INFLUÊNCIA DA RESSURGÊNCIA COSTEIRA DE CABO FRIO SOBRE A EVOLUÇÃO DIURNA DA CAMADA LIMITE ATMOSFÉRICA Tânia Ocimoto Oda Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira [email protected] ABSTRACT The diurnal variation of the boundary layer in coastal areas are closely related to the sea and land breezes cicles. This paper presents a study of the diurnal evolution of the boundary layer structure during a coastal upwelling period and during a non-upwelling period. The comparison between these periods shows a stronger stability during upwelling events, suggesting also an enhancement of this stability due to the sea breeze subsident branch. 1 –INTRODUÇÃO A circulação gerada pelo contraste térmico continente-oceano é um dos fatores determinantes das características do tempo e clima de regiões litorâneas. O comportamento da circulação de brisa marítima define, por exemplo, o confinamento ou a dispersão de poluentes nas várias cidades litorâneas desenvolvidas (Lu e Turco, 1994). O regime de precipitação em áreas costeiras também é fortemente influenciado pela circulação local, motivando diversos estudos há várias décadas (e.g. Leopold, 1949 e Cavalcanti e Kousky, 1982. As maiores variações causadas pela circulação de brisa são notadas na camada limite atmosférica. Vários estudos têm procurado detalhar a evolução da camada limite atmosférica devido à circulação de brisa marítima e terrestre. Physick e Smith (1985) notaram, no norte da Austrália, ventos altamente ageostróficos e camada limite estável profunda em virtude da circulação de brisa marítima. Druilhet et al. (1982) estudaram as características do escoamento na transição do mar para a costa, que incluíam a forte estabilidade da massa de ar de origem marítima e a formação de uma camada interna instável sobre o continente. Elliott e O’Brien (1977) realizaram um estudo observacional na região de ressurgência do Oregon, notando que a estrutura do campo de vento de mesoescala depende basicamente da estratificação e da profundidade da camada limite sobre o mar, observando também a presença de ar subsidente sobre a camada estável de origem marítima na região adjacente à linha da costa, contribuindo para um máximo de velocidade do vento no topo dessa camada. Dourado (1994) mostrou a evolução da camada limite atmosférica e da camada de mistura oceânica na região de Cabo Frio durante a passagem de um sistema frontal. O autor observou a típica inversão do vento de NE para SW seguida de aquecimento da superfície oceânica e a advecção de uma camada de mistura atmosférica profunda do continente para o oceano pelo vento de SW. Este trabalho apresenta uma comparação de perfis verticais de temperatura potencial, umidade e vento típicos de situações de verão (ressurgência) e inverno (não-ressurgência). 2 - EXPERIMENTOS O estudo consiste na análise de dados de radiossondagens coletados em dois experimentos, realizados em períodos de verão (9 a 12 de janeiro de 1995) e inverno (1 a 4 de agosto de 1995). Estes experimentos fazem parte do projeto “Processos de circulação oceânica e de interação oceano/atmosfera em escala local e regional na costa sul/sudeste do Brasil” (FAPESP, processo 93/0854-4), e foram realizados em Arraial do Cabo (RJ). Os períodos foram escolhidos visando a observação de uma situação de ressurgência (verão) e uma sem o afloramento de águas frias (inverno) a fim de averiguar diferenças na estrutura vertical da circulação local em