capa_hileia_ed03.qxd 01.03.07 10:58 Page 1 ANO-2 JUL-DEZ 2004 03 A Hiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, se constitui em espaço destinado à apresentação e divulgação das reflexões produzidas no processo de construção do conhecimento humano, jurídico e humanístico-jurídicoambiental, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Nesse sentido, refletir desde os contextos da existência, significa proporcionar e criar os espaços de lutas. Lutas pelo conhecimento, pelo direito, pela vida e dignidade humana. Assim, este periódico científico que se consolida como espaço para divulgação e reflexão do direito ambiental, tem no contexto amazônico e brasileiro e, em sentido mais ampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte/norte-sul, espiralando a seara da complexidade do mundo sóciobiodiverso. Almeja-se, portanto, constituir-se, pelo diálogo, em âmbito plural e heterogêneo para convergências de conhecimentos e alternativas, com perspectivas transdisciplinares nas abordagens e conteúdos, assim como interinstitucional e translocal nos sujeitos. ANO-2, N.º 3 – JULHO-DEZEMBRO/2004 – ISSN: 1679-9321 Revista de Direito Ambiental da Amazônia Os contextos diversos e complexos do mundo contemporâneo, em relação constante e paradoxal, com o acirrado processo de globalização econômica e cultural, implicam em transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas, gerando novos problemas e conflitos, especialmente no que concerne ao direito e ao seu estudo. A verticalidade do discurso global que busca legitimar os processos de universalização da cultura do mercado quer seja na vertente única da produção e do consumo capitalistas, transformando tudo em mercadoria, ou, na imposição de modelos de normatividade supostamente eficazes para proporcionar o desenvolvimento, provocam uma certa idéia de que não existe solução fora desses parâmetros, favorecendo um renovado processo econômico neocolonial. 03 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 1 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 GOVERNADOR DO AMAZONAS Eduardo Braga VICE-GOVERNADOR DO AMAZONAS Omar Aziz SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA Robério Braga SECRETÁRIA DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA Marilene Corrêa REITOR DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS Lourenço dos Santos Pereira Braga Page 2 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 3 ANO-2, N.º 3 MANAUS, JULHO-DEZEMBRO, 2004 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 4 Copyright © 2006 Governo do Estado do Amazonas Secretaria de Estado da Cultura Universidade do Estado do Amazonas – UEA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS Reitor Lourenço dos Santos Pereira Braga Vice-Reitor Carlos Eduardo Gonçalves PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA Pró-Reitor Walmir de Albuquerque Barbosa ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS Diretor Randolpho de Souza Bittencourt PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL Coordenador Fernando Antonio de Carvalho Dantas COORDENADORES(AS) Profa. Cristiane Derani Prof. Sérgio Rodrigo Martinez COORDENAÇÃO EDITORIAL Prof. Fernando Antonio de Carvalho Dantas CONSELHO EDITORIAL Prof. Fernando Antonio de Carvalho Dantas Prof. Luiz Edson Fachin Prof. David Sánchez Rubio Prof. Ozório José de Menezes Fonseca Profa. Cristiane Derani Prof. Sérgio Rodrigo Martinez Profa. Solange Teles da Silva PROJETO GRÁFICO Kintaw Design Solicita-se permuta Solicitase canje Exchange desired On demande l’échange Vogliamo cambio Wir bitten um Austausch REVISÃO Edições Kintaw FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos– CRB-11 287 Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano 2, n.º 3. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2006. 284 p. ISSN: 1679-9321 (Semestral) 1. Direito Ambiental – Amazônia I. Universidade do Estado do Amazonas CDD: 344.046811 CDU 344 (811) UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental Rua Leonardo Malcher, n.º 1728, 5.º andar, Centro, CEP: 69010-170 Manaus – Amazonas – Brasil Tel./Fax. 55 92 3627-2725 E-mail: [email protected] Site: www.pos.uea.edu.br/direitoambiental/ 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 5 SUMÁRIO A P R E S E N T A Ç Ã O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0 9 PARTE I LOS MOVIMIENTOS SOCIALES Y LA CONSTRUCCIÓN DE UN NUEVO SUJETO HISTÓRICO F r a n ç o i s H o u t a r t . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 3 UN MUNDO QUE SE HUNDE: LOS COLAPSOS ECOSOCIALES, ONTOLÓGICOS Y GLOBALES E d u a r d o S a x e - F e r n á n d e z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 5 TRÊS MEDIÇÕES, UMA REGIÃO TROPICAL DE FRONTEIRA, E APENAS UM ACHADO: DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA, 1953-1996 J o s é A u g u s t o D r u m m o n d . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 5 EL DERECHO AMBIENTAL EN ARGENTINA C a r l o s B o t a s s i . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 5 MODERNIDADE: NASCIMENTO DO SUJEITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA M a r i a d e F á t i m a S . W o l k m e r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 2 1 POLÍTICA INDIGENISTA DO AMAZONAS: PERSPECTIVAS E TENDÊNCIAS NO SÉCULO XXI M a r c o s A n t o n i o B r a g a d e F r e i t a s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 4 9 PARTE II CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O MANEJO COMUNITÁRIO DE ESTOQUES PESQUEIROS: O EXEMPLO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA Serguei Aily Franco de Camargo A n a C a r o l i n a S u r g i k . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 6 5 REFLEXÃO DO DIREITO DAS “COMUNIDADES TRADICIONAIS” A PARTIR DAS DECLARAÇÕES E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS J o a q u i m S h i r a i s h i N e t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 7 7 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 6 PARTE III A FUNÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL COMO NOVO PARADIGMA DA PROPRIEDADE CONTEMPORÂNEA A l a i m G i o v a n i F o r t e s S t e f a n e l l o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 9 9 ANÁLISE DA CULPABILIDADE E DA RESPONSABILIDADE DO DANO AMBIENTAL: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA MISSÃO DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA NO INTERIOR DO ESTADO DO PARÁ D a n i e l A b r a h ã o d o N a s c i m e n t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 1 7 SOCIEDADE CIVIL RESÍDUOS SÓLIDOS E CONSCIENTIZAÇÃO M a r i a R o s a l v a d e O l i v e i r a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 3 9 PARTE IV D I S S E R T A Ç Õ E S D E M E S T R A D O (j u l h o - d e z e m b r o / 2 0 0 4 ) . . . . . . . . . . .2 5 1 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 7 CONTENTS P R E S E N T A T I O N . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0 9 PART I SOCIAL MOVEMENTS AND THE CONSTRUCTION OF A NEW HISTORICAL SUBJECT F r a n ç o i s H o u t a r t . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 3 A WORLD THAT SINKS: ECO-SOCIAL, ONTOLOGICAL AND GLOBAL COLLAPSES E d u a r d o S a x e - F e r n á n d e z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 5 THREE MEASUREMENTS, ONE BORDER TROPICAL REGION AND ONE FINDING: SOCIO-ECONOMIC DEVELOPMENT IN THE BRAZILIAN AMAZON J o s é A u g u s t o D r u m m o n d . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 5 ENVIRONMENTAL LAW IN ARGENTINA C a r l o s B o t a s s i . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 5 MODERNITY: BIRTH OF THE SUBJECT AND LEGAL SUBJECTIVITY M a r i a d e F á t i m a S . W o l k m e r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 2 1 INDIGENIST POLICY IN THE STATE OF AMAZONAS: PERSPECTIVES AND TRENDS M a r c o s A n t o n i o B r a g a d e F r e i t a s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 4 9 PART II LEGAL CONSIDERATIONS ON COMMUNITY-BASED MANAGEMENT OF FISH STOCKS: THE EXAMPLE OF BRAZILIAN AMAZON Serguei Aily Franco de Camargo A n a C a r o l i n a S u r g i k . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 6 5 REFLECTIONS ON THE RIGHTS OF “TRADITIONAL COMMUNITIES” FROM THE PERSPECTIVE OF INTERNATIONAL DECLARATIONS AND CONVENTIONS J o a q u i m S h i r a i s h i N e t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 7 7 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 8 PART III SOCIO-ENVIRONMENTAL FUNCTION AS A NEW PARADIGM OF CONTEMPORARY PROPERTY A l a i m G i o v a n i F o r t e s S t e f a n e l l o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 9 9 ANALYSES OF CULPABILITY AND RESPONSIBILITY OF ENVIRONMENTAL CRIME: REFLECTIONS FROM THE PERSPECTIVE OF AN INSPECTION MISSION IN THE STATE OF PARÁ D a n i e l A b r a h ã o d o N a s c i m e n t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 1 7 CIVIL SOCIETY, SOLID RESIDUES AND AWARENESS M a r i a R o s a l v a d e O l i v e i r a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 3 9 PART III M A S T E R D E G R E E D I S S E R T A T I O N S ( 2 0 0 4 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 5 1 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 9 APRESENTAÇÃO A Hiléia, Revista de Direito Ambiental da Amazônia, configura espaço para publicação das reflexões construídas no âmbito do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas ao passo em que para si convergem as contribuições de pesquisadores externos em cujo pensar manifestam a imprescindível relação do conhecimento com a realidade. O número três que ora encaminhamos a comunidade científica congrega – como nas edições anteriores – o esforço compartilhado de professores e pesquisadores do Direito, do Direito Ambiental e de áreas afins em construir um conhecimento jurídico permeado pelo diálogo inter e transdisciplinar, para a compreensão e explicação do complexo espaço amazônico. Neste sentido, da defesa da função sócio-ambiental como novo paradigma da propriedade contemporânea, como postura crítica de Alaim Giovani Fortes Stefanello ao novo sujeito histórico de François Houtart, as abordagens cingem-se do compromisso com o futuro, nas densas reflexões sobre o presente, como nos mostra Eduardo Saxe-Fernández ao diagnosticar os colapsos eco-sociais, ontológicos e globais, e José Augusto Drummond ao abordar o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia, entre outros que integram o presente volume da Hiléia. Agradecemos aos colaboradores, ao Magnífico Reitor da Universidade do Estado do Amazonas, professor Lourenço dos Santos Pereira Braga, pelo incansável apoio ao PPGDA, ao mestrando Alaim Giovani Fortes Stefanello, representante discente do mestrado e presidente do Centro de Estudos em Direito Ambiental da Amazônia, ao professor Sérgio Rodrigo Martinez e Rafael Calixto pela elaboração e revisão dos resumos em língua estrangeira e, finalmente, ao patrocínio da Caixa Econômica Federal, contribuição inestimável para a cultura jurídica no Amazonas. Fernando Antônio de Carvalho Dantas Presidente do Conselho Editorial Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 9 00_hileia3_inicio.qxd 28.02.07 21:41 Page 10 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 11 PARTE I LOS MOVIMIENTOS SOCIALES Y LA CONSTRUCCIÓN DE UN NUEVO SUJETO HISTÓRICO F r a n ç o i s H o u t a r t . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 3 1. Por que un nuevo sujeto histórico? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 2. Los movimientos sociales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 3. Como construir el nuevo sujeto histórico? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 UN MUNDO QUE SE HUNDE: LOS COLAPSOS ECOSOCIALES, ONTOLÓGICOS Y GLOBALES E d u a r d o S a x e - F e r n á n d e z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 5 Introducción . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26 1. Los colapsos ontológicos ecosociales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 2. El colapso social mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 3. El colapso ecológico mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .58 Conclusiones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70 TRÊS MEDIÇÕES, UMA REGIÃO TROPICAL DE FRONTEIRA,E APENAS UM ACHADO: DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA, 1953-1996. J o s é A u g u s t o D r u m m o n d . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 5 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76 1. Contexto analítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76 2. Medição n.º 1 - Haller e colaboradores testando diretamente a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .79 hipótese de Bunker com dados macro-regionais válidos para 1970 e 1980 3. Medição n.º 2 - FJP, FIBGE e IPEA constróem uma base de dados original . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82 4. Medição n.º 3 – mudanças anuais no Amapá, 1953-1996 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87 Sintese e Conclusões. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .90 EL DERECHO AMBIENTAL EN ARGENTINA C a r l o s B o t a s s i . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 5 1. Ambiente y Derecho Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .96 2. Los Principios Generales del Derecho Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99 3. Las Relaciones Internacionales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102 4. Los Artículos 41 y 43 de La Constitución Nacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103 5. Reparación Del Daño Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .110 6. Legislación Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .116 7. Protección Administrativa y Judicial del Medio Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .117 Síntesis Final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119 MODERNIDADE: NASCIMENTO DO SUJEITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA M a r i a d e F á t i m a S . W o l k m e r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 2 1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .122 1. Modernidade e Nascimento do Sujeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .122 2. A Questão do Direito na Modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .141 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .146 POLÍTICA INDIGENISTA DO AMAZONAS: PERSPECTIVAS E TENDÊNCIAS NO SÉCULO XXI M a r c o s A n t o n i o B r a g a d e F r e i t a s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 4 9 1. Breve contextualização da política indigenista no cenário nacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150 2. A Política Indigenista do Amazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .151 3. Princípios norteadores da política indigenista no Estado do Amazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .154 4. Política indigenista e o movimento indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .156 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 12 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 13 LOS MOVIMIENTOS SOCIALES Y LA CONSTRUCCIÓN DE UN NUEVO SUJETO HISTÓRICO François Houtart* Sumário: 1. Por que un nuevo sujeto histórico? 2. Los movimientos sociales; 3. Como construir el nuevo sujeto histórico? Resumo: Este artigo trata da temática dos movimentos sociais em face da construção de um novo sujeito histórico. Na sua primeira parte, o artigo busca explicar o porquê da necessidade de um novo sujeito histórico. Para tanto, é estabelecida uma evolução histórica na qual se destaca o papel do Capitalismo na estruturação da divisão entre capital e trabalho. Ao se demonstrar como o modelo capitalista busca a acumulação de riquezas, verifica-se o estabelecimento das contradições do modelo, ao passo em que impõe sua dominação sobre povos e populações, cujo alcance atualmente é global. Nesse sentido, observa a necessidade da construção de um novo sujeito histórico popular, plural e democrático, capaz de atuar sobre essa realidade existente. Na sua segunda parte, o artigo trata dos movimentos sociais, nascidos das contradições do modelo capitalista. Demonstra suas dificuldades e sugere como tais movimentos devem proceder para atuarem enquanto sujeitos históricos responsáveis pela transformação do modelo atual. Na sua parte final, o artigo procura demonstrar que a construção de um novo sujeito histórico perpassa pela criação de uma consciência coletiva ética e analítica da realidade. Para tanto, alguns exemplos são apresentados de atores coletivos, cujas contribuições demonstram a possibilidade do surgimento de um novo sujeito histórico. Abstract: This article deals with the thematic of the social movements in face of the construction of a new historical subject. In its first part, the article explains the reason why the new historical subject is requested. In order to do that, it is established a historical evolution in which the role of Capitalism in the arrangement of the division between capital and work. It demonstrates the contradictions of the model, while it imposes its domination on peoples and populations, whose currently reach is global. In this sense, it observes the necessity of the construction of a new popular historical subject, plural and democratic, capable of acting on this existing reality. In its second part, the article deals with the social movements, born from the contradictions of the capitalist model. It demonstrates its difficulties and it suggests how such movements must proceed to act while responsible historical subjects for the transformation of the current model. In its latter part, the article seeks to demonstrate that the construction of a new historical subject goes by the creation of an ethical and analytical collective conscience of the reality. As to that, some examples of collective actors are presented, whose contributions demonstrate the possibility of a new historical subject. Palavras-chave: Movimentos Sociais; Sujeito Histórico; Sociedade. Key-words: Social Movements; Historical Subject; Society. * Doutor em Sociologia. Professor da Universidade de Louvain-la-Neuve, Bélgica. Diretor da Revista Alternatives Sud. Diretor do Centro Tricontinental – CETRI. Presidente do Fórum Mundial de Alternativas Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 13 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 14 Este encuentro: “No al ALCA - Otra América es posible”, se hizo tradición y forma parte de manera estratégica del pacto del Nuevo Sujeto Histórico. Podemos situar este proceso al final de los años 80, 25 años después del Consenso de Washington y 10 años después de la caída del muro de Berlín. Un tal paso fue preparado por varias iniciativas: el PPXXI (People’s Power twenty one) en Asia, el encuentro “intergaláctico” de los Zapatistas en Chiapas, el Otro Davos que reunió al principio de 1999, varios movimientos sociales de 4 continentes en Zúrich y en Davos, la misma semana que el Foro Económico Mundial. Todo eso desembocó por una parte en la cadena de protestas sistemáticas contra los centros de poder global: OMC, Banco Mundial, FMI, G8, Cumbre Europea, Cumbre de las Américas y por otra parte sobre los Foros Sociales mundiales, continentales, nacionales y temáticos, lugares de convergencia de movimientos y organizaciones luchando contra el neoliberalismo. Los movimientos sociales jugaron un papel central en este proceso. Se trata ahora de esbozar un cuadro general de reflexión sobre la marcha de los eventos. 1. POR QUE UN NUEVO SUJETO HISTÓRICO? La historia de la humanidad se caracteriza por una multiplicidad de sujetos colectivos, portadores de valores de justicia, de igualdad, de derechos y protagonistas de protestas y luchas. Recordamos por ejemplo, la revuelta de los esclavos, las resistencias contra las invasiones en África y Asia, las luchas campesinas de la Edad Media en Europa, las numerosas resistencias de los pueblos autóctonos de América, los movimientos religiosos de protesta social en Brasil, Sudan, China. Un salto histórico se da cuando el capitalismo construye, después de 4 siglos de existencia, las bases materiales de su reproducción que son la división del trabajo y la industrialización. Nace el proletariado como sujeto potencial, a partir de la contradicción entre capital y trabajo. Los trabajadores están sometidos al capital dentro del proceso mismo de la producción haciendo que la clase obrera sea totalmente absorbida al igual que constituida por el capital. Es lo que Carlos Marx llamó la subsumpción real del trabajo por el capital. La nueva clase se transformó en sujeto histórico cuando se construyó en el seno mismo de las luchas, pasando del estatuto de “una clase en sí a una clase para sí”. No era el único sujeto, pero sí, el sujeto histórico, es decir el 14 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 15 instrumento privilegiado de la lucha de emancipación de la humanidad, en función del papel jugado por el capitalismo. Este último no se situaba solamente en el plan de la economía, sino también orientaba la configuración del Estado-Nación, las conquistas coloniales, las guerras mundiales, sin hablar de su papel como vehículo privilegiado de la modernidad. Evidentemente la historia de la clase obrera como sujeto histórico no fue lineal. Hubo el paso de movimiento a partido político y del plan nacional al plan internacional, pero también éxitos y fracasos, victorias y recuperaciones. Hoy día, el sujeto social se amplifica. El capitalismo realiza un nuevo salto. Las nuevas tecnologías extienden la base material de su reproducción: la informática y la comunicación, que le dan una dimensión realmente global. El capital necesita una acumulación acelerada para responder al tamaño de las inversiones en tecnologías cada vez más sofisticadas, para cubrir los gastos de una concentración creciente y encontrar las exigencias del capital financiero que después de la flotación del dolar en 1971 se transformó masivamente en capital especulativo. Por estas razones, el conjunto de los actores del sistema capitalista combatieron tanto el keynesianismo y sus pactos sociales entre capital, trabajo y Estado, el desarrollo nacional del Sur (el modelo de Bandung, según Samir Amin) como el desarrollismo cepalino (en América Latina) y los regímenes socialistas. Empezó la fase neoliberal del desarrollo del capitalismo llamada también el Consenso de Washington. Esta estrategia se tradujo en una doble ofensiva, contra el trabajo (disminución del salario real, deregulación, deslocalización) y contra el Estado (privatizaciones). Hoy asistimos también a una búsqueda de nuevas fronteras de acumulación, frente a las crisis tanto del capital productivo como del capital financiero: la agricultura campesina que tiene que convertirse en una agricultura productivista capitalista, los servicios públicos que deben pasar al sector privado y la biodiversidad, como base de nuevas fuentes de energía y de materia prima. El resultado es que ahora todos los grupos humanos sin excepción están sometidos a la ley del valor, no solamente la clase obrera asalariada (subsumpción real), sino los pueblos autóctonos, las mujeres, los sectores informales, los pequeños campesinos, bajo otros mecanismos, financieros (precio de las materias primas o de los productos agrícolas, servicio de la deuda externa, paraísos fiscales, etc) o jurídicos (las normas del FMI, del Banco Mundial de la OMC), todo eso significando una subsumpción formal. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 15 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 16 Otro resultado es el hecho que el carácter destructor del capitalismo (según la expresión de Schumpeter) toma el paso sobre su carácter creador (de bienes y servicios). Más que nunca, el capitalismo destruye, como lo notaba hace casi más de un siglo y medio, Carlos Marx, las dos fuentes de su riqueza: la naturaleza y los seres humanos. En verdad, la destrucción ambiental afecta a todos y la ley del valor incluye hoy a todos. La mercantilización domina la casi totalidad de las relaciones sociales, en campos cada vez más numerosos como el de la salud, la educación, la cultura, el deporte o la religión. Además, la lógica capitalista tiene su institucionalidad. Recordemos primero que se trata de una lógica y no de un complot de algunos actores económicos (sino bastaría convertirlos y corregir abusos y excesos). Me acuerdo de un empresario de Santo Domingo, testigo de Jehová, que decía a propósito de sus obreros, que amaba de un amor muy cristiano: “llamo mis trabajadores, magos, porque no sé como pueden vivir con el salario que les doy”. El cambio exige una acción estructural, hoy globalizada, de actores determinados con agendas precisas. El capitalismo globalizado tiene sus instituciones: la OMC, el Banco Mundial, el FMI, los bancos regionales y también sus aparatos ideológicos: medios de comunicación social, cada vez más concentrados en pocas manos. Finalmente, goza del poder de un imperio, los Estados Unidos. El dolar de este país es la moneda internacional. Los Estados Unidos tienen el único derecho de veto en el Banco Mundial y en el FMI, y un veto compartido en el Consejo de Seguridad. Este país conserva casi un monopolio en el campo militar, con la alta mano sobre la OTAN y la capacidad de empezar guerras preventivas. No duda a intervenir militarmente en Irak o Afganistán para controlar las fuentes de energía. Sus bases militares se extienden en el mundo entero y el gobierno se atribuye la misión de reprimir las resistencias en el mundo entero, sin dudar en utilizar la tortura y el terrorismo. Sin embargo, el imperio tiene sus debilidades. La naturaleza se venga, la oposición antiimperialista hoy es mundial. Otras señales de debilidad permiten a Imanuel Wallenstein de pensar en lo que él llama “el largo siglo XX”, dominado por el capitalismo podría encontrar su fin en la mitad de este siglo. Por todas estas razones, el nuevo sujeto histórico se extiende al conjunto de los grupos sociales sometidos, tanto los de la sumisión real (representados por los llamados “antiguos movimientos sociales”) que los de la sumisión formal (“nuevos movimientos sociales”). 16 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 17 El nuevo sujeto histórico a construir será popular y plural, es decir constituido por una multiplicidad de actores y no por la “multitud “ de la cuál hablan Hardt y Negri. Un tal concepto es vago y peligroso porque desmovilizador. La clase obrera guardará un papel importante, pero compartido. Este sujeto será democrático, no solamente por su meta, sino por el proceso mismo de su construcción. El será multipolar, en los varios continentes y en las diversas regiones del mundo. Se tratará de un sujeto en el sentido pleno de la palabra, incluyendo la subjetividad redescubierta, abarcando todos los seres humanos, constituyendo la humanidad como sujeto real (Franz Hinkelammert en su libro El Sujeto y la Ley, coronado por El Premio Libertador). El sujeto histórico nuevo debe ser capaz de actuar sobre la realidad a la vez múltiple y global, con el sentido de emergencia exigido por el genocidio y el ecocidio contemporáneo. 2. LOS MOVIMIENTOS SOCIALES Los movimientos sociales son el fruto de contradicciones, hoy día globalizadas. Para ser verdaderos actores colectivos suponen, según Alain Touraine, un carácter de historicidad (situarse en el tiempo), una visión de la totalidad del campo dentro del cual se inscriben, una definición clara del adversario y una organización. Son más que una simple revuelta (las “jacqueries” campesinas) más que un grupo de intereses (cámara de comercio), más que una iniciativa autónoma del Estado (ONG). Los movimientos nacen de la percepción de objetivos como metas de acción, pero para existir en el tiempo necesitan un proceso de institucionalización. Se crean roles indispensables para su reproducción social. Así nace una permanente dialéctica entre metas y organización, con el peligro de dominación de la lógica de la reproducción sobre las exigencias de los objetivos. Hay un infinito número de ejemplos de esta dialéctica en la historia. Así, el cristianismo nació, como lo dice el teólogo argentino Ruben Dri, como “el movimiento de Jesús”, expresión religiosa de protesta social, peligrosa para el imperio romano y reprimida por este último. Se transformó por su inserción en la sociedad romana en una institución eclesiástica, siguiendo el modelo de la organización política, centralizada, vertical y a menudo aliada con los poderes de opresión. El peso institucional no mató el espíritu, pero introdujo una contradicción permanente. El Concilio Vaticano II Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 17 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 18 constituyó un esfuerzo de restablecer el predominio de los valores del mensaje evangélico sobre el carácter institucional, pero en los años siguientes, él fue bastante recuperado por una corriente de restauración. Otro ejemplo es el caso de muchos sindicatos obreros y partidos de izquierda. Fueron iniciativas de los trabajadores o de los medios populares en lucha. Con el tiempo se transformaron en burocracias definiendo sus tareas en términos solamente defensivos, es decir en función de la agenda del adversario y no del proyecto de transformación radical del sistema. En el caso particular de los partidos políticos, es la lógica electoral que predomina sobre el objetivo original y que define las prácticas, lo que significa una lógica de reproducción y no una perspectiva de cambio profundo (revolucionario). Eso no impide la presencia de muchos militantes auténticos en estas organizaciones, pero significa que están encerrados en una lógica que los sobrepasa. Sin embargo la realidad social no está predeterminada y se puede actuar sobre los procesos colectivos. Para que los movimientos sociales estén en posición de construir el nuevo sujeto social hay dos condiciones preliminares. En primer lugar tener la capacidad de una crítica interna con el fin de institucionalizar los cambios y asegurar una referencia permanente a los objetivos. En segundo lugar, captar los desafíos de la globalización, que a la vez son generales y específicos al campo de cada movimiento: obrero, campesino, de mujeres, populares, de pueblos autóctonos, de juventud, en breve de todos los que son las víctimas del neoliberalismo globalizado. Pero existen también otras exigencias. Los movimientos sociales que se definen como la sociedad civil tienen que precisar que se trata de la sociedad civil de abajo, recuperando así el concepto de Gramsci que la considera como el lugar de las luchas sociales. Eso impide de caer en la trampa de la ofensiva semántica de los grupos dominantes, como el Banco Mundial, para los cuales ampliar el espacio de la sociedad civil significa restringir el lugar del Estado, o también en la ingenuidad de muchas ONGs para las cuales la sociedad civil es el conjunto de todos los que quieren el bien de la humanidad. En el plan global, la sociedad civil de arriba se reúne en Davos y la sociedad civil de abajo en Porto Alegre. Otra exigencia para construir el nuevo sujeto histórico es construir el vínculo con un campo político renovado. En los primeros tiempos de los Foros Sociales había un real miedo hacia los órganos de la política, en parte por razones justas: repudio de la instrumentalización por necesidades electorales o como simple herramienta de partidos en el poder, y en parte por una actitud de principio anti-estatal, especialmente en ciertas ONGs. De ahí, el éxito de las 18 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 19 tesis de John Holloway que se pregunta como cambiar las sociedades sin tomar el poder. Si se trata de afirmar que la transformación social exige mucho más que la toma del poder político formal, ejecutivo o legislativo, esta perspectiva es plenamente aceptable, pero si significa que cambios fundamentales como una reforma agraria o una campaña de alfabetización se pueden realizar sin el ejercicio del poder, es una total ilusión.. Así, los movimientos sociales deben contribuir a la renovación del campo político, como lo indica muy bien Isabel Rauber en su libro Sujetos políticos. La pérdida de credibilidad de los partidos políticos es una realidad mundial y es urgente de encontrar la manera de realizar una reconstrucción del campo. Un ejemplo interesante es el la República Democrática del Congo (Kinshasa), donde los movimientos y organizaciones de base se movilizaron para la organización de las elecciones de julio 2006. Después de 40 anos de dictadura y de guerras (en los últimos 5 años hubo más de 3 millones de víctimas), las fuerzas populares de la base de la población, a pesar de todos los esfuerzos de fragmentación del país para controlar más fácilmente los recursos naturales, afirmaron la necesidad de defender la integridad de la nación y salvaron esta última de su desmantelamiento. Por otra parte, ellas están inventando formas de democracia participativa, conjuntamente con la democracia representativa. Miles de organizaciones locales, de mujeres, de campesinos, de pequeños comerciantes, de jóvenes, de comunidades cristianas católicas y protestantes, se movilizaron para presentar candidatos, ligados por pacto a las comunidades (portavoces y no representantes como lo dice la ley de consejos comunales de Venezuela), al nivel local y provincial, con algunos a nivel nacional, pero sin candidato a la presidencia, porque estiman que primero debe consolidarse el proceso desde abajo. Es una verdadera reconstrucción de un campo político, casi completamente destruido por las prácticas (corrupción y tribalismo) de los partidos existentes. Finalmente, será muy importante para las convergencias de los movimientos sociales encontrar la manera de aglutinar las numerosas iniciativas populares locales que no se transforman en movimientos organizados, a pesar del hecho que representan una parte importante de las resistencias (a nivel de pueblos o de regiones, contra una represa, contra la privatización del agua, la electricidad, la salud, contra la entrega de selvas a empresas transnacionales, etc.). Existen ejemplos, como en Sri Lanka, MONLAR, la organización que lucha para la reforma agraria y que reagrupa más de 100 iniciativas locales, además de ser un movimiento campesino Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 19 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 20 nacional. Realizaron una acumulación de fuerzas capaces de actuar al nivel del país, como órgano de protesta (manifestaciones nacionales) y también de diálogo y de confrontación con el Gobierno y con el Banco Mundial. 3. COMO CONSTRUIR EL NUEVO SUJETO HISTÓRICO ? Varios pasos son necesarios para producir el nuevo sujeto histórico. La primera condición es de elaborar una consciencia colectiva basada sobre un análisis de la realidad y sobre una ética. En cuanto al análisis se trata de utilizar instrumentos capaces de estudiar los mecanismos de funcionamiento de la sociedad y de entender sus lógicas, con criterios que permitan distinguir efectos y causas, discursos y prácticas. No se trata de cualquier tipo de análisis, sino del aparato teórico crítico lo más adecuado para responder al grito de los de abajo. Exige un rigor metodológico alto y una apertura a todas las hipótesis útiles para este fin. La opción en favor de los oprimidos es un paso precientífico e ideológico, que va a guiar la elección del tipo de análisis, sin embargo este último pertenece al orden científico sin concesión posible. Es un saber nuevo que ayudará a crear la conciencia colectiva. Tomamos un ejemplo contemporáneo. Se habla mucho de los objetivos del Milenio, decididos por los jefes de Estado en Nueva York en el año 2000. ¿Quién podría estar en contra de la eliminación de la pobreza y de la miseria (pobreza absoluta) y en favor del desarrollo? Por eso hubo unanimidad. Además del hecho que el objetivo para el año 2015 es solo reducir de la mitad la extrema pobreza, lo que significa que en este año todavía el mundo se encontrará con más de 800 millones de pobres (ya una vergüenza), todo indica que será muy difícil lograr los objetivos previstos. La razón es que no se criticó la lógica fundamental del tipo de desarrollo que favorece a los 20 % de la población de los países del Sur. Esta minoría crece de manera espectacular, formando una base de consumo apreciable para el capital y acentuando la visibilidad de una cierta riqueza. Al mismo tiempo, las distancias sociales aumentan. Para entender esta contradicción se debe criticar el concepto mismo del desarrollo, del cual dependen los criterios adoptados para definir los objetivos del Milenio. No entran en su definición elementos cualitativos come el bienestar, la igualdad, la soberanía alimentaria y otros más. Es por eso que Marta Harnecker en el Centro Miranda de Caracas, trabaja sobre la creación de 20 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 21 herramientas analíticas para medir los criterios del desarrollo. De hecho, los conceptos utilizados por las Naciones Unidas son los del mercado y no los de la vida de los seres humanos. El segundo elemento que contribuye a la construcción de una conciencia colectiva es la ética. No se trata de una serie de normas elaboradas en abstracto, sino de una construcción constante por el conjunto de los actores sociales en referencia a la dignidad humana y al bien de todos. Las definiciones concretas pueden cambiar según los lugares y las épocas y cuando se trata de la realidad globalizada, la perspectiva ética tendrá que ser elaborada por el conjunto de las tradiciones culturales: eso es el concepto real de los derechos humanos. La ética en este sentido no es una imposición dogmática, sino una obra colectiva que tiene sus referencias en la defensa de la humanidad. Podemos decir que el logro principal de los Foros Sociales, como convergencias de movimientos y de organizaciones populares, ha sido la elaboración progresiva de una conciencia colectiva, con varios niveles de análisis y de comprensión y con una ética a la vez de protesta contra todo tipo de injusticia y desigualdad, y de construcción social democrática de “un otro mundo posible”. La existencia de los Foros es en si mismo un hecho político, además de los muchos otros logros, como la constitución de redes, el intercambio de alternativas, el funcionamiento en su seno de la Asamblea de los movimientos sociales y la contribución de intelectuales comprometidos. Después de la elaboración de una conciencia colectiva, el segundo paso necesario es la movilización de los actores plurales, populares, democráticos y multipolares. Aquí nos encontramos con el aspecto subjetivo de la acción. Los actores humanos son seres completos y no actúan solamente en función de la racionalidad de las lógicas sociales. El compromiso es un acto social caracterizado por un elemento afectivo fuerte y aún central. De ahí, la importancia de la cultura como conjunto de las representaciones de la realidad y también de los innumerables canales de su difusión: el arte, la música, el teatro, la poesía, la literatura, la danza. La cultura es una meta, pero también un medio de emancipación humana. Lo mismo se puede decir papel potencial de las religiones, donde se encuentran referencias existenciales humanas fundamentales: la vida, la muerte, en referencia con una fe que se puede compartir o no, pero que no se puede ignorar. Eso fue un error grave de un cierto tipo de socialismo. El potencial religioso libertador es real. Además las religiones pueden aportar una Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 21 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 22 espiritualidad y una ética colectiva y personal indispensables para la reconstrucción social. El tercer elemento esta constituido por las estrategias para lograr los tres niveles de alternativas. El primero es la utopía, en el sentido de lo que no existe hoy, pero que puede ser realidad mañana, es decir una utopía no ilusoria, sino necesaria como decía el filósofo francés Paul Riqueur. ¿Que tipo de sociedad queremos? ¿Cómo definir el postcapitalismo o el socialismo? La utopia también es una construcción colectiva y permanente, no una cosa que viene del cielo. Necesita para su cumplimiento una acción a largo plazo: cambiar un modo de producción no se hace con una revolución política, aún si ella puede significar el inicio de un proceso. El capitalismo tomo cuatro siglos para construir las bases materiales de su reproducción: la división del trabajo y la industrialización. Los cambios culturales que son parte esencial del proceso tienen un ritmo diferente de las transformaciones políticas y económicas. Los otros dos niveles, el medio y el corto plazo, dependen de las coyunturas, pero deben ser el objeto de estrategias concertadas y realizadas en convergencia, entre actores sociales diversos. Son el lugar de las alianzas. Sin embargo, no es la simple suma de alternativas en los sectores económicos, sociales, culturales, ecológicos, políticos que permitirá a un sujeto histórico nuevo de salir adelante. Se necesita una coherencia. Esta última también sera obra colectiva y no el resultado de un monopolio del saber y del conocimiento por una vanguardia depositaria de la verdad. Será un proceso constante y no un dogma. Desde este punto de vista es importante subrayar el carácter indispensable de algunos actos colectivos estratégicos, aún parciales, pero que reagrupan un conjunto de actores sociales diversos en una iniciativa significante en relación con la dimensión utópica del proyecto global. Felizmente existen varios ejemplos en este sentido, de los cuales recordamos dos. La campaña contra el ALCA reunió muchos movimientos sociales, desde los sindicatos hasta los campesinos, pasando por las mujeres y los indígenas. ONGs de diversos índoles se juntaron a la iniciativa. En algunos países Iglesias tomaron posición contra el tratado. Se utilizó métodos muy variados de acción, hasta referéndums populares que recogieron millones de firmas. Otro ejemplo es el plan alternativo popular de reconstrucción después del tsunami en Sri Lanka. El plan oficial administrado por el Banco Mundial preveía esencialmente el desarrollo del turismo internacional y no respondía a las necesidades de base de la población mayoritaria. Era la manera de acelerar la política neoliberal de alcance mundial. Por eso se constituyó una alianza 22 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 23 amplia de movimientos y organizaciones sociales, incluidas instituciones budistas y cristianas, para oponerse al plan gubernamental y proponer soluciones alternativas. Frente a la necesitad de una perspectiva de acción al nivel mundial, dos iniciativas complementarias se tomaron la red “En Defensa e la Humanidad”, fundada en México bajo la impulsión de Pablo González Casanova y que tiene capítulos de varios países, especialmente latinoamericanos y el “Llamamiento de Bamako” promovido por el Foro Mundial de Alternativas (iniciado en Lovainala-Nueva en 1996 en ocasión al 20° aniversario del Centro Tricontinental y fundado oficialmente en El Cairo el año siguiente), el Foro del Tercer Mundo (Dakar), Enda (una ONG africana) y el Foro Social de Mali. En Defensa de la Humanidad propuso la constitución de una promotora destinada a reunir y proponer acciones comunes y el Llamamiento de Bamako definió 10 áreas para pensar y proponer actores colectivos y estrategias, inspirándose en gran parte del Manifiesto de Porto Alegre elaborado por un grupo de intelectuales durante el Foro Social Mundial de 2005. Estas dos iniciativas complementan el trabajo de la Asamblea de Movimientos que dentro de cada Foro elabora un documento y propone campañas (como la manifestación contra la guerra en Irak, que en 2003, reunió más de 15 millones de personas en 600 ciudades del mundo). Finalmente dentro de la perspectiva general se necesitan victorias parciales pero significantes. Mantener la acción, entretener la motivación, exige resultados. No se trata de cualquier logro, sino de los que movilizaron varios actores sociales en una acción común, sobre objetivos relacionados a una visión de conjunto y de dimensión global. Hay también en este aspecto varios ejemplos importantes. De nuevo se puede citar la campaña latinoamericana contra al el Alca. En Europa, el no al tratado constitucional elaborado en una orientación neoliberal y con una sumisión a los Estados Unidos en el campo militar, es otro ejemplo. El rechazo con éxito del contrato de primer empleo en Francia y el abandono de la base naval de los Estados Unidos de Vieques en Puerto Rico, después de una larga movilización popular son otros casos de ejemplos. Y en el ámbito político, la elección del primer presidente indígena en Bolivia tiene también un sentido muy amplio de victoria en los planes culturales, sociales, y económicos. En conclusión podemos decir que ya esta trazado el camino para pasar de la elaboración de una conciencia colectiva a la construcción de actores colectivos y que todo eso anuncia el amanecer del sujeto histórico nuevo. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 23 01_artigo_houtart.qxd 28.02.07 16:12 Page 24 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 25 UN MUNDO QUE SE HUNDE: LOS COLAPSOS ECOSOCIALES, ONTOLÓGICOS Y GLOBALES Eduardo Saxe-Fernández* Sumário: Introducción; 1. Los colapsos ontológicos ecosociales; 2. El colapso social mundial; 3. El colapso ecológico mundial; Conclusiones. Resumo: Este artigo trata da temática de crise atual mundial, em seus aspectos globais, ecológicos, sociais e existenciais. Em sua primeira parte, procura demonstrar como a história da humanidade é cercada de conflitos e destruições sociais e ambientais. O artigo faz um aporte sobre a questão dos conflitos, cujas conseqüências em esfera global provocam destruição. Na segunda parte do artigo é observada a análise sobre os colapsos ontológicos ecosociais. Nessa parte, o artigo procurar elucidar os conceitos básicos sobre a temática e estabelecer sua evolução, até o entendimento da idéia de colapso mundial, o qual é apresentado como decorrência do atual modelo de crescimento econômico e consumo dos recursos naturais. Socialmente, trata dos efeitos atuais do modelo econômico mundial, sobre a concentração de renda, o empobrecimento da população mundial e os efeitos sobre a crise na qualidade de vida da população mundial. Ao seu final, destaca como o modelo capitalista, manipulador da natureza, ao sustentar uma visão patriarcal e militarista do mundo, proporciona a ocorrência do colapso global. Abstract: This article deals with the thematic of world-wide current crisis, in its ecological, global and social aspects. In its first part, it aims to demonstrate how the historical part of the humanity is surrounded by conflicts, whose effects are social and environmental destructions. The article deals with the question of the conflicts, whose consequences cause destruction in global sphere. In the second part of the article, the analysis of ecosocial ontological collapses is observed. In this part, the article aims to elucidate the basic concepts of thematic and to establish its evolution, until the understanding of the world-wide collapse idea, which is presented as result of the current model of economic growth and consumption of the natural resources. Socially, it deals with the current effect of world-wide economic model, with the income concentration, with the impoverishment and the effect on the crisis in the quality of life of the world-wide population. At its end, it highlights how the capitalist model, manipulator by nature, when supporting a patriarchal vision of the world, provides the occurrence of the global collapse. Palavras-chave: Colapsos Sociais; Ecologia; Globalização. Key-words: Social Collapses; Ecology; Globalization. * Professor Titular da Escola de Relações Internacionais da Universidad Nacional da Costa Rica. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 25 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 26 INTRODUCCIÓN Durante la mayor parte de su historia, la humanidad ha sobrevivido y ha sucumbido en conflictos y destrucciones sociales y ambientales. Muchos grupos, pueblos, naciones, parajes, regiones y continentes se autodestruyeron, o fueron destruidos, en guerras (muerte y esclavitud) o provocando (o sufriendo) cataclismos ecológicos; o ambos. La humanidad sobrevivió, creció y se extendió por casi todos los continentes durante los últimos cuatro millones de años, pese a esas destrucciones. En América, la megafauna del Pleistoceno fue destruida por los cambios climáticos que conducían al Holoceno, así como por la acción de predadores humanos. Las grandes civilizaciones históricas antiguas, sin embargo, florecieron hace no mucho tiempo, por ejemplo los sumerios vivieron apenas hace unos cinco o seis mil años.1 Con ellas empezó a crecer la capacidad humana para alterar la naturaleza y para matar ( animales y, sobre todo, otros seres humanos). Luego, con la expansión europea (cristianismo capitalista) a todo el planeta desde hace apenas unos seiscientos años y sobre todo a partir del siglo XIX, las dimensiones de los procesos destructivos militares, económicos, sociales, políticos, y ambientales, no han cesado de magnificarse, como regla básica de supervivencia de esa civilización (Cf. Leakey & Lewin, 1997). Durante el siglo XX esa capacidad de muerte mundial llegó a significar, disponer de armas capaces de matar al menos 500 veces a cada persona viva en el plantea. En el siglo XXI el capitalismo del patriarcado tardío profundiza la destructividad y autodestructividad humanas, centrando la “humanidad” en el hiperegoísmo posesivo agresivo. Instila esa violencia universalmente hacia/desde cada persona (sujeto de pro-terror y contra-terror), conforme la naturaleza holocénica y la sociedad humana colapsan. Hoy día, militarmente, EE.UU. y Rusia y estados sucesores de la URSS mantienen capacidades para destruir unas 300 veces a cada ser humano vivo en el planeta, solamente empleando armas termonucleares y sin contar convencionales, bioquímicas y otras. Francia, Inglaterra, Israel, la RP China, la India, y Pakistán, también poseen capacidades militares termonucleares para infligir graves daños al mundo y la humanidad. Social y económicamente, a principios del siglo XXI cristiano, unos 600 millones de personas controlan más del 75% de la riqueza mundial, mientras que otros 5.400 millones de personas deben compartir el 25% restante; y 1.200 1 26 Véase el clásico de S.N.Kramer (1962), sobre los grandes aportes sumerios a las civilizaciones, incluyendo la escritura. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 27 millones de las personas tratan de sobrevivir con algo más del 2% de la riqueza mundial. Al mismo tiempo, los aparatos militares del mundo cuestan casi 1 billón de euros (un millón de millones) al año; se gastan decenas de millones de dólares en el consumo superfluo (incluyendo decenas de miles de millones de euros para las mascotas domésticas, por ejemplo), o para realizar exploraciones espaciales. El derrumbe moral de esta contradicción señalada por Marcuse, lanza a la humanidad por la senda de la violencia. Para que no nos hastiemos de la violencia (como preveía Kant), se la hace el centro del individuo que a su vez es centro ideológico, y se la salpica con mucha pimienta sexual, desarrollando patologías psicosociales que se expresan en éticas nihilistas y tanásicas. Si los recursos no fueran despercidiados de esa manera, en menos de un lustro los centenares de millones de pobres podrían solucionar sus problemas de vivienda, salud, educación y de fuentes de trabajo. Esos recursos serían también suficientes para implementar nuevas fuentes y formas de organización del espacio y la vida, energéticas y productivas, de las que ya tenemos suficiente conocimiento científico y concreción tecnológica. Con la reconstrucción social mundial, además, la muy vapuleada y devastada naturaleza podría empezar a reconstituirse. Un resultado similar se puede obtener, en solo un año, imponiendo un impuesto del uno por ciento (1%) a las 200 corporaciones más grandes del mundo. Ecológicamente, observamos que los procesos destructivos tienden a encadenarse, provocando sinergias devastadoras entre diferentes ecosistemas o componentes de los mismos. Las características de cruciales procesos ecológicos mundiales se van extremando, agudizándose sus características (más frío y más calor, más lluvia y más sequía; “rupturas” repentinas de la atmósfera o de montañas y laderas, o la creciente extensión de zonas desoxigenadas en el mar – donde sucumbe la vida). No sabemos cuándo esas sinergias provocarán un “salto”, un colapso, un cataclismo, como por ejemplo nuevas y mayores rupturas o desagregaciones de la atmósfera mundial. El capitalismo global, triunfante y guerrero ha sido y es excluyente, no solo de todo otro sistema (social político económico y militar), sino especialmente de la mayoría de lo/as seres humanos; y es excluyente de la naturaleza, porque solo se relaciona con ella destruyéndola o sustituyéndola. En el siglo XXI, el capitalismo “equivale” a un cáncer en metástasis, que ataca la humanidad y el planeta, pues su crecimiento destruye al ser que le da origen pero que no constituye su sentido. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 27 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 28 El continuado centramiento en el petróleo como fuente estratégica energética y la articulación del aparato militar de EE.UU. y las otras grandes potencias alrededor de este “régimen internacional”, son el principal foco de problemas ambientales y político militares del planeta. Continuar basando el régimen energético/económico en el consumo de petróleo, es la apuesta irresponsable de quienes dirigen ahora EE.UU. (dueños de empresas petroleras, e institucionalmente ubicados en el sector de seguridad y militar). Para garantizarse el control mundial de este recurso estratégico que empieza a escasear cada vez más, y como componente central de su aspiración hegemónica, EE.UU. primeramente se apoderó de Afganistán y más recientemente de Irak. Así, según Oliver Roy, la rápida expansión de los talibanes afganos y la toma de Kabul el 26 de setiembre de 1996, “...no pueden comprenderse sin el apoyo directo de los servicios paquistaníes, con el acuerdo de Estados Unidos y Arabia Saudita, en el marco de un gran proyecto que apunta a la exportación de los hidrocarburos de Asia central por Afganistán y Pakistán, en detrimento de Irán y Rusia.”(1999: 221). Más bien, es de prever que EE.UU. tendrá que retirar tropas de Europa y del Asia del Pacífico, para concentrarse en las zonas petrolíferas meso orientales, lo cual ofrecerá más margen de maniobra a la UE y a las emergentes grandes potencias asiáticas (China, Japón, India, Corea). Respecto de Irak, tanto Clinton como Bush II. lo han atacado utilizando argumentos falsos, de acuerdo con planificaciones realizadas por los militares de EE.UU. Así por ejemplo, durante la administración Clinton, mientras el jefe de inspectores de la ONU, Richard Butler, “adobaba” los informes sobre posesión de armas de destrucción masiva, siguiendo indicaciones del Pentágono, un observador menos comprometido con la agresión de EE.UU. a Irak sostenía que “...un arma está siempre constituida por dos elementos, la carga y el lanzador; una y otro faltan en Bagdad... Excepto seis misiles Scud que se sepa, Irak no tiene ya lanzadores aptos para bombardear a sus vecinos. No es, pues, capaz de dispersar sobre ellos cargas químicas o bacteriológicas”(Gresh: 1999: 93). Más recientemente, en el mes de noviembre de 2003 venció el plazo que diera el Congreso de EE.UU. a sus militares, para que presentaran pruebas sobre la posesión de armas de destrucción masiva por parte del Irak de Sadam Hussein, pero esas pruebas siguen sin aparecer. La “política de los hechos cumplidos” que aplicaba la dirigencia nazi alemana es ahora también utilizada por Washington, característicamente en una guerrra civilsocial mundial que cada día más opone a EE.UU. al resto del 28 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 29 mundo, y a quienes poseen riqueza y poder, en general, frente a quienes cada vez están más excluidos de una vida humana digna. Similarmente, la guerra civilsocial mundial (Guerra contra el Terrorismo) implica la instauración de la guerra como “institución nacional/internacional” para enfrentar y resolver problemas y conflictos. Implica también la profundización y aceleración de la destrucción de la naturaleza. Así, los “peligros” de destrucción masiva, social y ecológica, adquieren ahora dimensión de “colapsos mundiales”. Las guerras por los recursos, y el recurso a la guerra que caracterizaron el imperialismo clásico decimonónico y que fueran esgrimidos por el régimen nazi alemán (con mayor propiedad jurídica que hoy EE.UU. -Cf. González, 2005), reaparecen con el intento de hegemonía emprendido por el gobierno de Washington, que también se autoconcibe como imperial si no ya como imperialista. (Su dificultad estriba en implantar o mantener una hegemonía en condiciones de rechazo generalizado de la población (que se convierte, toda ella, en “potenciales terroristas” para la doctrina oficial; población que es tratada consecuentemente, por ejemplo por protestar contra la política de mentiras para justificar la guerra), pero además, en un contexto mundial de colapsos ecosociales, empleando medios que aceleran y agudizan la destrucción del planeta (capitalismo mafioso de guerra estructural). Y, particularmente, sus dificultades estratégicas aumentan si “debe hacerlo militarmente, por haber sido atacado”, ya que la sobrerreacción y la prepotencia en que incurre EE.UU., en el fondo ocultan debilidad estratégica: a principios del siglo XXI no le es posible mantener la hegemonía productivamente como entre 1945-1967, pero tampoco es posible mantenerla financieramente como hasta el estallido de la burbuja electrónica a finales de la ´decada de 1990 y la paralela salida a mercado del euro retador. La hegemonía ideológica se ha venido derrumbando, conforme el patrioterismo de guerra evolucionó hacia formas neo fascistas: rechazo y desprecio del derecho y los tratados internacionales y sobre todo humanitarios, y discursos y política cínicos (por ejemplo, Bush II burlándose, en una escena filmada para la televisión en su despacho, porque no han aparecido las “armas de destrucción masiva” de Sadam Hussein), que después de las experiencias históricas del siglo XX en el fascismo euroasiático y en el posterior epígono periférico (articulado por EE.UU.), ya no engañan a toda la gente, incapaces de ocultar las torturas, las masacres, el desconocimiento de las leyes nacionales e internacionales, el carácter ilegal e inhumano de tal régimen). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 29 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 30 El instrumento más a mano y aparentemente cada vez más necesario, para la oligarquía de EE.UU. y mundial es el militar. Apuestan por la guerra de agresión, eufemísticamente llamada “guerra preventiva”. EE.UU. solo vislumbra una salida de crisis exitosa, mediante la guerra, esto es, mediante la generación de anarquía sistémica para, en esas turbulentas aguas (“guerra mundial contra el terrorismo”), aprovechar el diferencial de poder militar (que es el decisivo en tales coyunturas –obviamente creen en el Pentágono y la Casa Blanca), y así recuperar/reafirmar el control del planeta. Se trata claramente de un hegemón en crisis, actuando como retador de sí mismo, en tanto “heredero” del sistema internacional westfaliano que busca destrozar. Como señala Carlos Eduardo Martins, durante ...(l)as confrontaciones que se establecieron en los períodos de caos sistémico, los Estados que vieron frustrados sus proyectos de dominación desarrollaron características fuertemente imperiales de intervención... En el nuevo período histórico que se avecina, los proyectos para mantener el capitalismo histórico buscarán articular, desde el hegemón, un conjunto de fuerzas oligárquicas bajo formas cada vez más fascistas. Esto se observa nítidamente en las reacciones del gobierno Bush al atentado del 11 de setiembre (2002: 36-37). Martins aquí asume a EE.UU. como hegemón, pero hay que señalar que lo es solamente en dimensiones militares (y no políticas ni económicas ni ideológicas) y ello con crecientes dificultades, conforme la carrera armamentística creada por su doctrina de guerra preventiva, hace que otros estados y sujetos internacionales desarrollen medios para contrarrestar (a veces con soluciones muy baratas) las costosas iniciativas militares y de espionaje de EE.UU. El costo del aparato policíaco militar en regímenes fascistoides siempre ha sido superior al que pueda proporcionar una economía moderna (similarmente con el socialismo burocrático estalinista), por lo que se torna necesario apoderarse de riquezas o recursos adicionales, mediante la fuerza (“raids” de saqueo). Para lograr esto, es necesario que la economía esté hiperconcentrada en inmensos oligopolios mundiales, y en sistemas político sociales articulados hobbesianamente, con un Leviatán de leviatanes (el estado de EE.UU. y los grupos, camarillas y mafias asociadas en todo el mundo). Se 30 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 31 trata, hoy, de un capitalismo rapaz como nunca antes (porque se acaban los recursos; porque la “gente” puede ser tratada “peor que animales; como enemigos”), inestable y cada vez más apoyado en las fuerzas armadas y de seguridad, que discriminan entre “humanos” y “no humanos” (judíos, comunistas, homosexuales para Hitler o Pinochet; “terroristas fundamentalistas islámicos” o toda persona que no esté de acuerdo con Bush II. hoy). Tales aventuras, históricamente tienden a terminar en tragedias y genocidios de grandes proporciones. Esta vez, se trata de la destrucción del mundo y de la humanidad. Consecuentemente, no solo avanza el planeta de manera irreversible en los procesos de destrucción ambiental y social, sino que para los estrategas del grupo en el poder en EE.UU., esa destrucción y la consecuente inseguridad ontológica, necesariamente (“!por dicha y suerte!” – pensarían lo/as así interesado/as) van acompañadas por una creciente (“e imparable”) demanda por seguridad, lo cual resultará en un buen negocio para ello/as (como abanderado/as del aparato militar industrial universitario), además de garantizarles la continuidad al frente del estado washingtoniano. Esta es la dimensión “placentera” del dilema de la seguridad. La dolorosa es que la amenaza no cesa de crecer y consecuentemente el pánico de los tiranos –por no mencionar el dolor de la vida humana y la naturaleza destruidas, que no incumbe a esos personajes. Mientras continue la guerra mundial contra el terrorismo, el grupo Bush espera allegar recursos tales, que los coloquen como uno de los más ricos en el planeta. A su vez, tal riqueza se acumula recibiendo contratos del Pentágono en Irak y aprovechándose de los elevados precios del petróleo. Se centra en los sistemas militares y de seguridad. Y, con estos dos instrumentos, petróleo y poder militar, pretenden mantenerse en el poder indefinidamente o ser parte y voz líderes, de él. Esto que quieren hacer o que están tratando de hacer, se parecería a la guerra emprendida por Julio César contra las Galias, cuando mató millones de galos para apoderarse de sus riquezas y posesiones, y vendió como esclavos a otros millones. Con esas bases financieras pudo sostener sus ejércitos y, con ellos, se lanzó a buscar la dictadura en la Roma aún republicana. Ahora a principios del siglo XXI, ese grupo en EE.UU. (y otros en otros lados –Berlusconi o Putin vienen a la mente) busca un primer momento de “principado”, dentro de esquemas oligárquicos (se mantiene poder del senado-congreso, pero ya sería secundario) imperiales digitales. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 31 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 32 La tendencia generalizada de este capitalismo de guerra final permanente, apunta a la corporatización de las principales instituciones sociales, destruyéndose o tergiversándose el “estado” en sentido hegeliano, en tanto “algo” que lograba escapar a la dura tenaza corporativa – la jerarquía de la dominación/explotación económico social –. El “estado” era una instancia en la que las personas no sufrían esa jerarquía autoritaria de la familia, la empresa o la corporación mercantil o artesanal, la iglesia y el ejército. En el siglo XXI, estas corporaciones recapturan, “reforman”, adaptan y achican al Estado, para que las proteja y para que las establezca como los espacios de la persona, eliminando el espacio de la libertad (individual, grupal o social) que el antiguo “estado” creaba. Renacen las oligarquías y las dictaduras (por ejemplo en Rusia o Indonesia). La “democracia” se articula ahora mediante “referendos”, que se deciden en campañas publicitarias lavacerebros. Así, los grupos ricos y poderosos que acaparan el poder, también son dueños de los medios de información, y llevan a cabo la conducción política mediante sucesivos referendos/elecciones que “venden” figuras (Swarzenegger en California o Arias en Costa Rica) o propuestas. La “democracia por referendo” se hace posible por la situación de terror o pánico a la que se induce a la población, sea por violencia social (criminalidad) o por violencia política (guerra civil, terrorismo oficial y opositor). Así se consolida el gobierno del aparato de seguridad y los medios de comunicación. La apuesta (literalmente) que hace EE.UU. busca una hegemonía imposible (por el impacto de las destrucciones social ecológicas), y el esfuerzo que dedica a ella precipita al mundo (incluyendo a EE.UU. mismo) en colapsos militares, económicos, sociales y ecológicos, en la locura del frenesí asesino (el asesinato es el centro de la estética actual), para pretender, ilusamente, que los ricos sobrevivan un poco más que los demás (morituri), entre ruinas que crecen y en una orgía de sangre inocente. En síntesis, el mercado capitalista es un componente del ecosistema mundial que viene creciendo incesantemente, engullendo cada vez más recursos del planeta y sujetando a sus leyes de hierro a la humanidad entera, la mitad de la cual sobrevive mala e indignamente. Ese mercado es el mercado de los ricos que participan y se benefician, los demás sirven en él para apenas sobrevivir, o son marginados funcionales (megaparo estructural). Ese (“mítico”) “mercado” ha desbordado la capacidad y los límites del ecosistema mundial y de la biosfera, los “peligros” de destrucción social y ecológica (“ecosocial”) alcanzan dimensiones (por ejemplo, escasez de petróleo a corto 32 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 33 plazo) de colapso, que inducen, entre los mismos dueños del capital, respuestas y soluciones de guerra, militarización y fascistización universales. Este extremismo se tiñe de fundamentalismo cristiano, y representa el último recurso de EE.UU. y sus asociados, para intentar ser quienes sobrevivan en las catástrofes sociales y ecológicas que azotarán el planeta en los próximos lustros, provocadas por ellos mismos en sus afanes egoístas posesivos. En el resto del presente artículo, discuto la noción de “colapsos ontológicos ecosociales”, en sus dos dimensiones, la social y la ecológica. Busco mostrar justamente el carácter terminal y de derrumbe que adquieren cada vez más estos procesos a escala mundial. El paralelo colapso mundial resultante de las tendencias que enfatizan y centran la política y la sociedad en la guerra (el colapso militar), es el tema indirecto de este trabajo (los ataques terroristas son respuestas, inhumanas, a los ataques y políticas imperialistas, también inhumanos). 1. LOS COLAPSOS ONTOLÓGICOS ECOSOCIALES 1.1 La noción de “colapso” Para alguien o alguno/as, una “amenaza” significa la existencia de muchas o crecientes probabilidades de que a cierto plazo (generalmente no muy lejano) se padezca humillación, injuria, enfermedad, daño, destrucción, muerte. Generalmente se reconocen dos acepciones: una social personal, cuando alguien o alguno/as dan a entender con actos o palabras que se quiere hacer algún mal a otro/a u otro/as; y la otra acepción, que es “impersonal” o referida a lo no humano en general, incluyendo lo natural, tiene tres fases: (1) anunciar, (2) presagiar o (3) ser inminente algún daño. La inminencia es la última fase de la amenaza, y se confunde casi con el “peligro”. Pues la amenaza puede aumentar, con lo que las probabilidades de daño también crecen, mientras que los plazos para que eso suceda tienden a reducirse. Correspondientemente, un “peligro” aparece cuando la amenaza deja de ser inminente y empieza a cumplirse y realizarse. La destrucción que trae ese creciente peligro puede ampliarse hasta afectar los componentes y relaciones básicos de las personas o entidades perjudicadas, dañadas. En el siguiente momento, la destrucción continúa aumentando y alcanza una magnitud y/o intensidad tales que producen el “colapso” de esa o esas personas o Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 33 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 34 entidadespersonas. Tanto el peligro como el colapso implican “destrucción”, pero en el caso del colapso se trata de encadenamientos de destrucciones locales o singulares, que alcanzan dimensiones cada véz más generales. En los colapsos, tiende además a reducirse el gradualismo de los procesos, y aumentan “caídas”, “desplomes”, “derrumbes”, “extinciones en masa”, “bombardeos, hambrunas o genocidios en cada vez más países”, etc., de carácter repentino, súbito. El colapso significa la última fase de vida de esos seres vivos, o de la existencia – en determinadas condiciones y formas –, de objetos o cosas. No resulta problemático emplear la noción de “colapso” para comprender los procesos internacionales y mundiales. Por ejemplo, es fácilmente comprensible para referirse a una parte cada vez más significativa de especies animales, incluyendo no solamente mamíferos sino muchos reptiles, aves, peces e insectos, que desaparecen para siempre cada día. Tampoco es difícil aplicar la noción a la sociedad humana: cada vez más hemos sufrido, o hemos venido contemplando con horror, “en directo o en los imaginarios”, el asesinato de humanos como base de la vida cotidiana; hemos visto sociedades devastadas o simplemente desaparecidas. Aparte de nosotro/as mismo/as, podemos observar cómo otros seres vivos, y también inanimados (paisajes y comarcas), padecen amenazas o peligros, o colapsan. En particular, es posible señalar niveles de amenazas, peligros y colapsos, en sociedades y en ecosistemas o componentes de ellos. 1.2 La dimensión ontológica La ontología es una rama de la filosofìa que estudia lo que es y lo que no es, en cuanto tales, y por consiguiente es considerada como la dimensión fundante de lo que se piense sea “real” e “irreal”. “Ser” y “no ser” constituyen el predicado más general que se puede dar a (o que “puede tener”) cualquier ser o cosa. Un equivalente del ámbito “vital” es “vida” y “muerte”. La ontología estudia las formas y características de lo que es y/o no es, de lo “vivo” y de lo “muerto”, “en general”. Ahora bien, si dentro de la ontología destacamos alguna entidad específica de la totalidad de lo que es, o bien destacamos a la totalidad misma, como “creadora”, “ordenadora”, “productora de sentido”, o “copresente”, entonces abandonamos la ontología y nos ubicamos en otra rama de la filosofìa, la metafisica. 