SISTEMA DIGITAL PARA MEDIDA DE POTÊNCIAS EM REGIME PERMANENTE SENOIDAL Marcelo Mamoro Ono1 e Eduardo dos Santos Ferreira2 1 Aluno do curso de MPCE da FATEC-SP 2 Prof. Dr. do curso de Materiais da FATEC-SP [email protected] Resumo O Fator de Potência (FP) em instalações elétricas industriais é um parâmetro que define quanto de energia elétrica é convertida em potência útil. Baixos valores de FP implicam em prejuízo para as concessionárias e para o contratante. Neste trabalho apresentamos um sistema didático para o estudo do FP. O sistema é micro processado com interface para usuário desenvolvida em Delphi, no qual se calcula o FP por meio dos valores de tensão e de corrente coletados pelo sistema. A precisão de medida do sistema é de 0,03%. 1. Introdução Em regime permanente senoidal o produto tensão versus corrente é chamado de potência aparente (Pap). A potência útil (P), aquela que pode ser transformada em trabalho, é calculada multiplicando Pap pelo cosseno do ângulo de defasagem entre a tensão e a corrente no circuito (θ) [1]: Devido à grande necessidade do controle do fator de potência, foi desenvolvido um dispositivo capaz de medir a tensão (V), a corrente (I), a freqüência (f), a defasagem (θ), a potência ativa (P), a potência reativa (Q) e a potência aparente (Pap) utilizando o microcontrolador MSP430 da Texas Instruments. Os valores são registrados e enviados a um computador através de um software didático que mostra o diagrama de potências do circuito em tempo real. 2. Descrição do Hardware Na Figura 1 exibimos o diagrama de nosso sistema. O hardware trabalha com duas tensões contínuas, uma de 3 V gerada através de duas pilhas AA em série para alimentação do MSP430, e outra de 5 V gerado através de um conversor DC-DC, utilizado na alimentação do mostrador de cristal líquido, no comparador, no detector de pico e no circuito de comunicação com o computador (MAX232). (1) Em uma instalação industrial a grande maioria das cargas elétricas são armazenadoras de potência reativa (Q), como os motores, transformadores e reatores de lâmpada de descarga. A potência reativa indutiva ou capacitiva não produz trabalho útil, pois é apenas responsável pela formação do campo magnético nesse tipo de carga [1]. A quantidade de potência reativa armazenada é proporcional ao seno da defasagem entre a tensão e a corrente [2]: (2) O maior consumo de energia reativa indica uma diminuição da eficiência do uso da energia elétrica fornecida. A eficiência é medida pelo valor do cosseno de θ, que recebe o nome de Fator de Potência (FP). Este fator pode assumir valores de zero a um, ou seja, de 0 a 100% de aproveitamento da potência aparente [1, 2]. De acordo com a Resolução ANEEL n° 456 de 29/11/2000 [3], o fator de potência mínimo permitido em uma unidade de consumo é de 0,92. Para o consumidor, um baixo fator de potência causa um acréscimo na conta de energia elétrica e obriga o uso de condutores de maior seção. Para a concessionária ele implica em gerar mais energia elétrica e ter um maior investimento no sistema de distribuição, sem ter nenhum retorno financeiro, pois a tarifação é com base na potência útil (P) [4, 5, 6]. Figura 1 – Diagrama em blocos do Hardware. O MSP430 possui internamente um processador de 16 bits conectado a portas de entrada e saída e periféricos. Dentre os vários periféricos, utilizamos o conversor analógico-digital (A/D) de 12bits com circuito de amostra e retenção, os registradores de contagem (timers) e o circuito de comunicação serial (RS-232). Os secundários de um transformador de corrente (Tc) e de um transformador de tensão (Tv) são ligados ao circuito comparador e ao circuito detector de pico. O circuito comparador tem a função de quadrar o sinal senoidal e enviá-lo ao timer do MSP430, que através dele faz a medida da freqüência e da defasagem (θ). O detector de pico é utilizado para transformar o sinal senoidal em um sinal contínuo de amplitude igual ao valor máximo do sinal senoidal. Esta tensão contínua é digitalizada pelo conversor A/D e o dado convertido é utilizado nos cálculos de tensão e corrente eficazes. Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 15 a 19 – Abril / 2010 15 Através do produto tensão x corrente eficazes determinamos o valor da potência aparente (Pap) e utilizando (1) e (2) calculamos P e Q do circuito. O Fator de Potência é calculado dividindo-se P por Pap. Para determinar o valor de pico do sinal senoidal medido, foi construído um circuito retificador de meia onda seguido por um amplificador de ganho unitário. Este circuito é exibido na Figura 2. Figura 2 – Circuito detector de pico. Um diodo retificador (D2) tem a função de bloquear a parte negativa da tensão senoidal em SL1-1. O capacitor C1 em paralelo à impedância de entrada do operacional tem a função de diminuir a ondulação do sinal. Como a impedância de entrada de um amplificador operacional é muito alta a ondulação é pequena. O capacitor cerâmico C3 é usado apenas para filtrar as altas freqüências do sinal de entrada no operacional [7]. O transistor T1 é usado como chave para descarregar os capacitores C1 e C3 antes de fazer uma nova medida da tensão/corrente. A entrada SL1-3 é acionada pelo MSP430 cada vez que o programa envia um pedido de uma nova aquisição. A Figura 3 mostra o sinal de entrada e saída do circuito detector de pico. Foi utilizada uma tensão de referência (Vref) na entrada inversora devido a possíveis ruídos na entrada não inversora. É possível deslocar o ponto de comutação do comparador evitando assim que uma pequena variação da tensão gere uma saturação na tensão de saída. O capacitor C5 é chamado de capacitor de desvio [7] e tem a função de reduzir a quantidade de ondulação e ruído da fonte de tensão que aparece na entrada inversora. O diodo D1 é o BAT 85, que foi utilizado por ter uma baixa queda de tensão, de aproximadamente 0,25V. Este diodo tem a função de retificar o sinal, fazendo com que só passe a parte positiva do sinal no comparador. O diodo zener D5 da Figura 4 tem a finalidade de proteger a entrada do microcontrolador que suporta apenas 3V de entrada. Na Figura 5 exibimos a tensão de saída do circuito comparador. Figura 5 – Sinais de entrada e saída no circuito comparador. Figura 3 – Sinal de entrada e saída no detector de pico. O circuito comparador (Figura 4) tem a função de transformar os sinais senoidais de tensão e corrente em sinais quadrados. Figura 4 – Circuito comparador. A Figura 6 mostra o fluxograma do funcionamento do hardware do sistema. O microcontrolador aguarda receber os caracteres (“A”) enviados pelo programa através da porta serial. Após receber o protocolo válido, iniciam-se as capturas, na transição da borda de subida, e as conversões anológico-digitais (A/D). Após completar a medição por 10 períodos do sinal, o microcontrolador pára de fazer as capturas, desabilita o conversor (A/D) e trata os dados medidos convertendo um dado de 16 bits em dois dados de 8 bits cada, para serem posteriormente enviados pela porta serial, utilizando protocolo de comunicação RS-232. O software que trata os dados enviados pelo microcontrolador para o computador foi desenvolvido em Delphi 7. Esse programa é desenvolvido pela Borland e usa a linguagem Object Pascal. O software desenvolvido recebe duas matrizes com 11 caracteres de 2 bytes. A primeira matriz enviada pelo microcontrolador tem 10 valores de quando ocorreram as bordas de subida do sinal da tensão e o último valor é o valor da tensão medida. A segunda matriz é referente ao sinal da corrente e os 10 primeiros valores indicam quando ocorreram as bordas de subida do sinal da corrente. O último valor é o valor medido, referente à corrente. Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 15 a 19 – Abril / 2010 16 O fluxograma para calcular a freqüência, a defasagem, a potência ativa, a potência reativa e a potência aparente está representado na Figura 7. O programa envia para o microcontrolador um comando “<A>” e espera pelo retorno de dois vetores com 11 elementos cada. Se não tiver a confirmação de recebimento dos dados, o programa envia outro comando para o microcontrolador, “<N>”, e espera o MSP430 enviar novamente os dados. Após receber 46 bytes, o programa verifica se o primeiro e o último byte são respectivamente “<” e “>”. Em seguida, o programa formata o vetor dos dados para juntar dois bytes. Após a formatação, o programa chama uma rotina para os cálculos das potências, da freqüência e da defasagem. O valor do período é calculado através de dois valores consecutivos capturados pelo Timer A do MSP430, no momento da borda de subida do sinal. (3) onde TTimer é o período do timer A e CNA1 e CNA2 são os valores capturados no timer A nas bordas de subida do sinal vindo do comparador. O timer A é responsável pela captura do período da tensão, enquanto que o timer B é responsável pela captura do período da corrente, sendo simultânea a captura de ambos. Para calcular a defasagem, necessitamos determinar a diferença de tempo (Δt) entre a tensão e a corrente: (4) Figura 6 - Fluxograma do Hardware. onde CNB1 é o primeiro valor capturado pelo timer B. A defasagem em radianos (φ) entre a tensão e a corrente é calculada através da equação 5: (5) Assim, o valor da defasagem em graus (θ) é: (6) Na Figura 8, exibimos a tela do software de aquisição. As linhas em cor vermelha, azul e verde representam Pap, P e Q respectivamente. O primeiro gráfico exibe os valores adquiridos ao longo do tempo, e o segundo é o diagrama de potências do circuito capacitivo em teste. Figura 7 - Fluxograma de calculo de defasagem e potências. Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 15 a 19 – Abril / 2010 17 Tabela III: Desvio entre os valores teóricos e experimentais do circuito RC série. f (Hz) 40 50 60 70 80 90 100 Figura 8: Tela do software de aquisição 3. Resultados e Discussões Para verificar o funcionamento do sistema com o programa foi montado um circuito RC e um circuito RL. Os valores de R, L e C são exibidos na Figura 9. Para cada circuito, variamos a freqüência de 40 a 100Hz. Δf (%) 0,03 0,02 0,02 0,03 0,03 0,02 0,02 Δθ (%) -6,23 -7,38 -7,93 -8,64 -9,73 -11,85 -11,17 ΔV (%) 1,01 1,01 1,71 1,71 1,71 1,71 1,71 ΔI (%) 0,98 1,19 1,36 1,40 1,52 1,54 1,53 ΔP (%) 2,18 2,34 3,16 3,18 3,29 3,30 3,27 ΔQ (%) -4,06 -4,98 -4,60 -5,25 -6,18 -8,21 -7,58 ΔPap (%) 1,98 2,18 3,05 3,09 3,21 3,22 3,21 Na Tabela I, apresentamos os valores adquiridos pelo nosso sistema. A Tabela II apresenta os valores calculados para o circuito RC série. A Tabela III exibe o desvio entre os valores teóricos e experimentais. Os desvios apresentados são de aproximadamente 1% para tensão e corrente, de 3% para P e Pap, 4% para Q e de 8% para θ. Estes valores são em média inferiores à tolerância dos componentes testados, que é de 5%, indicando assim que nosso sistema está operando de forma adequada em circuitos capacitivos. O erro de medida aferido para o sistema é de 0,03%, que é um excelente resultado. Tabela IV: Valores adquiridos para o circuito RL série. f (Hz) θ 39,99 49,99 59,99 69,98 79,98 89,98 99,98 7,24 8,91 10,71 12,21 13,95 15,56 17,1 Tensão (V) 1,6 1,6 1,6 1,6 1,6 1,6 1,6 Corrente (mA) 7,83 7,82 7,8 7,78 7,77 7,72 7,68 P (mW) 12,43 12,36 12,26 12,17 12,07 11,90 11,74 Q (mVAri) 1,58 1,94 2,32 2,63 3,00 3,31 3,61 Pap (mVA) 12,53 12,51 12,48 