não-arbitrariedade na sintaxe e no discurso: um estudo - PLE

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NÃO-ARBITRARIEDADE NA SINTAXE E NO DISCURSO: UM
ESTUDO DA FUNÇÃO PRAGMÁTICA TÓPICO E DE SUAS
REALIZAÇÕES SINTÁTICA E SEMÂNTICA
Aline Almeida INHOTI (G-UEM)
Juliano Desiderato ANTONIO (UEM)
ISBN: 978-85-99680-05-6
REFERÊNCIA:
INHOTI, Aline Almeida; ANTONIO, Juliano
Desiderato. Não-arbitrariedade na sintaxe e no
discurso: um estudo da função pragmática tópico e
de suas realizações sintática e semântica. In: CELLI
– COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,
2009, p. 1125-1141.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A discussão a respeito da relação entre expressão e conteúdo remonta da
Antigüidade Clássica, quando convencionalistas e naturalistas debatiam a respeito das
motivações das palavras. Para os primeiros, tudo na língua é fruto de convenção social,
ao passo que, para os últimos, há uma relação natural entre a expressão e aquilo que ela
designa (NEVES, 1987; FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003).
Ao estabelecer os parâmetros epistemológicos que permitiriam o
estabelecimento da Lingüística enquanto ciência, Ferdinand de Saussure adotou a
posição dos convencionalistas, afirmando que o signo lingüístico é arbitrário
(SAUSSURE, 1989).
Essa posição, no entanto, é questionada por alguns filósofos e pelas teorias do
paradigma lingüístico funcionalista. O filósofo Charles Peirce, por exemplo, discorda da
idéia de total arbitrariedade do signo. Para ele, as regras convencionais são fruto da
interação de princípios icônicos com princípios simbólicos (1940).
Os funcionalistas, por sua vez, defendem que “a língua não é um mapeamento
arbitrário de idéias para enunciados: razões estritamente humanas de importância e
complexidade refletem-se nos traços estruturais das línguas” (FURTADO DA CUNHA;
COSTA; CEZARIO, 2003, p. 34). Assim, pode-se dizer que o funcionalismo defende o
princípio da iconicidade, ou seja, defende que há alguma relação entre expressão e
conteúdo e que a língua pode refletir, de alguma forma, a estrutura da experiência.
Neste trabalho, pretende-se, a partir do quadro teórico-metodológico do
funcionalismo, realizar um levantamento de manifestações lingüísticas da não-
1125
arbitrariedade lingüísica na sintaxe e no discurso. O corpus de análise será constituído
de textos orais de diversos gêneros, tais como narrativas e elocuções formais. A partir
desse levantamento, será possível efetuar pesquisas mais específicas sobre os
mecanismos encontrados, o que permitirá uma descrição mais acurada de fenômenos
lingüísticos nos níveis da sintaxe e do discurso.
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
2.1 O funcionalismo
A perspectiva teórica deste trabalho se baseia no Funcionalismo, corrente
lingüística que concebe a língua como instrumento de comunicação e que considera a
importância do contexto lingüístico, da situação extralingüística, dos fatores
pragmático-discursivos para a análise da língua (MARTELOTTA; AREAS, 2003:23).
Historicamente, foi Saussure, com o estruturalismo, quem fundamentou as
divergências entre estrutura e função. Saussure tomou como objeto de estudo a langue,
retirando de suas investigações qualquer tipo de influência pragmático-discursiva
sofrida pela língua. Assim, os estudos lingüísticos podem ser divididos em duas grandes
correntes (MARTELOTTA; AREAS, 2003):
i) pólo formalista: a análise tem como objeto a forma lingüística e o uso de
dispositivos formais;
ii) pólo funcionalista: a análise tem como objeto a função que a forma lingüística
desempenha no ato comunicativo, ou seja, o papel que a linguagem exerce na vida dos
indivíduos.
