FORMA E DOMINAÇÃO: ACESSIBILIDADE - cchla

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FORMA E DOMINAÇÃO: ACESSIBILIDADE URBANA E SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL NA CIDADE DO NATAL-RN E REGIÃO METROPOLITANA
João Batista Carmo Júnior1
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o chamado “novo” padrão de segregação
que se sobrepõe ao padrão centro-periferia, caracterizado pela saída das camadas de alta renda
dos bairros centrais e tradicionais para a periferia e até para além dela, com implicações na
Região Metropolitana, a partir da análise separada e em conjunto de quatro questões: 1)
localização dos condomínios fechados; 2) encaminhamento do centro morfológico; 3)
distribuição econômica da população; e 4) acessibilidade urbana. Com o desenvolvimento
dessas questões espera-se compreender se há, de fato, um “novo” padrão de segregação ou se
aquilo que estamos observando é, apenas, uma das muitas facetas de um processo em curso e
não tão novo chamado segregação. Para tanto, foi necessário: 1) identificar, mapear e analisar
a localização dos condomínios fechados com o auxílio de fotos aéreas e visitas in loco; 2)
Examinar o comportamento do encaminhamento do centro morfológico da cidade do NatalRN a partir de estudos já realizados; 3) Analisar a distribuição econômica da população a
partir da renda média mensal com dados do IBGE; e 4) representar a estrutura urbana da
cidade a partir de um arranjo linear e com auxílio de programas específicos, calcular e
analisar as médias dos valores de integração em diferentes escalas: Regiões Administrativas e
bairros. Realizados estes procedimentos, fez-se uma análise em conjunto a partir do
cruzamento dos dados visualizados em um SIG. Como resultado, o estudo mostrou que a
forma urbana não é alheia ao processo de segregação e que há uma forte relação estabelecida
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UFRN/PPGAU - [email protected]
Número de ISBN: 978-85-61693-03-9
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entre a estrutura social e a configuração espacial, responsável pela organização do espaço na
escala intra-urbano e metropolitana.
PALAVRAS-CHAVES: Morfologia urbana, Segregação sócio-espacial, Acessibilidade
urbana.
INTRODUÇÃO
Aquilo que vem sendo chamado do “novo” padrão de segregação sócio-espacial tem
atraído a atenção de muitos estudiosos para a estrutura urbana das cidades brasileiras. Este
novo padrão se sobrepõe ao conhecido padrão centro-periferia e se caracteriza, dentre outras
coisas, pelo deslocamento das camadas de alta renda dos bairros centrais e tradicionais para a
periferia, gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos,
porém separados por muros e tecnologias de segurança. Para viabilizar tal condição os
“enclaves fortificados” são o principal instrumento desse novo padrão de segregação.
Este trabalho lança um olhar sobre aquilo que tem sido chamado do “novo” padrão
de segregação e questiona se, de fato, a estrutura urbana vivencia transformações marcadas
por novos elementos que sustentam a idéia de um novo padrão; ou se aquilo que estamos
observando é, apenas, uma das muitas facetas de um processo em curso e não tão novo
chamado segregação. A questão que defendemos, aqui, é que tratar o “novo” padrão pura e
simplesmente como a saída das camadas de alta renda do centro para a periferia resguardada
por muros e tecnologia de segurança, é um modo simplista de compreender o fenômeno da
segregação das classes sociais “[...] que é aquela que domina a estruturação das nossas
metrópoles.” (VILLAÇA, 2001: 142) É evidente que a construção em tão pouco tempo de
inúmeros enclaves fortificados nas periferias das cidades é significativo. É significativo no
que se refere à transformação da paisagem enclausurada por muros; no que diz respeito à
valorização da terra urbana com a chegada de infra-estrutura, serviços urbanos e
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equipamentos instalados para atender uma demanda de grande poder aquisitivo numa
periferia. É significativo pela inserção do objeto em si que separa sem pudor e desfaçatez
ricos de pobres. E, ainda, por mudar as noções de público e espaço público ao restringir a
acessibilidade numa área, muitas vezes, ocupada por uma população altamente dependente
desse valor de uso essencial para a terra urbana, ao privatizar vias de circulação. Porém, essas
significações não esgotam aquilo que representa o chamado “novo” padrão de segregação.
