A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) LIVESTOCK IN ARAGUAÍNA IN THE CONTEXT OF THE AGRICULTURAL FRONTIER (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias Graduado em Geografia pela UFT – Campus de Araguaína [email protected] João Manoel de Vasconcelos Filho Prof. Dr. do Departamento de Geografia UFRN/CERES/CAICÓ [email protected] RESUMO Este trabalho tem por objetivo descrever o crescimento da pecuária em Araguaína tendo por base o quantitativo de bovinos e a concentração da terra. Buscou-se entender a expansão da pecuária nesse município no contexto da fronteira agrícola, sob a égide da atuação do estado e do capital privado nacional. Os dados apontam que Araguaína se torna grande produtora de bovinos a partir da década de 1980, quando o quantitativo de cabeças supera os quatrocentos mil, paralelo a isso ocorreu à intensificação da concentração de terras. Palavras-chave: Araguaína, pecuária, fronteira agrícola. ABSTRACT This paper aims to describe the growth of livestock in Araguaína based on the quantity Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 37 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho of cattle and land cancentration. He sought to understand the livestock expansion in this municipality in the context of the agricultural frontier, under the domain of the performance of the state and national private capital. The data show that Araguaína becomes a major producer of cattle from the 1980s, when the amount of heads exceeds four hundred thousand, parallel to this was the intensification of land concentration. Keywords: Araguaína, livestock, frontier agricultural. Introdução A situação de fronteira agrícola, com a maciça presença do estado e do grande capital privado, passou a qualificar Araguaína a partir da construção da rodovia BR-153 na década de 1960. Novas ações e objetos passaram a atuar sobre o território, modificando e dando novo significado as ações dos agentes produtores. São acelerados os movimentos, as interações espaciais e as trocas culturais. Momento crucial dessa formação sócio-espacial situa-se, nesse sentido, no período de 1960 a 1990, quando as sementes do que hoje essa cidade se constitui foram lançadas. De um, lado à expansão das atividades urbanas instituíram-se como face da geopolítica de ocupação da Amazônia, cuja tradução foi os “polos de desenvolvimento”. Não obstante, foi nesse período que se formou a base produtiva do campo, com a instauração da produção pecuarista voltada para o mercado, primeiramente nacional, mas, nos últimos anos alcança a internacionalização, tanto do produto como da produção. Nesse contexto, esse trabalho vem descrever as bases territoriais e sociais de algumas nuanças do crescimento da pecuária no município de Araguaína. Além disso, levanta algumas questões que merecem pesquisa quanto a esse tema, mas que aqui não foi explorado. Fronteira agrícola e o crescimento da pecuária em Araguaína Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 38 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Martins (2009) vê a fronteira como um lugar do conflito, em que sujeitos com diferentes temporalidades históricas e sociais entram em conflito, em luta pelo destino das condições de dominação e apropriação do território – é no extremo a fronteira do humano. Ele privilegia o lado da vítima na compreensão da fronteira, isto é, os índios, os camponeses e os pequenos agricultores, os quais são vistos como obstáculos ao lado de cá, do branco, que visa essencialmente à ampliação da acumulação do capital, independente do que seja necessário superar, essa condição deve ser atingida. Para ele “a figura central e sociologicamente reveladora da realidade social da fronteira e de sua importância histórica não é o chamado pioneiro”. Mais, “a figura central e metodologicamente explicativa é a vítima” (MARTINS, 2009, p. 10). Segundo o autor sem essa postura metodológica corre-se o risco de não se observar e analisar o principal na fronteira, que é o aspecto trágico, esse se manifesta no genocídio, nos homicídios, no rapto/captura do outro, na expulsão de camponeses de suas terras e no trabalho escravo. Essa modalidade de exploração do trabalho se traduz em acumulação primitiva porque é, em parte, produção de capital no interior do processo de reprodução ampliada do capital. Isso fica claro se entendermos que, historicamente, pode-se falar em reprodução capitalista de capital, reprodução de capital com base em relações formalmente capitalistas de produção. Mas não se pode falar em produção, capitalista de capital, pois a produção do capital envolve mecanismos e procedimentos próprios da acumulação primitiva [...]