períodos climatologicamente distintos, bem como a variação diurna em cada um dos períodos, através das análises dos perfis de vento, temperatura e umidade coletados. O sistema de radiossondagem utilizado para a coleta de dados era composto por um sistema de recepção dos dados de temperatura, pressão e umidade e mais um módulo para recepção de dados de posicionamento da sonda, provenientes do sistema OMEGA de auxílio à navegação, para a obtenção do perfil vertical do vento. Os lançamentos foram distribuídos de maneira a obter informações no maior número de horários. Os perfis são identificados pelo horário do início da sondagem, em GMT. Este procedimento foi adotado para homogeneizar o tratamento dos dados, pois durante o experimento de Janeiro de 1995 estava em vigor o horário de verão. Para se obter a hora local, portanto, é necessário subtrair 3 horas no inverno, e 2 horas no verão. Este trabalho descreve a evolução diurna da camada limite atmosférica, através da análise de perfis verticais de temperatura potencial virtual, vento e umidade até 1500 m, para um dia considerado representativo, de cada um dos experimentos. 3 – EXPERIMENTO DE VERÃO De acordo com Oda (1997), os primeiros dias do período foram caracterizados por um episódio de ressurgência. A passagem de uma frente fria entre os dias 10 e 11/01 e a conseqüente mudança na direção do vento, entretanto, causou ligeiro aquecimento da água nos dias 11 e 12. No dia 09 de janeiro, as observações de superfície indicavam tempo bom. Os perfis das componentes u e v (Figura 5.28) do vento mostram o desenvolvimento da circulação de brisa. A componente zonal aumenta gradativamente nos níveis mais baixos, até as 20:00 GMT, mostrando o maior desenvolvimento da brisa marítima (BM) em torno desse horário. Nota-se, também, uma circulação de oeste entre 600 e 1200m, caracterizando o escoamento de retorno da brisa marítima. A componente meridional é negativa (ou seja, de norte), em toda a camada. Sua intensidade máxima ocorre à noite, após o decaimento da circulação de brisa marítima. Observando-se as intensidades de u e v conjuntamente, verifica-se o desenvolvimento de um jato de baixos níveis, o qual pode estar relacionado um transporte de momentum pelo ramo subsidente da brisa (Elliott e O’Brien, 1979) ou a uma oscilação inercial (Blackadar, 1957). Os perfis verticais de temperatura potencial virtual deste dia mostram a persistência de uma camada estável próxima à superfície. As duas primeiras sondagens mostram uma camada superadiabática próxima à superfície. Às 20:00 GMT, o perfil é totalmente estável desde a superfície. Este tipo de perfil favorece o desenvolvimento do jato de baixos níveis observado. A última sondagem, das 24:00 GMT, mostra uma camada de mistura atmosférica com topo entre 100 e 200m. A ausência da camada de mistura durante o dia pode estar associado com a circulação de brisa marítima: durante o dia, o local estaria sob o ramo subsidente da brisa, devido à proximidade das águas muito frias de ressurgência. À noite, com o resfriamento radiativo do continente, esta subsidência seria bem menor, permitindo a mistura vertical. Além disso, a presença do jato provocaria a mistura turbulenta do ar nos níveis abaixo. A umidade representada aqui pela razão de mistura, mostra forte gradiente vertical nos primeiros 50 m, característico de camadas de origem marítima. A variação da umidade mostra um ligeiro aumento próximo à superfície nas