Isso porque tratá-lo dessa forma empobrece sobremaneira um fenômeno dessa grandeza.
Apresentando a cidade do Natal-RN como universo de estudo, este trabalho busca
compreender o fenômeno da segregação sócio-espacial a partir da análise separada e em
conjunto de quatro questões como forma de enriquecer seu significado: 1) localização dos
condomínios fechados horizontais residenciais; 2) encaminhamento do centro morfológico; 3)
distribuição econômica da população; e 4) acessibilidade urbana.
A primeira questão refere-se estritamente à localização dos condomínios fechados
horizontais residenciais de luxo na estrutura urbana da cidade do Natal, pretendendo avaliar se
a inserção desses equipamentos obedece algum padrão – concentrado ou disperso. Para isso,
foi necessário identificar, mapear e analisar a localização desses condomínios com o auxílio
de fotos aéreas e visitas aos locais onde se encontram os condomínios. A segunda questão
examina como se deu, historicamente, o encaminhamento do centro morfológico, observando
seu comportamento ao longo do tempo e, em especial, em que área da cidade se dá sua atual
expansão. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica em estudos de morfologia urbana
sobre a cidade do Natal-RN. A terceira questão investiga a espacialização da distribuição
econômica da população a partir da renda média mensal com base em dados do IBGE. O
objetivo dessa investigação é observar se há um padrão no que se refere à ocupação das
camadas de alta renda no espaço urbano e, ainda, caso haja um padrão concentrado, em que
área da cidade verifica-se essa concentração. Por fim, a quarta questão investiga a
acessibilidade da estrutura urbana da cidade do Natal-RN. Para tanto, foi necessário
representar sua malha viária a partir da construção de um arranjo linear e com auxílio de
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programas específicos, calcular valores de acessibilidade para cada eixo. Em seguida,
tomando-se como base os valores de acessibilidade foram calculadas suas médias em
diferentes escalas: Setores Administrativos e bairros. O objetivo dessa quarta questão é
identificar, em diferentes escalas, as áreas de maior acessibilidade urbana, assim como,
aqueles de menor acessibilidade: as áreas segregadas espacialmente.
Após o levantamento e análise dos dados referentes às quatro questões abordadas,
tratou-se de cruzar as informações. Nesse cruzamento foi fundamental para a visualização dos
fenômenos espaciais, assim como sua compreensão, a inserção dos dados obtidos num
Sistema de Informações Georreferenciadas – SIG. Dessa forma, pôde-se ampliar a abordagem
do fenômeno da segregação sócio-espacial a partir de sua relação com a forma urbana.
O CONDOMÍNIO FECHADO E O NOVO PADRÃO DE SEGREGAÇÃO
Caldeira (2003) chama atenção da segregação – tanto social quanto espacial – como
uma característica importante das cidades. Para ela:
[...] As regras que organizam o espaço urbano são basicamente
padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras variam
cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida
pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no
espaço da cidade. (CALDEIRA, 2003: 211)
A autora destaca três formas diferentes de expressão da segregação social no espaço
urbano de São Paulo ao longo do século XX: a) a cidade concentrada – se estende do final do
século XIX até os anos de 1940, onde diferentes grupos sociais se comprimiam numa área
urbana pequena, estando segregados por tipos de moradia; b) a cidade dispersa (padrão
centro-periferia) – predominou durante os anos de 1940 a 1980, onde os grupos sociais
estavam separados por grandes distâncias: as classes médias e altas concentravam-se nos
bairros centrais com boa infra-estrutura, e os pobres, nas precárias e distantes periferias; e c) a
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cidade fragmentada ou cidade de muros – vem se sobrepondo ao padrão centro-periferia
desde os anos 80. É marcado pelo abandono das áreas centrais das classes de maior poder
aquisitivo em direção à periferia, aumentando a proximidade entre ricos e pobres, contudo
separados por muros e tecnologias de segurança, apresentando como principal instrumento os
“enclaves fortificados” que:
Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para
residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o
medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que
estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os
pobres, os “marginalizados” e os sem-teto. (CALDEIRA, 2003: 211)
A LOCALIZAÇÃO DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS EM NATAL-RN
Os muros que privatizam ruas e “evitam” uma sociabilidade “indesejada” de outros
grupos que não aqueles que escolheram, por motivos quaisquer, essa forma espacial
fragmentada, já não são uma novidade na cidade do Natal. Neste estudo, foram selecionados,
em dissertações de mestrado (SILVA, 2004 e TAVARES 2009), condomínios residências
horizontais reconhecidamente vistos como primeira residência de segmentos da classe alta.