O funcionalismo contrapõe ao formalismo em diversos aspectos. Os formalistas
consideram a língua um objeto, formal, abstrato, com a função de expressar o
pensamento. O funcionalismo, por sua vez, vê a língua como objeto de interação social,
com a função de comunicação entre os usuários.
A corrente formalista interpreta a língua como um conjunto de estruturas
(sintaxe como base, organização em torno da frase e as prioridades vão da sintaxe para a
pragmática, via semântica), entre as quais podem ser estabelecidas relações regulares.
Por outro lado, o funcionalismo interpreta a língua como uma relação de estruturas
(semântica como base, organização em torno do texto ou do discurso e as prioridades
vão da pragmática para a sintaxe, via semântica), com ênfase nas variações entre línguas
diferentes.
Para um funcionalista, a lâmina do machado tem a forma que tem porque está
destinada à tarefa de cortar madeira: a lâmina em forma de cunha secciona e
separa as fibras da madeira. (...) Um formalista, por outro lado, vai dizer que
a função da lâmina do machado é que é determinada por sua forma: é
justamente por ter a forma de cunha que o machado serve para cortar
madeira. (BORGES, 1995).
O quadro a seguir resume as principais diferenças entre o funcionalismo e o
formalismo:
CORRENTE
LÍNGUA
ESTRUTURA GRAMATICAL
Funcionalismo Maleável,
objeto
de É
determinada
por
pressões
comunicação
extralingüísticas
Formalismo
Estática, autônoma
Independe do uso
1126
Foi a partir de 1970 que tal bipartição ganhou destaque e o funcionalismo se
tornou rótulo para trabalhos de lingüistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e
Talmy Givón. Observa-se, então, que essa vertente não trata a língua como objeto
autônomo, com um caráter abstrato e estático, mas sim como uma “estrutura maleável,
sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas que ajudam a
determinar sua estrutura gramatical” (MARTELOTTA, 2003, p. 20). Segundo NEVES
(1997, p. 12), “a pluralidade funcional se constrói claramente na estrutura lingüística e
forma a base de sua organização semântica e simbólica, ou seja, lexical e gramatical”.
Ademais, tal corrente lingüística analisa a estrutura gramatical, levando em
conta a situação comunicativa, ou seja, o propósito do ato de fala, seus participantes e
seu contexto discursivo. Cada item observável desempenha uma função específica no
discurso, o que proporciona estabilidade e ordem interdependentes.
Uma característica marcante do funcionalismo é a consideração de como a
intenção comunicativa do falante motiva suas escolhas gramaticais para a realização de
determinadas funções (MARTELOTTA, 2003, p. 22). Para Dik (1989), “o principal
interesse da lingüística funcionalista está nos processos relacionados ao êxito dos
falantes se comunicarem por meio de expressões lingüísticas”.
A lingüística funcional americana tem questionado alguns dos pressupostos
básicos do formalismo. O primeiro seria a arbitrariedade do signo lingüístico, princípio
saussuriano que aponta a não-correlação entre o significante e o significado. O
funcionalismo questiona a forma categórica como esse princípio é colocado, uma vez
que o falante, não “inventa arbitrariamente novas seqüências de sons”. Motivações
semânticas, morfológicas e fonéticas refletem algum tipo de relação não-arbitrária, ou
melhor, icônica. Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) apresentam também alguns
subprincípios para o princípio da iconicidade:
 Subprincípio da quantidade: quanto maior a quantidade de informação, maior a
quantidade de forma. Esse subprincípio também prevê que a complexidade do
pensamento tende a se refletir na complexidade da expressão. Assim aquilo que é
mais simples e mais previsível é expresso com menor complexidade gramatical. A
previsibilidade de um tópico em uma oração, por exemplo, permite que um referente
seja recuperado por elipse. Por outro lado, relações lógico-semânticas complexas
tendem a ser codificadas em períodos com predominância de hipotaxe.
