Revista Brasileira de Meteorologia, v.19, n.2, 141-148, 2004 TRABALHO DE EXPANSÃO E DE COMPRESSÃO ASSOCIADO ÀS CIRCULAÇÕES CONVECTIVAS ENIO P. SOUZA Departamento de Ciências Atmosféricas Universidade Federal de Campina Grande Av. Aprígio Veloso, 882, CEP 58109-970, Campina Grande - PB E-mail: [email protected] Recebido Maio 2003 - Aceito Janeiro 2004 RESUMO Uma teoria simples para calcular o trabalho de expansão e de compressão em circulações convectivas é apresentada. O método permite o calculo do trabalho sem a necessidade de resolver a integral de pdα, que não tem solução analítica para este processo. A equação resultante indica que a dissipação nas proximidades da superfície e a eficiência termodinâmica exercem papeis fundamentais no processo. O trabalho de compressão é usado pelo ramo descendente da circulação para bombear calor de volta ao reservatório quente próximo à superfície. A aplicação, com dados reais, sugere que a suposição de que a maior parte da dissipação ocorre próximo à superfície requer uma capacidade muito grande da circulação em bombear calor como um refrigerador. Palavras-chave: Convecção, máquina térmica, dissipação. ABSTRACT: EXPANSION AND COMPRESSION WORK ASSOCIATED TO CONVECTIVE CIRCULATIONS We present a simple thermodynamic theory for calculating the expansion and compression work in convective circulations. The method allows the work being calculated without need of resolving the integral pdα, which has no analytical solution for such process. The resulting equation suggests that the dissipation near the surface and the thermodynamic efficiency play a key role in the process. The compression work is used by the descending branch of the circulation to pump heat back to the hot reservoir at the surface. Application to real data suggests that the assumption that all the dissipation occurs near the surface requires a very high capability of the circulation in pumping heat as a refrigerator. Key words: Convection, heat engine, dissipation. 1. INTRODUÇÃO Uma das reações da atmosfera ao estabelecimento de um gradiente de temperatura entre duas superfícies é a indução de circulações convectivas locais. A brisa marítima e a circulação vale-montanha são exemplos clássicos dessas circulações termicamente diretas (Atkinson, 1981; Pielke, 1984). Há também as circulações geradas em virtude dos gradientes térmicos relacionados com outras heterogeneidades. Em geral, gradientes horizontais de temperatura são conseqüência do aquecimento diferencial da superfície. Simulações numéricas (ex: Avissar e Pielke, 1989; Chen e Avissar, 1994) mostram que circulações similares à brisa marítima podem ser formadas por vários tipos de heterogeneidade da superfície. Essas circulações são chamadas de circulações não-convencionais (Segall e Arrit, 1992). Embora o conceito de máquina térmica já tenha sido associado ao funcionamento da atmosfera há algum tempo (ex: Brunt, 1926), recentemente tem sido aplicado com sucesso ao estudo de vórtices atmosféricos, tais como: furacões (Emanuel, 1986), baixas do Ártico (Emanuel, 1989), tornados e trombas d´água (Rennó e Bluestein, 2001) e vórtices tão pequenos quanto redemoinhos de poeira (Rennó et al., 1998). Além do mais, Rennó e Ingersoll (1996) usaram o conceito da máquina térmica para estudar convecção natural (convecção rasa e convecção profunda) e para propor uma teoria para a energia potencial convectiva disponível (CAPE) para uma atmosfera em equilíbrio radiativo-convectivo. Souza et al. (2000) usaram a teoria da convecção como uma máquina térmica para explicar a queda de pressão ao longo do ramo inferior de circulações convectivas. O objetivo deste trabalho é estudar o trabalho mecânico (de expansão e de compressão) associado aos ramos de um sistema de circulações induzidas por heterogeneidades da superfície em terrenos inclinados. A teoria baseia-se no conceito da convecção como uma máquina térmica. O resultado é interpretado para cada termo responsável pelo trabalho. Contudo, ênfase especial será dada ao papel da dissipação e da eficiência termodinâmica associadas à circulação. 