Na seleção levou-se em conta: a relação entre a área ocupada pelo condomínio e o número de
lotes, sendo privilegiados aqueles que apresentam uma relação acima de 500,00 m2 por lote,
embora saiba-se que dentro desta área estão inclusos outros tipos de uso como por exemplo o
lazer. Também tomou-se como critério a presença de áreas de lazer, assim como uma maior
complexidade da trama viária, não sendo considerado aqueles condomínios que apresentam,
apenas, uma única via de acesso aos lotes os compõem.
O Condomínio Vila Rica, localizado na Avenida Romualdo Galvão e construído em
1989 pela construtora Montana S/A, foi o primeiro condomínio residencial horizontal da
cidade. Esse condomínio, localizado no bairro Lagoa Nova, apresenta apenas uma rua de
acesso às doze unidades habitacionais que o compõe, não havendo área de lazer. (SILVA,
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2004) Os grandes condomínios horizontais destinados às camadas de maior renda,
apresentando áreas de lazer e uma malha viária mais complexa, só foram construídos a partir
da década de 1990. A localização desses condomínios, inicialmente, remete as franjas de
bairros elitizados da Zona Sul, embora limite-se com bairros populares da Zona Oeste. Dessa
forma o primeiro grande condomínio horizontal da cidade foi o Green Village lançado pela
FBF empreendimentos Ltda., em 1995, ocupando uma área de 146.416 m² dividida em 95
lotes. Em 1997, na mesma área, a empresa FBF Empreendimentos Ltda. lançou outro
condomínio chamado Green Woods, ocupando uma área de 91.689 m², dividida em 146
unidades. O terceiro condomínio horizontal de Natal, construído pela Ecocil em 1999, foi o
West Park Boulevard. Apresenta 232 lotes em uma área de 197.237 m² que se estende por
dois bairros da cidade (Candelária e parte de Cidade da Esperança). (TAVARES, 2004).
Aproveitando o sucesso de venda dos primeiros grandes condomínios horizontais e, ainda, as
áreas que restaram próximas a eles, foram construídos outros condomínios de menor porte a
destacar: Green Fields, Barra Green (ambos glebas que restaram do loteamento Green Park
que deu origem ao já comentados Green Village e Green Woods) e, por fim, o West Side
Boulevard (área estreita compreendida entre o West Park e os condomínios do loteamento
Green Park). (TAVARES, 2009)
No bairro Ponta Negra, também localizado na Zona Sul, foi lançado em 2002 seu
primeiro condomínio horizontal chamado Ponta Negra Boulevard pela Ecocil. Esse
empreendimento possui uma área de 126.000 m² que foi loteada em 169 unidades. Ainda
nesse bairro, a Ecocil construiu, em 2008, outro condomínio chamado Flora Boulevard,
ocupando uma área de 149.832 m², dividida em 184 lotes. Em 2009 mais um empreendimento
foi lançado em Ponta Negra, dessa vez pela empresa Econgel: o Condomínio Vila dos Lagos.