 Subprincípio da integração: conteúdos que estão mais próximos cognitivamente
também estarão mais integrados na codificação lingüística, ou seja, aquilo que está
mentalmente junto é colocado lingüisticamente junto. A categoria de aspecto verbal,
por exemplo, é a que mais integrada ao morfema lexical.
 Subprincípio da ordenação linear: a informação mais importante tende a ocupar o
primeiro lugar da cadeia sintática, ou seja, a ordem dos elementos no enunciado
tende a revelar a sua ordem de importância para o falante. Em geral, o falante parte
da informação que ele supõe ser conhecida de seu interlocutor e, a partir daí,
acrescenta informações novas. Assim, o tópico tende a trazer informação dada (ou
velha), e a predicação tende a trazer informação nova.
O segundo questionamento diz respeito à distinção entre língua e fala. Saussure
estabelece um parâmetro do que é geral e do que é acidental, cabendo a fala esse último
papel, assim como os gerativistas estabelecem a distinção entre competência e
performance. As duas vertentes, por serem formalistas, priorizam a língua (homogênea)
ou a competência (idealizada) em detrimento da fala (heterogênea, real). A lingüística
funcional corrobora-se no discurso individual, compreendendo-o como “gerador do
1127
sistema lingüístico” (MARTELOTTA, 2003). Dessa maneira, fica impossibilitada a
separação entre língua e fala, já que a fala inicia o sistema lingüístico, o qual
fundamenta o discurso.
O terceiro e último questionamento da lingüística funcional americana é em
relação à dicotomia sincronia/diacronia. A não vinculação dos pontos de vista
sincrônico e diacrônico, característica estruturalista (saussuriana), é rejeitada pelo
funcionalismo, que leva em conta, por exemplo, a mudança lingüística de um item
lexical que passa a ter características gramaticais, em um processo chamado
gramaticalização. Assim, a manutenção de certas categorias ao longo do tempo só pode
ser estudada a partir de um ponto de vista pancrônico, que não separe os itens de agora
dos itens que faziam parte do sistema lingüístico tempos atrás, uma vez que a língua
hoje é composta por categorias e por elementos cujo uso foi cristalizado ao longo do
tempo.
disseminada do Funcionalismo, ao visarem certa relação e permanência de alguns.
Ao contrário do formalismo, que se preocupa apenas com a competência
lingüística do falante, a gramática funcional considera a competência comunicativa, que
é a capacidade de “usar e interpretar expressões de uma maneira interacionalmente
satisfatória” (NEVES, 1997). Em suma, a competência comunicativa é a capacidade que
o falante tem de usar as regras do discurso específico da comunidade na qual se insere.
Por meio da competência comunicativa, o indivíduo é capaz de adequar a língua à
situação extralingüística. O conceito de competência é, portanto, distinto nas visões
formalista e funcionalista: na primeira, é a capacidade de produzir, interpretar e julgar
orações; em contrapartida, na segunda, competência é a capacidade de interação social.
Uma gramática funcional deve refletir, de algum modo, a dicotomia entre
produção e compreensão. Aquela é construída e estabelecida por falantes nas suas
expressões lingüísticas e a última tem a ver com como esses falantes interpretam e
processam tais expressões. A sintaxe está intimamente relacionada e deve ser analisada
de acordo com a pragmática e a semântica.
Dik (1989) aborda o homem sendo mais que um animal lingüístico e, segundo
ele, no processo comunicativo, existem funções humanas mais elevadas do que
simplesmente a função lingüística. Ainda segundo Dik, as regras gramaticais são
instrumento e propósito das regras pragmáticas. Logo, “o que se propõe, afinal, é que a
teoria da gramática constitui um subcomponente integrado da teoria do usuário da
língua natural”. Relacionada com a capacidade lingüística do falante, Dik (1989) escala
outras capacidades que atuam com a competência comunicativa:
 capacidade epistêmica: o usuário de uma língua natural é capaz de utilizar um
conhecimento organizado e reutilizá-lo em outras situações comunicativas;
 capacidade lógica: o usuário tem a capacidade de introduzir diversos conhecimentos
a partir de regras já estabelecidas, por métodos dedutivos e probabilísticos;
 capacidade perceptual:o usuário é capaz de perceber e derivar, em seu meio,
conhecimento para produzir e interpretar expressões lingüísticas;
 capacidade social: o usuário sabe o que dizer e como dizer em uma situação
comunicativa, com sua intencionalidade particular.
