UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR PRELIMINAR Sistemas Lógicos - Elementos de Electricidade e Electrónica Pedro Araújo -----------------------------------------------1 - Introdução A electricidade é um conjunto complexo de fenómenos originados pela passagem de uma corrente de electrões ao longo de um circuito designado por circuito eléctrico. Um circuito eléctrico é constituído por um certo número de componentes, os quais permitem controlar adequadamente o comportamento do circuito. Alguns desses componentes deixam-se atravessar pela corrente, enquanto outros se opõem à sua passagem. Os primeiros designam-se por condutores, sendo exemplos quase todos os metais, a grafite e também alguns tipos de borrachas e os segundos por isoladores de que são exemplos o vidro, o papel, o ar seco e a água pura, bem como a maioria dos materiais plásticos. Existe ainda um terceiro tipo, os semicondutores, com condutividade intermédia entre os condutores e os isoladores, que desempenham um papel chave em electrónica e de que pode dar-se como exemplo o silício e o germânio. 1.1 - Circuito eléctrico Para que os fenómenos eléctricos possam ocorrer, tem de existir um fluxo de electrões ao longo do circuito de modo que os electrões o atravessem passando pelos elementos condutores, não podendo o circuito estar interrompido por algum componente isolador. Um circuito deste tipo diz-se um circuito fechado. Se no circuito existir algum elemento isolante, os electrões são bloqueados e não passam, tendo-se um circuito aberto. isolante Circuito fechado – os electrões fluem ao longo do circuito Circuito aberto – os electrões são bloqueados Exemplo de um circuito que pode estar aberto ou fechado é quando se desliga ou liga o interruptor de um candeeiro, em que o interruptor respectivamente impede ou permite a passagem dos electrões. © DI-UBI, Pedro Araújo 1.2 - Tensão e Corrente Para que o fluxo de electrões possa ocorrer não basta existir um circuito fechado formado por elementos condutores, é preciso algo que obrigue os electrões a movimentarem-se ao longo do circuito. O conceito é semelhante ao dos sistemas de rega, em que a água circula ou por acção de uma bomba, ou porque provém de um depósito colocado a um nível superior àquele em que vai ser utilizada. Em ambos os casos é criada uma força que impele a água ao longo da tubagem, força essa que é tanto maior quanto mais potente é a bomba ou maior o desnível. Em termos eléctricos, a força que movimenta os electrões é fornecida por um elemento de circuito designado por gerador. Um gerador pode assumir a forma de uma pilha no qual ocorrem reacções químicas, uma célula fotovoltaica em que é aproveitada a energia da luz solar, ou ainda um gerador mecânico accionado por turbinas numa central hidroeléctrica. Esses diferentes tipos de geradores apresentam diferentes características nomeadamente quanto à sua capacidade para impulsionarem os electrões, a qual é muito maior para o último tipo em relação aos dois primeiros. A força fornecida por esses geradores, capaz de movimentar os electrões, é designada por força electro-motriz, tensão ou voltagem. A tensão ou voltagem é um parâmetro que caracteriza o gerador e mede a sua capacidade para movimentar os electrões, a qual é tanto maior quanto maior for a voltagem. A unidade de medida é o Volt[V]. Uma vulgar pilha de lanterna de bolso apresenta uma voltagem típica de 1.5V, nas tomadas das nossas casas existem 220V, dentro de um televisor podem encontrar-se 20 000V, enquanto em certas linhas de transmissão de energia (linhas de alta tensão) pode chegar-se aos 220 000V. Em termos de analogia com o circuito de rega, a tensão representa a força gerada pela bomba ou pelo desnível do depósito. Um conceito associado ao de tensão é o conceito de corrente