142 Volume 19(2) Enio P. Souza 2. CIRCULAÇÕES CONVECTIVAS Dois exemplos de circulações convectivas são mostrados na Figura 1. No topo é mostrada a brisa marítima e em baixo é mostrada a circulação vale-montanha. Segundo Atkinson (1981) e Pielke (1984), mecanismo de formação desses sistemas é bastante simples: em um dia calmo, a radiação solar aquece mais rapidamente a terra do que o mar e a montanha do que o vale (desde que a montanha não esteja do lado oposto ao sol). O ar sobre o ponto b, na Figura 1, se expande mais rapidamente do que no ponto a, ajuste hidrostático leva a um aumento da pressão no ponto c em relação ao d, isso gera uma circulação suave que implica em um aumento da pressão em a, que leva ao estabelecimento da circulação a→b. Note-se que, dependendo da orografia, a circulação pode ser uma combinação de brisa com vale-montanha. Na discussão em seguida, os pontos a e b, correspondem aos da Figura 1, para circulações similares. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Teoria Termodinâmica Uma equação da energia para uma parcela de ar em convecção pode ser obtida a partir do produto escalar entre o vetor velocidade e a equação do movimento (Haltiner e Martin, 1957). A equação resultante estabelece que, seguindose uma parcela de ar em estado estacionário, d ( ) 1 → — | V |² + gz 2 → → +αdp – f • dℓ = 0 (1) em que é o vetor velocidade, g a aceleração da gravidade, α o volume específico, p a pressão, a força de fricção por unidade de massa e é um incremento de distância ao longo do caminho da parcela de ar. A suposição de um estado estacionário implica que essa teoria fornece um limite superior para a intensidade da circulação. Note-se que o termo devido à aceleração de Coriolis não aparece na Equação (1) porque a força de Coriolis não realiza trabalho. A integração da Equação (1) ao longo de uma circulação fechada resulta em: → → o∫ αdp = of ∫ . dℓ (2) Isso estabelece que, em estado estacionário, o trabalho realizado por uma parcela de ar em convecção equilibra a perda de energia por fricção. O primeiro e o segundo princípios da termodinâmica, aplicados ao ar úmido, podem ser escritos como: Tds = d(cpT + Lr) - αdp (3) em que T é a temperatura absoluta do ar, s é a entropia específica do ar, cp o calor específico do ar seco sob pressão constante, L é o calor latente específico de vaporização e r a razão de mistura do vapor d’água. Integrando-se a Equação (3) ao longo de uma circulação fechada, obtém-se: oTds ∫ = - oαdp ∫ = opdα ∫ (4) A Equação (4) estabelece que, em estado estacionário, o trabalho realizado pela circulação é igual à absorção líquida de calor (isto é: a diferença entre o calor injetado no sistema e o calor rejeitado pelo mesmo). Segue-se das Equações (2) e (4) que → → oTds = - of . dℓ Figura 1: Representação esquemática da brisa marítima (em cima) e da circulação vale-montanha (em baixo). (5) Essa equação estabelece que, em estado estacionário, a absorção líquida de calor equilibra a perda de energia por fricção. Setembro 2004 143 Revista Brasileira de Meteorologia Integrando-se a Equação (1) ao longo de uma linha de corrente, próximo à superfície (a região onde calor é absorvido), entre os pontos a e b, representativos de cada região homogênea, tem-se que: (6) As variações de energia cinética foram desprezadas uma vez que são pelo menos duas ordens de magnitude menores que as dos outros termos. Isso ocorre porque a velocidade associada às circulações locais é baixa e não varia muito ao longo da circulação, o que é equivalente à suposição de turbulência isotrópica. Não obstante, por simplicidade, o sinal de “igual” e não de “aproximadamente” é mantido na Equação (6). De