12,45 12,43 12,35 12,29 Tabela V: Valores calculados para o circuito RL série. Figura 9: Circuito RC e RL testados. A resistência de 118Ω é devido ao efeito ôhmico dentro do indutor. Tabela I: Valores adquiridos para o circuito RC série. f (Hz) θ 39,99 49,99 59,99 69,98 79,98 89,98 99,98 -10,89o -8,84o -7,42o -6,41o -5,67o -5,14o -4,60o Tensão (V) 1,40 1,40 1,39 1,39 1,39 1,39 1,39 Corrente (mA) 13,78 13,83 13,85 13,87 13,87 13,88 13,89 P (mW) 18,94 19,13 19,09 19,16 19,18 19,22 19.24 Q (mVAri) -3,64 -2,98 -2,49 -2,15 -1,90 -1,73 -1,55 Pap (mVA) 19,29 19,36 19,25 19,28 19,28 19,29 19,31 Tabela II: Valores calculados para o circuito RC série. f (Hz) θ Tensão (V) Corrente (mA) P (mW) Q (mVAri) 40 50 60 70 80 90 100 -10,25o -8,23o -6,88o -5,90o -5,17o -4,60o -4,14o 1,41 1,41 1,41 1,41 1,41 1,41 1,41 13,92 14,00 14,04 14,07 14,08 14,10 14,11 19,37 19,59 19,71 19,79 19,84 19,87 19,90 -3,50 -2,83 -2,38 -2,05 -1,79 -1,60 -1,44 Pap (mVA ) 19,68 19,79 19,86 19,89 19,92 19,94 19,95 f (Hz) θ 40 50 60 70 80 90 100 6,58 8,20 9,81 11,41 12,98 14,54 16,08 Tensão (V) 1,78 1,78 1,78 1,78 1,78 1,78 1,78 Corrente (mA) 8,12 8,09 8,05 8,01 7,96 7,91 7,85 P (mW) 14,37 14,27 14,14 14,00 13,83 13,65 13,45 Q (mVAri) 1,66 2,06 2,45 2,82 3,19 3,54 3,88 Pap (mVA) 14,47 14,42 14,35 14,28 14,19 14,10 14,00 Tabela VI: Desvio entre os valores teóricos e experimentais do circuito RL série. f (Hz) 40 50 60 70 80 90 100 Δf (%) 0,03 0,02 0,02 0,03 0,03 0,02 0,02 Δθ (%) -10,09 -8,65 -9,16 -7,04 -7,44 -7,00 -6,36 ΔV (%) 10,21 10,21 10,21 10,21 10,21 10,21 10,21 ΔI (%) 3,57 3,34 3,16 2,90 2,45 2,43 2,22 ΔP (%) 13,54 13,37 13,29 13,07 12,76 12,81 12,67 ΔQ (%) 4,73 5,76 5,17 6,76 6,01 6,40 6,78 ΔPap (%) 13,42 13,21 13,04 12,81 12,41 12,39 12,20 Na Tabela IV, apresentamos os valores adquiridos pelo nosso sistema para o circuito RL série. A Tabela V apresenta os valores calculados para o circuito RL série. A Tabela VI exibe o desvio entre os valores teóricos e experimentais. Neste caso, os desvios apresentados são de aproximadamente 10% para tensão, 3% para a corrente, de 13% para P e Pap, 4% para Q e de 8% para θ. Em comparação com o circuito RC série, estes valores são maiores. Contudo, em média eles são ainda inferiores à tolerância dos componentes testados, que é Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 15 a 19 – Abril / 2010 18 de 20%, no caso do indutor. Isto indica que nosso sistema opera de forma adequada em circuitos indutivos também. 4. Conclusões Apresentamos um sistema de medida de potências em corrente alternada preciso e confiável. Destaca-se o programa de aquisição com indicação do diagrama de potências em tempo real. O desvio nos valores medidos pelo sistema é menor do que a tolerância dos componentes utilizados nos testes, indicando que os valores indicados pelo sistema estão corretos. A precisão do sistema é de 0,03%, que é um excelente valor. Este sistema presta-se muito bem a aplicações didáticas. Assim, como proposta futura, pensamos em construir um sistema mais robusto para ser aplicado em indústrias, seja para o controle do fator de potencia, ou para o monitoramento de uma instalação elétrica industrial. Agradecimentos À instituição FATEC-SP, pela realização das medidas e empréstimo de equipamentos. À Texas Instruments do Brasil pelo envio de amostras de componentes utilizados na montagem do sistema. Referências Bibliográficas [1] R. L. Boylestad, Introdução a Análise de Circuitos, 10ed. Prentice Hall, São Paulo, 848p, 2008. [2] P. A. Mariotto, Análise de Circuitos Elétricos. São Paulo, 382pp, Prentice Hall, São Paulo, 2003. [3] ANEEL. 2000. Resolução N°456. s.l. : AneelAgência Nacional de Energia Elétrica, 19 de Nov. 2000. [4] J. P. Dismukes, L. K. Miller e J. A. 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