34 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 35 Para este caso basta con la la dimensión ontológica, que puede considerarse análoga a predicar, respecto de la humanidad (plural e individual): “su existencia y sentido, implicando la posibilidad de expresar al máximo las mismas capacidades humanas” (Cf. Herrera Flores, 2001; Sánchez Rubio, 1999; 2003). En el caso de la dimensión social, el “punto de referencia” para realizar la comparación que permita determinar ese “ser humano” como “ser social”, por definición se da y no se da históricamente, aunque en la historia podamos encontrar ejemplos de aspectos y tendencias. Se ha ubicado en un desideratum para nuestras vidas hoy y mañana, y para las vidas de quienes vivirán después que nosotros ya no lo hagamos. Los genocidios, las masacres, los asesinatos, las torturas, las enfermedades, el hambre, los secuestros, los encarcelamientos, las persecusiones, el odio y la venganza, la prepotencia y el exclusivismo, el amor a la violencia (cultura del asesinato), la extinción del grupo social, la desaparición de costumbres, de lenguajes, de imaginarios, la represión psicosocial y particularmente sexual, y la agresión contra seres vivos e inanimados, todo acompañado de un culto a la Violencia, alcanzan niveles delirantes a principios del siglo XXI, y son los “constituyentes” de ese “punto de referencia” de definición de “lo humano”, en los pensamientos y los discursos oficiales. Para al menos un tercio de la humanidad, hoy su situación es de colapso total, mientras un grupo cada vez más pequeño concentra riquezas inenarrables y poderes dictatoriales, y el conjunto enloquece en la ansiedad insaciable de conciencias engolosinadas con el adrenalinazo orgásmico de la muerte del/a “otro/a”... Respecto de la naturaleza del planeta (incluye humanos, pero se refiere sobre todo a animales, plantas y minerales), la “dimensiòn ontológica”, en tanto desideratum se refiere a las características que mostraba este planeta a principios del Holoceno (hace unos 13.000/10.000 años). Es decir, tomamos al Holoceno como punto de referencia o comparación en la historia de la naturaleza de la Tierra (Cf. Leakey & Lewin, 1997). La comparación se hace, entre esa época y las situaciones y las tendencias históricas y actuales, de creciente impacto negativo (destrucción) que la humanidad inflinge a (contra) la naturaleza. Durante la década de 1960 empieza a emerger una conciencia social sobre la destrucción de la naturaleza, haciéndose eco de anteriores voces que advertían sobre la destrucción de especies animales y vegetales, sobre los Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 35 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 36 impactos nocivos de las contaminaciones atmosféricas, terrestres y acuáticas por productos o desechos industriales o militares (químicos o radioactivos, por ejemplo). En los siguientes diez años, esa preocupación daría a paso al surgimiento de iniciativas y explicaciones donde se planteaba que la relación humanidad naturaleza era contradictoria o dualista en las consecuencias de la civilización “occidental-capitalista-cristiana”, pero que no necesariamente debía de ser así. Hacia la década de 1980 la conciencia del peligro de destrucción generalizada (ontológica) de la naturaleza ya lo planteaba como gravísimo y evidente. Durante la década de 1990 se hicieron buenos propósitos que no se cumplieron y continuó la destrucción ecológica (Fracaso de la conferencia de Río de Janeiro sobre el medio ambiente, no ratificación del Protocolo de Kioto, por ejemplo); de manera que a partir de 2001, cuando la administracion Bush II emprende una nueva Guerra Mundial y el planeta se recentra alrededor de la violencia institucionalizada (militar, policial) para garantizar a los ricos la exclusividad de la propiedad de todo la “propiedad-mundo”, entonces esos peligros ecológicos se transforman en colapsos. Es decir, establecemos una especie de “definiciòn” o “medida” de lo humano (social, grupal, individual), y también de lo natural, que exprese esas dimensiones, no necesariamente en su plenitud ideal, pero sí en plenitud de posibilidad real de existencia, justicia e igualdad, así como en la expresión no represiva de nuestra humanidad y de la naturaleza del planeta. Lo “social” en tanto “humanidad”, y la “humanidad” en cuanto bondad-belleza-justicia (por ejemplo), tienden a colapsar y desaparecer en un desenfreno imparable, ideológico y práxico, de sangre y violencia. Por su parte, la destrucción de la naturaleza del Holoceno, es una especie de “daño colateral” que resulta de esa tendencia social ontocida. Podemos establecer entonces “parámetros” o “paradigmas heurísticos” de humanidad y de naturaleza, e intentar “medir” la distancia que se establezca entre la “situación” (no la “realidad”) de la humanidad y la naturaleza en determinado momento, respecto de esos parámetros o paradigmas. Notamos así un proceso histórico de expansión de la civilización, primero cristiana y luego capitalista (siempre patriarcal), euro-americana, a escala mundial. También notamos que desde del siglo XIX hasta hoy (2005), esa civilización entra en una etapa de economía industrial fundada en energías altamente contaminantes como el carbón, el petróleo y la fisión nuclear, y que implica utilizar todos los recursos sociales y naturales del planeta, a una escala 36 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 37 cada vez mayor. Se trata de un sistema socio económico y político ideológico que tiene por bandera “el progreso”, “el crecimiento del capital” como condición de supervivencia del capital, es decir, el crecimiento ilimitado de “la producción y la productividad”. El capitalismo cristiano, sin embargo, es excluyente en tanto la riqueza y el poder se concentran cada vez más en menos personas, y en tanto se autodefinen como el único “sistema” (económico o religioso) posible. Notamos que a partir del siglo XVIII, la situaciòn del resto de las civilizaciones y regiones del planeta se ha venido deteriorando, mientras que la civilizaciòn del capitalismo cristiano ha aumentado sin cesar su participación en la renta mundial. La diversidad social se ha deteriorado y muchas naciones desaparecen en el anonimato empobrecido o bombardeado de los suburbios o los campos desolados de África, América Latina y Asia, en países devastados como Angola, Ruanda, Nicaragua, Haití, Afganistán, Irak (para solamente citar dos de cada continente). Los otros países de estas regiones muestran “islas de desarrollo”, pero que se ven rodeadas por crecientes devastaciones sociales y ecológicas y, por tanto, las sociedades y en particular los ricos, se esconden y parapetan cada vez más, tras fuertes barreras protectoras de carácter militar y policíaco. Mientras tanto, decenas de millones mueren de hambre y enfermedades curables, al menos un tercio de la humanidad vive en condiciones de “pobreza absoluta”, según la definía el mismo Robert MacNamara (uno de sus responsables al frente del FMI), como: “condiciones de vida tan limitadas por la desnutrición, el analfabetismo, la enfermedad, la miseria ambiental, el alto ìndice de mortalidad infantil y la reducida esperanza de vida, que están muy por debajo de cualquier definición razonable de decencia humana” (MacNamara, 1994). Similarmente, la diversidad biológica se reduce sin tregua: día a día se agregan muchos nombres a la inmensa lista de especies vegetales y animales que desaparecen para siempre. El clima está alterándose, calentándose por el llamado efecto invernadero que provocan nuestros “gases”, haciendo a la atmósfera más lluviosa y tormentosa conforme el calor derrite los hielos y el agua agregada se distribuye en los océanos y la atmósfera. Empeoran todas las condiciones ambientales para que continuemos viviendo; estamos en medio de una gran extinción de vida de la que somos responsables y culpables. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 37 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 38 1.3 Evolución del concepto He desarrollado el concepto de “colapsos ontológicos ecosociales” (E.Saxe Fernández, 1996, 1999, 2003), a partir de la noción de “peligros” ontológicos ecosociales, que conviene precisar. La noción de “peligro ontológico” fue planteada originalmente, aunque de forma parcial, por el filósofo alemán Günther Anders en su ensayo “Tesis para la Era Atómica” (Anders, 1975). Llamaba la atención sobre la existencia de una amenaza real, a cargo de un arma con un potencial destructor inimaginable, capaz ciertamente de provocar la muerte de la inmensa mayoría de la población humana, y de causar daños ambientales (elevados niveles de radiación a escala mundial durante muchos años), acaso fatales para el resto de los organismos vertebrados, de muchos invertebrados y de la mayoría de las plantas. El peligro termonuclear es ontológico, en el sentido de significar “prácticamente” la destrucción de la especie humana y gran parte de la naturaleza, en una Hiroshima Universal. Según Anders, ese “peligro termonuclear” (la capacidad de EE.UU. y la URSS a partir de la década de 1970, de destruirse recíprocamente cientos de veces con bombas termonucleares), se nos torna invisible, aunque siga siendo constitutivo, pues resulta “supraliminal”. Se trata de algo tan grande que no lo podemos “ver”, y es el opuesto correspondiente de la dimension “subliminal”, la cual se refiere a estímulos visuales (por ejemplo), tan pequeños que escapan a la conciencia de quien “ve” (anuncios minúsculos en pantallas de cine; contenidos ideológicos –como una bandera- en el trasfondo esfuminado de una escena fílmica o televisiva). El peligro termonuclear es tan gigantesco, que escapa a la percepción, el razonamiento y el juicio, por las dificultades que tenemos para procesarlo en nuestro cerebro: No solamente la imaginación ha dejado de estar al lado de la producción, sino que también el sentimiento ha dejado de estar a la par de la responsabilidad. Todavía podría ser posible imaginar o arrepentirse por el asesinato de un semejante, o aun de compartir la responsabilidad por ello. Pero figurarse la eliminación de cien mil semejantes definitivamente sobrepasa nuestro poder imaginativo. Entre más grande sea el efecto posible de nuestras acciones, tanto menos capaces somos de representárnoslo, de arrepentirnos o de sentir responsabilidad 38 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 39 por él. Entre más ancho es el abismo, tanto más débil es el mecanismo de frenado. Eliminar cien mil personas apretando un botón es algo incomparablemente más fácil que destazar a un individuo. Lo “subliminal”, el estímulo demasiado pequeño como para generar una reacción, ya ha sido reconocido en la psicología. Más significativo, sin embargo, aunque no haya sido visto ni mucho menos analizado, es lo “supraliminal”, el estímulo demasiado grande como para generar una reacción, o para activar algún mecanismo de frenaje (1975: 94). Hacia mediados de la década de 1990, junto con C. Brugger, propusimos entender por “peligro”: ...algo que efectivamente tiene la capacidad y la tendencia a amenazar la existencia de determinado ente... para poner en jaque mate la continuidad de nuestra especie y la misma organización de la naturaleza en su forma cuaternaria (E.SaxeFernández & C. Brugger, 1996: 52). Este peligro termonuclear de Anders, entonces, lo he definido en primer lugar como peligro “ontológico”, por su significación (alcance): se refiere a la destrucción de la sociedad humana y de la naturaleza (del Holoceno; desde circa 8.000 adne). Además, se trata de un peligro ontológico “metafísico”, pero en un sentido particular, en tanto algo que ha sido inminente desde 1945 y sobre todo desde la década de 1970 (y no ha cesado con el fin de la Guerra Fría), pero que no ha tenido lugar. El peligro termonuclear es una amenaza total permanente para los humanos desde Hiroshima y Nagasaki, y sobre todo a partir del empleo del espacio circundante como nuevo “océano” mundial en el que operan los sistemas militares. Pero es invisible porque está más allá del azul del cielo y oculto bajo las olas del mar o en silos y túneles... Es invisible porque no hemos tenido una guerra total termonuclear (y con todas las demás armas) entre EE. UU. y la URSS, lo cual facilitaba el ocultamiento y la invisibilización del peligro, como señala Anders, convirtiéndolo entonces en algo “meta- físico”. En segundo lugar, a partir de la noción de “peligro ontológico termonuclear” es posible concebir un “peligro ontológico militar” en general, que incluya tanto las armas termonucleares como las convencionales, las Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 39 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 40 bioquímicas y otras. En este caso, el carácter “metafísico” o invisibilización se diluye (relativamente). Sin embargo, permanece oculto a la inmensa mayoría de la población e incluso a los políticos, el carácter central que adquiere el aparato militar y de seguridad durante todo el siglo XX y hoy con mayor intensidad y tamaño. En tercer lugar, a partir de las nociones de “peligro ontológico termonuclear” y de “peligro ontológico militar”, es posible construir las nociones de “peligro ontológico social” y de “peligro ontológico ecológico”. Con ellas hacemos referencia a procesos destructivos terminales, en los ámbitos psicosociales y naturales, y que durante las últimas dos décadas del siglo XX alcanzan una dimensión de “inminencia”, señalada por esa calificación como “peligros”. Al final del siglo XX y especialmente a partir del 11 de setiembre de 2001, esos “peligros” tienden a convertirse en colapsos. Es que la noción de “peligro” o “inminencia” de catástrófe parecía adecuada aún en 1992, y muchos en esa década de los años 1990 se entusiasmaban creyendo que el neoliberalismo institucionalista globalista, y la ausencia de “guerra mundial” (fin de la Guerra Fría), servirían para enfrentar y superar esos peligros ontológicos. Ahora se podrían dedicar los esfuerzos a detener la destrucción social y natural, la guerra finalmente ya no haría falta y poco a poco desaparecería, en un sueño post histórico de eternidad globalista comercial. Sin embargo, el mismo globalismo neoliberal ha sido violento, fraudulento, mafioso, rapaz. Las admiinistraciones de William Clinton navegaron la cresta de una ola especulativa mafiosa que institucionalizó el saqueo (por ejemplo de América Latina desde la década de 1980, de la antigua URSS y los “tigres” asiáticos durante la de 1990). Luego, el retorno al poder en EE. UU. del grupo Bush mediante el fraude electoral, a partir de setiembre de 2001 ha quedado signado por la nueva Guerra Mundial “contra el terrorismo”. El grupo en el poder ejecutivo está lidereado por Bush I, e incluye miembros de varias administraciones republicanas, desde Nixon (R.Perle y H. Kissinger, por ejemplo). El vicepresidente, la consejera de seguridad nacional, los ministros de guerra y de exteriores, junto con el presidente y otros altos funcionarios, bajo la batuta (“oculta”) de Bush I, han venido preparando un plan de gobierno desde al menos finales de la década de los noventa, que facilite la centralidad del aparato militar y de seguridad en la política, “para siempre jamás”, articulando la vida del planeta en enfrentar crecientes riesgos a la seguridad, y guerras permanentes contra los levantamientos de los pobres, 40 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 41 los excluídos, los “infieles”, por el control de los (cada vez más escasos) recursos del planeta, y bajo la ideología totalitaria de la “guerra mundial contra el terrorismo”. Los atentados del 11 de setiembre de 2001 “activaron” esos planes, que se han puesto en marcha con rapidez – una de las condiciones de su éxito es seguir la política de los “faits accomplis” (hechos cumplidos), es decir, actuar y luego negociar lo que convenga. Esta práctica se había desterrado en las relaciones entre las grandes potencias y las superpotencias, a partir del fin de los regímenes nazi fascistas en Europa y Japón. La llamada doctrina de guerra preventiva y la toma de los principales recursos petroleros del planeta por este grupo (para su control político estratégico por EE.UU.; para su control económico estratégico por el grupo en el poder), caracterizan la política de esta potencia. Adicionalmente, pero de manera crucial, se trata de un grupo compuesto por miembros de las agencias de “inteligencia” (nuevo nombre que recibe el espionaje), policíacas, y militares. Están en el poder, por lo demás, ya desde que Bush I asumiera la conducción de la fase final de la guerra contra la URSS, igualmente dirigida por los aparatos de seguridad y espionaje (Andropov) – característica que se continua en la figura de Putin. En Costa Rica, por ejemplo, también, los dos vicepresidentes de la administración Pacheco provienen del área policíaca, y hay tendencias hacia la conformación de un “bloque” mediático-policial-cristiano, para eventualmente sustituir a los partidos políticos, siguiendo los modelos de pseudo democracia “conservadora activa” representados por Berlusconi en Italia, Collor de Mello y Fujimori (“Fujicolor”) en Brasil y Perú, y por Reagan, Bush I, Bush II y Szwarzenegger en EE.UU. La dirección político militar de EE.UU., en campaña por adueñarse del planeta lo más rápido y extensamente posible (pero en situación de colapsos ecosociales; con unas fuerzas armadas capaces de destruir enemigos pero carentes de organizaciones o entidades capaces de reconstruir los países que devasta; padeciendo de “percepciones incoherentes” y de “irresponsabilidad organizada”), actúa como principal depredador del sistema mundial. Pues opera a nivel local y nacional tanto como internacional, mediante la amenaza, la intimidación, la coerción, la coopción, la guerra psicológica y clandestina, el embargo y el boicot, el asesinato y la agresión militar directa. En esto, la política del grupo Bush II está basada en la de Sharon en Israel: respecto a la percepción y definición de los “enemigos”, y respecto a los “métodos” para atacarles. Desde la experiencia y la perspectiva que tenemos en América Latina, África, Asia, y Europa, sobre gobiernos estructurados alrededor de la Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 41 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 42 “lucha contra el terrorismo”, de las “doctrinas de seguridad nacional” y de “enemigos religiosos de la nación”, notamos grandes similitudes con la dinámica política en EE.UU. Resulta fatal para la humanidad y el planeta, que la dirigencia policíaco militar de EE.UU. muestre y tienda a desarrollar rasgos similares a los que encontráramos en el pasado reciente en nuestra región, en los gobiernos de Pinochet, de Videla, o de los generales brasileños o guatemaltecos. La situación actual es de “degradación ontológica”, por el tipo de guerra que tiene lugar. Se trata de una “guerra mundial interna”, civil y social (“civilsocial”), que adquiere prioridad sobre cualquier otra actividad, y que resulta un fardo adicional demasiado pesado para la persona humana, la sociedad y la economía. Los gastos de un billón de euros (un millón de millones) en actividades militares a nivel mundial son inmorales, porque extienden el “desprecio” por un prójimo definido como “excluido”, “no humano”; y porque afianzan la creencia – la definición de situación – en la necesidad del asesinato. Esos gastos son además improcedentes, es decir, no solamente resultan “improductivos” sino sobre todo “agravantes” o “dañinos” para enfrentar los actuales colapsos ontológicos ecosociales (y por supuesto incluyendo la misma amenaza termonuclear-militar). Sin embargo, la salida de crisis propuesta por el grupo Bush se basa en fortalecer y establecer a la muerte como eje central de la vida. Las predicciones hobbesianas de analistas como Robert Heilbroner adquieren entonces nuevo significado. En 1991 se preguntaba si había esperanza para el “hombre” (Sic), y respondía: La perspectiva para el hombre es dolorosa, desesperada, y la esperanza que se pueda tener por su futuro parece ciertamente muy escasa”(1991:20). Agregaba que: Cuando los hombres pueden aceptar, e incluso deleitarse, con la destrucción de sus contemporáneos vivos, cuando pueden mirar con indiferencia o irritación el destino de quienes viven en tugurios, se pudren en prisión, o mueren de hambre en tierras que solamente tienen sentido en tanto lugares de vacaciones, ¿por qué habría que esperar que realizaran acciones dolorosas, requeridas 42 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 43 para prevenir la destrucción de generaciones futuras cuyos rostros nunca vivirán ellos para contemplar? Pero aún más, ¿No maldecirán a esas generaciones futuras, cuyos derechos a la vida solamente pueden honrarse sacrificando el disfrute presente; y, si se llegara a tener que escoger, no las condenarán a la no existencia, al escoger el presente antes que el futuro? (1991:169). Advierte sobre el surgimiento de “gobiernos de hierro” que practicarán “coerción gubernamental”. Hoy se hace evidente que la “salida de la crisis” que lleva adelante el gobierno de EE.UU. agrava dramáticamente la crisis mundial, pues ahora la situación es otra vez una guerra mundial, incluyendo paralelamente el rechazo al derecho y los tratados internacionales y humanitarios, desdén y menosprecio por las medidas de protección o promoción humana, social o ambiental, en organizaciones o institucionalizaciones multilaterales y en negociaciones equitativas, tanto como el rechazo a que sus ciudadanos, en particular los miembros de sus fuerzas armadas, puedan verse sometidos a procesos jurídicos en la Corte Penal Internacional. Al mismo tiempo, se trata de una política de engaño y mentiras (Irak no tenía “armas de destrucción masiva”), y de una estrategia militar de terrorismo de estado (eliminación de libertades civiles en EE.UU.; tratamiento criminal a enemigos y prisioneros). De manera que, a partir del 11 de setiembre de 2001, oficialmente, las originales “amenazas” ontológicos pasan, de estar en una situación de peligro, a una nueva situación de tendencias crecientes a los colapsos. La precipitación de colapsos tiende a darse cuando un subsistema (por ejemplo un país como Afganistán) se derrumba, y en poco tiempo estos colapsos particulares se encadenan y provocan colapsos regionales o mundiales, como señalaremos en la siguiente sección. 2. EL COLAPSO SOCIAL MUNDIAL La paradoja del desarrollo es que el tremendo éxito de la civilización industrial moderna será la causa de su colapso y ruina (Lewis: 1998: 45-46; énfasis ESF). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 43 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 44 La economía política del capitalismo mundial implica que “el mercado” tiende a crecer indefinidamente, como característica derivada de la competencia y como estrategia para aumentar las ganancias. El subsistema económico es un componente del ecosistema mundial, que crece hasta llegar a sustituir y absorber todo el ecosistema del planeta. Ya la economía ha sustituido a la ecología en cada vez más ámbitos de la vida social humana (hasta la educación es articulada ahora desde perspectivas mercantilistas). Actualmente, los grupos y sectores dominantes en los mercados oligopólicos internacionales, se disponen a adueñarse de la naturaleza “virgen”, es decir, prácticamente de todas las plantas y los animales, y de paso acabar con las últimas sociedades articuladas en torno a la agricultura. Similarmente, con esos y otros conocimientos se disponen a ofrecer, a quien pueda pagar, terapias y medicamentos que pronto llegarían a extender la duración de la vida humana – con buena salud física y mental – hasta 150 o 200 años. El determinismo tecnológico es un supuesto ideológico que ha tendido a reemplazar a la noción de “progreso”, otrora dominante en el sistema de supuestos sociales del capitalismo cristiano. Representa el “mecanismo” mental y social, justificador y significativo de que la “actual” o pasada distribución y organización del poder y la riqueza, podrán perpetuarse ad aeternum, gracias a los “milagros tecnológicos”. Pues tanto los etnocidios y masacres, y los ecocidios necesarios para “evitar que los pobres se apoderen de todo”, así como el necesario “aislamiento” y “privacidad” de lo/as dueño/as del planeta, solamente pueden garantizarse por medio de la fuerza más brutal posible – en lo que conocemos de la historia de la vida. Entonces, los conocimientos y tecnologías militares o “de seguridad”, tienden a convertirse en el centro de las actividades de investigación científica y desarrollo tecnológico. Representan una creciente carga para la sociedad y el fisco, sobre todo de EE.UU., lo cual limita a este Leviatán. La historia de la vida en el planeta y la de la humanidad durante el siglo XX ha venido avanzando y sobrepasando umbrales de destrucción, inéditos desde hace unos 65 millones de años; pues “los dueños del mundo” creen que destruyendo la vida planetaria lograrán alcanzar su felicidad y libertad supremas. Los mayores riesgos los corren esos “dueños” y la misma humanidad. Pero, ciertamente, muchísimas personas consideran que su situación personal y social es “especial” o excepcional, por riqueza o poder, o por ubicación en el planeta – supuestamente lejos de crisis económicas, sociales, ecológicas, políticas o militares. Esta creencia es muy errada, pues las 44 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 45 magnitudes de la intervención contra la naturaleza son de alcance planetario, y la exclusión social alcanza límites intolerables y características degradantes y degradadas, explosivas social, política y éticamente, tanto en el edificio del Pentágono como en los palacios de Saddam Hussein. Pero sobre todo es muy errado creerse inmune a las dimensiones sociales del colapso ontológico mundial (crisis, desastres y catástrofes), porque tales creencias tienen como base una ética nihilista que se nutre del cinismo, el engaño y la indiferencia. La “salvación” o el “bienestar” individual o grupal a corto plazo, garantizadas por riqueza y poder, facilitan “no ver” o “no darle importancia” o “significado” al sufrimiento de al menos un tercio de la “humanidad” que no vive “humanamente” y que más bien malmuere en vida. El cinismo nihilista entonces facilita considerar esa inhumanidad “compatible” con la abundancia violenta, prepotente, glotona y tacaña. La actual “ética” de quienes tienen poder y riqueza, que por tanto aparece en las instituciones sociales y culturales dominantes, y que se sustenta tanto en el neoliberalismo como en el ethos de la guerra, considera culpable y por tanto inmoral o no ético, al/a pobre y excluido/a. Su supuesta “falta de iniciativa” es causa de sus males. Para la ética oficial, nadie más que esas mismas personas son responsables de su “condición”. Pero, como se trata de la mayoría de la población del mundo, entonces es necesario invertir el argumento, señalando que la minoría posesiva y violenta es la responsable de los problemas de todo/as. 2.1 Socialmente Desde el fin de la Segunda Guerra Mundial (1939-1945), disponemos de información más exacta o completa, sobre cómo la mayoría de la humanidad viene sufriendo un proceso de creciente empobrecimiento económico, marginación social y exclusión política e ideológica. Al mismo tiempo, una minoría ha venido aumentando sostenidamente su participación en el control del poder y la riqueza del planeta. A partir del neoliberalismo globalista institucionalista del último tercio del siglo XX, se magnifican sin embargo las tendencias sociales parasitarias y corruptas, incluyendo la mafización y oligarquización de la política y la economía, por la concentración de la dirección económica en la especulación financiera y la sobreexplotación o ganancia extraordinaria que se obtenga en coyunturas internacionales creadas ad hoc, incluyendo el saqueo, desmantelamiento y destrucción de los bienes Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 45 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 46 públicos (transporte, energía, comunicación, finanzas), mediante la privatización, en numerosos países de América Latina, Africa y Asia, pero también en el mismo corazón metropolitano, donde los escándalos financieros han arrastrado por los suelos las reputaciones de las firmas bancarias y financieras más importantes del mundo, y donde también avanzan el desempleo, la pobreza y la violencia. Las nuevas oligarquías (son las “clases globalistas” de Petras y Veltmeyer, 2002) que toman el poder en el mundo a partir de la década de 1970, se sustentan en dos pilares, el control de los medios de comunicación y el uso cada vez más intenso y extenso de los medios de control y represión jurídicos, policíacos y militares. El caso de Berlusconi en Italia es paradigmático en este sentido, ya que controla toda la televisión privada y, desde el gobierno, también la televisión pública. Adicionalmente, los grupos en el poder, como en el caso de EE.UU., también son grupos relativamente interconectados de empresas, que prosperan rápidamente gracias a las concesiones y contratos adjudicados por funcionarios que no se sonrojan por los conflictos de intereses, y aceptados por rivales y público mediante campañas y engaños propagandísticos, o violencia jurídica, policíaca y militar. Las nuevas oligarquías metropolitanas ejercen su poder económico al frente de conglomerados transnacionales financieros, industriales y comerciales. Un puñado de mega corporaciones y un puñado de áreas metropolitanas controlan y utilizan la inmensa mayoría de la riqueza del mundo. Según Escobar (1995: 212), las naciones industrializadas (o centros metropolitanos) del mundo representan el 26 por ciento de la población, pero producen el 78 por ciento del PNB mundial, y significan el 81 por ciento del consumo de energía, el 70 por ciento de los fertilizantes químicos, y el 87 por ciento de los armamentos mundiales. De acuerdo con los informes del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD) para 1996 y 1997: • Entre 1970 y 1985 el número de pobres creció un 17 por ciento, pese a que la producción auménto un 40 por ciento. • En 1996, 800 millones de personas pasaban hambre y 500 millones sufrían de malnutrición crónica. • Cada año morían alrededor de 17 millones de personas, a causa de enfermedades curables como la diarrea, el paludismo o la tuberculosis. 46 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 47 • Entre 1987 y 1993 (8 años), el número de personas con ingresos diarios inferiores a un dólar de EE.UU., aumentó en 100 millones. • En más de cien países el ingreso por habitante en 1996 era inferior al de 15 años antes. Es decir, en 1996 casi 1.600 millones de personas vivían peor que al inicio de la década de 1980. • Ciento treinta millones de niño/as no asistían a la escuela primaria, y 275 millones a la secundaria. (En Costa Rica, la matrícula de secundaria excluye a más del 30 por ciento de la población en edad). • En los países más desarrollados la población casi no crece, pero el número de desempleados llegó a casi 40 millones antes de la crisis de 2001, más de tres veces el número de desempleados de principios de la década de 1970. Adicionalmente, 100 millones de personas en estos países ricos, tienen ingresos que son la mitad o menos de los ingresos individuales medios del país corrrespondiente. En EE.UU. casi 50 millones de personas no tienen seguridad social, y en Londres, una de las grandes megalópolis del capital, 400.000 personas no tienen hogar. • En los países de la antigua URSS, el número de pobres pasó, del 4 por ciento en 1988, al 32 por ciento en 1994. Por su parte, los economistas españoles Berzosa, Bustello y De la Iglesia (2001), señalan que: La diferencia entre el ingreso de los países ricos y el de los países más pobres era de alrededor 3 a 1 en 1820, de 35 a 1 en 1950, de 44 a 1 en 1973, y de 72 a 1 en 1992... la distancia entre las personas ricas y pobres se eleva a 140 a 1. El 20 por ciento más rico supone el 81.2 por ciento del comercio mundial, el 94.6 por ciento de los préstamos, el 80.6 por ciento del ahorro interno, y el 80.5 por ciento de la inversión interna. Mientras que el 20 por ciento más pobre sólo participa con el 1.0 por ciento en el comercio mundial, con el 0.2 por ciento de los préstamos comerciales, con el 1.0 por ciento en el ahorro interno, y el 1.3 por ciento de la inversión interna (pp.27-28). Según las últimas estimaciones del Banco Mundial, nuestro mundo se caracteriza por una gran pobreza en medio de la abundancia. De un total de 6.000 millones de habitantes, 2.800 – casi la mitad – viven con Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 47 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 48 menos de dos dólares diarios, y 1.200 – una quinta parte – con menos de un dólar al día (p.35). Adicionalmente, las Corporaciones Trans Nacionales (CTNs), la inmensa mayoría de las cuales tiene su base nacional territorial en EE.UU., la UE y Japón, “llevan a cabo el 70 por ciento del comercio internacional y el 80 por ciento de la inversión extranjera”. Además, las CTNs controlan el 80 por ciento de la tierra sembrada con productos de exportación, y 20 CTNs controlan el 90 por ciento de las ventas de pesticidas (Chatterjee & Finger, 1994: 112, 106). El poderío político de estas oligarquías incluye el control de los gobiernos de las grandes potencias, las instituciones financieras internacionales (IFIs) y hasta la misma ONU. Ya no es posible dejar sin considerar el carácter cada vez más rapaz de las nuevas oligarquías que controlan las gigantescas corporaciones transnacionales y los gobiernos centrales. No solamente es el caso en América Latina, como hemos señalado (1999), sino también en EE.UU. Un ejemplo de esto ha salido a la luz pública, aunque muchísimos otros, y la tendencia, siguen tan campantes: Enron, cuya quiebra en 2001 fue la mayor de la historia mundial, ha sido un ejemplo de cómo los sistemas económico y político de Estados Unidos favorecen tendenciosamente a los ricos en detrimento de los pobres. Cuando Enron se desplomó, se estima que tanto sus trabajadores como el accionista medio perdieron entre 25.000 y 50.000 millones de dólares en la cotización de sus fondos de pensiones y de sus acciones porque ni la compañía ni sus auditores, la firma Arthur Andersen, dijeron la verdad acerca de la peligrosa situación de la compañía. Los ejecutivos de la empresa, sin embargo, cobraron sus beneficios por adelantado y huyeron con cientos de millones de dólares. Enron robó otros 50.000 millones de dólares manipulando el mercado de energía eléctrica de California: provocó una escasez artificial de electricidad e hizo subir los precios. También estafó a los contribuyentes de todo el país: como la desregulación de la era Clinton hizo posible la transferencia de fondos a paraísos fiscales en el extranjero, Enron no pagó ningún impuesto federal sobre la 48 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 49 renta en cuatro de los cinco años previos a su bancarrota... (Hertsgaard, 2003: 158-159). Más abajo, este autor agrega que: ...la desigualdad tiene todos los visos de hacerse màs profunda en los años venideros, porque la administración Bush y el Congreso continúan favoreciendo a los más ricos en sus políticas fiscal y de gasto, y porque la economía de Estados Unidos ya no genera suficientes empleos bien pagados como para sostener a una clase media estable. Los colapsos sociales tienden a generalizarse sobre todo en América Latina, África y Asia. Entre la guerra de EE.UU. contra Vietnam (a partir de 1962) y su guerra contra Irak (2004), muchos países y regiones han acabado devastados por hambrunas, sequías o inundaciones, y guerras. Según O´Connor (1994:17), a mediados de la década de 1990, estos subcontinentes ya podían considerarse “una zona de desastre económico, social, y ecológico”. En ellos, como indicador, cada día mueren más de 35.000 (treinta y cinco mil) niños, víctimas de enfermedades surgidas de no comer y por vivir constantemente hambrientos (FAO, 2001). Y el desempleo, la pobreza y la exclusión también crecen en los centros metropolitanos. Frank (2000), destaca que, durante el boom especulativo de la década de 1990, el 89 por ciento del capital transado en esos medios estaba en manos del 10 por ciento de los hogares más ricos. Bill Gates, por ejemplo, posee más riqueza que el 40 por ciento más pobre de la población total de EE.UU. (más de 100 millones de personas). El número de personas sin seguro social, o pobres, en EE.UU., ha aumentado desde que tomó posesión la administración Bush II, según informaciones dadas a conocer por la oficina de censos del gobierno a finales de setiembre de 2003. Y, entre 2003 y 2004, otro millón y medio de personas pasó a situación de pobreza. El capitalismo ya no puede pretender ser bueno “para todo/as”, abiertamente reconoce que hay “perdedores”, aunque no es capaz de comprender el significado político, social, ético y ontológico de que esos morituri sean la inmensa mayoría de la humanidad. Pues a ese “reconocimiento” de fracaso universal no le pueden ofrecer más explicación que “la falta de iniciativa individual”. Las consecuencias destructivas y Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 49 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 50 genocidas del capitalismo, son consideradas como una “limitación inevitable” de la sociedad humana frente a algo más allá de nuestro “control” (en el siglo XIX construían un “ídolo” de la “Naturaleza hostil o indomable”; a principios del siglo XXI se trata de los inexplicables designios del ídolo del “Mercado”). Los tejidos y entretejidos sociales (para emplear la conocida metáfora) de todas la sociedades, durante la Guerra Fría crecieron y se tensaron desmesuradamente y empezaron a mostrar fracturas, conforme crecían los peligros ontológicos militares y ecosociales, característicos de aquella “carrera sin fin de militarización”. Durante la actual fase de “colapso”, es cada día más evidente como las fibras sociales sobrepasan la tensión y se deshilachan, se sueltan, se separan, se rasgan, se rompen, se deshacen, se pudren. Las formas de operación de quienes tienen poder y riqueza, se fundamentan en la rapiña, el robo, el engaño, y se articulan en estructuras mafiosas. Se trata de nuevas oligarquía mafiosas, muy violentas y ávidas de poder, obtusas, dogmáticas e intolerantes, sin capacidad de liderazgo social o político. Quienes tienen poder y riqueza se parapetan detrás de tecnologías y cegueras, cada vez más prepotentes y también cada vez más impotentes para “detener” – o al menos “no ver” – los derrumbes sociales, el hundimiento de los grupos, sectores, clases, contendientes, de ambos o de todos los bandos: “ganadore/as y perdedore/as” pierden. Se trata de una situación en la que nadie gana, aunque esos expertos en “hacer dinero”, no lo lleguen a entender. 2.2 Económicamente La expansión mundial del capitalismo, y sus repetidos reacomodos imperialistas desde que se industrializaran y desarrollaran los mercados metropolitanos, no solamente vienen causando devastaciones y crecientes colapsos ecológicos. También han tenido como consecuencia un proceso de concentración de la riqueza, que prácticamente empieza con las sucesivas expansiones europeas (Griega, Romana, Cristiana) y de EE.UU., y que hoy alcanza dimensiones extremas. En estos primeros años del siglo XXI, al ampliar el número de “excluidos” del mercado capitalista globalizado, por extraordinarios incrementos en la composición orgánica del capital, la economía entra en una serie de recesiones que dan paso a crisis deflacionarias en las que resulta imposible vender la grandísima y variadísima producción de mercaderías, porque sus precios resultan inaccesibles para la inmensa mayoría de la 50 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 51 población, gran parte de la cual está desempleada y sobrevive en las economías informales, marginales, o de beneficencia. La teoría marxista de la crisis del régimen del capital sostiene que: ...la economía capitalista no tiene como finalidad la satisfacción de necesidades, sino la obtención de ganancias. Y la ganancia es tanto más alta cuanto más alta es la tasa de plusvalor y cuanto más grande es el capital, en igualdad de circunstancias. Además, solo las empresas que cuentan con una alta concentración de capital son capaces de racionalizar la producción, de aplicar técnicas modernas, de reducir al mínimo los costos, de alcanzar un alto rendimiento. Por estas razones, el capital trata de comprimir el salario y de acumular la parte más grande posible de ganancia. A través de este mecanismo, se reduce la capacidad de consumo y se fuerza la capacidad productiva. El consumo de la población, cuyos miembros son en su mayor parte asalariados y trabajadores a sueldo, no crece al mismo tiempo que la producción social. La divergencia entre la producción y el consumo efectivo de la sociedad, aumenta con el progreso técnico (Moszkoskowa, 1978: 21-22). Esta tendencia se vería agravada justamente con la aceleración del progreso técnico y la eliminación de empleos. Los estancamientos o crecimientos lentos en las economías, así como simplemente la necesidad de aumentar las ganancias, multiplican las presiones para reducir las plantillas de obrero/as y empleado/as, sustituyendo personal con nuevos equipos y tecnologías. Esto además permite negociar desde posiciones de fuerza con los representantes laborales, amenazándoles con mayores despidos y exigiendo reducciones de salarios, de feriados, de prestaciones sociales y sanitarias, etc. Estos procedimientos aumentan efectivamente las ganancias al corto plazo, pero las desinflan al largo o estructural plazo. Pues sus acciones reducen la capacidad de compra de los mercados, y de ahí que las ventas crezcan poco de año en año. Dos breves descripciones de la crisis (que se pueden considerar como de subconsumo o como de sobreproducción) que afectara al capitalismo mundial a finales de la década de 1920 y principios de la de 1930, pueden ilustrar una serie de similitudes entre aquella coyuntura y las tendencias actuales: Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 51 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 52 El análisis del Institut für Konjunkturforschung de Berlín, realizado en 1931, que enfatiza el aspecto del subconsumo: La observación empírica señala, con toda precisión, una doble circunstancia que precedió la actual crisis económica mundial en el campo de las mercancías y que la provocó. Por una parte está la sobreproducción agrícola y por otra la industrial... La crisis del año 1929 aparece como la consecuencia lógica de una desproporción entre la producción y la capacidad de consumo. El ingreso monetario de las grandes masas no basta para alcanzar el ritmo de la producción... En todas las etapas del capitalismo avanzado... podían observarse ya desde 1929 tensiones entre la esfera del ingreso y la del capital... Tensiones que en esta ocasión constituyen la “causa principal” de la crisis. Con esto, la teoría del subconsumo se ha llevado la palma, en esta ocasión (Wagemann, 1931: pp. 333-341). El análisis de la crisis mundial de 1929 por Bahamonte Magro, catedrático de economía en Madrid, realizado en 1998, que enfatiza el aspecto de la sobreproducción: La producción, globalmente considerada, ha superado... las necesidades reales, condicionadas por una distribución sumamente desigual de la renta. El contexto se agrava por el mantenimiento de precios de monopolio gracias a los acuerdos internacionales tipo cartel – que unifican precios y reparten mercados –, provocando una acumulación de stocks sin vender. Sobre este esquema actúa la crisis financiera que, al dislocar los acuerdos, provoca desajustes que desembocan en una brusca afluencia de stocks al mercado, y la consiguiente caída inmediata de los precios... (L)as tensiones de la sobreproducción arrancan del desfase pronunciado entre unos precios agrícolas cuyo aumento es menos rápido que el de los productos manufacturados, disminuyendo la capacidad de compra del sector agrario. Por otra parte, la existencia de elevadas tasas de paro... también restringe la capacidad de consumo... (La 52 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 53 producción mundial se disparó) por encima de los niveles sociales de absorción (1998: 11-12). En el debate que siguió a la gran crisis económica de finales de la década de 1920 y principios de la de 1930 se pueden distinguir entre, explicaciones “endogenistas” que consideraban que la estructura económica interna de la economía genera fluctuaciones que alteran los equilibrios, y las explicaciones “exogenistas”, que consideraban que fuerzas externas a la estructura económica eran responsables de tales fluctuaciones. Natalie Moszkowska, ubicada en la corriente endogenista (que es la que en este momento más nos interesa), en un trabajo publicado en 1936 (Ed. en español de 1978), parte de considerar que las empresas típicas del capitalismo tardío son grandes monopolios o carteles y elevada concentración del capital, en condiciones de racionalizar la producción, de aplicar técnicas avanzadas, de reducir los costos al mínimo y de lograr elevadas tasas de rentabilidad. Es así que el capitalismo del siglo XX ha llegado a desarrollar fenómenos teóricamente ajenos a él y más bien propios de otro sistema económico. Lo cual no quiere decir que los fenómenos que aparecen sean “socialistas”, sino, como los denomina Moszkowska, son fenómenos económicos del “capitalismo tardío” (Spätkapitalismus). Este capitalismo tardío se caracteriza por breves períodos de prosperidad y largos períodos de depresión: el empobrecimiento relativo se torna absoluto. La autora concentra el análisis en la relación que se da entre innovación técnica y disminución del salario real, porque el progreso técnico desvaloriza la fuerza de trabajo. Todo aumento de la productividad por introducción de nuevos medios productivos, hace que los salarios nominales disminuyan. Se da entonces una desproporción entre producción y consumo, y entre ahorro e ingresos, generándose una crisis de subconsumo que se agudiza conforme aumenta el crecimiento desproporcionado de la composición técnica del capital. La postura de la autora es relevante hoy, en tanto discute a partir del desencanto generado por la derrota de la revolución en Alemania a finales de la Primera Guerra Mundial. Por eso afirma que hay una desproporción “total” entre el poder contractual obrero y el patronal, por lo cual es imposible una confrontación favorable a los obreros. Esta no es solamente la condición general en el sistema capitalista, sino que se ve profundizada en el capitalismo tardío. La condición de debilidad permanente de cada trabajador hacia el patrón. Por eso la autora considera a la fuerza de trabajo como una variable Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 53 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 54 dependiente (y no independiente como corresponde más con el marxismo), con lo que enfatiza los impactos depresivos de un capitalismo ampliamente dominado por las corporaciones transnacionales, que realizan gran parte de sus negocios entre ellas y con grandes consumidores públicos o estatales, y que supuestamente no pierden mucho con la ausencia de los sectores trabajadores en los mercados de consumo. La limitación del trabajo de la referida autora, reside en que no considera las dimensiones políticas y militares que enmarcan las actividades económicas, y que pueden agravar o aliviar las tensiones derivadas de las crisis, mediante algún tipo de intervención – tanto liberales como estatistas (por ejemplo Keynesianos) asignan tareas (regulatorias, directivas, etc.) a los sistemas políticos. En el capitalismo tardío, además, un rasgo peculiar es el relativamente importante papel que cumplen los sistemas militares en las economías de las potencias capitalistas, de forma sistemática (o integrada) a partir de la Segunda Guerra Mundial, con el desarrollo de “complejos militares industriales universitarios”, especialmente en EE.UU., Inglaterra, Francia y la URSS. El capitalismo del siglo XXI padece una crisis de sobreproducción. Es el abismo cada vez más ancho que existe, entre las capacidades y necesidades productivas, que se ahonda gracias a nuevos conocimientos científicos y tecnologías, por una parte, y la reducción cada vez mayor del consumo de la población, sobre todo por el crecimiento del desempleo estructural, incluyendo los sectores “informalizados”, los “marginalizados” y los “excluidos, en primer lugar quienes no tienen cómo trabajar. Susan George (2001) plantea esto lúcidamente: El futuro del libre mercado depende... de quién recibe los beneficios del crecimiento. Si la recompensa va a parar a la mitad inferior de la población, la inmensa mayoría de estas personas relativamente pobres utilizarán su dinero para el consumo y mantendrán la demanda boyante. Si, por el contrario, la recompensa va destinada al tramo superior de la escala social, los receptores colocarán sumas aún mayores en los mercados financieros en lugar de adquirir bienes y servicios. Como consecuencia, la demanda caerá, trayendo consigo el aumento de las existencias, la superproducción y el estancamiento” (p.20). “Cada empresa gigante intenta ganar una ventaja temporal 54 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 55 realizando inversiones en tecnología de vanguardia con una aportación mínima de mano de obra. Como consecuencia, hay demasiadas fábricas notablemente eficientes que producen demasiados bienes para demasiados pocos compradores solventes. Las empresas, al mismo tiempo que despiden a sus trabajadores, reducen la plantilla de sus clientes. No se ha encontrado nada que sustituya la sabiduría de Henry Ford: paga a tus trabajadores lo suficiente como para que puedan comprar tus coches. Dado que es matemáticamente imposible vender todos los automóviles (y muchos otros productos) que se producen actualmente, es obligado que se produzcan reorganizaciones importantes, pese a lo cual las empresas siguen cerrando modernas fábricas para construir otras aún más modernas en otro lugar, generalmente contratando a menos trabajadores a los que pagan también menos... La saturación crónica fue uno de los factores que provocaron la Gran Depresión de los años treinta; ahora se dan la mayoría de elementos necesarios para que se produzca otra (pp.46-47; Énfasis ESF). Los citados Berzosa, Bustello y De la Iglesia (2001: 167), opinan justamente que el desempleo tecnológico de principios del siglo XXI se debe a la presencia de tres tendencias: • Crecimiento de la oferta de trabajo; • Mejoras en la productividad; y • Débil crecimiento de la demanda real. El ataque neoliberal contra los salarios, le ha permitido al capital transnacional apoderarse de la política y la ideología. Esto ha reducido la capacidad política no solamente de quienes trabajan, sino sobre todo también de quienes no trabajan “oficialmente”, ya que realizan actividades en economías informales o domésticas. Las nuevas “libertades” del capital conducen a la rápida concentración de los recursos, por la capacidad para “comprimir” los salarios y en general los ingresos de quienes no son dueños del capital. El ataque neoliberal contra los salarios es entonces decisivo para explicar la debilidad “estructural” de la demanda mundial. La actual crisis de Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 55 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 56 sobreproducción y/o subconsumo tiende a profundizarse y a no encontrar solución, por tres motivos al menos: PRIMERO. Precipita el agotamiento y la devastación de los recursos y los entornos naturales planetarios, y por tanto dispone cada vez menos de los recursos adicionales o nuevos, necesarios para relanzar la produccion y/o para mantener el status quo ambiental. A principios del siglo XXI, señalaba S.George (2001): ... la escala de la actividad económica ejercerá una presión extrema sobre los límites de la biosfera e incluso sobre la capacidad del planeta para sostener la vida... Varias señales indican que el competitivo sistema de mercado ya está haciendo que se sobrepasen ciertos umbrales naturales, incluidos algunos que quizá no reconozcan las autoridades políticas hasta que sea demasiado tarde... Las tensiones ecológicas... se traducirán en una mayor inestabilidad política y en el aumento de los conflictos armados” (p. 26). “Ni las empresas gigantes ni las comunidades ni las personas acaudaladas pueden, con independencia de los bienes que posean, librarse de las consecuencias de la degradación ecológica. Incluso ellas parecen impotentes para detener el proceso, y son un ejemplo de la paradoja de unos beneficiarios que son incapaces de proteger el sistema que les beneficia. SEGUNDO. La crisis general se enmarca en una dinámica centrada en el sector financiero especulativo, como señalan diversos autores, por ejemplo Sader: A pesar de los avances tecnológicos del período (especialmente los vinculados a la informática), la mayoría de los capitales circula en el mundo dentro del circuito financiero, gran parte de los cuales están directamente vinculados con la especulación. El propio financiamiento del “boom” de las empresas informáticas se dio a través de capitales volátiles que, una vez en regresión, arrastran con ellos también a ese sector que, según los ideólogos de la “nueva economía”, estarían exentos de crisis (2001: 93). 56 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 57 La crisis económica recurrente y con tendencias a convertirse en permanente, tiene como expresión significativa el colapso del régimen financiero internacional que Duncan (2003) denomina “el patrón dólar” (“the dollar standard”). Desde que la administración Nixon-Kissinger desligara el valor de la moneda nacional de EE.UU. del valor del oro a principios de la década de 1970, este país ha podido endeudarse y mantener grandes déficits de cuenta corriente, vendiendo (sobre todo a extranjeros y socios comerciales) instrumentos de la deuda nacional del banco central. El valor del dólar ha colapsado ya varias veces antes (administraciones Nixon y Carter), y ha estado perdiendo terreno recientemente, ahora frente a un competidor capaz de convertirse en moneda de reserva por el volumen de su producción y de su comercio. (Cf. también Arnold, 2002). Las oligarquías mafiosas del capital financiero internacional encuentran un apoyo valiosísimo en las instituciones financieras internacionales “multilaterales” o “públicas” (FMI, Banco Mundial, BID, por ejemplo). De consuno, corporaciones transnacionales, bancos privados, e instituciones financieras internacionales, actúan para que esos agentes privados se hagan dueños de los principales activos de muchos países, o para realizar grandes robos mediante la especulación con las monedas. Así, por ejemplo J. SaxeFernández y G. C. Delgado Ramos (2004), han mostrado cómo el Banco Mundial viene siendo un agente crucial en la privatización o destrucción de las principales empresas y servicios de México. M. Chossudovsky (1999), por su parte, ha mostrado cómo capitales especulativos, conjuntamente con el Banco Mundial, saquearon Brasil entre finales de 1998 y primeros meses de 1999, apoderándose de unos 40.000 millones de dólares, especulando con papeles estatales de Brasilia y con los valores del Real y de la moneda de EE.UU. y haciendo, al mismo tiempo, que el estado brasileño aumentara su deuda externa en un monto similar. Es decir, el dinero empleado por el banco central de Brasil para “sostener” el Real y pagar a quienes poseían papeles estatales, pasó, del Banco Mundial (articulador de un conjunto de agentes estatales y privados), a través del Banco Central de Brasil, a manos de los especuladores (incluyendo agentes privados que habían aportado parte del dinero “prestado” a Brasil). El carácter financiero especulativo de la crisis tiende a ser compatible con climas de guerras, subiendo y bajando las acciones bursátiles según la marcha de las confrontaciones por apoderarse de recursos económicas claves; guerras entre las grandes potencias y también de las grandes potencias contra Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 57 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 58 países pobres hasta hace poco “independientes” y hasta aliados de EE.UU. o la UE (Irak o Afganistán, por ejemplo). Guerras convencionales y no convencionales. Guerras internas, guerras policìacas, guerras secretas, guerras clandestinas, guerras sucias, incluyendo “limpiezas étnicas” o “nacionales” como las que lleva a cabo Israel contra el pueblo Palestino (y que EE.UU. imita en Irak). TERCERO. La actual crisis de subconsumo o sobreproducción afecta negativamente la incorporación de nuevos conocimientos y tecnologías, excepto en las esferas militar y policíaca. Lo cual resulta en que la ampliación de los mercados, necesaria para una eventual recuperación, se dirige a submercados especializados: elites y oligarquías metropolitanas y dependientes, y sistemas militar policíacos. Cualquier análisis del colapso social mundial debe también referirse a la forma en que se enfrentan y tratan de resolver los problemas y dilemas, señalando destacadamente la recurrencia a la intimidación, la violencia (de muchos tipos) y la guerra. El siglo XX ha sido el más monstruoso de toda la historia, centenares de millones de personas perdieron la vida en varias guerras mundiales (Ia, IIa, “Fría” y “Norte-Sur”), muchísimas más sufrieron heridas, quedaron lisiadas y psicosocialmente traumatizadas, perdieron sus entornos ontológicos definicionales (redes interpersonales y sociales, casas/habitaciones, barrios, pueblos, ciudades, empresas, instituciones, naciones, paisajes, recursos y medio ambiente naturales). La capacidad para destruir se multiplicó por millones de veces desde 1900, en ella se funda la ética y la moralidad de las personas, grupos y países que ostentan el poder y riqueza y que pese a todas las atrocidades continúan proclamándose y auto definiéndose como “humanistas”, “demócratas”, “respetuosos de los derechos humanos”, etc. 3. EL COLAPSO ECOLÓGICO MUNDIAL Dos componentes estrechamente vinculados vienen precipitando al planeta hacia una “sexta extinciòn” (Leakey & Lewin, 1997): la destrucciòn cada vez mayor de los ecosistemas del planeta, y la privatización violenta de todos los ecosistemas y recursos naturales por parte de los ejércitos (locales y de las potencias) y las corporaciones transnacionales de las grandes potencias. Primero consideraré los procesos de destrucción de la naturaleza, y luego los de su apropiación. Este artículo se complementa con el siguiente, en el que se 58 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 59 discute la imbricación del petróleo como recurso energético principal, con la crisis mundial y con su actual militarización. La ecología adquiere cada vez mayor relevancia como área interdisciplinaria de estudios a partir de la década de 1970, cuando cambia su perfil epistemológico, reorganizando la discusiòn sobre las relaciones de los organismos vivos respecto del ambiente que los rodea, para considerarla desde y para sus dimensiones políticas. En 1972 se celebró en Estocolmo una primera Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente. Para ese momento, el llamado Club de Roma ya había presentado su conocido informe Los límites del crecimiento, que se publica en medio de la crisis petrolera de mediados de esa década (1973). El informe sostenìa que el “desarrollo” tal como se llevaba a cabo conducía a la catástrofe ecológica, y la crisis energética venía a confirmar esta aseveración. En las potencias capitalistas de entonces se generó un movimiento “ecologista”, que significaba un estadio superior de las preocupaciones y la organización política sobre la naturaleza, y que planteaba la necesidad de transformar la mentalidad, y los estilos de vida y de “desarrollo” de la humanidad (sobre todo de los ricos), como única forma para evitar un colapso ecológico generalizado. En algo más de 30 años el “movimiento ecologista” ha crecido impetuosamente por todo el planeta, en cada persona cada dìa hay màs conciencia de la destrucciòn ambiental. Durante la década de 1980, el movimiento ecologista creció mucho, pero al mismo tiempo su agenda se vio cooptada por los organismos financieros internacionales (OFIs) (el Fondo Monetario Internacional, el Banco Mundial, el Banco Interamericano de Desarrollo, y otros). En esta década, los países pobres o del “Sur” pierden muchas conquistas políticas y económicas (tanto internas como internacionales) frente a un emergente neo imperialismo del “Norte”, que utiliza el control financiero y la deuda externa de los países pobres, para obligarles a realizar procesos en los que sus economías son forzadas a “ajustarse” para contribuir con el bienestar de gobiernos y empresas de las grandes potencias (acreedores). Hay un retroceso en las políticas energéticas, sobre todo en EE.UU., que desestimulan la exploración de alternativas y que enfatizan el petróleo, el gas, el carbón y la energía nuclear. A nivel epistemológico, es de destacar cómo el movimiento ambientalista se ve penetrado por los paradigmas economicistas neoliberales que predominan a partir de los gobiernos de Reagan en EE.UU., de Thatcher Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 59 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 60 en Inglaterra, y de su precursor, amigo y protegido, Pinochet, en Chile. Estos paradigmas adquirieron carácter oficial cuando la Academia de Ciencias de Suecia ofrece el Premio Nóbel a Milton Friedman, arquitecto del experimento chileno e inspiraciòn del neoliberalismo. Por su parte, la ecología introduce el paradigma economicista neoliberal inintencionadamente y más bien como una paradoja cruel. Pues lo que buscaba el movimiento ecologista (Informe de la Comisión Brutland, por ejemplo) era cuestionar las ideas, las políticas y las prácticas económicas y de desarrollo, responsables por la creciente destrucción social y ecológica. El resultado, sin embargo, conduce a postular y a tomar como supuesto para el análisis, que no debería existir incompatibilidad entre desarrollo económico y salud ecológica. De aquí obtenemos una “conciliación entre mercado y naturaleza”, que se va a articular conceptualmente en la noción de “desarrollo sostenible” o “sustentable”. Los OFIs, los gobiernos de las potencias y sus empresas transnacionales, así como las ONGs que se financian en gran medida por subsidios de esos estados y empresas, y finalmente también gobiernos, empresarios, académicos y activistas ecologistas del “Sur”, acabaron por aceptar, y asumir en sus discusiones y análisis, esa noción de “desarrollo sostenible”. Y, sobre esta base, durante la década de 1990 y durante los primeros años del siglo XXI, se han organizado nuevas instituciones y programas, que conforman un marco ideológico, jurídico, e institucional, el cual sirve para que las grandes potencias y sus empresas se apropien de todos los ecosistemas y recursos naturales del planeta. Del 3 al 14 de junio de 1992 se celebró en Rio de Janeiro la Conferencia de las Naciones Unidas sobre Medio Ambiente y Desarrollo (CNUMAD), conocida como “Cumbre de la Tierra”, en la que se plantearon importantes aspiraciones y metas para la década de 1990, que se consideraba “crucial” para estabilizar y empezar a regenerar el deteriorado planeta. Al mismo tiempo, en la Declaración correspondiente encontramos elementos del “desarrollo sostenible” que abren las puertas a las corporaciones transnacionales: Principio 12: Los Estados deberían cooperar en la promoción de un sistema económico internacional favorable y abierto que conduzca al crecimiento económico y al desarrollo sostenible de todos los países, a fin de abordar en mejor forma los problemas de la degradación ambiental. Las medidas de política comercial con fines ambientales no deberían constituir un medio de 60 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 61 discriminación arbitraria o injustificable, ni una restricción velada al comercio internacional. Se deberían evitar medidas unilaterales para solucionar problemas ambientales que se producen fuera de la jurisdicción del país importador. Las medidas destinadas a tratar los problemas ambientales transfronterizos o mundiales deberían, en la medida de lo posible, basarse en un consenso internacional (Consejo de la Tierra, 2002:58) (Énfasis ESF). Principio 16: Las autoridades nacionales deberían procurar fomentar la internalización de los costos ambientales y el uso de instrumentos económicos, teniendo en cuenta el criterio de que, el que contamina debe, en principio, cargar con los costos de la contaminación, teniendo debidamente en cuenta el interés público y sin distorsionar el comercio ni las inversiones internacionales. (Ibid, p. 59). (Énfasis ESF). Por su parte, la llamada Agenda 21 es más clara y explícita respecto del papel que jugarán las corporaciones transnacionales, aunque sin mencionarlas en cuanto tales. El primer apartado de esa Agenda, sobre cooperación internacional, empieza con el “comercio y desarrollo sostenible”, que busca “detener el proteccionismo y expandir el comercio mundial”, y que exige de los países que se dediquen a “Facilitar la integración de todos los países en la economía mundial y en el sistema comercial internacional” (2002: 69). Adicionalmente, se indica que: Los gobiernos deberán alentar al GATT, a la UNCTAD y otras instituciones para realizar las siguientes actividades: – Tratar que las normas y reglamentaciones ambientales no constituyan restricciones al comercio... Ubicar las políticas ambientales dentro de un marco jurídico-institucional que responda adecuadamente a los cambios productivos y comerciales (Idem, p. 70). La última de las tres principales políticas económicas que recomienda esta Agenda pide: Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 61 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 62 Aumentar la capacidad de ajustes de las economías mediante la aplicación de políticas macroeconómicas y estructurales” (Loc. Cit.). Igualmente, se recomienda que los “países en desarrollo” procedan a “Estimular el sector privado, fomentar la actividad empresarial y eliminar obstáculos institucionales (Idem.). Sin embargo, otros documentos de la Cumbre de la Tierra, como el Tratado de las ONGs, Declaraciones sobre Medio Ambiente y Desarrollo, son más críticos de las corporaciones transnacionales de las potencias. Por esto y por la agenda política de los sectores conservadores en EE.UU., el compromiso de este país, crucial para hacer avanzar la agenda, al final quedò estancado por la división entre el ejecutivo a favor del tratado y la oposiciòn conservadora del congreso – que anteponía a cualquier consideración ambientalista o humanista, el beneficio económico de las empresas de EE.UU. y la ventaja político militar de ese estado. Así como en la doctrina económica vigente durante esa década de 1990, también en las dimensiones ambientales, el “internacionalismo neoliberal globalista” miraba con optimismo un futuro sin guerras ni confrontaciones. Así por ejemplo, el Worldwatch Institute indicaba en su propuesta para tal Conferencia, que, en 1992: ... el mundo se encuentra en mejor situación para adoptar medidas eficaces... la guerra fría ha concluido y, por primera vez en varios decenios, Este y Oeste colaboran. Por otra parte, los debates ideológicos entre el Norte y el Sur son ya mucho menos destemplados, al aceptar varias naciones ricas la responsabilidad de aplicarse a la solución de los problemas medioambientales de la Tierra, y comprender los países pobres que la degradación del medio ambienta amenaza su bienestar. En Río, se encontrarán en un terreno común: el de la necesidad de acometer un esfuerzo mundial para salvar el planeta (Brown, 1992) El problema del internacionalismo neoliberal globalista, en este caso como en otros (sus “costos sociales”, por ejemplo), fue que la doctrina y la política más bien estimularon, protegieron y organizaron, una profundización sin precedentes en el crecimiento de las disparidades sociales a nivel mundial, y de destrucción natural. Por eso no es de extrañar que, según esa ONG citada, 62 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 63 entre 1972 y 1992, los esfuerzos por detener la destrucción de la naturaleza, “sólo han visto alguno que otro éxito suelto... A escala planetaria, casi todos los indicios son negativos.” (1992:17). A continuación advierte que: ...la salud del mundo se ha menoscabado a un ritmo inaudito (Idem., p.18) (Énfasis ESF). Doscientos millones de hectáreas de bosques se cortaron en ese lapso de 20 años, una superficie equivalente a casi la mitad del territorio de EE.UU. En 1980 se talaban 11 millones de hectáreas de bosques vírgenes, y en 1989 se talaron 17 millones de hectáreas. En otro estudio, Myers estima que hace unos 8.000 años aproximadamente, al comienzo de la actual época del holoceno, el planeta disponía de unas 6.000.000.000 (seis mil millones) de hectáreas de bosques, equivalentes al 40% de todos los territorios mundiales. Al año 1988, unos 2.400.000.000 ha de bosques ya habían sido talados (Myers, 1988). Entre 1972 y 1992, los desiertos aumentaron en el mundo en unos 120 millones de hectáreas; y se perdieron unas 480 millones de toneladas de la capa de suelo superior, que sirve para la agricultura. Para este autor, “La contaminación atmosfèrica es un problema persistente en cientos de grandes urbes y en infinidad de zonas rurales de todo el mundo” (p.23). Después de presentar casos de destrucción ecológica atmosférica y del recurso hídrico, señala que: “A escala planetaria, los síntomas de deterioro son incluso más inquietantes, y los procesos en curso, más difìciles de cambiar” (p.25). Respecto a la acelerada destrucción de la capa de ozono por emisiones de cloro fluro carbonos (CFC), Worldwatch Institute señalaba que: ...aunque la producción de CFC se interrumpiera inmediatamente, el desgaste de la capa de ozono continuará durante dos o tres décadas y es muy probable que las capas superiores de la atmósfera tardasen varios decenios en recuperarse (Loc. Cit). Adicionalmente, la cantidad de carbono que entra en la atmósfera como resultado de quemar combustibles (sobre todo petróleo y carbón), representaba 6.000.000.000 (seis mil millones) de toneladas en 1990, es decir, casi una tonelada per cápita. Kluger estima que, entre 1950 y 2001, la atmósfera terrestre recibió cerca de 500.000.000.000 (quinientos mil millones) de toneladas métricas de bióxido de carbono (Kluger, 2001). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 63 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 64 Por estos motivos, en el movimiento mundial ecologista que se articuló para la reunión de Rio de Janeiro en 1992, pese a grandes y a veces insalvables diferencias, una gran mayoría de participantes consideraba que la década de 1990 iba a ser decisiva para salvar o perder gran parte de la naturaleza, e incluso arriesgar inminentemente graves colapsos generales (planetarios). Las expectativas no se han cumplido, pues el neoliberalismo institucionalista globalista ha tenido mucho éxito en profundizar, agravar y precipitar crisis económicas, sociales y ambientales. Así, por ejemplo, en el Informe Anual del World Watch Institute para 1995, se señala que “El consumo de granos excedió nuevamente a la producción en 1994, reduciendo los acopios mundiales de grano por segundo año consecutivo...” (1995: 18). “Si la elevación en las temperaturas que prevaleciera desde finales de la década de 1970 hasta 1990 continùa, se escalará el riesgo de reducción climática de las cosechas, a causa de intenso calor y sequías...” (Idem.). “Conforme la década de 1990 se desarrolla, los asuntos ambientales adquieren centralidad. Los gobiernos que no estabilicen las poblaciones de sus países antes que de las demandas superen la producción sostenible de sus sistemas locales de apoyoa-la-vida, corren el riesgo de verse sobrepasados y abrumados por las consecuencias de sus fallos” (Idem.: 20). En el Informe Anual del Worldwatch Institute sobre Medio Ambiente y Desarrollo, La situación del mundo 2000, ya se plantean claramente las situaciones de colapso ecológico. Su director, L. R. Brown observa siete tendencias destructoras de la naturaleza: el crecimiento de la población, la subida de las temperaturas, el descenso de la capa freática, la disminución de la tierra cultivable per cápita, el colapso de las pesquerías, la disminución de los bosques y la pérdida de especies animales y vegetales (Brown, 2001). De entre estas siete tendencias destructoras, destaquemos dos. Durante las primeras fases de la Revolución Industrial, en el siglo XVIII, la concentración de CO2 en la atmósfera se estimaba en 280 partículas por millón (ppm). En 1959, ya con instrumental moderno se midieron 316 ppm, y en 1998, 367ppm, un incremento del 39 por ciento en esos 40 años. Otra estimación, del Hadley Centre for Climate Prediction and Research, estima que en el año 2.020 habrán 441 ppm de CO2 en la atmósfera, y para 2.080 llegaría a 731ppm. (Citado en Delgado, 2002: 82). Por otra parte, el porcentaje de mamíferos, aves y peces “vulnerables o en inminente peligro de extinción”, al año 2.000 se estimaba en: “...el 11 por ciento de las 8.615 especies de aves, el 25 por ciento de las 4.355 especies de 64 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 65 mamíferos, y se estima que un 34 por ciento de todas las especies de peces” (p.31). En los océanos han empezado a desarrollarse crecientes “zonas muertas” en las que la falta de oxígeno simplemente impide la vida. En otra publicación, L. R. Brown estima que, sumando plantas y animales, hacia 1999 desaparecían unas 10.000 (diez mil) especies cada año (Brown, 1999). El resultado sinergístico de estas tendencias destructoras es que: ...el número de especies con las que compartimos el planeta disminuye. Según van desapareciendo cada vez más especies, los ecosistemas locales comienzan a colapsar; y llegará un momento en que nos enfrentemos a un colapso total de los ecosistemas (2000:32) (énfasis ESF). Los referidos Leakey y Lewin (1997) han sintetizado el deslizamiento de la crisis ontológica ecológica, desde un nivel de “peligro” hasta el de “colapso”. Señalan que, estudiando la historia natural desde perspectivas neo evolucionistas, nuestro planeta ha vivido cinco grandes extinciones de vida, desde el Cámbrico hasta hoy; que grandes cambios en la historia natural han sucedido abruptamente y no gradualmente como creía Darwin; y que las especies que sobreviven lo hacen no por selección natural sino en importante medida por la suerte. Autores como Bright señalan cómo los colapsos particulares de algún segmento de algún sistema ecológico, tienden y pueden precipitarse en cascadas de efectos destructores. Así por ejemplo, C. Bright (2000) destaca tres tipos de “sorpresas ambientales” y cuatro de “causas importantes de discontinuidades y sinergismos”. Los tipos de sorpresa son: (1) “Una discontinuidad.. un cambio abrupto en una tendencia o en un estado previamente estable. La discontinuidad no es necesariamente evidente en una escala humana; lo que cuenta es la escala temporal de los procesos involucrados”; (2) “Un sinergismo es un cambio en el cual varios fenómenos se combinan para producir un efecto mucho mayor del que cabría esperar de la suma de los efectos tomados separadamente”; (3) “Una tendencia inadvertida, aun cuando no produzca ninguna discontinuidad o sinergismos, puede producir un importante daño antes de ser descubierta”(2000: 56). Las cuatro causas importantes de discontinuidades y sinergismos que señala este autor son: (1) “Un sinergismo puede producir una discontinuidad”; (2) “Una discontinuidad puede producir un sinergismo”; (3) “Una reacción positiva puede producir una discontinuidad (una reacción positiva es un ciclo Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 65 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 66 de cambios que se amplifican)”; (4) “Una cascada de efectos puede llevar a múltiples discontinuidades y sinergismos. (Una cascada de efectos se produce cuando un cambio en uno de los componentes de un sistema produce cambios en otro componente, que a su vez provoca el cambio de otro, y así sucesivamente” (2000:58). Por su parte, Gowdy (1998) destaca que: Desde muchas perspectivas es claro que estamos llevando los límites de la habilidad del mundo biofísico para sostener la continua expansión del empleo de los recursos naturales y de la capacidad asimiladora del medio ambiente. (p.66). Según estos autores, los humanos somos una casualidad de la historia de la vida, pero ciertamente somos la especie dominante hoy. Estamos equipados con la capacidad de devastar la diversidad dondequiera que vayamos. Nuestra racionalidad y nuestro conocimiento han servido para explotar colectivamente los recursos de la Tierra en proporciones incomparables: El homo sapiens está maduro para ser el destructor más colosal de la historia, sólo superado por el asteroide gigante que chocó contra la Tierra hace sesenta y cinco millones de años, barriendo en un instante geológico la mitad de las especies de entonces (p260); Dominante como ninguna otra especie en la historia de la vida en la Tierra, el Homo sapiens está a punto de causar una gran crisis biológica, una extinción en masa, el sexto acontecimiento de estas características que habrá ocurrido en los últimos quinientos millones de años. Y nosotros, el Homo sapiens, podríamos estar también entre los muertos en vida (p.264-265). Lamentablemente, más que “estar a punto de causar” el colapso ecosocial generalizado, el ser humano ya lo está causando. Como señala el citado Brown: “Los ecosistema locales empiezan a colapsar; y llegará un momento en que nos enfrentemos a un colapso total de los ecosistemas”(Brown, 2000:32) (Énfasis ESF). 