Kollemata: Jurisprudência Registral e Notarial

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Jurisprudência Registral e Notarial
CONDOMÍNIO ? ESPECIFICAÇÃO ? ALTERAÇÃO. ANUÊNCIA DA TOTALIDADE DOS CONDÔMINOS.
1VRPSP - PROCESSO: 243/83
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 19/07/1983
UNIDADE: 18
RELATOR: José Renato Nalini
LEI: LCE - Lei de Condomínios e incorporação - 4.591/64 ART: 32
ÍNTEGRA
Processo nº 243/83
Vistos, etc.
PZM - COMERCIAL AGRÍCOLA E CONST RUTORA LIMITADA, empresa devidamente representada,
formula a presente CONSULTA a este Juízo, na condição de corresponsável - juntamente com ROQUE E
SEABRA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A - pela incorporação do empreendimento imobiliário
denominado "RESIDENCIAL MANHATTAN”, ora em construção à Avenida Dr. Guilherme Dumont
Villares.
Aduz que as especificações, detalhamentos e demais documentos enumerados pelo artigo 32 da Lei nº
4.591/64, encontram-se no 18º Cartório de Registro de Imóveis, onde efetuado o registro da
incorporação, sob número 8, na matrícula nº 18.097, aos 3 de agosto de 1982.
De acordo com o projeto aprovado no processo 05.014.678.81*55, Alvará 102.228 da Prefeitura de São
Paulo, a área construída será de 36.329,52 metros quadrados e as obras encontram-se em estágio
adiantado, com término previsto para março de 1984.
Ocorre, todavia, a necessidade de criação de mais 32 vagas destinadas a estacionamento de veículos,
contemplando os titulares das unidades “duplex” que, a partir daí, passarão a contar com 2 vagas por
unidade.
Pretende a consulente criar espaço de que, anteriormente, não se cogitou, em parte não edificada do
terreno, em desnível com a superfície e localizada sob a área destinada a lazer, sem interferir com a
mesma.
Aduz que o custo não será repassado para os adquirentes das unidades tipo, mas será exclusivamente
suportado pelos adquirentes dos apartamentos duplex. E, em consequência dessa execução, a área
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construída passaria a ser de 36.908,17 metros quadrados.
Ponderando com o diminuto acréscimo de área construída, com a urgência das obras, com a
dificuldade na convocação da totalidade dos pretendentes às unidades em construção, com a ausência
de qualquer transtorno aos futuros condôminos, CONSULTA o Juízo sobre a possibilidade de se
efetivar a averbação da alteração, mediante simples requerimento da Incorporadora.
Instruiu a consulta com os documentos de fls. 12/111, manifestando-se o Dr. Curador de Registros
Públicos, em substancioso parecer, pela não autorização a que a averbação se dê na forma pretendida,
imprescindível a anuência de todos os condôminos.
É uma síntese do necessário.
D E C I D O.
I. A lei é expressa: "Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preço certos,
determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:
IV - é vedado ao incorporador altera o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente
e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo
autorização unânime dos interessados ou exigência legal" (artigo 43, inciso IV, da Lei 4591, de 16 de
dezembro de 1964).
Pretendeu o legislador, assegurar ao adquirente o direito a receber a exata unidade por ele adquirida,
sem qualquer modificação - por mínima - que seja - que não decorra de sua própria vontade. E só o
adquirente é juiz de suas conveniências, não podendo ser substituído pelo Judiciário, quanto a lhe
interessar ou não a alteração no plano que se lhe submeteu para a edificação.
J. NASCIMENTO e NISSKE GONDO, em sua festejada obra “Condomínio em Edifícios”, prelecionam:
"Os condôminos têm direito adquirido de receber exatamente o edifício projetado, sem deturpação do
plano inicial... Proibindo ao incorporador alterar o projeto e modificar as especificações, a lei vincula-o
rigorosamente ao planejamento inicial do edifício, inclusive e notadamente à sua destinação. Qualquer
alteração nessa situação preestabelecida somente pode ocorrer por consenso unânime dos
condôminos, ou exigência legal. Enquanto o legislador se contenta com a maioria, simples ou absoluta,
em outras situações, enfatiza-se, contudo, a condição do sufrágio da totalidade da massa condômina
sempre que se tratar de inovação do projeto ou mudança da destinação do edifício no seu todo, ou das
unidades autônomas que o compõem” (R.T., 2ª ed., p. 126).