Esse empreendimento possui uma área de 106, 541 m² que foi loteada em 133 lotes. Merece
destaque a lagoa que compõe sua área de lazer. (TAVARES, 2009) Lançado em 2004, no
bairro Neópolis, Zona Sul, o condomínio Porto Boulevard, mais um empreendimento da
Ecocil, ocupa uma área de aproximadamente 62,041m², se apresenta dividido em 109 lotes.
(TAVARES, 2009)
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Em resumo, verifica-se em Natal assim como em outras cidades, uma proliferação de
condomínios fechados horizontais residenciais. (Ver Figura 01) Da amostra levantada,
observa-se que tais condomínios localizam-se na Zona Sul da cidade estando parte deles
numa área que limita-se com a Zona Oeste e uma outra parte, limitando-se com o município
de Parnamirim-RN, por onde têm surgido outros condomínios desta natureza como é o caso
do Alphaville, Buena Vista e a Cidade do bosques. (complexo de condomínios fechados
lançados pela empresa Capuche)
Encaminhamento do centro morfológico
A noção de centro adotada aqui pouco tem haver com a noção geométrica de um ponto
eqüidistante do perímetro de uma forma, e sim com a noção topológica que diz respeito às
relações de conexão entre os elementos que formam a “estrutura” da malha urbana. Entendese por estrutura “um todo constituído de elementos que se relacionam entre si de tal forma
que a alteração de um elemento ou de uma relação altera os demais elementos e todas as
demais relações.” (BASTIDE, 1971) Por sua vez, a forma urbana compreendida como o
domínio público da cidade, incluindo os elementos arquitetônicos que ajudam a defini-la, é
representada por um arranjo linear - obtido traçando-se sobre a malha viária, o menor número
dos maiores eixos. Aplicativos computacionais elaborados estritamente para tal fim,
constroem uma matriz de conexões, atribuindo valores de integração para cada eixo, onde a
acessibilidade é função de sua posição em relação ao sistema como um todo. (HILLIER,
1996)
Sobre o conceito de integração, Holanda (2002) diz que seu valor indica a menor ou
maior acessibilidade entre as várias partes de um determinado sistema. Dessa forma, para tais
sistemas, os valores de integração estão intrinsecamente ligados à ocorrência de rotas de
movimento. Fenômeno suficientemente sistemático para Hillier (1996) definir as cidades
como economias de movimento. Para este autor, a malha urbana, através de sua influência no
movimento é a fonte fundamental da multifuncionalidade que dá vida as cidades. O conjunto
de eixos mais integrados constituem o chamado núcleo integrador ou centro morfológico que
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costuma coincidir como o centro ativo. Para uma melhor visualização do núcleo integrador,
os valores de integração são apresentados graficamente numa escala cromática que varia do
vermelho (maiores valores de acessibilidade) ao roxo (menores valores de acessibilidade).