2.2 A iconicidade
A visão funcionalista a respeito das motivações não é inocente a ponto de
defender que a forma lingüística reflete de forma direta, transparente e biunívoca
1128
(isomorfismo) princípios extragramaticais. Além disso, os funcionalistas têm
consciência de que ainda não conhecem toda a lista de fatores motivadores. Para Dik,
em vez disso, uma visão não simplista da “explicação funcional” deverá levar em conta
que a organização de uma língua natural é uma solução para um problema complexo, o
“espaço de solução” que é circunscrito por uma série de princípios motivados
funcionalmente que interagem e contra-interagem. Uma língua natural, portanto, pode
ser vista como um conjunto de possíveis soluções para um problema complexo: atingir a
comunicação entre os seres humanos (1986, p. 18) (tradução nossa).
Croft (1995) apresenta duas razões para considerar que elementos arbitrários,
estáveis e convencionalizados em um sistema lingüístico são motivados
funcionalmente: (i) a rotinização psicológica de construções gramaticais pode ser
atribuída a fatores relacionados com a eficiência da comunicação; (ii) a convenção tem
um papel importante na criação e na manutenção de laços sociais sinalizados por meio
da língua.
Segundo Butler (2003), há fatores de pressão sobre a língua que ajudam a dar
forma às expressões lingüísticas. Alguns desses fatores são apresentados a seguir:
 Necessidade de transferência eficiente de informação: quando nos comunicamos,
fazemos mais do que simplesmente transmitir informação. Halliday (1985) fala das
funções ideacional e interpessoal da linguagem. A primeira diz respeito à
organização e incorporação, na língua, pelo falante, das experiências dos fenômenos
do mundo real. A segunda compreende o estabelecimento e a manutenção dos papéis
sociais na participação em um evento de fala. Os primeiros padrões sistemáticos
encontrados na linguagem das crianças, por exemplo, envolve esse lado interpessoal.
A criança utiliza a língua para conseguir que as pessoas façam o que elas querem e
lhes dêem aquilo de que elas precisam.
 Meio de transmissão / recepção das mensagens: para Dik (1986), existem restrições
em vários níveis para a transmissão e recepção de mensagens. Há restrições do canal
vocal-auditivo que levam o falante / ouvinte a selecionar formas que dêem maior
facilidade e economia de articulação. Também há restrições cognitivas que
favorecem a escolha de estruturas que facilitem o processamento cognitivo. Como
exemplo de restrição cognitiva, Dik (1986) cita a hipótese por ele chamada LIPOC
(Language-Independent Preferred Order of Constituents – Ordem preferida de
constituintes independente da língua), no nível sintático. De acordo com essa
hipótese, os constituintes são ordenados na frase de acordo com sua complexidade,
do menos complexo para o mais complexo. Assim, não havendo outros fatores,
constituintes mais complexos tendem a ficar no final da oração.
 Não-arbitrariedade: de acordo com esse princípio, há algum grau de similaridade
entre a forma e o conteúdo das expressões lingüísticas. Alguns exemplos da nãoarbitrariedade são citados por Butler (2003):
 reduplicação de material lingüístico para indicar pluralidade, repetição ou
intensidade, como, por exemplo, em línguas nas quais o plural não é marcado
por uma desinência específica, mas pela reduplicação de uma porção do
radical;
 a complexidade formal reflete a complexidade semântica, como os períodos
nos quais predomina a hipotaxe, em que se estabelece maior número de
relações lógico-semânticas;
1129
 a ordem dos constituintes espelha a ordem temporal ou psicológica, como no
enunciado “Fui de Maringá para São Paulo”, que segue a ordem icônica
origem  destino;
 a coesão formal entre itens paraleliza sua coesão semântica;
 o grau de explicitude da expressão lingüística está relacionado com o grau de
previsibilidade de seu referente.