. O resultado é capital, é capitalista, mas o modo de obtê-lo não o é (MARTINS, 2009, p. 82. Grifo no original). Essa é a essência da expansão do capital na fronteira amazônica a partir de 1950, não se configurando como um acidente, mas revelando sua própria estrutura. Assim, o grande latifúndio expande seu território na Amazônia, através do poder pessoal que seus proprietários logram – “um poder de vida e de morte” (MARTINS, 2009, p. 76), ainda que camuflado por sistemas de objetos e de ações próprio do meio técnico-científico-informacional. Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 39 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Becker (1974, 1990a, 2007, 2013) não nega os conflitos presentes na fronteira, mas a perspectiva é diferente da precedente, o olhar é direcionado a fronteira móvel, fronteira enquanto recurso – frente pioneira, no qual é privilegiada a expansão do capital e da força de trabalho, produzindo novos usos do território. Seus escritos avaliam, entre outras coisas, o impacto das ações exógenas, expressos na malha programada – vetor técnico-político, no desenvolvimento da região. Redes de circulação rodoviária, de telecomunicações, urbana, etc., subsídios ao fluxo de capital através de incentivos fiscais e crédito a baixos juros, indução de fluxos migratórios para povoamento e formação de um mercado de trabalho regional, inclusive com projetos de colonização, e superposição de territórios federais sobre os estaduais, compuseram a malha tecno-política (BECKER, 2007, p. 27). Tal malha como está implícito na citação, foi comandada pelo Governo Federal. Este criou em 1953 a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVA) através da Lei nº 1.806 de 06.01.1953 –Art. 2º, visando o planejamento econômico e geopolítico, por meio da ocupação da região. A área de atuação da SPVA incluiu os territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé (hoje Rondônia) e Rio Branco, parte do Mato Grosso (na época o Mato Grosso ainda não tinha sido dividido em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), Maranhão, e de Goiás a norte do pararelo 13º, justamente a área que posteriormente seria o Tocantins. O primeiro meio técnico utilizado a esta ocupação foi à abertura de rodovias, sendo que “a rodovia Belém-Brasília1 foi à primeira artéria estabelecida para conectar a Amazônia aos centros dinâmicos do País” (BECKER, 1979, p. 148). A mobilidade da força de trabalho e de capital por e, no entorno desta rodovia foi notável, levando a mudanças na forma e nas funções dos espaços por ela cortados. No entanto, alguns territórios, em que pese outros variáveis (como a situação geográfica), foram melhor beneficiados pela sua construção. É importante ressaltar que “a área da Belém-Brasília não é das mais dinâmicas dentro da fronteira de recursos [...] classifica-se como de ‘colonização em lento 1 Denominação Belém-Brasília é usada por Bertha Becker em vários trabalhos e também por Martins (2009), entre outros autores de renome nacional. No entanto, será adotada nesse trabalho a nomenclatura BR-153 de acordo o nome dado pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e o IBGE à Rodovia Federal que corta Araguaína. Em algumas publicações do DNIT essa rodovia aparece também com o nome Transbrasiliana. Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 40 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho crescimento’” (BECKER, 1977, p. 36), o que torna a ajuda do estado elemento vital no desenvolvimento econômico e social da região. A ação do estado, na verdade, traduziuse pela transferência de mais-valia social para o setor privado nacional, promovendo a ocupação produtiva desses espaços por meio de interesses individuais. Os “fazendeiros médios e grandes, pecuaristas do Sul, principalmente de São Paulo, constituem o novo grupo dominante” (BECKER, 1990b, p. 132), por que essa atividade foi o principal “agente de ocupação espacial” através de “incentivos fiscais” (BECKER; BERNARDES, 