Figura 01
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Sobre o encaminhamento do centro morfológico, numa análise espacial e de cunho
historicista sobre a estrutura urbana da cidade do Natal, Trigueiro (2006) identifica os
principais eixos e núcleos de integração conforme cada período analisado. Para autora, da
fundação da cidade, em 1599, até meados do século XIX, o centro ativo se dá em torno da
praça André de Albuquerque localizada no bairro Cidade Alta. Quadro este que só começa a
mudar com a ocupação da Ribeira ainda no século XIX, quando o centro se desloca para o
eixo de ligação entre os dois núcleos urbanos, hoje, a Avenida Junqueira Aires. A partir do
segundo quartel do século XX, com a ocupação do bairro Cidade Nova – área que
corresponde, atualmente, aos bairros Petrópolis e Tirol – iniciou-se um deslocamento
gradativo das vias de maior integração das imediações do centro antigo em direção a esta
nova área, com destaque para a Avenida Rio Branco, num primeiro momento e, em seguida,
para as Avenidas Prudente de Morais e Hermes da Fonseca que juntamente com a Avenida
Bernardo Vieira são, atualmente, os eixos de maior integração. Por fim a autora, conclui,
afirmando que as leis de configuração espacial tiveram, e continuam a ter, importante papel
na definição de uso, valor do solo, movimento de veículos e percepção urbana, exatamente
pelo fato das vias sabidamente mais movimentadas da cidade corresponderem, num mapa de
acessibilidade, aos eixos de maior integração. (TRIGUEIRO, 2006)
DISTRIBUIÇÃO ECONÔMICA DA POPULAÇÃO
A exemplo de Caldeira (2003), Villaça admite a coexistência de diferentes classes
sociais numa mesma área da cidade, porém ressalta que esta “proximidade” está condicionada
a “[...] uma determinada geografia, produzida pela classe dominante, e com a qual essa exerce
sua dominação através do espaço urbano”. (VILLAÇA, 2001: 360)
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Sobre a descrição dessa geografia, Villaça argumenta que: 1) a tendência à
concentração numa determinada região geral ou conjuntos de bairros das camadas de alta
renda não implica, necessariamente, no impedimento da presença, nem do crescimento de
outras classes no mesmo espaço, ainda assim, fica caracterizada uma tendência e, portanto, o
processo de segregação. 2) Sobre o padrão concentrado, Villaça observa que se o principal
motivo da segregação fosse a busca por posição social, status, proteção dos valores
imobiliários, ou proximidades a “iguais”, bastaria haver, segundo ele, a segregação por
bairros ocupados pelas camadas de alta renda espalhados aleatoriamente por toda a cidade.
Isto, complementa o autor, não ocorre. O que ocorre é a concentração destes bairros numa
determinada região da metrópole. A explicação para tal fato está, na referida forma ser a única
possível da elite exercer sua dominação, entendida por Villaça (2001: 328), como sendo: “[...]
o processo segundo o qual a classe dominante comanda a apropriação diferenciada dos
frutos, das vantagens e dos recursos do espaço urbano.”
Mas do que realmente trata essa dominação por parte da classe dominante através do
espaço descrita por Villaça? O autor se refere à ocupação por parte das camadas de alta renda
das melhores localizações, onde a acessibilidade “[...] é o valor de uso mais importante para
a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha em maior ou menor grau”. (VILLAÇA,
2001: 74) Aqui, não fica claro por parte do autor o que são e quais são as “melhores
localizações”? Outra importante questão a cerca do padrão de segregação é que a ocupação
das camadas de alta renda “[...] tende a se realizar segundo setores de círculos [...]”.
(VILLAÇA, 2001: 153) Para ele, a essência do sentido radial é a necessidade de se manter o
acesso ao centro de comércio e serviços da cidade.
Se observarmos a distribuição da população segundo à renda e considerando o centro
histórico (bairros Cidade Alta e Ribeira) ou, ainda, o centro ativo de comércio e serviços
(bairros Petrópolis e Tirol), percebemos o encaminhamento do setor de círculo a que se refere
Villaça, nascendo a partir desses centros e se desenvolvendo em direção à Zona
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Administrativa Sul, englobando os bairros ocupados pelas camadas de alta renda da cidade.
(Ver Figura 01)
ACESSIBILIDADE URBANA
Como os valores de integração de determinados sistemas correlacionam-se,
consistentemente, com variáveis de naturezas diversas, sobretudo, aquelas relacionadas a
padrões de movimento e uso do solo, e como, há, aparentemente, uma relação de apropriação
pelas camadas de alta renda das áreas mais acessíveis do sistema, resolveu-se, aqui, testar essa
correlação. A questão que se coloca é: será que esse padrão concentrado e radial de
segregação (setor de círculo) apresenta uma relação mais estreita com a estrutura da forma
urbana da cidade do Natal? Em outras palavras, os bairros ocupados pelas camadas de maior
renda são aqueles de maior acessibilidade?