 Contexto sócio-cultural: as relações entre falante / ouvinte ou entre escritor / leitor
são baseadas fortemente em relações culturais. Em línguas como o inglês e o
português, por exemplo, um ato de fala indireto, por ser mais longo do que um ato
de fala direto, espelha a distância entre falante e ouvinte, assinalizando maior
polidez. A iconicidade é um aspecto importante na assinalização modal da polidez.
 Mudança lingüística: esse é um dos principais fatores da motivação das relações
entre forma e função, pois enfatiza o efeito das pressões funcionais em competição
sobre o desenvolvimento das línguas. Um exemplo disso é a influência do
processamento em tempo real da língua, que deixou sua marca nas gramáticas, na
questão da ordenação linear. Em línguas VO, segundo Dik (1986), constituintes
mais complexos tendem a ocorrer à direita do verbo.
Newmayer (1998, apud BUTLER, 2003), um formalista, ao fazer uma revisão
crítica da visão funcionalista sobre iconicidade, apresenta uma subcategorização
interessante dos tipos de iconicidade:
 Iconicidade de distância: a idéia de distância lingüística entre dois itens reflete a
distância conceitual correspondente. Dessa forma, a distância entre duas expressões
será maior para assinalizar possessão inalienável do que para assinalizar possessão
alienável.
 Iconicidade de independência: há correlação entre a separação lingüística de uma
expressão e a independência do conceito representado por aquela expressão. Assim,
nomes incorporados morfologicamente em outras palavras têm menor possibilidade
de terem referência independente e de serem focalizadas ou receberem estresse
entonacional.
 Iconicidade de ordem: tendência da ordem dos morfemas ou palavras refletirem as
relações lógicas em que seus referentes estão envolvidos. É o caso, por exemplo, de
uma oração como “Vim, vi e venci”, ou da narração de filmes, em que geralmente se
segue a seqüência de ações apresentadas no vídeo.
 Iconicidade de complexidade: relação entre complexidade lingüística e
complexidade conceitual. Trata-se do caso, por exemplo, em que elementos são
reduplicados para indicar pluralidade.
 Iconicidade de categorização: conceitos que são realizados pela mesma categoria
gramatical tendem a ter similaridades cognitivas. No nível sintático, por exemplo,
sujeitos tendem a ser agentes no nível semântico, e objetos, no nível sintático,
tendem a ser pacientes, no nível semântico.
Pressupõe-se que, havendo algum grau de relação entre os elementos lingüísticos
e os conceitos que eles representam, o processamento da língua se torna mais fácil, o
que permite maior economia de material lingüístico. Acredita-se que a economia, por
sua vez, esteja relacionada à freqüência de ocorrência, ou seja, a maior freqüência de
ocorrência de uma forma tende a promover mudanças nessa forma, de maneira que ela
se torne mais econômica, ou ainda pode “tirar de circulação” outras formas de dizer a
mesma coisa.
Segundo Martelotta e Areas (2003), o princípio da iconicidade auxilia o
1130
princípio da economia, uma vez que não criamos palavras completamente novas para
novos conceitos. Para Ullmann, existe uma tendência para se utilizar material já
existente na língua, de três formas:
(a) por meio da motivação semântica: estende-se o sentido de palavras já existentes,
como em “pé da mesa” e “coração da cidade”, em que há relação com o sentido
original das palavras;
(b) por meio da motivação morfológica: criam-se novas palavras por derivação,
composição, etc. É o caso de palavras como “carteiro” e “guarda-roupas”;
(c) por meio de motivação fonética: o som da palavra imita a coisa designada, como
em tilintar, cocorocó, etc.
