“SOB O DOMÍNIO DO MAL” (THE MANCHURIAN CANDIDATE): PARANÓIA ANTI-COMUNISTA NOS ESTADOS UNIDOS NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960. Autor: Carlos Eduardo Macagi Orientador: José Roberto Braga Portella Palavras-chave: Guerra Fria. Cinema. Paranóia anti-comunista. Resumo O tema da monografia versa sobre uma representação cinematográfica a respeito da Guerra Fria, período que envolve a segunda metade do século XX e é definido pela situação internacional que girava em torno do confronto entre duas superpotências (EUA e URSS). O período foi demarcado pela existência de uma retórica político-armamentista entre as visões diplomáticas norte-americana e soviética. No interior desses discursos diplomáticos encontra-se a retórica apocalíptica, que simbolizaria um sentimento dominante no qual o período de guerras não havia chegado ao fim, e qualquer dilema econômico ou político poderia deflagrar uma guerra nuclear, que resultaria em uma destruição mútua e inevitável entre os EUA e a URSS e simbolizaria o fim da humanidade. A rivalidade política de ambas as superpotências não implica necessariamente em uma guerra de proporções significativas, mas serve para o confronto passar da razão para o âmbito da emoção. Como é o caso do anti-comunismo como forma de sustentar a ideologia norte-americana com base na democracia, através do medo e de uma histeria coletiva. O estudo abordará como objeto a questão do imaginário norte-americano durante a Guerra Fria, mais especificamente os anos 1950, voltado à questão do medo e da paranóia com relação aos países pertencentes ao eixo político da URSS. Esse quesito será abordado sob um viés cultural e, para isso, foi selecionada uma produção cinematográfica como fonte primária. Em um primeiro momento, busco levantar aspectos do contexto sócio-político em que o filme foi lançado, uma vez que, no decorrer do trabalho, pretendo problematizar o mesmo. Em tal fase foram abordadas questões levantadas por Eric Hobsbawn e Sidney Munhoz relativas ao discurso diplomático norte-americano, anti-comunismo político, relações internacionais, inovações tecnológicas e mudanças no cotidiano dos estadunidenses entre a década de 1950 e início de 1960. Também foram levadas em consideração as mudanças ocorridas no cinema hollywoodiano nas décadas de 1940 e 1950, com destaque para a queda da Hollywood clássica, o surgimento dos filmes Cult, dos filmes noir, assim como, produções da época que abordam temas políticos. Em segundo lugar, foi realizado um levantamento e seleção de uma metodologia específica, a fim de fornecer bases para análise do filme. Para isso, o estudo foi concentrado em três estudiosos: Marc Ferro, Roger Chartier e Christian Metz. Cada um desses autores fornece base metodológica para o tratamento da fonte e sua especificidade, mais particularmente na questão de produção de sentidos, tipologia da fonte e representações. A fim de sustentar a viabilidade do filme como fonte histórica levo em consideração a produção do historiador Marc Ferro. Este historiador ressalta que um filme testemunha por si, transcende o discurso manipulado, pois a câmera diz mais do que quer mostrar e traz à tona lapsos da estrutura social. Se entender o filme, ficcional ou não, como aquilo que o cineasta julga ser realidade, e não o 'real' propriamente dito, a contra-análise pode se revelar de modo involuntário, como em um conjunto de gestos, objetos, comportamentos, estruturas e organizações sociais representados. Sendo que o historiador precisa tratar o filme como produto e testemunha, portanto, associá-lo ao mundo e à época que o produz, a relação do filme com o cineasta, a produção, o público, a crítica, o governo etc. Assim, o historiador propõe analisar como o sentido é produzido, para assim recuperar o significado de uma obra cinematográfica, sua singularidade no contexto e sua fundamentação ideológica, revelando assim os lapsos, ambigüidades, incertezas e tensões da sociedade em que a película foi produzida. Portanto, esse estudo não visa compreender somente o filme em si, mas, através dele, a realidade que representa, o não-visível por trás do visível. A monografia não tem como objetivo abordar o filme de “fora para dentro” como fazem alguns especialistas em história social do cinema, que estudam a película de maneira distanciada, como reflexo de um fator econômico e social, mais voltados ao seu processo produtivo. O estudo se especificará no filme em si, na questão da produção de sentido. Por isso, a