1976, p. 9) do corredor da rodovia BR-153. Isso indica que esse grupo passou a influenciar de forma contundente a organização da cidade, nela os serviços tendem a ser instalados em função do poder aquisitivo e da dinâmica dos produtores rurais. Almeida e David (1981, p. 17) ressaltam que esta região “experimentou crescimento rural intenso” através da expansão espontânea ou subsidiada pelo estado. Nesse mesmo sentido Machado (1992, p. 39) afirma que “a maior parte dos projetos pastoris se localizam em áreas marginais da Belém-Brasília”, ainda na sua avaliação, “dos 950 projetos aprovados pela SUDAM, 631 foram para a pecuária, sendo que o tamanho médio das fazendas era de 24 000 ha”. De acordo com Becker (1974, p. 20), “a preferência pela criação de gado se explica por ser ela a atividade mais rentável para ocupar grandes espaços” sem dispensar pomposos investimentos “e pela valorização do produto nos mercados do Sudeste e também, agora, no de Belém, nas Guianas e na Venezuela”. Dessa forma, parece haver acordo entre os estudiosos quanto a principal atividade utilizada na ocupação de Araguaína e região e os dados dispostos no quadro 1 confirmam a tese. Quadro 1 – Ranking dos municípios maiores produtores de bovinos no Tocantins (1960-1990) Anos Municípios Quantidade de bovinos Posição 97837 Porto Nacional 1º 96286 Cristalândia 2º 72569 1960 Palmeiras de Goiás 3º Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 41 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Araguacema Filadélfia Formoso do Araguaia Gurupi 1970 Palmeiras de Goiás Cristalândia Gurupi Araguaína Araguaçu 1980 Peixe Porto Nacional Paranã Araguaína 1990 Araguaçu Arapoema Cristalândia Peixe Fonte: IBGE, 1970, 1974. IPEIADATA, 1980, 1990. 60999 59666 90392 77108 70193 65057 58386 322487 166009 154003 115138 113521 480000 212000 196600 128000 127000 4º 5º 1º 2º 3º 4º 5º 1º 2º 3º 4º 5º 1º 2º 3º 4º 5º Veja que Araguaína surge em nível estadual como uma importante produtora de bovinos somente em 1980, até então o quantitativo de bovinos no município era irrisório em relação ao cenário regional, a partir de então ela sempre figurou entre os principais produtores regionais. A especialização produtiva em Araguaína foi induzida pelo processo de ocupação planejado pelo estado brasileiro, criando e fortalecendo, evidentemente uma “cultura pecuarista” nesse município. A presença de Arapoema, Santa Fé do Araguaia e Filadélfia entre os primeiros colocados acena que se trata de um processo regional, com proeminência de Araguaína. Para se ter uma ideia em 1960 dos 36 municípios do norte goiano Araguaína figurava em trigésimo primeiro na produção de bovinos com apenas 8044 cabeças, isto representava 0,68 % do total. Em 1970, existiam 52 municípios, ela elevou-se à décima sexta posição com 45123 mil cabeças, representando 3,60%. Em 1980 ela se torna a maior produtora de bovinos do estado, com mais de trezentos mil cabeças. Esses Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 42 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho números demonstram que esse espaço na verdade não era um grande produtor de bovinos no cenário regional, tal reversão foi induzida por iniciativas privadas e públicas. Não obstante, houve expressiva expansão da produção de bovinos no Norte Goiano/Tocantins, cada vez mais, a participação deste grupo dos cincos maiores produtores foi reduzida em relação ao total regional. Essa atividade, a partir da criação da BR-153, passou a marcar presença em todos os municípios tocantinenses, ou seja, a acumulação capitalista a partir de então esteve em grande medida a ela associada. Outro indicador da expansão da pecuária em Araguaína é encontrado no uso do solo, o qual apresentou um aumento das pastagens de modo espetacular entre 1960 a 1985 (ver tabela 1). Em 1960 tinha-se escassa expansão das pastagens, com predomínio das naturais, expressando o caráter pouco intensivo e desenvolvido da atividade. Em 1970 todos os usos do solo passaram por crescimento em sua área, especialmente as pastagens plantadas que superaram as naturais, a partir da interferência de um novo modelo de ocupação advindo com a expansão da frente pioneira. Ainda assim, nesse período os arranjos naturais eram predominantes, é somente nos anos 1985 que a pecuária se torna hegemônica em termos de área usada, ocupando 63,62% do território, e as matas e florestas diminuem sua participação no total, ainda que apresentasse crescimento absoluto. Tabela 1 – Uso do solo em hectares no município de Araguaína, 1960, 1970, 1985. 