B3LYP, nenhum ponto de mínimo com ângulo H-O-C=106°, em ambos os casos durante a otimização de geometria, houve rotação no diedro H-O-C-C que resultou em uma molécula de ângulo H-O-C=265°. As conformações EZ e ZE dos diazocorantes possuem valores próximos de energia, com a forma ZE ligeiramente mais estável em ângulos H-O-C=106°. Para ângulos H-OC=265°, a interação de hidrogênio favorece uma maior diminuição na energia total nas conformações EZ, tornando-as mais estáveis em comparação às conformações ZE. Ângulos H-O-C=265° favorecem uma diminuição na energia total devido a interação de hidrogênio e pode resultar em tautomerismo. O equilíbrio tautomérico é estabelecido pelo processo reversível da transferência do hidrogênio HO para o nitrogênio β do grupo azila, formando uma ligação (figura 5), e pode ser notado por valores na distância H-O maiores que H-N. Fig. 3. Equilíbrio tautomérico indicado pela transferência do próton ligado ao oxigênia para o nitrogênio β do grupo azila. A transferência do H foi prevista apenas pelo funcional LSDA. E ocorreu somente nas conformações EE e EZ. Conformações ZE e ZZ possuem geometrias mais distorcidas que apresentam maiores distâncias H-N que dificultam esse tipo de interação. Os espectros de absorção obtidos por métodos teóricos foram comparados com os experimentais que apresentam duas bandas: para o Sunset Yellow 315 e 480, para o Orange G 330 e 480 e para os Sudans em torno de 350 e 530 [11]. De maneira geral, os valores do espectro de absorção obtidos com geometrias de ângulos C-O-H de 264° estão mais próximo dos dados experimentais. Para os diazocorantes, o funcional LSDA apresentou melhores resultados para as conformações EE e EZ onde foram previstos o equilíbrio tautomérico, e o funcional B3LYP para a formação ZZ. Nos azocorantes os valores mais próximos dos experimentais foram obtidos com o funcional B3LYP para a conformação E, e LSDA para a conformação Z. Os estudos envolvendo os efeitos da solvatação realizados para o Sunset Yellow, Orange G são apresentados na tabela 5. Os resultados indicam que as moléculas são estabilizadas pela interação com a água. 3 Tab.1. Energia total e espectro de absorção teórico para o Sudan III, ângulo H-O-C de 265°, no vácuo. Sudan III EE EZ ZE ZZ B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA Et (ua) -1.142,247 -1.135,960 -1.142,222 -1.135,938 -1.142,209 -1.135,916 -1.142,183 -1.135,894 λ (nm) 502,25 541,55 472,43 557,37 406,34 441,5 350,52 425,14 Tab.2. Energia total e espectro de absorção teórico para o Sudan IV, ângulo H-O-C de 265°, no vácuo. Sudan IV EE EZ ZE ZZ B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA Et (ua) -1.220,886 -1.214,174 -1.220,861 -1.214,130 -1.220,851 -1.214,130 -1.220,822 -1.214,112 λ (nm) 507,33 547,79 473,79 553,97 412,56 445,72 347,78 424,38 Tab.3. Energia total e espectro de absorção teórico para o Sudan Red, ângulo H-O-C de 265°, no vácuo. Sudan Red EE EZ ZE ZZ B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA Et (ua) -1.220,882 -1.214,164 -1.220,857 -1.214,136 -1.220,843 -1.214,121 -1.220,821 -1.213,850 λ (nm) 504,49 543,63 472,98 577,09 408,24 441,46 357,34 425,33 Tab . 4. Energia total e espectro de absorção teórico para os azocorantes Sunset Yellow e Orange G, ângulo H-O-C de 265°, no vácuo. Sunset Yellow Orange G E Z E Z B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA Et (ua) -2048,272 -2039,729 -2048,233 -2039,684 -2048,225 -2039,695 -2048,184 -2039,646 λ (nm) 474.95 541.09 285.67 291.29 461.82 500.92 382.65 321.57 Tab . 5. Energia de solvatação para os azocorantes Sunset Yellow e Orange G. Sunset Yellow E Et (ua) Orange G Z E Z B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA B3LYP LSDA -0,228 -0,232 -0,240 -0,245 -0,271 -0,245 -0,283 -0,276 V. CONCLUSÕES O estereoisômero E apresenta maior estabilidade, pois possui uma geometria mais plana, com uma tensão menor entre os ângulos de ligação que resulta em menores valores de energia total em comparação com o isômero Z. A interação entre o hidrogênio (HO) e o nitrogênio β do grupo azila contribui para uma estabilização ainda maior dessas moléculas com possibilidade de equilíbrio tautomérico, previsto apenas pelo funcional LSDA e para porções do tipo E, em que há uma menor distância entre o grupo hidroxila e o nitrogênio β. O funcional B3LYP, de maneira geral, pode apresentar melhores geometrias, porém, não prevê o tautomerismo melhor descrito pelo funcional LSDA que apresentou melhores geometrias para os isômeros EE e EZ dos diazocorantes. Nos azocorantes o substituinte SO3 pode deslocalizar a nuvem eletrônica para suas proximidades por efeito indutivo e “dificultar” a estabilização da carga positiva e negativa formada no oxigênio e no nitrogênio após a transferência de próton. Neste caso onde não ocorreria tautomerismo o funcional B3LYP apresentou melhores resultados (com exceção para o Orange G na conformação Z). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] H. E. Toma, Quim. Nova (Suplemento) 2005, 28, S48-S51. [2] A. P. Maciel, E. Longo e R. Leite, Quim. Nova 2003, 6, 855. [3] A. Kunz, P. Peralta-Zamora, S. G. de Moraes, N. Durán, Quim. Nova, 2002, 25,.1. [4] I. H. Bechtold, Efeitos de Superfície e de Confinamento na Ordem Orientacional de Cristais Líquidos, 2004, tese apresentada ao Instituto de Física, Universidade de São Paulo, 23. [5] I. H. Bechtold, B. Stiller,L. Brehmer, E. A. de Oliveira, Polímeros, 2006, 16, 4. [6] W. Kohn, A.D. Becke, R.G. Parr, J. Phys. Chem. 1996, 100, 12974. [7] H.A. Duarte, Quím. Nova 2001, 24(4), 501. [8] (a) E. Cancès, B. Mennucci, J.J. Tomasi, Chem. Phys. 1997, 107, 3032; (b) B. Mennucci, E. Cancès, J. Tomasi, J. Phys. Chem. B 1997, 101, 10506; (c) E. Cancès, B. Mennucci, J. Math. Chem. 1998, 23, 309. [9] Gaussian 03, Revision D.01, M. J. Frisch et al., Gaussian, Inc., Wallingford CT, 2004. [10] GaussView, Version 4.1, Roy Dennington II, Todd Keith and John Millam, Semichem, Inc., Shawnee Mission, KS, 2007. [11] A.A. Andrade, S.B. Yamaki, L. Misoguti, S.C. Zilio, Teresa D.Z. Atvars, O.N. Oliveira Jr., C.R. Mendonça Optical Materials, 2004, 27, 441. [12] J. Silva; N. DeSouza, V. Fernandes, P. Homem-de-Mello, O.N. Oliveira Jr. J. Colloid and Interf. Sci. 2008, 327, 31. AGRADECIMENTOS: PIC/UFABC, FAPESP.