3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O corpus da pesquisa foi formado por quatro gêneros de textos: elocuções
formais, textos científicos, narrativas orais e narrativas escritas. As elocuções formais
foram gravadas durante a apresentação de trabalhos de alunos do curso de graduação em
Letras da Universidade Estadual do Paraná (UEM), com autorização prévia solicitada.
Os textos escritos foram os trabalhos sobre os quais os graduandos de Letras falaram em
suas elocuções formais gravadas. Já as narrativas orais e as narrativas escritas foram
coletadas a partir da exibição de um vídeo mudo, cuja seqüência de cenas fosse
suficiente para a compreensão do enredo. Optou-se por um filme mudo para se evitar
que houvesse influência das falas do narrador ou de personagens sobre a maneira como
os informantes formulariam lingüisticamente a história.
O vídeo escolhido foi “O pavão misterioso”, que se baseia em uma história do
folclore nordestino de mesmo nome e que tem como personagens bonecos que
representam seres humanos. Logo após assistirem ao filme, os informantes contaram a
história oralmente, que foi gravada em fitas K-7. Em seguida, solicitou-se que a história
fosse contada por escrito. Durante a redação, não foi permitido aos informantes ouvir a
fita que haviam gravado, para que não houvesse influência do oral sobre o escrito.
Tanto as elocuções formais quanto as narrativas orais foram transcritas com base
nas normas de transcrição alfabética do projeto NURC com algumas adaptações. Os
textos escritos e as narrativas escritas, por sua vez, foram reproduzidos da mesma
maneira que entregues pelos informantes, sem qualquer forma de correção.
A quantificação dos dados referentes à combinação de orações foi feita com o
apoio da ferramenta computacional Systemic Coder, versão 4.5, desenvolvida pelo
lingüista canadense Mick O’ Donnel e disponível para download no site
www.wagsoft.com. O programa permite ao usuário criar uma rede sistêmica hierárquica
de traços lingüísticos de modo a facilitar a codificação de dados. O usuário primeiro
realiza a segmentação e, em seguida, cada seguimento é apresentado individualmente na
tela do computador para que os traços pertinentes a ele possam ser codificados. Por
último, os dados obtidos são apresentados estatisticamente.
O esquema sistêmico criado para a análise dos dados deste trabalho apresenta
um número muito grande de subdivisões, motivo pelo qual é impossível a sua
representação em apenas uma página. Por isso, os sistemas e os subsistemas serão
apresentados individualmente.
No primeiro nível da hierarquia encontra-se o sistema tipo de oração, no qual
foram considerados os tipos de oração independente, paratática, hipotática e encaixada.
Embora se reconheça que não existem orações independentes do contexto em que estão
1131
inseridas, este rótulo está sendo utilizado para as orações que não fazem parte de um
complexo oracional (HALLIDAY, 1985). Uma vez selecionado o tipo de oração a que
pertence o segmento em questão, passa-se aos traços específicos de cada tipo de oração.
Seis subsistemas são comuns às orações paratáticas e às orações hipotáticas. São
eles subtipo de oração, identidade do sujeito, identidade do tópico, tipo de sujeito
quanto à manifestação, manifestação da oração e tipo de juntivo.
No subsistema subtipo de oração, as orações paratáticas são subdivididas em
aditivas, adversativas e alternativas. As orações hipotáticas são subdivididas em
temporais, causais, condicionais, concessivas, finais, comparativas, consecutivas,
conformativas, proporcionais, modais.
O subsistema identidade do sujeito, no caso das orações paratáticas, tem por
finalidade verificar se o sujeito da oração analisada é o mesmo da cadeia na qual a
oração está inserida. No caso das orações hipotáticas, verifica-se se o sujeito da oração
hipotática é o mesmo da oração-núcleo.
De forma semelhante, o subsistema identidade do tópico, no caso das orações
paratáticas, tem por finalidade verificar se o tópico da oração analisada é o mesmo da
cadeia na qual a oração esta inserida. No caso das orações hipotáticas, verifica-se se o
tópico da oração hipotática é o mesmo da oração-núcleo.