eléctrica. Voltando ao circuito de rega, a água que circula na tubagem depende não só da força exercida pela bomba ou pelo desnível, mas também da oposição apresentada pela tubagem à passagem da água, a qual é função, por exemplo, do calibre dos tubos. Quanto maior for esta oposição, menos água circula. Em termos eléctricos, a quantidade de electrões movimentada pelo gerador depende não só da sua tensão mas também da oposição apresentada pelo circuito, a que se dá a designação de resistência. Quanto maior a resistência menos electrões fluem. Assim, dado um gerador com uma certa tensão ou voltagem, ligado a um circuito que apresenta uma certa resistência, este será atravessado por um fluxo de electrões, ou seja, por uma corrente eléctrica. © DI-UBI, Pedro Araújo 1.3 - Lei de Ohm Viu-se atrás que a corrente que circula num circuito fechado é função da tensão do gerador e também da resistência oferecida pelo circuito. Em termos quantitativos, qual será a relação entre essas quantidades ? ela é dada pela lei de Ohm (em homenagem a George S. Ohm) e é uma das leis mais importantes da electrotecnia, podendo apresentar-se como: I= U , em que I representa a corrente eléctrica que passa no circuito, U a tensão ou voltagem R do gerador (também designado por fonte) e R a resistência do circuito. As unidades de cada uma das grandezas bem como os seus multiplos e sub-múltiplos mais comuns são: Grandeza Unidades (mais usuais) sub-múltiplos Fundamental múltiplos Ampére [A] kilo Ampére = 103A [kA] -6 Corrente – I Tensão – U Resistência - R micro Ampére = 10 A [µA] -3 mili Ampére = 10 A [mA] micro Volt = 10-6 V [µV] mili Volt = 10-3 V [mV] mili Ohm = 10-3 Ω [m Ω] Volt [V] Ohm [Ω] kilo Volt = 103V [kV] mega Volt = 106V [MV] kilo Ohm = 103 Ω [k Ω] mega Ohm = 106 Ω [M Ω] Ex. Um circuito cuja resistência é de 2000Ω = 2*103Ω = 2kΩ é alimentado por uma fonte de 5V. Qual a intensidade da corrente que percorre o circuito? I = U 5 = = 2.5 ∗ 10 −3 A = 2.5mA 3 R 2 ∗ 10 Note-se que enquanto a tensão é um parâmetro que define o gerador (depende da sua constituição a qual em princípio é fixa) e a resistência é um parâmetro do circuito (depende dos elementos que o constituem), a corrente não é uma característica do gerador nem do circuito, pois depende quer da tensão utilizada, quer do valor da resistência do circuito. Assim, não faz sentido falar da corrente de uma fonte ou de um circuito. Já faz sentido é falar da corrente máxima que uma fonte pode fornecer, ou da corrente máxima que pode atravessar um dado circuito. © DI-UBI, Pedro Araújo 1.4 - Sentido da corrente eléctrica No sistema de rega visto atrás, a água movimenta-se sempre no mesmo sentido, descendo pela tubagem que vem do depósito aonde está armazenada, até ao local aonde vai ser usada. Em termos eléctricos, o fluxo de electrões parte do terminal aonde estes são gerados e armazenados, para o terminal aonde estão em falta. Como os electrões têm carga eléctrica negativa, o terminal de partida é assim o de energia mais baixa(mais negativa) e que por isso é designado por terminal negativo, sendo o terminal de chegada aquele que apresenta a energia mais alta(menos negativa), sendo por isso designado por terminal positivo. O sentido real da corrente eléctrica é pois do terminal negativo para o positivo. Nos primórdios da investigação em electricidade estes factos não eram conhecidos e o mais intuitivo foi considerar que o sentido da corrente era do terminal positivo para o negativo. Este sentido ficou conhecido como sentido convencional, o qual é normalmente utilizado pois a maioria dos fenómenos eléctricos pode explicar-se usando um sentido ou o outro. Os terminais são também designados por pólos e quando se referem os pólos positivo e negativo de uma fonte, está-se a referir qual a polaridade da fonte. 