“NOVAS PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM DOS CIRCUITOS NEUROLÓGICOS” 1 Karina Costa Dias 1, Emilia Angela Lo Schiavo Arisawa2 Universidade do Vale do Paraíba/ Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Mestrado em Bioengenharia, Av. Shishima Hifumi, 2911 Urbanova, São José dos Campos, [email protected] 2 PhD/Universidade do Vale do Paraíba/ Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento,Av. Shishima Hifumi, 2911 Urbanova, São José dos Campos, [email protected] Resumo: Pesquisas recentes indicam que a incidência de afecções neurológicas aumenta diariamente, com quadros diversos e desafiadores para os profissionais envolvidos no tratamento. O sistema nervoso central (SNC) é um sistema complexo que permite interação entre o meio externo e o corpo humano, sendo o neurônio considerado como sua unidade fundamental. Pesquisas recentes têm apresentado o conceito de que a verdadeira unidade fundamental do SNC são as chamadas redes neuronais. Diante disto, este estudo objetivou selecionar e avaliar estudos que revelem os possíveis mecanismos de reabilitação das vias de comunicação do SNC. Foram pesquisados artigos sobre o assunto nas bases de dados Bireme, Pubmed, Scielo e portal Periódicos Capes. Verificou-se que a atividade fisiológica necessária à integração dos circuitos neurológicos é bastante complexa e diante dos diferentes tipos de neuroplasticidade discutidos, conclui-se que o SNC deve ser considerado constantemente durante o processo de reabilitação disponível, aumentando as possibilidades de ganhos funcionais ao indivíduo acometido por afecções neurológicas. Palavras-chave: Plasticidade Neuronal, Sistema Nervoso Central, Reabilitação. Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Introdução: Diversos estudos mostram que a incidência de afecções neurológicas que atingem a população brasileira aumenta a cada dia, trazendo uma diversidade que determina novos desafios para os profissionais envolvidos no tratamento e na reabilitação destes indivíduos (WARD et al., 2003; GASPAR et al., 2003; LELIS, AULER, 2004). Diante desta realidade, podemos justificar a necessidade e relevância de estudos e de investimentos na investigação, tratamento e busca por novas tecnologias para intervenção no sistema nervoso central (SNC). Diante disto, este estudo objetivou selecionar e avaliar estudos que revelem os possíveis mecanismos de reabilitação das vias de comunicação do SNC, visando nortear o atendimento ao indivíduo acometido por afecções neurológicas. O sistema nervoso central (SNC), composto pelo encéfalo e pela medula espinal, é um sistema complexo que permite a interação entre o meio externo e o corpo humano. Assim como os demais tecidos e sistemas em nosso corpo, o sistema nervoso central necessita de oxigênio e glicose em quantidades adequadas para que mantenha seu funcionamento. Sabe-se que o consumo de oxigênio por parte do encéfalo é de aproximadamente 20% do oxigênio total disponível no organismo, fato que comprova sua intensa atividade pela proporcional demanda de nutrientes (LENT, 2004; MACHADO, 2005). As artérias envolvidas na vascularização do SNC formam o polígono de Willis, anastomose arterial composta pelas artérias cerebrais anterior, média e posterior, pela artéria comunicante anterior e pelas artérias comunicantes posteriores direita e esquerda. A interação entre todos esses vasos e suas anastomoses faz com que a vascularização do SNC seja bastante eficiente e se adapte às mais adversas situações e privações (LENT, 2004; MACHADO, 2005). Metodologia: Foram realizadas buscas nas bases de dados Bireme, Pubmed, Scielo e portal Periódicos Capes, no período entre abril e agosto de 2012, bem como foram realizadas consultas em livros considerados referência no assunto. Foram utilizados os descritores plasticidade neuronal, sistema nervoso central e reabilitação. Os artigos selecionados permitiram a elaboração da discussão a seguir. XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de Pós Graduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba. 1 Discussão: Essa extensa rede vascular citada anteriormente é também responsável pela nutrição e oxigenação das principais unidades estruturais do SNC, o neurônio e os gliócitos. O neurônio foi considerado por décadas a unidade fundamental do SNC pela produção e transporte dos sinais elétricos enquanto os gliócitos se destacavam pela fundamental capacidade de influenciar nos sinais elétricos por meio de sinais químicos (NICOLELIS et al., 1997; LENT, 2004; NICOLELIS, 2011). Atualmente, os neurocientistas