Não se trata de obter a maioria, portanto. Nem a integralidade dos adquirentes das unidades duplex, os
maiores interessados - poder-se-ia argumentar serem os únicos - na duplicação de vagas para garagem.
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Mas a lei exige a unanimidade.
E "quando se exige a unanimidade, exige-se a pluralidade de declarações acordes que se fundem;
quando se exige maioria, satisfaz-se a lei ou a convenção fundamental com a "decisão", contra a qual
não tem eficácia as vozes ausentes ou discordantes” (PONTES DE MIRANDA, “Tratado de Direito
Predial”, vol. II, 2ª. ed., José Konfino, Rio, 1953, p. 233).
II. Ao se exigir a unanimidade, não se está a sufragar a tese da inalterabilidade do projeto, especificação
e convenção dominial. "Il condominio, e cioè il fabbricato condominiale, è suscettibile di modifiche
nella sua consistenza per effetto di ampliamenti o restrizione dela costruzione ... Poiché anche in questo
campo la volontá delle parti é sovrana, almeno quando c’èl'accordo di tutti i condomini, è possibile
modificare come si crede la consistenza del condominio" (GIUSEPPE BENACCHIO, “Del Condomínio
Negli Edifici - Varie Fattispecie Costitutive e Modificative”, Padova, CEDAM - Casa Editrice Dott.
Antonio - Milani, 1964, p. 106).
Ocorre que a comunhão é instituída pela vontade de todos os condôminos, não de alguns. E não se pode
atribuir a um só o direito de alteração de circunstância que à integralidade condominial interessa.
É verdade que "Il principio maggiritario domina la vita condominiale, informando il potere di
autodeterminazione del condominio .... La ragione vera sta nella prevalenza dll'interesse generale su
quello particolare; sulla necessitá pratica di subordinare la volontá dei singoli a quella della collettivitá,
che si presume essere quella più rispondente all'interesse della vista condominiale, mentre il singolo é
dominato dal suo interesse particolare ed egoistico.” (ANTONIO VISCO, “Problemi Giuridici Attuali Sul
Condomínio Di Edifici”, Milano, Dott. A. Giuffré Editore, 1966, p. 232/233). Mas, pela própria
importância pelo legislador conferida à comunhão, a alteração de parte do incorporador não prescinde
da "unanimitá dei consensi". Exige a lei, do incorporador, fidelidade ao projeto que atendeu aos
interesses dos comunheiros.
Nesse passo, para o incorporador, há verdadeira inderrogabilidade das normas que orientaram a
constituição condominial. E prevalece a inderrogabilidade para a maioria, deixando de subsistir apenas
à configuração do consenso totalitário.
"A única possibilidade de ser alterado o destino das unidades autônomas sem anuência de todos os
condôminos é por exigência dos Poderes Públicos. Suponha-se, por exemplo, que, no curso das obras,
ou mesmo depois de construído o edifício, venha a ser proibido seu uso para o fim previsto, no todo ou
em parte. Nesse caso ocorre força maior, alterando o destino do imóvel, só restando aos condôminos
conformar-se e procurar readaptá-lo aos fins permitidos, caso em que deverão os instrumentos de
especificação e convenção de condomínio ser modificados, para se ajustarem à nova situação"
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(J.NASCIMENTO FRANCO e NISSKE GONDO, op. cit., p. 127).
III. Inacolhíveis, ante à clareza da lei e objetividade dos interesses que visa proteger, os argumentos de
que a modificação não importará em inegável benefício para os titulares das unidades duplex.
Não conferiu a lei, ao Judiciário, nesta precisa hipótese, substituir-se aos titulares das unidades,
vedando-lhe aquilatar a existência ou inexistência de interesse.
Já ponderava PONTES DE MIRANDA, com a inexcedível propriedade que sempre o caracterizou, que
"nenhum dos condôminos do terreno (e são todos os donos dos apartamentos) podem alterar o uso
comum do terreno. Assim, ao comuneiros do pavimento ou andar térreo é proibido fazer escavações
para aumentar, com subterrâneos ou adegas, ou outras cavidades, a sua área. Toda peça suplementar
privativa, com invasão do que é comum, viola a propriedade comum (partes indivisas do edifício). Tãopouco, a qualquer andar ou apartamento é dado estender-se para a frente ou para trás, ou para os
lados, ainda que somente ocupe espaço vazio e não utilizado pelos comuneiros, salvo, está visto,
anuência de todos" (op. cit., p.166/167).