Para responder essa questão e avançar no entendimento do processo de segregação
sócio-espacial, trazendo a forma urbana para o centro da análise, foi preciso inicialmente
calcular as médias dos valores de integração por Zona Administrativa e por bairros. Dessa
forma, os valores de todos os eixos que cruzam ou delimitam as Zonas assim como os bairros,
foram tomadas no cálculo da sua referida média. O resultado, para as Zonas Administrativas,
aponta a Zona Leste (0,83) como a área de maior acessibilidade, seguida da Zona Oeste
(0,80), Zona Sul (0,77) e, por fim, a Zona Norte (0,68). No que diz respeito aos bairros,
verifica-se uma a formação de uma área de grande acessibilidade constituída pelos bairros:
Lagoa Seca (1,00), Dix-Sept Rosado (0,99), Petrópolis (0,98), Tirol (0,97) e Lagoa Nova
(0,97). Essa área compreende grande parte da Zona Leste transbordando para a Zona Oeste,
assim como para a Zona Sul. (Ver Figura 02) Destaca-se o bairro Lagoa Seca, localizado na
Zona Leste, como o bairro de maior integração. Em seguida, destaca-se os bairros: Quintas
(0,96), Nossa Senhora do Nazaré (0,96), Nova Descoberta (0,94), Bom Pastor (0,93), Barro
Vermelho (0,91) e Areia Preta (0,91). Esse segundo bloco de bairros com suas respectivas
médias de integração, reafirma a grande acessibilidade de alguns bairros da Zona Oeste.
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Com relação às médias de baixa integração, ou seja, os bairros mais segregados
espacialmente, destaca-se os bairros localizados na Zona Norte: Lagoa Azul (0,59), Pajuçara
(0,61) e Redinha (0,63). Assim como, alguns bairros da Zona Oeste: Guarapes (0,47),
Planalto (0,61). Embora a Zona Oeste apresente acessibilidade maior que a Zona Sul, as
médias dos valores de integração entre seus bairros apresentam grandes disparidades, ao
ponto do bairro Guarapes apresentar a menor média de integração, enquanto Dix-Sept Rosado
(0,99) é o segundo com maior média. (Ver Figura 02) Terminada a fase de cálculos dos
valores de acessibilidade é possível verificar a relação da forma urbana no que diz respeito à
acessibilidade urbana, com a distribuição econômica da população baseada na renda média
mensal por bairros.
A FORMA DA SEGREGAÇÃO
Este item tem como objetivo cruzar as informações e análises feitas nos itens
anteriores como forma de compreender o fenômeno da segregação sócio-espacial na cidade
do Natal sob um ponto de vista mais amplo. No que se refere a este ponto de vista, é
fundamental a visualização espacial dos fenômenos analisados a partir da sobreposição dos
diferentes dados de modo que se optou pela utilização de um Sistema de Informações
Georreferenciadas – SIG.
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Figura 02
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De acordo com os dados analisados, o padrão da localização dos condomínios
fechados horizontais residenciais de alto padrão na cidade do Natal se caracteriza pela
concentração na Zona Administrativa Sul. Uma parte deles encontra-se no bairro Candelária,
numa porção que se limita com a Zona Administrativa Oeste, mais especificamente, com o
bairro Cidade Esperança. A outra parte localiza-se nos bairros Ponta Negra e Neópolis –
bairros periféricos que se limitam com o município de Parnamirim-RN – município da Região
Metropolitana de Natal que tem absorvido o transbordamento dessa forma espacial de uso
residencial. Esse padrão restringe, no caso da cidade do Natal, a afirmação de que o “novo”
padrão de segregação se baseia na saída das camadas de alta renda dos bairros centrais e
tradicionais para a periferia, uma vez que não se trata de toda a periferia, mas sim de uma área
específica desta periferia localizada na Zona Administrativa Sul.