66 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 67 Concurrentemente con la destrucción ambiental se viene intensificando la privatización de los ecosistemas y los recursos naturales de todo el planeta. Este proceso es conducido ideológica, política y financieramente por el Banco Mundial, con el apoyo de su principal dueño, los EE.UU. (Cf. Anexo I). El programa de privatizaciones auspiciado por el BM respecto de los ecosistemas y los recursos naturales se articula en una alianza con la Global Environmental Facility (GEF) (llamada en español Fondo Mundial para la Naturaleza), y la International Finance Corporation (IFC). La IFC ha estado involucrada en los procesos de privatización que han llevado adelante los OFIs por ejemplo en América Latina y, para este caso, también participa el Banco Interamericano de Desarrollo (BID). La IFC “... busca financiar proyectos del sector privado en países en desarrollo, ayudar a multinacionales del primer mundo a movilizar capital en los mercados internacionales y proveer asesoría y asistencia técnica a empresas y gobiernos” (Cf. www.ifc.org ). El Banco Mundial, en su papel como agencia ejecutora de la GEF, debería jugar el papel primordial para asegurarse el desarrollo y administración de proyectos de inversión... El Banco Mundial recurre a la experiencia inversionista de su afiliada, la International Finance Corporation (IFC)... para promover las oportunidades de inversión y para movilizar los recursos del sector privado (Idem). Mencionemos dos casos: primero, el Plan Puebla Panamá (PPP), el Corredor Biológico Mesoamericano (CBM) y el Corredor Coralino Mesoamericano (CCM); y segundo, los programas para privatizar el agua a favor de las CTNs. El PPP pretende “desarrollar” la vertiente caribeña de Mesoamerica, históricamente menos “desarrollada” y poblada que la vertiente del Pacífico, por razones climáticas sobre todo. Se trata de “abrir” y de “intercomunicar” regiones y países, en ejes que se dirigen básicamente de sur a norte, en una especie de reproducción a la inversa de los procesos de construcción de ferrocarriles en México durante el siglo XIX, todos ellos dirigidos desde el centro de México hacia diferentes puntos de la frontera con EE.UU. La red vial y de comunicaciones del PPP similarmente, permitirá la integración territorial directa de Mesoamérica con México y con EE.UU. Con esto, la región centroamericana será objeto de compra por parte de intereses privados sobre todo de EE.UU., que Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 67 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 68 explotarán sus recursos y poblaciones. El PPP promueve la bioprospección para que las CTNs se apropien los abundantes recursos naturales biogenéticos de la región, incluyendo recursos forestales, fibras, chicle, biodiversidad endémica y agrícola, plantas ornamentales, resinas, agua y otros. Simultáneamente con el PPP, los OFIs plantean desarrollar los corredores mesoamericanos, biológico y coralino (CBM, CCM). La GEF aportó 67 de los 90 millones iniciales necesarios. El BM y la GEF prevén invertir de sus recursos casi 900 millones de dólares en estos proyectos, y otros 4.500 provendrían de CTNs – algunas a través de ONGs como INBIO en Costa Rica –. La bioprospección ha sido destacada desde las primeras etapas de estos proyectos. La bioprospección incluye la investigación sobre plantas medicinales y demás biodiversidad con potencial comercial, incluyendo actividades de clasificación y definición de especies, inventarios, descripción de componentes de sustancias activas, establecimiento de métodos para su extracción, procesamiento, certificación y acceso al mercado. En tanto exploración de la biodiversidad para encontrar recursos comercialmente valiosos para la genética y la bioquímica, como reconoce el BM, esta actividad es calificada correctamente como biopiratería por algunos autores (Money, 2000; Delgado, 2003). A partir de la bioprospección, otras posibilidades comerciales se visualizan para los ecosistemas y los recursos mesoamericanos. La “armonización” del PPP y de la CBM y CCM, implica la subordinación del ambiente a su apropiación por las CTNs. El BM señala al respecto que, ...será necesario cuantificar el valor económico de todos los bienes y servicios que suministrarán las áreas silvestres de la región, como el agua, ecoturismo, plantas medicinales, etc. (Véase el Anexo I, sobre el Banco Mundial; y J.Saxe-Fernández 2003 y 2004). Respecto al agua, ya en 1998 la CEPAL anunciaba la privatizacion del recurso en América Latina: ...casi todos los gobiernos de América Latina y el Caribe han anunciado una política de aumento de la participación privada en los servicios públicos relacionados con el agua... solamente en algunos países se ha traspasado al sector privado la función de 68 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 69 administrar los servicios de abastecimiento de agua y saneamiento, si bien otras funciones dentro de esos servicios, de carácter más técnico, efectivamente se han traspasado en muchos países... (E)n América Latina son únicamente cuatro los paóises en que las principales atribuciones de gestión de los servicios públicos relacionados con el agua se han transferido al sector privado. Sólo en uno de los cuatro, a saber en la Argentina, se ha encomendado a empresas privadas la gestión de importantes sistemas de abastecimiento de agua y saneamiento (CEPAL, 1998). Esta tendencia ha creado muchas “oportunidades de inversión”, de las cuales, ...la más interesante quizá sea la posibilidad de hacerse cargo del servicio, ya sea mediante una compra directa o un arreglo de concesión, pero las oportunidades no se paran ahí. Los contratos de gestión también pueden brindar oportunidades apreciables... (CEPAL, 1998). En el diseño del PPP también encontramos claramente una propuesta para privatizar el agua mesoamericana. Se prevee “la preparación de planes estratégicos para el desarrollo de los servicios hidrometeorológicos nacionales (incluyendo evaluaciones del marco institucional y legal, financiamente, recursos humanos y comercialización de sus servicios); y... la creación de marcos legales y administrativos para la comercialización de los servicios y productos meteorológicos con valor agregado... Los Gobiernos a través de las autoridades pertinentes se comprometen a... presentar un plan estratégico para el desarrollo de los servicios meteorológicos e hídricos nacionales, basado en un diagnóstico de los marcos legal e institucional de los servicios nacionales y un estudio del mercado para productos hidrometeorológicos comerciales”. Delgado (2003) nos ofrece un último ejemplo de la privatización del recurso, describiendo el proyecto del Acuífero Guaraní, una de las megareservas de agua dulce del mundo, que cubre una superficie de 1.2 millones de kilómetros cuadrados entre Brasil, Argentina, Uruguay y Paraguay, más de dos veces el área de Centroamérica. El desarrollo del proyecto del acuífero Guaraní nos muestra cómo procede típicamente el Banco Mundial, que, Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 69 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 70 ...en este tipo de proyectos, devela su interés, primero, por reconfigurar el manejo de cuencas y, segundo, por la transferencia de recursos hídricos hacia el sector privado. Es decir, por un lado, impulsa una concentración del manejo de cuencas hídricas en manos de “selectos actores”; y, una vez consolidados, busca, por el otro lado, colocar a las multinacionales de los acreedores en el centro de la gestión y usufructo del agua dulce (es decir, en los negocios de servicios hídricos de almacenaje, distribución, potabilización, generación de termo e hidroelectricidad, etc). (Delgado 2003). Entre las empresas que se aprestan a operar, tanto en Mesoamérica como en la cuenca del Guaraní, encontramos a Monsanto y Bechtel, esta última muy vinculada con varios miembros del poder ejecutivo de EE.UU. y que recientemente ha recibido jugosos contratos en Iraq. La combinación sinergística de devastación y privatizacióncomercialización de la naturaleza aceleran el colapso ecológico mundial. CONCLUSIONES La sociedad humana organizada en el patriarcado tardío capitalista (Cf. E. Saxe Fernández, 1997), ha desarrollado una determinada “intervención” o “manipulación” sobre la naturaleza y sobre sí misma, que reduce o elimina la forma natural y busca reemplazarla por una forma “patriarcal” – según algunas teóricas feministas como G. Finn, se trata del deseo patriarcal de tener la capacidad de procrear en el sentido que solamente tienen las mujeres. La diversidad de formas materiales y mentales (máquinas o mentalidades), se conciben, diseñan y emplean para posibilitar la mayor apropiación posible (por parte de pequeños grupos en la sociedad humana), de riquezas materiales y de poder político (con aspectos sociales e ideológicos incluídos). Esos pequeños grupos están compuestos por un total de personas que podría oscilar entre 50 y 100 millones. Acumulan la mayor parte de la riqueza y el poder mundiales, regionales, nacionales, locales y familiares. Por eso, esta forma de apropiación y de intervención sobre la naturaleza y la misma sociedad, necesariamente debe excluir del poder y la riqueza al “resto”, es decir, a la mayor parte (esa “inmensa mayoría” excluida) de lo/as miembro/as de la sociedad mundial. 70 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 71 También debe intervenir en la naturaleza de forma excluyente, es decir violenta, con la utilización de procedimientos que acaban por destruir el recurso natural, tanto el renovable como el no renovable. Este proceso se ha venido repitiendo ya por lo menos desde el cataclismo ecológico provocado por el imperio romano en la cuenca del Mediterráneo, pero se acentuó con el fanatismo político, religioso y racista que emplearon las potencias europeas y luego EE.UU., Japón y Rusia para “conquistar” y apropiarse del planeta, entre los siglos XV y XIX. Durante los siglos XIX y XX el proceso se va acelerando, adquiriendo una intensidad inusitada a partir de la llamada Segunda Guerra Mundial (1939-1945) y durante todo el resto del siglo XX. A partir de la década de 1980 y sobre todo en la de 1990, la devastación ecosocial adquiere proporciones incontrolables y cada vez más amplias. No hay “reconstrucción” de los países que EE.UU. o la OTAN o la ONU “devastan” para “garantizar la libertad” política y económica; no hay “humanidad” para los excluídos pues las guerras “humanitarias” matan a esos mismos excluídos – de la misma manera que la “lucha contra la pobreza” tiende a convertirse en una “guerra contra los pobres” (Cf. Techer, 2001). Sin embargo, a partir de los atentados contra el Pentágono y el Centro Mundial de Comercio en setiembre de 2001, los señores de la guerra ya no necesitan pretextos pseudo humanitaristas, porque la “guerra contra el terror” necesariamente es una guerra entre contendientes que deben y tienden a sustentar ideologías y políticas “extremistas”, como corresponde a la necesidad de acciones y pensamientos que promueven espirales donde se van magnificando el terror y el similarmente terrorista contra terror. La precipitación hacia abismos apocalípticos es entonces necesidad y urgencia del patriarcado tardío capitalista. Los colapsos ecosociales constituyen el ácido y explosivo fundamento de la locura característica de los grupos minoritarios que concentran el poder y la riqueza mundiales. “Locura” porque las acciones y pensamientos que emprenden para mantener sus prerrogativas, incrementan las amenazas y la crisis de esas prerrogativas, y solamente pueden responder con nuevas acciones y pensamientos que “solucionan” algunos de los problemas, pero con el resultado de crear otros nuevos y más difíciles y grandes problemas; los cuales, al final de cuentas en realidad no son entonces dos tipos de problemas, sino la profundización (incluso “profundización desviada”) de la devastación social y ecológica universal. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 71 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 72 En una guerra contra el “terrorismo”, el dilema de la seguridad llega a su clímax. La guerra contra el terrorismo precipita a las naciones al caos, la degradación moral, el despotismo sanguinario, el fanatismo (de carácter notablemente religioso por la percatación, consciente o no, de la inminencia y la vivencia de cataclismos social ecológicos), la miseria y el cinismo máximos. Toda la sociedad, los bandos contendientes así como los espectadores, los opositores y las víctimas, tienden a ser presa de ese fatal círculo de vertiginosa vorágine de decadencia en la que entran determinadas estructuras sociales, políticas, económicas y militares; sociedades y civilizaciones como China, Roma, la Rusia zarista y la URSS brezhneviana, Filipinas e Indonesia, Argentina, Brasil y Chile durante las dictaduras militares de las décadas de 1960 y 1970, así como Irlanda, España y otros países. El modelo de modelos de estado anti terrorista es Israel, particularmente bajo el gobierno de Sharon, que concibe y trata a los palestinos como terroristas. Del ejemplo israelí se nutre la administración de Bush II, asesorada por el ejército israelí para enfrentar la guerra de guerrillas de la resistencia a la ocupación en Iraq, por ejemplo. La universalización de esta tendencia se orienta a presentar, a los ciudadanos y a los estados de EE.UU. y otros 27 países “de primera categoría”, como el centro antiterrorista, y al resto de la población del mundo, y de países, como al menos implícita o potencialmente terroristas, como el “centro terrorista”. El centro antiterrorista sería USA, que en el símil es Israel; y el centro terrorista serían los países del “sur” y los pueblos “no blancos”, que en el símil son los palestinos. Algunos autores hablan de “guerras por los recursos”, emprendidas por EE.UU. y otras potencias para acaparar o apoderarse de las fuentes de “recursos vitales” para sus economías, sociedades y aparatos militares (Klare, 2001; Heinberg, 2003). Esta orientación es característica del período posterior al fin de la Guerra Fría, aparece notoriamente ya durante la administración Clinton. Por supuesto, el primer recurso estratégico por el que EE.UU. y otras potencias están dispuestas a guerrear es el petróleo. Este tipo de estrategia tampoco es nuevo, sino más bien característico de la misma expansión capitalista desde al menos el siglo XV: el control de materias primas y los “recursos” humanos, provocó enfrentamientos entre las principales potencias. Actualmente, sin embargo, su intensidad y características son mucho más acentuadas, por las condiciones que imponen los colapsos ecológicos y sociales. Así, el mismo Klare, para explicar las causas de este nuevo tipo de guerras recurre a planteamientos neo o cuasi malthusianos, que establecen una relación directamente proporcional entre el tamaño de la población y el 72 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 73 consumo de recursos naturales. Según este autor, estas guerras por los recursos tienen su origen en las demandas planteadas por una población que crece rápidamente, por recursos cada vez más escasos. La noción de escasez es nuevamente central, en torno a ella ha girado un debate sobre las existencias de reservas petroleras, por ejemplo, en la que las empresas, los gobiernos y la misma Agencia Internacional de Energía no preveen ningún problema, mientras que numerosos críticos sostienen lo contrario, que el petróleo está pronto a su agotamiento. Otro motivo de estas guerras de recursos, sostiene Klare, es que esos recursos se encuentran en países “inestables” – o más bien que tienen problemas con que EE.UU. les controle, agregamos nosotros. Aparte del petróleo y el gas natural, el otro recurso que Klare y muchos otros señalan como de máxima prioridad estratégica es el agua – tema muy importante para todas las regiones que tienen mucha cantidad de ella. Esa escasez creciente de recursos estratégicos pone a soñar a los asesores de Bush II, quienes esperan encontrar en Marte (of all places), abundande petróleo producto del pasado orgánico de ese planeta, así como suficiente agua como para obtener oxígeno para respirar, e hidrógeno para propulsar los navíos de transporte y otros. Mientras tanto, las prioridades están en controlar las áreas principales de petróleo, entre las que Klare cita el Medio Oriente y el Asia Central. Sobre el agua se refiere a los casos ya conocidos del Cercano y Medio Oriente, así como al Nilo, y a otros ríos multinacionales de interés estratégico para las potencias – incluyendo el Amazonas, por ejemplo y, como señalan otros autores (Delgado 2002), también hasta las cuencas de los fronterizos mesoamericanos como el Usumacinta o el San Juan. A principios de 2004 nos hemos enterado que el gobierno de EE.UU. ha estado ocultando información disponible, que señala el rápido agravamiento del deterioro atmosférico planetario. La noticia ha causado honda preocupaciòn y molestia entre “el público extranjero”, por ejemplo en Francia, donde las temperaturas veraniegas del 2003 llegaron a los 50 grados celsius, provocando la muerte de al menos 15.000 anciano/as. En febrero de 2004, sesenta distinguidos cientìficos de EE.UU., incluyendo 20 que recibieran premios Nobel, denunciaron públicamente la campaña de desinformación del Ejecutivo del gobierno. La acelerada militarización de la crisis mundial que lleva adelante y que desata la administración de Bush II, constituye su política para hacer frente al colapso ecosocial en marcha. El colapso ontológico social incluye componentes múltiples: colapsos económicos (crisis, concentración, dilapidación de riqueza); colapsos Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 73 02_artigo_eduardo_saxe.qxd 28.02.07 16:20 Page 74 antropolóticos, psicológicos, sociológicos y políticos (guerras, hambrunas, pestes, mafización, descomposición étnico nacional,); colapsos ideo culturales (hiper egoísmo, nihilismo, cinismo, autoritarismo, agresivismo genocida y ontocida). Encontramos cada vez más “roces” y “choques” entre elementos, partes y procesos sociales, de todo tipo y características. Se coordinan dimensiones individuales, grupales, sectoriales, locales, regionales, nacionales, internacionales, institucionales, ideacionales, lógicas, imaginarias, lúdicas y eróticas. Pero se trata de coordinaciones cada vez más difíciles, cada vez más entorpecidas por sí mismas y por todas las demás. Así como el trabajador no propietario tiene que intensificar el número de horas laborales y su rendimiento durante ese tiempo, para apenas sostener un un puesto con un salario nominal que sin embargo cada vez tiene menos capacidad de compra, así también en el conjunto de instituciones sociales, se requiere cada vez más esfuerzo para “mantener” los “status quo”; aunque no pueda evitarse que en los bordes tanto como en los centros ocurran también descomposiciones, derrumbes, desapariciones, exterminios. Se mantiene todo aquello que se puede sostener, hasta donde sea posible. Pero la degradación social general continúa, y tiende a explotar en “cadenas sinergísticas” que pueden conducir a mayores colapsos del status quo, o a tendencias reorganizativas alternativas. El proceso social histórico ha tenido resultados devastadores sobre el entorno planetario de la naturaleza holocénica. Se ha acelerado con y desde la expansión y dominación de la civilización cristiana y el sistema socio económico capitalista. Alcanza dimensiones inmanejables para los ecosistemas tanto como por las mismas instituciones sociales en las que surgieron y se desarrollaron. Se dan así otras sinergias entre los colapsos sociales y los naturales, que a su vez alimentan o subtienen el “marco ontológico” en el que operan los diferentes actores. La prueba de esta tendencia reside claramente en que las potencias hegemónicas, EE.UU. en primer lugar, definen la situación político militar mundial como “guerra contra el terrorismo” (que enmarcaran o acompañan las) “guerras de recursos”. Es decir, la civilización mundial cristiana capitalista actual se caracteriza por: desarrollar procesos de militarización definidos en función de un creciente dilema de seguridad – generado por los colapsos ontológicos ecosociales. La militarización y el creciente dilema de seguridad inciden a su vez muy fuertemente, en sentido destructivo, amplificando esos colapsos. 74 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 75 TRÊS MEDIÇÕES, UMA REGIÃO TROPICAL DE FRONTEIRA, E APENAS UM ACHADO: DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA, 1953-1996. 1 José Augusto Drummond* Sumário: Introdução. 1. Contexto analítico; 2. Medição n.º 1 – Haller e colaboradores – testando diretamente a hipótese de Bunker com dados macro-regionais válidos para 1970 e 1980; 3. Medição n.º 2 – FJP, FIBGE e IPEA constroem uma base de dados original; 4. Medição n.º 3 – mudanças anuais no Amapá, 1953-1996; Sintese e Conclusões. Resumo: Descreve e discute três medições independentes das condições socioeconômicas dos habitantes da Amazônia Legal e do Estado do Amapá, válidas para diferentes anos ou períodos entre 1953 e 1996. Usando métodos e bases de dados distintos e adotando diferentes intervalos cronológicos, as três medições revelam que na Amazônia Legal e no Amapá houve um notável grau de melhoria das principais variáveis socioeconômicas para as quais existem dados. Este achado recorrente questiona o pressuposto mais adotado e a principal hipótese implícita ou explícita no conjunto da literatura, que postula a ocorrência de uma débâcle social de escala macro-regional na Amazônia brasileira nas últimas décadas. Argumenta-se que existe a necessidade de realizar mais estudos de variados escopos e empiricamente fundamentados sobre a enorme região, capazes de relativizar ou superar o marco catastrofista de uma literatura que dispensa comprovações empíricas e/ou extrapola de maneiras duvidosas achados locais para o conjunto da região. Abstract: It describes and discusses three independent measurements of the socioeconomic conditions of the inhabitants of the Legal Amazon and the State of Amapá, valid for different years or periods between 1953 and 1996. Using methods and distinct databases and adopting different chronological intervals, the three measurements disclose that in the Legal Amazon and in the State of Amapá it had a notable degree of improvement of the main socioeconomics variables for which there are data. This recurrent finding questions the most adopted presupposition and the main implicit or explicit hypothesis in the set of the literature, which claims the occurrence of a social debacle of macro-regional scale in the Brazilian Amazon in the last few decades. It is argued that the necessity to carry through more varied purposed and empirically based studies on the enormous region exists, capable to relativize or to surpass the catastrophist landmark of a literature that need no empirical evidences and/or surpasses in doubtful ways the local findings for the set of the region. Palavras-chave: Amazônia Legal; Amapá; Desenvolvimento socioeconômico; Medição; Fronteiras; IDH Key-words: Legal Amazon; Amapá; Socioeconomic development; Measurements; Boarders; IDH. * Doutor em Land Resources. Professor Adjunto do CDS da Universidade de Brasília. 1 Adaptado de um paper com o mesmo título apresentado no XXIII International Congress da LASA, Washington D. C., September 6-8, 2001. Parcialmente baseado em pesquisas realizadas para a minha tese de Ph. D., Environment, Society and Development: An Assessment of the Natural Resource Economy of the State of Amapá (Brazil) (Madison, Wisconsin, 1999). Agradecimentos a Archibald Haller, Alberto Carlos Almeida, Danielle Cyreno Fernandes, Marcos Chor Maio e Neyla Vaserstein por leituras críticas e sugestões. Produzido em parte com apoio da CAPES e do CNPq. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 75 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 76 INTRODUÇÃO Este texto descreve e discute três exercícios independentes de medição das condições socioeconômicas dos habitantes da Amazônia Legal e do Estado do Amapá, válidas para diferentes anos ou períodos entre os anos de 1953 e 1996.2 O foco recai sobre as metodologias e bases de dados usadas, mas o texto discute também o grau em que os seus achados contraditam o postulado e/ou a hipótese principal da literatura.3 Primeiro, examino o contexto analítico da literatura sobre o desenvolvimento da Amazônia e o seu postulado/hipótese do desastre social e ambiental. Em seguida, trato de cada uma das medições e destaco como elas contraditam a literatura. Concluo com a afirmação da necessidade de revisão do postulado/hipótese principal. Espera-se que este texto chame a atenção para a necessidade de medições minimamente consensuais, para que os debates em torno do presente e do futuro da Amazônia superem um marco meramente adjetivo ou opinativo. Além disso, pretende-se que os estudiosos se familiarizem com as bases de dados existentes ou de montagem viável, as quais permitem tais medições, indispensáveis para um debate científico sobre uma região tão grande e complexa. 1. CONTEXTO ANALÍTICO Nos últimos 20 anos, aproximadamente, surgiu uma extensa literatura sobre mudanças sociais, econômicas e ambientais na bacia amazônica, com 76 2 Os textos que trazem essas medições são Archibald O. Haller et al, ‘The socioeconomic development levels of the people of Amazonian Brazil — 1970 and 1980’, Journal of Developing Areas, 30 (April 1996), pp. 293-316 (versão revista deste artigo foi publicada como Haller, A. O.; Torrecilha, R.; Haller, M. C. Del P. e Tourinho, M. M., “Os níveis de desenvolvimento socioeconômico da população da Amazônia brasileira — 1970 e 1980”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. VI (suplemento), julho 2000, p. 941-973); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Brasília, 1998; e Drummond, J. A., Environment, Society and Development, Capítulo 7. Um resumo dos achados e das implicações analíticas deste terceiro texto foi publicado como “Investimentos Privados, Impactos Ambientais e Qualidade de Vida num Empreendimento Mineral Amazônico – o caso da Mina de Manganês de Serra do Navio (Amapá)”, Manguinhos, VI (Suplemento), setembro 2000, p. 753-792. 3 O estado do Amapá mereceu atenção especial neste artigo por ter sediado o mais antigo, duradouro e bem-sucedido dos “grandes projetos” da Amazônia contemporânea, a mina de manganês de Serra do Navio. Se algum desses “grandes projetos” foi capaz de causar impactos – positivos e negativos – no desenvolvimento local, Serra do Navio teve a localização, a escala, a duração e o sucesso comercial para tanto. No entanto, as abordagens aqui revistas permitem recortar e dar atenção especial a qualquer sub-unidade da Amazônia Legal que se deseje examinar (estados, grupos de municípios ou municípios isolados). A literatura bem que precisa de estudos empiricamente bem fundamentados e comparáveis com essas diferentes escalas. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 77 ênfase para a região Amazônica brasileira.4 Dezenas de livros e coletâneas, centenas de artigos e teses, dúzias de relatórios de consultoria e planos, além de outros tipos de documentos produzidos por ativistas, ONGs e viajantes, fizeram essa literatura crescer para além da possibilidade de ser acompanhada por qualquer estudioso individual. No entanto, é fácil perceber nela um quase consenso em torno do que eu chamo de “catástrofe social e ambiental”, um colapso geral dos sistemas sociais e ambientais que estaria ocorrendo na Amazônia.5 Por vezes, com base em evidências nulas ou escassas, o colapso é narrado como fato consumado, ou tendência irreversível. A angustiante preocupação com a possível destruição das ricas biodiversidade e sóciodiversidade da região é o móvel principal desses estudos, mas, ela não justifica abordagens falhas. Nesta perspectiva, nada funciona ou pode funcionar na região, a não ser que seja “tradicional”. Os amazônidas são retratados equivocadamente como os mais pobres entre os brasileiros. As migrações e o aumento populacional causam pânico, como se a região só tivesse sido habiada ou ocupada nas últimas décadas. Situações locais são extrapoladas para toda a região sem qualquer fundamentação. A inferência normativa lógica dessa perspectiva é que nada de “moderno” deve ser tentado na região, a não ser com um grau de cuidado nunca registrado na história mundial, moderna ou antiga. 4 Drummond, J. A., em “Recursos Naturais, Meio Ambiente e Desenvolvimento na Amazônia Brasileira: Um Debate MultiDimensional – Ensaio Bibliográfico”, Manguinhos, VI (Suplemento), setembro 2000, p. 1135-1177, comenta uma parte dessa literatura. 5 Exemplos destacados são Anthony Hall, Amazônia: Desenvolvimento para Quem? – Desmatamento e Conflito Social no Programa Grande Carajás (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991); Susanna B. Hecht and Alexander Cockburn, The Fate of the Forest: Developers, Destroyers and Defenders of the Amazon (London, Verso, 1989); Marianne Schmink and Charles Wood, Contested Frontiers in Amazonia (New York, Columbia University Press, 1992); Stephen G. Bunker, Underdeveloping the Amazon (Chicago, University of Chicago Press, 1986); Emilio F. Moran, Developing the Amazon (Bloomington, Indiana University Press, 1981); Philip M. Fearnside, Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest (New York, Columbia University Press, 1986); Joe Foweraker, The Struggle for Land: A Political Economy of the Pioneer Frontier in Brazil, 1930 to the present day (Cambridge, Cambridge University Press, 1981); Jean Hebette, ed., O Cerco está se Fechando: O Impacto do Grande Capital na Amazônia (Petrópolis, Vozes; Rio de Janeiro, FASE; Belém, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, UFPa, 1991); José M. M. da Costa, Os Grandes Projetos da Amazônia: Impactos e Perspectivas (Belém, Universidade Federal do Pará - NAEA, 1987). Juan de Onis, em The Green Cathedral (New York, Oxford University Press, 1992), em abordagem nãoacadêmica, tem cuidado com generalizações e previsões de catástrofes macro-regionais. Para abordagens acadêmicas equilibradas, ver Anna Luiza Osorio de Almeida, The Colonization of the Amazon (Austin, University of Texas Press, 1992); Anthony Anderson, ed., Alternatives to Deforestation – Steps towards Sustainable Use of the Amazon Rainforest (New York, Columbia University Press, 1990); Paulo Choji Kitamura, A Amazônia e o Desenvolvimento Sustentável (Brasília, EMBRAPA, 1994); Dennis Mahar, Frontier Development Policy in Brazil: A Study of the Amazon Experience (New York, Praeger, 1979); and Nigel J. H. Smith, The Amazon River Forest – A Natural History of Plants, Animals and People (New York and Oxford, Oxford University Press, 1999). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 77 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 78 Stephen Bunker escreveu um dos mais influentes textos desta perspectiva,6 o qual usarei como representativo. Ao estudar diversos grandes empreendimentos produtivos e de infra-estrutura na Amazônia brasileira e em outros lugares, ele concluiu que eles causam prejuízos sociais e ambientais permanentes e, mais, integram um processo irreversível de subsdesenvolvimento regional. Na verdade, isso seria apenas uma instância de sua hipótese mais abrangente do atraso necessário das regiões extrativistas de todo o planeta. Ele sustenta que empreendimentos extrativos modernos, intensivos de capital, danificam o ambiente natural e desmontam estruturas sociais e atividades produtivas tradicionais. Embora Bunker use instrumentos conceituais e analíticos perspicazes e úteis, entendo que as suas inferências não são apoiadas adequadamente pelos dados que apresenta. A Amazônia é para ele emblemática, pois é “uma das áreas mais pobres do mundo”, apesar de – ou por causa de – séculos de extrativismo e exportação de produtos in natura. Para ele, a iniciativa privada (local, nacional ou internacional) e as próprias políticas do estado desenvolvimentista agravaram indistintamente as condições de vida das populações locais, pois ambas trataram a Amazônia como uma “fronteira vazia”. Assim, Bunker não espera sequer que uma racionalidade estatal “salve” a região do seu destino. Concordo com Bunker em que as perspectivas desenvolvimentistas das regiões extrativistas contemporâneas são muito fracas7, mas isso não significa necessariamente miséria absoluta ou debacles sociais. É claro que ocorrem muitos fatos sociais normativamente lamentáveis em regiões de fronteira, mas concordo com Haller e associados (ver abaixo) em que tais fatos são parte intrínseca da própria condição de “fronteira”. Além do mais, eles por si não provam a ocorrência de debacles sociais, mesmo porque eles também ocorrem em regiões agropecuárias e urbanas. Acima de tudo, faltam nas análises de Bunker e de muitos outros estudiosos evidências de que o conjunto da população amazônica tenha hoje condições de vida inferiores às de, digamos, 78 6 Bunker, Underdeveloping the Amazon. Ver também, do mesmo autor, “Modes of Extraction, Unequal Exchange, and the Progressive Underdevelopment of an Extreme Periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980,” American Journal of Sociology, 89(5): 1017-1064 (1984); “Staples, Links and Poles in the Construction of Regional Development Theories,” Sociological Forum, 4(4) (1989); e “Natural Resource Extraction and Power Differentials in a Global Economy,” em Sutti Oritz and Susan Lees, eds. Understanding Economic Process. Monographs in Economic Anthropology, 10. (1992). Ver ainda o capítulo 1 de Bradford Barham, Stephen G. Bunker and Dennis O’Hearn, eds., States, Firms and Raw Materials (Madison, The University of Wisconsin Press, 1994). 7 Desenvolvo essa questão, com base inclusive nas formulações de Bunker, em “Natureza rica, povos pobres? – questões conceituais e analíticas sobre o papel dos recursos naturais na prosperidade contemporânea” (aceito em Ambiente e Sociedade, no prelo). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 79 30 anos atrás, pois quase sempre faltam medições minimanente consensuais das condições sociais. Daí a relevância das três medições discutidas a seguir, que contraditam frontalmente a hipótese central de Bunker e do conjunto da literatura. 2. MEDIÇÃO N.º 1 - HALLER E COLABORADORES – TESTANDO DIRETAMENTE A HIPÓTESE DE BUNKER COM DADOS MACRO-REGIONAIS VÁLIDOS PARA 1970 E 1980 A. O. Haller e colaboradores publicaram em 1996 o primeiro teste deliberado da hipótese de Bunker sobre o desenvolvimento na Amazônia.8 Além do teste, fizeram uma discussão teórica relevante sobre o significado sociológico das áreas de fronteira e sobre a incidência de anomia em tais áreas. O seu conceito de fronteira é o seguinte: Em termos gerais, uma fronteira pode ser vista como uma área geográfica esparsamente habitada, dotada de instituições relativamente fracas e fragmentárias, de estruturas sociais e populações imperfeitamente integradas à sociedade mais ampla da qual a área faz parte. Repentinamente, organizações governamenais e/ou econômicas externas de grande escala começam a investir grandes quantidades de capital nessa área, o que atrai números crescentes de pessoas interessadas em altos salários, ou em fontes de riqueza recentemente descobertas ou apenas entrevistas, ainda sem dono. A tipologia de fronteiras inclui as “de investimento concentrado” (em torno de grandes empreendimentos), as “móveis clássicas” (ocupadas a partir de regiões vizinhas), as “pára-quedas” (isoladas) e as “de linha” (ao longo de estradas e rios). Os autores recuperam, de uma maneira original na literatura sobre fronteiras, o clássico conceito de anomia. Sustentam que as normas e sanções sociais que funcionam em áreas “ocupadas” de uma sociedade tendem a ser subvertidas em áreas de fronteira. Isso ocorre porque um grande número de 8 Archibald O. Haller et al, ‘The socioeconomic development levels…”. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 79 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 80 pessoas, sem relações entre si, com passados distintos, se desloca para um lugar desconhecido e remoto em busca de melhores condições de vida e convencidas de que existem meios “sem dono” de enriquecimento fácil – tipicamente, recursos naturais (solos, minérios, árvores) com direitos de propriedade indefinidos. Surgem assim situações anômicas, com “extrema confusão normativa”, propícias a “suicídio, assassinato, roubo, inquietacão social e violência organizada”. Comportamentos e expectativas contraditórios entram em choque, e normas e sanções flutuam sem previsibilidade. Os autores concordam que ocorre anomia na Amazônia, mas sustentam que “não existe inconsistência lógica entre níveis médios ascendentes de desenvolvimento socioeconômico e níveis ascendentes de violência. (…) Pelo contrário, devemos esperar uma correlação positiva entre desenvolvimento socioeconômico acelerado e a incidência de comportamentos anômicos” [grifo no original]. Portanto, eles propõem que a medição do primeiro não seja “contaminado” pelo registro de comportamentos anômicos típicos das fronteiras. Ou seja, sustentam que o desenvolvimento socioeconômico – ou a falta dele – em áreas de fronteira pode e deve ser estudado e medido independente da alta incidência de comportamentos anômicos que captam tanta atenção – e indignação – da maioria dos estudiosos da fronteira amazônica. Melhorias socioeconômicas significativas podem, portanto, conviver com violência, assassinatos, desagregação de famílias e outros fatos anômicos. Fatos desenvolvimentistas são independentes de fatos anômicos e assim devem ser abordados. Vejamos agora como a medição feita por Haller e colaboradores contradita frontalmente a hipótese predominante da debacle social amazônica. Entre 1970 e 1980, apesar dos investimentos maciços ocorridos na Amazônia Legal no período, a maioria esmagadora dos municípios amazônicos teve melhoras socioeconômicas. Este achado, publicado em 1996, ainda não foi contestado na literatura. Até 1998, ninguém reunira uma base de dados comparável, e quando isso foi feito (para o cálculo do IDH no Brasil, discutido abaixo), os achados de Haller e co-autores foram amplamente confirmados. Entre 1993 e 1995, os autores reuniram uma grande base de dados (em escala municipal), comparáveis em escala macro-regional, selecionaram variáveis componentes e aplicaram métodos de análise fatorial. Para cada município foram calculados dois escores (um para 1970 e um para 1980) de DSE/kmu (Desenvolvimento Socioeconômico per capita por município), recalculados numa escala de 0 a 100. 80 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 81 As variáveis usadas foram: número de trabalhadores industriais por número de pessoas empregadas, volume de transações comerciais per capita, o inverso do número de trabalhadores agrícolas per capita, acesso per capita a geladeira, televisão, rádio e automóvel, número de matrículas escolares no primário per capita, número de alfabetizados per capita, número de residências ligadas à rede elétrica per capita e consumo residencial de eletricidade per capita. Esses dados foram recolhidos “artesanalmente” nos recenseamentos nacionais e em bases de dados do setor elétrico e educacional. As variáveis foram escolhidas de acordo com uma literatura internacional sobre a distribuição de renda e o bem-estar doméstico. Algumas variáveis foram descartadas por falta de disponibilidade em e/ou de comparabilidade para todos os municípios da Amazônia Legal. Os escores obtidos são comparáveis para cada município nos dois anos (1970 e 1980), para todos os municípios em cada ano, e para conjuntos de municípios em cada ano e nos dois anos. Eis um sumário dos achados. 325 de 327 municípios estudados (mais de 99%) tiveram escores maiores em 1980 do que em 1970. Dois outros municípios foram descartados por causa de problemas nos dados. O escore médio mais do que triplicou de 1970 para 1980: de 4,96 para 17,70. As cidades maiores (como Cuiabá, Belém, Manaus e outras capitais estaduais) alcançaram os maiores escores. No entanto, vários municípios menores também exibiram escores consideravelmente maiores em 1980, quase todos eles localizados nas imediações de “grandes projetos” – usinas hidrelétricas, minas, estradas, áreas de colonização privada e pública.9 Os autores concluem que a hipótese de Bunker foi refutada para o período em questão. De fato, não se poderia esperar, à base da hipótese, tal quadro macro-regional de melhoras sociais e econômicas. Não ocorreu um desenvolvimento na forma de diversificação da base produtiva local, mas ocorreu generalizada melhora das condições sociais e econômicas medidas. Trata-se, evidentemente, de uma diferença sociologicamente significativa que não deve ficar soterrada sob pressupostos e hipóteses falhos. Como o resto do presente texto focaliza medições sobre o Amapá, vejamos os escores dos seus municípios no teste de Haller e colaboradores. Os dados relevantes estão na Tabela I. 9 A relação completa de escores para 1970 e 1980 consta da versão em português do artigo, acima citada, publicada em Manguinhos. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 81 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 82 T A B E L A I: ESCORES DE DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO PER CAPITA DOS MUNICÍPIOS DO AMAPÁ, 1970 E 1980, CALCULADOS POR HALLER E COLABORADORES ano município escore 1970 escore 1980 % crescimento 1980/1970 6,83 15,55 127,67 Calçoene 6,25 25,44 307,04 Macapá 26,89 69,04 156,74 Amapá Mazagão 7,17 19,77 175,73 Oiapoque 18,46 28,49 54,33 Fonte: Haller, A. O.; Torrecilha, R.; Haller, M. C. Del P. e Tourinho, M. M.. “Os níveis de desenvolvimento socioeconômico da população da Amazônia brasileira – 1970 e 1980”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. VI (suplemento), julho 2000, Apêndice. Todos os municípios do Amapá melhoraram os seus escores. O escore relativamente alto de Macapá (diretamente afetado pela atividade mineradora de Serra do Navio) para 1970 ainda cresceu consideravelmente em 1980. Percentualmente, porém, os escores de Calçoene e Mazagão (fora da área de influência direta da mina) cresceram ainda mais. Os escores do Amapá e de Oiapoque também cresceram. Em suma, os municípios amapaenses não sofreram um colapso nos seus níveis de desenvolvimento socioeconômico, como a hipótese da debacle nos levaria a esperar quanto ao estado amazônico que hospedou o primeiro e mais duradouro “grande projeto” da região. 3. MEDIÇÃO N.º 2 – FJP, FIBGE E IPEA CONSTRÓEM UMA BASE DE DADOS ORIGINAL A segunda medição a ser discutida não é exatamente um estudo, mas uma base de dados feita pela Fundação João Pinheiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas para computar o Índice de Desenvolvimento Humano brasileiro, publicada no formato de um CD-ROM acompanhado de um livro.10 A equipe usou dados dos recensamentos nacionais em diferentes níveis de agregação (país, região, estado e município). O IDH é composto de variáveis ligadas à longevidade, à renda e 10 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida…. 82 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 83 à escolaridade, o que lhe dá uma sobreposição parcial com as variáveis do índice construído por Haller e colaboradores, parcialmente baseado em variáveis de escolaridade e renda. Ambos usam os recensamentos nacionais como fonte principal, mas as duas medições foram feitas de forma independente. Não há ênfase especial na Amazônia, mas os índices do IDH revelam notáveis diferenças regionais de padrão de vida no Brasil. Entre muitos outros pontos, fica evidente que a Amazônia não é a região brasileira mais pobre, título que cabe ao Nordeste (do Maranhão à Bahia), fato de que sequer se desconfia ao ler apenas a literatura catastrófica sobre a Amazônia. Vejamos algumas comparações entre o Amapá e o contexto regional e nacional, com base no IDH. O ranking regional do Amapá é um primeiro cruzamento relevante. Por hospedar a mina de Serra do Navio por mais de 40 anos, seria de se esperar, a partir da hipótese da debacle, que o Amapá ocupasse o pior lugar no ranking regional e talvez até nacional. No entanto, os dados da Tabela II mostram que os escores do estado cresceram significativamente ao longo de 26 anos (com exceção de 1996) e que ele não caiu no ranking – sendo, ao contrário, um líder regional no IDH. T A B E L A I I: O I D H N O B R A S I L – E S C O R E S E R A N K I N G S D O A M A P Á E N T R E O S E S T A D O S AMAZÔNICOS, 1970, 1980, 1991, 1995AND 1996 (*) ano escores de IDH do Amapá ranking do Amapá entre os estados amazônicos 1970 .509 1/8 1980 .614 3/8 1991 .767 1/9 1995 .797 1/9 1996 .786 3/9 * A tabela inclui para todos os anos os estados da região Norte (Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia. Roraima), mais Mato Grosso e Maranhão. Para 1991, 1995 e 1996, a tabela inclui Tocantins. Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Brasília, 1998, Tabela 2.3. A Tabela III compara os escores de IDH do Amapá com os escores médios dos estados da Região Norte e com os escores do Brasil. Vemos que o Amapá sempre puxou as médias regionais para cima e que os seus escores sempre alcançaram ao menos 83% dos índices nacionais, também Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 83 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 84 contraditando a hipótese da debacle. Na verdade, em 1970 o Amapá foi um de apenas seis estados brasileiros que alcançaram o nível “médio” de IDH (entre 0,500 e 0,800), chegando em 1995 e 1996 bem próximo ao nível “alto” (acima de 0,800), alcançado por apenas um punhado de estados brasileiros. T A B E L A I I I: O IDH NO BRASIL – ESCORES DO AMAPÁ COMPARADOS AOS ESCORES MÉDIOS DA REGIÃO NORTE E AOS ESCORES DO BRASIL, 1970, 1980, 1991, 1995 AND 1996. ano escores do Amapá no IDH escores médios da região Norte no IDH escores do Brasil no IDH 1970 0,509 0,425 0,494 1980 0,614 0,595 0,734 1991 0,767 0,676 0,787 1995 0,797 0,720 0,814 1996 0,786 0,727 0,830 Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Brasília, 1998, Tabela 2.3. O ranking nacional do Amapá em termos do IDH mostra outros fatos que contraditam a hipótese da debacle. Segundo os dados da Tabela IV, vemos que, depois do notável sexto lugar em 1970, o estado caiu para um pálido décimo-terceiro em 1980, para voltar a nono em 1991 e 1995 e cair de novo para décimo-segundo em 1996 (ano em que o seu IDH caiu em termos absolutos). A posição do Amapá oscilou mais no panorama nacional do que no regional, mas ele nunca ficou no piso inferior do ranking nacional. O que ocorreu é que outros estados não-amazônicos (ver abaixo) entraram e se firmaram nas posições mais altas do ranking nacional. 84 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 85 T A B E L A I V: O IDH NO BRASIL – NÚMERO DE ESTADOS COLOCADOS ACIMA E ABAIXO DO RANKING DO AMAPÁ, 1970, 1980, 1991, 1995 AND 1996 (*) ano número de estados com escores de IDH superiores ao do Amapá número de estados com escores de IDH inferiores ao do Amapá 1970 5 19 1980 12 13 1991 8 18 1995 8 18 1996 (**) 11 15 * Em 1970 o Brasil tinha 24 estados e territórios e o Distrito Federal. Em 1980 tinha 25 estados e territórios, e o Distrito Federal. Desde 1988 tem 26 estados, e o Distrito Federal.. ** Em 1996 o escore do Amapá foi igual ao de Goiás. Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Brasília, 1998, Tabela 2.3. Na verdade, o Amapá sempre esteve mais próximo dos estados brasileiros mais desenvolvidos, conforme se vê a partir dos dados da Tabela V. Em 1970, o Amapá, SP, DF, RS, SC e RJ foram os únicos estados com IDH “médio”. MG e PR, por exemplo, estavam abaixo do Amapá. Em 1980 o Amapá caiu para décimo-terceiro, embora o seu escore crescesse bastante. Os mesmos cinco estados líderes de 1970 continuaram no topo em 1980 e nos anos subsequentes, apenas trocando de lugar entre si. O que ocorreu em 1980 é que o Amapá foi ultrapassado por sete estados – MG, PR, MS, ES, AM, RR e GO. Destes, PR, MS e ES se juntaram aos cinco líderes de 1970 e 1980 e formaram um fechado “clube dos 8 mais desenvolvidos” nos anos posteriores. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 85 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 86 T A B E L A V: O IDH NO BRASIL – NOMES, ESCORES E RANKINGS DE TODOS OS ESTADOS BRASILEIROS COM ESCORES SUPERIORES AOS DO AMAPÁ, 1970, 1980, 1991, 1995 E 1996 ano ranking 1970 1980 1995 São Paulo 1996 São Paulo 0,710 0,819 0,848 0,867 0,869 segundo Distrito Federal São Paulo Distrito Federal Distrito Federal Rio G. do Sul 0,666 0,811 0,847 0,864 0,869 terceiro Rio de Janeiro Rio G. do Sul Rio G. do Sul Rio G. do Sul São Paulo 0,657 0,808 0,845 0,863 0,868 quarto Rio G. do Sul Rio de Janeiro Santa Catarina Santa Catarina Santa Catarina 0,631 0,804 0,827 0,857 0,863 quinto Santa Catarina Santa Catarina Rio de Janeiro Mato G. do Sul Mato G. do Sul sexto Distrito Federal 1991 primeiro São Paulo Distrito Federal 0,560 0,796 0,824 0,844 0,848 Amapá Mato G. do Sul Paraná Paraná Paraná 0,509 sétimo 0,725 0,811 0,844 0,847 Paraná Mato G. do Sul Rio de Janeiro Rio de Janeiro 0,723 0,784 0,842 0,844 oitavo - Espírito Santo Espírito Santo Espírito Santo Espírito Santo 0,715 0,782 0,819 0,836 nono - Minas Gerais Amapá Amapá Minas Gerais 0,695 0,767 0,797 décimo - Amazonas décimo-primeiro - Goiás décimo-segundo - Roraima décimo-terceiro - Amapá 0,696 0,636 0,619 0,614 0,823 Rondônia - - 0,820 Roraima - - 0,818 Amapá - - 0,786 - - - Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Brasília, 1998, Tabela 2.3. Assim, é notável que o Amapá tenha ocupado o nono lugar em 1991, superando MG, GO, AM e RR e encostando no “clube dos 8 mais desenvolvidos”. Em 1995 a situação foi a mesma: Amapá em nono, encostado no “clube”. Em 1996, ao perder 11 pontos decimais em seu escore, o Amapá 86 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 87 caiu para décimo-segundo lugar e foi superado por MG, RO e RR, empatando com GO.11 Assim, o Amapá tem feito parte de – ou liderado – um “segundo pelotão” de estados brasileiros no ranking do IDH, obtendo escores muito superiores aos dos estados brasileiros mais pobres, os do Nordeste. Esse desempenho não seria previsto a partir da hipótese do debacle amazônico.12 4. MEDIÇÃO N.º 3 – MUDANÇAS ANUAIS NO AMAPÁ, 1953-1996 No contexto de um estudo sobre os efeitos socioeconômicos e ambientais da mineração de Serra do Navio, fiz uma medição das mudanças socioeconômicas ocorridas no Amapá entre 1953 e 1993.13 A disponibilidade de dados permitiu computar escores de desenvolvimento socioeconômico, de âmbito estadual, para esses 41 anos seguidos. Os escores foram compostos de 32 variáveis, algumas similares ou relacionadas com as usadas por Haller e colaboradores e pelo IDH, outras distintas. A minha medição teve as seguintes particularidades: (1) foi feita ano a ano, diferente dos dois anos (1970 e 1980) e dos cinco anos (1970, 1980, 1991, 1995 e 1996) das medições discutidas acima; (2) boa parte dos dados brutos foi colhida nos Anuários Estatísticos do Amapá;14 e (3) incluiu diversas variáveis não usadas nas duas outras medições. Pude, assim, comparar o Amapá consigo mesmo, examinando as tendências de 32 séries de variáveis ao longo de 41 anos, 37 deles dentro da fase operacional da mina de Serra do Navio. Na verdade, fiz um teste direto da hipótese da debacle. A minha pergunta principal de pesquisa foi: Serra do Navio ajudou na deterioração dos padrões de vida dos amapaenses em geral? Construí a minha resposta sem referência a 11 Destaque-se que estados fortes como o Rio de Janeiro e Minas Gerais também sofreram quedas significativas no ranking, conforme se pode ver na mesma Tabela V. Em 26 anos o Rio de Janeiro caiu de terceiro para sétimo lugar. Minas Gerais oscilou ainda mais fortemente e, apesar de chegar ao nono lugar em 1996, estava praticamente empatado com Amazonas e Rondônia. 12 A mesma equipe que computou o IDH brasileiro criou e computou um outro índice, o ICV (Índice de Condições de Vida), composto por 20 variáveis. De novo os escores da Amazônia e do Amapá desmentem a hipótese da debacle. Ver Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento et al, Desenvolvimento Humano e Condições de Vida... 13 Drummond, J. A., Environment, Society and Development…, capítulo 7, contém a versão integral do teste e a análise dos seus achados, resumidos em língua portuguesa em Drummond, “Investimentos Privados, Impactos Ambientais… 14 Governo do Território Federal do Amapá ou Governo do Estado do Amapá. Anuários Estatísticos do Amapá (Macapá, 19531994). No Apêndice II de Drummond, Society, Environment and Development, discuto a qualidade e a consistência dos dados retirados dessa série. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 87 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 88 medições anteriores, pois nenhum estudo sobre a mina incluíra uma medição precisa dos seus efeitos. Reuni e organizei dados para 49 variáveis socioeconômicas, devidamente “per capitalizadas” pela população residente ou estimada para cada ano. Ficou claro que a maioria das variáveis sofreu mudanças significativas, para pior ou melhor. Numa primeira medição, criei uma escala ordinal e classifiquei cada variável sob as chancelas de “mudança positiva forte” (17 variáveis), “mudança positiva moderada” (12), “sem mudança” (5), “mudança negativa moderada” (4) e “mudança negativa forte” (11). Como 29 das 49 variáveis experimentaram mudança positiva, os dados indicavam um grau sifnificativo de mudança, e que a ela fora para melhor. Em seguida concebi um método de medir o resultado líquido das mudanças de todas essas variáveis. Para tanto, (a) descartei 17 variáveis para as quais faltavam mais de 25% dos dados, (b) estimei dados ausentes de outras variáveis, usando médias ou modas, e (c) defini o período 1953-1993, descartando dados coletados para anos posteriores e anteriores. Tratei os dados com uma metodologia que não explicarei aqui.15 Algumas variáveis diferentes das usadas nas duas medições analisadas acima foram, entre outras: números de linhas telefônicas e de chamadas talefônicas, disponibilidade de profissionais de saúde, tamanho de rebanhos de animais domésticos e número de alvarás de construção. Variáveis iguais ou relacionadas às dos dois testes foram, entre outras: números de domicílios conectados com rede de água, esgoto e eletricidade, número de veículos auto-motores emplacados, consumo de energia etc. Não houve, portanto, escassez de dados, mesmo usando uma fonte local de um jovem território/estado amazônico. Compus uma matriz 32 x 41 – 32 variáveis (percapitalizadas e transformadas em escores z normalizados) versus 41 anos. O escore de cada ano foi obtido pela soma dos 32 escores z normalizados, dividida por 32. Não dei pesos diferenciados às variáveis, mas algumas entraram com sinal negativo, por indicarem mudanças para pior (como mortalidade infantil e número de casos registrados de doenças transmissíveis). Finalmente, os escores brutos foram ajustados para caber numa escala de 0 a 100 – 0 sendo o pior ano registrado, 100 o melhor. Cada escore representa, assim, as contribuições líquidas das 32 variáveis, combinando mudanças positivas, negativas e neutras. Chamei-os de escores de Desenvolvimento Socioeconômico per capita (DSE/k) do Amapá. Estão expostos na Tabela VI. 15 Os procedimentos são discutidos detalhadamente em Drummond, Environment, Society and Development…, Apêndice IV. 88 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 89 T a b e l a V I: E S C O R E S D E D E S E N V O L V I M E N T O S O C I O E C O N Ô M I C O P E R C A P I T A DO ESTADO DO AMAPÁ, 1953-1993 (*) escore DSE/k ano escore DSE/k 1953 ano 33.33 1974 42.31 1954 38.46 1975 44.87 1955 48.72 1976 47.44 1956 38.46 1977 46.15 1957 51.28 1978 41.03 1958 91.03 1979 34.62 1959 44.87 1980 41.03 1960 00.00 1981 76.92 1961 51.28 1982 76.92 1962 48.72 1983 76.92 1963 50.00 1984 75.64 1964 52.56 1985 64.10 1965 47.44 1986 88.46 1966 29.49 1987 96.15 1967 25.64 1988 98.72 1968 02.56 1989 94.87 1969 12.82 1990 75.64 1970 37.18 1991 94.87 1971 20.51 1992 83.33 1972 26.92 1993 100.00 1973 58.97 (*) Escores z normalizados, calculados de acordo com procedimentos detalhados no Apêndice IV de Drummond, Environment, Society and Development. Fontes dos dados originais: Anuários Estatísticos do Amapá, 1953-1994. A distirbuição desses escores contradita a expectativa de Bunker e outros quanto à ocorrência de uma progressiva deterioração das condições sociais e econômicas em regiões extrativistas sujeitas a investimentos “modernos” e de grande escala. A tendência do período como um todo foi a de crescimento substancial do índice. O escore médio dos últimos 13 anos (78,99), por exemplo, é 1,72 superior ao escore médio dos primeiros 13 anos (45,85). Na verdade, as condições sociais e econômicas médias do Amapá melhoraram progressivamente. É bom destacar que isso não significa que a atividade minerária foi responsável por isso, e nem era a minha intenção descobrir ou Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 89 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 90 provar isso.16 Para efeitos de teste da hipótese de Bunker, no entanto, bastou mostrar que ocorreram mudanças socioeconômicas positivas na área de influência direta de um “grande projeto” amazônico. Ninguém deteriorou o Amapá, pois o Amapá não deteriorou – nem em escala regional, nem em escala nacional. SÍNTESE E CONCLUSÕES Examinamos dados e métodos de três medições independentes e distintas de mudanças socioeconômicas na Amazônia brasileira. Destacamos como os seus achados apontam melhoras socioeconômicas significativas em toda a região e como isso contradita a hipótese predominante na literatura. As conclusões são que (a) essa hipótese precisa ser revista por outra, mais flexível, (b) novos estudos e medições devem ser feitos à luz de bases de dados de validade mais do que local, (c) não é aconselhável misturar o registro de fatos anômicos com as medições de mudança socioeconômica. Esses novos estudos, para comporem um novo marco, devem ainda ter uma sólida fundamentação empírica, seja em escala macro-regional ou local, para permitir comparações, ao longo do tempo e em várias escalas, das melhorias ou deteriorações das condições materiais de vida dos amazônidas. Brasília, março de 2002 agosto de 2004 REFERÊNCIAS Almeida, Anna Luiza Osorio de. The Colonization of the Amazon. Austin, University of Texas Press, 1992. Anderson, Anthony, ed. Alternatives to Deforestation – Steps towards Sustainable Use of the Amazon Rainforest. New York, Columbia University Press, 1990. 16 Em Drummond, “Investimentos Privados, Impactos Ambientais”, discute-se detalhadamente o significado desses escores e a sua possível relacão com o desempenho da mina de Serra do Navio. 90 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 91 Bunker, Stephen G. “Modes of Extraction, Unequal Exchange, and the Progressive Underdevelopment of an Extreme Periphery: The Brazilian Amazon, 1600-1980,” American Journal of Sociology, 89(5): 1017-1064 (1984). Bunker, Stephen G. “Natural Resource Extraction and Power Differentials in a Global Economy,” in Sutti Oritz and Susan Lees, eds., Understanding Economic Process. Monographs in Economic Anthropology, 10. (1992). Bunker, Stephen G. “Staples, Links and Poles in the Construction of Regional Development Theories,” Sociological Forum, 4 (4) (1989); Bunker, Stephen G.. Underdeveloping the Amazon. 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Drummond, José Augusto. “Recursos Naturais, Meio Ambiente e Desenvolvimento na Amazônia Brasileira: Um Debate Multi-Dimensional – Ensaio Bibliográfico”, Manguinhos, VI (Suplemento), setembro 2000, p. 11351177. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 91 03_artigo_drummond.qxd 28.02.07 16:27 Page 92 Fearnside, Philip M. Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest. New York, Columbia University Press, 1986. Foweraker, Joe. The Struggle for Land: A Political Economy of the Pioneer Frontier in Brazil, 1930 to the present day. Cambridge, Cambridge University Press, 1981. Governo do Território Federal do Amapá ou Governo do Estado do Amapá. Anuários Estatísticos do Amapá. Macapá, 1953-1994. Hall, Anthony. Amazônia: Desenvolvimento para Quem? – Desmatamento e Conflito Social no Programa Grande Carajás. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991. 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Legislación Ambiental; 7. Protección Administrativa y Judicial del Medio Ambiente; Síntesis Final. Resumo: Este artigo trata da temática do Direito Ambiental na Argentina. Primeiramente procura-se destacar os conceitos gerais sobre a temática. Na segunda parte são analisados os princípios aplicáveis à temática. Em terceiro plano são observadas as tratativas internacionais sobre o assunto. Depois são analisados artigos da Constituição Federal da Argentina, cuja decorrência será a observação da responsabilidade para reparação dos danos causados. Na última parte é analisada a legislação infraconstitucional sobre o meio ambiental argentino. Abstract: This article deals with Environmental Law in Argentina. First it is intended to highlight the general concepts about the theme. The principles which can be applied to the theme are analyzed in the second part. The third part deals with the international treaties on the subject. The articles of the Argentinean Federal Constitution are then analyzed, which will have as a result the observation of the responsibility for the compensation of the damaged caused. The infra-constitutional legislation about Argentinean environment is analyzed in the final part. Palavras-chave: Direito Argentina; Ordem Jurídica. Key-words: Environmental Law; Argentina; Legal order. * Ambiental; Universidad Nacional de La Plata, Argentina. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 95 04_artigo_carlos_botassi.qxd 1. 28.02.07 16:28 Page 96 AMBIENTE Y DERECHO AMBIENTAL Si el objeto de estudio del Derecho Ambiental es el “ambiente” resulta insoslayable intentar su definición. En rigor cabe reconocer que se han ensayado tantos conceptos de “ambiente” como autores se han ocupado del asunto, su mera enunciación excedería el espacio del que disponemos. Diremos sí que la doctrina argentina ha vinculado la palabra “ambiente” con realidades bien disímiles como son la naturaleza y los recursos que provee, el medio urbano, la biodiversidad y el clima. En Italia la palabra ambiente fue definida por primera vez en términos jurídicos por Massimo Severo Giannini en su trabajo “Ambiente: saggio sui diversi suoi aspetti Giuridici, publicado en el año 1973 en la Rivista trimestrale di diritto pubblico: 1) ambiente relacionado con el paisaje (aqui el Derecho Ambiental tendría una finalidad conservacionista); 2) ambiente vinculado con la defensa del suelo, el aire y el agua (la legislación establece un sistema de control sobre las actividades que pueden dañarlos); 3) ambiente considerado en las normas y estudios de urbanismo (destinados a impulsar una actividad administrativa de planificación del uso del territorio).1 Ni la Constitución Nacional Argentina ni las leyes federales que más adelante comentaremos contienen una definición del vocablo “ambiente”. Sí la posee la Ley Marco-Ambiental nº 11.723 (1995) de la Provincia de Buenos Aires, al describirlo como un “sistema constituido por factores naturales, culturales y sociales, interrelacionados entre sí, que condicionan la vida del hombre a la vez que constantemente son modificados y condicionados por éste”. (Anexo I, “Glosario”, palabras “ambiente”, “medio”, “entorno” y “medio ambiente”que dicha Ley emplea como sinónimos). En la década del ’80 el Consejo Federal de Inversiones de la Nación consideró que los recursos naturales necesarios para atender las necesidades vitales del hombre eran los siguientes: 1.º El suelo, es decir la capa de humus que recubre la corteza terrestre; 2.º Los yacimientos minerales sólidos, líquidos y gaseosos, entre los que se destacan los hidrocarburos; 1 96 Pastorino, Leonardo: El daño al ambiente como instituto típico del Derecho Ambiental, Lexis Nexis, Buenos Aires, 2005, págs. 38 y 313; Crosetti, Alessandro; Ferrara, Rosario; Fracchia, Fabrizio; Olivetti Rason, Nino: Diritto dell’ambiente, Laterza, RomaBari, 2002, pág. 46. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 97 3.º Los recursos hidráulicos, es decir las aguas en sus diversos estados: superficiales, subterráneas, nubes, lluvia, nieve; 4.º Flora silvestre; 5.º Fauna silvestre; 6.º El espacio aéreo; 7.º Lugares panorámicos o escénicos, que sirven para recreación y turismo; 8.º Energía, que puede ser hidráulica, eólica, mareomotriz, térmica y nuclear. Como se ve estos “recursos naturales” no se diferencian de los bienes que tutela el Derecho Ambiental. Sin embargo, mientras el Derecho de los Recursos Naturales profundiza los aspectos económicos, amparando a aquellos bienes debido a en que son considerados útiles para satisfacer necesidades colectivas vinculadas con la propiedad y las transacciones comerciales, el Derecho Ambiental atiende a su preservación en el marco de un desarrollo sostenible (también denominado “ecodesarrollo”), entendido como la capacidad de extraer de la naturaleza lo necesario para mejorar la calidad de vida de la actual población sin depredar el entorno inutilizándolo para las generaciones futuras. Este último enfoque constituye la respuesta a un reclamo ético: postergar el empleo puramente utilitarista de las riquezas de la Tierra y propiciar el uso racional de los recursos, para obtener su goce intergeneracional en términos de calidad de vida. De manera que no existe diferencia ontológica entre los recursos naturales y los recursos ambientales, se trata siempre de los mismos elementos. Varía, en cambio, el criterio axiológico ya que ahora esos recursos ya no son exclusivamente considerados con fines de apropiación o económicos sino que aparecen valorados en forma holística, como bienes de uso y disfrute, desde una óptica más o menos novedosa, “ecocéntrica” o “biocéntrica”. Como ha ocurrido en el resto del Mundo el surgimiento del Derecho Ambiental argentino resultó coincidente, y naturalmente influenciado, por los resultados de la Primera Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Humano (Estocolmo, 1972). Las cuestiones ambientales cuya protección constituía “un deseo urgente de los pueblos y un deber de los gobiernos”, según se declaró entonces, no son otras que aquellas que tres décadas más tarde continúan afligiéndonos: concentración de la población urbana, con su secuela de ruidos enfermantes e insuficiencia de viviendas y servicios esenciales; Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 97 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 98 desertificación y tala de bosques; contaminación del suelo, del aire y del agua; residuos domiciliarios, industriales y peligrosos; extinción de especies vegetales y animales; deterioro del paisaje; pérdida de patrimonio histórico y cultural; etc. Un cambio significativo producido desde entonces – como ya se ha dicho – ha sido el terminológico: los “recursos naturales” han devenido en “recursos ambientales” sumando a la enumeración primigenia de hondo contenido economicista las cuestiones del clima, la biodiversidad y la protección del patrimonio histórico, artístico y cultural de profundo sentido humanista. En la República Argentina la pésima distribución de la riqueza entre los habitantes se refleja en los asentamientos urbanos, haciendo que compartan el territorio nacional imponentes áreas de riqueza (como los “countrys” y los barrios cerrados) junto a oprobiosas muestras de pobreza (villas de emergencia y asentamientos precarios de todo tipo)2. Esa misma disparidad socioeconómica impacta en el ambiente haciendo que – según la región – se presenten tanto los males que aquejan a los países desarrollados (contaminación industrial, elevado nivel de ruidos, desechos no biodegradables) como los padecimientos que soportan los estados subdesarrollados (viviendas y transportes inadecuados, pésima atención de la salud pública, ausencia o mala prestación de servicios esenciales como desagües cloacales y provisión de agua potable). Existen numerosas definiciones doctrinarias del Derecho Ambiental. En general todas participan de notas comunes en tanto lo consideran un conjunto de principios y normas destinados a la protección y uso racional del medio ambiente, incluyendo la prevención de daños y el objetivo de lograr el mantenimiento del equilibrio natural, cuya finalidad es resguardar los intereses sobre bienes de uso y goce colectivos.3 Sus antecedentes inmediatos se relacionan con el Derecho de los Recursos Naturales, con el Derecho Agrario y con el Derecho de Minería y Energía. En cuanto a su naturaleza algunos autores entienden que estamos frente a una verdadera “rama” del Derecho y otros, en cambio, opinan que el Derecho 98 2 El Principio 5.º de la Declaración de Río de Janeiro de 1992 sobre Medio Ambiente y desarrollo establece que “todos los Estados y todas las personas deberán cooperar en la tarea esencial de erradicar la pobreza como requisito indispensable del desarrollo sostenible, a fin de reducir las disparidades en los niveles de vida y responder mejor a las necesidades de la mayoría de los pueblos del mundo”. En rigor de verdad, más de una década después, nada ha cambiado en la materia y, antes bien, la miseria y la desigualdad se han incrementado no solo en Argentina sino también en la totalidad de los países del llamado Tercer Mundo. 3 Cafferatta, Néstor: Introducción al Derecho Ambiental, Instituto Nacional de Ecología, México, 2004, pág. 19. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 99 Ambiental constituye una “especialización” jurídica que atraviesa transversalmente a las ramas clásicas (Derecho Civil, Derecho Penal, Derecho Administrativo, Derecho Laboral, etc.). Existe coincidencia en señalar que constituye un sector de la ciencia jurídica “que estudia los recursos naturales, la economía, el ambiente y el obrar humanos, considerados como estrechamente vinculados, interdependientes y ordenados de acuerdo a las leyes de la naturaleza, los procesos económicos y las demandas sociales, con una concepción holística, sistémica y transdisciplinaria, con el objeto de reglar las conductas y actividades individuales y colectivas de la comunidad, para la preservación, conservación, racionalidad, protección, explotación, industrialización, impulso y aprovechamiento sustentable de los mismos, así como para el mejoramiento de la calidad de vida del planeta”.4 Asimismo se destaca que el Derecho Ambiental se encuentra en un proceso de plena formación y también se reconoce que su desarrollo interesa tanto a las relaciones de Derecho Privado (individual) como a las comprendidas en el Derecho Público (colectivo), por ello cuando se enuncian sus fuentes se comprenden tanto a las Constituciones Nacional y provinciales como a los Códigos de Fondo y a las normativas específicas de cada recurso ambiental en particular (suelo, aire, agua, energía, bosques, bienes culturales, paisajes, etc.). Con algunas variantes terminológicas que no llegan a incidir en los significados se enuncian como caracteres propios del Derecho Ambiental los siguientes: interdisciplinario; sistemático; supranacional; énfasis preventivo; rigurosa regulación científica; primacía de intereses colectivos; participación pública; coordinación de actuaciones; abordaje interdisciplinario. 2. LOS PRINCIPIOS GENERALES DEL DERECHO AMBIENTAL Desde un punto de vista teórico se considera que los principios jurídicos son conceptos o nociones aportadas por conocimientos, actitudes y creencias científicas que constituyen las notas fundamentales de una disciplina. Los principios poseen una utilidad de tipo funcional: proveen soluciones para la redacción de las futuras normas positivas, colaboran con su interpretación y, en caso de ausencia de disposiciones concretas, actúan como fuente de derecho. 4 Bellorio Clabot, Dino: Tratado de Derecho Ambiental, Edit. Ad-Hoc, Buenos Aires, 1997, t. I pág. 40. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 99 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 100 Los principios de nuestra materia resultan específicos en la medida en que poseen un objeto de estudio peculiar (el ambiente) y desde el momento en que reviste originalidad el tipo de relación jurídica que se genera entre las personas y el medio (objeto de tutela o bien jurídicamente protegido). La Ley General del Ambiente nº 25.675 (publicada en el Boletín Oficial de la Nación el 28 de noviembre de 2002), en su artículo 5 dispone que las autoridades, de cualquier naturaleza, integrarán en todas sus decisiones y actividades previsiones de carácter ambiental, cuidando de asegurar el respeto de los principios que, bajo el título “Principios de la política ambiental”, enuncia en su artículo 4, de la manera siguiente: La interpretación y aplicación de la presente ley, y de toda otra norma a través de la cual se ejecute la política ambiental, estarán sujetas al cumplimiento de los siguientes principios: Principio de congruencia: La legislación provincial y municipal referida a lo ambiental deberá ser adecuada a los principios y normas fijadas en la presente ley; en caso de que así no fuere, esta prevalecerá sobre toda otra norma que se le oponga. Principio de prevención: Las causas y las fuentes de los problemas ambientales se atenderán en forma prioritaria e integrada, tratando de prevenir los efectos negativos que sobre el ambiente se pueden producir. Principio precautorio: Cuando haya peligro de daño grave o irreversible la ausencia de información o certeza científica no deberá utilizarse como razón para postergar la adopción de medidas eficaces, en función de los costos, para impedir la degradación del medio ambiente. Principio de equidad intergeneracional: Los responsables de la protección ambiental deberán velar por el uso y goce apropiado del ambiente por parte de las generaciones presentes y futuras. Principio de progresividad: Los objetivos ambientales deberán ser logrados en forma gradual, a través de metas interinas y 100 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 101 finales, proyectadas en un cronograma temporal que facilite la adecuación correspondiente a las actividades relacionadas con esos objetivos. Principio de responsabilidad: El generador de efectos degradantes del ambiente, actuales o futuros, es responsable de los costos de las acciones preventivas y correctivas de recomposición, sin perjuicio de la vigencia de los sistemas de responsabilidad ambiental que correspondan. Principio de subsidiariedad: El Estado Nacional, a través de las distintas instancias de la Administración Pública, tiene la obligación de colaborar y, de ser necesario, participar en forma complementaria en el accionar de los particulares en la preservación y protección ambientales. Principio de sustentabilidad: El desarrollo económico y social y el aprovechamiento de los recursos naturales deberán realizarse a través de una gestión apropiada del ambiente, de manera tal que no comprometa las posibilidades de las generaciones presentes y futuras. Principio de solidaridad: La Nación y los Estados provinciales serán responsables de la prevención y mitigación de los efectos ambientales transfronterizos adversos de su propio accionar, así como de la minimización de los riesgos ambientales sobre los sistemas ecológicos compartidos. Principio de cooperación: Los recursos naturales y los sistemas ecológicos compartidos serán utilizados en forma equitativa y racional. El tratamiento y mitigación de las emergencias ambientales de efectos transfronterizos serán desarrollados en forma conjunta”. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 101 04_artigo_carlos_botassi.qxd 3. 