sondagens das 18:00 e 20:00 GMT, devido ao aumento da advecção de umidade causada pelo desenvolvimento da circulação de BM. Há um mínimo na última sondagem, em torno de 400 a 500m, logo acima do nível do jato. 4 - EXPERIMENTO DE INVERNO Durante o inverno de 1995, as temperaturas da água mostraram uma situação típica de inverno, ou seja, de não ressurgência. Neste período, a região encontrava-se sob domínio do centro de alta pressão centrado em 30°S, 25°W. Cartas sinóticas mostravam uma frente fria sobre o oceano, na altura do Estado de Santa Catarina, no início do período, que atingiu a região durante a noite do dia 03 (Oda, 1997). No primeiro dia do experimento, ou seja, 01/08, a componente zonal (Figura 5.34.c) mostra uma intensificação gradual por volta de 200 m até as 22:00 GMT. A componente meridional mantém-se de norte, atingindo um máximo na última sondagem do dia. Novamente, observa-se o desenvolvimento de um jato, cuja intensidade observada foi em torno de 17,0 m s-1 no nível de 250 m, às 22:00 GMT. Neste caso, seu desenvolvimento começa no final da tarde, como característico na oscilação inercial. Observando os perfis de temperatura potencial virtual, é bastante evidente a diferença de estabilidade em relação ao experimento anterior, em função das maiores temperaturas da superfície do mar encontradas no inverno. No dia 01, a sondagem das 13:00 GMT (Figura 5.34.a) indica aquecimento radiativo da superfície que instabiliza a camada inferior. Na sondagem seguinte, nota-se um resfriamento intenso até 200 m, possivelmente pelo desenvolvimento da brisa, que também parece causar um aquecimento (por subsidência) acima desse nível. O perfil não se altera até a sondagem das 20:00 GMT, mas no perfil posterior, aparentemente há uma diminuição desta subsidência e o jato é intensificado. Os perfis de θv mostram o desenvolvimento de uma camada de mistura, que atinge 250 m às 19:00 GMT, 300 m às 20:00 e 350 m às 22:00 GMT. A umidade mostra grande variação com a altura próximo à superfície na primeira sondagem do dia, e distribuição vertical mais uniforme nos horários seguintes (Figura 5.34.b). 5 - CONCLUSÕES A análise apresentada mostra que as principais diferenças encontradas na camada limite entre períodos de ressurgência e não ressurgência está relacionada à estabilidade atmosférica. Durante o verão, a presença de águas frias junto à costa de Cabo Frio contribui para a formação de uma camada limite estável, que persiste durante todo o episódio de ressurgência. Além disso, a baixa temperatura do oceano faz com que o ramo subsidente da brisa fique muito perto da costa, principalmente durante o dia, inibindo o desenvolvimento da camada de mistura. Durante a noite, o contraste térmico entre o oceano e o continente diminui, e consequentemente enfraquece toda a circulação de brisa, inclusive seu ramo subsidente. Assim, é possível notar que a formação da camada de mistura atmosférica ocorre preferencialmente à noite. Entretanto, a camada limite estável favorece a formação de jatos de baixos níveis, que por sua vez contribuem para a mistura por turbulência mecânica, o que também colabora para o desenvolvimento da camada de mistura atmosférica noturna durante o verão. Os experimentos de inverno, por sua vez, mostram uma camada bem mais instável, devido às TSM mais altas encontradas nesses períodos. 