No subsistema tipo de sujeito quanto à manifestação, verifica-se a realização
morfológica do sujeito, que pode ser lexical, pronominal, elíptico ou oracional.
O subsistema manifestação da oração tem por função investigar a realização
morfológica do verbo da oração analisada, ou seja, se é uma forma verbal finita ou nãofinita. Sendo a oração não-finita (reduzida), por meio do subsistema forma verbal
verifica-se se a oração é reduzida de gerúndio, de infinitivo ou de particípio.
O subsistema tipo de juntivo tem por finalidade verificar, em cada tipo de
oração, quais os juntivos empregados pelos informantes. Foram incluídas, nesse
subsistema, opções de codificação para as orações que não apresentam juntivos. No
caso das orações paratáticas, além da possibilidade da forma não-finita do verbo, as
orações podem estar justapostas ou a oração analisada pode ser a primeira de uma
cadeia de orações e, por isso, não apresentar juntivo. No caso das orações hipotáticas, a
forma não-finita do verbo pode explicar o não-emprego do juntivo.
Outros três subsistemas são aplicados apenas às orações hipotáticas: tipo de
oração-núcleo, ordem da oração hipotática em relação à oração-núcleo e estatuto
informacional da oração hipotática.
No subsistema tipo de oração-núcleo, procura-se verificar que tipo de oração
funciona como núcleo da oração hipotática: oração independente, oração paratática,
oração hipotática, oração encaixada. Quando uma oração hipotática tem como oraçãonúcleo uma outra oração hipotática ou uma oração encaixada, há uma maior
complexidade no interior do complexo oracional, uma vez que a oração-núcleo também
já está ligada a outra oração.
O subsistema ordem da oração hipotática em relação à oração-núcleo tem por
função verificar a posição em que a oração hipotática ocorre: anteposta, posposta ou
intercalada. Como aponta Givón (1990; 1993), as orações hipotáticas podem apresentar
funções pragmáticas diferentes, de acordo com a posição que assumem em relação à
oração-núcleo.
O subsistema estatuto informacional da oração hipotática trata de um
importante parâmetro pragmático no estudo funcional da língua: o estado de ativação da
informação.
1132
Os três estados de ativação apontados por Chafe (1980; 1985; 1987; 1988; 1992;
1994) – ativo, semi-ativo e inativo – não se aplicam a todos os elementos de uma
unidade de entoação, mas aos sintagmas nominais, sintagmas verbais e sintagmas
adjetivos que codificam as idéias - chamadas por ele de conceitos - que as pessoas têm
sobre objetos, eventos, propriedades, etc.
Um conceito ativo é o que está no foco de consciência do falante e que este julga
estar também ativo para o ouvinte. Geralmente é verbalizado com pouca proeminência
tônica e vem representado por pronominalização ou zero. A expressão conceito ativo
corresponderia, na terminologia tradicionalmente utilizada, à expressão informação
dada.
Um conceito semi-ativo, por sua vez, é o que está na consciência periférica do
falante, que tem um conhecimento prévio dele, mas não o está focalizando diretamente.
Um conceito pode tornar-se semi-ativo de duas formas. Primeiramente, quando um
conceito está ativo e depois sai do foco de consciência da pessoa, ele não vai direto para
o estado inativo; durante algum tempo, ainda permanece no estado semi-ativo. Esse é o
caso de conceitos já mencionados em um determinado ponto do discurso, que só irão
para o estado inativo se não forem mencionados novamente. A outra forma são os
esquemas e frames. Quando se evoca um esquema ou um frame, tudo que está
relacionado a ele entra no estado semi-ativo. Os conceitos semi-ativos representam uma
nova categoria na antiga oposição informação nova x informação dada. A expressão
informação acessível pode ser utilizada para designar os conceitos semi-ativos.