28.02.07 16:28 Page 102 LAS RELACIONES INTERNACIONALES: Luego del tema de la paz y de la cooperación entre las naciones ningún asunto interesa más a la comunidad internacional como el relativo a la preservación del medio ambiente. Ya en el año 1910, el médico y filósofo argentino José Ingenieros advirtió que, desde una perspectiva totalizadora, nuestro sistema solar no es otra cosa que un punto en el Universo y en él nuestro Planeta Tierra apenas un detalle donde todo lo que acontece en su superficie no es más que un transitorio equilibrio químico,5 donde los componentes del ecosistema – fundamentalmente el agua y el aire – circulan en forma permanente sin reconocer fronteras de ninguna especie. La temática del Derecho Ambiental Internacional ha sido dividida en cuatro categorías: 1.º) Recursos ambientales de la humanidad (alta mar y su lecho); 2.º) Recursos compartidos (cuencas hídricas, yacimientos no delimitados de gas y petróleo); 3.º) Efectos extraterritoriales provocados por el uso de recursos nacionales y 4.º) Alteraciones climáticas.6 Desde hace mucho tiempo – y más allá de haber sido signataria de la Declaración de Estocolmo de 1972, de Río de Janeiro de 1992, de Kyoto de 1997 y de otros instrumentos fundamentales de la comunidad internacional – la República Argentina ha celebrado numerosos tratados bilaterales y multilaterales que, en forma directa o indirecta, poseen contenido ambiental. A título de ejemplo pueden citarse los siguientes acuerdos: Caza de Ballenas (Washington, 1946), Protección de Bienes Culturales (La Haya, 1954), Protección de Bosques (Santiago de Chile, 1961), Prohibición de Armas Nucleares en América Latina y el Caribe (Tlatelco, México, 1967), Contaminación de Aguas Marítimas (Bruselas, 1969), Transporte Marítimo de Materiales Nucleares (Bruselas, 1971), Vertimiento de Desechos en el Mar (Londres, 1972), Prohibición de Armas Biológicas (Londres, 1972), Protección del Patrimonio Mundial (París, 1972), Tratado del Río de La Plata (Montevideo, 1973), Uso de Energía Nuclear (Santiago de Chile, 1976), Protección Fitosanitaria (Roma, 1979), Protección de Especies Migratorias (Bonn, 1979), Aguas Continentales (Buenos Aires, 1980), Convención de N. U. sobre Derecho del Mar (Montego Bay, Jamaica, 1982), Protección de la 102 5 Ingenieros, José: El hombre mediocre, Siglo Veinte, Buenos Aires, 1979, pág. 11. 6 Cano, Guillermo: Derecho, política y administración ambientales, Depalma, Buenos Aires, 1978, págs. 18, 85 y 318. Idem: Problemática jurídico política de los recursos naturales internacionales, La Ley 151-982. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 103 Capa de Ozono (Viena, 1985), Accidentes Nucleares (Viena, 1986), Transporte de Residuos Peligrosos (Basilea, 1989), Contaminación por Hidrocarburos (Londres, 1990), Recursos Hídricos Compartidos (Buenos Aires, 1991), Cooperación en Materia Ambiental con Chile (Buenos Aires, 1991), Sanidad Animal (Viña del Mar, Chile, 1991), Protección Ambiental en la Antártida (Madrid, 1991), Transporte Fluvial (Las Leñas, Argentina, 1992), Convención de N. U. sobre Cambio Climático (Nueva York, 1992), Cambio Global (Montevideo, 1992), Diversidad Biológica (Río de Janeiro, 1992), Lucha contra la Desertificación (París, 1994), Cooperación en Materia Ambiental con Bolivia (Buenos Aires, 1994), Seguridad Nuclear (Viena, 1994), Cooperación en Materia Ambiental con Brasil (Buenos Aires, 1996), (Desechos Radioactivos (Viena, 1997) y Acuerdo Marco sobre Medio Ambiente del Mercosur (Asunción del Paraguay, 2001). 4. LOS ARTÍCULOS 41 Y 43 DE LA CONSTITUCIÓN NACIONAL: Tal como aconteciera en Italia,7 la carencia de normas constitucionales antes de la década de 1980 en las provincias y de 1990 en la Nación, no fue obstáculo para el desarrollo teórico y normativo del Derecho Ambiental. Las primeras referencias ambientales de nivel constitucional aparecieron en las Cartas provinciales sancionadas una vez finalizado el período de gobierno militar 1976-1983. Así las constituciones de La Rioja y San Juan de 1986, establecieron el deber estatal de preservar el medio ambiente, mientras la Constitución de Santiago del Estero, del mismo año, colocó a cargo de las autoridades locales la “la protección del ecosistema” y del “equilibrio ecológico”. Más tarde todas las provincias argentinas, al igual que la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, incorporaron disposiciones de este tipo a sus normas fundamentales. En al ámbito Nacional cabe recordar que la Constitución de 1853, en su redacción originaria, no poseía disposiciones ambientales, aunque era posible inferir normas tutitivas del entorno humano y de la calidad de vida de algunas 7 Se considera, incluso, que la ausencia de una norma directa en la Constitución Italiana motivó una intensa actividad normativa tendiente a llenar ese vacío, sin dejar de reconocer que el artículo 9 de aquella (protección a la cultura, al arte, a la investigación, al patrimonio histórico-cultural y al paisaje) proporcionó el fundamento constitucional de la tutela de la naturaleza (Crosetti, Alessandro; Ferrara, Rosario; Fracchia, Fabrizio y Olivetti Rason, Nino: Diritto dell’ambiente, Laterza, Roma-Bari, 2002, págs. 45 y 46). También posee vinculación con nuestra materia el art. 32 de la Constitución Italiana de 1948 al disponer que “la República tutela la salud como derecho fundamental del individuo y en interés de la colectividad...”. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 103 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 104 de sus normas y principios fundantes. Así por ejemplo, surge del Preámbulo que los representantes provinciales a la Asamblea Constituyente de 1853 consolidaban la unión nacional con el objeto de “promover el bienestar general”, enumerándose entre las facultades del Poder Legislativo “proveer lo conducente a la prosperidad del país, al adelanto y bienestar de las provincias”. El artículo 14 bis de la Constitución Nacional, incorporado en el año 1957, asegura al trabajador “condiciones dignas y equitativas de labor”. En las “Primeras Jornadas Argentinas de Derecho y Administración Ambientales (Buenos Aires, abril de 1974), se había recomendado que cuando la Constitución Nacional fuera reformada se agregara una norma indicando que “los habitantes, las autoridades públicas y las personas jurídicas, tienen el deber de cumplir y de no omitir los actos conducentes a la preservación del entorno y la calidad de vida, o a la corrección del deterioro ya sufrido por estos”. Algún tiempo después, el “Primer Congreso Argentino del Ambiente” (Buenos Aires, agosto de 1981), recomendó “el reconocimiento expreso, a nivel constitucional, de un derecho subjetivo a vivir en un medio ambiente digno”. Asimismo se había destacado la necesidad de incorporar normas ambientales a la Constitución Nacional en el “Seminario Internacional sobre protección jurisdiccional de intereses ambientales” (Mendoza, 1985) y en el “Dictamen Preliminar del Consejo para la Consolidación de la Democracia” (octubre de 1986). Si bien no resulta imprescindible colocar el Derecho Ambiental en el nivel constitucional8 – o en todo caso se encuentra implícito en el elemental reconocimiento del derecho a la vida y a la salud propio de toda Carta Fundamental, parece conveniente hacerlo para resaltar su trascendencia y para dotar de sustento a la legislación inferior. En Argentina, finalmente, la reforma de agosto de 1994, introdujo las siguientes normas que aportan el fundamento constitucional del Derecho Ambiental: Artículo 41: Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras; tienen 8 104 Italia aún no lo ha hecho y sin embargo ha sido pionera, con su Ley de 1986, en el tratamiento de un capítulo esencial de nuestra materia como es la responsabilidad por daño ambiental. La Ley Constitucional de Francia nº 205 data de marzo de 2005 aunque la doctrina y la jurisprudencia se ocupa del tema ambiental desde hace décadas. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 105 el deber de preservarlo. El daño ambiental generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley. Las autoridades proveerán a la protección de este derecho, a la utilización racional de los recursos naturales, a la preservación del patrimonio natural, cultural y de la diversidad biológica, y a la información y educación ambientales. Corresponde a la Nación dictar las normas que contengan los presupuestos mínimos de protección, y a las provincias, las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones locales. Se prohíbe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos, y de los radioactivos. Artículo 43: Toda persona puede interponer acción expedita y rápida de amparo... Podrán interponer esta acción... en lo relativo a los derechos que protegen al ambiente, así como a los derechos de incidencia colectiva en general, el afectado, el defensor del pueblo y las asociaciones que propendan a esos fines, registradas conforme a la ley, la que determinará los requisitos y formas de su organización. El tratamiento puntual de los contenidos de los artículos 41 y 43 de la Carta Magna es tan variado como significativo y su breve glosa permite exponer un panorama bastante completo del desarrollo del Derecho Ambiental argentino: 4.1 Derecho a un desarrollo sustentable o sostenible La Constitución reconoce el derecho de todo habitante del territorio argentino para exigir que su salud y su calidad de vida no resulten agredidas y para que se adopten las medidas administrativas y judiciales tendientes a mantener un determinado nivel de equilibrio entre las necesidades del desarrollo y el cuidado del entorno, posibilitando el tránsito desde la etapa agroganadera de la economía a un desarrollo industrial, iniciado a mediados del siglo pasado pero que registra un ritmo extremadamente lento. La Argentina necesita urgentemente recuperar el nivel socio-económico que supo Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 105 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 106 tener hasta mediados del siglo XX. Solo de esta manera podrá lograr la plena ocupación de sus recursos humanos, ya que el elevado índice de desempleo – que se mantiene en dos dígitos a pesar de los esfuerzos gubernamentales en contrario – genera pobreza extrema e impone el aprovechamiento de los importantes recursos naturales que provee la agricultura, la ganadería, la minería y la extracción de hidrocarburos. Sin embargo todas las actividades creadoras de puestos de trabajo y riqueza social, fundamentalmente las industriales y proveedoras de servicios, deben llevarse a cabo evitando el agotamiento de aquellos recursos. De igual manera, la armonía entre la actividad humana y la naturaleza impone el cuidado de las especies en peligro de extinción, la conservación de la biodiversidad, de los suelos y de los bosques. El derecho de todo ciudadano a ver satisfechas sus necesidades presentes encuentra como límite la obligación de reconocer y garantizar ese mismo derecho a las generaciones futuras. El principio constitucional del desarrollo sustentable condiciona la evolución económica (la creación de bienes y servicios, necesarios y suntuarios) a la obtención del menor sacrificio posible del entorno. Aún cuando posean apariencia de bienes eternamente renovables, el suelo, el aire y el agua son finitos y pueden agotarse definitivamente y, con ellos, la vida misma. Por esa razón, frente al casi inevitable daño ambiental, el principal deber de la humanidad será “recomponer” el recurso ambiental afectado, es decir, restituirlo al nivel de calidad anterior y solamente en el caso en que ello no sea posible reemplazar la recomposición por una indemnización pecuniaria La idea de abogar por un desarrollo sustentable, en el sentido de propiciar la evolución de la economía con un adecuado nivel de tolerancia por parte de los recursos ambientales ya aparece en la Declaración de Estocolmo sobre el Medio Humano de 1972 (Principios 2.º, 8.º, 10.º y 13.º) y fue ratificada y potenciada veinte años más tarde en la Declaración de Río de Janeiro sobre Medio Ambiente y Desarrollo, al afirmarse en forma categórica que “el derecho al desarrollo debe ejercerse en forma tal que responda equitativamente a las necesidades de desarrollo y ambientales de las generaciones presentes y futuras” (Principio 3º), aclarándose que “a fin de alcanzar el desarrollo sostenible, la protección del medio ambiente deberá constituir parte integrante del proceso de desarrollo y no podrá considerarse en forma aislada” (Principio 4.º). A su turno la Convención de las Naciones Unidas sobre Cambio Climático (Protocolo de Kyoto de 1997), dispone la reducción en la emisión de gases de efecto invernadero como una manera de 106 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 107 evitar los cambios climáticos y promover el desarrollo sostenible de las actividades agrícolas (art. 2). Finalmente cabe recordar que el Tratado de la Constitución de la Unión Europea (Roma, 2004) expresa que en las políticas de la Unión se integrarán y garantizarán, conforme al principio de desarrollo sostenible, un nivel elevado de protección del medio ambiente y la mejora de su calidad (art. II, 97). 4.2 Deber de toda persona El derecho de todos configura también el deber de todos. No se tolera ni la acción ni la omisión que pueda degradar el ambiente. La obligación legal de realizar estudios de impacto ambiental cualquiera sea el tipo de actividad que realicen los particulares (industrial, comercial y de servicios) y la atribución estatal de otorgar (o negar) certificados de aptitud ambiental, apunta al control de cumplimiento de este deber esencial. 4.3 Obligación de las autoridades La protección del entorno constituye una obligación esencial del Estado nacional, provincial y municipal. Se ratifica así – constitucionalmente – la existencia previa de una compleja organización ambiental (ministerios, secretarías de Estado, áreas comunales) con competencia específica e irrenunciable. Las autoridades deben organizar actividades de fomento tendientes a preservar el medio (exenciones impositivas, educación ambiental, créditos para inversiones en industrias “limpias”) y obtener la utilización racional de los recursos naturales, la preservación del patrimonio natural y cultural y la diversidad biológica. 4.4 Poder de policía ambiental La complejidad de la cuestión ambiental y la cada vez más insidiosa actividad del hombre hacen que el fomento estatal no sea suficiente. Para implementar un adecuado control de las actividades potencialmente perjudiciales para el entorno las normas nacionales, provinciales y municipales organizan sistemas más o menos complejos de evaluación de impacto ambiental, conforme Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 107 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 108 lo establecido en el Principio 17.º de la Declaración de Río de Janeiro,9 al igual que mecanismos de fiscalización y sanción de los infractores a las normas de protección del entorno.10 Una condición previa y necesaria para llevar a cabo esa labor de fiscalización es contar con leyes que establezcan los niveles o estándares de tolerancia de las actividades perjudiciales para el entorno y, debido al sistema federal de gobierno que rige en la organización política argentina, establecer si será el Congreso Nacional o las legislaturas locales quienes deberán dictar la pertinente legislación. Cabe recordar en este sentido que el poder de policía ambiental aparece compartido entre la Nación y las provincias, generando complejos problemas de distribución de competencias o, si se prefiere, de atribución de potestades. Como es de imaginar cada ámbito estatal reclama para sí más y mayores incumbencias. En el tema que nos ocupa, por efecto del artículo 41 bajo examen, corresponde al Poder Legislativo Federal fijar los presupuestos mínimos de protección, sancionando las pertinentes leyes-marcos que serán complementadas por las legislaturas locales. Debido a que la aplicación concreta (procedimiento administrativo y proceso judicial) de todas las leyes nacionales corresponde a los gobiernos locales (con excepción de los asuntos en que sea parte el Estado Nacional) y al imprescindible resguardo de la efectividad de la gestión (como respuesta a la necesaria inmediación frente a los causantes del deterioro ambiental), en todos los casos la autoridad de aplicación será la organización administrativa ambiental provincial y municipal. La señalada distribución de competencias entre el Estado Federal y los Estados locales aparece inspirada por el artículo 149.1.23 de la Constitución del Reino de España de 1978 (a su vez consecuencia de la aplicación del principio de subsidiariedad en la distribución de competencias entre la UE y los países que la componen) donde se establece que el Estado Central español tiene competencia exclusiva respecto de “la legislación básica sobre protección del medio ambiente, sin perjuicio de las facultades de las comunidades autónomas de establecer normas adicionales de protección”. 9 “Deberá emprenderse una evaluación del impacto ambiental, en calidad de instrumento nacional, respecto de cualquier actividad propuesta que probablemente haya de producir un impacto negativo considerable en el medio ambiente y que esté sujeta a la decisión de una autoridad nacional competente”. 10 Las sanciones típicas el poder de policía ambiental, que podrán ser acumulativas, son las siguientes: apercibimiento, multa, clausura temporaria o definitiva del establecimiento, suspensión de la actividad, cancelación de la autorización para funcionar. 108 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 109 En el texto de la Constitución Argentina “legislación básica” ha sido reemplazada por “presupuestos mínimos de protección”; “comunidades autónomas” por “provincias” y “normas adicionales” por “normas necesarias para complementarlas” Ocho años después de efectuada la reforma constitucional, en medio de un debate doctrinario sobre el alcance a otorgar a la expresión “presupuestos mínimos de protección”, el Congreso Nacional intentó –sin éxito- cerrar la disputa sancionando la Ley General del Ambiente nº 25.675 (2002), cuyo artículo 6 dispone: Se entiende por presupuesto mínimo, establecido en el artículo 41 de la Constitución Nacional, a toda norma que concede una tutela ambiental uniforme o común para todo el territorio nacional, y tiene por objeto imponer condiciones necesarias para asegurar la protección ambiental. En su contenido, debe prever las condiciones necesarias para garantizar la dinámica de los sistemas ecológicos, mantener su capacidad de carga y, en general, asegurar la preservación ambiental y el desarrollo sustentable. A pesar de la transcripta definición legal, la referencia a los “presupuestos mínimos de protección” de la Constitución Argentina, posee la suficiente imprecisión como para generar dudas respecto de su alcance en situaciones concretas, y sigue provocando conflictos de competencia entre las autoridades federales y las provinciales ya que estas conservan para sí todas las atribuciones que expresamente no hayan sido colocadas a cargo del Gobierno Nacional por la propia Carta Magna.11 Así por ejemplo cabe preguntarse cuál será la solución al latente conflicto entre la Ley Nacional 24.051 (1991) que consiente y regula el tránsito interprovincial de residuos peligrosos (arts. 1, 4, 23, 26 y 30) y el artículo 28 de la Constitución de la Provincia de Buenos Aires que, lisa y llanamente, prohíbe el ingreso al territorio bonaerense (así sea temporario o en tránsito) de ese tipo de desechos. Sin perjuicio de estas situaciones precisas que deberá dilucidar paulatinamente la jurisprudencia, parece claro que la expresión “presupuestos mínimos” aluden a un nivel de protección ambiental “de piso”, por debajo del 11 Esta es una diferencia esencial con el sistema constitucional español donde el Estado Nacional se reserva para sí aquellas atribuciones que no hayan sido asignadas expresamente a las comunidades autónomas (art. 149.3). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 109 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 110 cual no le es dado ubicarse a las legislaciones locales que, en cambio, pueden regular condiciones (o estándares) de tutela ambiental más exigentes, sin entrar por ello en colisión con la legislación federal. 4.5 Residuos peligrosos y radioactivos La prohibición del ingreso a territorio argentino de residuos peligrosos y radioactivos, correlaciona con el convenio internacional de control de movimiento de residuos peligrosos suscripto en Basilea en 1986, donde se reconoce a todo Estado “el derecho soberano de prohibir la entrada o la eliminación de desechos peligrosos y de otros desechos ajenos en su territorio”. 5. REPARACIÓN DEL DAÑO AMBIENTAL La responsabilidad de los particulares y del Estado por los perjuicios que se ocasionen al medio es uno de los aspectos más desarrollados del Derecho Ambiental argentino. De allí que lo tratemos con algún detenimiento. 5.1 Concepto de daño ambiental Prácticamente todas las actividades humanas afectan en mayor o en menor medida al ambiente natural ¿Cuando corresponde considerar que estamos frente a un supuesto de daño que pone en marcha la responsabilidad del agente? El Principio n.º 6 de la “Declaración de Estocolmo de 1972 sobre Medio Humano”, reclama que se ponga fin a ciertas actividades nocivas “para que no se causen daños graves irreparables a los ecosistemas”. La magnitud del daño deberá medirse en relación a las circunstancias de cada caso en particular. El artículo 2618 del Código Civil argentino (reformado en 1968), claramente influenciado por el artículo 844 del Código Civil italiano,12 establece que “las molestias que ocasionen el humo, calor, olores, luminosidad, ruidos, vibraciones o daños similares por el ejercicio de 12 Cód. Civil italiano, art. 844: “El propietario de un inmueble no puede impedir las emanaciones de humo o de calor, las exhalaciones, los ruidos, las vibraciones o similares propagaciones derivadas del inmueble vecino, s i n o s u p e r a n l a n o r m a l t o l e r a n c i a , t e n i e n d o a s i m i s m o e n c u e n t a l a s c o n d i c i o n e s d e l l u g a r”. Este artículo ha servido de fundamento para los particulares que han reclamado indemnizaciones por daños ocasionados al ambiente y a sus propios derechos subjetivos (Fracchia, Fabrizio: L’inquinamiento acústico, CEDAM, Milán, 2001, pág. 139). 110 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 111 actividades en inmuebles vecinos, no deben exceder la normal tolerancia teniendo en cuenta las condiciones del lugar y aunque mediare autorización administrativa”. Este criterio, instaurado para reglar las relaciones particulares ente vecinos, trasladado al terreno del daño colectivo ambiental (daño público), ha hecho que solamente se admita que existe responsabilidad cuando el perjuicio a los recursos ambientales reviste una gravedad que excede los límites o estandares considerados normales o tolerables. La cuestión remite a una delicada casuística y será el juez, en cada caso, quien deberá determinar la normal tolerancia y el agravio excesivo. Nótese que el corte de un árbol –salvo circunstancias muy excepcionales- puede considerarse un acto humano indiferente para el medio pero la tala clandestina de todo un bosque configura, sin duda, un daño ambiental indemnizable. Uno de los primeros amparos ambientales prosperó para evitar la captura de unos pocos mamíferos marinos que habitaban en la enorme la plataforma continental del Atlántico Sur y para resolver afirmativamente el pedido de un particular preocupado por la situación el juez interviniente tuvo en cuenta que se trataba de una especie animal en extinción.13 En esa dirección la Ley General del Ambiente nº 25.675 (2002) define al daño ambiental “colectivo” o “público” (es decir aquel que excede el mero interés de una o más víctimas identificables) “como toda alteración relevante que modifique negativamente al ambiente, sus recursos, el equilibrio de los ecosistemas, o los bienes o valores colectivos” (art. 27). Por su parte la Ley de Residuos Industriales n.º 25.612 (2002) ratifica este enfoque cuando manda que las plantas de tratamiento de ese tipo de desechos operen “bajo normas de higiene y seguridad ambientales que no pongan en riesgo ni afecten la calidad de vida de la población, en forma significativa”(art. 29). 5.2 Factor de imputación El Principio 13.º de la Declaración de Río sobre Medio Ambiente y Desarrollo (1992) establece que los estados deberán desarrollar la legislación nacional relativa a la responsabilidad y la indemnización respecto de las víctimas de la 13 En el año 1983 la Justicia argentina revocó la autorización oficial otorgada a una empresa de acuarios japoneses para capturar 14 delfines o toninas (Causa Kattan c/ Secretaría de Intereses Marítimos, Revista La Ley 1983-D-575). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 111 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 112 contaminación y otros daños ambientales. Los Estados deberán cooperar asimismo de manera expedita y más decidida en la elaboración de nuevas leyes internacionales sobre responsabilidad e indemnización por los efectos adversos de los daños ambientales causados por las actividades realizadas dentro de su jurisdicción, o bajo su control en zonas situadas fuera de su jurisdicción. En el pasado la responsabilidad por daño ambiental en la Argentina se apoyaba en dos instituciones jurídicas propias del Derecho Civil: la teoría del riesgo creado por el mal uso o el vicio atribuible a una cosa14 y las molestias sufridas por las relaciones de vecindad, contempladas en el antes transcripto artículo 2618 del Código Civil.15 En este último caso, cuando las molestias exceden el nivel “normal” los jueces fijan una indemnización compensatoria del agravio a la calidad de vida y, naturalmente, pueden ordenar el cese de la actividad dañosa. Actualmente se reconoce que la responsabilidad por daño ambiental posee una particularidad que la diferencia de la responsabilidad civil en su formulación primigenia: su carácter objetivo, ajeno a todo reproche de índole subjetivo hacia el agente causante del perjuicio.16 El simple nexo causal entre la conducta del particular o del Estado y el perjuicio obliga a restituir el nivel de calidad ambiental y/o a indemnizar los perjuicios ocasionados, sin necesidad de acreditar dolo o negligencia. Resultan, en este sentido, “objetivamente” indemnizables los daños ocasionados por escapes de humos tóxicos, rotura de diques o embalses, derrames de hidrocarburos o sustancias contaminantes en cursos de agua, etc.17 El propio 14 Código Civil, art. 1113: “La obligación del que ha causado un daño se extiende a los daños que causaren ... las cosas de que se sirve, o que tiene a su cuidado”. 15 Código Civil, art. 2618: “Las molestias que ocasionen el humo, calor, olores, luminosidad, ruidos, vibraciones o daños similares por el ejercicio de actividades en inmuebles vecinos, no deben exceder la normal tolerancia teniendo en cuenta las condiciones del lugar y aunque mediare autorización administrativa para aquellas. Según las circunstancias del caso, los jueces pueden disponer la indemnización de los daños o la cesación de tales molestias. En la aplicación de esta disposición el juez debe contemporizar las exigencias de la producción y el respeto debido al uso regular de la propiedad; asimismo tendrá en cuenta la prioridad en el uso. El juicio tramitará sumariamente”. 16 Se presenta así una diferencia sustancial con el régimen italiano, en tanto la Ley 349/86 di istituzione del Ministero dell’ambiente y norme in materia de danno ambientale establece la obligación de indemnizar los perjuicios ocasionados por “cualquier hecho doloso o culposo en violación de disposiciones legales o reglamentarias”, colocándose en el terreno de la responsabilidad “subjetiva”. 17 Convención de Viena sobre Responsabilidad Civil por Daños Nucleares, art. IV, inc. 1.º Ley de la Nación Argentina n.º 24.051 sobre Residuos Peligrosos, art. 45. Esta última norma lleva la responsabilidad objetiva al extremo de disponer que “el dueño o guardián de un residuo peligroso no se exime de responsabilidad por demostrar la culpa de un tercero de quien no debe responder, c u y a a c c i ó n p u d o s e r e v i t a d a c o n e l e m p l e o d e l d e b i d o c u i d a d o y a t e n d i e n d o a l a s c i r c u n s t a n c i a s d e l c a s o” (Art. 47). 112 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 113 examen de la prueba tendiente a acreditar el nexo causal se ha visto influenciado por el carácter tuitivo del Derecho Ambiental y las complejidades técnicas de la materia, resolviéndose en ese sentido que, “verificado el daño ambiental por contaminación no puede discutirse que existe un daño a la salud indemnizable en los vecinos cercanos a la planta industrial de la empresa contaminante”.18 El precedente criterio jurisprudencial fue consagrado en el artículo 28 de la Ley 25.675: El que cause el daño ambiental será objetivamente responsable de su restablecimiento al estado anterior a su producción. En caso de que no sea técnicamente factible, la indemnización sustitutiva que determine la justicia ordinaria interviniente deberá depositarse en el Fondo de Compensación Ambiental que se crea por la presente, el cual será administrado por la autoridad de aplicación, sin perjuicio de otras acciones judiciales que pudieran corresponder. Expresamente se aclara que la exención de responsabilidad solo se producirá acreditando que, a pesar de haberse adoptado todas las medidas destinadas a evitarlo y sin mediar culpa concurrente del responsable, los daños se produjeron por culpa exclusiva de la víctima o de un tercero por quien no debe responder (art. 29). 5.3 Legitimación judicial activa y pasiva. Acciones de restitución e indemnización: La legitimatio ad causan no es otra cosa que la facultad de acudir ante los jueces y requerir el dictado de una sentencia favorable. La Suprema Corte de Justicia de la Provincia de Buenos Aires sostuvo que la legitimación viene determinada por la posición del actor respecto de la pretensión procesal.19 Conviene recordar en este punto que el artículo 41 de la Constitución Nacional 18 Cámara Federal de La Plata, Sala I, Maceroni vs. Dirección Gral. de Fabricaciones Militares. 19 Pérez c/ Artola, 6.9.94, J.A. 1995-I-556. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 113 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 114 establece que “el daño ambiental generará prioritariamente la obligación de recomponer”20 y que el artículo 28 de la Ley 25.675 impone el “restablecimiento al estado anterior a su producción”. En lógico correlato su artículo 30 dispone que “producido el daño ambiental colectivo, tendrán legitimación para obtener la recomposición del ambiente dañado, el afectado, el Defensor del Pueblo y las asociaciones no gubernamentales de defensa ambiental, conforme lo prevé el artículo 43 de la Constitución Nacional, y el Estado Nacional, provincial o municipal; asimismo quedará legitimado para la acción de recomposición o de indemnización pertinente, la persona directamente damnificada por el hecho dañoso acaecido en su jurisdicción” (art. 30). Aparecen así consideradas las dos acciones ambientales posibles (acción colectiva de recomposición del entorno al estado anterior al hecho dañoso y acción individual de cobro de la indemnización de los daños y perjuicios sufridos por una o más personas) y su correlativo vinculo con la legitimación procesal activa. Cuando el agravio ha sido inferido a la colectividad en su conjunto, supuesto en el cual se ha perjudicado al entorno globalmente considerado (daño colectivo), podrá accionar cualquier persona (“el afectado” en la terminología del transcripto art. 30), el ombudsman y las asociaciones civiles ambientales, con el objeto de obtener la recomposición del medio dañado. Si la restauración del entorno no es posible se establece el monto del perjuicio y la suma resultante debe ser depositada por el responsable en el Fondo de Compensación que será administrado por la repartición estatal competente. En cambio si mediante una conducta ambientalmente nociva se ha dañado la salud, el patrimonio o la calidad de vida de una persona determinada (daño individual) aparecerá legitimada la víctima concreta del siniestro, quien deberá demostrar cabalmente esa condición y percibirá la correspondiente indemnización dineraria. Retornando al análisis de la expresión “afectado”, consideramos que los términos amplios de los artículos 41 y 43 de la Constitución Nacional permiten concluir que todo daño ambiental afecta el derecho colectivo, social o difuso a vivir en un medio equilibrado y sano del que goza toda persona. Frente a la agresión del entorno, consumada mediante la violación del deber de no 20 Es también la solución de la reciente Ley Constitucional de Francia 2005-205, al establecer que “toda persona debe contribuir a la r e p a r a c i ó n de los daños que ella cause al ambiente, en las condiciones definidas por la ley” (art. 4) 114 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 115 dañarlo, existe una facultad de reacción procesal que legitima a toda persona por el solo hecho de habitar en el territorio argentino.21 Ratifica este criterio amplio la previsión del art. 32 de la ley bajo análisis en tanto dispone que “el acceso a la jurisdicción por cuestiones ambientales no admitirá restricciones de ningún tipo o especie”. Respecto del sujeto legitimado para percibir la indemnización en los casos de daños colectivos no susceptibles de reparación en especie o restitución de la calidad ambiental dañada, en circunstancias muy precisas, tal como acontece en Italia,22 la jurisprudencia argentina había considerado acreedor a un ente estatal, por considerar que son las personas públicas ideales quienes, al representar el interés de la sociedad en su conjunto, deben percibir la correspondiente indemnización para invertirla en la atención de asuntos de interés general. Actualmente –como se verá seguidamente- cuando no existe una víctima concreta e identificable del siniestro, descartada la posibilidad de restitución del entorno al estado primigenio, los jueces establecen una indemnización pecuniaria que debe ser depositada en el Fondo de Compensación Ambiental reglado por la Ley 25.675. 5.4 Efectos de la sentencia La parte final del art. 33 de la Ley 25.675 establece que “la sentencia hará cosa juzgada y tendrá efecto erga omnes, a excepción de que la acción sea rechazada, aunque sea parcialmente, por cuestiones probatorias”. De manera que si la demanda no prospera debido a que el actor no ha logrado probar algunos de los extremos fácticos vinculados con la procedencia de la responsabilidad por el daño ambiental, el proceso podrá ser reiniciado. En cambio si la demanda por daño colectivo es acogida, en cuyo caso el juez siempre deberá decretar el cese de la actividad dañosa, los efectos de este aspecto de la sentencia –como es lógico- no se limitan a las partes actora y demanda sino que se proyectan sobre los terceros. 21 Ratificamos así nuestro criterio amplio en materia de legitimación que ya expusieramos en Botassi Carlos: Derecho Administrativo Ambiental, Edit. Platense, La Plata, 1997, pág. 111. 22 Carlesi, Francesca: La prevenzione e la riparazione del danno ambientale como oggetto di funcione amministrativa: riflessioni alla luce della Direttiva 2004/35/CE, comunicazione al Convegno “L’ambiente e l’attività amministrativa”, Teramo, 29-30 aprile 2005, AIDU-Università di Teramo. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 115 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 116 5.5 Seguro Ambiental y Fondo de Restauración: De acuerdo a lo establecido en el artículo 22 de la Ley 25.675, toda persona física o jurídica, pública o privada, que realice actividades riesgosas para el ambiente, los ecosistemas y sus elementos constitutivos, deberá contratar un seguro de cobertura con entidad suficiente para garantizar el financiamiento de la recomposición del daño que en su tipo pudiere producir; asimismo, según el caso y las posibilidades, podrá integrar un fondo de restauración ambiental que posibilite la instrumentación de acciones de reparación. 5.6 Fondo de Compensación Ambiental: La Ley bajo análisis dispone la creación de un Fondo de Compensación ambiental, “que será administrado por la autoridad competente de cada jurisdicción y estará destinado a garantizar la calidad ambiental, la prevención y mitigación de efectos nocivos o peligrosos sobre el ambiente, la atención de emergencias ambientales; asimismo, a la protección, preservación, conservación o compensación de los sistemas ecológicos y el ambiente” (art. 34). Como antes se dijo, en este Fondo se depositan las indemnizaciones por los daños y perjuicios irrogados al ambiente en general sin que exista una víctima identificable (art. 28). 6 LEGISLACIÓN AMBIENTAL No existe en la Argentina un Código del Ambiente, entendiendo por tal a un cuerpo normativo que acumule la totalidad o el mayor número posible de disposiciones vigentes sobre una materia dada. Están vigentes, empero, una cantidad muy significativa de disposiciones de nivel nacional, provincial y municipal e importantes “leyes-marcos” que enuncian los principios generales de la materia y establecen criterios rectores para la legislación específica que aborda el tratamiento de cada uno de los recursos ambientales en particular. 116 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 117 También resulta frecuente la presencia de disposiciones claramente ambientales en leyes destinadas a la regulación de los recursos naturales, como es el caso de los códigos rurales provinciales o el Código de Minería de la Nación. Las principales leyes ambientales sancionadas por el Congreso Nacional son las siguientes: Ley 24.051 (1991) de generación, transporte y tratamiento de residuos peligrosos. Fue reglamentada por el Decreto del Poder Ejecutivo n.º 831/1993. Decreto del Poder Ejecutivo nº 999/1992. Marco regulatorio para la prestación de los servicios de provisión de agua potable y desagües cloacales. Ley 25.612 (2002) de gestión integral de residuos industriales. Ley 25.670 (2002) de eliminación del uso de policlorobifenilos (PCBs). Ley 25.675 (2002). Ley General del Ambiente. Determina el bien jurídicamente protegido, los principios de la política ambiental, el concepto de “presupuesto mínimo”, los métodos de evaluación del impacto ambiental, la responsabilidad por daño ambiental, la competencia judicial en la materia, la educación e información ambientales, el Seguro Ambiental, el Fondo de Restauración y el Fondo de Compensación Ambiental. Está considerada la norma reglamentaria por excelencia del artículo 41 de la Constitución Nacional. 7 PROTECCIÓN ADMINISTRATIVA Y JUDICIAL DEL MEDIO AMBIENTE Como hemos visto, tanto la Constitución Nacional, como las constituciones provinciales y las leyes en general, reconocen el derecho de todo ciudadano a vivir en un medio apto para el desarrollo humano y consagran correlativamente el deber del Estado de proteger ese derecho. Con esta finalidad existen variados medios a los cuales puede ocurrir cualquier persona reclamando en sede administrativa o demandando en la instancia judicial para obtener el dictado de un acto administrativo o de una sentencia en defensa del medio ambiente. Cualquier habitante puede impugnar ante la autoridad administrativa competente la calidad de un proyecto de obra, servicio o actividad en general, denunciando que se trata de un emprendimiento perjudicial para el entorno. Para que este control social resulte efectivo las oficinas estatales deben hacer públicos los listados de los estudios de impacto ambiental presentados para su Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 117 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 118 evaluación23 y eventual aprobación. Cuando la autoridad ambiental lo considere oportuno convocará a una audiencia pública a fin de discutir entre empresarios y ciudadanos el impacto ambiental del proyecto. El organismo competente no podrá expedirse avalando la obra o actividad hasta tanto proporcione una respuesta fundada a las objeciones recibidas. En cuanto respecta a los emprendimientos en marcha, diversas oficinas estatales llevan a cabo diligencias de inspección y vigilancia para verificar el acatamiento a las normas ambientales. Las infracciones son calificadas como muy leves, leves, graves y muy graves y, según su magnitud, desembocan en la aplicación de sanciones cada vez más severas: apercibimiento, multas, suspensión total o parcial de la concesión, licencia o autorización oficialmente otorgada, caducidad de la misma, clausura temporaria o definitiva, parcial o total, del establecimiento.24 Sin necesidad de acudir previamente a la vía administrativa – excepto en el caso en que se impugne la legalidad de un acto administrativo de autorización para funcionar o el certificado de aptitud ambiental otorgado por una autoridad pública- cualquier persona puede demandar judicialmente y en forma directa el cese de una conducta nociva para el entorno. El denominado “proceso ambiental federal”, que se desarrolla ante los jueces federales con competencia civil ya que no existe un fuero especializado y que emplea como base del trámite el Código Procesal Civil y Comercial de la Nación modificado por algunas pocas disposiciones procesales de la Ley General del Ambiente n.º 25.675 (art. 7 sobre competencia judicial; art. 32 sobre acceso a la jurisdicción y facultades del juez), es considerado un proceso “de derecho público” en la medida en que apunte a la recomposición de un recurso ambiental y no al cobro de una indemnización por parte de un particular.25 Hace algunos años los jueces aplicaban un criterio restrictivo en materia de legitimación y, salvo honrosas excepciones, exigían la presencia de un derecho subjetivo vulnerado en cabeza del accionante. Más tarde, consolidada 23 Ley de la Prov. de Buenos Aires 11.723, arts. 10, 11, 16 y 17. 24 Ley de la Prov. de Buenos Aires 11.723, arts. 69 y 70. 25 Se trata de una nota trascendente ya que el carácter “público” del proceso impone al juez dotarlo de celeridad, le permite por su propia iniciativa ordenar medidas cautelares urgentes inaudita parte y veda la declaración de la caducidad de instancia por inactividad de la parte actora (Cámara Federal de La Plata, Sala II, Di Dio Cardalana, Edgardo c/ Aguas Argentinas S.A.” “El Derecho Ambiental” del 25.7.05, pág. 1, con comentario crítico de Bec, R. Eugenia y Franco, Horacio J.). Las facultades instructorias del juez en los procesos ambientales se explican porque no se trata de un juez “desinteresado” sino de un juez “parte, porque le interesa que el agua que bebe siga siendo fresca, cristalina, pura; porque le interesa que el aire que respira mantenga esa condición” (Pigretti, Eduardo A.: Derecho Ambiental Profundizado, La Ley, Buenos Aires, 2003, pág. 10). 118 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 119 la idea de que el mantenimiento de un ambiente sano constituye un derecho colectivo o de incidencia colectiva o difuso (compartido entre todos los habitantes), se consolidó paulatinamente un criterio amplio en materia de legitimación, admitiéndose la promoción de demandas por parte de personas que no invocaban un agravio personal diferente al que resulta de su condición de habitantes que consideran que la calidad del entorno está siendo agredida por la acción u omisión de terceros o del propio Estado. SÍNTESIS FINAL Todo lo hasta aquí expuesto permite arribar a algunas conclusiones finales respecto de la situación del Derecho Ambiental en la Argentina en los primeros años del Siglo XXI: Soporte normativo e institucional La materia ambiental posee intenso desarrollo constitucional y legal, tanto en el ámbito federal como en el plano provincial. Asimismo existen ministerios, secretarias de Estado, tratados internacionales e interprovinciales, normas comunitarias, atribuciones comunales y una serie de herramientas normativas de aplicación que permiten reconocer la presencia de una “organización ambiental” compleja. Cuestiones de competencia Las constantes dificultades existentes antes de 1994 para distribuir la competencia legislativa entre el Estado Nacional y las provincias ha encontrado un comienzo de solución atribuyendo al primero la potestad de fijar los “presupuestos mínimos de protección” y a las segundas la facultad de dictar leyes complementarias en sus respectivos distritos. Poder de policía ambiental Apoyados en la variada normativa vigente, los numerosos organismos administrativos ambientales de todo tipo y nivel tienen a su cargo el ejercicio del “poder de policía ambiental”. Sin embargo la contaminación de los Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 119 04_artigo_carlos_botassi.qxd 28.02.07 16:28 Page 120 recursos ambientales (sobre todo el agua y el aire), el empleo de sustancias cancerígenas como aceites refrigeradores de transformadores eléctricos, el nivel de ruido urbano, la deforestación y tala de bosques siguen presentes en la vida cotidiana. Un párrafo especial merece el tema de la pobreza extrema, sin duda el agravio principal a un mínimo nivel de calidad de vida que conmueve a la población y compromete a las autoridades. Es evidente que ha faltado “eficacia”, en el sentido de existencia de correlato entre el derecho positivo y la realidad. Si bien no es posible afirmar que estemos ante un mero “derecho simbólico”, y es mucho lo que se ha avanzado hacia el mejoramiento de la situación global, no es menos cierto que la cuestión ambiental está muy lejos de ser resuelta en plenitud. Principios ambientales La Ley General del Ambiente n.º 25.675 enuncia y define los siguientes: congruencia, prevención, precautorio, equidad intergeneracional, progresividad, responsabilidad, subsidiariedad, sustentabilidad, solidaridad y cooperación. Daño ambiental La responsabilidad es de tipo objetivo y genera, prioritariamente, la obligación de recomponer el perjuicio causado. El daño colectivo cuenta con un régimen de legitimación amplio, aunque se discute si comprende a cualquier habitante o solamente a quien logre demostrar algún tipo de interés directo o inmediato en el asunto. Control judicial Ante la falta de respuesta de la organización administrativa ambiental se acude cada vez más a los jueces en demanda de un mayor control de la actividad privada ambientalmente crítica y de limitación de la discrecionalidad técnica en la valoración administrativa de los hechos. El ensanche de la legitimación y de las facultades de los jueces, unido a los efectos erga omnes de las sentencias ambientales, reserva al Poder Judicial un rol esencial en nuestra materia. 120 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 121 MODERNIDADE: NASCIMENTO DO SUJEITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA Maria de Fátima S. Wolkmer* Sumário: Introdução; 1. Modernidade e Nascimento do Sujeito; 2. A Questão do Direito na Modernidade; Conclusão. Resumo: O artigo “Modernidade: Nascimento do Sujeito e Subjetividade Jurídica” procura demonstrar que a trajetória do pensamento moderno buscou nos seus primórdios a afirmação e emancipação da humanidade a partir da Razão. Nesse sentido, alçou o Sujeito à condição de centro indubitável da reflexão filosófica, da política, da cultura e do Direito. Abstract: The article “Modernity: Birth of the Subject and Legal Subjectivity” aims to demonstrate that the trajectory of the modern thought looked for the affirmation and emancipation of humanity from Reason in its origin. In this sense, it raised the Subject to the condition of doubtless center of the philosophical reflection, of politics, of culture and of Law. Palavras-chaves: Modernidade, Sujeito, Subjetividade Jurídica, Razão, Individualismo, Universalismo, Racionalismo Moderno, Niilismo, Autonomia. Key-words: Modernity, Subject, Legal Subjectivity, Reason, Individualism, Universalism, Modern Rationalism, Nihilism, Autonomy. * Mestra e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Político pela UNISINOSRS. Profa. de “Introdução ao Estudo do Direito” na IES – da Grande Florianópolis. Coordenadora do Programa de PósGraduação em Direito da UNIPLAC-SC. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 121 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 122 INTRODUÇÃO A subjetividade é o tema central da Modernidade. Nela, a subjetividade expressa valores, como a liberdade e igualdade. Nesse sentido, foi a afirmação de que o homem é o que ele faz desprendido das crenças e culturas tradicionais. O Direito, nesse âmbito, decorre das exigências da razão humana. O quadro da reflexão jurídica altera-se de uma visão da necessidade de produzir uma ordem igual ao cosmos – como em Aristóteles ou Platão, onde o critério do justo estabelecia uma ordem hierárquica com cada um ocupando um lugar prédeterminado e desigual – para uma visão onde a igualdade é o critério do justo. A partir das teorias do Contrato Social, a lei passa a fundar-se sobre a vontade dos homens, forjando-se, com este regime da autonomia, as bases para uma nova normatividade ética, jurídica e política que caracterizaria a Modernidade. Assim, no presente texto serão traçadas algumas linhas desse pensamento. 1. MODERNIDADE E NASCIMENTO DO SUJEITO Um olhar histórico sobre a Modernidade envia-nos ao projeto sóciocultural que emergiu na Europa, a partir do século XVII, que provocou mudanças nos diversos setores da vida social, tendo como objetivo principal a afirmação e a emancipação da humanidade. Como assinala Fonseca,1 a construção filosófica da Modernidade tinha como pressuposto que todos os homens possuíam uma estrutura passional e uma razão uniforme, e que, apesar de todas as variações espaço-temporais, tornava possível a afirmação como regras gerais das descobertas, tanto da razão teórica como da razão prática. A existência, desde então, seria conduzida a partir da razão, com o conseqüente desencantamento do mundo, ou seja, a ciência substitui Deus e a Modernidade transfere as crenças religiosas para a vida privada. Nesse sentido, escreve Sérgio Rouanet, o racionalismo “implicava a fé na razão, em sua capacidade de fundar uma ordem racional, e na ciência, como instância habilitada a sacudir o jogo do obscurantismo e a transformar a natureza para satisfazer as necessidades materiais dos homens”.2 Assim, emancipar, 122 1 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 79. 2 ROUANET, Sérgio. Mal-estar na modernidade. p. 97, 120 e ss. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 123 significava, por um lado, libertar a consciência tutelada pelo mito e, por outro, usar a ciência, para tornar mais eficazes as instituições econômicas, sociais e políticas, no intuito de aumentar a liberdade do homem. Todo o percurso do pensamento moderno está assentado num pensamento filosófico que tem na subjetividade a sua principal identificação. A subjetividade passa, então, a ser a referência: da política, da sociedade, do conhecimento e também do direito. A organização do poder, a forma de encarar a sociedade, o modo de fundamentar as reflexões e a forma de regulamentar a vida social, tudo isso terá como referência mediata ou imediata (de acordo com as diversas fases históricas particulares) a figura do sujeito. Poderá se privilegiar nestes âmbitos um sujeito tomado de uma maneira monádica e egoística (como nas concepções mais radicais do liberalismo) ou poderá se enquadrar o sujeito num modo coletivista e social (como, no limite, o fizeram certas leituras do socialismo). Mas, no processo de formação da modernidade, será progressivamente o sujeito a referência básica da análise e o substrato do sistema político, social, científico e jurídico. A modernidade é, por excelência, a época da subjetividade.3 A subjetividade expressa-se através de algumas abstrações que lhe são fundamentais e que, de acordo com Rouanet, podem ser consideradas as seguintes características: universalidade, autonomia e individualidade.4 Pela universalidade, o ser humano é visto independentemente dos privilégios que o Ancien Regime compreendia como inerentes a certos grupos sociais, sendo considerado sem barreiras nacionais, étnicas ou culturais. É uma visão anti-hierárquica, com valores universais que trazem consigo uma força permanente de liberação dos preconceitos e das vinculações comunitárias e opõem-nos às sociedades que se encerram, voluntária e totalmente, na procura de suas diferenças, nos seus particularismos que os condena à cegueira e à paralisia.5 3 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 79. 4 Cf. ROUANET, Sérgio. Mal-estar na modernidade. p. 9 e 14. 5 Cf. TOURAINE, Alain. Crítica na modernidade. p. 335. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 123 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 124 O status que define o lugar que o indivíduo ocupava na sociedade foi substituído pelo contrato, como alicerce jurídico da sociedade. A universalidade quer significar, num primeiro momento, que a natureza humana não se define dentro das fronteiras nacionais, condenando todos os nacionalismos e outros particularismos, considerados como provincianos. No dizer de Fonseca, para o Iluminismo há o reconhecimento do princípio liberal da auto-determinação dos povos e o repúdio a todas as formas de imperialismos. Aceita a idéia de que entre a enorme variedade das culturas humanas existe uma uniformidade fundamental, a unidade da natureza humana – e, tendo-se que todas as formas de hierarquias (como aquelas das sociedades tradicionais) são rejeitadas por serem arbitrárias, todas as pessoas devem ser tratadas como iguais.6 O individualismo é a afirmação do indivíduo enquanto princípio e valor, e é mediante essa afirmação que todo aparato cultural, intelectual e filosófico da Modernidade pode caracterizar-se e comandar um novo imaginário. A idéia de modernidade, foi especialmente, a afirmação de que o homem é fruto da sua vontade, devendo existir uma correspondência cada vez maior entre a produção, “tornada mais eficaz pela ciência, pela tecnologia ou pela administração, e a organização da sociedade, regulada pela lei e a vida pessoal, animada pelo interesse, mas também pela vontade de se liberar de todas as opressões.”7 O individualismo constitui um elemento essencial da subjetividade moderna, e um dos aspectos mais libertadores da modernidade. Vale dizer: o indivíduo, em determinado momento histórico, emerge de sua comunidade, de sua cultura e de sua religião para ser tomado em si mesmo, a partir de suas exigências próprias e seus direitos intransferíveis a felicidade e a auto-realização. Nas palavras de Rouanet, o Iluminismo ‘questiona sistematicamente o estatuto imposto a cada um pelas circunstâncias do seu nascimento’ e o 124 6 FONSECA. Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 81. 7 BEDIN, Gilmar. Os direitos do homem... p. 25. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 125 seu ideal ‘é o da auto-formação, da Bildung Individual, o que pressupõe a apropriação da cultura pré-existente, mas pressupõe também a possibilidade de romper modelos e normas desta cultura’, precisamente a partir do indivíduo. Em suma, o sujeito é tomado em sua singular existência, como dotado das mesmas prerrogativas que seus pares (tomados como seus iguais).8 Por fim, a autonomia tem, na leitura de Rouanet, dois sentidos diversos: a liberdade (que se refere aos direitos de cada um) e a capacidade (que diz respeito ao poder efetivo de exercer os direitos). O conceito de autonomia cinde-se, também, em várias dimensões específicas: a autonomia intelectual que deve fazer com que as pessoas adquiram sua maioridade cultural e recusem toda a forma de tutela. A razão deve ser o guia (o único guia) no desvendamento do mundo, devendo ser recusadas todas as crenças e opiniões que não sejam rigorosamente guiadas por ela. Autonomia intelectual significa rejeitar as trevas em prol da luz da razão, a qual, além de tirar os homens do obscurantismo e da ignorância, também pode guiá-los em direção a uma emancipação nas esferas da vida social e política. Daí, vem a segunda dimensão de autonomia: a autonomia política, que significa a superação de toda forma de despotismo, na valorização da liberdade civil (entendida como a capacidade de o homem agir no espaço privado sem interferência ilegítima) e da liberdade política (entendida como a capacidade de o homem agir no espaço público). Há, finalmente, a autonomia econômica para poder produzir, consumir e fazer circular bens e serviços.9 Em seus trabalhos de antropologia comparada, Louis Dumont insistiu, com rigor, que as sociedades tradicionais, independentemente de se tratarem de sociedades primitivas ou sociedades medievais, são caracterizadas pela heteronomia. É necessário ressaltar que, nessas sociedades, a tradição deve ser acatada pelo indivíduo mesmo contra sua vontade. “É-lhe imposta de fora, sob forma de transcendência radical à qual os homens obedecem como às leis da natureza.” Isso faz com que a existência das pessoas esteja subordinada à tradição.10 8 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 81-82. 9 Cf. ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade. p. 11. 10 Cf. RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 28. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 125 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 126 Por oposição, a dinâmica moderna será, ao contrário, a da erosão progressiva desses conteúdos tradicionais, minados aos poucos pela idéia de auto-instituição, que a Revolução fará aflorar com particular vigor. Herdada das teorias do contrato social, seu princípio consiste em fundar a lei sobre a vontade dos homens, subtraindo-a, tanto quanto possível, à autoridade das tradições.11 O indivíduo, na Modernidade, afirma-se enquanto valor e princípio: enquanto valor, à medida que, na lógica da igualdade, um homem vale tanto quanto outro, fazendo com que a universalização do direito de voto seja a tradução política mais completa de tal valor; enquanto princípio, à medida que, na lógica da liberdade, apenas o homem pode ser por si mesmo, a fonte de suas normas e leis, fazendo com que, contra a heteronomia da tradição, a normatividade ética, jurídica e política dos modernos se filia ao regime da autonomia.12 Esse processo redimensionou as relações interpessoais da cultura, criando novos sistemas de representação, um novo imaginário social, estabelecendo, na dimensão político-jurídica, a mediação do direito entre o indivíduo e o Estado, e, na dimensão econômica, a dissolução das antigas formas produtivas do feudalismo, com o surgimento de uma nova classe social: a burguesia. Com a diferenciação das esferas de valor, cada dimensão vai adquirindo uma racionalidade, uma lógica própria, à medida que a nova visão de mundo vai se emancipando da visão tradicional. Como aponta Rouanet, a racionalização cultural envolve a dessacralização das visões tradicionais e a diferenciação em esferas de valores, até então embutidas na religião: a ciência, a moral, o direito e a arte.13 De acordo com Luiz Bicca, “é possível afirmar que somente quando a liberdade consegue se firmar como pressuposto filosófico, em bases sólidas 11 Cf. RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 30. 12 Idem. 13 ROUANET, Sérgio P. O mal-estar na modernidade. p. 121. 126 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 127 não-naturalistas, como critério ou ponto de vista fundamental para se pensar a subjetividade”,14 pode a auto-conservação humana ser analisada como princípio da ação independente de seus aspectos naturais fixos.15 A história da apreensão da investigação filosófica, diz Bicca, na qual se insere a filosofia moderna de modo geral (a epistemologia ou teoria do conhecimento), está dividida entre racionalismo e empirismo. De forma breve, “é possível descrever a vertente empirista por meio da tese de que a origem fundamental de todo conhecimento localiza-se na observação” enquanto, ao contrário, “insistiam os racionalistas encontrar-se tal origem nos atos de apreensão do puro intelecto, as idéias claras e distintas. Para o racionalismo moderno (...) encontrar a verdade é algo que depende de um apelo à razão.”16 Com o racionalismo, confiava-se que a razão humana, poderia elaborar por si mesma, ou melhor, a partir de si mesma, explicações suficientes. Como salienta Bicca, O racionalismo é assim, desde seus primórdios, (...), uma postura intelectual otimista: em seu centro está a crença de que a verdade é evidente, de que ela se revela – se não espontaneamente, ao menos por nosso intermédio (...). O conceito central na perspectiva do racionalismo é o da consciência de si, já secundário, por sua natureza e significado intelectualizante, na ótica do empirismo.17 A questão, conforme o autor, é que enquanto “os empiristas privilegiam a objetivação do EU”, os racionalistas claramente ressaltam a subjetivação do Eu, “fazendo da autoconsciência, como a certeza de si ou saber imediato de si, o fundamento de todos os saberes, a base da consciência, ou seja, do saber sobre algum outro, sobre as coisas, e sobre o mundo em geral.”18 Segundo Tugendhat, na história da filosofia da consciência, pode-se distinguir três momentos: 14 Cf. BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 179. 15 Idem. 16 BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 146. 17 BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 152-155. 18 Cf. BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 155. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 127 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 128 primeiramente, a etapa do cartesianismo, início histórico da guinada da ontologia para uma reflexão em torno da consciência, por meio da primazia que passa a ser concedida ao problema da fundamentação e da comprovação no conhecimento – que é concebido sempre, como conhecimento de cada indivíduo. Comprovar é neutralizar qualquer dúvida, estabelecendo, assim, a certeza. Duvidar, bem como, ter certeza, remete ao próprio indivíduo. Assim, uma primeira definição de consciência é o saber indubitável do indivíduo de que ele se encontra numa série de estados: sentir, desejar, querer etc. Consciência é um domínio interior, ao qual o indivíduo tem acesso imediato.19 a etapa seguinte, a kantiana, é aquela na qual o problema do acesso afeta as próprias questões ontológicas, ao contrário da etapa cartesiana, que teria deixada intocada a ontologia em si mesma.20 A análise ontológica dá lugar a uma reflexão da possibilidade da experiência e do problema da constituição de algo como objeto. A reflexão sobre a consciência promove um alargamento do domínio temático sobre a ontologia pré-moderna. Kant chama atenção para modalidades de consciência que não podem ser compreendidas como consciência do objeto – por exemplo, a consciência de mundo, isto é, da totalidade do que se pode experimentar que, enquanto tal, não é um objeto. Em Kant, toda experiência encerraria sempre uma referência ao mundo ou, dito de outro modo, o mundo está sempre pressuposto. Ademais, para Kant, é uma modalidade não objetiva (ou não-reificável) de consciência que constitui a consciência de objetos.21 a terceira e última fase, a heideggeriana (Ser e Tempo), “é marcada pelo abandono do termo ‘consciência’ em favor daquele outro de ‘abertura’ (...) no qual ‘mundo’, que permanece um 19 In: BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 189. 20 In: BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 189-190. 21 In: BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 190. 128 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 129 pressuposto (...), não é um substituto para a totalidade de objetos e sim a totalidade de um contexto de sentido no qual um homem se compreende.”22 Reconhece-se em René Descartes (1596-1650) o fundador da subjetividade e do racionalismo moderno. Devido a sua distinção entre corpo e alma, e, tomando-a como pressuposto, Descartes elaborou a certeza do cogito. Na sua concepção, o lugar do “eu penso” é o do sujeito que é, sendo independente do “eu sou”. Descartes foi o filósofo que ultrapassou “o paradigma do ser em direção ao paradigma da consciência, ou seja, é aquele que substitui a busca do fundamento da filosofia num substrato material (como os gregos) ou teológico (como os teólogos medievais) para situá-la na própria consciência do homem: a partir de agora, é a razão que passa a ser o ponto de partida para o filosofar e o guia para desvelar o mundo.”23 Partindo da premissa de que é necessário colocar tudo em dúvida metodicamente, escrevem Strauss e Cropsey que, Descartes coloca em cheque toda a tradição cultural, todos os saberes que foram transmitidos, como também todas as crenças que são adquiridas pelos sentidos: é necessário duvidar de tudo para a partir daí reconstruir, pela razão, o caminho que leva às certezas. Descartes hiperboliza as dúvidas, pois o único caminho seguro para superá-las é enfrentando-as e atravessando-as (jamais evitando-as). É somente à medida que todas as idéias são colocadas em dúvida – até mesmo aquelas mais claras, que o espírito considera em princípio evidentes – é que ela permite extrair um núcleo de certeza, que cresce à medida que ele se radicaliza.24 Descartes se opõe à finalidade do pensamento filosófico que o precedera, pois sua abordagem abandona as especulações, em favor do conhecimento útil. Para o autor, só um método rigoroso pode superar o predomínio da paixão diante da razão, à medida que “os prejuízos causados por 22 BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. p. 190. 23 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 64. 24 STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 403-404. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 129 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 130 nossos apetites ou paixões, desde a infância, governam nossas percepções sensoriais e não podem ser corrigidos por um tipo de razão que, serve a ditas paixões.” Sendo assim, todo pensamento filosófico, que o precedeu, que tinha como ponto de partida a percepção sensorial estava eivado de erros, pois não dispunha de um método. “O método pode sanar os defeitos naturais ou as desproporções da natureza do homem, tomando como modelo a matemática, que, sendo exata, não deve nada aos sentidos nem ao corpo.”25 Assim, a primeira regra do método será o abandono de todas as opiniões que não são claras e distintas ou a mudança daquelas opiniões pouco confiáveis que são os fundamentos de nossa própria vida.26 Nesse sentido, a dúvida é o procedimento elaborado por Descartes para relativizar nossa confiança nos sentidos e nas imagens que deles provêm, que formam aquilo que chama “os ensinamentos da natureza” e que ele considera uma atitude natural.27 Descartes foi atingido pela profunda dúvida que se seguiu ao deslocamento de Deus do centro do universo, mas colocou-o como o impulsionador, o primeiro movimento de toda criação; daí em diante, ele explicou o resto do mundo inteiramente em termos mecânicos e matemáticos.28 Para isso, Descartes centrou-se em duas substâncias distintas: a substância espacial (matéria) e a substância pensante (mente). Ele focalizou, assim, aquele grande dualismo entre a ‘mente’ e a ‘matéria’ que tem afligido a Filosofia desde então. As coisas devem ser explicadas, ele acreditava, por uma redução aos seus elementos essenciais à quantidade mínima de elementos e, em última análise, aos seus elementos irredutíveis. No centro da ‘mente’, ele colocou o sujeito individual, constituído por sua capacidade para raciocinar e pensar ‘cogito ergo sum’ que era a palavra de ordem de Descartes: penso, logo existo. Desde então, esta concepção do sujeito racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento, tem sido conhecida como o sujeito cartesiano.29 25 STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 403-404. 26 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 404. 27 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 408. 28 Cf. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 26-27. 29 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 27. 130 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 131 Como escreve Ricardo Fonseca, o autor, através do “penso, logo existo” e da “dúvida metódica”, chega a um “ponto fixo”, inquestionável, ou seja, “a consciência que duvida e, por conseqüência, que pensa, é o limite; por outro lado, esta consciência, enquanto ser pensante localizado, à medida que pensa (e duvida) não pode ter sua existência colocada em dúvida.”30 Para Descartes, de acordo com Ricardo Fonseca, todo o resto pode ser colocado em dúvida, menos a existência do pensamento que duvida. “Em outras palavras, se eu duvido, eu mesmo, enquanto pensamento, me afirmo enquanto tal no próprio exercício da dúvida.” Se a dúvida existe, “então o pensamento, do qual a dúvida é uma modalidade, existe, e eu mesmo, que duvido, logo penso, existo necessariamente, ao menos como ser pensante.”31 Sendo assim, pode-se dizer que ao identificar-se o núcleo irredutível do conhecimento (a dúvida metódica), que Descartes menciona nas suas Meditações “atinge-se a certeza do pensamento da dúvida e, portanto, da existência do pensamento. Se duvido, penso; se penso, existo.”32 Constrói-se, então, o pensamento e, conseqüentemente, a noção de consciência, como ponto de partida básico da busca da verdade. Ainda, na assertiva de Fonseca, O homem não encontra mais em si a verdade divina, mas descobre a auto-evidência da verdade. Não existem mais formas ou essências transcendentes iluminando o mundo sensível e o processo de conhecimento, já que a verdade não se dá no céu das idéias inteligíveis mas na imanência do pensamento. E é a descoberta deste eu pensante em sua interioridade reflexiva que se constitui no princípio inaugural da filosofia moderna.33 Assim, com Descartes, inicia-se uma filosofia que brota da razão e na qual a consciência de si é o momento fundante da verdade. Certamente, com Descartes inaugura-se “a cultura dos tempos modernos, o pensamento da moderna filosofia. Nesse novo período, o princípio geral que regula e governa tudo no mundo é o pensamento que parte de si próprio.” Esse ponto de partida, “que é para si, essa cúpula mais pura da interioridade se afirma e se fortifica 30 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 66-68. 31 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 65-66. 32 Cf. FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 66. 33 Idem. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 131 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 132 como tal, relegando para o segundo plano e rechaçando como ilegítima a exterioridade morta da autoridade.”34 A virada dada por Descartes, como se pode notar, é decisiva em toda cultura ocidental, e inaugura um novo modo de pensar que definirá o argumento filosófico, a partir de então. Pode-se dizer, de um modo geral, que toda a reflexão jusnaturalista e contratualista, de certo modo, parte dos pressupostos do cartesianismo. A filosofia da Modernidade, enquanto filosofia da razão e da consciência, tem o seu ponto de inflexão precisamente nessa concepção de subjetividade, é definida a partir dos seus fundamentos. No segundo momento, a profunda reflexão de Kant, por sua vez, manifesta-se, sobretudo, através de suas três obras fundamentais: A Crítica da Razão Pura, A Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo.35 Kant, em sua Crítica da Razão Pura, admite que o conhecimento começa com a experiência, porém, nem todo conhecimento procede da experiência. É necessário perguntar-se, pois, como é possível a experiência, quer dizer, encontrar a possibilidade de toda experiência. Nesse sentido, os juízos a priori seriam as formulações independentes da experiência; os juízos a posteriori são os derivados da experiência.36 Kant lança, assim, o tema que irá transformar a filosofia e a estrutura de pensamento da era moderna: a existência dos juízos sintéticos a priori, que não derivam de nenhuma experiência e que seriam idéias puras ou categorias puras do conhecimento.37 Na sua filosofia transcendental, a investigação ocupa-se menos dos objetos, preocupando-se com o modo de os conhecer. E, “é aqui (no problema de como conhecer o mundo), que ele opera uma verdadeira ‘revolução coperniana’ na filosofia, moldando a idéia da subjetividade cognitiva.” Desse modo, se Copérnico reformulou o paradigma do cosmo tradicional, “segundo o qual o Sol girava em torno da Terra, Kant aduziu que não é o sujeito que se orienta pelo objeto, mas é o objeto que é determinado pelo sujeito, ou dito de outro modo, ao invés de a faculdade de conhecer ser regulada pelo objeto, é, na verdade, o objeto que é regulado pela faculdade de conhecer.”38 Como bem assinala Fonseca, para Kant, a filosofia, 34 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 67. 35 Cf. CALDERA, Alejandro S. El doble rostro de la post modernidad. p. 29. 36 CALDERA, Alejandro S. El doble rostro de la post modernidad. p. 30. 37 Idem. 38 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 69. 132 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 133 deveria se ocupar com os princípios, (...) a priori que seriam responsáveis pelas sínteses dos dados empíricos. Tais princípios, por sua vez, demonstram que todo conhecimento é constituído por sínteses de dados ordenados pela intuição sensível espaçotemporal, mediante as categorias apriorísticas do entendimento. São rejeitadas as noções de intuição intelectual (existentes na metafísica tradicional), já que a intuição é sempre sensível, é o modo como os objetos se apresentam a nós no espaço e no tempo, é a condição de possibilidades para que sejam objetos. Assim, o que conhecemos não é o real ou a ‘coisa em si’, mas sempre o real em relação com o sujeito do conhecimento.39 Kant considera que há uma identidade entre a natureza de nossa sensibilidade e a das sensações que emanam do mundo real. Portanto, trata-se de um processo de complementação de um mesmo elemento radicado no mundo real e no ser sensível.40 No entanto, ele salienta que “aquilo que capta os nossos sentidos não é o mundo físico senão suas emanações. Kant denomina sensações as emanações do mundo físico.” Essas são captadas pela nossa sensibilidade à medida que ambas são da mesma natureza. As sensações que Kant identifica “como emanações da natureza realizam uma dupla função: por um lado, entram em contato com nossos sentidos que as captam e, por outro, recobrem o mundo físico de tal forma que fica impossível ao ser humano entrar em comunicação com ele.”41 De acordo com essa formulação de Kant, nós só somos capazes de conhecer o fenômeno, porém não a substância. A ciência, portanto, é fenomênica.42 Kant não vê a possibilidade de conhecermos a substância ou a realidade do mundo físico por meio da ciência, porém, não nega que tal substância exista.43 A razão que contém “os juízos sintéticos a priori realiza uma dupla função: por um lado, organiza harmonizando as sensações de sons e de cores e, por outro, deduz os conceitos universais, como causa, ordem, uniformidade, 39 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 69-70. 