acordo com Rennó et al. (1998), define-se a fração da dissipação total causada por fricção próximo à superfície na forma: (7) e a eficiência termodinâmica da circulação convectiva, que é a razão entre a quantidade de trabalho obtido e o calor absorvido pelo sistema, como: (8) Combinando-se as Equações (5), (6), (7) e (8), obtém-se: (9) Integrando-se a Equação (3), próximo à superfície, entre os mesmos pontos a e b, obtém-se uma expressão para a injeção total de calor próximo à superfície, (10) Combinando-se as Equações (9) e (10), obtém-se: (11) Souza et al. (2000) usaram a lei dos gases e obtiveram uma equação para prever a queda de pressão no ramo inferior da circulação. Como o objetivo de Souza et al. (2000) era prever a queda de pressão, a substituição de uma temperatura média ao longo do ramo inferior se justificava. Não obstante, a Equação (11) pode ser usada para obter-se uma solução para o trabalho de expansão que ocorre próximo da região de absorção de calor, isto é, a superfície. Substituindo-se o termo αdp da Equação (11) por Rdt - pdα, tem-se: ∫ b (1 - γη) (RdT - pdα) = - γη a ∫ b a ∫ b d(cpT + Lr) - gdz a (12) O trabalho de expansão no ramo inferior da circulação wab pode ser obtido de: (13) Desprezando-se variações em cp e L e definindo-se ; e , o trabalho de expansão no ramo inferior é dado por: (14) Um aspecto interessante da Equação (14) é que o trabalho pode ser obtido sem que se tenha de integrar pdα, o que é impossível no presente caso. Na presença de inclinação, parte da variação de temperatura é devida à expansão adiabática à medida que o ar se expande contra um ambiente de menor pressão (no caso de ascensão). Para entender esse efeito, Souza et al. (2000) separaram a queda de temperatura entre os pontos a e b em uma parte adiabática “ad” e em uma parte diabática “di”, desta forma: g δТ = δTad + δTdi = – — δz + δTdi cp (15) Está implícita a suposição de que não ocorre condensação ao longo do aclive. Substituindo-se a Equação (15) na (14), obtém-se: γη 1 Wab = —— (cpδTdi + Lδr) + RδTdi+ – g δz (1-γη) k A B C D em que . (16) 144 Enio P. Souza Na Equação (16), o termo A simboliza a quantidade de trabalho extra que é realizada a partir do calor absorvido próximo à superfície devido ao aquecimento resultante da absorção de calor e da dissipação de energia próximo ao reservatório quente. Note-se que o termo A é nulo se não houver dissipação de energia próximo à superfície (γ = 0) ou se não houver a circulação convectiva (η = 0). O termo B representa a absorção de calor latente, quando há condensação ao longo da circulação e também depende da dissipação. Esse termo só é importante quando diz respeito a processos saturados envolvendo precipitação, furacões (Emanuel, 1986) e tornados (Rennó e Bluestein, 2001), por exemplo. O termo C representa o trabalho isobárico. Esse termo existe mesmo na ausência de circulação convectiva e representa o trabalho de expansão que ocorre quando o ar absorve calor em virtude do seu contato com a superfície. Embora a contribuição do termo C seja maior do que a do termo A (conforme será visto adiante), na ausência de convecção, será compensado por trabalho de compressão, quando a parcela se resfriar localmente, por emissão de radiação. Nesse caso, o calor absorvido será igual ao emitido e o trabalho líquido será nulo. O termo D representa a expansão devida a diminuição de pressão hidrostática quando a parcela aumenta de altitude. O fator reduz o efeito da queda hidrostática de pressão porque essa diferença já está incluída no termo C. Quando a superfície é plana, o termo D é nulo e δTdi = δT. Como o objetivo deste artigo é o de estudar a trabalho de expansão e de compressão devido à presença de uma circulação convectiva, o foco da discussão será mantido na interpretação do termo A. Note-se que esse termo contém o produto , cujo efeito aparece em conjunto, mas que permite interpretação em separado. 