têm migrado desse conceito experimental reducionista para o conceito do distribucionismo, que considera que a verdadeira unidade funcional fundamental do SNC são as chamadas redes neuronais (NICOLELIS et al., 1997; NICOLELIS, 2011). Este novo conceito de distribucionismo está pautado no fato de que diversos estudos mostram que nenhuma atividade, nem mesmo as vitais para a sobrevivência humana, pode ser programada e executada pela ação de apenas um neurônio isolado, nem mesmo os reflexos de retirada, que necessitam da ação de mais de um neurônio para ocorrer. Considera-se que apesar do neurônio continuar sendo a estrutura anatômica e o elemento básico para possibilitar o processamento de sinais do SNC, este não é capaz de gerar comportamentos ou mesmo movimentos e interações com o meio externo. Portanto, não é possível considerá-los como unidades básicas funcionais, pois não geram funcionalidade alguma durante sua ação isolada (NICOLELIS et al., 1997; NICOLELIS, 2011). A ação dessas populações de neurônios gera o conceito de circuitos neurológicos. Redes de neurônios que se comunicam modulando determinada ação e possibilitando a resposta do corpo humano aos estímulos do meio externo (KLEIM, JONES, 2008). As sinapses são as estruturas que permitem a comunicação entre esse emaranhado de neurônios e gliócitos. Esta interação é possibilitada devido à porção présináptica, à junção comunicante e à porção pós-sináptica. Na junção comunicante tem-se o acoplamento elétrico e químico entre as células para que, após o alinhamento de canais iônicos, sejam formados poros que permitam a transmissão dos sinais. Considerando-se a estrutura do SNC e sua população de neurônios é fácil deduzir que esta comunicação raramente ocorrerá apenas entre dois neurônios, mas sim entre milhares de neurônios concomitantemente, todos trabalhando em prol da geração de um determinado comportamento. Este mecanismo funcional é conhecido como um código neuronal distribuído (LENT, 2004; NICOLELIS, 2011). A neurociência experimental, da década de 1980, tornou possível o mapeamento funcional do córtex cerebral, permitindo a análise de lesões nesse tecido e das consequentes perda de função, de acordo com o local do córtex cerebral atingido, determinando uma visão localizacionista do córtex. Porém, é importante considerar que cada uma destas áreas não funciona de maneira isolada em determinada função, e sim em conjunto com os demais circuitos neurológicos envolvidos no comando e modulação da função (LENT, 2004; NICOLELIS, 2011). O sistema nervoso central possui uma imensa e constante capacidade de adaptação em nível celular, de acordo com os estímulos recebidos do meio externo. A essa capacidade dá-se o nome de neuroplasticidade, que nada mais é do que a capacidade de formação de novos circuitos neuronais a partir de estimulações externas sofridas pelo SNC. Oda, 2002, cita em um de seus trabalhos que “... a abundância de circuitos neurais pode ser modificada pela experiência, assim a plasticidade neural está presente em todas as etapas da ontogenia, inclusive na fase adulta e durante o envelhecimento.” (ODA et al., 2002; HUGUES, 2006). Dentre as plasticidades morfológicas, podemos citar a regeneração axônica, sináptica, dendrítica e somática. A partir do que se conhece até o momento, a plasticidade por regeneração ocorre apenas no sistema nervoso periférico, aonde se encontra um micro ambiente favorável à regeneração das células nervosas após uma lesão (BUONOMANO et al., 1998; HOLLOWAY, 2003; LENT, 2004; HUGUES, 2006). A plasticidade axônica, definida como a capacidade de obter respostas plásticas em axônios não diretamente atingidos por uma lesão ou por um estímulo externo, apresenta XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de Pós Graduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba. 2 um período crítico entre 0 a 2 anos de idade, porém se mantem durante a vida toda do indivíduo. Nas crianças, temos um número enorme de circuitos neuronais durante o período crítico, no entanto se esses circuitos não forem suficientemente estimulados durante seu desenvolvimento, no momento da ‘poda’, os circuitos menos estimulados serão perdidos permanentemente (BUONOMANO et al., 1998; KARNI et al., 1998; HOLLOWAY, 2003; LENT, 2004; HUGUES, 2006). Apesar de não existirem estudos que provem o recrescimento de axônios em indivíduos adultos, um possível exemplo de plasticidade axônica nos adultos são os episódios de síndrome do membro fantasma em indivíduos amputados. Nesses, os axônios das áreas somestésicas corticais vizinhas ao