Cuida-se da espécie ora submetida a consulta. A consulente, para construir as novas unidades para
estacionamento de veículos destinadas aos adquirentes das unidades duplex, adentrara a terreno
comum. Não pode este Juízo, nas circunstâncias, substituir-se aos adquirentes e afirmar a inexistência
de prejuízo.
Pondere-se, apenas para exemplificar, a eventual impossibilidade de construção de uma piscina, eis que
a profundidade desta seria incompatível com o aproveitamento do terreno para a garagem subterrânea.
Ou o desinteresse pelo aumento do número de veículos a trafegar ou ter acesso ao condomínio. Ou a
destinação da área para outra finalidade que não a construção de garagem.
São inúmeras, enfim, as possibilidades de lesão de interesse dos adquirentes. E, conforme já ficou
bastante enfatizado, não é o Juiz que decretará a inexistência de lesão a qualquer interesse. A lei exige
que o interessado proceda à análise do que lhe concerne e do que lhe pertine. À inocorrência de
prejuízo, não se negará a apor sua anuência à alteração do projeto.
IV. De outro lado, a jurisprudência desacolhe a pretensão de maneira unânime.
Assim, "para a alteração da especificação do condomínio exige-se a deliberação unânime de todos os
condôminos" (Acórdão do E. Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível 285.186 , Rel. o Des.
ANDRADE JUNQUEIRA, 17/XII/1979, “in” NARCISO ORLANDI NETO, "Registro de Imóveis”, Saraiva,
1982, p. 242).
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Extrai-se do corpo do V. Acórdão, a lição que segue: "A perpetuidade das áreas comuns, enquanto
princípio normativo consentâneo com a natureza do condomínio edilício, tem apenas a função de
impossibilitar o desfazimento prático da comunhão, pela via indireta da iniciativa isolada dos
consortes, que o podem conseguir no regime do condomínio tradicional, em cuja sede são até
estimulados a fazê-lo. Aqui, no entanto, o princípio visa a dar substância a peculiar estado de
comunhão, que tende à estabilidade.
Enfim, "para modificação da especificação do condomínio, que diz respeito ao direito real de cada
interessado, necessário é o comprometimento da totalidade dos condôminos" (Acordão do E. CSM,
Apelação Cível 286.409, Rel. Des. ANDRADE JUNQUEIRA, 17/XII/1979, “in” NARCISO ORLANDI
NETO, op. cit., p.251). No mesmo sentido, AgP.169.374.
V. Por último, não se pode argumentar com a dificuldade na localização de todos os adquirentes, cuja
anuência é impostergável. Primeiramente por se alegar dificuldade, não impossibilidade. Depois
porque, em se tratando de empresa de renome e bem aparelhada, não constituirá óbice intransponível a
obtenção da aquiescência dos adquirentes, obviamente hoje prestamistas do valor da aquisição.
Da relevância dos interesses reais que envolvem a questão, extraia a consulente orientação para o
futuro, no sentido de que receba, cada empreendimento, acurada análise de todos os aspectos que
envolveriam necessidade de alteração. A hipótese da consulta é plenamente previsível e poderia ter sido
obviada - sem qualquer cautela ou dificuldade – já inserida no projeto inicial do empreendimento.
Depois de registrada a incorporação, contudo, a lei é clara. E não se pode discordar da sapiência do
dispositivo já colacionado nesta consulta, destinado à garantia dos interesses dos condôminos.
VI. Motivo por que, acolhendo, ainda, as lúcidas razões do Dr. Curador de Registros Públicos, respondo
à CONSULTA formulada pela P.Z.M. - COMERCIAL AGRíCOLA E CONSTRUTORA LIMITADA, no
sentido de que lhe é defesa a averbação da alteração por mero requerimento, por incidir à espécie o
disposto no inciso IV do artigo 43 da Lei 4.591/1964, a exigir anuência da integralidade dos
interessados.
Sem custas.
Remetam-se cópias aos demais Cartórios.
P.R. e I.
São Paulo, 19 de julho de 1983.
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