1.5 - Representação A simbologia usada para representar os elementos de circuito vistos até agora é a seguinte: + U ─ Fonte de tensão de valor U [Volts] : terminal marcado com “+” = pólo positivo terminal marcado com “-“ = pólo negativo R ou R Resistência de valor R [Ω] Fio condutor de ligação Interruptor aberto Interruptor fechado Exemplo (problema da alínea 1.3): © DI-UBI, Pedro Araújo I=0 + 5V I = 2.5mA 2kΩ ─ + 5V 2kΩ ─ (circuito aberto) (circuito fechado) 1.6 - Curto-circuito Dá-se um curto-circuito quando a um gerador é aplicado um circuito cuja resistência é R = 0Ω. Na prática tal pode acontecer se nos terminais do gerador for ligado um simples fio condutor, cuja resistência é próxima de zero. Segundo a lei de Ohm, nessas circunstâncias a corrente assumiria um valor infinito. Na prática tal não acontece, mas a corrente pode assumir valores muito altos, suficientes para destruir a fonte, ou provocar um aquecimento tal no fio ou na fonte que leve à sua destruição por exemplo através de um incêndio. A situação de curto-circuito é pois de evitar a todo o custo, embora existam dispositivos com a função de protegerem os circuitos se tal ocorrer. 1.7 – Capacidade Um dispositivo constituído por duas placas metálicas separadas por um material isolante designa-se por condensador e apresenta propriedades de armazenamento de carga eléctrica semelhantes a uma bateria. Se aplicarmos uma tensão a um condensador e em seguida retirarmos a fonte, poderemos constatar que ele permanece carregado com um valor de tensão igual ao da fonte e com a mesma polaridade, isto é, o condensador armazenou a carga eléctrica aplicada pela fonte. O tempo durante o qual o condensador mantém a carga é relativamente pequeno e esta decai rapidamente até desaparecer. Porém, durante o período de tempo em que o condensador mantém a carga pode dizer-se que ele memorizou o valor da tensão que lhe foi aplicada. Este princípio é utilizado na construção de memórias, aonde se consegue prolongar o tempo durante o qual o condensador armazena a carga e assim guardar dados por longos períodos. 1.8 – Corrente contínua e alternada As fontes referidas atrás apresentam polaridade fixa, isto é, os pólos positivo e negativo são sempre os mesmos. Deste modo, ao aplicar uma destas fontes a um circuito, a corrente circulará sempre no mesmo sentido, ou seja, do pólo positivo para o negativo da fonte(sentido convencional). Este tipo de fontes é designada por fontes de corrente contínua ou fontes DC (do © DI-UBI, Pedro Araújo inglês “direct current”). A fig.(a) mostra a representação gráfica de uma tensão DC, com um valor U constante no tempo. Existem outras fontes em que os pólos da fonte mudam periodicamente, fazendo com que o sentido de circulação da corrente também mude periodicamente. Este tipo de fontes é assim designado por fontes de corrente alterna, corrente alternada ou fontes AC (do inglês “alternate current”). A fig.(b) mostra a representação gráfica de uma tensão AC que varia periodicamente no tempo segundo uma função sinusoidal. A corrente alternada apresenta características que a tornam apropriada para ser utilizada na distribuição doméstica ou em utilizações industriais, mas a maioria dos equipamentos electrónicos precisa de tensão e corrente DC para trabalhar. Como nas tomadas domésticas existe tensão AC pode tornar-se necessário converter um tipo no outro. +U +U 0 0 tempo tempo -U (a) tensão DC, constante no tempo (b) tensão AC, variável no tempo O primeiro passo para converter a forma de onda da fig.(b) na da fig.