40 Cf. CALDERA, Alejandro. El doble rostro de la postmodernidad. p. 32. 41 Idem. 42 Cf. CALDERA, Alejandro. El doble rostro de la postmodernidad. p. 32. 43 Idem. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 133 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 134 substância, que permitem fundar a ciência sobre a base de leis, relação de casualidade etc.”44 De acordo com Caldera, Quanto à primeira função de ordenamento sensorial, a razão só conhece o que pode ordenar e organizar e, só é capaz de ordenar o que pode conhecer. Neste caso, a organização em conceitos das sensações que foram captadas pelos nossos sentidos equivalem ao ato cognitivo devido a que existe uma mesma natureza das sensações do mundo físico, do sentido e da razão. Quanto à segunda função, que consiste em supor a existência da substância sob as sensações, a razão as realiza mediante os juízos sintéticos a priori que radicam em nosso eu, porém não no eu subjetivo, porém, no eu especial que Kant denomina de eu transcendental.45 Como descreve, ainda, Caldera, os juízos sintéticos a priori, não provêm da experiência, são universais, têm uma necessidade em si mesmo, existem em nossa razão e mais exatamente em nosso eu transcendental, permitem encadear logicamente os conceitos, estabelecer as relações de causalidade, generalizar as proposições, formular leis, ampliar o conceitos ao integrar o predicado no sujeito e, em conseqüência, fazem possível a existência da ciência. Diferentemente das idéias empíricas que se apoiam na experiência, existem idéias puras que não derivam de nenhuma experiência e por isso mesmo são necessárias e universais.46 Como a razão teórica inscreve-se “no campo do conhecimento (dandose a resposta à pergunta: ‘como é possível conhecer?’), é necessário avançar e buscar a dimensão prática da razão, que determina o seu objeto mediante a 44 CALDERA, Alejandro. El doble rostro de la postmodernidad. p. 33. 45 Idem. 46 CALDERA, Alejandro. El doble rostro de la postmodernidad. p. 34. 134 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 135 ação. Passa-se, pois à tentativa de responder à indagação: o que devo fazer? Será na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) e na Crítica da Razão Prática (1788) que Kant enfrentará a questão, na busca de respostas.”47 Na esfera da razão prática, conserva-se a crença em Deus, liberdade e imortalidade. Essas idéias formulam-se como postulados da razão prática e, portanto, estão inseridas na existência humana, pois, “é a razão no seu uso moral. Uma das noções centrais de tal crítica é a da boa vontade. Kant elabora a crítica da chamada ética dos bens, pois esta não pode proporcionar normas de ação absoluta.” Assim, delimita como morais, “os atos que fundamentam-se na boa vontade sem restrições. Por isso, nas divisões dos imperativos morais em hipotéticos e categóricos, só a estes últimos compete a moralidade absoluta.”48 Por outro lado, a vontade humana é o campo dos valores morais, isto é, o valor moral relaciona-se unicamente com a vontade humana, ou seja, a radicalização do bem na boa vontade. É de fato com Kant que a autonomia define-se como essência da subjetividade. Como assinala Fonseca, cabe destacar a centralidade de noção de autonomia de vontade na elaboração desta fundamentação para a ação. A autonomia deve ser entendida como a faculdade de dar leis a si mesmo – e a vontade moral será por isso vontade autônoma por excelência. É por isso que, (...), a ação é o terreno da liberdade – e esta está por sua vez calcada na vontade autônoma. O imperativo categórico afirma a autonomia da vontade como o único princípio de todas as leis morais e essa autonomia consiste na independência em relação a toda matéria da lei e na determinação do livre arbítrio mediante a simples forma legislativa universal de que uma máxima deve ser capaz.49 No entanto, o conceito de liberdade em Kant deve ser entendido como obediência a uma lei autoprescrita. Por outro lado, para Kant, precisamente por ser a pessoa humana o centro dos valores morais, ela é um fim em si mesma. A partir da apreciação de cada homem ser um fim com valor absoluto, surge o reino dos fins. “Isto é 47 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 70. 48 Cf. MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. p. 1843. 49 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição... p. 71-72. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 135 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 136 possível, porque todos os homens estão sujeitos à lei de que cada um deve tratar-se a si mesmo e tratar todos os outros, nunca como simples meio, mas sempre, ao mesmo tempo, como fim em si mesmo.” Trata-se, no entanto, de um critério formal, pois de acordo com o imperativo categórico, “toda ação exige a antecipação de um fim, isto é, o ser humano deve agir como se este fim fosse realizável. Não se estabelece o que deve ou não se deve fazer, mas tãosomente um critério instrumental e procedimental para a ação. Trata-se, portanto, de um critério formal, e não material de conduta (como os critérios religiosos, por exemplo, o são).”50 Por último, na contemporaneidade, cabe resgatar Martin Heidegger, como o primeiro filósofo que, desde Platão e Aristóteles, considerou prioritariamente a questão do Ser. A mais profunda importância de seu pensamento brota de sua preocupação com o niilismo que tem um significado metafísico e (um significado) moral. Heidegger enfrenta a questão do Ser em sua obra “Ser e Tempo”. Preocupou-se, nessa obra, em “tematizar a significação do Ser (Sein), mediante uma análise do Ser humano (Dasein) em função da sua temporalidade, chegando a um entendimento do Ser e do Tempo, examinando como se unem o homem e o ser histórico.”51 Para Strauss e Cropsey, a questão do Ser em Heidegger “é a fonte e o fundamento de todas as ontologias e os ordenamentos dos seres e, portanto, de todo entendimento humano.” Ao afastar essa questão, o homem perde a fonte de seu próprio conhecimento e “a capacidade de questionar de maneira mais radical, que é essencial para o pensamento autêntico e, por sua vez, para a liberdade autêntica.”52 Para Heidegger, dizem-nos Strauss e Cropsey, o homem “se reduz a essa besta calculadora, preocupada tão-só com sua sobrevivência e prazer, um ‘último homem’, na terminologia de Nietzche, para quem a beleza, a sabedoria e a grandeza não são mais que palavras.”53 Para enfrentar esse niilismo, segundo Heidegger, é necessário, apontam os autores, superar o esquecimento do Ser. Nesse contexto, a questão do Ser fica de lado, porque este é tido como evidente, “como o mais universal porém 50 GIALDI, Silvestre. Ética. Uma reflaxão da filosofia moral. p. 35. 51 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 836. 52 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 836. 53 Idem, ibidem. 136 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 137 o mais vazio de todos os conceitos.” Isso, de acordo com Heidegger, deve-se a uma atribuição errada ao Ser de uma essência independente do Tempo, ou seja, “é resultado de uma interpretação errônea da relação do Ser e do Tempo.” Na verdade, desde Platão, (...) o Ser tem sido interpretado em oposição às coisas reais, ou como aquilo que está além do tempo e que não muda. Em oposição ao âmbito imutável do Ser, as coisas reais existem no âmbito do devenir, ou do Tempo. No entanto, o que se tornou evidente nos tempos modernos é que esta distinção, que se encontra no núcleo das categorias de nosso conhecimento, nos impede de captar adequadamente nossa realidade histórica concreta, o que Heidegger chama a facticidade da existência humana.54 Isso significa que não há natureza humana. O homem primeiro existe e depois se define. Nesse sentido, o homem é o “único ente que tem seu próprio Ser como pergunta, quer dizer, o homem é o único ente que se preocupa pelo que significa Ser, acerca do seu futuro, de suas possibilidades de Ser.”55 Para Heidegger, o homem é o que ele próprio se faz, isto é, como ele se deseja após o impulso da existência. O homem é um projeto concebido subjetivamente,56 ou seja, “o homem, na sua opinião, não tem um fim determinado. Seu fim, e portanto seu futuro, sempre será uma incógnita para ele. Nesse sentido, o homem é o único ente em verdade histórico, dedicado a planejar e forjar o próprio futuro. Heidegger crê que o homem pode servir como entrada na questão do Ser mesmo”57, e a considera a partir da compreensão do Ser humano no que tange às estruturas básicas da existência humana, “mostrando não o que é o homem senão como existe, como é no Tempo e através do Tempo.” Sua análise existencial nasce do cotidiano, do deslocamento da questão do ser e da verdade para o âmbito da finitude.58 Heidegger inicia 54 Idem, ibidem. 55 STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 837. 56 HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Os Pensadores. p. 10. 57 STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 837. 58 HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Os Pensadores. p. 207. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 137 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 138 com uma análise da existência cotidiana, enfocando o fato de que o homem, sempre se encontra enquadrado num mundo que se caracteriza por uma particular ontologia e ordem das coisas. O homem como Ser humano é, assim, o que Heidegger, chama ‘Serno-mundo’. Por conseguinte, o homem se encontra para as coisas e com os outros, quer dizer, dentro de uma estrutura particular que determina as relações entre todas as coisas, que define seus propósitos e, portanto, suas atividades, determinando como é o homem e tudo o mais.59 Na maioria das vezes, o homem é absorvido pela ordem prevalecente, aceitando as coisas como são, sem questionar a existência. No entanto, essa situação é alterada quando a existência humana é confrontada com a questão da morte. À medida que o “Ser questiona o futuro, preocupando-se com o que vai ocorrer, o homem inevitavelmente encontra a questão da morte. Heidegger descobre a possibilidade de compreender autenticamente a morte no fenômeno da angústia”, sobretudo quando a consciência é interpelada pelas possibilidades futuras do Ser. “Esta experiência da morte na angústia, libera o homem da ordem prevalecente do Ser. É o reconhecimento da finitude do nosso próprio Ser, e abre a possibilidade para a experiência da questão do próprio Ser.”60 Segundo Heidegger, diz-nos Ferry, a Modernidade caracteriza-se pela subjetividade. Se Deus não existe, o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não determinou sua existência e, no entanto, livre, porque, uma vez no mundo, é responsável por tudo o que fizer. Isso significa que o homem é que serve como medida e fundamento de toda verdade. Assim, a Modernidade também é a esfera da liberdade, pois, o predomínio da subjetividade libera o homem da estrutura teocêntrica da sociedade cristã tradicional e o estabelece consigo mesmo. A fonte desse novo conceito é a interpretação dada por Descartes ao homem como consciência de si mesmo, que estabelece sua absoluta independência como medida de todas as 59 FERRY, Luc. Filosofia política II. p. 77. 60 FERRY, Luc. Filosofia política II. p. 78. 138 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 139 coisas. Daí em diante, só conta aquilo que pode passar diante do tribunal da consciência, quer dizer, só o que pode ser percebido e avaliado.61 Por outro lado, como advertem Strauss e Cropsey, para Heidegger, ao perder seu lugar fixo, que a tradição ou a religião lhe davam, o homem moderno é lançado na alienação e, portanto, na busca da segurança. O homem diante de si, na Modernidade, passa a ser confrontado com a natureza que não lhe fornece mais orientações pré-determinadas para o agir. Assim, a natureza já não oferece os delineamentos para a ação humana, agora é uma ordem incerta, e portanto perigosa, que o homem deve dominar. Está submetido, no nível intelectual, pela ciência moderna, que desenvolve um quadro ou modelo matemático do mundo, reduzindo, assim, o mundo à categoria predizível e, por isso, controlável. Heidegger chama de objetivação a este processo.62 Esse aspecto é essencial, à medida que define o conflito fundamental da Modernidade, relativizando outros, tais como, os decorrentes “da paixão, da parcialidade humana, da vontade de poder, do antagonismo de classe ou disputas pela natureza da justiça.”63 O conflito determinante, na Modernidade, segundo Heidegger, e como observam os autores Strauss e Cropsey seria: o resultado de tentar conseguir a liberdade humana no mundo natural por meio da tecnologia. Por conseguinte, o conflito também é inevitável, já que, o que significa ser ‘ser humano’ no mundo Moderno é medir, dominar e domesticar a natureza, quer dizer, ser tecnológico. Heidegger segue esse desenvolvimento a partir de Descartes, passando por Leibniz, Kant, Hegel, Schelling e Nietzsche, indo até a tecnologia universal do século XX. É a história do crescente niilismo do pensamento moderno na viagem do homem como sujeito, desde a autoconsciência cartesiana até a 61 Idem, ibidem. 62 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 841-842. 63 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 844. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 139 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 140 vontade de poder nietzscheano, na qual se encontra o miolo da tecnologia mundial.64 Seria a história de degeneração do homem que culminou na formação do homem massa. O desfecho da Modernidade, para Heidegger, dá-se com o total esquecimento do Ser e na desumanização do homem convertido em peça de um aparato tecnológico que tem como objetivo o seu próprio desenvolvimento.65 Desse modo, Heidegger volta-se “contra a tradição da Ilustração para revelar o caráter sombrio da modernidade. Porém, não chama nossa atenção em relação a este niilismo para provocar desespero ou repugnância, senão porque acredita vislumbrar na sua profundidade a luz inicial de uma nova revelação do Ser.”66 Evidenciar isso é demonstrar a ligação implícita que existe entre o Ser e o nada. “O niilismo pode ser interpretado como a afirmação de que não há um só fundamento para os entes e, portanto, não há uma norma ou ordem imutável.” 67 O fundamento deve apresentar-se como algo separado do ente, o que pode ser traduzido como o Ser em seu sentido primordial, ou seja, como caos ou abismo. Ainda que o homem não possa, de acordo com Heidegger, superar o niilismo, está aberta a possibilidade de construir um novo projeto que estabeleça as condições de apreensão de uma nova revelação. Sendo assim, o projeto de Heidegger, que é essa preparação, inclui: 1. libertar o homem de todas as categorias e normas metafísicas, mediante uma reinterpretação destrutiva fundamental da história do pensamento ocidental; 2. fomentar uma autêntica experiência do niilismo contemporâneo, chamando o homem para confrontar-se com o absurdo e a morte; 3. convencer o homem para que aceite seu destino particular dentro do destino de seu povo ou sua geração, que se manifestou-se na revelação do Ser.68 64 Idem, ibidem. 65 Idem, ibidem. 66 Idem, ibidem. 67 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 867. 68 Cf. STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. História de la filosofía política. p. 868. 140 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 141 Apesar de tudo, concluem Strauss e Cropsey, Heidegger não pode garantir que, com o seu projeto, ao induzir o Ser às circunstâncias mencionadas, este se revelará em sua essência existencial, promovendo, a partir da força que essa revelação implica, a formação do pensamento autêntico.69 2. A QUESTÃO DO DIREITO NA MODERNIDADE Na Modernidade, a subjetividade jurídica será o reconhecimento dos direitos naturais do indivíduo, entendidos como poderes ou liberdades que expressam condições para o pleno desenvolvimento de cada um e de toda sociedade. Assim, “reconhecer que o homem tem direitos naturais para opinar livremente, expressar seu pensamento etc., equivale a reconhecer-lhe um certo número de poderes que poderá eventualmente fazer valer contra o poder mesmo, e sem os quais não seria um ser humano, quer dizer, um sujeito em oposição aos objetos.”70 Com a afirmação do indivíduo, como já vimos, valoriza-se o homem independente de religião e de raça, a partir de sua dignidade que passa a ser o fundamento e centro do mundo e, também, fonte dos valores que o Direito deverá reconhecer. Para a doutrina do Direito natural racional, as leis seriam válidas à luz da razão e de normas intemporalmente válidas, anteriores à lei positiva e independentes dela.71 Na época moderna, o fundamento na natureza ou em Deus, é abandonado e substituído pela natureza do homem. Quando se fala no direito natural moderno (ou jusracionalismo) fala-se também num direito que se assenta na natural razão humana e seus atributos (...) seu traço distintivo (...) é que, agora, o direito está ligado ao indivíduo, à qualidade específica do homem, tornando-se a emanação deste, a expressão de suas possibilidades inalienáveis e eternas. O fundamento do direito, portanto, aparece, como sendo outro: o homem a sua racionalidade.72 69 Idem, ibidem. 70 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 47. 71 ROUANET, Sergio. O mal-estar na modernidade. p. 128. 72 FONSECA, Ricardo M. Do sujeito de direito à sujeição jurídica... p. 53-54. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 141 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 142 Como Boaventura de S. Santos muito bem acentua, o direito natural racional parte da idéia de fundação de uma nova boa ordem, segundo a lei da natureza, a qual se atinge através do exercício da razão e da observação. É uma racionalidade secular e, como tal, assenta-se numa ética social secular que se emancipou da teologia moral. Essas novas condições propiciam à nova racionalidade um caráter universal e universalmente aplicável.73 A partir da visão racionalizadora do pensamento ilustrado, com o processo de secularização e a crescente diferenciação das esferas de valor, o Direito, distintamente das formas pré-modernas e pré-capitalistas dominadas pela legitimidade carismática ou tradicional, buscará sua legitimidade no Estado Moderno, marcado pela despersonalização do poder e pela racionalização dos procedimentos normativos.74 As hipóteses jusnaturalistas relacionadas à origem da sociedade tinham uma função, no essencial, de crítica acerca dos conceitos tradicionais da autoridade. Se esses conceitos tiveram um alcance revolucionário, é porque tinham como objetivo minar os fundamentos das grandes teorias do poder político que estiveram em vigor durante o Antigo Regime. Nesse sentido, instauraram um verdadeiro corte nas teorias tradicionais da soberania que estabeleciam a origem da autoridade política, tanto em Deus como no poder paterno. Essas teorias, como se sabe, fundaram a legitimidade do poder numa instância que se supunha transcendente em relação à subjeti-vidade – a natureza, no caso do poder paterno, e a divindade, no caso das doutrinas do Direito divino. Os teóricos do Direito natural, quando afirmam o caráter puramente convencional do poder legítimo, introduzem, ao contrário, a idéia de que o fundamento verdadeiro (quer dizer, justo) da autoridade somente pode encontrar-se na livre vontade do povo.75 O ambiente filosófico-político que permitiu o florescimento das idéias jusnaturalistas, reuniu duas condições essenciais. A primeira, como aponta Renaut, seria o deslocamento do homem para o centro do universo sendo considerado o único sujeito de direito. Nesse sentido, natureza 73 Cf, SANTOS, Boaventura de S. Crítica da razão indolente. p. 124. 74 Cf. WOLKMER, Antonio C. Pluralismo jurídico. p. 48. 75 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 54 e ss. 142 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 143 no pensamento moderno assume o estatuto de objeto jurídico sempre com referência ao homem. O surgimento da subjetividade jurídica (dos ‘direitos subjetivos’), cuja origem cristã se reconhecerá sem dúvida, mas cujo alcance político ocorre com a escola jusnaturalista, tem em Hobbes a ruptura com o aristotelismo e o direito passa a ser considerado definitivamente como atributo do indivíduo.76 Com as teorias de contrato social e do estado de natureza, vinculam-se as noções de legitimidade e de subjetividade: “só é legítima a autoridade que é ou foi, objeto de um contrato por parte dos sujeitos que, de alguma maneira lhe estão submetidos. A subjetividade (adesão voluntária) fica assim estabelecida como origem ideal de toda legitimidade, efetuando-se o enlace entre a idéia dos direitos subjetivos (fundados por e para os sujeitos) e as condições de seus cimentos políticos.”77 Nesse contexto, a referência a Rousseau é obrigatória para que se possa compreender, segundo Renaut, “essa primeira possibilidade dos direitos do homem, porque o Contrato Social, e particularmente, a teoria da vontade geral são, seguramente, os que levam a concluir a reflexão política jusnaturalista, elucidando as condições, a partir das quais pode o povo ser considerado soberano, quer dizer, como sujeito verdadeiro (autor) de toda legitimidade política.”78 A segunda condição, para Renaut, traz a questão da relação SociedadeEstado. Procura enfocar a contraposição dos direitos-liberdades e dos direitoscréditos. Nesse sentido, “os direitos-liberdades implicam os limites do Estado, enquanto os direitos-créditos, ao contrário, implicam a intervenção e o crescimento do Estado.”79 A lógica da Modernidade é a do individualismo e, sendo assim, pensase a política a partir daquilo que constitui a essência do individualismo, ou seja, a liberdade é concebida como a faculdade de autodeterminação. Assinala Renaut: “tudo aquilo que representa um obstáculo a esta autodeterminação, e portanto à liberdade, é visto como intolerável moralmente, porque destrói a 76 Idem, ibidem. 77 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 54 e ss. 78 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 55-56. 79 Idem. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 143 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 144 individualidade e aquilo que se considera o fundamento e o fim último de toda ordem social.”80 A dificuldade de tal princípio é passar dessa concepção individual da liberdade para a coletiva, ou seja, a passagem da moral para a política. De acordo com Rousseau, é necessário que se pense o povo, em seu conjunto, como um indivíduo, quer dizer, como uma entidade suscetível de conduzir-se livremente.81 Para o autor, segundo Renaut, duas características são indispensáveis na constituição do povo como subjetividade: a soberania deverá ser o exercício da vontade geral, jamais poderá ser alienada e nem tampouco dividida. Quando Rousseau afirma a inalienabilidade e a indivisibilidade da soberania, contrapõe-se aos autores que consideram a liberdade de decidir um bem que pode transferir-se a outro legitimamente, com a única condição de que esta transferência se efetue de forma voluntária. Para Rousseau, pelo contrário, essa transferência não só é ilegítima, senão que carece de sentido: a liberdade e, como conseqüência, a soberania não são bens dos quais o homem possa dispor a seu gosto, o homem é um ser livre por natureza; renunciando livremente a esta liberdade, estaria renunciando a si mesmo, e delegar sua liberdade para decidir equivaleria a um suicídio.82 Rousseau considera a soberania indivisível, pois não é senão o exercício da vontade geral. Assim, assevera Renaut que, “a definição de povo ou de corpo político como subjetividade livre, se realiza plenamente, pela primeira vez na história da filosofia política, na teoria da vontade geral.”83 Em Rousseau, o contrato representa um ato de atribuição de poder que se reproduz no corpo político que o cria. Daí, duas características – na unidade do povo, como subjetividade – na soberania, a de ser inalienável e indivisível.84 80 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 58. 81 Idem. 82 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 59. 83 Idem. 84 Cf. FERRY, Luc. Filosofia política III. p. 58-59. 144 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 145 Assim, conclui Rousseau que, em sendo a soberania inalienável e indivisível, o Direito só pode ser auto-prescrito. É em razão disso que o cidadão “não obedece senão a si próprio e não pode ser forçado a nada senão a ser livre.”85 A problemática que Rousseau enfrenta é a da essência, uma definição rigorosa do povo como individualidade livre. Já, a teoria política do século XIX não será, como recorda Alain Renaut, teoria das essências, mas também uma reflexão sobre as divisões reais (povo/governo, Estado/sociedade) que o Contrato Social considera uma contradição com os pressupostos da liberdade.86 Com o advento do positivismo e a formação do Estado de Direito liberal burguês, inicia-se um segundo momento na formação da doutrina jurídica da Modernidade, em função da ascensão de uma nova epistemologia, que substituía a razão abstrata pela experiência, desqualificando as idéias inatas.87 Ao afastar-se do jusracionalismo, e com o fortalecimento do paradigma científico, o Direito ficou reduzido a uma questão de poder e as garantias fundamentais ficaram desprovidas de seu referente axiológico para constituirse num fim em si mesmo.88 Naturalmente, como aponta Boaventura de Sousa Santos, com o aparecimento do positivismo na epistemologia da ciência moderna e do positivismo jurídico no direito e na dogmática jurídica podem considerar-se em ambos os casos, construções ideológicas destinadas a reduzir o progresso societal ao desenvolvimento capitalista, bem como a imunizar a racionalidade contra a contaminação de qualquer irracionalidade não capitalista, quer ela fosse Deus, a religião ou tradição, a metafísica ou a ética, ou ainda as utopias ou os ideais emancipatórios.89 Se o Direito natural partia da idéia de fundação de uma nova ordem, segundo a lei da natureza, através da razão e da observação, com o positivismo o Direito separar-se-ia dos princípios éticos e tornar-se-ia “um instrumento 85 RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 62-63. 86 Cf. RENAUT, Alain. Filosofia política III. p. 62-63. 87 ROUANET, Sérgio. O mal-estar na modernidade. p. 129. 88 CAMPUZANO, Alfonso de J. Para que algo câmbio en la teoria jurídica. p. 172. 89 SANTOS, Boaventura de S. Crítica da razão indolente. p. 124. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 145 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 146 dócil na construção institucional e na regulação do mercado, a boa ordem transforma-se na ordem ‘tout court’.”90 O direito natural moderno, como se constatou, ao romper com a Antigüidade, nos proporcionou o fundamento filosófico da noção geral dos direitos do homem, ou seja, a individualidade livre como fundamento e limite da autoridade. A partir daí, começa a fortalecer-se a idéia de que a sociedade civil teria fundamentação própria, e o pensamento liberal promove a separação moderna do social e do estatal. Efetua-se a passagem do direito natural, como elaboração sobre a legitimidade, e a soberania para a teoria política, como reflexão sobre as relações entre a sociedade e o Estado. O advento do positivismo marca uma inflexão na evolução do Direito, e o Estado, por sua vez, neste novo contexto, passaria a ajustar-se à nova racionalidade e às necessidades regulatórias do capitalismo liberal. CONCLUSÃO Com a Modernidade, o Direito passa a ser atributo do indivíduo, buscando-se consenso através do contrato social, cuja adesão voluntária será a base da legitimidade na formação do Estado. A subjetividade, como adesão voluntária (como ato de vontade), estabelece os parâmetros que possibilitam a origem ideal de toda formação política, fundamentando-se, assim, a vinculação entre os direitos subjetivos originados no indivíduo e a possibilidade de legitimidade política a partir da consagração e proteção daqueles. Nesse sentido é que a subjetividade jurídica será o reconhecimento dos direitos naturais, entendidos como poderes ou liberdades que expressam condições para o pleno desenvolvimento de cada um e do conjunto da sociedade. Na segunda etapa da modernidade houve uma inflexão na evolução do direito e da subjetividade jurídica. À medida que o positivismo funda uma nova forma de racionalidade jurídica, a questão da legitimidade deixa de ser uma preocupação do Direito (enquanto norma), e este passa a preocupar-se cientificamente com a questão da legalidade intra-sistêmica. 90 SANTOS, Boaventura de S. Crítica da razão indolente. p. 124-141. 146 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 05_artigo_fatima_wolkmer.qxd 28.02.07 16:30 Page 147 Todo esse conjunto de idéias, que fazem parte da Modernidade, vem sofrendo uma série de críticas e, no que se refere à subjetividade aponta-se que, à medida que o conceito de subjetividade ou de sujeito que se impõe desde Descartes tentou fazer do mundo o seu império, submetendo a realidade ao seu domínio e fazendo dela um objeto de posse, tem-se como conseqüências: uma vontade de poder totalitária e uma falsa concepção autônoma da subjetividade, da consciência como sendo acessível diretamente por um sujeito estável que através da razão pode estabelecer um conhecimento sobre si mesmo e o mundo. Sugere-se, nesse sentido, que as formações sócio-culturais exercem um papel fundante na formação da auto-consciência. Assim, como pensar o sujeito hoje? A crise da concepção moderna da verdade, dos valores e do sujeito, deve-se, de um lado, à ênfase na liberdade como desenvolvimento pessoal e à crescente preocupação com a performance e com êxito individual a qualquer custo e, por outro lado, a viver-se num mundo sem referências universais, sem valores absolutos ou constantes, com a conseqüente perda da unidade e de fundamentos. Ao dizer que “Deus está morto” iniciou-se a morte da subjetividade humana como centro e princípio da verdade e valores que eram próprios da civilização moderna e do Direito. No entanto, somente o sujeito, que não se confunde com o indivíduo, num contexto de intersubjetividade, em diálogo com o outro pode fundar valores e um projeto ético-político capaz de construir uma sociedade mais justa. REFERÊNCIAS BEDIN, Gilmar. Os direitos do homem e o liberalismo. 2 ed. Ijuí: UNIJUÍ, 1998. BICCA, Luiz. Racionalidade moderna e subjetividade. São Paulo: Loyola, 1997. CALDERA, Alejandro S. 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Procura entender como se dá essa política indigenista a partir de ações pontuais, sejam elas inicialmente no campo da educação e, posteriormente para as áreas de capacitação de lideranças indígenas e, até ser institucionalizada com a criação de órgãos governamentais na própria estrutura organizacional do governo do Amazonas para tratar de assuntos indígenas. Portanto, a análise inicial é construir uma etnografia das ações do governo em atenção aos povos indígenas no âmbito estadual e, perceber até que ponto está sendo implementado uma política indigenista, visando a garantia dos diversos grupos indígenas do Amazonas, bem como a valorização étnico-cultural dessas populações. Abstract: This essay aims to perceive the process of construction of the Indigenist policy, in the state of Amazonas, from the end of the 20th century to the beginning of the 21st. It seeks to understand how this Indigenist policy happens from prompt actions, whether they being initially in the field of education and, or later on the areas of qualification of indigenous leaderships and, up to when it is institutionalized with the creation of governmental bodies in the proper organizational structure of the government of Amazonas to deal with indigenous subjects. Therefore, the initial analysis aims to construct a ethnography of the government’s actions in attention to the indigenous peoples in state sphere and to perceive how far an Indigenist policy is being implemented, aiming at the guarantee of the diverse indigenous groups of Amazonas, as well as the ethnic-cultural valuation of these populations. Palavras-chave: Política Amazônia; Etnografia. Key-Words: Indigenist Policy; Amazon; Ethnography. * Indigenista; Professor do Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: [email protected]. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 149 06_artigo_marco_antonio.qxd 1. 28.02.07 16:31 Page 150 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA INDIGENISTA NO CENÁRIO NACIONAL Pensar a política indigenista do Amazonas, requer necessariamente, conhecer como foi construída a política em atenção aos índios no plano nacional. O Estado Brasileiro ao longo do século XX formulou uma ação de governo por meio do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais – SPILTN (1910), convencionado na historiografia de SPI e, depois pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI (1967) centrada na ideologia integracionista e assimilacionista dos povos indígenas à comunhão nacional, influenciada pelas teorias do Positivismo e do Evolucionismo do século XIX. Nesse sentido, o demarcador dessa nova relação do Estado junto aos povos indígenas se deu através da Constituição Federal de 1988 que reconhece a diversidade cultural dos distintos povos indígenas que vivem no Brasil, podendo usar suas línguas e costumes, reconhecendo a tradicionalidade dos territórios ocupados pelos seus antepassados, bem como de usufruto permanente para a sua sobrevivência física e cultural, conforme determina o artigo 231 da referida Carta Magna. Sabe-se que houve certos avanços, mas ainda há muito a ser feito, conforme afirmam (ARAÚJO; LEITÃO, 2002: 23): A Constituição de 1988 trouxe uma série de inovações ao tratamento da questão indígena, indicando novos parâmetros para a relação do Estado e da sociedade brasileira com os índios. Embora de lá para cá tenha havido avanços significativos na proteção e no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no país, há ainda uma série de pendências que reclamam providências e cuja solução é motivo de intenso debate entre os atores da chamada cena indigenista. Destacar o texto constitucional em relação ao reconhecimento sociocultural dos povos indígenas no cenário brasileiro, como uma conquista de luta do movimento indígena; faz-se necessário é porque em razão de essas populações, historicamente terem sido expropriadas, perseguidas, massacradas pela ação colonialista na tentativa de impor uma ideologia de “abranqueamento” da sociedade nacional, resquícios de um “modelo de ocidentalização” 150 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 151 difundido pelo processo colonizatório europeu para o resto do mundo, a partir do século XV. Ao longo dos 500 anos de contato que marcou a relação de índios com não-índios, é preciso repensar a nova prática da política indigenista que o Estado Brasileiro pensa em implantar e/ou implementar em atenção aos povos indígenas e, nesse aspecto, é necessário notar que o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73) ainda está em vigor, haja vista que tramita no Congresso Nacional a elaboração de um novo Estatuto das Sociedades Indígenas1 e até o prezado momento não foi aprovado pela falta de prioridade na agenda social do governo brasileiro. Nesse sentido, o que vivenciamos é uma nova conjuntura na relação com os indígenas que se mobilizaram e assumiram a discussão de sua autonomia em que o próprio movimento indígena vem a público reivindicar o que é necessário para seu povo ou não, por exemplo, a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) criada em 1989 com o lema “unir para organizar, fortalecer para conquistar”, isso é o resultado concreto desse movimento que surgiu no final dos anos 70 do século XX e se fortaleceu nos anos 80. Entretanto, não podemos esquecer que nesse processo de articulação e expansão do movimento indígena o apoio que teve do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), criado em 1972, órgão ligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para oferecer uma outra ação da Igreja Católica diferente daquela descrita e conhecida pela historiografia (evangelização e catequização) segundo a qual não é preciso maiores detalhes acerca dessa questão. Além de ONGs, de setores específicos de universidades brasileiras, da Associação Brasileira de Antropologia – ABA como agentes externos e aliados à causa indígena. 2. A POLÍTICA INDIGENISTA DO AMAZONAS Em se tratando do contexto amazônico que concentra a maior diversidade etno-cultural e populacional dos povos indígenas do Brasil, é 1 Desde 1991 tramita no Congresso Nacional a reformulação do Estatuto das Sociedades Indígenas, recebendo parecer em 1994. Sendo tirado da gaveta no ano 2000 por conta do 500 anos do Brasil, mas que até o momento sem votação, porque não integra a agenda social do governo brasileiro. Vale destacar que Interesses econômicos e políticos dos parlamentares brasileiros impedem os avanços na votação e sua regulamentação. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 151 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 152 preciso refletir como o estado do Amazonas vem tratando a temática indígena no contexto de uma ação de governo, visando uma política de valorização e respeito à diversidade cultural, como também propiciar o seu etnodesenvolvimento. Com relação ao conceito de etnodesenvolvimento, este emergiu no debate latino-americano de forma mais consistente em 1981, na cidade de São José da Costa Rica, conforme discussão que Ricardo Verdum vem fazendo a respeito da questão do fomento de políticas públicas para os índios. (Cf. SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSO-HOFFMANN, Maria (Orgs). Etnodesenvolvimento e políticas públicas, 2002, p. 87). Nesse contexto de formulação de políticas públicas que visam o etnodesenvolvimento das comunidades e organizações indígenas, a intervenção do Governo Estadual é notório, pois no final dos anos 90 do século XX e início do XXI surgiu a proposta de se implementar uma política voltada aos povos indígenas do estado do Amazonas, que por meio do Decreto n.º 20.825 de 04/04/2000, foi criado um Departamento na estrutura organizacional do Poder Executivo, ligado à Secretaria de Estado de Governo para tratar das questões indígenas no âmbito governamental. Em 2001, o referido departamento foi transformado em Fundação Estadual de Política Indigenista – FEPI/AM, através da Lei n.º 2.650 de 04/06/2001 para dar andamento ao projeto de implantação de uma política indigenista para os povos indígenas. Durante o curto período que marcou o processo de intervenção do governo do Amazonas junto aos povos indígenas, algumas atividades foram executadas, tanto em Manaus quanto no interior (priorizando o Alto Solimões, Baixo Amazonas e Alto Madeira), sendo preciso necessária análise e conhecimento do processo de construção dessa política estadual. Diante dessa realidade, algumas ações pontuais nas áreas de educação, cultura e produção foram realizadas, na tentativa de traçar um panorama e dar “visibilidade” a essa política indigenista, em construção no âmbito do poder executivo estadual. Podemos destacar as seguintes: • I Seminário de Educação Escolar Indígena – “Cultura, Terra e Escola: educação escolar indígena diferenciada”, no período de 11 a 14/5/1998. Foi neste seminário que foi criado o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas – CEEI/AM; 152 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 153 • II Seminário de Educação Escolar Indígena no Estado do Amazonas – “Educação Escolar Indígena: um direito, uma conquista”, 18 e 19/09/2000; • I Semana dos Povos Indígenas – Encontro de Culturas, 15 a 22/04/2001 (este evento nasceu da iniciativa das organizações e instituições governamentais de apoio ao índio, com o objetivo de promover a unidade nas ações, respeitando a autonomia de cada instituição e a cultura dos diferentes povos indígenas que habitam o Amazonas); • I Feira Cultural Indígena – Sustentabilidade às Comunidades Indígenas (artesanato, gastronomia, literatura, música, dança, shows), 13 a 15/12/2001; • Semana dos Povos Indígenas – Direitos e Cidadania, 15 a 19/04/2002; • 1.ª Conferência de Pajés – Biodiversidade e Direito de Propriedade Intelectual: proteção e garantia do conhecimento tradicional, 22 a 25/08/2002 (é importante destacar que neste evento foi elaborado a Carta de Manaus – a idéia é reunir pajés e especialistas num espaço onde possam ser discutidas e formuladas políticas públicas de valorização do conhecimento tradicional desses povos [indígenas] como valor estratégico ao desenvolvimento sustentável do país); • Semanas dos Povos Indígenas – Lutando e Conquistando Espaços, 14 a 19/04/2003; • Semana dos Povos Indígenas do Amazonas 2004 – Povos Indígenas no Brasil de Todos, 02 a 19/4/2004. Essas ações pontuais, de uma certa forma, vêm corroborar para a formulação da política indigenista estadual, porque estes eventos envolvem órgãos governamentais e organizações indígenas, com suas experiências e olhares analíticos sobre a problemática da questão indígena. E assim, estão direta e indiretamente contribuindo para o aperfeiçoamento de uma proposta de política indigenista que está sendo gestada por meio dessas atividades; refletindo um momento ímpar para a história, ou seja, uma forma diferente de intervenção do Estado na relação com os indígenas, sem preconizar a priori um “neocolonialismo”. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 153 06_artigo_marco_antonio.qxd 3. 28.02.07 16:31 Page 154 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA POLÍTICA INDIGENISTA NO ESTADO DO AMAZONAS Com o intuito de implantar e solidificar uma política indigenista em atenção aos povos indígenas do Amazonas, foi que o governo estadual elaborou uma proposta inicial tornando-a uma Declaração de Princípios, sendo ratificada na reunião do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas, realizada no município de Barcelos, região do Médio Rio Negro, como parte integrante de reuniões itinerantes para envolver os atores sociais diretamente interessados na construção dessa política oficial. Todo este processo mostra a construção de um novo modelo de indigenismo para o Amazonas. Vejamos na íntegra essa proposta que contém os princípios norteadores para a base de formulação da política indigenista estadual: Declaração de Princípios entre Governo do Amazonas e Povos Indígenas Novos Parâmetros para a Política Indigenista A Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (FEPI-AM)2 e os Povos Indígenas que vivem no Amazonas celebraram, em Manaus, no dia 17 de setembro de 2001, esta Declaração de Princípios, sendo a mesma aprovada pelo Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena (CEEI-AM), em reunião ordinária do dia 21 de setembro de 2001, com o objetivo de instituir Novos Parâmetros para a Política Indigenista do Amazonas, nos seguintes termos: 1. 2. 2 154 Ampliar espaços, promover discussões e articular as instituições governamentais com as comunidades indígenas para garantir os direitos constitucionais desses povos, no contexto das políticas públicas; Analisar as políticas públicas promovidas pelo Governo e as propostas das Organizações Indígenas, quanto à eficácia de suas ações, à qualidade dos serviços prestados e ao uso adequado dos recursos naturais, em benefício das comunidades indígenas; Hoje a FEPI está ligada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS). Em 2004 passa-se a chamar Fundação Estadual dos Povos Indígenas – FEPI, elaborando o Programa Amazonas Indígena para dar “sustentabilidade” aos povos indígenas do estado por meio de ações como saúde, segurança alimentar, proteção territorial e ambiental, cursos e projetos econômicos e produtivos. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 28.02.07 16:31 Page 155 Promover intercâmbio entre as comunidades indígenas e os formuladores de políticas públicas, no que diz respeito à valorização das formas de saber e à apropriação de novas tecnologias, promotoras do etnodesenvolvimento; Promover a participação efetiva das mulheres indígenas nas decisões das políticas públicas, fortalecendo suas organizações sociais; Implementar programas interinstitucionais do Governo do Estado, com o objetivo de combater a violência, o preconceito, a discriminação étnica e a exclusão social das comunidades indígenas; Criar um Fórum permanente entre o Governo, Organizações Indígenas e Organizações Não Governamentais (ONGs), para discussão de propostas e de estratégias que promovam o etnodesenvolvimento; Desenvolver programas em parceria com as Comunidades Indígenas e Organizações Não Governamentais, garantindo o acesso da criança indígena às ações de política pública; Assessorar as Comunidades Indígenas quanto aos seus direitos de propriedade intelectual, acompanhando e promovendo pesquisas científicas; Fortalecer as Organizações Indígenas, avaliando e ampliando as políticas públicas quanto à continuidade de suas ações; Promover o etnodesenvolvimento, tendo como base a Educação Escolar Indígena Diferenciada, implementando ações que garantam a demarcação de suas terras, a autonomia dos povos indígenas e a valorização da participação comunitária, assegurando a reprodução física e cultural dos povos indígenas. Respeitar as culturas indígenas, reconhecendo suas crenças, seus costumes e suas tradições garantidos na Constituição Federal. Estes princípios vêm oferecer o parâmetro inicial para discutir a real política que se pretende criar para os povos indígenas no âmbito do poder executivo do Amazonas. Para uma análise, estes precisam ser revistos e discutidos criticamente com as comunidades e organizações indígenas para concretizar ao final uma versão que esteja contemplando no bojo desses princípios norteadores; as necessidades de auto-sustentabilidade e autonomia Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 155 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 156 que o próprio movimento indígena defende e preconiza em sua bandeira de luta e defesa de suas terras e direitos sociais e culturais. 4. POLÍTICA INDIGENISTA E O MOVIMENTO INDÍGENA Dando continuidade a essa política indigenista, é que o atual governo estadual nomeou para diretor-presidente da FEPI, uma liderança indígena3 para assumir a gestão do referido órgão. Portanto, um aspecto inovador nessas “relações alternativas” de um modelo diferente de pensar a política indigenista que está sendo pensada no cenário nacional, sem a pretensão de um colonialismo resultado de uma visão etnocêntrica de tratar o outro – o diferente como um ser culturalmente inferior. É visível que, a cada ano, se passa à construção de um novo modelo de política indigenista por parte dos governantes ao formular uma ação de governo a partir do envolvimento dos indígenas na participação das decisões governamentais para legitimar tal política. E isso só é possível quando consegue materializar, não só através de eventos específicos, mas acima de tudo com a participação efetiva dos próprios indígenas nas instâncias deliberativas do governo. Neste caso específico, de uma liderança indígena à frente do órgão estadual, criado com a finalidade de instaurar uma ação de governo voltada aos povos indígenas, nada mais coerente e legítimo que colocar nos quadros do poder administrativo do Estado esses atores como pessoas interessadas na melhoria de suas comunidades e terras indígenas. Vejamos como o indígena Bonifácio Baniwa destaca esse reconhecimento: Houve um avanço na nossa luta. A criação da Fepi e do Conselho de Educação da Escola Indígena foram conquistas do movimento indígena, que vinha lutando ao longo desses anos, e o Governo passado reconheceu isso. No entanto, não sendo dirigido pelos próprios índios diretamente envolvidos no movimento indígena. 3 156 Fato curioso, que essa liderança, vem da região que apresenta a maior diversidade de povos indígenas do Amazonas, a bacia do rio Negro, que abrange os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro e Novo Airão, historicamente tendo um movimento indígena atuante, como exemplo a criação da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, em 1987, bem antes da própria COIAB, que é de 1989. Terá sido essa atitude uma estratégia política do governo estadual ou uma forma de reconhecimento desse movimento e o papel do mesmo para implementar uma política indigenista no estado? Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 157 Já o atual Governo reconhece isso através da nossa presença, fazendo parte do Governo dele, (Jornal A Crítica, p. 3, 19/4/2003). Nesse processo de inserção de indígenas na administração pública do governo estadual acabam sendo contratados pelo estado, estes assumem o papel de interlocutores no âmbito do governo ao discutir e formular políticas indigenistas. Quanto a este aspecto, Antônio Brand (2002: 35) conclui Nessa ‘nova postura do Estado’, adquire relevância o crescente número de representantes indígenas contratados como funcionários nos diversos níveis da burocracia, fazendo co quem o próprio índio passe a ser o interlocutor do Estado nas questões referente à política indigenista. Isso vale em nível estadual, no caso aqui em análise em que o Governo do Amazonas coloca à frente do órgão indigenista uma liderança indígena para fazer a gestão da política oficial, mostrando talvez que esteja construindo um novo diálogo com os povos indígenas. Ao envolver lideranças indígenas na esfera administrativa pretende-se mostrar a sociedade em geral que tem respeitado e acatado aos interesses dos índios. Além da participação direta dos indígenas no poder público, é preciso destacar as experiências de autonomia que o próprio movimento indígena vem vivenciando nos últimos anos, tendo em vista a sustentabilidade econômica e social. Neste caso, pode-se destacar: a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN), quer dizer (NUMIA KURÁ, na língua Tukano “grupo de mulheres”), a Associação de Produção e Cultura – Yakinõ (na língua Hixkaryana significa “trabalho coletivo”), como também os eventos de grande porte como o I Encontro dos Indígenas da Cidade de Manaus, 01 a 03/03/2002, saindo um manifesto para buscar soluções aos problemas que afetam os índios”, que vivem no contexto urbano. Também foi realizado o I Encontro das Mulheres Indígenas da Amazônia, entre os dias 26 a 29/06/2002, em Manaus, para discutir o papel da mulher indígena no movimento da região amazônica e em nível nacional. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 157 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 158 Além da política indígena, é importante lembrar a experiência do PDPI / MMA,4 sendo um projeto que apóia atividades nas comunidades indígenas da Amazônia Legal, financiado pelo Governo Federal/GTZ-República Federativa da Alemanha, por meio de ações que contemplem: • Fortalecimento do modo de vida de cada povo indígena, sua cultura, sua organização social e política e os conhecimentos que têm da natureza; • Desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis, melhorando, assim, as condições de vida dos povos indígenas da Amazônia Legal e garantindo o uso exclusivo dos recursos naturais em suas terras; • Proteção dos territórios indígenas da Amazônia Legal. A ação de fortalecimento da identidade cultural é exemplificada com a edição do CD de músicas indígenas (União dos Povos, envolvendo Tikuna, Tukano e Sateré), lançado em Manaus, no ano de 2003, resultado da cooperação entre COIAB e PDPI/MMA. Esse momento, mostra-se como algo “positivo”, a relação do Estado com os Povos Indígenas merece uma discussão, pois as diretrizes do movimento indígena são assumidas por meio de políticas públicas está presente no discurso das lideranças indígenas, pode-se destacar o pensamento do ex-dirigente da COIAB, a liderança indígena Euclides Pereira,5 do povo Macuxi, de Roraima ao afirmar: Vejo com otimismo a situação indígena [no Brasil]. Durante muito tempo, chegamos a pensar que a nossa cultura não tinha nenhum valor. Hoje não é mais assim. Como todo grupo étnico, temos os nossos problemas, e a nossa evolução. Durante esse tempo, também fomos evoluindo, como qualquer outro povo, mas do nosso jeito. Valorizando a nossa cultura, mostramos que também temos as nossas descobertas e que podemos muito contribuir para a sociedade brasileira. Temos nossa medicina 158 4 Cf. Projeto Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI. Informações Básicas e Formulário para a Apresentação de Projetos. Brasília: MMA, s/d. 5 É aluno regularmente matriculado no Curso de Licenciatura Intercultural, do Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da UFRR. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 159 tradicional, nossa arte, nossa música. Fazemos parte do povo brasileiro. (Revista Amazônia Vinte Um. 2000:9). Nesse contexto, as organizações indígenas têm papéis imprescindíveis na construção dessa política indigenista e os eventos também refletem o amadurecimento político de sua autonomia e alteridade cultural nas questões que são pertinentes ao seu povo. Portanto, os governos precisam ouvir as lideranças e comunidades na criação de uma ação governamental, cabendo aos gestores públicos conhecer a política do movimento indígena para formular sua proposta de intervenção – assim consolidando a efetiva participação de indígenas nas ações de políticas públicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante desse contexto, através dessas ações pontuais que foram realizadas para os povos indígenas é possível perceber que o estado do Amazonas está formulando uma nova relação com essas populações, quando dá um passo diferente no sentido de propor um diálogo intercultural. Além deste provável diálogo, é preciso que o governo elabore uma política que realmente atenda as reais necessidades das populações indígenas, visto que os próprios atores sociais são sujeitos partícipes do novo processo instaurado como desafiador tanto para os povos indígenas como para o próprio governo estadual. Nesse sentido, essas ações mostram algumas das perspectivas que o movimento indígena formula como sua política e, ao mesmo tempo vislumbra prováveis tendências que estão sendo criadas e/ou pensadas em atenção aos índios do Amazonas, no âmbito do poder executivo. É preciso ressaltar que a própria história vai mostrar se os resultados serão satisfatórios ou não, com o objetivo de ir ao encontro do etnodesenvolvimento reivindicado pelos povos indígenas ou apenas o governo estadual se utiliza dessas ações para construir um diálogo de aliança política com os índios para afirmar que tem uma política indigenista definida e concreta, assumindo uma perspectiva de valorização e garantia dos direitos indígenas. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 159 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 160 REFERÊNCIAS AMAZÔNIA Vinte e Um. Ano 2, n.º 7. Manaus – AM, abril de 2000. ARAÚJO, Ana Valéria; LEITÃO, Sérgio. Direitos indígenas: avanços e impasses pós-1988. In: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSOHOFFMANN, Maria (Orgs). Além da tutela. Rio de Janeiro: Contra Capa, LACED-MN/UFRJ, 2002. p. 23-33. BRAND, Antônio. Mudanças e continuísmos na política indigenista pós-1988. In: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSO-HOFFMANN, Maria (Orgs). Estado e povos indígenas. Rio de Janeiro: Contra Capa; LACEDMN/UFRJ, 2002. p. 31-36. BRASIL. Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas – PDPI. Informações Básicas e Formulário para Apresentação de Projetos. Brasília: MMA, s/d. ________. Sociedades indígenas e a ação do governo. Brasília: Presidência da República, 1996. ________. Legislação indigenista brasileira e normas correlatas. 2. ed. Brasília: FUNAI/CGDOC, 2003. Edvard Dias Magalhães (Org.) OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.). Indigenismo e territorialização. Poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998. ________. O nosso governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero; Brasília: MCT-CNPq, 1988. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ROCHA, Leandro Mendes. A política indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia: Editora UFG, 2003. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 1999. SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. Um grande cerco de paz. Poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995. 160 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 161 SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSO-HOFFMANN, Maria (Orgs). Etnodesenvolvimento e políticas públicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2002. ________. Estado e povos indígenas. Rio de Janeiro: Contra Capa; LACEDMN/UFRJ, 2002. ________. Além da tutela. Rio de Janeiro: Contra Capa, LACED-MN/UFRJ, 2002. VERDUM, Ricardo. Etnodesenvolvimento e mecanismos de fomento do desenvolvimento dos povos indígenas: a contribuição do subprograma Projetos Demonstrativos (PDA). In: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSO-HOFFMANN, Maria (Orgs). Etnodesenvolvimento e políticas públicas. Rio de Janeiro: Contra Capa; LACED-MN/UFRJ, 2002. p. 87-105. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 161 06_artigo_marco_antonio.qxd 28.02.07 16:31 Page 162 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 163 PARTE II CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O MANEJO COMUNITÁRIO DE ESTOQUES PESQUEIROS: O EXEMPLO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA Serguei Aily Franco de Camargo A n a C a r o l i n a S u r g i k . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 6 5 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .166 1. Manejo comunitário de estoques pesqueiros na Amazônia brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .168 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .173 Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .174 REFLEXÃO DO DIREITO DAS “COMUNIDADES TRADICIONAIS” A PARTIR DAS DECLARAÇÕES E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS J o a q u i m S h i r a i s h i N e t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 7 7 Introdução: delineamento de um campo jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .178 1. As Declarações e Convenções no Ordenamento Jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .183 2. O Lugar Jurídico das Declarações e Convenções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .184 3. A Convenção n.º 169 da OIT: a consciência de si . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .188 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .192 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 164 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 165 CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O MANEJO COMUNITÁRIO DE ESTOQUES PESQUEIROS: O EXEMPLO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA Serguei Aily Franco de Camargo* Ana Carolina Surgik** Sumário: Introdução; 1. Manejo comunitário de estoques pesqueiros na Amazônia brasileira; Considerações finais; Agradecimentos Resumo: No final dos anos 80 teve início uma preocupação internacional com o manejo sustentável dos estoques pesqueiros marinhos. Este movimento ganhou força e orientou a criação do Código de Conduta para a Pesca Responsável da FAO em 1995. Este Código adota aspectos precaucionários. É um documento global e não-mandatário, que estabelece princípios e padrões aplicáveis à conservação, manejo e desenvolvimento da pesca. No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis passou a desenvolver projetos de cooperação técnica internacional ainda na década de 90. Estes projetos visam à organização comunitária e a multiplicação de iniciativas pré-existentes de manejo comunitário e sustentável de estoques pesqueiros na região amazônica. A partir destas experiências, foram identificados o contexto jurídico que envolve o manejo comunitário de estoques pesqueiros e as formas de relação entre usuários e poder público. Os resultados desta análise revelaram as principais dificuldades e facilidades deste novo paradigma de sistema de manejo de recursos naturais renováveis. Abstract: During the end of the 80’s it was observed the beginning of an international concerning about the management of marine fish stocks. This movement became politically strong, influencing the creation of the Code of Conduct for Responsible Fisheries, by FAO in 1995. This Code adopts precautionary aspects. It is a global and non-mandatory document, which establishes the principles and standards related to conservation, management and development of fisheries. Since the 90’s in Brazil, the Brazilian Federal Environmental Agency (IBAMA) has been developing international cooperation projects. These projects aimed at the communitarian organization and the multiplication of preexistent initiatives of community-based management of fish stocks in the Amazon Region. From these experiences, it were identified the legal context that involves the community-based management of fish stocks and the ways of interaction between resource users and Brazilian State. The results of this analysis revealed the main facilities and obstacles of this new juridical frame of natural resources management. Palavra-chave: Região Amazônica; Manejo Comunitário de Estoques Pesqueiros; Direito Ambiental. Key-words: Brazilian Amazon; CommunityBased Management of Fish Stocks; Environmental Law. * Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). ** Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA – Departamento de Ecologia. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 165 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 166 INTRODUÇÃO A atividade pesqueira é praticada há aproximadamente 100.000 anos. Concomitantemente ao aparecimento do Homo sapiens na Europa (50.000 anos atrás), alguns estudos indicam a existência de aparelhos simples destinados à pesca. Nesta época, os Aurignac foram os primeiros europeus a fazer uso regular de recursos pesqueiros em rios (Sahrage & Lundbeck, 1992). Atualmente, os peixes são os últimos animais explotados em grande escala. As pescarias mundiais aumentaram depois da Segunda Guerra Mundial. Durante a década de 60, se intensificaram ainda mais devido ao aumento do esforço pesqueiro no Atlântico Norte e Pacífico Norte, aliado à abertura de pescarias no Hemisfério Sul (Watson & Pauly, 2001). Em 2001, o desembarque mundial de pescado foi 91.300.000t, das quais 8.800.000t provieram da água doce (FAO, 2002). Em nível internacional, a partir dos anos 70, o panorama das pescarias também sofreu influência do sistema de Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs) e da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, que forneceram novos modelos de manejo de recursos marinhos. É importante mencionar que as ZEEs concentram cerca de 90% dos recursos pesqueiros sob influência direta do Direito de cada Estado costeiro (FAO, 1995). As pescarias recentes assumiram um caráter orientado pelo mercado, que direcionou a indústria e os investimentos no setor. No final dos anos 80 ficou claro que os estoques pesqueiros não poderiam sustentar uma explotação descontrolada e crescente, ensejando o desenvolvimento de novas formas de manejo. A situação foi agravada pelo descontrole das pescarias em alto mar, principalmente sobre estoques de peixes altamente migratórios (FAO, 1995). Nesse contexto, o Comitê de Pesca (COFI) tratou do desenvolvimento de novos conceitos sobre manejo pesqueiro, conduzindo à idéia de pesca responsável e sustentável (FAO, 1995). A Declaração de Cancun – México/1992 foi uma importante contribuição para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) de 1992, em particular para a Agenda 21. Na seqüência, a Conferência das Nações Unidas sobre Estoques Pesqueiros Migratórios e Altamente Migratórios contou com importante apoio técnico da FAO, antecedendo o acordo internacional firmado pela mesma agência sobre medidas de manejo pesqueiro em alto mar. Em conseqüência da Conferência de Cancun, a FAO foi incumbida de formular um “Código de Conduta para a Pesca Responsável” (CCPR), documento de caráter 166 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 167 global e não-mandatário, que estabelece princípios e padrões aplicáveis à conservação, manejo e desenvolvimento da pesca. O CCPR foi adotado em 31 de outubro de 1995 pela Conferência da FAO e fornece modelos de manejo nacionais e internacionais com o escopo de direcionar a explotação sustentável dos recursos aquáticos em harmonia com o meio ambiente. Desde então, a FAO se comprometeu a auxiliar os Estados Membros, principalmente os países em desenvolvimento, para a eficiente implementação do mencionado CCPR, reportando periodicamente às Nações Unidas os progressos alcançados. A produção brasileira de pescado em 1999 foi de 655.000t, das quais 175.000t provenientes de água doce. Porém, as informações são imprecisas. Os dados de captura e esforço pesqueiro em geral são descontínuos e sem padronização (Petrere, 2001). Os desembarques pesqueiros da Amazônia foram estimados por diversos autores (Bayley & Petrere, 1989; Isaac & Barthem, 1995), utilizando metodologias diferentes, porém com resultados próximos a 200.000t/ano para toda a bacia amazônica. De acordo com Ruffino & Isaac (1994), ao se considerar o valor de primeira venda em US$1,00/kg de pescado, o movimento financeiro bruto proveniente das pescarias amazônicas seria da ordem de US$ 200.000.000,00/ano. O pescado representa importante fonte de proteína para o homem da região. O consumo per capita, nas cidades de Manaus e Itacoatiara foi estimado entre 360 e 500g/dia (Cerdeira et al., 1997). Esses dados revelam a importância do setor pesqueiro para a sociedade e para o governo. Desde o início dos anos 90, o governo brasileiro, através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), tem desenvolvido projetos de cooperação técnica internacional, visando à implementação e a multiplicação de iniciativas de manejo comunitário de estoques pesqueiros. São exemplos o IARA (Administração dos Recursos Pesqueiros do Médio Amazonas: Estados do Pará e Amazonas – financiado pelo IBAMA e GTZ), o PAPEC (Projeto de Aproveitamento dos Açudes Públicos do Estado do Ceará – financiado pelo IBAMA e GTZ) e o ProVárzea (Projeto Manejo dos Recursos Naturais de Várzea – financiado pelo IBAMA, DfID, GTZ, KfW e WB-PPG7). Em todos estes casos, o IBAMA coordenou as atividades desenvolvidas pelos usuários/comunitários com o objetivo de manejar os estoques pesqueiros com responsabilidades compartilhadas e descentralizar as rotinas administrativas. O IBAMA desenvolveu mecanismos administrativos internos, permitindo a recepção dos Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 167 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 168 acordos comunitários locais que continuam fundamentando a edição de portarias sobre manejo de estoques pesqueiros (Fischer & Mitlewski, 2005). Assim, o objetivo deste trabalho é analisar o contexto jurídico das práticas de manejo comunitário de estoques pesqueiros e suas interfaces com o poder público. O texto se apresenta de forma seqüencial, tratando em princípio das questões jurídicas internacionais e federais, para no final abordar aspectos administrativos e de ecologia humana. 1. MANEJO COMUNITÁRIO DE ESTOQUES PESQUEIROS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA Diferentes níveis administrativos interagem no modelo brasileiro de manejo participativo de estoques pesqueiros. O IBAMA (órgão federal) é representado através de suas superintendências estaduais. No caso do Amazonas, o órgão ambiental estadual é o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM. Os usuários são representados por organizações nãogovernamentais, como colônias de pescadores profissionais, associações e cooperativas. A articulação entre Estado e ONGs parte de mecanismos coletivos de tomada de decisões, visando o manejo direto pelos usuários. Estes fóruns regionais para formação de consenso produzem acordos comunitários de pesca, comumente observados em reservatórios do nordeste brasileiro (Christensen et al., 1995; Barbosa & Hartmann, 1997) e em lagos amazônicos (e.g. Portaria IBAMA 1 de 2002; McGrath et al., 1993). Qual o contexto legal que permite o manejo comunitário de estoques pesqueiros e suas interfaces com o poder público brasileiro? As principais disposições aplicáveis à matéria encontram-se na Constituição Federal de 1988 (art. 225) referindo-se ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental para as presentes e futuras gerações (Derani, 2002), no Código de Pesca (Decreto 221/1967), recepcionado pela atual Constituição e, no Código Civil (Lei 10.406/2002, art. 1.228, § 1.º). São importantes também: a Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997); o Decreto 5.382/2005, que aprova o VI Plano Setorial para os Recursos do Mar (VI PSRM), onde são expressamente reconhecidos os preceitos do CCPR de 1995; o Decreto 4.756/2003, que aprova a Estrutura Regimental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos 168 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 169 Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e; o Decreto 4.281/2002, regulamentador da Lei n.º 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental. O Decreto 5.382/2005 representou um importante passo para a gestão de recursos pesqueiros no Brasil. Quando se condiciona ao CCPR/1995, orienta juridicamente o papel do Estado e dos usuários em um sistema de gestão integrada que se pauta principalmente pela aplicação do Princípio da Precaução. O Princípio 6.4 do CCPR menciona que as medidas de conservação e as decisões sobre o manejo pesqueiro devem ser embasadas nas melhores evidências científicas disponíveis, também se levando em consideração os conhecimentos tradicionais das comunidades sobre a utilização dos recursos em seu habitat, além de fatores ambientais, econômicos e sociais relevantes. Os Princípios 6.5 e 7.5.1 dispõem que o manejo pesqueiro em seus diversos níveis deve seguir orientações precaucionárias, visando à conservação dos estoques. Também é mencionado que a ausência de informações científicas não deve ser usada para adiar ou inviabilizar medidas para conservação de espécies-alvo e/ou do sistema ecológico como um todo. Em conjunto, o contexto legal que permite o manejo comunitário e a gestão participativa de estoques pesqueiros no Brasil deve ser interpretado, em sua essência, como precaucionário. A Constituição, ao dispor que a conservação do meio ambiente é dever de todos, abre a possibilidade/dever de participação das comunidades tradicionais usuárias de recursos pesqueiros no sistema de gestão em seus diversos níveis. Esta participação, entretanto, deve ser feita de forma organizada e representativa, nos moldes de atuação do terceiro setor. Nesse sentido, o Decreto 221/1967 que regulamenta a pesca, favorece a organização comunitária em colônias de pescadores e/ou cooperativas. A Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) menciona que a ictiofauna (como parte integrante dos recursos hídricos) deve ser manejada sob uma perspectiva de bacia hidrográfica (em pequena ou grande escala). Neste caso, as prioridades de manejo sustentável são definidas pelos Comitês de Bacia, considerando a disponibilidade desses recursos naturais e as necessidades e características sociais. As opiniões da comunidade/usuários devem ser consideradas nas decisões administrativas dos Comitês de Bacia. Considerando o manejo de recursos naturais no Brasil, decisões privadas não podem prevalecer sobre o interesse público. O manejo Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 169 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 170 deve contemplar os direitos constitucionais das gerações atuais e futuras, como mencionado no art. 225 caput da CF/88, como forma de evitar a Tragédia dos Comuns e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Conflitos pelo uso/apropriação dos recursos existem. De acordo com Camargo (1999) e Machado (2005), os estoques pesqueiros são bens de domínio público e uso comum. Assim, uma vez retirado de seu ambiente, o animal passa a pertencer àquele que o pescou. Isto confere um caráter de subtrabilidade ao recurso, ou seja, o animal capturado por um usuário não é mais passível de apropriação por outro. Esta característica pode acirrar conflitos em situações de escassez, dificultando práticas de manejo eficientes. Por este motivo, os usuários capacitados devem participar dos sistemas de gestão em parceria com o Estado, representado neste caso pelo IBAMA (Decreto 4.281/2002 c/c Decreto 4.756/2003). O pescador, proprietário de um animal capturado, tem direitos de usar, gozar e dispor do bem conforme dispõe o Código Civil. Interessante observar que apesar da visão holística atual da legislação ambiental, a compreensão dos direitos de propriedade continua sofrendo forte influência privatista. Isto se observa na jurisprudência, que reforça o caráter privatista da propriedade em detrimento de sua função sócio-ambiental, preconizada constitucionalmente (Castilho, 2003). Nesse sentido o art. 1.228 do Código Civil vem de encontro ao entendimento tradicional do direito de propriedade, enquanto seu § 1º impõe limites econômicos, sociais e ambientais ao seu exercício (nesta ordem). Em uma análise sistêmica, poder-se-ia argumentar que as práticas de manejo pesqueiro deveriam visar precipuamente o bem estar humano, priorizando os aspectos econômicos, em seguida os sociais e por último os ambientais. Esta ordem de prioridades não deve existir no contexto sócio-ambiental e holístico do Direito Ambiental atual. A utilização dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos pesqueiros (mencionado no CCPR) como fonte de Direito Administrativo serve para reequilibrar as correntes de interpretação privatista e sócio-ambiental, na elaboração e implementação de planos e ações de manejo pesqueiro. Apesar de não se constituírem em normas legais, alguns Projetos de Lei (PL) sobre pesca tramitaram no Congresso Nacional, fomentando amplas discussões sobre o assunto. Assim, a explotação e apropriação dos estoques pesqueiros foram, por muito tempo, objetos do PL-1273/1995 no Congresso Nacional. Este documento previa possibilidades e tipos de manejo, entretanto, em maio de 2005 a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados determinou o seu 170 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 171 arquivamento. Atualmente, encontra-se em discussão outro PL, encaminhado à Presidência da República, em conjunto pelo Ministério de Estado da Defesa e pela Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República através do E.M. INTERMINISTERIAL N.