1960 % 1970 % 1985 % 196 930 12195 3673 17320 0 0,57 2,71 35,53 10,7 50,47 1734 13354 22786 72763 181389 303 0,59 4,56 7,79 24,89 62,04 0,1 585 11877 40994 461150 274478 36 0,07 1,5 5,19 58,43 34,78 0,004 Total 34314 Fonte: IBGE, 1970, 1974, 1991. 99,98 292329 99,97 789120 99,97 Usos Lavouras permanentes Lavouras temporárias Pastagens naturais Pastagens plantadas Matas e florestas naturais Matas e florestas artificiais Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 43 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Houve também significativa retração das lavouras permanentes e temporárias. O aumento no período de 1970 foi uma situação efêmera no contexto do uso do solo, e se explica em razão da necessidade, no primeiro momento, de desbravamento do cerrado e, no segundo, de ceder espaço a pecuária. Dessa forma esses três períodos elucidam um fato e uma tendência: expansão horizontal da pecuária; e tendência ainda não materializada à intensificação da mesma com uso de pastagens plantadas em menor área. Concentração da terra A questão da terra sempre esteve ligada a história geográfica brasileira. Desde o período colonial a contemporaneidade percebe-se sua inserção na questão econômica, social, política e cultural desse país, ainda que pese as diversidades regionais. Ela sempre se pautou em mecanismos de inclusão marginal, ou precária, desde o regime de sesmarias, passando pela Lei de Terras de 1850, Estatuto da Terra e a Constituição de 1988. Conforme Martins (1994) no regime de sesmarias as terras eram doadas pelo Rei aos sesmeiros de modo condicional, pois, tinha apenas o direito de posse e de uso, caso não fosse usada economicamente voltaria à coroa. Tal direito dependia da pureza de sangue do concessionário, sendo negado o acesso aos mouros, aos judeus, aos negros e escravos. Quando houve a abolição da escravidão e a criação da Lei de Terras de 1850 esta não teve por finalidade “a liberalização do acesso à terra, ao contrário, o objetivo foi justamente: instituir bloqueios ao acesso à propriedade por parte dos trabalhadores, de modo que eles se tornassem compulsoriamente força-de-trabalho” das fazendas colossais (MARTINS, 1994, p. 76). A aquisição da terra a partir de então se dera por meio da compra, o que inviabilizou o acesso por parte dos trabalhadores. A resolução do impasse foi Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 44 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho relativizada, tendo em vista as relações gestadas entre estado e questão da terra no Brasil, pois, em diversos momentos da história e, nas distintas regiões houve grilagem consentida e doação de terras por parte do estado aos latifundiários. Na análise de Martins (1994) fica evidente como o estado brasileiro sempre obliterou a questão agrária, no sentido de efetivar a reforma agrária, tanto no momento de Ditadura Militar quanto na ulterior redemocratização. O que tem ocorrido nos recentes anos é “a injeção de dinheiro no sistema de propriedade que modernizou parcialmente o mundo do latifúndio” mantendo-se a propriedade da terra, o que afasta a “alternativa de uma reforma agrária que levasse a expropriação dos grandes proprietários de terra com sua consequente substituição por classe de pequenos proprietários” (MARTINS, 1994, p. 80). O resultado é a miríade de grandes propriedades nas mãos de poucos proprietários, negando aos pobres o acesso a terra, fortalecendo a expulsão de trabalhadores, camponeses e pequenos proprietários, aos centros urbanos. Conforme Martins (1997) com a mão-de-obra expulsa e excedente agrava-se a miséria no campo, através da proliferação de uma massa de trabalhadores sazonais e transumantes submetidos a intensos processos de desmoralização e exclusão social e, gerando também miséria na cidade (onde o grande crescimento da população das favelas e cortiços resulta em processos idênticos). O quadro 2 elucida a questão da concentração da terra2 no município de Araguaína. Nos dados, que levam em conta o processo de ocupação do município enquanto frente pioneira (1960), até o ano de 1985, encontra-se a consolidação das oligarquias rurais locais (a concentração da terra nesse município é processual, de modo que tem seu pináculo no ano de 2006). 