(a) é impedir que a corrente inverta o sentido, ou seja, tem de eliminar-se a parte da sinusóide abaixo do eixo das abcissas(processo designado por rectificação). Existe um componente que apresenta a propriedade de só permitir a passagem da corrente num sentido e que pode ser usado naquela função. Trata-se do diodo, representado em (c), o qual só permite a passagem da corrente no sentido da seta, bloqueando a corrente que o tente atravessar em sentido contrário. O resultado da aplicação do sinal (b) ao diodo é representado na fig.(d). I>0 A K A - ânodo ou terminal positivo I=0 0 símbolo do diodo K - cátodo ou terminal negativo A tempo K aspecto de um diodo real (c) diodo +U tempo -U (d) sinal (b) após atravessar o diodo © DI-UBI, Pedro Araújo O sinal em (d) ainda não é igual ao sinal (a) mas é fácil torná-los iguais usando condensadores, embora isso saia fora do âmbito deste texto. O que este exemplo permitiu foi apresentar a principal propriedade dos diodos, que é a de só permitirem a passagem da corrente num sentido, propriedade essa que será utilizada mais tarde na construção de circuitos digitais. As figuras seguintes mostram o resultado da introdução de um diodo num circuito. No caso (e) em que o diodo se encontra polarizado no sentido de não condução, não há corrente no circuito; no caso (f) existe corrente pois o diodo está polarizado no sentido directo. I=0 I = 2.5mA + 2kΩ 5V ─ + 2kΩ 5V ─ (circuito fechado) (circuito aberto) (e) diodo polarizado inversamente(ao corte) (f) diodo polarizado directamente (à condução) 1.9 – Circuitos de comutação Nas figuras anteriores só é possível passar da situação de não condução à de condução, invertendo o sentido do diodo, o que implica uma alteração física sobre o circuito. É necessário desligar o diodo do circuito, inverter os seus terminais e voltar a ligá-lo, possivelmente recorrendo a alicate e a ferro de soldar. Seria útil poder alternar entre o estado de condução e de não condução sem ter de actuar fisicamente sobre o circuito. Embora isso não seja possível usando o diodo, há um outro componente que o possibilita. Trata-se do transistor, cuja representação é feita na figura (g) para um tipo comum de transistor. O transistor dispõe de mais um terminal, designado por base(B) a qual permite controlar a passagem ou não-passagem de corrente entre os outros dois terminais colector(C) e emissor(E), representada na figura por IC-E. C B IC-E E (g) representação de um transistor (do tipo NPN) De modo simplificado, o funcionamento do transistor é: © DI-UBI, Pedro Araújo • se nenhuma corrente for aplicada ao terminal B, não circula corrente entre os terminais C e E • se for aplicada corrente em B, então circula corrente entre os terminais C e E As figuras (h) e (i) mostram o comportamento do transistor num circuito semelhante aos anteriores. Neste exemplo, a corrente I é a corrente IC-E do transistor. I=0 I = 2.5mA Rb IB=0 + IB>0 + 5V 2kΩ ─ (circuito aberto) (h) transistor ao corte 5V 2kΩ ─ (circuito fechado) (i) transistor à condução No caso (h) não existe corrente de base e portanto não existe corrente no resto do circuito, comportado-se o transistor como um interruptor aberto. Nesta situação diz-se que o transistor se encontra no estado de corte. No caso (i) existe uma corrente de base (aplicada pela resistência Rb) que provoca a existência da corrente I, comportado-se o transistor como um interruptor fechado. Nesta situação diz-se que o transistor se encontra no estado de condução. Esta propriedade do transistor, a de poder passar do corte à condução pela aplicação ou não de uma corrente na base, confere-lhe uma grande utilidade na construção de circuitos digitais, como será visto adiante. Convém notar para finalizar, que a corrente IC-E quando existe é muito maior que a corrente IB, ou seja, basta uma pequena corrente de base para controlar uma grande corrente através do transistor. Esta propriedade está na base da construção dos amplificadores de sinal (ex: amplificador de microfone). 1.9.1 – Circuitos com transistores © DI-UBI, Pedro Araújo