º 00425/MD/SEAP-PR, de 17 de agosto de 2004. É importante mencionar que mesmo os estoques pesqueiros sendo bens de domínio público e uso comum, estes podem ser afetados na prática por restrições administrativas de uso (e.g. limitação de equipamentos de pesca, defeso em épocas de reprodução), restrições administrativas locacionais (e.g. lagos de manutenção/subsistência) e/ou restrições administrativas temporais (e.g. proibição temporária da pesca de uma determinada espécie para recuperação do estoque). Em outros casos, o IBAMA pode limitar o número de barcos pesqueiros em uma determinada área (e. g. na pesca da lagosta) durante a fase de licenciamento administrativo da explotação desses recursos naturais. Todas estas hipóteses devem necessariamente ter como fundamento o interesse público. A Resolução CONAMA 003/88 regulamenta a criação de mutirões ambientais. Desde então, o IBAMA vem capacitando comunitários como agentes ambientais voluntários, inclusive dentro dos mencionados projetos de cooperação técnica internacional. Os projetos IARA e ProVárzea contribuíram com a capacitação de muitos comunitários para atuarem como agentes ambientais voluntários, conforme se observa no próprio texto original dos mencionados projetos (IBAMA, 1995; IBAMA, 2002), consolidando uma nova cultura institucional do IBAMA, pautada na participação dos usuários na gestão dos recursos. A maior contribuição destes projetos, principalmente do Componente Monitoramento e Controle do ProVárzea, foi a edição da Instrução Normativa IBAMA 29/2002. Esta Instrução institui procedimentos para a implementação de acordos comunitários de pesca (que podem ter regras de controle de acesso) e sua transformação em portarias. O emprego de pescadores profissionais, enquanto membros/associados a colônias de pescadores, associações e cooperativas, pode motivar a participação da sociedade civil organizada nos processos governamentais de tomada de decisões. Serve também como instrumento de educação ambiental, auxiliando na formação da consciência de cidadania. Fischer & Mitlewski (2005) anteciparam, no final da década de 90, estas práticas como instrumentos necessários ao manejo pesqueiro eficiente no Brasil. O art. 33 do Decreto 221/67 define que a pesca pode ser praticada em todo o território nacional. O texto legal estabelece o máximo da abrangência da Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 171 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 172 prática da atividade, mas não a limita a determinada área (e.g. bacia, sub-bacia, lago). A limitação de acesso aos estoques pesqueiros pode ser feita através de restrições no licenciamento. Esta prática precaucionária visa à proteção da fauna aquática e a manutenção das populações tradicionais que dela depende. Estas restrições podem ser estabelecidas em relação à área de exercício da atividade pesqueira, ou ao número máximo de licenças permitidas por pescador. Este entendimento está perfeitamente de acordo com o contexto legal examinado, principalmente em nível constitucional, respaldando-se também na aplicação prática do Princípio da Precaução. Os procedimentos exigidos na Instrução Normativa IBAMA 29/2002 não são realizáveis em curto prazo. Resultados positivos puderam ser observados em Santarém (PA) durante a execução do Projeto IARA (IBAMA, 1999; Castro, 2000; Begossi, 2002), e na Portaria IBAMA 01/2002, sobre pesca de lagosta no Estado do Ceará, que foi decidida durante uma negociação que envolveu diversos grupos de interesse. Por outro lado, um problema freqüente relacionado aos acordos comunitários é a falta de enforçabilidade das regras estabelecidas. Em muitas comunidades pesqueiras do Brasil, a territorialidade é um requisito para o manejo local, e está ligada à aceitação pública das regras estabelecidas pelos grupos de interesse durante os procedimentos participativos descritos na Instrução Normativa/IBAMA 29/2002. Áreas comuns são usualmente determinadas por laços de amizade e parentesco (Begossi, 1996). As regras de manejo pesqueiro são constituídas por uma combinação da cultura local e da estrutura social. As regras da comunidade regulam como a pesca deve ser praticada, determinam os locais permitidos, as épocas do ano, os tamanhos mínimos das espécies-alvo e a tecnologia (equipamentos de pesca) a ser empregada (Acheson & Wilson 1996). Neste contexto, o principal propósito do manejo comunitário de estoques pesqueiros é suportar uma atividade pesqueira sustentável, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das famílias dos pescadores, assim como de suas comunidades. Em última análise, é esperado que estas práticas de manejo contribuam para se evitar a Tragédia dos Comuns (Hardin, 1968). Berkes (1985) alerta que sociedades não industriais são capazes de sobre-explotar um recurso e que não haveria grandes estoques pesqueiros em situações e locais de livre acesso. Assim, os mecanismos presentes em sistemas de manejo comunitário, são vulneráveis a estresses que incluem (Berkes, 1985): 172 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 173 • A perda do controle comunitário sobre o recurso, causando a falência do sistema de propriedade usual, conduzindo ao livre acesso; • Comercialização, como conseqüência de flutuações ou modificações da demanda de mercado, podem motivar a sobre-pesca de alguns estoques; • Rápido crescimento populacional, colocando grande pressão sobre os estoques (c.f. Petrere 1986a and 1986b; Camargo & Petrere, 2004); • Rápidas mudanças tecnológicas. Em síntese, o manejo comunitário de estoques pesqueiros obterá melhores resultados em sistema fechados, considerando o contexto social e a cultura da comunidade. A gestão desta atividade, no entanto, deve seguir os pressupostos de integração com os demais recursos naturais, tendo por base a bacia hidrográfica (Lei 9.433/97). A demanda de mercado pelo pescado sempre deve ser considerada pelos gestores ambientais. As relações externas da comunidade com outros centros de comercialização podem motivar a sobre-pesca. A análise de risco aplicada ao manejo pesqueiro em Tucuruí, PA, exemplifica o processo de tomada de decisões administrativas, subsidiando medidas precaucionárias na região amazônica (Camargo & Petrere, 2004). CONSIDERAÇÕES FINAIS O setor pesqueiro no Brasil tem avançado no desenvolvimento e implementação de sistemas participativos de manejo de estoques. Neste caso, as principais linhas políticas para a pesca artesanal devem considerar os seguintes pontos: i) o manejo comunitário de estoques pesqueiros pressupõe descentralização administrativa e recepção de usos e costumes pelo IBAMA; ii) o interesse público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado demanda controle de acesso aos estoques pesqueiros; O manejo comunitário de estoques pesqueiros deve ser analisado como exemplo. Os procedimentos para se obter um acordo de pesca (Instrução Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 173 07_artigo_camargo_surgik.qxd 28.02.07 16:32 Page 174 Normativa/IBAMA 29/2002), devem ser estendidos para outros recursos naturais renováveis. O manejo de estoques pesqueiros possui uma particularidade: a incerteza determinada pela dinâmica populacional das espécies-alvo e outros fatores ecológicos. Este tipo de obstáculo é ausente em situações onde os estoques podem ser medidos precisamente (e.g. recursos florestais), facilitando a implementação de sistemas participativos de gestão. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e ao CNPq. REFERÊNCIAS Acheson, J. M.; Wilson J. A. 1996. Order out of Chaos: the case for parametric fisheries management. American Anthropologist, 98(3):579-594. Barbosa, F. I.; Hartmann, W. D. 1997. Engedering participatory management of reservoir fisheries in Northeast Brazil. Dhaka, Bangladesh: FAO/ODA Expert Consultation on Inland Fishery Enhancements, 19p. Bayley, P. B.; Petrere, M. 1989. Amazon fisheries: assessment methods, current status and management options. Can. Sp. Publ. Fish. Aquatic Sci., 106:385-398 Begossi, A. 1996. 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Interpretação Judiciária da Norma Ambiental: uma tentativa de sistematizar a orientação da jurisprudência brasileira em matéria ambiental, para definir os critérios de interpretação. In: Freitas, V. P. (Org.). Direito Ambiental em Evolução. 2.ª Ed. Curitiba: Juruá, 398p. Castro, F. 2000. Fishing Accords: the political ecology of fishing intensification in the Amazon. Bloomington: Indiana University, CIPEC, Dissertation Series no. 4. Cerdeira, R. G. P.; Ruffino, M. L.; Isaac, V. J. 1997. Consumo de pescado e outros alimentos pela população ribeirinha do Lago Grande de Monte Alegre, PA-Brasil. Acta Amazônica, 27(3):213-227. Christensen, M. S.; Soares, W. J. M.; Silva, F. C. B.; Barros, G. M. L. 1995. Participatory Management of a Reservoir Fishery in Northeastern Brazil. NAGA, THE ICLARM QUARTERLY, p. 7-9. Derani, C. Direito Ambiental Econômico. 2ª. Ed. São Paulo: Max Limonad, 302p. FAO. 1995. 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A Convenção n.169 da OIT: a consciência de si; Referências Resumo: Vários povos e grupos sociais organizados em movimentos sociais passaram a reivindicar direitos, que sempre lhes foram negados pelo Estado brasileiro. Embora tivessem participado da maioria das discussões, ampliando os espaços e canais de participação política, não lograram políticas públicas efetivas. No contexto desse processo, deve-se observar a importância da ratificação de diversos dispositivos internacionais pelo Brasil, que reafirmaram o reconhecimento desses povos e grupos sociais, enquanto sujeitos portadores de identidade étnica ou coletiva. Este artigo pretende analisar a importância desses dispositivos internacionais no contexto de mobilização e organização desses povos e grupos sociais. Abstract: Several organized peoples and social groups in social movements had started to demand rights, which had been always denied to them by the Brazilian State. Although they had participated in the majority of the quarrels, extending the spaces and canals of political participation, they had not achieved effective public policies. In the context of this process, the importance of the ratification of several international devices by Brazil must be observed, which had reaffirmed the recognition of these peoples and social groups, while citizens entitled of ethnic or collective identity. This article intends to analyze the importance of these international devices in the context of mobilization and social organization of these peoples and groups. Palavras chave: comunidades tradicionais, movimentos sociais, dispositivos internacionais Key-words: Traditional communities; Social movements; International devices. * Advogado. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPGDA/ UEA). Coordenador do Grupo de Pesquisa: Direito, Comunidades Tradicionais e Movimentos Sociais. Pesquisador do Projeto de Pesquisa “Nova Cartografia Social na Amazônia” (PPGSCA/ UFAM/ Fundação Ford). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 177 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 178 INTRODUÇÃO: DELINEAMENTO DE UM CAMPO JURÍDICO Uma reflexão acerca da importância dos diversos dispositivos jurídicos internacionais que foram “acordados”, “assinados” e “ratificados” ou não pelos diversos países e, em especial, pelo Brasil, nas últimas décadas, e que se encontram referidos de forma direta ou indireta às “comunidades tradicionais”1 tal como são designados os diversos povos e grupos sociais portadores de identidade étnica ou coletiva no país, é de extrema relevância para o processo em curso, de reconhecimento pleno desses, enquanto grupos sociais, distintos e autônomos, organizados e mobilizados em torno das garantias e reivindicações de seus direitos. Nesse sentido, o intenso processo vivenciado pelos povos indígenas, povos quilombolas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, faxinalenses e comunidades de fundo de pasto2 dentre outros relevam o grau de complexidade do que está ocorrendo no Brasil e sua relação direta com outros países, onde se tem verificado situações análogas às apresentadas, sobretudo no que diz respeito à relação e à forma jurídica de lidar com essas questões, as quais vem sendo tratadas de formas diferenciadas pelos Estados, ora se ocupando em reconhecer e ampliar os direitos,3 ora adotando 1 Em 24 de dezembro de 2004, por meio de um Decreto Federal, foi criado a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. Entre vários, ela tem como objetivo principal “estabelecer a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais” (inciso I do referido Decreto). 2 Almeida vem sistematizando as diversas situações vivenciadas por esses povos e grupos sociais no país. A propósito, ler : ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais livres”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006. 3 É possível listar uma série de países, sobretudo na América Latina, que vivenciam situações consideradas análogas as das “comunidades tradicionais” do Brasil. A maioria desses países alteraram seus dispositivos jurídicos constitucionais e infraconstitucionais para reconhecer o caráter “pluricultural” e “multiétnico” de suas sociedades e assim para poder atender as demandas desses “povos” e “grupos sociais”, que se encontram no interior dos Estados nacionais, as quais são múltiplas e complexas (TOMEI, Manuela; SEWPSTON, Lee. Povos indígenas e tribais: guia para a aplicação da Convenção n.169 da OIT. 1. ed. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 1999). De outro lado, diversos países de democracia liberal têm sentido a necessidade de debater a reformulação dos seus dispositivos jurídicos e do próprio Estado para acomodação dos diversos grupos sociais portadores de identidade. No caso, o debate intelectual de fundo tem se dado entre o “liberalismo político” e o “pluralismo cultural”. Em alguns países como o Canadá, Bélgica e Espanha, o debate tem ocorrido em torno da reorganização política do Estado pela “assimetria federal’, já que os grupos sociais constituem unidades políticas territoriais que coexistem no interior do Estado. Para uma leitura a esse respeito, ver: FOSSAS, Enric; REQUEJO, Ferran. Asimetría Federal y Estado Plurinacional. El debate sobre la acomodación de la diversidad en Canadá, Bélgica y España. Madrid: Editorial Trotta, 1999. 178 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 179 medidas de cunho nitidamente discriminatórias4 em relação a eles, afastandoos de qualquer possibilidade de serem reconhecidos enquanto “sujeitos de direito”. Tem-se, ainda, para os chamados “operadores do direito”5 uma possibilidade impar de ir consolidando a constituição do que poderia ser de um campo jurídico do “direito étnico”6 e, portanto, de uma forma própria de refletir o direito, a partir das situações vivenciadas por esses povos e grupos sociais, porquanto é possível observar que essa dinâmica tem provocado no âmbito interno do direito, pelo menos, três movimentos que podem ser assim delineados: a) o deslocamento de disciplinas tidas como “tradicionais”, a saber: o direito civil, o direito agrário e o próprio direito ambiental; b) a relativização e reorganização hierárquica de determinadas normas e regras consagradas pelos interpretes; e c) a reafirmação e ampliação de dispositivos jurídicos internacionais de proteção de direitos humanos. 4 Sobre a reformulação de dispositivos jurídicos de cunho discriminatório em países de democracia liberal, ver as discussões e as mobilizações em torno da política de imigração Norte Americana, que impôs uma série de medidas legais com objetivo de impedir a imigração e o processo de reconhecimento de direitos dos imigrantes já residentes (Folha de São Paulo, 2 de maio de 2006. p. A 9). Ao que parece essas medidas legais de caráter discriminatório tem se espraiado por outros países, como é caso da Lei que foi aprovada recentemente na França, que impõe restrições a imigração, estabelecendo critérios seletivos ao imigrante como o da maior escolaridade e do padrão econômico (Folha de São Paulo, 18 de junho de 2006. p. A15). No Japão, há uma discussão em torno da política migratória que afetará de forma direta os diversos brasileiros, os chamados “dekasseguis”. Ela tem a intenção de acabar com o visto especial para descendentes de japoneses e de exigir o conhecimento da língua local a todos que solicitarem visto para trabalharem no país (Jornal Nippo Brasil . São Paulo, 21 a 27 de junho de 2006; p. 4 Brasil no Japão). A despeito do Brasil ser o destino de muitos imigrantes (Folha de São Paulo, 18 de junho de 2006), essa discussão não vem sendo enfrentada . Contrariando essas políticas que vêm sendo adotadas indistintamente pelos mais variados países, o Relatório do Desenvolvimento Humano 2004 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) além de rejeitar que as diferenças seriam fontes de discórdia e de “conflitos culturais”, reafirma a sua importância como princípio do desenvolvimento humano. 5 Essa noção de “operadores do direito” tomada no texto é indistinta, servindo para referir tanto aos professores dos cursos de direito, como os demais profissionais: advogados, juízes, promotores, procuradores... 6 Não entendo que o direito possa ser compreendido de forma fragmentada, tal como é ensinado nos cursos jurídicos. As questões são por demais complexas para serem compreendidas a partir de uma única disciplina do direito, além do mais, não se pode esquecer que este tipo de especialidade, que enseja uma “carreira jurídica”, sempre está a sujeitar-se aos padrões determinados pela própria disciplina, acabando por restringir as possibilidades de interpretação e análise , isto é: “Para ser um especialista, você tem de ser credenciado pelas autoridades competentes; elas ensinam a falar a linguagem correta, a citar as autoridades corretas, a sujeitar ao território correto” (SAID, 2005: p. 81). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 179 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 180 Tal movimento que se verifica no interior do direito, decorre de profundas transformações que está ocorrendo na órbita nacional e internacional, e ocorre pelo fato do direito não vir conseguindo responder de forma plena e satisfatória as demandas e reivindicações dos movimentos sociais, que afetam de forma direta e indireta a vida dos “povos” e “grupos sociais”. Em outras palavras, o “desrespeito” às diferenças existentes entre os distintos sujeitos, materializado numa política de universalização dos direitos, vem provocando um aprofundamento dos problemas. Tem-se observado enormes dificuldades jurídicas operacionais, sobretudo, em face da total impossibilidade de se “enquadrar” as situações vivenciadas aos modelos jurídicos preexistentes, os quais têm norteado e estruturado todo ordenamento jurídico; mesmo que esses modelos possam estar referidos de alguma forma as essas situações sociais, como é o caso dos dispositivos referidos ao direito ambiental. Os resultados mais visíveis da aplicação desses dispositivos podem ser observados nas unidades de conservação de uso direto, que, inicialmente, foram incorporadas como instrumentos de defesa de direitos pelos movimentos sociais e, que, hoje em dia , têm sido visto com certa cautela pelos próprios movimentos, principalmente pelos problemas que tem gerado em torno de sua implantação,7 constituindo muitas vezes um empecilho a reprodução física e cultural desses povos e grupos sociais. Para efeito desse entendimento de que os direitos devem ser plenos, trata-se de garantir a esses povos e grupos sociais a sua reprodução física e social, consubstanciada numa determinada “prática social”,8 que se relaciona a 7 O modelo de reserva extrativista que se desenvolveu a partir da experiência dos seringueiros do Acre, é um bom exemplo desses problemas as quais estou me referindo, sobretudo às reservas extrativistas de babaçu, que, a despeito de terem sido criadas em 1992, têm sérias dificuldades de se implementar, pois esse modelo tem como ponto de partida as práticas extrativas dos seringueiros, que em muito se diferem das chamadas quebradeiras de coco babaçu. A respeito dessas questões, ver: SHIRAISHI NETO, Joaquim. Babaçu Livre: conflito entre a legislação extrativa e práticas camponesas. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de; SHIRAISHI NETO, Joaquim; MESQUITA, Benjamin Alvino de. A Economia do Babaçu: levantamento preliminar de dados. 2º ed. São Luís: MIQCB/ Typographia Balaios, 2001. pp. 57-64. Com relação às dificuldades entre a realidade e aplicação da Lei, para as reservas de desenvolvimento sustentável (RDS), ver BENTES, Genise de Melo. Desenvolvimento Sustentável: da realidade à legislação no Estado do Amazonas. Manaus: Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, 2006. (Dissertação de Mestrado). 8 180 No interior dessa “prática social” , observa-se uma série de “práticas jurídicas” que se relacionam, sobretudo, as formas de acesso e uso comum dos recursos naturais e da terra. No entanto, essas não podem ser confundidas com o direito consuetudinário, já que há entendimento prevalente no direito de que o costume é regra que do uso decorre, sendo que por isso mesmo os doutrinadores têm se esforçado em identificar os seus requisitos que envolvem uma prática reiterada, constante e uniforme de determinado ato que é produzido pela vontade geral de todos (BATALHA, Wilson de Souza Campos. Lei de Introdução ao Código Civil. Fontes e Interpretação do Direito. São Paulo: Max Limonad, Vol.1. pp. 259-329). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 181 um modo de “criar”, de “fazer” e de “viver”. Essa forma própria de viver a vida está garantida no inciso II do art. 216 da Constituição Federal de 1988, bem como do que pode ser extraído da Convenção de n.º 169 da OIT, que trata sobre os “povos indígenas e tribais”.9 Observa-se que em determinados momentos, o direito tal como tradicionalmente formulado, tem servido mais como “obstáculo” às pretensões desses povos e grupos sociais, evidenciando assim o grau de disputas internas no campo jurídico, em que se coloca em questão a própria forma de dizer o direito. Convém enfatizar que para além das reivindicações dos povos e grupos sociais se está diante de uma luta interna no campo jurídico, onde há um enfrentamento dos “operadores do direito” do direito em dizer o direito.10 A referida disputa identificada inicialmente no plano dos operadores strictu sensu, não pode se desgatar ou mesmo se paralizar em torno das discussões dos procedimentos operacionais formais para efetivação de direitos já consagrados nos textos e que reconhecem a existência social desses povos e grupos sociais. Sublinha-se que os direitos os quais se está referindo se encontra no bojo dos direitos fundamentais e, portanto, de aplicação imediata, conforme determina o texto constitucional.11 Já não se trata, com efeito, de simplesmente se utilizar dos mecanismos jurídicos cirúrgicos para determinar a validade ou não dos dispositivos legais, decepando aquelas normas tidas como inconstitucionais, mas de admitir a coexistência dos diversos instrumentos disponíveis para a efetivação desses direitos. Trata-se de reafirmar as suas respectivas fontes,12 que além de serem múltiplas e complexas, estão profundamente enraizadas em situações localizadas, ampliando as possibilidades de interpretação e de efetivação de direitos, os quais devem ser plenos. 9 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 5.051, de 19 de abril de 2004. 10 Para P. Bourdieu “o campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito dizer o direito, quer dizer a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem , na qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legitima, justa do mundo social.” BOURDIEU, Pierre. A força do direito. Elementos para uma sociologia do campo jurídico. O Poder Simbólico; trad. Fernando de Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A , 1989. pp. 209-254. 11 §1º, do art.5º. “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” 12 André Jean Arnaud e Maria José Fariñas Dulce vêm atualizando as discussões sobre os sistemas jurídicos. Para eles, com a globalização, o direito tem se apresentado cada vez menos como se fosse de uma única fonte. Há uma multiplicidade de fontes do direito e esse fenômeno é designado como “policentricidade”, que exclui a pirâmide de Kelsen, organizando outras estruturas , que podem ser assemelhar a um sistema de “circularidade” ou de “rede”. ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas Jurídicos; trad. Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. pp. 381-405. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 181 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 182 A dinâmica vivenciada por esses povos e grupos sociais na busca pelo direito de viver a diferença, joga luz no direito, pois esse se vê obrigado a reconhecer outras “práticas jurídicas”, que se encontram coadunado com outras formas de saber, mais localizados, situados nas experiências de cada grupo social. Contudo, não se pode ignorar que essa forma de “saber” sempre esteve sujeitado aos sistemas formais.13 Por isso, trata-se de refletir sobre os esquemas de pensamento jurídico dominante, cuja implicação primeira é de rever determinadas noções e princípios profundamente cristalizados e que se encontram “inculcados” nos “operadores do direito”, a fim de reorganizá-los esquematicamente em nosso pensamento, inclusive, hierarquicamente, no interior do sistema jurídico. O que se propõe é submeter as “práticas jurídicas” a um exercício de reflexão crítica, no sentido da sociologia reflexiva de Pierre Bourdieu, colocando em “suspenso” as noções e os princípios que são tomados indistintamente como “naturais”, no sentido de “afastarmos” de qualquer possibilidade que possa servir como restrição de direitos. No caso das situações sociais que envolvem esses povos e grupos sociais, entendo que se trata de atribuir ao “princípio da pluralidade” o mesmo valor que é atribuído ao “princípio da dignidade humana”, que de forma criteriosa tem orientado a elaboração de toda dogmática crítica do direito. O deslocamento do “princípio da dignidade humana” no interior do sistema jurídico, favorecendo o princípio da pluralidade, que o equipara hierarquicamente na estrutura jurídica, provoca uma necessidade inicial de releitura dessa dogmática crítica, que, com razão, tem afirmado esse princípio como supremo. Nesse sentido, aquele esquema esboçado por Kelsen de que o direito poderia ser apresentado como se fosse uma pirâmide e que tanto tem influenciado os esquemas de pensamento jurídico ocidental, inclusive, a organização do sistema hierárquico de valores – tão caro aos interpretes do direito. Os valores que sinalizam a produção e interpretação das normas acabam cedendo lugar a outras estruturas, talvez menos geométrico e, portanto mais livres desses esquemas, que aprisionam o pensamento jurídico. O significado mais visível dessa leitura dinâmica do direito é que ele possa ir “recuperando” e “atualizando” seus significados, no interior da 13 A respeito, ver FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade; trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. pp. 3-26. 182 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 183 “sociedade plural”, que se encontra em processo de profunda transformação. Há necessidade, também, de se afastar no âmbito das disputas jurídicas, do que se tem identificado como “crise do direito”, pelo fato de que esse esquema científico interpretativo do direito vir se apresentado como permanente, estável e duradouro, reforçando a idéia de que mais tem servido para alimentar o discurso jurídico dominante. 1. AS DECLARAÇÕES E CONVENÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO Até bem pouco tempo atrás sequer poderíamos imaginar, em função do grau de “universalização” e “abstração” do direito, que os instrumentos internacionais das Declarações e das Convenções aqui utilizados pudessem estar referidos as situações diretamente vivenciadas por povos e grupos sociais. Em outras palavras, a utilização efetiva dos instrumentos internacionais para amparar legalmente as situações, que se encontram na maioria das vezes circunscritas a uma determinada unidade de espaço e de tempo. Não se pode esquecer que o próprio direito sempre viveu como sendo “universal”, “abstrato” e, portanto, a – histórico. Para além dessas noções, que se encontram profundamente enraizadas num direito estatal, o direito tem reivindicado uma “homogeneidade universal”, compromissada com um “projeto global de sociedade”.14 Em muitos países, o fato do direito vir se apresentando como se fosse único,15 mais tem servido para justificar a sua total indiferença e o seu desprezo às noções de “local”, de “realidade” e de “pluralidade”. Uma decorrência de tudo isso foi à criação de “ficções jurídicas”, como a do “sujeito de direito”, que se encontra destituído de suas raízes profundas. A primazia da forma em detrimento do conteúdo tem levado os “sujeitos de direito” a uma espécie de “invisibilidade”, destituindo esses sujeitos de quaisquer elementos que possam qualificá-los, perdendo as suas especificidades enquanto tal, como parte de determinado povo ou grupo social. 14 Para Bourdieu há um intenso movimento que tem a pretensão de criar uma “homogeneização jurídica”, a fim de que possa atender os propósitos de determinados grupos econômicos dominantes que atuam em toda parte. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: para um movimento social europeu; trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 107. 15 RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento; trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 110. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 183 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 184 Ao incorporar essas “novas” dimensões e conteúdos explicitadas nos dispositivos internacionais, mesmo sabendo que esses representam formas de dominação aqui tomando a noção de Michel Focault sobre o significado de dispositivo, é possível vislumbrar uma dimensão do direito, que extrapola as noções pré-determinadas, obrigando-nos a um mergulho em um “novo” modus operandi, cuja força motriz faz com que se reflita acerca das estruturas e o seu modo de funcionamento. Os dispositivos internacionais dos direitos humanos são igualmente universais e, por isso, passíveis das críticas ora formuladas. Contudo, a existência desses instrumentos de proteção dos indivíduos revela, inicialmente, um dado importante destacado pela maioria dos interpretes do direito internacional, de que os indivíduos, não são meros objetos, mas sim, “sujeitos de direito”; corroborando uma leitura que relativiza a soberania absoluta dos Estados, na medida em que é possível a intervenção para proteção desses “sujeitos de direito”, que são mais importantes que os próprios Estados. Os recentes dispositivos internacionais “acordados”, “assinados” e “ratificados”, ou não, pelo Brasil, deram ênfase a outros elementos constitutivos da noção de sujeito de direito, permitindo um alargamento e uma melhor qualificação do sujeito, que além da dimensão individual,16 inscrita em vários desses dispositivos internacionais de proteção dos direitos humanos, incorpora uma outra dimensão de sentido coletivo e que se refere à noção de povos e grupos sociais. Portanto, o exercício que ora se propõe é tomar os dispositivos internacionais ratificados ou não pelo Brasil e analisá-los à luz do contexto brasileiro. 2. O LUGAR JURÍDICO DAS DECLARAÇÕES E CONVENÇÕES O primeiro passo para a nossa reflexão é de explicitar a força da forma, situando essas Declarações e Convenções no interior do sistema jurídico brasileiro. Trata-se de guardar o papel das Declarações, cujo conteúdo serve como “princípios jurídicos” orientadores dos demais instrumentos e ações, 16 Importa assinalar que outros dispositivos internacionais já se referiam a uma noção de coletivo, como a Convenção do Genocídio que foi aprovada pelo Brasil por meio da Lei n.º 2.889, de 01 de outubro de 1956, que “define e pune o crime de genocídio”. 184 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 185 bem como das Convenções, que por serem tratados,17 vinculam os países na órbita internacional, impondo todo tipo de sanções, sobretudo aquelas de natureza comercial, cujos resultados podem ser mais imediatos. Para a análise, serão tomadas preferencialmente as Declarações às quais o Brasil é signatário, especialmente: a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” de 1948, a “Declaração de Durban” e a “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”, ambas de 2001. Além das Declarações, as Convenções já ratificadas: a “Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural” de 1972,18 a “Convenção sobre a Diversidade Biológica”19 e a Convenção n.º 169 da OIT. Neste contexto, deve-se assinalar que a “Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural” representou um “marco jurídico” desse processo, pois além de permitir a realização da distinção entre o patrimônio cultural e o natural, enfatizou a importância desses bens para o desenvolvimento da humanidade. A despeito de não ter sido ratificada pelo Brasil, a “Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade de Expressões Culturais” faz parte desse repertório de instrumentos internacionais e, desta forma, serve para refletir as situações vivenciadas pelos povos e grupos sociais no Brasil. É o §2.º, do art. 5.º, da Constituição Federal de 1988, que garante a possibilidade de recepção dos direitos enunciados nesses dispositivos, conferindo aos tratados que versam sobre questões relacionadas aos direitos fundamentais, em particular, natureza hierárquica de norma constitucional e de aplicação imediata,20 tal como preceitua o §1.º, do art. 5.º, da CF de 1988, que assegura aplicação imediata de normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. 17 A incorporação de tratados internacionais no sistema jurídico nacional é matéria reservada aos Estados, por isso, as exigências podem variam de Estado para Estado. Em geral, o processo de formação dos tratados tem início com os atos de negociação. A simples assinatura do tratado, não irradia efeitos jurídicos. No Brasil, após a negociação e assinatura que é de competência do Poder Executivo (inc. VIII, art.84 da CF), é encaminhado ao Poder Legislativo para aprovação por meio de Decreto Legislativo (inc. I , art. 49 da CF). Na seqüência desse processo há o ato de ratificação, que é realizado pelo Poder Executivo por meio de Decreto e somente após a sua ratificação é que o tratado passa a ter valor e produzir efeitos jurídicos. Como etapa final, esse instrumento há de ser depositado em um órgão que assuma a sua custódia para produzir efeitos internos e externos. Uma decorrência de seu descumprimento é a responsabilização do Estado violador. 18 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 80.978, de 12 de dezembro de 1977. 19 Promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 2.519, de 16 de março de 1998. 20 A propósito dessa temática da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, conferir: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 51-103. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 185 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 186 2.1 O Reconhecimento das Diferenças nas Declarações e Convenções A Convenção n.º 169 foi adotada pelo Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989. Entrou em vigor em 1991 após ter sido ratificada por dois Estados-membros, revogando a Convenção n.º 107, de caráter “integracionista” ou “assimilacionista”, cujo objetivo era integrar esses povos e grupos a sociedade nacional. Ela partia de modelos explicativos que pressupunham uma espécie de irreversibilidade do processo de “integração” ou de “assimilação”. Essa posição foi revista pela Convenção n.º 169, a qual incluiu a noção de que a vida dos “povos indígenas e tribais” é permanente e perdurável, fazendo com que diversos Estados passassem a se reconhecer como “multiétnicos” ou “pluriculturais”. Na última década, diversos Estados reformularam suas Constituições e passaram a reconhecer que se trata de Estados com uma diversidade cultural, a exemplo do próprio Brasil, que em 1988, outorgou uma Carta reconhecendo a diversidade social e cultural do país, como consta do Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida , na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (G.N.). (Preâmbulo da Constituição Federal de 1988). Este posicionamento foi co-extensivo aos Estados membros que, ao elaborarem a suas Constituições Estaduais a partir de 1989, reconheceram de forma explícita as diversas situações envolvendo povos e grupos sociais distintos. Como se não bastasse, as Constituições federal e estaduais deram tratamento específico as questões culturais, que também são tidas como direito fundamental, em decorrência das declarações internacionais e regionais de 186 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 187 direitos humanos (“Declaração Universal de Direitos Humanos” e “Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”). Para esses instrumentos , a cultura não se trata somente de criação e de produção artística e intelectual, mas inclui também uma forma própria, que serve para a realização existencial das pessoas enquanto pessoas. Nesse sentido, os textos das Constituições Estaduais acabaram indo ao encontro com o disposto na Constituição Federal de 1988, cujo entendimento é de que a cultura se relaciona a uma forma de “criar”, de “fazer” e de “viver” dos povos e grupos sociais (inciso II do art. 216). Sentido esse reafirmado na “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”, onde se lê já nas considerações iniciais o que se segue: Reafirmando que a cultura deve ser considerada como conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.21 (G.N). Explicitamente essa “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural” afirma que: A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem as minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance. (G.N.) (art.4.º). Além disso, a diversidade cultural seria também uma das fontes do desenvolvimento entendido num sentido amplo (art.3.º). Já para a “Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais”, a 21 Ela se dá conforme as conclusões da Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT), que ocorreu em 1982, no México; da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (Nossa Diversidade Criadora) de 1995; e da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento , que aconteceu em 1998, em Estocolmo. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 187 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 188 diversidade cultural é tratada explicitamente como princípio para o desenvolvimento sustentável: A diversidade cultural é uma grande riqueza para as pessoas e as sociedades. A proteção, a promoção e a manutenção da diversidade cultural é uma condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefícios das gerações aturais e futuras. (G.N.) (item 6 do art. 2 da Convenção). Observa-se que está havendo uma tendência em aliar a defesa da diversidade cultural e da cultura ao desenvolvimento humano, equiparando a noção de desenvolvimento sustentável, tão caro ao direito ambiental. Esse movimento muito se assemelha ao da preservação e da conservação da natureza, cuja intensidade se verificou, sobretudo na década de 1990, influenciando diversos instrumentos normativos e desencadeando um conjunto de políticas públicas e de ações, como a própria Constituição Federal de 1988, que tem um Capítulo sobre o Meio Ambiente (art. 225). 3. A CONVENÇÃO N.º 169 DA OIT: A CONSCIÊNCIA DE SI Sobre a Convenção n.º 169 da OIT é importante afirmar que além de ser um tratado, tem uma especificidade por tratar-se de matéria relacionada aos direitos dos “povos indígenas ou tribais”, que são tidos como fundamentais, cujas implicações é a sua aplicação imediata (§1.º do art. 5º) e o reconhecimento de que esse dispositivo se situa no mesmo plano hierárquico da CF de 1988, a exemplo de todos os direitos fundamentais. Contudo, determinados autores têm enfatizado duas omissões importantes22 da Convenção n.º 169: o fato de não ter tratado sobre a propriedade intelectual; e que não prevê formas de controle da sua aplicação. Em relação a essa primeira omissão, trata-se de ler essa com a “Convenção sobre Diversidade Biológica”, no sentido de qualificar os sujeitos portadores dos conhecimentos tradicionais. 22 A esse respeito, ler: CHAMBERS, Ian. El Convenio 169 de la OIT: avance y perspectivas. GÓMEZ, Magdalena (coord.). Derecho Indígena 188 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 189 A leitura conjunta dessas Convenções tem uma enorme conseqüência no plano jurídico, sobretudo no sentido de equiparar as relações que são rigorosamente formais e fechadas às realidades sociais. Ela é realizada propositalmente, uma vez que permite reafirmar a presença dos povos e grupos sociais nessa arena de disputas. Uma conseqüência em deixar de fazê-lo, seria tratar indistintamente todo conhecimento como passível de ser apropriado ou mesmo, pensá-lo por sua utilidade e necessidade, tal como se estrutura o pensamento jurídico dominante, que tem como pressuposto o aperfeiçoamento das relações mercantis entre sujeitos, tidos como iguais. Atenta-se o fato de que a essa “Convenção sobre a Diversidade Biológica” designa “comunidades locais” e “populações indígenas” ao invés de “povos indígenas e tribais” como faz a Convenção n.º 169. Os interpretes da Convenção n.º 169 da OIT tem dividido esse instrumento em três seções principais e cada uma delas em várias partes. A primeira diz respeito à política geral; a segunda, a vários temas substantivos; e a terceira, assuntos gerais e administrativos. Em relação à Convenção n.º 169, vale repassar alguns artigos, que são importantes para a nossa reflexão jurídica. Ela fala dos “povos indígenas” e “tribais”, não fazendo nenhuma distinção de tratamento em relação a esses grupos sociais. Ambos têm o mesmo peso diante da Convenção. As situações vivenciadas por esses povos e grupos sociais não se vinculam necessariamente a um período temporal ou a um determinado lugar. O que deve ser considerado no processo de identificação é a forma de “criar”, de “fazer” e de “viver”, independentemente do tempo e do local, importando assinalar que referido critério distintivo da noção de “povo” não é o mesmo do direito internacional (item 3 do art. 1º da Convenção n.º 169). Ressalta-se que essa noção de povo desloca-se da noção de população, de caráter “integracionista” ou “assimilacionista”, como pode ser observado no item 2 do art. 1.º: A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção. (G.N.). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 189 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 190 Para a Convenção, o critério para distinguir os sujeitos é o da consciência, em outras palavras, é o da auto-definição... é o que os sujeitos dizem ser por estarem referidos a algum povo ou grupo social e, por isso mesmo, tem provocado e promovido de forma deliberada uma verdadeira ruptura no mundo jurídico, que sempre esteve vinculado aos interpretes autorizados da Lei. Para Pierre Bourdieu, o campo jurídico se constitui num universo social autônomo e específico, organizado único e exclusivamente pelos “operadores do direito”, que por meio de um mandato, “usurpam” qualquer forma de participação. No Brasil, não há “povos tribais” no sentido estrito em que há em outros países, mas existem povos e grupos sociais distintos que vivem em sociedade e essa distintividade é que aproxima da noção de “povos tribais”. Desde que os povos e grupos sociais se definam enquanto tal devem ser “amparados” pela Convenção. A Convenção não define a priori quem são esses “povos indígenas e tribais”, apenas dá instrumentos para que o próprio sujeito se defina diante de seu grupo, como o da “consciência de sua identidade”, sendo que compete a cada país a decisão sobre quais povos e grupos sociais recaí a aplicação dessa Convenção. Neste caso, ela faz acertadamente, pois se definisse de antemão, excluiria uma infinidade de povos e grupos sociais desse precioso dispositivo. Entendo que a Constituição Federal dá um tratamento especial a essas situações reafirmando os critérios de identidade, uma vez que essas noções podem ser retiradas de uma leitura criteriosa do art. 3, quando ele afirma que a resolução dos problemas regionais (inc. III do art.) passa pela construção de uma “sociedade livre”, “justa” e “solidária” (inc. I do art.), sem qualquer tipo de discriminação (inc. IV). Um aspecto diretamente relacionado ao da identidade , é o da ocupação e uso das terras, do território. De acordo com o item 1 do art.14 da Convenção: Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam... (G.N.). Essa noção de terra, que compreende o conceito de território, incluiu uma totalidade que diz respeito: as formas de ocupação e uso da terra e dos recursos naturais (item 2 do art.13); às culturas e os valores vinculados a essa terra ou territórios (item 1 do art.13); ao direito sobre os recursos naturais existentes. Ele abrange também o de “...participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados.” (item 1 do art.15). 190 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 191 Na possibilidade dos recursos pertencerem ao Estado, mesmo assim deverão ser consultados com procedimentos apropriados, participar dos benefícios e receber indenização eqüitativa (item 2 do art.15). Além de tudo isso, o item 1 do art. 14, resguarda a possibilidade desses povos e grupos sociais utilizarem as terras não ocupadas, mas que venham sendo utilizadas de forma tradicional. Trata-se de reconhecer o instituto da servidão, que foi utilizado em situações que se assemelham as da presente, tal como os chamados “castanhais do povo” no Estado do Pará, onde por meio de Decreto, o Estado assegurava aos castanheiros, o livre acesso e uso dos castanhais. Para essas situações, fica condicionado ao Estado adotar medidas para salvaguardar esse direito desses povos e grupos sociais. Em relação à Convenção n. 169, dois aspectos ainda são merecedores de notas, pois se encontram diretamente referidos ao a auto-definição. Eles dizem respeito ao processo de participação e de consulta envolvendo os povos e grupos sociais. Segundo o art. 6º, os governos devem estabelecer os meios para que os povos e grupos sociais interessados possam participar das decisões em todos os níveis no âmbito legislativo e administrativo (letra a e b do item 1 do art. 6.º). Os meios, segundo a letra c, implicam em criar condições próprias para que possam participar efetivamente (inclusive alocando recursos, investindo na formação e capacitação e no fortalecimento institucional dos grupos...). Pelo visto, há uma mudança radical de por fim a qualquer forma que enseje algum tipo de tutela, sempre presente nos dispositivos jurídicos, que notadamente vêem esses povos e grupos sociais como sujeitos inferiorizados, incapazes de discernirem sobre seus próprios atos. No caso, o “princípio da igualdade” deve ser o pressuposto e não o objetivo a ser alcançado, pois a emancipação decorre do reconhecimento da existência da diversidade e das diferenças de cultura, que envolucram distintos sujeitos que conhecem perfeitamente as suas necessidades mais imediatas e mediatas. Mais do que isto, entendo que o Estado deverá condicionar as suas políticas e programas as ações dos grupos sociais; deverá, ainda, se estruturar de forma diferenciada para atendimento das demandas que são múltiplas e complexas, determinado “novas” maneiras de pensá-las. Isso tudo implica numa mudança do Estado na forma de organizar e operacionalizar suas ações, que não pode ficar restrita as competências administrativas firmadas previamente. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 191 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 192 A importância desse instrumento, assim como dos outros referidos, salta aos olhos. Ele permite refletir uma série de políticas, programas e ações. A aplicação efetiva desses dispositivos jurídicos internacionais pode e deve significar uma mudança nas estruturas do Estado, que sempre foram esboçadas e operacionalizadas de forma universal, sem deixar margem para o tratamento das diferenças sempre existentes. Convém destacar um outro artigo que também se encontra diretamente relacionado à afirmação das identidades e ao direito de participação desses povos e grupos sociais, é a previsão contida no item 1 do art. 7.º: Os povos interessados deverão ter direito de escolher suas prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam e utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afeta-los diretamente. (G.N). identifica-se aqui pelo menos dois pontos importantes: o direito do grupo definir o que quer, o que quer para si, de definir suas prioridades quaisquer que sejam; e o direito de participar de todas discussões que possam lhe afetar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto, os dispositivos jurídicos internacionais apresentam uma atualidade em face das situações vivenciadas pelos povos e grupos sociais no Brasil. O fato de garantir que os sujeitos se definam a partir de sua própria consciência, rompe com uma maneira de pensar o direito, alargando a compreensão das “práticas jurídicas”, que se encontram referidas ao campo jurídico. Ademais, uma leitura das Declarações e das Convenções internacionais possibilita o deslocamento do poder de dizer o direito, na medida em que “inverte os papéis”, atribuindo aos “operadores do direito” um papel menos 192 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 08_artigo_shiraishi.qxd 28.02.07 16:44 Page 193 “ativo” e mais “passivo” nesse processo, sobretudo porque cabe ao “operador” reconhecer o que foi expressamente definido pelos sujeitos. Além disso, esse procedimento que garante o reconhecimento das diferenças faz com que ocorra um revigoramento dos povos e grupos sociais, que se mobiliza no sentido de garantir o reconhecimento de suas especificidades, tidas como imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade. Vale ressaltar que a despeito desse processo desenhado no campo jurídico, tem-se a necessidade de, a exemplo do que ocorre em outros países, a construção de uma política jurídica de caráter étnico, a fim de atender e garantir a reprodução física e social desses povos e grupos sociais, o que vai implicar numa “nova maneira” de se pensar as relações e as estruturas do Estado brasileiro. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais livres”, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de; SHIRAISHI NETO, Joaquim; MESQUITA, Benjamin Alvino de. 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A contribuição do Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .201 3. A diferenciação no período medieval: o feudalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .202 4. A Revolução Francesa como marco do Direito Moderno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .203 5. A visão de alguns pensadores católicos sobre a propriedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .204 6. A Propriedade na visão privatista tradicional e na visão constitucional contemporânea . . . . . . . . . . . .205 7. A função sócio-ambiental da propriedade como novo paradigma biocêntrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207 Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .212 ANÁLISE DA CULPABILIDADE E DA RESPONSABILIDADE DO DANO AMBIENTAL: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA MISSÃO DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA NO INTERIOR DO ESTADO DO PARÁ D a n i e l A b r a h ã o d o N a s c i m e n t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 1 7 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .218 1. Desenvolvimento: Conhecendo o cenário e o começo dos “crimes” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .219 2. A Insuficiência do aparelho estatal e o legado de um modelo de desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . .222 3. A culpabilidade e a responsabilidade do dano ambiental Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . .227 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .235 SOCIEDADE CIVIL RESÍDUOS SÓLIDOS E CONSCIENTIZAÇÃO M a r i a R o s a l v a d e O l i v e i r a S i l v a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 3 9 1. Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .240 2. Competência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .241 3. Classificação dos Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .242 4. A Problemática do Lixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .243 5. Sociedade Civil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .246 6. Conscientização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .249 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 198 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 199 A FUNÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL COMO NOVO PARADIGMA DA PROPRIEDADE CONTEMPORÂNEA Alaim Giovani Fortes Stefanello* Sumário: Introdução; 1. As diferentes percepções de propriedade privada; 2. A contribuição do Direito Romano; 3. A diferenciação no período medieval: o feudalismo; 4. A Revolução Francesa como marco do Direito Moderno; 5. A visão de alguns pensadores católicos sobre a propriedade; 6. A Propriedade na visão privatista tradicional e na visão constitucional contemporânea; 7. A função sócio-ambiental da propriedade como novo paradigma biocêntrico; Conclusão. Resumo: O instituto da propriedade tem se consolidado dentro de uma concepção individualista desde a época do direito romano. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, serviu como marco histórico moderno da propriedade como direito absoluto. Esse modelo, baseado no Estado Liberal, foi sendo reproduzido pelo ensino jurídico de forma a não permitir reflexões críticas acerca da necessidade do seu reexame com base numa visão social. Mesmo com a inserção da função social da propriedade na Constituição Federal de 1988, o inconsciente coletivo continuava a reproduzir o modelo anterior, que se esgotou por não contemplar os interesses da coletividade. Surge espaço para o crescimento das diferentes noções de propriedade contemporânea, baseada na função sócioambiental como novo paradigma biocêntrico. Abstract: The institute of property has been consolidated within an individualistic conception since the time of the Roman law. The Declaration of the Rights of the Man and the Citizen, of 1789, served as modern historical landmark of property as an absolute right. This model, based on the Liberal State, had been reproduced by the legal education in order to not allow critical reflections concerning the necessity of its reexamination based on a social vision. Even with the insertion of the social function of property in the Federal Constitution of 1988, the collective unconscious continued to reproduce the previous model, which has been depleted for not contemplating the interests of the collectiveness. Space for the growth of the different notions of contemporary property appears, based on the socio-environmental function as a new biocentric paradigm. Palavras-chave: Direito Ambiental; Direito Constitucional; Propriedade; Função Social; Key-words: Environmental Law; Constitutional Law; Property; Social Function; * Advogado da Caixa Econômica Federal em Manaus – Gerente Jurídico Regional. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/AM. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela FADIVALE-MG. Conselheiro Editorial da Revista de Direito da ADVOCEF. Presidente do CEDAM – Centro de Estudos em Direito Ambiental da Amazônia. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 199 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 200 INTRODUÇÃO O estudo que se pretende apresentar no presente artigo terá como escopo a propriedade no contexto contemporâneo, já relativizada pela função social e ambiental insertas na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002. Trata-se de um novo paradigma da propriedade que rompe com o absolutismo do Direito Privado tradicional, o qual está baseado no poder total do dono sobre o bem apropriado. Embora não se tenha a intenção de limitar o tema apenas sob o enfoque da propriedade imóvel e privada, este aspecto será explorado neste artigo na parte que trata da evolução histórica das noções propriedade, para demonstrar que as concepções criadas ao longo do tempo, principalmente acerca da propriedade rural, influenciaram nas demais formas de apropriação de bens pelo homem. Contudo, também será analisada a propriedade de bens imateriais e ambientais. Antes disso, porém, faz-se necessário contextualizar o assunto. Para tanto, é preciso entender como as concepções do Estado Liberal foram sendo firmadas ao longo do tempo e reproduzidas com base no sistema jurídico romano de propriedade. Tais concepções sofreram poucas alterações e consolidaram-se na Revolução Francesa, que influenciou boa parte dos Códigos Civis ocidentais. A reprodução deste modelo de propriedade ocorreu por meio de um ensino jurídico que, via de regra, apenas reproduz conceitos dentro de uma concepção monista e positivista, sem se preocupar em analisar de forma crítica o sistema legal vigente, o qual gera desigualdade social e exclusão, tendo por base a concentração de propriedade. Esse ensino jurídico conservador, lastreado no inconsciente coletivo dos alunos, vai fazendo com que algumas importantes mudanças no ordenamento jurídico demorem muito para terem eficácia social. A função sócio-ambiental da propriedade é um exemplo disso. Foi essa modalidade de ensino jurídico que reproduziu as concepções liberais de propriedade, originadas do Código Civil Francês, dentro de uma metodologia de “mera transmissão do conhecimento”,1 ou de simples transferência de informação, sem qualquer preocupação pedagógica, 1 200 MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Manual da Educação Jurídica. Curitiba: Juruá, 2004, p. 32. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 201 perpetuando o discurso hegemônico liberal do “ensino jurídico da propriedade”,2 como ensina Erouths Cortiano Junior. Aos poucos, porém, uma nova realidade começa a ser construída nos cursos jurídicos. A didática, as noções de pedagogia, a educação transdisciplinar que se preocupa em fazer com que o direito dialogue com as demais ciências, contribui para que os meros reprodutores de informações comecem a dar lugar àqueles que ensinam a pensar e a criar, fazendo com que a teoria jurídica interaja com a realidade social na busca de alternativas emancipatórias. 1. AS DIFERENTES PERCEPÇÕES DE PROPRIEDADE PRIVADA Não se pretende no presente trabalho analisar todos os tipos de propriedade e as diferentes concepções formuladas por diversos teóricos desde os mais remotos tempos. Far-se-á um breve estudo contextualizado sobre algumas percepções de propriedade ao longo da história, que permita construir um cenário que servirá de palco para desenvolver o tema principal, analisando a propriedade contemporânea dentro de um novo paradigma social e ambiental. 2. A CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO ROMANO Para Orlando Gomes,3 na evolução histórica da propriedade interessa relembrar a noção deste instituto para os romanos, pois é o modelo que “predomina no regime capitalista” até hoje. Segundo o autor, a propriedade romana passou por longo processo de individualização, conferindo poderes exagerados e exaltando a concepção individualista do proprietário. Fernanda de Salles Cavedon,4 por sua vez, afirma que o Direito Romano influenciou os principais sistemas jurídicos ocidentais, em especial no âmbito do Direito Privado. Para a autora, a noção de propriedade para os romanos foi sofrendo alterações, deixando de ser exclusivamente individualista quando começou a restringir as formas de uso que trouxessem prejuízo à propriedade alheia. 2 JUNIOR, Eroulths Cortiano. O Discurso Jurídico da Propriedade e suas Rupturas. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. 3 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19.ª ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 115. 4 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. Florianópolis: Editora Momento Atual, 2003, p. 8. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 201 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 202 De qualquer forma, independente dos contornos restritivos que o uso da propriedade romana possa ter tido, a concepção mais marcante deste período é o direito de usar, fruir e dispor da propriedade, possuindo o proprietário um direito absoluto oponível erga omnes que influenciou o Direito Civil ocidental. Neste sentido, Roberto Senise Lisboa5 afirma que “no decorrer da história do império romano, podem ser constatadas etapas em que a propriedade individual possuiu maior ou menor importância. Entretanto, é inegável que o individualismo, de forma geral, prevaleceu”. 3. A DIFERENCIAÇÃO NO PERÍODO MEDIEVAL: O FEUDALISMO Já no período medieval a propriedade diferencia-se no que tange à exclusividade, “tendo como traço dominante a multiplicidade e o desmembramento do domínio, representado pelo regime feudal”.6 Para Orlando Gomes7 é a “quebra desse conceito unitário”, havendo concorrência de proprietários sobre o mesmo bem. O período feudal caracteriza-se, pois, por uma mudança no domínio e uso da terra, fruto da desigualdade social e das “invasões das propriedades privadas”8 que estavam ocorrendo. O individualismo e o poder absoluto são relativizados, dando lugar ao compartilhamento da terra entre o senhor feudal e o vassalo, em que pese haverem obrigações recíprocas, não consideradas eqüitativas. Cabe destacar, mesmo assim, o encontro de interesses daqueles que não possuíam terras, mas desejavam e precisam plantar para sobreviver, com aqueles que possuíam propriedades improdutivas e nelas não queriam trabalhar. Essa relação, porém, por ser excessivamente onerosa para o vassalo, aos poucos vai gerando o esgotamento deste modelo, diminuindo os direitos do senhor feudal. Novamente, aos poucos a propriedade volta a adquirir contornos individualistas que se consolidariam, posteriormente, com a Revolução Francesa de 1789. 202 5 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Volume 4: Direitos Reais e Direitos Intelectuais. São Paulo: 3.ª ed., revista e atualizada. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 163. 6 CAVEDON, Fernanda de Salles. Op. cit., p. 13. 7 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 115. 8 BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor Urbano e Função Social da Propriedade. Curitiba: Editora Juruá, 2004, p. 27. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 4. 28.02.07 16:53 Page 203 A REVOLUÇÃO FRANCESA COMO MARCO DO DIREITO MODERNO A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, oriunda da Revolução Francesa, concebe a propriedade como um direito sagrado e inviolável. Trata-se do marco histórico e ideológico do Direito Moderno, baseado nos ideários de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução. Todavia, esta concepção de liberdade foi assegurada como um direito do proprietário usar de qualquer forma seus bens, agindo sem precisar se preocupar com a coletividade, dando origem ao Liberalismo que projetava a propriedade restrita ao aspecto individualista. “Só homens livres podem ser proprietários, podem adquirir propriedade, porque faz parte da idéia da propriedade a possibilidade de adquiri-la e transferi-la livremente”.9 Retorna-se, pois, ao modelo ideológico de propriedade semelhante ao conceito que os romanos adotavam, de usar, fruir e dispor de maneira absoluta dos seus bens. Essa concepção de propriedade foi defendida pelo modelo dogmático positivista desde a Revolução Francesa. De acordo com Plauto Faraco de Azevedo, este ainda é o arquétipo dominante na atualidade, apesar de estar sendo combatido nas últimas décadas. Segundo o autor, “este modelo pode ser compreendido com a ascensão da burguesia ao poder político, após a Revolução Francesa. Com o Código Civil Francês, o Código de Napoleão, surge a Escola da Exegese, que proíbe a interpretação do direito”.10 Porém, ao contrário do que se possa imaginar, a transformação de terras em propriedade privada na concepção atual, não é um fenômeno universal, “nem histórica nem geograficamente”, conforme afirma Carlos Frederico Marés de Souza Filho.11 De acordo com o autor, trata-se de uma construção humana recente, como vimos acima, construída com base no mercantilismo dos séculos XVI, XVII e XVIII, bem como nos confrontos, violência e guerras dos séculos XIX e XX, o que ocasionou o “esgotamento teórico e prático” 12 deste modelo. 9. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. Editor, 2003, p. 18. 10. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 37. 11. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Op. cit., p. 17. 12. Ibidem, p. 18. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 203 09_alaim_giovani.qxd 5. 28.02.07 16:53 Page 204 A VISÃO DE ALGUNS PENSADORES CATÓLICOS SOBRE A PROPRIEDADE A Igreja Católica teve um papel relevante na defesa de uma propriedade mais voltada aos interesses coletivos. Neste aspecto, Carlos Marés,13 citando Eduardo Rubianes, lembra São Basílio, que por volta do século V teria indagado: Quem é ladrão? Quem é avaro? Avaro é aquele que não se contenta com o suficiente. E, se chamamos de ladrão aquele de desnuda quem está vestido, terá outro nome aquele que não veste quem está desnudo, podendo fazê-lo? O pão que guardas, é do faminto; os vestidos que conservas no guarda-roupa, é do desnudo; o dinheiro que guardas enterrado, é do necessitado. De forma semelhante, Santo Tomas de Aquino também pregou que a propriedade não poderia “se opor ao bem comum ou a necessidade alheia”.14 Essa tendência vai “desde Santo Ambrósio, propugnando por uma sociedade mais justa com a propriedade comum, ou Santo Agostinho, condenando o abuso do homem em relação aos bens dados por Deus”.15 Como se observa, as posições acima são totalmente opostas à propriedade no sentido individual, pregando que cada um deveria possuir apenas o suficiente para sua sobrevivência e necessidade, devendo compartilhar todos os bens que não sejam necessários com aqueles que não os possuem. Não haveria, na concepção destes pensadores, acúmulo de bens. Todavia, essa concepção de socializar os bens não teve espaço significativo para crescer ao longo da história, predominando a visão capitalista do acúmulo de propriedade como símbolo de poder na sociedade. Esse é o pensamento que permanece até hoje. Trata-se do predomínio do “ter”, em detrimento do “ser”; ou seja, na sociedade contemporânea valorizase o acúmulo de riquezas (propriedades no sentido geral), menosprezando-se os demais valores humanos. Para Carlos Marés,16 esta é a lógica da 13 Ibidem, p. 20, tradução livre. Citado por Eduardo Rubianes em seu livro El domínio de los bienes segun la doctrina de la Iglesia, publicada em Quito, pela PUC- Ecuador, em 1993. 14 Ibidem, p. 21. 15 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 73. 16 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Introdução ao Direito Socioambiental. In, O Direito para o Brasil Socioambiental. LIMA, André. (org.). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 29. 204 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 205 modernidade, lastreada num sistema onde todos têm direito a serem proprietários, por isso, já não são mais chamados de cidadãos, mas sim de consumidores ou usuários. Ou seja, na sociedade atual valorizam-se aqueles que podem consumir e adquirir propriedades. Esses bens materiais passaram a ser mais relevantes do que valores imateriais como ética, respeito, dignidade e paz. Nesta lógica, a pessoa só será sujeito de direito se for proprietário. 6. A PROPRIEDADE NA VISÃO PRIVATISTA TRADICIONAL E NA VISÃO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEA O objetivo deste estudo não é estabelecer definições e conceitos de forma absoluta, mas sim fazer uma análise crítica descritiva das diferentes visões acerca do tema propriedade. Optar-se-á por esta metodologia por entendermos que o direito precisa ser visto e praticado de uma forma dinâmica que permita ir além de conceitos prontos e acabados, buscando auxiliar na construção de viabilidades jurídicas que contribuam para uma sociedade mais plural e eqüitativa. Neste sentido, temos a visão contemporânea do direito de propriedade, onde já não prevalece, apesar de ainda existir, “aquele absolutismo pernicioso que imperava no conceito do direito de propriedade, conferindo ao titular desse direito prerrogativas excepcionais [...] em detrimento dos interesses que seriam os mais caros da coletividade”.17 José Afonso da Silva18 explica que: o direito de propriedade fora, com efeito, concebido como uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível. Verificou-se, mais tarde, o absurdo dessa teoria, porque entre uma pessoa e uma coisa não pode haver relação jurídica, que só se opera entre pessoas... Demais, o caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do 17 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Op. cit., p. 17. 18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12.ª edição revista. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 263. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 205 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 206 abuso do direito, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até chegar-se à concepção da propriedade como função social, e ainda à concepção da propriedade socialista, hoje em crise. Importante destacar a opinião acima, vista sob a ótica constitucionalista, mostrando a superação privatista do conceito de propriedade pelas normas do direito público. Para o autor, o conjunto de normas constitucionais sobre propriedade faz com ela não seja mais considerada como instituição de Direito Privado, uma vez que a perspectiva civilista não “alcança a complexidade do tema, que é resultante de um complexo de normas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado”.19 Para Gustavo Tepedino20 a Constituição Federal de 1988 introduziu profundas transformações na disciplina da propriedade, sendo que “os civilistas, à época, não se deram conta de tais modificações em toda a sua amplitude, mantendo-se condicionados à disciplina da propriedade prévigente”. O autor afirma que: a propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade.21 Observa-se, pois, a mudança de concepção de propriedade, principalmente após a Constituição Federal de 1988 que lhe atribuiu uma função social. Logo, vista sob as lentes constitucionais, a propriedade só será garantida, nos termos do artigo 5.º, XXII, desde que atenda a sua função social, conforme estabelece o artigo 5.º, inciso XXIII. 19 Ibidem, mesma página. 20 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3.ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 304. 21 Ibidem, p. 317. 206 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 207 Carlos Frederico Marés de Souza Filho comenta que a propriedade e sua função social foi um dos temas mais polêmicos no processo constituinte de 1988, pois de um lado estava a questão social propugnando por uma propriedade relativizada. De outro lado, a “velha propriedade do século XIX, absoluta, protegida a qualquer preço, como coisa sacrossanta, intocável, como se fosse o supremo direito de cada um e o paradigma único de liberdade”.22 Neste mesmo sentido o novo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.228 reconheceu que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, mas que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, preservando a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio histórico e artístico, evitando a poluição do ar e das águas. O disposto no artigo 1.228 do Código Civil explicita uma outra função que a propriedade deve atender, que é a função ambiental. Para Juliana Santilli, “o novo ordenamento constitucional obrigou o estatuto civil a redimensionar o direito de propriedade, dando-lhe nova estrutura e novos contornos conceituais”.23 Na verdade, tal artigo está em consonância com o disposto na Constituição Federal, no seu artigo 225, que trata do meio ambiente como bem de uso comum do povo. De igual forma no inciso II do artigo 186 da Constituição, que trata da propriedade rural e vincula a função social à preservação do meio ambiente. Ainda, a título ilustrativo, no artigo 170 da Constituição, nos princípios gerais da atividade econômica aparecem a propriedade privada, a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente. 7. A FUNÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE COMO NOVO PARADIGMA BIOCÊNTRICO Na evolução histórica da propriedade observamos que para os Romanos destacava-se a prerrogativa de usar, fruir e dispor sobre os seus bens. No feudalismo ocorreu o compartilhamento da propriedade rural, possibilitando 22 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Introdução ao Direito Socioambiental. Op. cit., p. 22 e 23. 23 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis. IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil e ISA – Instituto Socioambiental. 2000, p. 89. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 207 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 208 que mais pessoas tivessem acesso a terra. A Revolução Francesa apresentou a propriedade como um direito sagrado e inviolável, que foi sendo reproduzido pelo capitalismo, estando ainda hoje presente no inconsciente coletivo reproduzido pelo ensino jurídico liberal, baseado na dogmática positivista. Importante destacar a Constituição de Weimar, ou Constituição do Império Alemão de 11 de agosto de 1919, em seu artigo 153; bem como a Constituição Mexicana de 31 de agosto de 1917, em seu artigo 27. Para Carlos Marés, ambas Constituições “adotam como fundamento do direito o conceito de que a propriedade, para mais de ser um direito é um dever: ‘A propriedade obriga’, define a Constituição de Weimar; ‘a nação terá sempre o direito de impor à propriedade privada as regras que dite o interesse público’, arremata a Constituição Mexicana”.24 Trata-se de uma importante evolução para chegarmos à propriedade nos moldes hoje conhecido. A propriedade contemporânea enseja novas observações que indaguem se os bens apropriados atendem à função social e ambiental preconizadas pela Constituição Federal e pelo novo Código Civil. Logo, nesta fase, deve-se voltar os olhos para os tipos de propriedade onde residem interesses da coletividade, a exemplo da propriedade ambiental. Essa função sócio-ambiental da propriedade se mostra importante para o presente trabalho, na medida em que se compreende melhor a transformação dos bens oriundos da natureza em propriedade privada. Ou, na visão de Juan Antonio Senent de Frutos, la naturaleza como propriedad común del género humano a su apropriación privativa.25 Na perspectiva de uma reflexão crítica sobre apropriação do meio ambiente, observar-se-á como ocorre a transferência de um bem ambiental da coletividade para a esfera patrimonial individual, por meio do acesso às suas informações genéticas, o que Cristiane Derani denomina como direito de acesso como terceira dimensão da apropriação. Neste sentido: Este direito de apropriação do novo século é chamado de direito de acesso, numa síntese do direito de acessar informações contidas em um bem. Assim, é possível que este direito de acesso gere direitos de propriedade individualizado, podendo, sem risco 24 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 173. 