local do silêncio sensorial, ou local de representação do membro amputado, sofrem brotamentos colaterais invadindo a área cortical do membro amputado, gerando um novo local de representação cortical para este neurônio vizinho. Esta invasão pode ser justificada pelo vazio sensorial que a área de representação do membro amputado passa a sofrer após a amputação, justificando a busca do axônio vizinho pelo espaço ‘silencioso’ (BUONOMANO et al., 1998; HOLLOWAY, 2003; LENT, 2004; HUGUES, 2006). A plasticidade sináptica pode ser considerada um modelo celular e molecular da memória, por possibilitar a habituação e a sensibilização, exemplos de aprendizagem não associativa. Esta aprendizagem pode ser influenciada pelo aumento ou diminuição da liberação de neurotransmissores em determinados circuitos neurais, pela captação diferenciada de neurotransmissores ou pela alteração dos sítios sinápticos. A habituação é o processo de redução temporária da eficácia de transmissão sináptica. Por sua vez, a sensibilização é o processo de ganho temporário de eficácia na transmissão sináptica (BUONOMANO et al., 1998; HOLLOWAY, 2003; LENT, 2004; HUGUES, 2006). Em indivíduos adultos a plasticidade dendrítica é possível apenas por meio de alterações das espinhas dendríticas, que podem variar em número, disposição e comprimento. Considerando que as espinhas dendríticas são estruturas fundamentais para o estabelecimento e consolidação da memória, pode-se deduzir a importância que é dada a este tipo de plasticidade (LENT, 2004). Por outro lado, a plasticidade somática é a capacidade de proliferação ou morte de neurônios. Até recentemente, o conhecimento geral que se tinha é de que células nervosas não proliferam nem se regeneram, apesar de células inespecíficas do hipocampo e células de epitélios sensoriais apresentarem tal capacidade. Porém, as células tronco foram trazidas ao conhecimento da população com sua nova capacidade proliferativa. Mesmo que não se tenha ainda total conhecimento de como manipular tal capacidade, o conhecimento das células tronco trouxe consigo a esperança para muitos estudiosos no assunto bem como para indivíduos acometidos por lesões neurológicas centrais (BUONOMANO et al., 1998; HOLLOWAY, 2003; LENT, 2004). Pode-se falar de plasticidade relativa à função, plasticidade funcional, que considera a recuperação e a compensação. O processo de recuperação é a capacidade do indivíduo de readquirir uma função após ter sofrido algum tipo de lesão. Por sua vez, o processo de compensação, como o próprio nome diz, é a capacidade de um indivíduo se adaptar a uma nova condição, fazendo uso das compensações necessárias. É importante que se saiba que uma vez iniciado o processo de compensação, anterior ao processo de recuperação da função, a chance de sucesso da recuperação num segundo momento fica diminuída, considerando que estratégias compensatórias estarão estabelecidas e o SNC terá absorvido tal aprendizado (KOLB et al., 1998; WARD et al., 2003; LENT, 2004; HUGUES, 2006). A neuroplasticidade assume maior relevância quando se tem conhecimento de que ela ocorre durante toda a vida de um indivíduo e que esta pode ser benéfica ou não (CAURAUGH, SUMMERS, 2005; HUGUES, 2006; KLEIM, JONES, 2008). O aprendizado gerado pelos processos de neuroplasticidade, mencionados anteriormente, passa a ser utilizado constantemente pelo SNC para suas futuras estratégias de comportamento em resposta aos estímulos do meio externo e em seu aprendizado constante (WARD et al., 2003; CAURAUGH, SUMMERS, 2005; KLEIM, JONES, 2008). Diante da complexa atividade fisiológica necessária à integração e atividade dos circuitos neurológicos, e diante dos diferentes tipos de neuroplasticidade discutidos, conclui-se que o SNC e suas XVII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XIII Encontro Latino Americano de Pós Graduação e III Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba. 3 capacidades devem ser considerados constantemente durante os processos de reabilitação disponíveis, aumentando desta forma a chance de uma boa estimulação do SNC e as possibilidades de ganhos funcionais ao indivíduo acometido por afecções neurológicas. Deve ser enfatizado também que o SNC está permanentemente susceptível às alterações do meio em que se encontra, trabalhando com o que lhe é disponibilizado, positiva ou negativamente (CLARE et al., 2006). 8- 9- 10- Referências 1- LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios, conceitos fundamentais de neurociência., 2004. 2- MACHADO, A.B.M. 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