2 A fim de mitigar lacunas, define-se como critério de pequena propriedade àquelas com menos de 100 hectares. Essa definição obedece naturalmente alguns pressupostos, em primeiro lugar a disponibilidade de dados do IBGE relativo a este grupo de área nos censos aqui analisados. Se levássemos em consideração o critério oficial adotado pelo INCRA, as pequenas propriedades no Tocantins, conforme publicação da EMBRAPA (2012) teriam entre 80 e 340 hectares, em conformidade com a lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 em que são considerados pequenas propriedades aquelas que contêm entre 1 e 4 módulo fiscal, estes em Tocantins equivalem a 80 hectares, mas, os dados do IBGE não trazem essa fragmentação por grupo de área, o que torna impossível tal elaboração. Pelo mesmo critério os grupos de área acima de 1000 hectares serão considerados como de grandes propriedades, entre 100 e 1000 ficam as médias propriedades (segundo o critério oficial média propriedade tem entre 4 e 15 módulos ficais, enquanto as grandes acima de 15 módulos). Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 45 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Quadro 2 – Estrutura Fundiária de Araguaína em 1960, 1970, 1985, 1995, 2006. Anos Grupos de Área Até 10 Estabelecimentos % Área % 1 0,77 8 0,02 28 21,7 1024 2,83 67 51,93 15321 42,35 500 a 1000 27 20,93 13624 37,65 1000 a 2000 6 4,65 6200 17,13 Até 10 129 561 100 29,69 36177 2854 10 a 100 917 48,54 40197 18,05 100 a 500 335 17,73 86541 38,87 56 2,96 37046 16,64 1000 a 2000 20 1,05 28326 12,72 2000 a 5000 10 0,52 27627 12,41 1889 100 222591 100 127 11,21 555 0,06 10 a 100 309 27,29 16492 1,98 100 a 500 400 35,33 500 a 1000 111 9,8 10 a 100 1960 100 a 500 Total 1970 500 a 1000 Total Até 10 1985 1000 a 2000 2000 a 5000 5000 a 10000 10000 a 100000 Total 100 1,28 102669 12,37 78530 9,46 92 8.12 130245 15,7 61 5.38 194597 23,45 24 2,12 169231 20,4 8 0,7 137244 16,54 1132 100 829563 99,96 Fonte: IBGE, 1970, 1974, 1991. Em 1960 seis proprietários detinham 17,13% das terras. Neste período a quantidade de estabelecimentos ainda era relativamente pequena, assim como a área ocupada, o que não impedia uma distribuição assimétrica da terra. Nota-se que desde o princípio do processo de ocupação de Araguaína essa forma de uso do solo foi Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 46 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho estabelecida, o que certamente tem diversas implicações para a cidade e município. Essa produção do espaço agrário araguainense liga-se ao contexto já analisado da questão da terra no Brasil, mas situa-se especificamente no capítulo da expansão da fronteira agrícola, ocorrida, sobretudo, a partir do período militar. Martins (1994) mostra que os militares inviabilizaram a modernização do campo, por meio da reforma agrária, pois, a ocupação da Amazônia realiza-se a partir da união entre capital industrial e capital agrário, isto é, diversos empresários e outros sujeitos com alto poder aquisitivo receberam isenção fiscal para adquirir terras na Amazônia, independente da origem, enquanto legalidade foi nesse invólucro que ocorreram diversas grilagens. Na década de 1970 observa-se a maior quantidade de proprietários de terra na história do município de Araguaína, indicando que houve intenso processo de ocupação por pequenos proprietários. Cerca de 1478 proprietários ocupavam terras com menos de 100 hectares, embora esse grupo representasse apenas, 19,33% da área total ocupada, ou seja, o aumento do número de pessoas ocupantes não modificou a estrutura fundiária, ela se manteve intacta em relação ao padrão inicial da década de 1960. No período seguinte o que se verificou foi à consolidação do processo de concentração de terras. Em 1985 apenas 8 fazendeiros detinham 16 % das terras cuja área era de 137244 mil hectares. Uma das consequências da concentração de terras pode ser expressa pelos diversos conflitos na luta por sua posse, advindo dos deserdados deste processo excludente, que se estabelece no bojo da territorialização do capital no campo. Assim, são protagonistas da luta pela terra, de um lado, os indígenas, camponeses, sem terra e posseiros, e de