25 FRUTOS, Juan Antonio Senent de.Sociedad del conocimento, biotecnologia y biodiversidad. Revista de Direito Ambiental da Amazônia – HILÉIA. Manaus: Ano 2, nº 2, 2004, p. 119. 208 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 209 de conflito ou sobreposição, falar-se em direitos privados de propriedade sobre um bem, tutelado pelo Código Civil e direitos privados de propriedade às informações contidas naquele bem, tutelado pela propriedade intelectual pertencentes a titulares distintos.26 A conseqüência do acesso à informação genética contida numa planta, por exemplo, como visto acima, constitui-se numa forma de apropriação, que irá gerar uma propriedade privada oriunda da biodiversidade. Faz-se necessário avaliar esta complexa relação da apropriação de bens ambientais cujo interesse diz respeito à coletividade, (nos termos do artigo 225 da Constituição), relacionando-o com a função social da propriedade. Para Cristiane Derani, “esse tratamento da relação de propriedade marca a diferença entre Estado liberal e Estado social. Enquanto o primeiro garante a propriedade privada contra terceiros, o segundo preocupa-se com a melhoria da vida social a partir dessa apropriação privada de bens”.27 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, expressa essas duas vertentes aparentemente antagônicas, quando garante o direito de propriedade no inciso XXII, mas estabelece que ela atenderá a sua função social no artigo XXIII. Ou seja, a antinomia aparente entre os dois incisos citados resulta da diferença de percepção ideológica do Estado Liberal e do Estado Social. Portanto, essa é a análise efetuada no presente artigo, de onde infere-se que toda propriedade, seja pública ou privada, móvel ou imóvel, corpórea ou incorpórea, deve atender e cumprir sua função sócio-ambiental. Neste sentido, Paulo Luiz Neto Lobo esclarece: A concepção de propriedade, que desprende da Constituição, é mais ampla que o tradicional domínio sobre coisas corpóreas, principalmente imóveis, que os códigos civis ainda alimentam. Coenvolve a própria atividade econômica, abrangendo o controle empresarial, o domínio sobre ativos mobiliários, a propriedade de marcas, patentes, franquias, biotecnologias e outras propriedades intelectuais. Os direitos autorais de software 26 DERANI, Cristiane. Tutela Jurídica da Apropriação do Meio Ambiente e as Três Dimensões da Propriedade. Revista de Direito Ambiental da Amazônia – HILÉIA. Manaus: Ano 1, nº 1, 2003, p.71. 27 DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da “função social”. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Ano 7, nº 27, 2002, p.59. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 209 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 210 transformaram seus titulares em megamilionários. As riquezas são transferidas em rápidas transações de bolsas de valores, transitando de país a país, em investimentos voláteis. Todas essas dimensões de propriedade estão sujeitas ao mandamento constitucional da função social (grifamos).28 Como se percebe, a função social incide sobre várias formas de propriedade, principalmente se nelas recair algum interesse da coletividade. Logo, as informações genéticas oriundas da biodiversidade, por exemplo, quando apropriados e transformados em propriedade privada, estão sujeitas, também, ao princípio da função social e ambiental previstos no ordenamento jurídico pátrio. Neste aspecto, Paulo Luiz Neto Lobo ressalta que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e “prevalece sobre qualquer direito individual de propriedade, não podendo ser afastado até mesmo quando se deparar com exigências de desenvolvimento econômico (salvo quando ecologicamente sustentável)”.29 Trata-se, pois, de um novo paradigma da propriedade, sob forte influência das regras constitucionais ambientais. É o que José Robson da Silva30 denominou de “Paradigma Biocêntrico: do Patrimônio Privado ao Patrimônio Ambiental”. Com esse novo “Paradigma Biocêntrico que se detecta no sistema constitucional brasileiro”,31 percebe-se que a influência do discurso da propriedade vista de forma absoluta, reproduzida pelo ensino jurídico por séculos, finalmente começa a ceder espaço para uma nova concepção baseada na função social e ambiental da propriedade. Neste sentido, Juliana Santilli afirma: Os manuais de Direito Ambiental costumam incluir a função sócio-ambiental da propriedade entre os princípios desse novo ramo autônomo do Direito, com base numa releitura ‘ambiental’ da função social da propriedade. Consideramos que a função 28 LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 141, p. 99-109, jan./mar. 1999, p. 107. 29 Ibidem, p. 106. 30 SILVA, José Robson da. Paradigma Biocêntrico: do Patrimônio Privado ao Patrimônio Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. 31 Ibidem, p. 375. 210 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 211 sócio-ambiental da propriedade é muito mais do que um princípio específico do Direito Ambiental: é um princípio orientador de todo o sistema constitucional que irradia os seus efeitos sobre diversos institutos jurídicos. A função sócio-ambiental da propriedade permeia a proteção constitucional à cultura, ao meio ambiente, aos povos indígenas e aos quilombolas.32 Essa concepção contemporânea de propriedade busca cumprir sua função sócio-ambiental, não se aplicando apenas para bens imóveis e corpóreos, incidindo, por exemplo, em bens do patrimônio cultural, do meio ambiente, do patrimônio genético e da propriedade intelectual. Trata-se de um reordenamento do sistema jurídico que inseriu obrigações aos proprietários em relação à coletividade, ocasionando o deslocamento do instituto da propriedade do Direito Privado para o Direito Público. Para Carlos Frederico Marés de Souza Filho, “deve ficar claro que o que interessa ao Direito Socioambiental é o caráter coletivo destes direitos e não sua realização individual”.33 Esse interesse coletivo se constitui na essência da função social da propriedade. Exemplo disso é o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, competindo à coletividade e ao Poder Público, nos termos do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A incidência deste direito da coletividade sobre os bens ambientais se sobrepõe ao direito individual. Neste aspecto, Juliana Santilli destaca que “independentemente do domínio público ou privado, o interesse coletivo condiciona e restringe a utilização que o proprietário público ou particular faça dos bens sócio-ambientais”.34 Ou seja, a função sócio-ambiental da propriedade altera a própria essência do instituto da propriedade. 32 SANTILLI, Juliana. Op. cit., p. 86. 33 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Introdução ao Direito Socioambiental. In, O Direito para o Brasil Sócio-ambiental. LIMA, André. (org.). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 32. 34 SANTILLI, Juliana. Op. cit., p. 89. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 211 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 212 CONCLUSÃO Como foi afirmado anteriormente, a intenção deste artigo não é buscar conceitos e definições que tenham a pretensão de estabelecer verdades absolutas. Tão pouco o espaço disponível para o trabalho nos permite esgotar o tema, até mesmo por não ser esse o propósito. O que se almejou foi demonstrar uma percepção sobre o instituto da propriedade dentro de uma visão contemporânea, onde concluímos existir um novo paradigma biocêntrico que ultrapassa as fronteiras do Direito Privado para encontrar abrigo no Direito Público. Esse fenômeno, também chamado de constitucionalização do direito civil, retirou da propriedade seu caráter individualista, fazendo-a cumprir sua função social e ambiental. “A propriedade tornou-se um tema de direito público, isto é, de interesse público e como tal passou a ser tratada pela Constituição”.35 De qualquer forma, na concepção trabalhada neste artigo, buscou-se demonstrar a necessidade de construirmos um ensino jurídico crítico, reflexivo, criativo, transdisciplinar e voltado para a realidade social como forma de melhor compreender os novos paradigmas da propriedade, focado nos interesses da coletividade, afastando-se da dogmática positivista. Neste aspecto, Plauto Faraco de Azevedo afirma: o positivismo exegético, explicável, à sua época, hoje constitui um óbice à formação e ao raciocínio jurídicos, estiolando o pensamento e concorrendo à formação da ‘mão-de-obra sem cabeça’, contribuindo à submissão de número ponderável de juristas ao status quo, seja ele qual for – hoje o neoliberal.36 Sérgio Rodrigues Martinez37 explica como foi sendo consolidado este arquétipo liberal nos cursos jurídicos nacionais, oriundos da Faculdade de Direito de Coimbra do século XIX, cuja base teórica fundava-se no discurso científico jus-racional do liberalismo positivista. O autor registra que no primeiro centenário da criação dos cursos de Direito no Brasil, em 1927, 35 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Introdução ao Direito Socioambiental... op. cit., p. 23. 36 AZEVEDO, Plauto Faraco de.Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 38. 37 MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. M a n u a l d a E d u c a ç ã o J u r í d i c a . Curitiba: Juruá, 2004, p. 25.. 212 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 213 surgiam as primeiras críticas às aberturas indiscriminadas de Faculdades de Direito, surgindo o termo “fábrica de bacharéis” em alusão ao “modelo fordista”38 de produção de automóveis. Esse arquétipo liberal ainda se faz presente em parte dos cursos de Direito e no inconsciente coletivo de muitos alunos. Pode-se entender por inconsciente coletivo os padrões automatizados que vão sendo repetidos de forma geral, quase sempre instintivamente e por impulsos, praticamente de forma mecânica, consolidando-se no senso comum e reproduzindo-se subliminarmente. No inconsciente coletivo predomina o entendimento que o bom professor continua sendo aquele que tem uma boa oratória, com uma retórica baseada em palavras difíceis que impressione seus alunos, independente de preocupar-se com a qualidade do conteúdo que se está ensinando. Ou, ainda, muitas vezes pensa-se que o bom professor será aquele que atingiu êxito profissional na sociedade onde vive, sendo que na maioria das vezes esse entendimento costuma ser confundido com sucesso financeiro. Nem sempre, porém, um bom profissional da área jurídica será um bom professor de direito, assim como o inverso também é verdadeiro. As mudanças no modelo de ensino jurídico tradicional, aos poucos têm contribuído para modificar as concepções de propriedade, permitindo que a função sócio-ambiental insculpida na Constituição Federal seja difundida para além da propriedade imóvel e aumente sua eficácia social. Exemplo disso são os direitos de propriedade intelectual, vistos num primeiro momento como direitos exclusivamente individuais, que hoje começam a ser rediscutidos em alguns casos como direitos coletivos de propriedade intelectual. Essa vertente ganha mais força quando se trata de propriedade intelectual oriunda de bens ambientais, principalmente por meio da biotecnologia, onde muitas vezes para fabricar novos produtos para o mercado, as empresas se utilizam de conhecimentos dos Povos Indígenas e das populações que sobrevivem da floresta. Fica evidenciada a incidência da função social da propriedade sobre estes bens oriundos da natureza, uma vez que pertencem à coletividade, não podendo perder esta característica quando são apropriados por meio de um 38 Ibidem, p. 30 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 213 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 214 registro de patente, principalmente se esta apropriação não respeitar os direitos dos povos detentores dos saberes tradicionais sobre a natureza. Disso decorre a necessidade de se fazer uma nova leitura da Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, a Lei de Propriedade Industrial, levando-se em conta o princípio constitucional da função sócio-ambiental da propriedade incidindo sobre os direitos de propriedade intelectual. Logo, resta a certeza de que o ensino do direito deve alargar seus horizontes, debruçando-se sobre o estudo da função sócio-ambiental da propriedade intelectual como um fator de desenvolvimento tecnológico e científico, respeitando o direito dos povos e das gerações presentes e futuras ao meio ambiente equilibrado como base de uma sadia qualidade de vida, nos termos almejados pelo legislador constituinte. Conclui-se, pois, que a propriedade contemporânea, seja móvel ou imóvel, não pode mais ser vista numa concepção individualista dissociada dos interesses da coletividade e da preservação do meio ambiente. REFERÊNCIAS: AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor Urbano e Função Social da Propriedade. Curitiba: Editora Juruá, 2004. CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. Florianópolis: Editora Momento Atual, 2003. DERANI, Cristiane. Tutela Jurídica da Apropriação do Meio Ambiente e as Três Dimensões da Propriedade. Revista de Direito Ambiental da Amazônia – HILÉIA. Manaus: Ano 1, n.º 1, 2003. DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da “função social”. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Ano 7, n.º 27, 2002. FRUTOS, Juan Antonio Senent de. Sociedad del conocimento, biotecnologia y biodiversidad. Revista de Direito Ambiental da Amazônia – HILÉIA. Manaus: Ano 2, n.º 2, 2004. 214 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 215 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19.ª ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. JUNIOR, Eroulths Cortiano. O Discurso Jurídico da Propriedade e suas Rupturas. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Volume 4: Direitos Reais e Direitos Intelectuais. São Paulo: 3.ª ed., revista e atualizada. Editora Revista dos Tribunais, 2005. LOBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do Direito Civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.º 141, p. 99-109, jan./mar. 1999. MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Manual da Educação Jurídica. Curitiba: Juruá, 2004. MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis. IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil e ISA- Instituto Socioambiental. 2000. SILVA, José Robson da. Paradigma Biocêntrico: do Patrimônio Privado ao Patrimônio Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12.ª edição revista. São Paulo: Malheiros, 1995. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. Editor, 2003. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Introdução ao Direito Socioambiental. In, O Direito para o Brasil Socioambiental. LIMA, André. (org.). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, p. 21-48, 2002. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 215 09_alaim_giovani.qxd 28.02.07 16:53 Page 216 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 217 ANÁLISE DA CULPABILIDADE E DA RESPONSABILIDADE DO DANO AMBIENTAL: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA MISSÃO DE FISCALIZAÇÃO DO IBAMA NO INTERIOR DO ESTADO DO PARÁ Daniel Abrahão do Nascimento* Sumário: Introdução; 1. Desenvolvimento: Conhecendo o cenário e o começo dos “crimes”; 2. A Insuficiência do aparelho estatal e o legado de um modelo de desenvolvimento; 3. A culpabilidade e a responsabilidade do dano ambiental Considerações Finais; Referências. Resumo: O artigo é uma análise da culpabilidade nos crimes ambientais. Procurase fazer seu estudo com base no aspecto socialantropológico da população. A temática centraliza-se na discussão da culpabilidade criminal no projeto de assentamento de PlacasPA. Demonstra a desatenção dos órgãos estatais com os problemas locais. Procura relacionar o descaso estatal com a exploração dos trabalhadores do projeto por parte das madeireiras. Demonstra como o INCRA é omisso ao não fiscalizar as áreas em que concede permissão para assentamentos. Os erros dos projetos de assentamento resultam na degradação do meio-ambiente, em face das carências dos habitantes locais. Desse fato, decorre que várias famílias são assentadas em áreas de preservação permanente, o que é considerado crime. Por meio de uma análise penal, aborda o autor a relação “culpado e/ou vítima”. Observa a necessidade da equiparação de valores culturais e sociais para a imputação dos crimes ambientes. Reflete sobre a necessidade da utilização do meio ambiente equilibrado na melhoria da qualidade de vida. Sustenta que a proteção ao meio ambiente é necessária para a garantia desse predicado. Assim, sintetiza a problemática do direito de punir do Estado de acordo com o grau de culpabilidade dos indivíduos. Abstract: The article is an analysis of culpability in environmental crimes. It is intended to accomplish this study based on the social-anthropological aspect of the population. The thematic is directed to the discussion of criminal culpability in the settlement project of Placas-PA. It demonstrates the inattention of State organs towards the local problems. It seeks to relate the State negligence to the exploitation of workers from the project by the Lumber Companies. It demonstrates negligent INCRA is when it does not control the areas in which it concedes permission for settlements. The mistakes of the settlement projects result in the degradation of the environment, in relation to the local inhabitants’ needs. Many families are settled in permanent preservation areas due to that, which is considered a crime. By means of penal analysis, the author approaches the relation “guilty and/or victim”. He observes the necessity of equalization of cultural and social values for the imputation of environmental crimes. He also reflects about the necessity of the utilization of a balanced environment for improvement of quality of life. It is sustained that the environment protection is necessary to guarantee this predicate. Thus, it summarizes the State’s right to punish according to the subjects’ culpability. Palavras-chave: Crime Ambiental; Fiscalização do IBAMA; Culpabilidade. Key-words: Environmental Crime, IBAMA’s Inspection, Culpability. * Engenheiro Agrônomo, Advogado, Analista Ambiental do IBAMA, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e Bolsista do Programa BECA-IEB/Fundação MOORE Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 217 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 218 INTRODUÇÃO A partir da antropologia, analisando os conceitos de etnocentrismo, relativização, diferença, identidade, alteridade, e também com fundamento nos texto de Pierre Clastres,1 Neide Esterci2 e José Helder Benatti,3 buscar-se-á realizar uma reflexão sobre fatos ocorridos em uma missão fiscalizatória do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) do Plano DESMATE4 e sobre a aplicação do direito ambiental a essa realidade. Trata-se, notadamente da situação dos lotes dos agricultores assentados do Projeto de Assentamento Placas, no Município de Placas no Pará e suas autorizações de desmatamentos,5 bem como das autuações diante da apuração de irregularidades principalmente, no que tange a desmatamentos em áreas de preservação permanente. Em um cenário de crime ambientais, busca-se analisar a culpabilidade dos atores envolvidos, o desencadeamento da responsabilização administrativa, civil e penal do dano ambiental, partindo de uma visão antropológica, sociológica da realidade. Ao demonstrar as repercussão jurídicas, propõem as formas de responsabilização e composição para a defesa e recuperação do meio ambiente. Assim, em um primeiro momento será realizado o relato da missão de fiscalização do IBAMA no Projeto de Assentamento Placas, no Município de Placas no Pará. No segundo momento, pretende-se analisar e avaliar, respectivamente, o papel do estado e o modelo de desenvolvimento econômico implantado na região, onde ocorreu a referida missão fiscalizatória, para identificar a causa da prática dos danos ambientais apurados e fazer uma reflexão sobre a culpabilidade e a responsabilização dos infratores. Por fim, ao demonstrar a repercussão no direito ambiental passa a propor as formas de composição na defesa e na recuperação do meio ambiente. 218 1 CLASTRES, Pierre. “A Sociedade contra o Estado” In: A Sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. 2 ESTERCI, Neide. “Conflitos Ambientais e Processos Classificatórios na Amazônia Brasileira” In: Boletim Rede Amazônia ano1 n.°1, 2002, pp. 51 a 62. 3 BENATTI, José Helder. “A Titularidade da Propriedade Coletiva e o Manejo Comunitário”. In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, série antropologia, 18 (2), 2002, pp. 127-165. 4 Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, por ordem e iniciativa de decisão política do governo federal, que a finalidade era apurar os desmatamentos detectados por imagens de satélites e fazer as fiscalizações de rotina. 5 Ato administrativo que autoriza a conversão do uso do solo, os procedimentos deste ato, nos imóveis e propriedades rurais da Amazônia Legal, são definidos pela Instrução Normativa n.°3 de 04/03/2002 do Ministério do Meio Ambiente. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 1 28.02.07 16:54 Page 219 CONHECENDO O CENÁRIO E O COMEÇO DOS “CRIMES” A equipe do IBAMA dirigiu-se ao município de Placas,6 ao Projeto de Assentamento do INCRA, e constatou in loco que quase todos os lotes deste projeto se localizavam em áreas de preservação permanente,7 Alguns dos assentados já haviam desmatado uma parte dos seus lotes, para o uso alternativo do solo, ou seja, para plantarem cacau, mogno e algumas lavouras temporárias (mandioca, amendoim etc.). Alguns agricultores assentados alegaram que não sabiam da proibição de se desmatar áreas de preservação permanente, nem mesmo sabiam o que significava o termo APP (Área de Preservação Permanente). E como haviam recebido o crédito para o plantio do cacau através do PRONAF,8 tiveram que “abrir áreas para o plantio” e “hoje, vem o Ibama e nos proíbe de usar as áreas e quer nos multar”, afirmou um dos assentados. Foi observado que havia dentro do Assentamento várias estradas e sinais de exploração ilegal de madeira. A equipe do IBAMA em busca dos responsáveis pela exploração ilegal de madeira, encontrou na saída do Assentamento uma empresa madeireira totalmente irregular onde foram feitas as medições e apreensões das madeiras, os equipamentos foram lacrados e a atividade embargada. Vale destacar que o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, é uma autarquia federal, foi criado pela Lei 7735/89, de 22 de fevereiro de 1989. Ele está vinculado ao Ministério do Meio Ambiente – MMA sendo o responsável pela execução da Política Nacional do Meio Ambiente e desenvolve diversas atividades para a preservação e conservação do patrimônio natural, exercendo com poder de polícia administrativa, o controle e a fiscalização sobre o uso dos recursos naturais. Destaque-se ainda que ao realizar o levantamento de informações sobre o comércio da madeira na região, constatou-se que: os madeireiros compram 6 Município do Oeste do Pará, com população de 13.394 habitantes (Censo de 2000) e área territorial de 7.173,15 km2 fonte: BNDES. Acesso - http://www.federativo.bndes.gov.br/destaques/bdg/bdg_mun.asp?idgeo=150565 7 Área protegida nos termos dos arts. 2.º e 3.º do Código Florestal, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. 8 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. O Pronaf tem duas linhas de crédito específicas para os assentados. Um deles, o chamado Pronaf A, é destinado àquelas famílias que acabaram de receber a terra e precisam montar toda a infra-estrutura básica para iniciar a produção. O outro, conhecido como Pronaf A/C destina-se aos produtores que estão em uma fase de transição de assentados para agricultores familiares. Ou seja, eles já receberam os investimentos do grupo A e agora precisam de novos recursos para dar continuidade à produção. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 219 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 220 desses agricultores a madeira por um preço irrisório (R$ 25,00/m2) e vendem, para exportação, a um preço absurdamente superior (US$ 800,00); os assentados, através das autorizações do IBAMA, só podem explorar 3,0 hectares por ano, ou seja, 60 m2/ano, perfazendo um valor anual apurado de R$ 1500,00 (menos do que metade de um salário mínimo/mês).9 Os madeireiros para garantir ainda mais a “exploração”, fazem o pagamento adiantado, “ajudam” na construção de estradas dentro do próprio assentamento e providenciam as formas de obtenção, oficial e oficiosa, dos recursos naturais, contratando profissionais para elaboração de projetos de manejo florestal e autorizações de desmatamentos, oferecendo assistências técnica aos “detentores” dos recursos naturais dos lotes. Na ocasião dessa missão, a equipe foi convidada a comparecer à Câmara Municipal do Município de Placas para dar satisfação à comunidade da presença no município. Na realidade, a presença do IBAMA provocou uma mobilização das pessoas, que assustadas procuraram à prefeitura pedindo explicações, os representantes do comércio, das madeireiras, enfim dos segmentos sociais, solicitaram explicações ao governo municipal do ocorrido. Uma reunião foi marcada na prefeitura e outra na Câmara Municipal, para o Ibama explicar sua atuação na região. O coordenador da equipe de fiscalização e em nome da instituição agradeceu e elogiou a iniciativa popular de ser convidado a dar explicação e ressaltou que essa preocupação e iniciativa deveriam ocorrer, não só com a presença do IBAMA na região, mas sempre que houvesse seção, porque o que se trata na Câmara Municipal é do interesse do povo. Disse que uma, dentre as tarefas mais importantes da fiscalização ambiental é, sobretudo, prevenir o dano ambiental, sendo muito mais importante do que punir, porque muitas das vezes o dano ambiental é difícil e irreversível de ser sanado ou recuperado. E prevenir só se consegue com informação e com educação ambiental e por isso disse que se encontrava à disposição para prestar qualquer informação e cumprir o objetivo maior da presença da equipe no município. Com muita propriedade um dos representantes do comércio local fez uma breve análise histórica da colonização do município, dizendo da época em 9 220 Levantamento de informações feito pela equipe de fiscalização do IBAMA, coordenada pelo autor do presente artigo, realizado na ocasião da “Operação Zoraide” no período de 07 de julho a 06 de agosto de 2005; para promover ações fiscalizatórias referentes ao Plano de Prevenção e Combate do Desmatamento na Amazônia – Plano Desmate, nos municípios de Placas, Rurópolis e Uruará; conforme Ordem de Fiscalização n.º 047/2005; priorizando os casos de desmatamentos recentes e em andamento. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 221 que o projeto de governo Médice era promover a ocupação da Amazônia, onde se incentivava a derrubada da mata para a agricultura e pecuária para promover o “desenvolvimento” e ocupação do local, o lema era “ocupar para não entregar”. Principalmente, no eixo da Transamazônica,10 para onde diversas pessoas provenientes de toda parte do Brasil, vieram viver e desenvolver o lugar. Hoje, apesar de Placas ser um município pequeno (zona urbana), vive da extração da madeira, da agricultura e da pecuária. Além disso, diversos foram os questionamentos referentes ao papel do IBAMA e dos órgãos públicos no município. Muitos cidadãos alegaram que se fechassem as madeireiras, muitas pessoas iriam morrer de fome, pois são sustentados através do trabalho nessa atividade. Outros reclamaram do Incra, outros chegaram a falar e questionar sobre a demora do Zoneamento Ecológico Econômico11 para a região. Em resposta as indagações, sustentou-se que, apesar dos inúmeros problemas de ordem burocrática por parte dos órgãos do governo, principalmente do Ibama, o que não se pode admitir é o fato de algumas madeireiras trabalharem legalmente e outras trabalharem ilegalmente, instalando-se uma verdadeira concorrência desleal. Quanto ao Ibama fechar uma madeireira que está trabalhando ilegalmente, tal ação ocorre justamente para aplicar a legislação, com isso se estabelecer um controle. A equipe do Ibama marcou outra reunião com todas as organizações de assentados da área, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Placas, Incra, Secretaria Municipal de Agricultura, alguns vereadores e demais segmentos do município. Foram esclarecidas as dúvidas das exigências da legislação ambiental em vigor, as alternativas de exploração das áreas de floresta e orientações para o Manejo Florestal. Na reunião o Incra reconheceu o equivoco 10 Ao tomar posse como presidente do país, o general Emílio Garrastazu Médici (ditador de 1969 a 1974) prometeu conduzir o Brasil “à plena democracia”. O conduziu rapidamente, com punho de aço, para aqueles que foram chamados de “anos de chumbo” de repressão brutal. Diz uma adocicada história oficial que, no dia 6 de junho de 1970, o presidente foi ao semiárido nordestino e emocionou-se diante do drama da seca. Dentro do avião que o trazia de volta a Brasília decidiu pela construção da Transamazônica, para convidar “os homens sem terra do Brasil a ocuparem as terras sem homens da Amazônia”. Ao longo do trecho, o plano previa a construção de “agrovilas” (conjuntos de lotes com casas instaladas no espaço de 100 ha, que deveriam contar com uma escola de 1.º grau, uma igreja ecumênica e um posto médico), de “agrópolis” (reunião de agrovilas fornecidas com serviços bancários, correios, telefones e escola de 2.º grau) e de “rurópolis” um conjunto de agrópolis. Na prática, foram implantadas poucas agrovilas e apenas uma agrópolis (Brasil Novo) e uma rurópolis (Presidente Médici). O custo da construção da Transamazônica, que nunca foi acabada, foi de US$ 1,5 bilhão. Fonte: http://www.comciencia.br 11 Zoneamento Ecológico-Econômico da área de influência da BR-163, um instrumento de ordenamento e regulação do uso racional do território. http://www.ufpa.br/portalufpa/imprensa/ Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 221 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 222 da falta de estudos prévios na área, e se dispôs a fazer um estudo para retirar as pessoas das áreas de preservação permanente, reassentá-las em outras áreas. Finalmente, diversos foram os esclarecimentos e as advertências, no Sindicato dos Trabalhadores Rurais com a presença dos representantes dos Assentamentos, com a obrigação de dar publicidade e divulgar para todos os seus representados. Foi comunicada a gerência do IBAMA a necessidade da imediata composição de uma nova equipe com a finalidade específica de retornar ao assentamento para apurar os crimes (devido à quantidade de lotes a serem vistoriados necessitaria de uma equipe maior e com disponibilidade de fazer todo o procedimento), suspender as autorizações de desmatamento ou emissão de qualquer ATPF (Autorização de Transporte Florestal). Enfim, este foi o cenário. 2. A INSUFICIÊNCIA DO APARELHO ESTATAL E O LEGADO DE UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO Observa-se, no relato do caso, uma primeira falha nas ações do Estado, particularmente através do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que assentou famílias em áreas de preservação permanente, consequentemente demonstra a falta de um estudo prévio de impacto ambiental. A resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Nº. 289, de 25 de outubro de 2001 prevê Licenciamento Ambiental para os Assentamentos de Reforma Agrária, como medida de precaução, como bem explica a sua introdução: O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, tendo em vista as competências que lhe foram conferidas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto n.º 99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto nas Resoluções CONAMA nºs 237, de 19 de dezembro de 1997 e 001, de 23 de janeiro de 1986 e em seu Regimento Interno, e Considerando a necessidade de uma regulamentação específica para o licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária, tendo em vista a relevância social do Programa Nacional de Reforma Agrária; 222 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 223 Considerando a necessidade de solucionar a injustiça social e os graves conflitos pela posse da terra, ocorrentes em quase todas as regiões do território nacional, impedindo que a tensão social leve a episódios que ponham em risco a vida humana e o meio ambiente; Considerando que a redução das desigualdades sociais pela ampliação do acesso à terra constitui-se em objetivo fundamental do Pais nos termos da Constituição Federal, em prioridade e compromisso nacional constantes da Carta do Rio, da Agenda 21 e de demais documentos decorrentes da Rio-92; e Considerando a importância de se estabelecer diretrizes e procedimentos de controle e gestão ambiental para orientar e disciplinar o uso e a exploração dos recursos naturais, assegurada a efetiva proteção do meio ambiente, de forma sustentável nos projetos de assentamento de reforma agrária; Considerando que a função principal do licenciamento ambiental é evitar riscos e danos ao ser humano e ao meio ambiente sobre as bases do princípio da precaução, resolve: Art. 1.º Os procedimentos e prazos estabelecidos nesta Resolução aplicam-se, em qualquer nível de competência, ao licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária. [...]12 A previsão legal encontra, no presente caso, uma perfeita aplicação, todavia, na época da criação do projeto de assentamento de Placas, não fora aplicada. Hoje, através desta resolução do CONAMA, se vislumbra a importância da unidade substancial entre as normas de Direito Agrário e de Direito Ambiental para aliar e interagir a atividade agrária à preservação dos recursos naturais (Benatti, 2002). Ou seja, se houvesse, através da resolução citada, a aplicação de uma análise prévia da possibilidade da efetivação de um projeto de assentamento para fins agrários sem prejudicar o meio ambiente, estaria se aplicando o princípio da precaução. Enfim, somente através do 12 Resolução CONAMA n.º 289, de 25 de outubro de 2001. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 223 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 224 licenciamento ambiental, os órgãos competentes do Estado (INCRA e IBAMA) teriam procedimentos e controles articulados na efetivação de um projeto de assentamento aliado à preservação do seu meio ambiente. Aplicando-se os procedimentos preconizados para o licenciamento ambiental, vislumbrariam as possibilidades de implantação do projeto de assentamento e o seu respectivo impacto no meio ambiente. A falta da aplicação de um licenciamento ambiental e de um estudo de aptidão agrícola teve conseqüências desastrosas tanto para a natureza quanto para os próprios beneficiários dos lotes de Reforma Agrária. As pessoas são assentadas em uma área imprópria, insistem em um modelo econômico convencional por não terem uma efetiva assistência técnica por parte do aparelho estatal, com isso, não encontram opções mais adequadas que as tirem dessa situação de subdesenvolvimento e ficando vulneráveis as explorações de um sistema opressor, representado no caso, pelos madeireiros intermediários e ilegais. Os agricultores assentados são obrigados, para suprirem suas necessidades imediatas, a buscar na natureza, a qualquer preço, sua sobrevivência e passam a ser alvos dos “oportunistas” compradores de madeiras. Mais uma vez o Estado é substituído pelo a força de um sistema opressor que cresce na sua ausência. E em detrimento, de uma Reforma Agrária que busca aos objetivos propostos de um projeto social, econômico e sustentável, ficaram-se os passivos desastrosos (ambientais, sociais e econômicos). Com referência a obra de Pierre Clastres, onde a antropologia política demonstra que as formas de acumulação do capital influenciado pelo Estado na sociedade primitiva eram muito prejudiciais, podendo se concluir que melhor seria se não houvesse esse Estado. Como na sociedade primitiva, que pelo menos não haveria a possibilidade dessa concorrência desigual, como afirma Clastres:13 Na sociedade primitiva, sociedade essencialmente igualitária, os homens são senhores de sua atividade, senhores da circulação dos produtos dessa atividade: eles só agem para si próprios, mesmo se a lei de troca dos bens mediatiza a relação direta do homem com seu produto [...] . 13 CLASTRES, Pierre. “ A S o c i e d a d e c o n t r a o E s t a d o ” In: A Sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 215. 224 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 225 O modelo econômico ora implantado desde sua colonização e até hoje utilizado, não tem trazido benefício, do ponto de vista econômico e social, de forma eqüitativa para o povo da Amazônia. Como demonstra Fearnside:14 Nas décadas de 60 e 70 os Planos de Desenvolvimento da Amazônia foram direcionados para favorecer a implantação dos “Grandes Projetos”, através de subsídios e incentivos fiscais governamentais e do acesso facilitado a terras para grandes grupos privados, que causaram profundas transformações econômicas e sociais nas áreas atingidas. Dentre as graves conseqüências e contradições do modelo implantado, citam-se: aumento da concentração fundiária e conflito no campo, aceleração do desmatamento, desorganização do espaço social e cultural das comunidades locais, alagamento de florestas e áreas habitadas por populações tradicionais e desequilíbrios ecológicos, causados pelas hidroelétricas, poluição dos rios por mercúrio, falta de integração territorial e econômica dos projetos na região e exclusão da produção familiar, pauperização da população rural e inchaço das cidades. Constata-se que o passivo ambiental é enorme neste tipo de modelo, porque o nível de degradação ambiental é visto sem nenhuma dificuldade. Derrubar a floresta para fazer plantios, seja para agricultura ou para pecuária, e até mesmo para a exploração irracional de madeiras, não é e nunca vai ser a opção mais viável e sustentável. Os estudos mostram que a floresta dá muito mais lucro “em pé” do que derrubada, através da exploração de óleos, essências, frutos e folhagens, um exemplo é o que mostra o texto a “renda invisível”15: A floresta oferece remédios, comidas, fibra e caça para seus moradores. Para medir a importância da floresta na economia doméstica, 30 famílias da comunidade de Quiandeua, no Rio Capim, em 1994, pesaram todos os produtos florestais que elas 14 Fearnside, P.M. 1998. Agrosilvicultura na política de desenvolvimento na Amazônia Brasileira: A importância e os limites de seu uso em áreas degradadas. Pp.293-312 In: C.Gascon & P. Moutinho (eds.) Floresta Amazônica: Dinâmica, Regeneração e Manejo. Instituto nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus. 373 pp. 15 SHANLEY, Patrícia Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 225 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 226 extraíram. Os resultados mostram que, durante um ano, os cipós, a caça, as frutas, que uma família média consumiu foi o equivalente a 25% da renda de um agricultor da comunidade. Bons caçadores ganharam mais que a metade de sua renda com as caçadas, se eles tivessem que comprar esses produtos gastaria tempo, transporte e dinheiro. Da floresta fechada, no Quiandeua, foram extraídos 85% dos cipós, 87% das frutas e 82% da caça consumidos pelas famílias. É importante fazer esses cálculos quando queremos vender madeira ou terra. Devemos lembrar que é possível negociar e guardar partes de nossa floresta onde existem árvores úteis. Com planejamento, é possível manejar a floresta e extrair tanto produtos madeireiros como frutas, cipós, óleos e caça. É fundamental a apropriação dos recursos naturais pelo povo da Amazônia, estimulando-o a ter um sentimento de pertencimento dos recursos do meio ambiente, de forma que impedisse que essa riqueza fosse minada por apenas “meia dúzia” de pessoas. Como foi citado anteriormente, o valor da madeira comprada nos assentamentos e vendida para exportação, indica que o povo continua sendo explorado e o meio ambiente degradado. Foi dito, oportunamente, em discussão na Câmara Municipal de Placas, que o modelo econômico adotado, apesar de muitos sobreviverem por ele, não é o mais interessante para o povo, precisando urgentemente e de forma gradual ser substituído por um mais igualitário e beneficente para a maioria. Não é difícil chegar à conclusão ao olhar em volta e ver as condições de vida do povo e a infra-estrutura básica do local. O município de Placas, bem como os municípios vizinhos, não apresenta saneamento básico, nenhum m2 de asfalto, sem falar na precariedade dos serviços básicos em contraste com as riquezas que saem desses lugares em termos de madeira extraída.16 A partir desse evento pode-se chegar a algumas conclusões, as pessoas obtêm, de certa forma, informações deturpadas sobre seus direitos e deveres como cidadãos, da função dos órgãos públicos e das oportunidades que os recursos naturais poderiam lhes proporcionar, porque estão a serviço da manipulação de um modelo econômico desigual, explorador e opressor com suas formas de perpetuação. A omissão do aparelho estatal é uma das formas 16 Informações levantadas e observadas na ocasião da fiscalização nos municípios da Transamazônica. 226 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 227 de se deixar estabelecer essas informações errôneas (muitos confundem com desinformação), no sentido da ausência dos serviços de extensão e educação. Em suma, conseqüências de um modelo desenvolvimentista evasivo de sustentabilidade, deixando um legado de degradação e de desordenamento e uma falta de eficácia do aparelho estatal no estudo, planejamento e execução dos projetos capazes de buscar soluções para este legado. Nestes contextos de ausências, de misérias, os assentados dessa região lutam pela sobrevivência e são expostos a atitudes e comportamentos que certamente vão extrapolar para o mundo jurídico, onde o crime ambiental se torna uma conseqüência de uma opção de sustento. Como culpar o indivíduo nesta situação, onde ele é vítima e/ou criminoso? 3. A CULPABILIDADE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO DANO AMBIENTAL Para se iniciar o exame e a reflexão da culpabilidade e responsabilidade do dano ambiental, dentro do contexto explicitado, são necessárias as devidas referências legais. A começar pela carta magna (CF/88) que através do § 3.º do seu artigo 225 reza: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Verifica-se no referido dispositivo que no dano ambiental ocorre à coexistência das responsabilidades penal, administrativa e civil, bem como a possibilidade na delimitação dos responsáveis como sendo pessoas físicas e jurídicas. Diante disto, é fundamental aplicar a norma ao fato e demonstrar que a presente análise é dividida pelas esferas distintas das responsabilidades (penal, civil e administrativa) em relação à culpabilidade: 3.1 Culpabilidade e responsabilidade penal A Lei nº. 9.605/98 é aonde se encontra a disciplina básica da responsabilidade penal ambiental. Através da leitura do seu artigo 2.º revela que foi adotada a teoria monista no que concerne ao concurso de agentes, pois estabelece que: “quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade”. Verificando que a responsabilidade penal por delitos Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 227 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 228 ambientais está baseada na culpabilidade e há previsão de responsabilidade da pessoa jurídica e, como no Código Penal, estabelece esta culpabilidade como coeficiente para aplicação da pena. É fundamental, para a continuidade da análise, ter conhecimento de alguns conceitos jurídicos em matéria criminal: Culpabilidade: Conforme a Teoria finalista da ação, a culpabilidade não é elemento do crime. É a possibilidade de declarar culpado o autor de um fato típico e ilícito; é um pressuposto para a imposição da pena. Integram a culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Na falta de qualquer um desses elementos, o fato não deixa de ser típico, mas passa a ser inculpado o agente, merecendo sentença absolutória.17 Imputabilidade Penal: “É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Em regra, todo o agente é imputável, a não ser que ocorra causa excludente de imputabilidade” .18 Potencial Conhecimento da ilicitude: Trata-se de elemento intelectual da culpabilidade, ou seja, da possibilidade de o agente conhecer o caráter ilícito da conduta. Para que se opere a exclusão, não basta que o agente ignore formalmente a lei, mas, sim, que não saiba e nem possa saber que seu comportamento contraria o ordenamento jurídico. O erro da proibição afasta o potencial conhecimento da ilicitude. Se inevitável, excluía culpabilidade, isentando a pena o réu. Será evitável o erro quando se verificar ser possível ao agente diante das circunstâncias, atingir a consciência da ilicitude do fato. 17 ESCOBAR, Fernanda Maria Zichia. Resumão Jurídico – Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: BF&A 2004 18 ESCOBAR, Fernanda Maria Zichia, op. cit. p. 3. 228 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 229 Nesse caso, haverá responsabilização penal, mas a pena será diminuída de um sexto a um terço. 19 Exigibilidade de conduta diversa como causa de exclusão da culpabilidade, funda-se no princípio de que só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. No caso, a inevitabilidade não tem força de excluir a vontade, que subsiste como força propulsora da conduta, mas certamente a vicia de modo a tornar incabível qualquer censura ao agente. A exigibilidade de conduta diversa pode ser excluída por duas causas: a coação e a obediência hierárquica (ESCOBAR, 2003). Diante dessas afirmativas e conceitos, como decidir a situação desses agricultores do assentamento de Placas em relação a sua culpabilidade do dano ambiental? E a concorrência no crime por parte do INCRA, como pessoa jurídica de direito público (no papel de Estado) na culpabilidade, através do assentamento em área de preservação permanente e da omissão do licenciamento ambiental? De fato ocorreram os crimes previstos nos artigos 38 e 39 da lei 9.605/98 e de fato houve os autores. Observe a análise da adequação tipificada dos referidos artigos feita de forma bem apropriada por Marinho: 20 [...]Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utiliza-la com infringência das normas de proteção: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. Elementos descritivos objetivos: 19 Ibid, mesma página. 20 MARINHO, Vânia Maria do P. Socorro. “Tutela Penal da Cobertura Vegetal de Preservação Permanente”. In: Hiléia: Revista de Direito Ambiental. V. 1, n.º 1. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Cultura/Universidade do Estado do Amazonas, 2003. pp. 170-172 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 229 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 230 Bem jurídico tutelado: o meio ambiente, a preservação do patrimônio natural, especialmente a conservação das florestas de preservação permanente. Trata-se de crime material. Núcleo do tipo: São três os verbos núcleos do tipo em análise, quais sejam destruir, danificar ou utilizar. Cuida-se de crime de múltipla ação (várias condutas); não importa se o agente praticou uma única ou várias condutas ao mesmo tempo descritas no tipo penal: responderá por um só delito. É um crime comissivo, exigindo uma ação por parte do agente. Resultado: Trata-se de crime de dano, pois o efeito lesivo concretizase com a exteriorização das ações destacadas no tipo. Consuma-se o delito com a prática de qualquer das ações incriminadas. Sujeito ativo. Qualquer pessoa imputável (física ou jurídica). Sujeito passivo. A coletividade. Objeto material. É a floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação. Elemento normativo: Exige-se a autorização para eventual destruição da floresta para fins de utilidade pública. É, portanto, um elemento normativo com referência à ilicitude. Há também o elemento normativo de índole jurídica, quando qualifica “considerada de preservação permanente”. Elemento pessoal: Dolo genérico. Aqui, admite-se o crime na modalidade culposa. Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. 230 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 231 Elementos descritivos objetivos: Bem jurídico tutelado: o meio ambiente, a preservação do patrimônio natural, especialmente a conservação das florestas de preservação permanente. Trata-se de crime material, a exemplo do artigo anterior. Núcleo do tipo: O verbo núcleo do tipo em análise é cortar, separar uma parte do todo, sem a prévia autorização da autoridade competente. Trata-se de crime comissivo, exigindo uma ação por parte do agente. Resultado: Trata-se de crime de dano, pois o efeito lesivo concretiza-se com a exteriorização das ações destacadas no tipo. Consuma-se o delito com o corte da árvore, entendendo a doutrina que o crime se consuma ainda que tenha o corte de uma única árvore. Sujeito ativo. Qualquer pessoa imputável (física ou jurídica). Sujeito passivo. A coletividade. Objeto material. É a árvore localizada em floresta considerada de preservação permanente. Elemento normativo: Exige-se a permissão da autoridade competente para o eventual corte da árvore em floresta de preservação permanente. Há também o elemento normativo de índole jurídica, quando qualifica “considerada de preservação permanente”. Elemento pessoal: Dolo não se admitindo o crime na modalidade culposa. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 231 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 232 Como agir nestas situações, onde há as evidências: o flagrante e a cena do crime, mas os agentes diretos, no caso os assentados não possuíam certa culpabilidade por não terem a potencial consciência da ilicitude do fato (como descrito: “não sabiam nem o que significava área de preservação permanente APP”) e por ocorrer inexigibilidade de conduta diversa (foram assentados na APP e receberam crédito do próprio Estado para plantar)? Com o caso, o INCRA se for responsabilizado (assentar em APP e tendo o direito real sobre a área) como pessoa jurídica de direito público, configura uma hipótese de auto punição do Estado, confundindo-se a pessoa do réu a do Juiz. 21 Nos artigos acima analisados, por possuírem pena mínima de um ano, será possível a aplicação do instituto da suspensão condicional do processo ou o chamado sursis processual, previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 e no art. 28 da Lei 9.605/98. Conforme a descrição dos conteúdos poderá ser proposta a condição de reparação do dano ambiental por parte do responsável pelo Assentamento. E o Ministério Público pode deixar de denunciar, excluindo a punibilidade dos Assentados pelo estado de necessidade que foram submetidos. 3.2 Culpabilidade e responsabilidade civil Em relação à responsabilidade civil, não há de se falar em culpa no Direito Ambiental, devido o instituto da responsabilidade civil objetiva, mas especificamente, que de forma majoritária, se adere à teoria do risco integral, (uma das justificadoras da responsabilidade objetiva), pela qual quem exerce determinada atividade deve suportar os riscos advindos desta, de sorte que nem mesmo a inexistência do nexo causal desobriga o dever de indenizar. Tal teoria vem ganhando espaço no campo da responsabilidade por danos ao ambiente. E mesmo que a conduta do agente causador do dano ao meio ambiente seja lícita, autorizada pelo poder competente e obedecendo aos padrões técnicos para o exercício de sua atividade. Porém deve-se levar em consideração outras teorias e o próprio nexo de causalidade, como afirma Solange Teles da Silva,22 citando KRELL (1998): a m b i e n t a l . Site do Curso de Direito da 21 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. R e s p o n s a b i l i d a d e UFSM.SantaMariaRS.p09.Disponívelem:http://www.ufsm.br/direito/artigos/ambiental/responsabilidade_ambiental.htm>. Acesso em: 16 out. 2006 22 SILVA, Solange Teles da. “Capítulo 13 – Responsabilidade Civil Ambiental” IN PHILIPPI JR., A., ALVES, A.C..Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo: Manole, 2005, p 440 232 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 233 [...] A conseqüência da adoção da teoria do risco-proveito é a possibilidade de admitir fatores capazes de excluir ou de diminuir a responsabilidade. Dentre estes fatores citem-se o caso fortuito e a força maior, o fato criado pela própria vítima ou ainda a intervenção de terceiro. KRELL (1998) indaga sobre a possibilidade da responsabilidade civil objetiva ambiental no ordenamento brasileiro ter como fundamento a teoria do risco-proveito, admitindo-se em certos casos as excludentes de responsabilidade, já que com a adoção da teoria do risco integral “não é possível levar em consideração [por exemplo,] a participação do próprio prejudicado na participação do dano” (p. 27). Alega o autor que há casos em que “o Estado falha em preencher essa função e emite licenças que permitem impactos ambientais nocivos, não é justo repassar a responsabilidade ao particular, especialmente nos casos em que ele podia ser confiante na certidão da autorização e na regularidade e licitude de sua atuação. O primeiro guardião dos interesses da coletividade como do bem difuso meio ambiente ainda é o Estado e não o cidadão” (p. 31). [...] Torna evidente que a referida teoria do risco-proveito se enquadra melhor no fato, onde o INCRA falhou em assentar as pessoas em áreas de preservação permanente (APP) e ainda beneficiou com crédito para plantio (uso alternativo do solo) das áreas e o IBAMA emitiu as autorizações de desmatamento sem vistoria prévia, porque no caso de assentamentos é facultativo por ser menos de 3,0 ha,23 passa a apurar o crime e pune os “responsáveis”. Assim, o próprio Estado age com co-responsabilidade e depois vem repassar a responsabilidade somente para os assentados – não é justo! Adiante, nas conclusões se verificará a proposta para esse impasse. 23 Conforme previsto no Art. 10 da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente n.° 3 de 4 de março de 2002: “Para concessão da autorização de desmatamento acima de três hectares/ano, é indispensável à realização de vistoria técnica prévia nas respectivas áreas”. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 233 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 234 3.3 Culpabilidade e responsabilidade administrativa Diante dessas reflexões de culpabilidade nas esferas penal e civil, resta a análise na esfera administrativa. Sendo na prática realizada em primeiro plano, ou seja, desencadeada pelo responsável da apuração do dano e a responsabilização surge pelo seu devido processamento administrativo no órgão ambiental. Diante da realidade analisada em primeiro plano pelo próprio fiscal da apuração, tendo a consciência da culpabilidade do Estado e dos infratores/vítimas no caso apresentado, torna-se uma tarefa um tanto que complicada. Mas na prática como agir, quando se presenta o Estado, e tem consciência da sua parcela de culpa? Como deve agir um funcionário do órgão ambiental, com o poder de policia no qual é investido e passivo de responsabilização da própria legislação, no caso de omissão? A lei 9605/98 é clara, quando afirma: Art. 68 – Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental: Pena – detenção de um a três anos, e multa. E mais no Art. 70 § 3.º – A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de coresponsabilidade. Certamente não poderá trazer a responsabilidade para si e piorar ainda mais a situação, deve apurar e ser o mais transparente possível, contribuindo com os julgadores para a compreensão mais lúcida dessa complexa realidade. É difícil querer ser justo na ilegalidade, como é difícil ser legal na injustiça. É uma questão de escolhas, é saber discernir o direito posto do direito pressuposto (GRAU 2000) e procurar fazer justiça. Cabe a indagação: como punir com multa pessoas que mal conseguem se sustentar, que lutam para conseguir o que comer? A multa certamente nunca será paga, apenas servirá para banalizar o poder coercitivo do Estado. Mas também, sem descambar para o extremo, querer, em nome de práticas costumeiras de uma realidade injusta, “encobrir” mais injustiças. Por isso, a contráriosensu não se deve permitir, em nome de um possível bom senso, que essas pessoas continuem praticando crimes ambientais. Como bem salienta Benatti,24 em relação ao direito consuetudinário: 24 BENATTI, José Helder. “A Titularidade da Propriedade Coletiva e o Manejo Comunitário”. In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, série antropologia, 18 (2), 2002, p. 160. 234 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 235 Assim, desde que o direito consuetudinário não seja contra lege ele tem plena vigência na propriedade comum. Em outras palavras, não se sustenta o costume que pode levar à extinção a fauna e a flora, ou praticas de desmatamentos em área de preservação permanente do imóvel rural. Sendo assim a defesa do meio ambiente deve ser feita, a qualquer custo, mas muito mais que isso é a defesa do direito á vida, no qual está intrínseco o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante o exposto, como encontrar a melhor forma para evitar ser injusto ou ilegal? Esta é a reflexão: um fato, como o descrito, permite a possível confusão da noção do justo (fazer justiça) e a do legal (cumprir puramente a lei). Torna-se uma ousadia determinar ou julgar, sem refletir e sem ter um retrato holístico da realidade. Quem é vítima ou criminoso numa realidade tão complexa que é a Amazônia? É uma tarefa difícil, mas segue as seguintes proposições para dirimir o conflito, defender e recuperar o meio ambiente: O IBAMA, através do fiscal e como o órgão ambiental deve apurar o crime, dimensionar os danos e proceder às autuações,25 com as seguintes ressalvas: se o projeto de assentamento já se emancipou, ou seja, se os assentados já têm o título definitivo da terra, as autuações têm que ser em nome destes; se não for o caso, o INCRA deverá ser autuado e os assentados punidos por envolvimento no crime. De qualquer forma a área deverá ser embargada para sua regeneração natural. Cabendo os infratores a apresentação da defesa em 20 (vinte) dias corridos, a partir do dia seguinte da lavratura do auto de infração, para pagar a multa ou apresentar a defesa dirigida à autoridade competente do IBAMA. Será aberto o processo administrativo em que o autuado terá amplo direito para dar vistas ao processo, se defender e será feita a comunicação de crime ao Ministério Público. Há a possibilidade da suspensão da exigibilidade de cobrança da multa através de Termo de 25 Artigos 38,39 e 70 da Lei 9.605/1998 c/c artigos 1.°, 25 e 26 do Decreto 3.179/1999. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 235 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 236 Compromisso de reparação do dano ambiental, aprovada pela autoridade competente, conforme a legislação vigente,26 sendo esta, a forma mais justa e razoável de solucionar o conflito para este caso. É de suma importância no relatório da fiscalização do IBAMA, mencionar apuração dos indícios de exclusão de ilicitude devido o estado de necessidade dos assentados. Em relação ao INCRA, como proposta de reparação do dano ambiental, deve proceder a retirada urgente dos assentados das áreas de preservação permanente e assentá-los em uma área ambientalmente e tecnicamente adequada. Contribuindo para a regeneração natural das áreas degradadas. Evitando assim, eventuais proposituras de ações coletivas tais como: Ação Civil Pública27 para reparação imediata do dano por parte do IBAMA ou Ministério Público Federal ou Associação dos Assentados (com mais de um ano de constituição); ou a propositura de Mandado de Segurança Coletivo28 por parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ou Associação dos Assentados; ou Ação Popular29 por qualquer cidadão. Quanto à atuação do Ministério Público Federal deverá, como fiscal da lei, reconhecer a exclusão da ilicitude dos assentados, conforme explicado acima, não oferecendo a denúncia pelo o estado de necessidade dos mesmos. Podendo também agir para a reparação do dano ambiental, se for o caso, através de propositura da Ação Civil Pública ou mesmo na exigência e na composição de Termos de Ajustamento de Conduta30 ou no próprio Termo de Compromisso de reparação do dano ambiental. 26 Art. 17 da Lei 9.605/1998 c/c Art. 79-A do Decreto 3.179/1999. 27 Art. 5.° da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. 28 Art. 5.° LXX, “b” da CRFB/88. 29 Art. 5.° LXXIII CRFB/88. 30 Art. 5.° § 6.° da Lei 7.347/85. 236 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 10_artigo_daniel_abrahao.qxd 28.02.07 16:54 Page 237 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988; _______. Código Penal. 4.ª edição: São Paulo. Rideel, 2004. _______. Decreto n.º 3.179, de 21 de setembro de 1999. BRASIL. Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.. In: Software Codex Ambiental, Licenciado para Ibama AM, fevereiro, 2005; _______. Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1988. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. In: Software Codex Ambiental, Licenciado para Ibama AM, fevereiro, 2005; ________. Lei 6938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. In: Software Codex Ambiental, Licenciado para Ibama AM, fevereiro, 2005; ________. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (vetado) e dá outras providências. In: Software Codex Ambiental, Licenciado para Ibama AM, fevereiro, 2005; BENATTI, José Helder. A Titularidade da Propriedade Coletiva e o Manejo Comunitário. 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In: Hiléia: Revista de Direito Ambiental. V.1, n.º 1. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/ Secretaria de Cultura/ Universidade do Estado do Amazonas, 2003. pp. 155-186 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Responsabilidade ambiental. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/ambiental/responsabilidade_ambiental.ht m>. Acesso em: 16 out. 2006 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Instrução Normativa n.° 3 de 4 de março de 2002. In: Software Codex Ambiental, Licenciado para Ibama AM, fevereiro, 2005 KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental. Objeções à teoria do “risco integral”. Jus Navigandi, Teresina, a. 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1720>. Acesso em: 02 nov. 2005 SHANLEY, Patrícia. Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005 SILVA, Solange Teles da. Capítulo 13 – Responsabilidade Civil Ambiental IN PHILIPPI JR., A., ALVES, A.C. Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. São Paulo: Manole, 2005, pp. 425-464. <http://www.ufpa.br/portalufpa/imprensa/> - Acesso 22/08/2005 238 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 239 SOCIEDADE CIVIL RESÍDUOS SÓLIDOS E CONSCIENTIZAÇÃO Maria Rosalva de Oliveira Silva* Sumário: 1. Conceitos; 2. Competência; 3. Classificação dos Resíduos; 4. A Problemática do Lixo; 5. Sociedade Civil; 6. Conscientização. Resumo: O artigo trata dos problemas da poluição ocasionados por resíduos sólidos. Abarca conceitos sobre sociedade civil e seu poder de conscientização. Classifica os resíduos em grupos com o fim de esclarecer suas peculiaridades. Dispõe ainda sobre as competências de cada esfera do Poder Público em face dos problemas estudados. Demonstra que a conscientização da população é valorosa, tendo em vista a onerosidade da recuperação do meioambiente. Por isso, a responsabilidade social é um grande passo para a amenização do problema. Tal premissa é perfeitamente observada mediante o fato da população não fazer o uso devido do lixo. Muitas vezes não conhece o destino correto de cada grupo de resíduos. É neste contexto que as entidades da sociedade civil se revestem de valor. As mesmas têm a finalidade de transmitir o conhecimento necessário para um melhor aproveitamento do lixo. A difusão das informações trará melhorias na qualidade de vida, diminuição dos gastos públicos e o aproveitamento racional de recursos. Abstract: The article deals with the pollution problems caused by solid residues. It includes concepts about civil society and its power of awareness. It classifies the residues in groups in order to enlighten their peculiarities. It takes account of the competences of each sphere of the Public Power in relation to the problems analyzed. It demonstrates that the awareness of the populations is valuable, due to the recovery of the environment being so onerous. That is why the social responsibility is such a great step towards the softening of the problem. This premise is perfectly observed once the population does not make the proper use of garbage. They many times do not know the correct value of each group of residues. It is due to this situation that the civil society’s entities are revested in value. Their goal is to transmit the necessary knowledge for a better utilization of the garbage. The diffusion of information will bring improvement in life quality, reduction of public expenditure and rational utilization of resources. Palavras-chave: Sociedade civil; Resíduos Sólidos; Conscientização. Key-words: Civil Society; Solid Residues; Awareness. * Advogada, mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas, assessora jurídica do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, professora de Direito Municipal da Universidade Federal do Amazonas e de Direito Processual Civil da Escola Superior Batista do Amazonas). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 239 11_artigo_rosalva.qxd 1. 28.02.07 16:56 Page 240 CONCEITOS Por meio dos conceitos aqui estabelecidos, pretende-se desenvolver um texto que permita o exato alcance da atuação do segmento nominado como sociedade civil organizada, no que concerne à conscientização da Sociedade e do Poder Público para com os resíduos sólidos lançados no solo ou nos recursos hídricos. À sociedade civil, pode-se atribuir o conceito de segmentos personificados ou não, que atuam no seio da sociedade e em seu benefício, seja pela reunião de pessoas que se associam para a realização de objetivos (gerais ou específicos), seja pela formação de um patrimônio suficiente também para alcançar os fins estabelecidos no instrumento de sua constituição (estatuto social). Assim, esse segmento, quando formalmente constituído, apresenta-se na forma, ora de associação,1 ora de fundação,2 e, em qualquer delas, não visam a fins lucrativos. Segundo Roberto Senise Lisboa, pode-se definir associação como “a entidade de direito privado sem fins econômicos que se constitui formalmente da convergência de vontades de duas ou mais pessoas, inserida em um documento escrito denominado ata constitutiva, cujo regime jurídico é adotado na forma de estatuto”3 inclusive pode ter por objetivo a proteção e a preservação ambiental. Já as fundações, segundo o autor, podem ser conceituadas como: Entidade de direito privado, constituída por ato de dotação patrimonial, inter vivos ou mortis causa, para determinada finalidade não econômica. [...] Opera-se a constituição da fundação tão-somente com a dotação de bens livres, que passam a se tornar inalienáveis, exceção feita à deliberação judicial que autorize a venda .4 240 1 Art. 53 do Código Civil Brasileiro. 2 Art. 62 do Código Civil Brasileiro. 3 LISBOA, Roberto Senise. M a n u a l d e D i r e i t o C i v i l . 3.ª ed. vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 374. 4 I d e m , 2003, p. 383-384. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 241 O segmento também pode manifestar-se por meio de grupos desprovidos de personalidade jurídica, podendo ser citados, entre eles, os movimentos, os foruns, os conselhos e as redes.5 Resíduo sólido “é qualquer material resultante de atividades humanas descartado ou rejeitado por ser considerado inútil ou sem valor”.6 Para a Agenda 21, resíduos sólidos são “todos os restos domésticos e resíduos nãoperigosos, tais como os resíduos comerciais e institucionais, o lixo da rua e os entulhos de construção”.7 Depreende-se, portanto, que os resíduos sólidos são uma produção humana e, que dependendo do tipo do material descartado, podem inclusive, além de poluir o solo e as águas, causar danos à fauna e à saúde do homem. 2. COMPETÊNCIA Os resíduos sólidos recebem a denominação popular de “lixo” e a limpeza pública, coleta, tratamento e destinação deste, por expressa disposição constitucional, são da competência dos municípios,8 que podem delegá-la mediante processo licitatório. O que é indelegável é a organização, administração, fiscalização e gestão do sistema municipal de limpeza pública.9 Os resíduos industrias não-compreendidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT 10.00410 podem ser coletados como lixo domésticos cabendo ao Município proceder à coleta e à adequada destinação deste. Em se tratando de resíduo industrial perigoso, este só poderá ser disposto no meio ambiente quando se transforma em resíduo comum depois de tratado e, para isso, deverá assegurar: 5 Alianças coletivas, cujo objetivo é o fortalecimento do segmento, mediante capacitação para intercâmbio de experiências e informações - SILVA, Maria Rosalva de Oliveira. A Atuação do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente e da Sociedade Civil Organizada na Política Ambiental do Município de Manaus. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas - UEA, 2004 Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental). p. 139. 6 TRIGUEIRO, André (coordenação). Meio Ambiente no Século 21. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 361. O art. 1.º, I, da Resolução CONAMA n. 5, de 5 de agosto de 1993, também define resíduos sólidos. 7 Capítulo 21 (21.3). 8 Art. 30, I, da Constituição Federal, e art. 302, da Lei Orgânica dos Municípios (LOMAN). 9 Parágrafo único do art. 302, da LOMAN. 10 ABNT NBR 10.004, de setembro de 1987 – Classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública, para que estes resíduos possam ter manuseio e destinação adequados. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 241 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 242 a) a eliminação das características de periculosidade do resíduo; b) a preservação dos recursos naturais; e c) o atendimento aos padrões de qualidade ambiental e de saúde pública.11 A Lei Orgânica do Município de Manaus – LOMAN também proíbe expressamente a instalação de fábrica de processamento de lixo e ponto de depósito terminal da coleta no limite do centro urbano da cidade, estando também incluídas nessa vedação as áreas de interesse científico ou ecológico (art. 308). Contudo essa proibição não foi observada, visto que o Aterro Sanitário de Manaus se encontra localizado dentro do perímetro urbano12 da Cidade. O Plano Diretor Urbano e Ambiental do Município de Manaus13 prevê expressamente a elaboração de um Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos contendo a estratégia geral do Poder Executivo Municipal para a gestão desse material, de modo a proteger a saúde humana e o meio ambiente. Deverá ainda, especificar medidas que incentivem a conservação e a recuperação de resíduos naturais, além de oferecer as condições para a destinação final adequada dos resíduos. Ao Estado, coube o controle das atividades industriais que ocasionam poluição em qualquer de suas formas,14 principalmente aquelas que sejam realizadas em áreas próximas de cursos d’água (artigo 230, XI, da Constituição do Estado). 3. CLASSIFICAÇÃO DOS RESÍDUOS Segundo Patrícia Mousinho há diversas formas de classificação dos resíduos sólidos entre elas, aponta: quanto à composição química (orgânico ou inorgânico), quanto à fonte geradora (residencial, comercial, industrial, agrícola, de serviço de saúde etc.) e quanto aos riscos (perigosos, inertes e nãoinertes).15 11 Art. 10 da Resolução CONAMA n.º 5/1993. 12 Lei Municipal n.º 644, de 8 de março de 2002. 13 Art. 117, da Lei Municipal n.º 671, de 4 de novembro de 2002. 14 Art. 2? da Resolução CONAMA n.º 6, de 15 de junho de 1988. 15 TRIGUEIRO, André (coordenação). Meio Ambiente no Século 21. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 361. Cf., Resolução CONAMA n.º 23, de 12 de dezembro de 1996. 242 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 243 A NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, apresenta três classes de resíduos sólidos: Classe I – resíduos perigosos; Classe II – resíduos não-inertes e, Classe III – resíduos inertes. O Projeto de Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos optou por adotar uma outra classificação para as fontes geradoras de resíduos, sendo elas: a) resíduo domiciliar, b) resíduo público, c) resíduo industrial, d) resíduo de serviço de saúde, e) resíduo de serviço de transporte, f) resíduo de mineração, g) resíduo de estabelecimento rural.16 Comumente, os resíduos de saúde provenientes de hospitais, clínicas e postos de saúde são denominados de resíduos hospitalares e requerem tratamento, coleta e disposição diferenciados. Ocorre, entretanto, que se está esquecendo de não serem esses resíduos exclusivos dos ambientes anteriormente citados, porque podem ser encontrados no denominado lixo doméstico, pois, onde houver um doente, por certo haverá resíduo de saúde, daí por que esta denominação parece ser mais apropriada. 4. A PROBLEMÁTICA DO LIXO Manaus não é diferente de outras cidades do Brasil,17 onde o lixo se tornou um problema sério, não só pela quantidade produzida18 – isso revela apenas um custo elevado para coleta e depósito arcado pelo Poder Público e, consequentemente, pela sociedade – como também pelo fato de que o depósito inadequado do lixo pode acarretar doenças19 à população. A Prefeitura Municipal de Manaus no Projeto SOS Igarapés (1999)20 – desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP), Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) e Secretaria Municipal de Educação (SEMED) – retira os resíduos dos igarapés de Manaus e mobiliza as comunidades mediante a coleta seletiva e educação ambiental. O Projeto retira diariamente dos igarapés de Manaus trinta toneladas de lixo aproximadamente,21 e assim, o custo operacional para manutenção do 16 Art. 5.º Projeto de Lei n.º 203/1991. 17 SISKIS, Alfredo. Ecologia Urbana e Poder Local. Rio de Janeiro: Fundação Onda Azul, 1999. p. 111. 18 No 1.º semestre de 2005, foram recolhidas 391.460,716 toneladas de lixo em Manaus. 19 Ex. Hepatite, parasitores intestinais, leptospirose. 20 Cf., SILVA, Maria. op. cit. p. 161. 21 Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP). 2004. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 243 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 244 Projeto onera toda a sociedade e revela que a população de Manaus precisa estar consciente de sua responsabilidade para com o meio ambiente, pois sua proteção e defesa é dever de todos (Poder Público e coletividade).22 COMPOSIÇÃO DE CUSTOS EQUIPAMENTOS, SERVIÇOS E MATERIAIS. D E S C R I Ç Ã O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .R $ / t Locação de balsa com rebocador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16,00 Locação de escavadeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23,20 Remoção mecânica dos resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19,13 Bote com motor de 30HP (2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0,26 Ferramentas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0,25 Combustível e lubrificante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2,40 S U B T O T A L ( 1 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 6 1 , 2 4 CUSTO COM PESSOAL D E S C R I Ç Ã O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .R $ / t Salários e vantagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30,09 Fardamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0,16 Roupa de mergulho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1,20 Equipamentos de proteção individual (EPI) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0,20 S U B T O T A L ( 2 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 1 , 6 5 CUSTO ADMINISTRATIVO D E S C R I Ç Ã O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .R $ / t Transporte de pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3,14 Transporte de ferramentas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3,44 Refeição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1,16 Fiscalização e apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1,05 S U B T O T A L ( 3 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 , 7 9 T O T A L G E R A L ( 1 ) + ( 2 ) + ( 3 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 1 , 6 823 22 Artigo 225 da Constituição Federal de 1988. 23 Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP), 2004. 244 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 245 Em face da Concorrência Pública n.º 001/2003, duas empresas realizam a coleta de lixo em Manaus: LIMPEL e TUMPEX. Pelo contrato assinado entre a Prefeitura de Manaus, essas empresas estão obrigadas a ter um grupo composto por doze pessoas que devem atuar na educação ambiental, coordenadas por uma assistente social e um engenheiro ambiental. Mesmo assim, essas empresas, juntas, coletaram, no 1.º semestre de 2005, 346.868,710 toneladas (88,61%) do lixo recolhido em Manaus. Terceiros (supermercados, indústrias, e outros) representam apenas 11,39%, que perfaz o montante de 44.592,007 toneladas24 O custo disso para a Prefeitura de Manaus apenas do 1.º semestre foi de R$ 13.503.065,89 (treze milhões, quinhentos e três mil, sessenta e cinco reais e oitenta e nove centavos). A sociedade assume esse custo pelo pagamento da Taxa de Lixo (art. 145, II, da CF/88). Não há dados disponíveis do montante reciclado em Manaus, o que deixa um questionamento: Quanto desse lixo está sendo colocado no lixo sem a devida reciclagem ou reutilização? TABELA I - COLETA POR ESPÉCIE DE RESÍDUO Quantidade de lixo coletado, em toneladas, no Primeiro Semestre de 2005 SERVIÇOS 1.º Semestre de 2005 Janeiro de de 2005 Fevereiro de de 2005 Março de de 2005 Abril de de 2005 Maio de de 2005 Junho de de 2005 Coleta Total 391.460,716 61.613,000 54.513,459 76.233,312 78.638,243 64.452,933 56.009,759 Coleta Domiciliar 178.968,286 33.077,000 27.143,940 31.771,848 32.843,900 27.918,998 26.212,600 Coleta Hospitalar 1.314,064 226,000 200,330 250,844 246,840 224,650 165,400 Remoção Mecânica 141.357,303 18.401,000 15.881,336 31.417,585 31.743,269 24.951,669 17.972,345 23.485,351 2.737,000 1.967,620 2.758,211 5.356,450 5.310,429 5.355,641 Coleta de Poda 1.548,520 18,000 299,661 394,472 200,706 310,381 325,280 Coleta Seletiva 185,185 - 22,633 48,684 43,716 25,022 45.130 44.592,007 7.154,000 7.997,929 9.591,589 8.203,362 5.711,784 5.933,363 Remoção Manual Terceiros FONTE: Relatório semestral da Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP), 2005. 24 Fonte: Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP), relatório 1.º semestre de 2005. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 245 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 246 Segundo Renato Nalini, “o Brasil desperdiça 85 milhões de toneladas de entulhos por ano. É o que deixa de ser reciclado e que seria suficiente para pavimentar 3.500 quilômetros de estradas”.25 Faz-se necessário um combate ao desperdício, ao consumismo exagerado e a economia da transitoriedade apresentada por Alvin Toffler em sua obra O Choque do Futuro,26 que, de forma sintética, pode ser traduzida como o planejamento da curta durabilidade dos produtos, podendo aqui ser incluído até o avanço tecnológico visto que produtos como celulares e computadores, em brevíssimo espaço de tempo restem defasados e poluam o meio ambiente. 5. SOCIEDADE CIVIL Vários atores que compõem esse segmento vêm atuando em parceria com o Poder Público Municipal e/ou com as comunidades em projetos de reciclagem, coleta seletiva e educação ambiental. T A B E L A I I - O R G A N I Z A Ç Õ E S N Ã O - G O V E R N A M E N T A I S ( O N G S)27 ENTIDADES NATUREZA ÁREA DE ATUAÇÃO Amigos da Amazônia (Ada) Associação - Ambientalista Reciclagem de Lixo e Coleta Seletiva Associação Florestal para Conservaçào do Ecossistema Amazônico Associação - Ambientalista Educação Ambiental Associação Mata Viva – Amav Associação - Ambientalista Reciclagem de Lixo, Coleta Seletiva e Educação Ambiental Associação Selva Amazônica Associação - Ambientalista Educação Ambiental Instituto Ambiental Amigos Da Natureza - Iaan Associação - Ambientalista Educação Ambiental 25 NALINI, Renato. Ética Ambiental. 2.ª ed. Campinas: Millennium, 2003. p. 134-135. 26 TOFFER, Alvin. O Choque do Futuro. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1973. p. 44. 27 Termo usado pela Organização das Nações Unidas em 1946, significando toda organização não-estabelecida por acordo intergovernamental, conforme relata DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 106. 246 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Instituto de Educação Profissional, Ambiental e Desenvolvimento Cooperativo da Amazônia – Iepadecam Page 247 Associação – Ambientalista Reciclagem de Lixo e Educação Ambiental Instituto de Preservação do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais da Amazônia – Ipram Associação – Ambientalista Reciclagem de Lixo e Educação Ambiental Movimento Socioambiental Institucional Cidadão da Água – Mosaica Movimento – Ambientalista Coleta Seletiva, Reciclagem de Resíduos e Educação Ambiental Organização Cívica da Amazônia - Oca Associação – Ambientalista Educação Ambiental Sociedades dos Amigos do Lixo Urbano e Turismo Harmonioso – Salutarma Associação – Ambientalista Educação Ambiental e Capacitação Profissional em Reciclagem e Reutilização Ong Mais Associação – Ambientalista Reciclagem de Resíduos e Educação Ambiental Associaçào Uga-Uga de Comunicação Associação – Objetivos Diversos Informação Ambiental Associação Brasil Sei-Bsgi (Soka Gakai) Associação – Objetivos Diversos Educação Ambiental Associação para o desenvolvimento Coersivo da Amazônia – Adcam Associação – Objetivos Diversos Educação Ambiental Associação Para O Desenvolvimento Integrado E Sustentável – Adeis Associação – Objetivos Diversos Educação Ambiental Caritas Arquidiocesana De Manaus Associação – Objetivos Diversos Educação Ambiental Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – Coiab Associação – Objetivos Diversos Educação e Informação Ambiental Indígena Fundação Amazônica Fundaçào – Objetivos Diversos Educação Indígena Fundação Rede Amazônica Fundaçào – Objetivos Diversos Educaçào Ambiental e Coleta de Lixo Dentre as, aproximadamente, duzentas e quarenta e nove Associações de Bairros existentes em Manaus,28 alguns projetos desenvolvidos por Órgãos municipais, registram a participação comunitária em áreas relativas à educação ambiental, reciclagem e coleta seletiva de resíduos. 28 Números fornecidos pela Federação Amazonense de Comunidades - FAC e pela Central Única de Comunidades (CUC). Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 247 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 21:20 Page 248 TABELA III: Atuação das Associações Comunitárias – Projetos PROJETO / ESPAÇO GEOGRÁFICO ANO *Programa UNIAMBIENTE 29 Local: Manaus Ano: 1999 ** Projeto Bodozal Local: Compensa Ano: 1998 Projeto SOS Igarapés Local: Toda Manaus: Igarapés Ano: 1999 RECURSO FINANCEIRO 2003: R$ 190.000,00 2004: R$ 210.000,00 ENVOLVIDOS MUNICÍPIO/ COMUNIDADE P o d e r P ú b l i c o: 10 pessoas e um coordenador. OBJETIVO Realizar cursos e oficinas de trabalho em matéria ambiental. Realizou 7 cursos e oficinas, atendeu 34 grupos comunitários e distribuiu 390 apostilas. Desenvolvimento de atividades socioeducativas, políticas públicas para a sensibiliza ção da questão ambiental. Finalista do Prêmio Super Ecologia (2001). Finalista do Prêmio Itaú-Unicef (2001). Tem por objetivo a atuação do Poder Público na retirada de lixo e a mobilização da comunidade na educação ambiental e coleta seletiva. No 1.º momento, a comunidade era agente passivo da operação. Hoje, os líderes comunitários desenvolvem ações ambientais próprias. C o m u n i d a d e: 34 grupos comunitários. A SEMED informou que não existe uma dotação específica para o Projeto, somente dotação geral para Programas e Projetos Pedagógicos e de Educação Ambiental. Poder Público: SEMED: 15 pessoas SEMMA: Palestrantes (depende da atividade). SEMULSP: Custo Operacional Unitário: R$ 101,68. Poder Público: SEMULSP: 31 pessoas SEMMA E SEMED: Não possuem uma dotação específica. SEMED e SEMMA: Equipe de Educação Ambiental: RESULTADOS Comunidade: Associação dos Moradores da Compensa II 1.000 pessoas Entre 1998-2000, a SEMED avalia que houve melhoria do ambiente: 20,72% nas ruas do bairro; 22,04% no bairro; 16,76% no igarapé; 18,76% na escola e 21,69% nas casas. C o m u n i d a d e: Presidentes de Associações * Fonte: Secretário Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente, Fernando de Melo Carvalho (2004). **Fonte: Divisão de Ensino Fundamental – Educação Ambiental da SEMED e Coordenador do Projeto Bodozal, João Batista dos Santos. 29 Universidade do Meio Ambiente. 248 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 249 Embora os projetos das ONGs e Associações Comunitárias promovam a reciclagem do lixo mediante a coleta seletiva, devem ser colocadas sob avaliação três situações complexas. A primeira, relativa à situação de risco dos catadores de lixo,30 que trabalham em locais insalubres e desprovidos de equipamentos adequados. A segunda, relacionada com a primeira, pois, em alguns casos, essa atividade é a única fonte de renda familiar; e a terceira, a ausência de políticas públicas que incentivem a cultura da separação do lixo domiciliar. 6. CONSCIENTIZAÇÃO A Constituição Federal, em seu art. 225, é clara em afirmar que compete ao Poder Público e à coletividade o direito/dever de preservar e defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (solidariedade intergeracional).31 Em uma análise superficial do artigo, poder-se-ia inferir que essa defesa seria judicial. Para que a preservação ambiental seja efetiva, mais do que reprimir condutas ambientais lesivas, é necessário evitá-las, por meio de instrumentos preventivos, notadamente a informação32 e a educação ambiental,33 que subsidiam a sociedade na formação de uma conscientização ambiental. Informar vai além de simplesmente divulgar dados e indicadores ambientais. Pressupõe dar condições à população para que ela possa fazer, com consciência, as suas escolhas no desenvolvimento das cidades. Dessa conscientização, evolui-se para uma mobilização social, em que as ONGs e as Associações Comunitárias têm um papel importante, pois, através delas arregimentam-se pessoas que irão atuar como multiplicadores de conhecimento e auxiliar em projetos ambientais, que visem a diminuir o desperdício (reduzir) por meio da reciclagem e da reutilização. 30 MARQUES. José Roberto. Meio Ambiente Urbano. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 123. 31 Cf., WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Os Novos Direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 241- 253. 32 Lei Federal n.º 10.650, de 16 de abril de 2003, dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos Órgãos e Entidades integrantes do SISNAMA. 33 Lei Federal n.º 9.795, de 27 de abril de 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, regulamentada pelo Decreto Federal n.º 4.281, de 25 de junho de 2002. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 249 11_artigo_rosalva.qxd 28.02.07 16:56 Page 250 Sem dúvida, nesse primeiro momento, o grande chamariz da reciclagem é ser ela uma fonte de renda, que pode auxiliar na melhoria da qualidade de vida das comunidades mais carentes, a fim de que possam usufruir dos direitos mínimos garantidos no artigo 6.º da Norma Fundamental. 250 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 251 PARTE IV – RESUMOS A INCIDÊNCIA DE MALÁRIA NAS OCUPAÇÕES DESORDENADAS DO MUNICÍPIO DE MANAUS, NO PERÍODO 1999 – 2003, COMO CONSEQÜÊNCIA DE VIOLAÇÕES AOS DIREITOS À HABITAÇÃO, SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .253 A COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA EM MATÉRIA DE POLICIAMENTO JUDICIÁRIO AMBIENTAL: O CASO DO AMAZONAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .254 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO CULTURAL PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DAS COMUNIDADES LOCAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .256 CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS AO PATRIMÔNIO GENÉTICO E DIREITO INTELECTUAL: UMA ABORDAGEM JURÍDICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .257 A EFICÁCIA DA NORMA AMBIENTAL NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .258 ASPECTOS E PERSPECTIVAS SÓCIO-JURÍDICAS SOBRE O TRATAMENTO DA POLUIÇÃO POR RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NA CIDADE DE MANAUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .259 A REPARAÇÃO DO DANO ECOLÓGICO: A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO MEIO PARA A DEFESA AMBIENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .260 PATRIMÔNIO CULTURAL – O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA E A QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .262 O MANEJO DE JACARÉS PELAS POPULAÇÕES DO INTERIOR DO ESTADO DO AMAZONAS E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .263 ANÁLISE JURÍDICO-AMBIENTAL DA POLUIÇÃO DO IGARAPÉ DO ALVORADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .264 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS: A REGULAÇÃO JURÍDICA DAS RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .265 ORDENAÇÃO DAS CIDADES E O PAPEL DO DIREITO URBANÍSTICO: O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO NO MUNICÍPIO DE MANAUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .266 RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE MANAUS: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DOS ESTABELECIMENTOS GERADORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .267 A CONTABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE ENQUADRAMENTO DAS EMPRESAS ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .268 RESPONSABILIDADE CIVIL AO PATRIMÔNIONATURAL POR EMPRESAS DE MANAUS: CASOS JULGADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .269 A LEI DO SILÊNCIO:POLUIÇÃO SONORA POR EQUIPAMENTOS DE SOM NA CIDADE DE MANAUS . . . . . . . . . . . . .271 A ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE E DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA POLÍTICA AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE MANAUS . . . . . . . . . . . . . . . . .272 REGULAÇÃO JURÍDICA DO ACESSO AOSCOMPONENTES DA BIODIVERSIDADE: ITULARIDADES COMPLEXAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .273 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 252 A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA NA LICENÇA AMBIENTAL BRASILEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .275 O PRINCÍPIO POLUIDOR-PAGADOR E USUÁRIO PAGADOR NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO AMAZONAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .276 O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EPIA)COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .277 A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS FRAGMENTOS FLORESTAIS URBANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .278 O PODER PÚBLICO E A GESTÃO DOS BENS DE USO COMUM DO POVO AS PRAÇAS DE MANAUS . . . . . . . . . . . .279 ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE MANAUS (JANEIRO/1998 A JULHO/2003) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .281 POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: SUA PROTEÇÃO JURÍDICA EM FACE DA SOBERANIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .282 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 253 A INCIDÊNCIA DE MALÁRIA NAS OCUPAÇÕES DESORDENADAS DO MUNICÍPIO DE MANAUS, NO PERÍODO 1999 – 2003, COMO CONSEQÜÊNCIA DE VIOLAÇÕES AOS DIREITOS À HABITAÇÃO, SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Mestranda: Alcinéia da Silva Rodrigues Banca Examinadora: Profa. Dra. Clarice Seixas Duarte (Orientadora) Prof. Dr. Wanderlei Pedro Tadei (INPA) Profa. Dra. Solange Teles da Silva (UEA) Resumo: Este estudo analisa a alta incidência de malária nas ocupações desordenadas do município de Manaus, nos últimos cinco anos, como conseqüência de violação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado expresso no art. 225 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações. Para consecução dos objetivos, referida análise articulou o problema apresentado com os demais direitos sociais, econômicos e culturais, com ênfase no direito à moradia e à saúde, considerando a interface desses direitos que se integram na medida em não se postula apenas o direito à mera sobrevivência, mas o direito à vida com dignidade. A problemática do tema envolve questões como: a existência de um expressivo déficit habitacional no município, a influência do processo cultural da população acerca da defesa e preservação dos bens ambientais, a oferta deficiente e insuficiente de serviços públicos e de equipamentos básicos sociais, e a omissão do Poder Público pelo não cumprimento de direitos fundamentais constitucionalmente positivados, no sentido de prover prestações positivas, materializadas nas políticas públicas. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 253 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 254 A COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA EM MATÉRIA DE POLICIAMENTO JUDICIÁRIO AMBIENTAL: O CASO DO AMAZONAS Mestrando: Aluísio Celso Affonso Caldas Banca Examinadora: Profa. Dra. Clarice Seixas Duarte (Orientadora) Profa. Dra. Maria Paula Dallari Bucci (UNISANTOS) Prof. Dr. Ozório Jose de Menezes Fonseca (UEA) Resumo: A estrutura política do Estado brasileiro se desenvolveu ao longo de um processo histórico, onde a descentralização do poder se verifica de forma cíclica. A forma unitária do Estado monárquico demonstra a gênese de uma tradição política centralizadora, a cuja influência se renderam todas as iniciativas de descentralização, dentre as quais a adoção da forma federal, no final do século XIX, que desde então tem revelado uma cultura federalista centralizadora, distante da realidade política esperada de um Estado federal. Esse fato se contrapõe às expectativas de desenvolvimento na dimensão territorial do Brasil, onde se verificam múltiplas realidades sócio-culturais, ao mesmo tempo em que desafia a visão antropocêntrica da ordem jurídicoambiental dessa federação. A discussão perpassa, inevitavelmente, pela distribuição constitucional de competências em matéria de meio ambiente, com relevância ao policiamento judiciário ambiental no contexto das políticas públicas que concorrem para a realização e manutenção do conceito da sadia qualidade de vida, em cujo contexto se questiona a competência e o grau de autonomia dos estados-membros para a realização dessa política, considerando as características do federalismo cooperativo e utilizando o Estado do Amazonas como estudo de caso, numa abordagem qualitativa do tema a partir de uma leitura crítica das fontes consultadas. Procura-se, assim, demonstrar que as competências para as ações estatais em matéria ambiental são constitucionalmente conferidas como deveres a todos os entes federados, uma vez que são comuns as responsabilidades, conforme art. 23 da Constituição brasileira. Além disso, evidencia-se o fato de que, nos diferentes contextos e níveis culturais das populações que habitam o território do Estado do Amazonas, a eficácia na realização do policiamento judiciário ambiental está vinculada à existência de uma cultura social mínima, o que se manifesta no 254 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 255 discernimento dessas populações sobre a importância do bem ambiental para as suas próprias vidas, ou seja, se não houver uma clara noção ou mesmo relevância dos valores ambientais na consciência popular, o policiamento judiciário ambiental se manifestará incompatível com o perfil democrático da realidade brasileira. Impõe-se ao Estado-membro, portanto, a adoção de ações estruturantes dessa política, quer quanto ao aparelhamento, quer quanto à capacitação de recursos humanos para a persecução penal e para a formação de uma consciência ambiental institucional, sendo necessário considerar as sóciodiversidades dos povos da floresta, ou, em outras palavras, as diversidades culturais das populações tradicionais que integram o conjunto social amazonense. Dessa forma, diante das peculiaridades verificadas na realidade de cada estado-membro da federação brasileira, demonstra-se que o policiamento judiciário para a proteção e defesa do patrimônio ambiental, dado o interesse difuso que lhe acomete, não poderia jamais ser da competência exclusiva de um único membro da federação, mas antes se afirma como dever do poder público estadual e direito de todos. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 255 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 256 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO CULTURAL PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DAS COMUNIDADES LOCAIS Mestranda: Carla Brum Carvalho Banca Examinadora: Profa. Dra. Cristiane Derani (Orientadora) Profa. Dra. Ana Virgínia Moreira Gomes (UNISANTOS) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas (UEA) Resumo: A conservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro é, sem dúvida, um dos grandes desafios a serem enfrentados pelos cidadãos, a sociedade civil e o Estado neste século que se inicia. Ainda que um tanto quanto tardiamente, emerge a consciência de que o avanço da sociedade não pode se concretizar às custas da dizimação da biodiversidade natural e da herança construída pelas comunidades humanas ao longo dos séculos e, neste sentido, a presente dissertação tem como principal objetivo colocar em discussão o aspecto de educação ambiental, que representa a principal possibilidade de reversão do atual cenário de ameaça, não apenas à fauna e flora – já tão gravemente afetadas pelo avanço do chamado “progresso” da civilização – mas, também, à existência futura de inúmeras comunidades locais estabelecidas em todo o país. Mas para que uma realidade mais otimista possa surgir no médio prazo, é importante que se desenvolva uma comunicação mais fluente entre os chamados “especialistas”, que muitas vezes, possuem idéias antagônicas a respeito do que, idealmente, deveria ser realizado no sentido do Brasil vir a se tornar um país que possa, não apenas oferecer condições dignas de vida a seus habitantes mas, além disso, estimular a preservação e o fortalecimento da diversidade natural e cultural, que, a cada dia, vem-se tornado um bem mais escasso no planeta. 256 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 257 CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS AO PATRIMÔNIO GENÉTICO E DIREITO INTELECTUAL: UMA ABORDAGEM JURÍDICA Mestrando: Edson de Oliveira Banca Examinadora: Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas (Orientador) Prof. Dr. Eroulths Cortiano Junior (UFPR) Prof. Dr. Ozório Jose de Menezes Fonseca (UEA) Resumo: O objetivo geral deste trabalho consiste em identificar a regulação internacional e nacional referentes a conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade assim como identificar a regulação nacional e estadual referente ao acesso ao patrimônio genético e a conhecimentos tradicionais. A pesquisa baseou-se nos conteúdos de documentos, sobretudo legislativos, como leis federais, leis estaduais, projetos de leis federais e projetos de leis estaduais que dispõem sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados assim como à proteção ao conhecimento tradicional a eles associados. Além desses documentos legislativos, basicamente oriundos do Congresso Nacional e de Assembléias Legislativas, foram também coletados textos de várias entidades que atuam e possuem interesse no problema da pesquisa, bem como levantamento de artigos em revistas. Foram também visitados órgãos envolvidos com o problema em estudo, tais como a representação do INPI, Universidade Federal do Amazonas etc. A pesquisa faz uma análise da Convenção sobre Diversidade Biológica na parte referente a medidas de conservação e uso sustentável da biodiversidade assim como questões de acesso aos recursos biológicos. Tendo como referência esse material de pesquisa o problema em questão foi analisado sob o aspecto jurídico seja quanto à definição de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, seja quanto o aspecto legal do acesso a esses conhecimentos tradicionais associados. Faz o trabalho uma abordagem do acesso a conhecimentos tradicionais e patrimônio genético em terras indígenas. Por fim, a pesquisa examina a questão do direito intelectual ligado à conhecimentos tradicionais e patrimônio genético, discutindo um sistema sui generis de proteção de conhecimentos tradicionais. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 257 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 258 A EFICÁCIA DA NORMA AMBIENTAL NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE Mestranda: Ezelaide Viegas da Costa Almeida Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Saleme (Orientador) Prof. Dr. Ana Virgínia Moreira Gomes (UNISANTOS) Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo Resumo: A preocupação com a proteção do meio ambiente não recente e atualmente ultrapassa fronteiras nacionais. Em todos os relatórios e estudos até hoje editados sobre meio ambiente, observa-se que é responsabilidade de todos a preservação do mesmo para que se tenha o equilíbrio ecológico. Identificado como um bem jurídico fundamental, o meio ambiente possui instrumentos administrativos e jurídicos para protegê-lo de transgressões das mais variadas espécies. Normas constitucionais e infraconstitucionais servem ao propósito da preservação desse bem inestimável. Existem normas que inclusive prevêem sanção na hipótese de violação. Tais normas são fruto do avanço normativo em matéria ambiental e pode-se dizer que as Convenções Internacionais trouxeram as principais recomendações em termos de meio ambiente. A eficácia da norma ambiental na proteção do meio ambiente, utilizando análise doutrinária, é vista como resultante de normas jurídicas auto-executáveis, muitas não necessitando complementação para produzirem efeitos. Observa-se, contudo, que a proteção do meio ambiente para ser efetivada não necessita apenas de normas jurídicas. Depende, sobretudo de fiscalização dos órgãos encarregados de gerir a Política Nacional de Meio Ambiente e conscientização, por meio de políticas educacionais, de todos os cidadãos no sentido de se proteger os recursos esgotáveis, tal como observado no Relatório Brutland e na Agenda 21. 258 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 259 ASPECTOS E PERSPECTIVAS SÓCIO-JURÍDICAS SOBRE O TRATAMENTO DA POLUIÇÃO POR RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NA CIDADE DE MANAUS Mestrando: Fábio Pacó de Matos Banca Examinadora: Prof. Dr. Sérgio Rodrigo Martinez (Orientador) Prof. Dr. Zulmar Antonio Fachin (PUC/PR) Profa. Dra. Clarice Seixas Duarte (UEA) Resumo: Nas últimas décadas, o lixo urbano, por ser oriundo de uma fonte inesgotável estimulada pela massificação do consumo, vem tornando-se um sério problema para as autoridades e órgãos públicos responsáveis pela limpeza urbana, pois diariamente grandes volumes de resíduos de toda natureza são descartados nos centros e nas periferias das grandes cidades, necessitando um destino final adequado. Apesar dos esforços das autoridades competentes no sentido de ordenar a disposição destes resíduos em conformidade com o que prevê a legislação existente, fatores tais como, a escassez de recursos técnicos, informacionais e financeiros vêm limitando estas iniciativas, e por conseqüência os resíduos sólidos urbanos terminam por serem lançados diretamente no solo, no ar e nos corpos d’água existentes no entorno dos centros urbanos. Isso acarreta a poluição do meio ambiente e reduz a qualidade de vida da população. Diante desse quadro, pretendemos prestar um esclarecimento mais específico sobre a problemática dos resíduos sólidos urbanos, privilegiando a análise dos aspectos sócio-culturais e sócio-jurídicos, assim como a inter-relação dos hábitos de consumo da sociedade moderna com a excessiva geração de resíduos. Destacase, ao final, algumas alternativas de intervenção neste problema, fundamentadas, em primeiro lugar, na Educação Ambiental, contemplada como um primeiro passo para se tentar reverter o quadro de poluição por resíduos sólidos urbanos; e em segundo lugar, apoiado no conceito de Gestão Comunitária do Lixo, a realização de uma ação conjunta através da articulação entre o Poder Público, a Universidade do Estado do Amazonas – UEA, e toda a sociedade amazonense, a qual incluirá, uma ampla campanha de sensubilização e educação ambiental estimulando a prática da coleta seletiva no interior de lares, escolas, empresas e outros setores da sociedade. Visualiza-se ainda, o ensino de técnicas simples de compostagem e aterramento sanitário dos rejeitos em local apropriado. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 259 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 260 A REPARAÇÃO DO DANO ECOLÓGICO: A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO MEIO PARA A DEFESA AMBIENTAL Mestranda: Gláucia Maria de Araújo Ribeiro Banca Examinadora: Prof. Dr. José Augusto Fontoura Costa (Orientador) Profa. Dra. Adriana Diaféria (PUC/SP) Prof. Dr. Ozório Jose de Menezes Fonseca (UEA) Resumo: Sob a preocupação de que preservar a diversidade e a integridade do patrimônio natural implica em meio ambiente ecologicamente equilibrado, balizado como pressuposto para o atendimento de outro valor fundamental – o direito à vida – prescreve a Constituição de 1988 garantias e mecanismos capazes de assegurar à cidadania os meios de tutela judicial desse bem: dentre outros, a ação civil pública. Embora a Lei da Ação Civil Pública não tenha sido a precursora, foi a partir do seu advento que, a doutrina processual brasileira passou a estudar a defesa em juízo dessa modalidade de interesses. E, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, elevou-se à categoria de garantias constitucionais determinados valores tutelados pelas demandas coletivas, recepcionando-a integralmente, aprimorando-a, um imenso campo de incidência. A pesquisa irá se arregimentar nos preceitos legais vigentes e na legislação específica para aplicação da referida garantia constitucional na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido. A Carta Magna e legislação infraconstitucional dotaram a pessoa, seja física ou jurídica, de instrumentos processuais eficazes para apuração e punição ao dano ambiental. Assim, ação civil pública tornou-se imprescindível na complementação do estudo da responsabilidade civil por dano ecológico. E é o que observaremos no Capítulo I deste trabalho, uma vez que a referida ação é dotada de instrumentos processuais capazes de efetivar a conservação e a reparação do meio ambiente. O Capítulo II terá por objetivo discorrer sobre o dano ambiental, seu conceito e suas características a fim de demonstrar que sua repercussão influencia drasticamente na impetração da ação civil pública. A ação civil pública é a via processual adequada para impedir e reprimir danos aos bens coletivamente tutelados, encontrando-se disciplinada pela Lei n.º 7.347, de 24.07.1985. A efetivação do dano traz o dever de legal de sua reparação, em sua integralidade, seja de forma natural ou em pecúnia. É o que veremos no decorrer desta dissertação, disposto, também, em nosso Capítulo III. 260 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 261 PATRIMÔNIO CULTURAL – O TOMBAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO Mestranda: Heloysa Simonetti Teixeira Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Ricardo Saleme (Orientador) Profa. Dra. Ana Virgínia Moreira Gomes (UNISANTOS) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: Preservar o meio ambiente é preservar a vida do planeta. Este é um tema sempre presente, relevante que é para as atuais e futuras gerações. Quando se refere ao meio ambiente é imprescindível se ter em mente que este não é apenas o natural, muito mais enfatizado, mas também o cultural. Preservar a cultura é manter viva a memória coletiva de uma sociedade, é permitir o conhecimento, de geração em geração, da história, das raízes de seu surgimento. Portanto, o patrimônio cultural possui, hoje, acepção bastante abrangente, que inclui todas as formas de expressão da cultura de um povo. É imprescindível, para preservar os traços culturais da sociedade brasileira, a utilização de meios adequados de proteção dos bens culturais, a exemplo do tombamento, instituído pelo Decreto-lei 25/1937. Reconhece-se, contudo, que não são suficientes os instrumentos de proteção para atuação do poder público, necessita-se, também, do envolvimento da sociedade, além da implementação de políticas fiscalizadoras, a permitir a conservação desses bens e evitar as investidas danosas contra o patrimônio cultural. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 261 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 262 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA E A QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR Mestranda: Iza Amélia de Castro Albuquerque Banca Examinadora: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo (Orientador) Prof. Dr. Georgenor de Sousa Franco Filho (UNAMA/PA) Prof. Dr. José dos Santos Pereira Braga (UFAM) Resumo: Pretende-se, neste trabalho, realizar um estudo sobre o meio ambiente do trabalho, um dos aspectos do meio ambiente geral, compreendido como pressuposto para que o trabalhador possa gozar de vida digna. Desta forma, este estudo foi estruturado em quatro partes. Inicialmente, vencidos os meandros conceituais do meio ambiente do trabalho, aborda-se a questão da tutela jurídica do meio ambiente do trabalho sob a ótica do Direito Ambiental, do Direito do Trabalho e do Direito da Seguridade Social. Em seguida enfrenta-se a questão dos riscos ocupacionais no ambiente do trabalho, ao se considerar que o desafio maior, na atualidade, a ser enfrentado pelo Estado, como também pela sociedade, trata-se do elevado índice de acidentes do trabalho, causando lesões e ceifando a vida de milhares de trabalhadores, acidentes estes que podem ser evitados com a devida prevenção. Aborda-se, também, sobre a proteção previdenciária, considerando que não há como falar sobre a qualidade de vida do trabalhador, sem mencionar a Seguridade Social, que se constitui na espinha dorsal de um Estado de Direito. Por fim, há que se abordar os reflexos acidentários na vida dos trabalhadores, assim como a eficácia do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado. 262 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 263 O MANEJO DE JACARÉS PELAS POPULAÇÕES DO INTERIOR DO ESTADO DO AMAZONAS E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS Autor: João Ferreira de Santana Neto Banca Examinadora: Prof. Dr. Sérgio Rodrigo Martinez (Orientador) Prof. Dr. Zulmar Antonio Fachin (PUC/PR) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: A pesquisa realizada propõe uma reflexão acerca da persistência de impedimentos legais, que porventura possam obstar a adoção de planos de manejo extensivo de jacarés pelas populações do interior do Amazonas. A referida atividade extrativa animal é responsável, há décadas, pela movimentação de recursos obtidos através do tráfico de animais silvestres e de seus produtos, sem que isso tenha, nas mesmas proporções, resultado numa melhoria das condições de vida daquelas populações. Para tanto, fez-se necessária a revisão bibliográfica acessível acerca do tema discorrido, que se caracteriza pela inter-relação de várias disciplinas e campos do conhecimento humano comuns à matéria ambiental. Assim, adotou-se o método dedutivo, tendo em vista a imprescindível inserção das experiências de outros países e de outros estados da Federação sobre o uso sustentável desse recurso da fauna, bem como sobre a evolução do direito brasileiro pertinente à fauna silvestre. Outrossim, analisou-se a importância social e econômica da utilização do jacaré como um recurso natural e de sua importância para a melhoria da qualidade de vida do amazonense do interior, adequando-a às suas práticas tradicionais e fortalecendo a necessidade de se preservar não só a espécie utilizada, mas também, proteger as áreas em que se encontram, assegurando o desejado desenvolvimento sustentável. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 263 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 264 ANÁLISE JURÍDICO-AMBIENTAL DA POLUIÇÃO DO IGARAPÉ DO ALVORADA Mestrando: João Francisco Wanderley da Costa Banca Examinadora: Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (Orientadora) Prof. Dr. Joaquim Shiraishi Neto (UFPR) Prof. Dr. Ozório Jose de Menezes Fonseca (UEA) Resumo: O estado de degradação dos igarapés que integram as micro-bacias hídricas do perímetro urbano de Manaus vem ensejando, nos últimos anos, uma considerável discussão acadêmico-científica, em que são polarizados como vetores do dano ambiental, de um lado a ação das populações que ocupam irregularmente os espaços urbanos marginais e adjacentes aos cursos d’água e, de outro, as intervenções e/ou omissões do Poder Público frente a essa realidade. A agressão ao meio ambiente é real e extremamente graves as suas conseqüências em relação aos ecossistemas envolvidos. Às variáveis de caráter sócio-ambientais e público-administrativas que sedimentam o conhecimento científico acerca da degradação dos igarapés de Manaus, se acrescentará no presente trabalho a análise das competências e responsabilidades do Poder Público, e da violação ao ordenamento jurídico, pertinentes ao tema. No primeiro capítulo serão analisadas a ocupação urbana e a degradação hídrico-ambiental de Manaus; a dinâmica da demografia humana e o contexto demográfico brasileiro; a expansão demográfica, o espaço e o planejamento urbanos, a malha hidrográfica e a poluição hídrica em Manaus. No segundo capítulo serão tratados os temas meio ambiente, legislação, competências e intervenções do Poder Público; meio ambiente e sua análise conceitual; degradação ambiental; desenvolvimento sustentável; Poder Público e a desordenada ocupação de áreas de igarapés; regime jurídico dos recursos hídricos; intervenções públicas e Estatuto da Cidade. No terceiro e último capítulo, que constitui o Estudo de Caso acerca da poluição do Igarapé do Alvorada, serão abordados a contextualização da área de estudo, os processos de ocupação e degradação desse curso d’água e os resultados da pesquisa de campo ali empreendida. 264 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 265 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS: A REGULAÇÃO JURÍDICA DAS RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL Orientado: Júlio Cezar Lima Brandão Banca Examinadora: Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas (Orientador) Profa. Dra. Maria Paula Dallari Bucci (UFPR) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: Trata-se de pesquisa que versa sobre os espaços territoriais especialmente protegidos com ênfase na regulação jurídica das reservas particulares do patrimônio natural. A investigação se inicia com uma abordagem, em nível mundial, acerca das áreas protegidas, e se desenvolve com a identificação dos principais instrumentos normativos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de sua regulação constitucional, com o propósito de demonstrar que a criação dessas áreas constitui-se em importante estratégia de proteção da diversidade biológica brasileira. Em seguida, os estudos são dedicados especificamente as reservas particulares do patrimônio natural, ocasião em que são abordadas relevantes questões jurídicas envolvendo a criação, alteração, supressão dessas áreas. Logo depois, a pesquisa é dedicada à análise da proteção penal desses espaços territoriais, culminando com a discussão acerca da competência jurisdicional para processar e julgar os crimes ambientais praticados nessas unidades de conservação. Finalmente é realizada investigação a propósito da compatibilidade jurídica das reservas particulares com os demais espaços territoriais especialmente protegidos existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 265 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 266 ORDENAÇÃO DAS CIDADES E O PAPEL DO DIREITO URBANÍSTICO: O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO NO MUNICÍPIO DE MANAUS Mestranda: Jussara Maria Pordeus e Silva Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Ricardo Saleme (Orientador) Prof. Dr. José Cretella Netto (UNIP/SP) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto ( UEA) Resumo: O licenciamento urbanístico, focalizando-se a cidade de Manaus, constitui o objeto de estudo desse trabalho, cujo principal objetivo foi sistematizar o conjunto de normas urbanísticas referentes ao licenciamento e das ações do Poder Publico Municipal, buscando sugerir novas formas de controle preventivo, concomitantemente e repressivo, para o controle urbanístico, em decorrência do visível desordenamento urbano dessa cidade. Para alcançar seus objetivos, esse trabalho comporta uma abordagem histórica do surgimento das cidades e das regras urbanísticas e particularmente das normas específicas do licenciamento, assim como os princípios que regem a matéria. Também foi objeto de analise a política implementada pelo Poder Municipal, como o principal ator nessa matéria do direito. Para complementar o estudo bibliográfico, foram realizadas entrevistas, com o intuito de avaliar a percepção dos operadores das instituições governamentais sobre o ordenamento de ações pertinentes aos novos paradigmas constitucionais, representados pela função social da propriedade, assim como da própria cidade. 266 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 267 RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE MANAUS: RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DOS ESTABELECIMENTOS GERADORES Mestranda: Lúcia Maria Corrêa Viana Banca Examinadora: Profa. Dra. Solange Teles da Silva (Orientadora) Prof. Dr. José dos Santos Pereira Braga ( UFAM) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas (UEA) Resumo: Para tratar da problemática dos resíduos de serviços de saúde partese da análise dos riscos que estes geram à saúde e ao meio ambiente. Apresenta-se a classificação teórica e legal desses resíduos, com relevância aos aspectos do manuseio, acondicionamento, separação, coleta, armazenamento e transporte nas principais fontes geradoras de resíduos de serviços de saúde no Município de Manaus, observando-se os riscos de tais atividades para a saúde humana. Os procedimentos e legislação referentes ao tratamento e disposição final dos resíduos de serviços de saúde também constituem parte dessa análise. Destaca-se nesse estudo a questão da responsabilidade civil da Administração Pública e dos geradores de resíduos de serviços de saúde. A título de ilustração da problemática, dois estudos de casos são relevantes: o do processo de licenciamento do aterro controlado do Município de Manaus, e a ação civil pública de responsabilidade por danos ambientais tendo como objeto o mencionado aterro controlado desse município. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 267 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 268 A CONTABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE ENQUADRAMENTO DAS EMPRESAS ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE Mestrando: Marco Antonio da Cunha Evangelista Banca Examinadora: Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (Orientador) Prof. Dr. José Cláudio Monteiro Britto Filho (UFPA) Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo (UEA) Resumo: O Meio Ambiente se apresenta como alvo de preocupação da atual geração, visando sua proteção como fator garantido da própria existência humana; É evidente que as empresas tem se aparelhado para minimizar o impacto da suas atividades no meio ambiente. Mas não basta estar ecologicamente correto: Faz-se necessário demonstrar ao público tal conduta. Dentre tantas formas de demonstrar as atitudes empresariais para a proteção ao meio ambiente, a contabilidade se mostra como um meio sem igual para embasar tal demonstração; não apenas pelo fato de ser a contabilidade a ciência do patrimônio por excelência, já detendo em seu método as ferramentas de controle das decisões empresariais, mas especialmente por proporcionar ao público e usuários de informações empresariais um retrato do comportamento econômico da empresa. Tomando essa utilidade da ciência contábil, pode-se utilizá-la para dar efetividade ao cumprimento do Princípio Ambiental de Informação que, através de um relatório contábil denominado “Balanço Social”, poderá tornar público quanto (e se) a empresa investe em ações que beneficiem e protejam o meio ambiente. 268 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 269 RESPONSABILIDADE CIVIL AO PATRIMÔNIO NATURAL POR EMPRESAS DE MANAUS: CASOS JULGADOS Mestranda: Maria da Conceição Leal Banca Examinadora: Prof. Dr. José Augusto Fontoura Costa (Orientador) Profa. Dra. Adriana Diaféria (PUC/SP) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: O presente trabalho tem como cerne a verificação da efetividade das decisões judiciais proferidas pela Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias, em decorrência de danos ambientais perpetrados por pessoa jurídica de direito privado na Cidade de Manaus. Dentre os danos provocados ao ambiente natural tomou-se a poluição hídrica como objeto de estudo em razão da unicidade e fonte geradora do dano, o derramamento de óleo por empresas fornecedoras de energia elétrica. Além da pesquisa doutrinária essencial para o entendimento e solução das questões tratadas voltou-se para a pesquisa documental, objetivando a comprovação dos fatos, a elucidação da lide e a busca pela efetividade das decisões prolatadas pela Vara Especializada do Meio Ambiente e Questões Agrárias. Buscou-se caracterizar o meio ambiente e o tratamento a este dispensado pela Constituição de 1988, como um bem difuso, atribuindo a todos direito de fruição, mas também dever de sua reparação pelos danos causados. Essa responsabilidade pode ser administrativa, civil ou penal, tanto das pessoas físicas quanto jurídicas, inclusive com a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nos casos de uso indevido ou de abuso de poder por seus representantes. A responsabilidade ambiental foi enfatizada como conseqüência do dano ambiental, voltada inicialmente para a recomposição ou recuperação, trazendo o ambiente o mais próximo possível do seu status quo ante e, se comprovada essa impossibilidade, voltar-se para a reparação pecuniária, com gerenciamento pelos fundos e aplicação primordial nos locais atingidos pela degradação. Entretanto, não basta que as decisões possuam eficácia e possibilidade de virem a ser cumpridas. É necessário que haja efetividade, que sejam executadas. Caso contrário, além de se criar descrença no judiciário, gera expectativa de impunidade. Assim, buscou-se comprovar a adimplência das decisões prolatadas com relação à poluição Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 269 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 270 hídrica praticada por pessoas jurídicas no período 1997, ano de criação da Vara Especializada do Meio Ambiente e Questões Agrárias, até 2003. Procurou-se demonstrar a necessidade de se priorizar nas decisões judiciais a prática educacional além da imposição de elementos sancionadores, ensejando, ao lado de seu cumprimento, a inibição para a prática delituosa e, em conseqüência, a preservação ambiental. 270 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 271 A LEI DO SILÊNCIO: POLUIÇÃO SONORA POR EQUIPAMENTOS DE SOM NA CIDADE DE MANAUS Mestranda: Maria do Perpétuo Socorro Puga Ferreira Banca Examinadora: Profa. Dra. Solange Teles da Silva (Orientadora) Prof. Dr. José dos Santos Pereira Braga (UFAM) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: A cidade de Manaus enfrenta ruídos gerados pelas várias atividades econômicas, aeroportos, casas de diversão, templos religiosos, residências, aos quais se somam os ruídos decorrentes da própria vida social urbana, constituindo-se a poluição sonora um dos mais graves problemas, causador de danos físicos, mentais e sociais, além de privar os manauaras do sagrado direito ao sossego. Assim, o presente trabalho teve como objetivo conhecer a dimensão da problemática da poluição sonora por equipamentos de som e a ação efetiva do Poder Público na proteção dos interesses difusos da população ao sossego, à saúde e melhor qualidade de vida. Abordou-se o processo de ocupação e urbanização da cidade de Manaus, a fase áurea da borracha (18901911), seguida de uma fase de estagnação da economia regional e depois sua transformação num importante pólo de industrialização, com a implantação da Zona Franca de Manaus, a partir de 1967, comparando-se os sons da Manaus antiga com os sons da Manaus moderna. Foram enfocados os aspectos técnicocientíficos e jurídicos da poluição sonora, as principais fontes poluidoras e a ação compartilhada dos órgãos ambientais na defesa e proteção dos interesses difusos além da atuação ainda embrionária da Sociedade Civil. A título de ilustração dessa problemática, foram apresentados casos de poluição sonora julgados pela Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias (VEMAQA), demonstrando a atuação do Judiciário e também do Ministério Publico no tratamento dessas questões. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 271 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 272 A ATUAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE E DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA POLÍTICA AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE MANAUS Mestranda: Maria Rosalva de Oliveira Silva Banca Examinadora: Profa. Dra. Solange Teles da Silva (Orientadora) Profa. Dra. Adriana Diaféria (PUC/SP) Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (UEA) Resumo: A maioria dos problemas ambientais no Município de Manaus está concentrada no espaço urbano, cabendo ao Poder Público e à coletividade combater a poluição e preservar o meio ambiente. Para isso, é necessário que a sociedade civil possa participar efetivamente da tomada de decisões, seja através da formulação de políticas públicas seja pela sua execução, quer dizer, é preciso implementar mecanismos de participação, assegurando o exercício da cidadania ambiental. Tornar efetiva a participação da sociedade civil pode ocorrer de maneiras diversas, e este estudo analisa a forma plural da atuação do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente (COMDEMA) e da Sociedade Civil organizada na política ambiental do Município de Manaus. Para tanto é realizado um diagnóstico da composição e atuação do COMDEMA e da Sociedade Civil organizada, destacando-se que embora embrionária, a participação desse segundo segmento é fundamental para a formulação e execução de políticas públicas ambientais e assim para a preservação e conservação da sócio e biodiversidade. 272 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 273 REGULAÇÃO JURÍDICA DO ACESSO AOS COMPONENTES DA BIODIVERSIDADE: TITULARIDADES COMPLEXAS Mestrando: Raimundo Sérvulo Lourido Barreto Banca Examinadora: Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas (Orientador) Prof. Dr. José Antonio Peres Gediel (UFPR) Profa. Dra. Cristiane Derani (UEA) Resumo: A presente Dissertação objetivou a análise da regulação jurídica do acesso aos componentes da biodiversidade, aqui entendidos como patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, os quais em função da importância estratégica que representam no cenário da economia globalizada, despertam o interesse das empresas transnacionais de biotecnologia em contraposição aos interesses das populações indígenas e tradicionais. Primeiramente, procurou-se situar o bem ambiental na Constituição, bem merecedor de tutela por constituir-se como pressuposto para o exercício do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Em seguida, demonstrou-se que os componentes da biodiversidade não se apresentam como categorias isoláveis, em função da estreita interdependência na relação existente entre as populações tradicionais com a biodiversidade, sempre através da cultura. Discutiu-se a evolução do conceito de propriedade, o surgimento e evolução do princípio da função social da propriedade e sua relação com o meio ambiente. Assim, o ordenamento jurídico vigente condiciona o exercício do direito de propriedade a uma função social. Evoluindo para a questão da regulação jurídica do acesso aos componentes da biodiversidade, constatou-se que a dinâmica da apropriação e os direitos de propriedade são diretamente influenciados por fatores políticos, sociais e econômicos, daí porque uma das questões centrais envolvendo a regulação do acesso a biodiversidade é justamente o regime de propriedade sobre a mesma, por isso sua titularidade é complexa. A ausência de clareza na regulação do tema dificulta o debate. Se por um lado, como decorrência do dinamismo tecnológico verifica-se um avanço nas formas de apropriação e controle dos componentes da biodiversidade que, inclusive, passa a ser reconhecida pelo próprio Estado. Por outro, os mecanismos tradicionais de proteção não se apresentam adequados e/ou suficientemente flexíveis para proteger a biodiversidade, o que acaba por Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 273 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 274 desequilibrar a troca que há entre a salvaguarda de direitos e o interesse público. Verificou-se ainda que, a abrangência dos acordos internacionais, como o Acordo TRIP’s são uma imposição unilateral dos países desenvolvidos com vistas a criar um sistema de proteção intelectual uniforme no cenário das relações comerciais internacionais. Por fim, constatou-se a lacuna entre a previsão normativa constitucional e infraconstitucional e a realidade da regulação do acesso aos componentes da biodiversidade, o que está a exigir do poder público e da sociedade políticas públicas que garantam a efetividade dos direitos das populações indígenas e tradicionais, no qual a releitura do direito de propriedade, seja material ou imaterial, torna-se imprescindível. 274 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 275 A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA NA LICENÇA AMBIENTAL BRASILEIRA Mestrando: Ruy Marcelo Alencar De Mendonça Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Ricardo Saleme (UEA) Prof. Dr. José Cretella Neto (UNIP/SP) Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (UEA) Resumo: A presente pesquisa versa sobre a licença ambiental, instrumento de tutela administrativa do meio ambiente no Brasil. Aborda, em específico, a fenomenologia da discricionariedade da Administração Pública Brasileira no ato de outorga da licença de atividades e empreendimentos potencialmente lesivos ao meio ambiente. A investigação objetiva o discernimento das características, extensão e profundidade da liberdade volitiva do órgão que expede a licença ambiental de modo a contribuir para os operadores do direito delinearem o verdadeiro papel da Administração no processo decisório relativo ao controle prévio das atividades danosas ao meio ambiente, contribuindo para a aferição das possibilidades de revisão e controle judicial da atuação administrativa. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 275 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 276 O PRINCÍPIO POLUIDOR-PAGADOR E USUÁRIO PAGADOR NA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO AMAZONAS Mestrando: Sebastião Marcelice Gomes Banca Examinadora: Prof. Dr. Ozório Jose de Menezes Fonseca (Orientador) Prof. Dr. Andréa Viviana Weichman (UFAM) Prof. Dr. Solange Teles da Silva (UEA) Resumo: A água, fluido que dá vida a todos os sistemas ecológicos do planeta, sejam naturais ou artificiais é um bem público, é também um bem de uso comum do povo, podendo ser utilizada por pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, desde que observado o direito de fruição da coletividade. Este trabalho examina os aspectos jurídicos e institucionais da gestão dos recursos hídricos no Brasil focalizando sua aplicabilidade no Estado do Amazonas, especialmente no que se refere à utilização dos princípios usuário-pagador e poluidor-pagador. A questão começa a ser avaliada pela descrição das características, propriedades e distribuição no Mundo, no Brasil e na Amazônia, para em um segundo momento se proceder à análise do regime jurídico das águas nas constituições brasileiras, na legislação federal, na Constituição e legislação infraconstitucional do Estado do Amazonas buscando, fundamentalmente, compreender a problemática do uso racional da água. Nesse sentido aborda-se o tratamento legal da gestão dos recursos hídricos dado pela Lei federal n.º 9.433/97 e pela Lei n.º 2.712/2001 do Estado do Amazonas. Destaca-se em seguida conceitos, características, função e implementação do princípio poluidor-pagador e usuário-pagador na gestão dos recursos hídricos, analisando-se a cobrança pelo uso dos recursos hídricos como mecanismos para a implementação desses princípios. Discute-se a natureza da cobrança pelo uso da água e conclui-se que se trata de preço público. Observase que a implementação do princípio poluidor-pagador e do princípio usuáriopagador associado à educação ambiental pode se constituir em um instrumento eficaz para a utilização racional da água. Todavia, no Estado do Amazonas por falta de regulamentação da Lei n.º 2.701/2001, que disciplina a Política de Recursos Hídricos e estabelece o Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos ainda não foi implementada a cobrança pelo uso de recursos hídricos nos rios de domínio do Estado e por falta de regulamentação pela União, também não foi implementada a cobrança nos rios federais que situam-se em território amazonense. 276 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 277 O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EPIA) COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Mestrando: Sérgio Cláudio Menezes Ferreira Banca Examinadora: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo (Orientador) Prof. Dr. José Cláudio Monteiro Britto Filho (UFPA) Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (UEA) Resumo: Tem como cerne esta pesquisa o estudo do meio ambiente do trabalho, direito fundamental previsto no art. 225 c/c inciso VIII, do art. 200 da Constituição Federal de 1988, seus meandros e peculiaridades, tendo como ênfase à indicação de um mecanismo, constitucionalmente previsto, como meio de conferir efetividade ao referido direito. Este instrumento, o estudo prévio de impacto ambiental tem sido utilizado de maneira equivocada quando se presta apenas a defesa do aspecto natural do meio ambiente. No nosso ordenamento jurídico, o referido estudo está inserido como ato formal atrelado ao processo de licenciamento ambiental razão pela qual buscamos mostrar que o mesmo deve ser utilizado obrigatoriamente – tendo como referencial o meio ambiente como uno e indivisível – como instrumento de proteção ao meio ambiente do trabalho. A nova perspectiva da sociedade – e não do indivíduo – ao influir na decisão final de projetos materializa-se também pela participação nas audiências públicas, atuação de índole democrática como uma nova pedagogia, na gestão das políticas públicas pressionadas por organizações internacionais, a exemplo da OIT e CNUED. Identifica-se da necessidade de impor limites para alterabilidade do meio do trabalho, que não comprometam de modo irreversível a saúde do trabalhador. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 277 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 278 A PROTEÇÃO JURÍDICA DOS FRAGMENTOS FLORESTAIS URBANOS Mestranda: Silma Pacheco Ramos Banca Examinadora: Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (Orientador) Prof. Dr. José Helder Benatti (UFPA) Prof. Dr. Ozorio Jose de Menezes Fonseca (UEA) Resumo: O objetivo desta dissertação é analisar os aspectos da legislação ambiental e urbanística brasileira aplicáveis à proteção de fragmentos florestais urbanos. A interpretação das normas foi realizada com base na literatura jurídica nacional. Envolve também o estudo das tutelas administrativa, civil e penal dos fragmentos florestais urbanos e dos aspectos referentes ao Direito Urbanístico aplicáveis ao tema. No estudo da tutela administrativa utilizou-se como base o Código Ambiental de Manaus, lei municipal que representa a atuação legislativa do Município na defesa do meio ambiente urbano e o Decreto Federal n.º 3.179/99. O estudo da tutela penal envolveu a análise de dispositivos da Lei de Crimes Ambientais, em especial dos crimes contra a flora. A tutela civil foi abordada a partir da responsabilidade civil objetiva do infrator ambiental, com base em normas gerais, expressas no art. 225 §3.º da Constituição Federal e no art. 14 §1.º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Neste contexto, buscou-se realizar uma abordagem sistemática e integrada dos vários dispositivos legais visando demonstrar a existência, no ordenamento jurídico brasileiro, de importantes instrumentos protetivos dos fragmentos florestais urbanos. No mesmo sentido, foi possível inferir sobre a existência de uma ampla possibilidade dos entes federativos atuarem na criação de outras normas de proteção e na execução das leis existentes. O conhecimento do arcabouço jurídico apresentado reveste-se, portanto, de importância substancial na defesa da qualidade de vida nos centros urbanos. 278 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 279 O PODER PÚBLICO E A GESTÃO DOS BENS DE USO COMUM DO POVO AS PRAÇAS DE MANAUS Mestrando: Sócrates Mesquita Batista Filho Banca Examinadora: Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas (Orientador) Prof. Dr. Joaquim Shiraishi Neto (UFPR) Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto (UEA) Resumo: Este trabalho é um estudo das praças de Manaus sob o ângulo da gestão de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. A pesquisa mostra que o surgimento das praças, no Ocidente, remonta a Idade Média, como um espaço da espontaneidade e liberdade. Tornou-se um logradouro público por excelência, com relevantes funções sociais e ambientais. Em Manaus, elas despontam com a cidade, e, a princípio, ocupavam um espaço considerável. Desde sempre, sua administração esteve sob a responsabilidade do Poder Público, que acumulava as prerrogativas de titular e gestor, outorgando-se todos os elementos inerentes à propriedade, amparado pela sistematização feita pelo Direito Civil, em relação aos bens. Sob esse império, as praças de Manaus, bem de uso comum do povo, foram criadas, reformadas, descaracterizadas e alienadas pela só vontade do Estado. Motivada pelo próprio ordenamento legal, a Administração não consultava a população e nem patrocinava qualquer ato de desafetação. Os bens do domínio público do Estado recebiam o mesmo tratamento dos bens chamados do domínio privado do Estado. Estudos realizados com o advento da Constituição Federal de 1988, demonstram que os bens de uso comum do povo adquiriram nova estrutura, novo conteúdo jurídico. Principalmente, mudaram de proprietário e ascenderam ao status de bem ambiental, situação diferente daquela anterior estabelecida pelo direito civil, e adotada pelo direito administrativo. Os resultados revelam que, como conseqüência, as responsabilidades se repartiram: à coletividade coube a titularidade das praças, sua fiscalização e defesa, e ao Município a sua gestão, com limites. Essa administração deixou de ser exclusiva do ente municipal. Dispõe, agora, de regras claras: passa a ser democrática e participativa, em oposição à democrática representativa. Tanto um como outro têm, portanto, direitos e obrigações na administração, que não Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 279 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 280 se exaurem no presente, uma vez que esses bens devem, também, ser resguardados para as futuras gerações. Com esta perspectiva, conclui-se que em caso de alienação, em situações especiais, os titulares terão, obrigatoriamente, que ser consultados para se manifestarem sobre a desafetação. O ato deixa de ser discricionário. Na mesma esteira, restringe-se o uso especial desses logradouros públicos, para que não se desvirtue a sua finalidade. 280 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 281 ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE MANAUS (JANEIRO/1998 A JULHO/2003) Autora: Vânia Maria do Perpétuo Socorro Marques Marinho Banca Examinadora: Profa. Dra. Solange Teles da Silva (Orientadora) Prof. Dr. José Heder Benatti (UFPA) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas (UEA) Resumo: A análise da efetividade da Lei de Crimes Ambientais na proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é realizada no presente trabalho, a partir dos casos ajuizados e julgados na Vara Especializada de Meio Ambiente e Questões Agrárias, no período de janeiro de 1998 a julho de 2003. Nesse sentido, este estudo destaca particularmente a importância da opção pela justiça consensual em sede de tutela ambiental, enfatizando-se os institutos despenalizadores da transação penal e da suspensão condicional do processo. Tais institutos, introduzidos no sistema normativo pátrio pela Lei no 9.099 de 26.12.1995, foram adotados com características próprias inerentes à especificidade do bem jurídico tutelado, o meio ambiente e os bens ambientais que o integram, a partir da entrada em vigor da Lei no 9.605 de 12.02.1998, pedra angular da sistematização das sanções penais ambientais. Busca-se assim auferir a efetividade da aplicação da norma penal na proteção ambiental em face das situações jurídicas concretas trazidas a Juízo no município de Manaus, identificando-se os obstáculos a efetividade dessa tutela e apresentando-se sugestões que possibilitem a concretização no plano fático dos princípios informadores da tutela ambiental: a prevenção do dano ambiental e, na impossibilidade desta, a reparação específica do bem ambiental lesionado de modo a restabelecer-se o equilíbrio ecológico necessário à garantia da sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 281 12_resumos.qxd 28.02.07 16:58 Page 282 POLUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA: SUA PROTEÇÃO JURÍDICA EM FACE DA SOBERANIA Mestrando: Vitor Hugo Mota De Menezes Banca Examinadora: Prof. Dr. José Augusto Fontoura Costa (Orientador) Prof. Dr. Joaquim Shiraishi Neto (UFPR) Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo (UEA) Resumo: Trata-se de um estudo aliado a um possível caso de poluição transfronteiriça, a ser detectada em igarapé ou pequeno rio de água doce, denominado Santo Antônio, que corta duas cidades localizadas na região amazônica: do lado brasileiro (Tabatinga) e do lado colombiano (Letícia). Essa poluição foi causada principalmente pelo estabelecimento de uma usina termoelétrica na cidade de Letícia (Colômbia), que utilizava esse pequeno rio para o descarte de água resultante do resfriamento dos geradores. Ocorre que, após esse escoamento, o pequeno rio Santo Antônio passa pela cidade brasileira (Tabatinga) e deságua no rio Solimões, um bem natural de fundamental importância para todos na região. O principal objetivo deste trabalho, entretanto, foi o de organizar procedimentos metodológicos cabíveis, especificamente para prevenir ou tutelar esse bem ambiental em casos de poluição transfronteiriça, quais sejam águas doces, visto ser matéria pertinente ao Direito Internacional Público do Meio Ambiente (DIPMA), um dos mais recentes ramos do Direito Internacional Público, que ainda se encontra em fase de consolidação. Ao atingir esse principal objetivo, este trabalho poderá vir a colaborar para o ordenamento do DIPMA, em casos específicos de poluição transfronteiriça em águas doces. 282 Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 13_normas.qxd 28.02.07 17:00 Page 283 NORMAS EDITORIAIS As normas editoriais da H i l é i a - R e v i s t a d e D i r e i t o A m b i e n t a l d a A m a z ô n i a são as seguintes: 1) A revista é de periodicidade semestral, observando-se o caráter de interdisciplinaridade no que tange ao papel crítico do periódico e constitui-se em um veículo para publicação de artigos, ensaios e resenhas críticas, bem como à livre circulação de idéias e opiniões sobre temas relacionados ao Direito e, especialmente, ao Direito Ambiental, sendo de inteira responsabilidade de seus autores as opiniões expressas nos artigos publicados. 9) Para deliberação quanto à aprovação dos artigos com indicação para publicação, o Conselho Editorial adotará os seguintes critérios: • Interesse acadêmico – serão priorizados os trabalhos cuja reflexão mantenham pertinência com as linhas de pesquisa do Programa, quais sejam: C o n s e r v a ç ã o dos recursos naturais e desenvolvimento s u s t e n t á v e l, que engloba: tutela jurídica do meio ambiente; unidades de Conservação; Ecoturismo; educação ambiental; espaço urbano; recursos naturais; mecanismos de resolução de conflitos; desenvolvimento sustentável; direito ao desenvolvimento; políticas públicas e D i r e i t o s d a s ó c i o e b i o d i v e r s i d a d e , que engloba: biodiversidade; biossegurança; bioética; direito dos povos, povos indígenas e populações tradicionais; agricultura sustentável; direito ambiental econômico e empresarial; meio ambiente do trabalho. • Relevância e atualidade jurídica – os textos deverão trazer para o debate questões cuja abordagem jurídica ensejem o diálogo interdisciplinar entre o direito, o direito ambiental e as demais áreas do conhecimento. • Rigor acadêmico – os textos deverão seguir, rigorosamente, a metodologia científica, oportunizando o debate acerca do conhecimento jurídico. 2) Os artigos serão submetidos à aprovação do Conselho Editorial. 3) O recebimento do artigo, ensaio ou resenha não implica a obrigatoriedade de sua publicação. 4) Não será efetuado qualquer pagamento ou contraprestação pela publicação dos artigos selecionados. Serão enviados 5 (cinco) exemplares do número correspondente para cada autor de artigo, ensaio ou resenha publicado. 5) Os trabalhos deverão ser inéditos e conter os dados de identificação (título, nome do autor, vinculação institucional) e, obrigatoriamente conter sumário, resumo em português e em inglês, devendo ser acompanhados de currículo resumido do autor. 6) Além dos trabalhos que integrarão as sessões, a revista terá um espaço reservado para publicação das atividades desenvolvidas pelos Núcleos e Projetos de Pesquisa e pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental. 7) A formatação, citações e referências deverão obedecer às normas da ABNT e, no que couber, as Normas Técnicas internas do Programa. 10) Artigos, ensaios ou resenhas recebidos e não publicados no número correspondente à chamada editalícia do envio, integrarão banco de trabalhos e poderão ser publicados posteriormente, em número subseqüente, mediante comunicação e consentimento prévio do autor. 8) Os trabalhos deverão ser entregues em disquete ou como anexo de e-mail, digitados com fonte Times New Roman, tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5, margens superior e esquerda de 3 cm e margens inferior e direita de 2 cm, em editor compatível com o Word, comportando entre 15 a 20 laudas para artigos e ensaios e entre 5 a 10 laudas para resenha, incluídas as referências. Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 3 | jul-dez | 2004 283 13_normas.qxd 28.02.07 17:00 Page 284 Esta obra foi composta em Manaus pela Kintaw Design, em Times 11/14. capa_hileia_ed03.qxd 01.03.07 10:58 Page 1 ANO-2 JUL-DEZ 2004 03 A Hiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, se constitui em espaço destinado à apresentação e divulgação das reflexões produzidas no processo de construção do conhecimento humano, jurídico e humanístico-jurídicoambiental, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Nesse sentido, refletir desde os contextos da existência, significa proporcionar e criar os espaços de lutas. Lutas pelo conhecimento, pelo direito, pela vida e dignidade humana. Assim, este periódico científico que se consolida como espaço para divulgação e reflexão do direito ambiental, tem no contexto amazônico e brasileiro e, em sentido mais ampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte/norte-sul, espiralando a seara da complexidade do mundo sóciobiodiverso. Almeja-se, portanto, constituir-se, pelo diálogo, em âmbito plural e heterogêneo para convergências de conhecimentos e alternativas, com perspectivas transdisciplinares nas abordagens e conteúdos, assim como interinstitucional e translocal nos sujeitos. ANO-2, N.º 3 – JULHO-DEZEMBRO/2004 – ISSN: 1679-9321 Revista de Direito Ambiental da Amazônia Os contextos diversos e complexos do mundo contemporâneo, em relação constante e paradoxal, com o acirrado processo de globalização econômica e cultural, implicam em transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas, gerando novos problemas e conflitos, especialmente no que concerne ao direito e ao seu estudo. A verticalidade do discurso global que busca legitimar os processos de universalização da cultura do mercado quer seja na vertente única da produção e do consumo capitalistas, transformando tudo em mercadoria, ou, na imposição de modelos de normatividade supostamente eficazes para proporcionar o desenvolvimento, provocam uma certa idéia de que não existe solução fora desses parâmetros, favorecendo um renovado processo econômico neocolonial. 03