3.2. Dados Os dados utilizados neste trabalho são os mesmos do estudo de Souza et al. (2000). O Rondonian Boundary Layer Experiment, parte III (RBLE-3) foi realizado durante a estação seca da região amazônica em 1994. Dentre os dados obtidos, uma grande quantidade de dados de superfície e de ar superior foi coletada em uma região de floresta nativa (Reserva Jarú) e em uma região desmatada (uma pastagem na Fazenda Nossa Senhora). Detalhes sobre os dados e o projeto podem ser encontrados em Gash et al. (1996). A distância entre os dois sítios é da ordem de 80 km e a diferença em altitude é da ordem de 140 m. Neste estudo, serão utilizados dados coletados de 14 a 23 de agosto de 1994, às 14 h (hora local). Para aplicar a teoria para um caso no qual o efeito da diferença de altitude é mais pronunciado, serão utilizados os dados do Experimento de Verão, realizado no estado de São Paulo no mês de fevereiro de 1989. As características das circulações locais são descritas por Silva Dias et al. (1995). Os sítios utilizados neste trabalho são Santos e São Paulo. A distância entre eles é de aproximadamente 60 km e a diferença de altitude é da ordem de 787 m. As condições Volume 19(2) sinóticas, bem como os forçantes locais são descritos por Silva Dias e Machado (1997). Neste estudo, serão utilizados dados coletados de 15 a 25 de fevereiro de 1989, às 15 h (hora local). 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Efeito da Dissipação Nos trabalhos de Rennó et al. (1998) e Souza et al. (2000), foi usado γ=1, o que implica que toda a dissipação supostamente ocorre próximo à superfície. De fato, Stull (1988) mostrou, através de uma simulação de grandes turbilhões, que a dissipação próxima à superfície é uma ordem de magnitude superior à dissipação na porção superior da camada limite convectiva. Rennó e Ingersoll (1996) mostraram que a dissipação de energia próximo à superficie causa um aumento da temperatura do reservatório quente, levando a uma eficiência termodinâmica aparente dada por: (17) Pode-se mostrar que o termo A da Equação (16) wabA pode ser escrito na forma: (18) Da Equação (17), pode-se ver que o termo ηap - η será maior quando γ = 1. Quando γ = 0, ηap-η = 0. Esse resultado está de acordo com o de Souza et al. (2000) que sugere que o principal fator responsável pela queda de pressão é a dissipação que ocorre próximo à superfície. De forma geral, a dissipação nas proximidades da superfície vai contribuir como uma fonte extra de entropia, sempre que se verifique a relação γ > (1+η)-1. Pauluis e Held (2002), através de simulações numéricas para as fontes de entropia associadas à convecção saturada, sugerem que o efeito da dissipação turbulenta em baixos níveis exerce um papel de menor importância e questionam a validade da visão da convecção como uma máquina térmica. Na visão deles, a convecção saturada atua mais como um desumidificador da atmosfera do que como uma máquina térmica. Rennó (2001), no entanto, havia argumentado que as fontes irreversíveis de entropia podem atuar no sentido de reduzir a eficiência termodinâmica. Isso, contudo, não invalida a teoria da convecção como uma máquina térmica. 4.2. Trabalho de Compressão O trabalho de compressão será discutido para o caso em que γ = 1. Na suposição de que a atmosfera se comporta Setembro 2004 145 Revista Brasileira de Meteorologia como uma máquina de Carnot (reversível), a eficiência é dada por: O termo sob a integral de linha indica o trabalho total obtido no ciclo. O trabalho total é a combinação do trabalho de expansão com o de compressão wc, na forma: (19) (22) Deve-se notar que, na forma como está escrito na Equação (22), o trabalho de compressão será positivo. A combinação das Equações (21) e (22) dá: em que “abs” indica região de absorção de calor e “rej” indica região de rejeição de calor; TQ é a temperatura do reservatório