O cruzamento da localização dos condomínios com a distribuição da renda média
mensal da população nos mostra que a área ocupada pelos condomínios trata-se da periferia
restrita ao setor de círculo que parte do bairro Petrópolis, abrigando os bairros ocupados pelas
camadas de alta renda da cidade, estendendo-se em direção a Zona Sul. (Ver Figura 01) O
fenômeno dos condomínios fechados além de não ocupar toda a periferia, mas, apenas, uma
parte dela, restringe-se ao setor de círculo, reforçando a ocupação de uma área específica da
cidade pelas camadas de alta renda.
Essa ocupação não se restringe a escala intra-urbana, transbordando em direção ao
município vizinho, Parnamirim-RN, com a construção de inúmeros condomínios fechados.
Neste sentido, o transbordamento dessa ocupação acarreta uma série de implicações para a
Região Metropolitana de Natal – RMN que vai desde o aumento na demanda por infraestrutura, degradação ambiental ao agravamento do processo de segregação social.
Sobre a correlação da forma urbana, no que diz respeito à acessibilidade urbana, com
a distribuição econômica da população referente às faixas de renda média mensal por bairros,
verifica-se que a forma urbana não é alheia ao processo de segregação. Muito pelo contrário,
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há uma forte correlação estabelecida entre a estrutura social e a configuração espacial. Essa
relação pode ser observada de forma consistente quando selecionamos os bairros com
integração igual ou superior a 0.9 e rendimento igual ou superior a 9 salários mínimos, ou
seja, bairros com alta acessibilidade urbana que são ocupados pelas camadas de alta renda,
são eles: Petrópolis, Tirol, Areia Preta, Barro Vermelho, Lagoa Seca e Lagoa Nova. Em outra
seleção, desta vez usando como atributos os bairros com integração menor ou igual a 0.8 e
rendimento menor ou igual a 7 salários mínimos, verificamos, como resultado: toda a Zona
Norte, com exceção do bairro Igapó; os bairros Santos Reis, Rocas e Mãe Luiza, na Zona
Leste; e os bairros Felipe Camarão, Guarapes e Planalto, na Zona Oeste.
Tal fato, não implica dizer que os bairros de baixa renda tenham, necessariamente,
baixa acessibilidade urbana, assim como, não é correto afirmar que todos os bairros ocupados
por uma população de alto poder aquisitivo tenham, obrigatoriamente, uma média alta de
integração. Por exemplo, a porção da Zona Oeste que possui alta acessibilidade formada pelos
bairros: Dix-Sept Rosado (0,99), Quintas (0,96), Nossa Senhora do Nazaré (0,96) e Bom
Pastor (0,93), apresentam, respectivamente, renda média mensal igual a: 3,5; 2,93; 5,16; 2,23
salários mínimos. Por outro lado, Capim Macio e Ponta Negra, bairros da Zona Sul,
apresentam alta renda média mensal, respectivamente: 16,22 e 9,43 salários mínimos e,
médias de integração menores do que os bairros citados da Zona Oeste, respectivamente:
0,85; 0,64.
A questão é mais complexa e exige um estudo mais apurado do real papel da forma
urbana no processo de segregação sócio-espacial. A relação existe, porém não pode ser
tomada a ferro e fogo. A porção da Zona Oeste (Zona localizada fora do setor de círculo onde
se concentram as camadas de alta renda) que possui alta integração juntamente com o bairro
Alecrim da Zona Leste parecem absorver as franjas do núcleo integrador do sistema como um
todo e, nesse sentido, parece se confirmar a máxima que sustenta a teoria da Lógica Social do
Espaço (Hillier, 1996) de que os valores de integração correlacionam-se, consistentemente,
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com padrões de movimento e uso do solo, uma vez que tais bairros são reconhecidamente de
grande movimento, apresentando um comercio de caráter popular ativo na cidade.