importância da argumentação teórica do historiador Roger Chartier acerca das representações coletivas, entendidas como relações entre sujeito com o mundo social que transcendem o indivíduo, através das quais grupos sociais dão sentido ao seu mundo e legitimam sua identidade. Dessa forma, o estudo procura identificar como a obra representa a sociedade estadunidense, como dialoga com esta mesma sociedade e de que forma através dele é possível identificar questões pertinentes à identidade norte-americana, sua maneira de ser e situar. Para isso, há a necessidade de analisar o discurso em sua própria especificidade, sua lógica e ambigüidades, fora de recortes pré-estabelecidos, mas de seus mecanismos de significação. Para fundamentar a questão referente à significação do cinema foi selecionado um conjunto de textos do semiólogo Christian Metz, que sustenta a semiologia como estudo da mecânica do filme, uma ciência que analisa a forma pela qual o filme adquire significado e o transmite para a platéia, como o filme transmite significações humanas na sociedade. Para isso, foram discutidos problemas acerca da especificidade da linguagem cinematográfica, até quanto o cinema se constitui ou não em uma linguagem; como o significado é transmitido ao espectador; até quanto o cinema hollywoodiano se constitui em uma instituição ou uma indústria propriamente dita e a relação dialética entre o filme e o espectador; como se configura a narração; de que forma o cinema hollywoodiano está preso em modelos formulados e, principalmente, como o filme transmite uma forte impressão de realidade, através da qual um filme, talvez mais do que os demais ramos artísticos, passa ao espectador o sentimento de assistir a um espetáculo real e participar afetivamente e perceptivamente do enredo. A obra cinematográfica utilizada como fonte primária consiste no thriller político “Sob o Domínio do Mal” (The Manchurian Candidate, 1962),o enredo envolve um soldado norteamericano que foi feito prisioneiro durante a Guerra da Coréia (1950 – 1953), onde sofreu lavagem cerebral a fim de se tornar um assassino a mando dos comunistas, sendo que no desenrolar da trama os personagens centrais investigam a estratégia comunista de infiltrarse no governo norte-americano substituindo via assassinatos seletivos as figuras políticas. O objetivo da análise foi identificar representações e mecanismos de significação referentes à questão do medo aos comunistas na sociedade norte-americana durante a Guerra Fria, mais especificamente na década de 1950 e início de 1960. Na monografia, foi realizado um levantamento sobre a obra cinematográfica do diretor do filme John Frankenheimer, como forma de refletir sobre seu estilo cinematográfico; sobre como o filme foi produzido, a obra literária da qual foi adaptado, quem foram os produtores, financiadores e a dificuldade do filme ser aceito pelos estúdios. A partir de uma breve apresentação do enredo, foi estudada cuidadosamente a construção do suspense, através do roteiro e seus lapsos propositais, além da montagem e demais fatores técnicos, a fim de trabalhar com a paranóia e a lavagem cerebral, como problematizar o que é real e o que é alucinação. Houve uma atenção sobre as opiniões políticas do diretor, como realiza uma sátira política ao macartismo, como são evidenciadas idéias de heroísmo, patriotismo, liberdade, democracia, identidade e virtudes morais, além de como se definem cidadãos e políticos bons e ruins. Também, houve consideração sobre como são representados os comunistas, com especial enfoque nos estereótipos dos orientais, além de grupos considerados excluídos nos EUA como negros e latino-americanos e sem desconsiderar as personagens femininas. Ainda foram levados em conta representações da imprensa, televisão, tecnologia e bens de consumo, como o merchandising é presente na película, além de referências a outros filmes, romances, peças de teatro e trabalhos acadêmicos sobre psicanálise. O trabalho não somente trouxe uma problematização significativa a respeito do imaginário norte-americano referente a paranóia e histeria anti-comunista, objetivo inicial do estudo, mas também levantou questões pertinentes a identidades, valores norte-americanos e estereótipos dos estrangeiros, além das opiniões políticas em discussão. Tudo isso, somado aos detalhes, como roupas, carros, arquitetura, bens de consumo, aponta a riqueza do filme como fonte e como um mosaico da sociedade norte-americana na primeira metade da Guerra Fria.