6 - REFERÊNCIAS: Blackadar, A.K. Boundary layer wind maxima and their significance for the growth of nocturnal inversions. Bulletin of the American Meteorological Society, 38(5), 283-290, 1957. Cavalcanti, I.F.A. e Kousky, V.E. Influências da circulação de escala sinótica na circulação da brisa marítima na costa N-NE da América do Sul. Publicação INPE-2573-PRE/221, 14p., 1982. Dourado, M.S. Estudo da camada limite planetária atmosférica marítima (Dissertação de Mestrado), INPE, 1994, 100p. Druilhet, A; Herrad, A.; Pages, J.P.; Saïssac, J.; Allet, C.; Ravaut, M.. Étude experimentale de la couche limite interne associée à la brise de mer. Boundary Layer Meteorology, 22, 511- 524, 1982. Elliott, D.L.; O’Brien, J.J. Observational studies of the marine boundary layer over an upwelling region. Monthly Weather Review, 105(1), 86-98, 1977. Estoque, M.A.; A theoretical investigation of the sea breeze. Quarterly Journal of The Royal Meteorological Society, 87, 136-146, 1961. Leopold, L.B. The interaction of trade wind and sea breeze, Hawaii, Journal of Meteorology, 6, 312-320, 1949. Lu, R.; Turco, R.P. Air pollutant transport in a coastal environment. Part I: Two-dimensional simulations of sea-breeze and mountain effects. Journal of Atmospheric Sciences, 51(15), 22852308, 1994. Physick, W.L.; Smith, R.K. Observations and dynamics of sea-breezes in northern Australia. Australian Meteorological Magazine, 33, 51-63, 1985. Oda, T.O. Influência da ressurgência costeira sobre a circulação local em Cabo Frio (RJ). Dissertação de Mestrado. INPE, São José dos Campos, 1997. 1500 1 500 1 4 :0 0 G M T 14 :00 G M T 1 8 :0 0 G M T 18 :00 G M T 20 :00 G M T 2 0 :0 0 G M T 1200 1 200 2 4 :0 0 G M T 900 24 :00 G M T A ltu ra (m g p ) A ltu ra (m g p ) 900 600 600 300 300 0 0 2 9 4 .0 2 9 7 .0 3 0 0 .0 3 0 3 .0 3 0 6 .0 T e m p e ra tu ra P o te n c ia l V irtu a l (K ) 3 0 9 .0 3 1 2 .0 3 .0 (a) 6.0 9.0 12 .0 15.0 R azão d e M istura (g/kg) 18.0 21.0 (b) 1 50 0 1 20 0 1 20 0 90 0 90 0 A ltu ra (m g p ) A ltu ra (m g p) 1 50 0 60 0 60 0 14 :00 G M T 18 :00 G M T 30 0 1 4 :0 0 G M T 1 8 :0 0 G M T 30 0 20 :00 G M T 2 0 :0 0 G M T 24 :00 G M T 2 4 :0 0 G M T 0 0 -1 4.0 -1 2.0 -1 0 .0 -8 .0 -6 .0 -4 .0 -2 .0 0.0 2.0 4.0 C o m p o ne nte Z on a l (m /s) 6.0 8 .0 1 0.0 1 2 .0 -1 6 .0 -14 .0 -1 2.0 -10 .0 -8 .0 -6.0 -4 .0 -2.0 0 .0 2.0 4 .0 C om p o n en te M e rid ion a l (m /s ) 6 .0 8 .0 1 0.0 1 2 .0 (c) (d) Fig. 5.28 - Sondagens do dia 09-01-95. (a) Temperatura Potencial Virtual; (b) Razão de Mistura; (c ) componente zonal u ; (d) componente meridional v. 1500 1200 1200 900 900 A ltu ra (m g p ) A ltu ra (m g p ) 1500 600 600 13 :00 G M T 13:00 G M T 19 :00 G M T 19:00 G M T 20 :00 G M T 300 20:00 G M T 300 22 :00 G M T 22:00 G M T 0 0 2 9 4 .0 2 9 7 .0 3 0 0 .0 3 0 3 .0 3 0 6 .0 T e m p e ra tu ra P o te n c ia l V irtu a l (K ) 3 0 9 .0 3 .0 3 1 2 .0 (a) 6 .0 9 .0 1 2 .0 1 5 .0 R a z ã o d e M is tu ra (g /kg ) 1 8 .0 2 1 .0 (b) 1500 1200 1200 900 900 A ltu ra (m g p ) A ltura (m g p ) 1500 600 600 13 :0 0 G M T 13:00 G M T 19 :0 0 G M T 300 20 :0 0 G M T 19:00 G M T 300 20:00 G M T 22 :0 0 G M T 0 22:00 G M T 0 -1 4 .0 -1 2.0 -1 0 .0 -8 .0 -6 .0 -4 .0 -2 .0 0 .0 2 .0 4 .0 C o m p o n e nte Z o n al (m /s ) (c) 6 .0 8 .0 1 0 .0 1 2 .0 -1 6 .0 -1 4 .0 -1 2 .0 -1 0 .0 -8 .0 -6 .0 -4 .0 -2 .0 0 .0 2 .0 4 .0 C o m p o n e n te M e rid io n a l (m /s ) 6 .0 8 .0 1 0 .0 1 2 .0 (d) Fig. 5.34 - Sondagens do dia 01-08-95. (a) Temperatura Potencial Virtual; (b) Razão de Mistura; (c ) componente zonal u ; (d) componente meridional v.