quente, no qual a circulação absorve calor e TF é a temperatura do reservatório frio, no qual o calor é rejeitado. Substituindo-se a Equação (19) na (18), com γ = 1, vem: (23) O coeficiente de rendimento de um refrigerador, que é a razão entre o calor retirado de um reservatório frio e o trabalho externo fornecido usado para bombear esse calor para o reservatório quente, é definido, para um ciclo reversível de Carnot na forma (Kenyon e Schenck, 1962): (20) O termo cpδTdi/TQ é o aumento de entropia que ocorre próximo à superfície. Para um ciclo reversível, o aumento de entropia que ocorre em virtude da absorção de calor no reservatório quente é igual (para que a variação de entropia no ciclo seja nula) ao módulo da diminuição de entropia devida à rejeição de calor no reservatório frio. Isso possibilita que a Equação (20) seja escrita na forma: TF ε = —— TQ-TF Portanto, a Equação (23) pode ser escrita na forma: O Tds ε = —— Wc (21) Dia 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Ta 302,9 304,0 303,9 303,3 303,7 304,7 304,3 304,7 306,0 304,9 Tb η 304,6 305,2 306,1 304,7 305,1 306,1 306,1 306,8 307,4 307,8 (%) 5,8 5,8 5,7 6,4 6,7 5,7 5,4 5,1 4,8 8,8 (24) ε wabA 16,2 16,2 16,5 14,6 13,9 16,5 17,5 18,6 19,8 10,3 Termo A 190 159 217 190 200 168 182 187 140 414 wc 11 9 12 12 13 10 10 9 7 36 (25) wab CAPE Total 2051 1876 2221 1965 1975 1943 2071 2163 1911 2619 Reversível 1189 2936 1293 1124 3717 1638 1458 1798 1268 1601 Tabela 1: Valores para o período 14-23 de agosto de 1994, durante o RBLE-3. As variáveis são: Dia, temperatura da floresta Ta(K), temperatura da pastagem Tb(K), eficiência termodinâmica η(%), coeficiente de rendimento ε (adimensional), trabalho de expansão ligado ao termo A wabA(Jkg-1), trabalho de compressão wc(Jkg-1), trabalho total próximo à superfície wab(Jkg-1) e CAPE (Jkg-1). Enio P. Souza 146 A Equação (25) permite uma interpretação interessante para o papel do trabalho de compressão quando a dissipação é suposta ocorrer, na sua totalidade, próximo à superfície. De acordo com as Equações (2) e (5), o trabalho realizado equilibra o efeito dissipador devido à fricção. Logo, o trabalho total aparece como uma fonte de calor na atmosfera. Como está suposto que a energia dissipada na atmosfera deverá aparecer como uma fonte de entropia no reservatório quente, o trabalho de compressão realizado no processo será usado como um forçante externo para bombear calor do reservatório frio para o quente. Isso faz com que esse ramo da circulação atue como um refrigerador. Evidentemente, esse exemplo significa um caso extremo. Equivaleria, no fim de tudo, à suposição de uma atmosfera sem viscosidade, o que está longe de ser realista. Não obstante, a teoria, na forma que tem sido tratada neste trabalho, com suposição de reversibilidade, permite a interpretação dos resultados como limites superiores ao que pode ser alcançado na atmosfera real. Finalmente, os processos imaginados acontecem no limite do que é permitido por uma série de processos reversíveis. A dissipação que ocorre é vista como um processo interno e não diminui a eficiência porque a entropia gerada é bombeada para o reservatório quente. O aumento de entropia causado no reservatório quente é compatível com o fato de esse reservatório não ter temperatura fixa. Evidentemente, as simplificações e suposições que são feitas devem causar erros que levem a resultados pouco confiáveis. Isso ficará mais claro com a aplicação a seguir. Dia Ta Tb η ε (%) Volume 19(2) 4.3. Aplicação ao RBLE-3 e ao Experimento de Verão A Tabela 1 mostra os valores de Ta (temperatura da floresta), Tb (temperatura da pastagem), η, ε, wabA, wab e CAPE (energia potencial convectiva disponível), entre os dias 14 e 23 de agosto de 1994, no RBLE-3. O termo A da Equação (16) contribui com aproximadamente 10 % do trabalho total. Essa contribuição é pequena, principalmente porque