Retornando à questão dos condomínios, os bairros onde estes se localizam (Zona
Administrativa Sul), apresentam valores medianos e baixos de integração o que nos leva a
pensar, inicialmente, que as camadas de alta renda ao ocupar esses bairros teriam aberto mão
da acessibilidade dos bairros centrais e tradicionais em razão de outras questões. No entanto,
se observarmos: 1) o encaminhamento do centro morfológico em direção à Zona Sul,
bombeado vitalidade pelas artérias Hermes da Fonseca/Salgado Filho e Prudente de Morais
com seu prolongamento e 2) Embora a Zona Sul apresente um menor potencial de integração
em relação à Zona Oeste por exemplo, ela apresenta mais homogeneidade interna em termos
de acessibilidade entre os seus bairros; verificamos que o possível abandono da acessibilidade
pelas camadas de alta renda não parece consistente.
Uma explicação plausível que se contrapõe ao possível abandono da acessibilidade
urbana por parte das camadas de alta renda é a ocupação de áreas de baixa acessibilidade na
periferia urbana – porém restrita ao setor de círculo – para onde é atraído o núcleo de
integração e por onde tem se concentrado de forma maciça a atuação do setor imobiliário
formal. A ocupação e mobilidade das camadas de alta renda é um poderoso fator estruturante
do espaço urbano das cidades brasileiras. Essa ocupação e mobilidade são viabilizadas pelo
setor imobiliário formal que encontra no processo de transformar áreas de baixa
acessibilidade em áreas de alta acessibilidade um negócio bastante lucrativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segregação entendida como um processo que apresenta implicações na
estruturação do espaço urbano da cidade do Natal deve ser compreendida desde seus
momentos iniciais. Na implantação do seu núcleo urbano, um dos lados – divididos pelo rio
Potengi – é privilegiado, enquanto o outro, sofre até hoje as consequencias desta escolha em
termos de acessibilidade e de como se deu o encaminhamento do centro morfológico, que
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privilegiou, ao longo de sua formação, as Zonas Leste e Sul com uma notável apropriação de
suas franjas por alguns bairros da Zona Oeste ocupados por uma população de baixa renda.
Esse processo de segregação assume a forma de um setor de círculo – cone que
apresenta como vértice o bairro de Petrópolis, desenvolvendo-se em direção à Zona Sul – que
concentra os bairros ocupados pelas camadas de alta renda e seus condomínios fechados
horizontais residenciais. O estudo da forma urbana revela: 1) uma estreita relação entre a
estrutura social e configuração espacial, marcada pela apropriação por parte das camadas de
alta renda das áreas de grande acessibilidade do sistema; 2) nas partes do sistema onde a
relação apontada parece inconsistente, o encaminhamento do centro morfológico atraído em
direção a estas áreas – periféricas, com baixa acessibilidade e ocupadas pelas camadas de alta
renda – ratifica a relação de apropriação pelas camadas de alta renda das áreas de alta
acessibilidade urbana.
Essa ocupação não se restringe a escala intra-urbana. O setor de círculo descrito pela
ocupação no espaço urbano por parte das camadas de alta renda, transborda em direção ao
município vizinho, Parnamirim-RN, com a construção de inúmeros condomínios fechados,
acarretando uma série de implicações para a Região Metropolitana de Natal – RMN.
Portanto, a análise morfológica em curso nos sugere que o processo de segregação na
cidade do Natal pode ser explicado pela apropriação por parte das camadas de alta renda das
áreas de maior acessibilidade do sistema. Essa apropriação se dá pela ocupação de áreas com
altos valores de integração e, ainda, pela atração do núcleo integrador para “novas áreas” na
periferia urbana ocupadas pelas camadas de alta renda. Isto explica o fato de alguns bairros
ocupados por estas camadas de alta renda ainda não possuírem altos valores de integração,
mas que com a atração do núcleo de integração são áreas de grande acessibilidade urbana em
potencial.
Número de ISBN: 978-85-61693-03-9
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REFERÊNCIAS
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Natal-RN, 2004, Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal
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Ângela Lúcia de Araújo, OLIVEIRA, Giovana Paiva de. (Org.). Natal: intervenções
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VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP:
Lincoln Intitute, 2001.
Número de ISBN: 978-85-61693-03-9
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