outro, fazendeiros e empresários rurais e urbanos. As estatísticas divulgadas nos estudos “conflitos no campo Brasil” pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1995 até 2013 confirmam a premissa. Os conflitos pela posse da terra envolveram nesse período 2514 famílias, na maioria sob organização do Movimento dos Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores do Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 47 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho Campo (MTC) e Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Houve a ocupação de 12 fazendas, sendo apenas uma considerada, pelos critérios aqui estabelecidos, média propriedade, com 700 hectares, as outras não tinham menos que 2246 hectares, a maior atingia área de 6000 ha, cuja ocupação procedeu-se por 1600 pessoas, no ano de 2000. À guisa de conclusão Esse trabalho procurou trazer uma discussão sobre como se constituiu a formação da pecuária no município de Araguaína. Os dados apontaram que o crescimento da pecuária ocorreu orientado por políticas públicas e ações privadas no contexto da fronteira, foi, portanto, algo imposto de fora. Além disso, verifica-se crescente concentração da terra, com poucos agentes ocupando grandes espaços. Ao passo que houve retração das lavouras temporárias e permanentes. Essa temática continua aberta e merece mais estudos. Nesse sentido algumas questões se levantam: como tem se comportado a geração de empregos no setor agropecuário ao longo do tempo (considerando empregos formais e informais)? Qual o real alcance da Expoara para a economia da cidade? E quais as implicações que essa festa tem à renovação dos métodos técnicos e organizacionais de reprodução da pecuária no campo (corroborando para que ela continue hegemônica)? Existe relação entre fazendeiros e o mercado imobiliário da cidade de Araguaína? Sem dúvida essas questões ainda permanecem abertas, e tantas outras podem ser levantadas. Referências ALMEIDA, Anna Luiza Ozorio de; DAVID, Maria Beatriz de Albuquerque. Tipos de fronteiras e modelos de colonização na Amazônia: revisão de literatura e especificação de uma pesquisa de campo. Instituto Planejamento Econômico e Social. Brasília: 1981. Revista Tocantinense de Geografia, Araguaína (TO), Ano 04, n.06, Agost-dez. de 2015. Página 48 A PECUÁRIA EM ARAGUAÍNA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA AGRÍCOLA (1960-1990) Reges Sodré da Luz Silva Dias João Manoel de Vasconcelos Filho BECKER, Bertha Koiffmann. A Amazônia na estrutura espacial do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. v. 36 (2), p. 3-36, 1974. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 2 abr. 2013. _____. A implantação da rodovia Belém-Brasília e o desenvolvimento regional. In: Anuário do Instituto de Geociências. Rio de Janeiro, v, 1, p. 32- 46, 1977. Disponível em: <http://www.anuario.igeo.ufrj.br/>. Acesso em: 2 abr. 2014. _____. Política regional e mobilidade populacional numa fronteira de recursos do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. v. 47 (3/4), p. 146-168, 1985. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 2 abr. 2013. _____. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. _____. Amazônia. São Paulo: Ática, 1990a. _____. Fragmentação do espaço e formação de regiões na Amazônia – um poder territorial? In: : Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro. v. 52 (4), p. 117-126, 1990b. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 14 jan. 2013 _____.; BERNARDES, Júlia Adão. Notas sobre a organização espacial da pecuária no Brasil. In: Anuário do Instituto de Geociências. Rio de Janeiro, v, 2, p. 1-17, 1978. Disponível em: <http://www.anuario.igeo.ufrj.br/>. Acesso em: 20 jun. 2013. _____. A urbe amazônida: a floresta e a cidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013. EMBRAPA-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Variação Geográfica do Tamanho dos Módulos Fiscais no Brasil. Sete Lagoas-MG, 2012. IPEADATA. Bovinos – efetivos de rebanhos: 1980, 1990. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 dez. 2014. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agrícola de 1960: Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal. In: VII Recenseamento Geral do Brasil. Série regional, V. 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