a eficiência termodinâmica pressupõe uma circulação de profundidade da ordem de 2 km. Para circulações mais profundas, essa contribuição pode chegar a 35 %. O trabalho de compressão, por sua vez, é menor do que 10 % do trabalho de expansão devido ao termo A. O coeficiente de eficácia varia entre 10 e 20. O trabalho total pode ser comparado com aquele realizado na parte ascendente de uma circulação convectiva profunda que pudesse se estabelecer sobre a região. Comparando-se as duas últimas colunas da Tabela 1, pode-se ver que o trabalho total é da mesma ordem de magnitude da CAPE calculada para um processo reversível. A Tabela 2 mostra as mesmas variáveis, mas para o Projeto de Verão, entre 15 e 25 de fevereiro de 1989. A contribuição do termo A, da Equação (16), para o trabalho total é, como no caso do RBLE-3, da ordem de 10 %. Relativamente, a relação entre o trabalho de compressão e o de expansão, relacionado ao termo A, é menor no experimento de verão do que no RBLE-3. Isso se deve ao fato de a eficiência ser menor no experimento de verão. O coeficiente de eficácia wabA wc Termo wab CAPE Total Reversível A 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 297,7 298,6 2,3 42,5 222 5 3894 2740 304,5 301 4,6 20,7 430 20 3958 2844 303,7 301,2 3,6 26,8 370 13 4186 1885 301,2 297,5 2,3 42,5 215 5 3801 3291 301,7 299 2,6 37,5 243 6 3829 5827 302,5 301 3,9 24,6 370 14 3956 3560 305,9 301,8 3,3 29,3 325 11 4026 1295 304,8 301 2,3 42,5 231 5 4018 2454 304,3 299,8 5,0 19,0 480 24 4066 2628 303,6 302,4 3,9 24,6 431 17 4448 2346 299,8 295 0,7 13,3 580 41 3765 2001 Tabela 2: Valores para o período 15-25 de fevereiro de 1989, durante o experimento de verão-SP. As variáveis são: Dia, temperatura de Santos Ta(K), temperatura de São Paulo Tb(K), eficiência termodinâmica η(%), coeficiente de rendimento ε (adimensional), trabalho de expansão ligado ao termo A wabA(Jkg-1), trabalho de compressão wc(Jkg-1), trabalho total próximo à superfície wab(Jkg-1) e CAPE (Jkg-1). Setembro 2004 Revista Brasileira de Meteorologia varia entre 13 e 43. O trabalho total é, mais uma vez, da mesma ordem de magnitude da CAPE. Entretanto, para o experimento de verão as condições atmosféricas estavam sujeitas a outros mecanismos de perturbação (Silva Dias e Machado, 1997). Quando a atmosfera absorve calor, independentemente da presença de circulações convectivas, realiza trabalho de expansão. Durante o período noturno, quando a fonte em superfície não está ativa, a atmosfera tende a ser resfriar e a realizar trabalho de compressão. Os resultados deste trabalho sugerem que por volta de 90 % do trabalho de expansão não estão associados com a presença de convecção (no caso de convecção saturada esse porcentual tende a ser menor). Excetuando-se a porção da energia que vai compor a energia potencial disponível da atmosfera, pode-se esperar que a maior parte seja usada para comprimir a atmosfera, a partir de esfriamento radiativo, o que causa o ciclo diurno da atmosfera próximo à superfície. Essa parte está relacionada ao termo C da Equação (16). Quando se discute uma teoria que pressupõe processos ideais, como o reversível, deve-se ter em mente que os valores calculados representam limites superiores. A irreversibilidade, intrínseca a todo processo natural, deve reduzir os valores reais. Porém, como a trabalho total é comparado com a CAPE de um processo reversível, essa fonte de erro é reduzida. Outra fonte de erro está relacionada aos erros de medição dos dados. O erro associado com a medição de temperatura é, tipicamente, da ordem de 0,5 K. Segundo Souza et al. (2000) isso causa um erro médio de aproximadamente 15 % da queda de pressão calculada. Para a presente teoria, os termos maiores são menos afetados: o erro sobre o trabalho total é, em média de 10 %. Já para os termos de menor magnitude, como o trabalho de compressão, o erro de medição pode atingir 30 %, o que é um fator limitante à validação da presente teoria. Para o futuro, a teoria pode ser validada com dados obtidos a partir de simulações numéricas de circulações convectivas. A viabilidade do processo imaginado neste trabalho pode ser analisada agora. Não resta duvida que a dissipação que ocorre próximo à superfície é uma importante fonte de entropia para a atmosfera. A questão é qual a relação entre o que dissipa próximo à superfície e o que dissipa nos níveis mais altos. A eficiência termodinâmica é determinada, neste trabalho, a priori. Já o coeficiente de eficácia é determinado a posteriori. Segundo Kenyon e Schenck (1962), refrigeradores, para serem práticos, apresentam coeficientes de eficácia entre 1 e 4. Os valores obtidos neste trabalho sugerem que, para que todo o calor dissipado ao longo da circulação seja bombeado para o reservatório quente, o ramo descendente da circulação teria de atuar como um refrigerador extremamente eficiente, capaz de bombear muito calor às custas de pouco trabalho. Portanto, a possibilidade de a presente teoria ser representativa de casos reais, inclusive com a dissipação ocorrendo integralmente próximo à superfície, é tão limitada quanto a possibilidade de a atmosfera operar como um refrigerador com coeficiente de eficácia igual aos obtidos neste estudo. Além dos erros relativos às simplificações adotadas na dedução da teoria e os erros de 147 medição dos dados utilizados, será necessário, para trabalhos futuros, investigar com maior profundidade a distribuição vertical da dissipação ao longo da circulação. 5. CONCLUSÕES Foi apresentada uma teoria simples para a compreensão do trabalho de expansão e de compressão nos ramos inferior e superior de circulações convectivas. Fica evidenciado, mais uma vez, o papel da dissipação próximo à superfície como fonte extra de entropia para a intensificação dos sistemas convectivos. O trabalho de expansão realizado próximo à superfície tende, em sua maior parte, a ser compensado localmente, através de compressão isobárica. Embora a presente teoria não permita determinar, pode-se especular que essa compensação ocorra em sua maior parte durante o período de resfriamento radiativo noturno. O trabalho de expansão associado à circulação é usado, em parte, para vencer dissipação ao longo da circulação. O trabalho de compressão é usado para bombear calor de volta à superfície. A presente teoria sugere que quanto maior for a dissipação maior o trabalho de expansão no ramo inferior de uma circulação convectiva. Uma linha interessante para pesquisa futura é investigar qual a distribuição da dissipação em níveis superiores da circulação, a exemplo de trabalho de Pauluis e Held (2002). 6. AGRADECIMENTO Os comentários e sugestões de um revisor anônimo contribuíram significativamente para a versão final deste artigo. O autor também agradece ao Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Campina Grande pelo apoio à realização deste trabalho. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATKINSON, B. W. Meso-Scale Atmospheric Circulations. Academic Press, 495 p. 1981. AVISSAR, R., PIELKE, R. A. A parameterization of heterogeneous land-surface for atmospheric numerical models and its impact on regional meteorology. Monthly Weather Review, v.117, p.2113-2136. 1989. BRUNT, D. Energy in the earth’s atmosphere. Philosophy Magazine, v.7, p.523-532. 1926. CHEN, F., AVISSAR, R. Impact of land-surface moisture availability on local shallow convective cumulus and precipitation in large-scale models. Journal of Applied Meteorology, v.33, p.1782-1401. 1994. 148 Enio P. Souza Volume 19(2) EMANUEL, K. A. An air-sea interaction theory for tropical cyclones. Part I: steady-state maintenance. Journal of the Atmospheric Sciences, v.43, p.585-604. 1986. RENNÓ, N. O., BURKETT, M. L., LARKIN, M. P. 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