Um conceito inativo é um conceito que está na memória de longo termo da
pessoa, mas que não está sendo focalizado diretamente, nem está semi-ativo por ter sido
mencionado anteriormente no discurso ou poder ser evocado por um esquema. Para ser
ativado, um conceito inativo exige mais esforço cognitivo do que um conceito semiativo, o que acaba ocasionando as pausas entre as unidades de entoação. Na
terminologia tradicional, a expressão conceito inativo corresponde à expressão
informação nova.
Uma dificuldade encontrada na aplicação da proposta de Chafe, que tem
embasamento cognitivista, diz respeito ao fato de que quem analisa um texto não pode
“entrar na cabeça” dos interlocutores para julgar o que está ativo, semi-ativo ou inativo.
Mas uma outra proposta tem encontrado bastante respaldo no meio funcionalista. Tratase do tratamento dado por Prince (1981) à questão do fluxo de informação. Embora
utilize uma taxonomia diferente para denominar o estatuto informacional, como pode
ser observado na figura 3.1, no modelo de Prince, a definição do estatuto informacional
das entidades do discurso é feita textualmente, ou seja, um elemento será considerado
novo quando for mencionado pela primeira vez no texto, será considerado evocado
quando for retomado, e será considerado inferível quando fizer parte de um modelo
cognitivo como um frame ou um esquema.
1133
Figura 3.1 – Diagrama da taxonomia de Prince
Neste trabalho, quando se tratar de estatuto informacional, a definição será feita
textualmente, como no modelo de Prince, mas será mantida a terminologia mais
difundida – informação nova, informação dada, informação acessível -, uma vez que,
para os propósitos deste trabalho, não haverá necessidade de um refinamento tão grande
como o proposto por Prince.
Por último, o subsistema matriz da oração encaixada procura investigar a que
tipo de oração serve como matriz da oração encaixada: oração independente, oração
paratática, oração hipotática, oração encaixada. Se a oração-matriz for uma oração
hipotática ou outra oração encaixada, há uma maior complexidade no interior do
complexo oracional, uma vez que a oração-matriz também está ligada a outra oração.
4 ANÁLISE DOS DADOS
4.1 Identidade do sujeito e manifestação morfológica
Nesta seção do trabalho, serão apresentados os resultados relativos à relação
entre a identidade do sujeito e a manifestação morfológica do sujeito. Primeiramente,
serão analisadas a manutenção de um mesmo sujeito em uma cadeia de orações
paratáticas e a mudança de sujeito em uma cadeia de orações paratáticas. Em seguida,
analisar-se-á a identidade de sujeito entre oração-núcleo e oração hipotática. A análise
levará em conta o gênero do texto (narrativa, elocução formal e texto acadêmico) e
modalidade língua (modalidade oral e modalidade escrita).
4.1.1 Orações paratáticas
A observação dos dados apresentados nos quadros 1 e 2 permite a comparação
do tipo de manifestação morfológica do sujeito de orações paratáticas em narrativas, em
elocuções formais e em textos acadêmicos, nas modalidades de língua oral e escrita.
Quadro 1 - Identidade de sujeito vs. tipo de sujeito quanto à manifestação morfológica
nas orações paratáticas - NARRATIVAS
mesmo
sujeito
primeira
sujeito
diferente
menção
N/total % N/total
%
N/total
%
Ensino
oral
lexical
11/359 3% 50/121 41%
22/25
88%
Superior
pronominal 83/359 23% 64/121 53%
2/25
8%
1134
elíptico
265/359 74% 6/121
5%
1/25
4%
oracional
1/121
1%
escrita lexical
17/238 7% 47/93 51%
22/24
92%
pronominal 30/238 13% 40/93 43%
1/24
4%
elíptico
191/238 80% 5/93
5%
1/24
4%
oracional
1/93
1%
Quadro 2 - Identidade de sujeito vs. tipo de sujeito quanto à manifestação morfológica
nas orações paratáticas – ELOCUÇÕES FORMAIS E TEXTOS ACADÊMICOS
mesmo
sujeito
primeira
sujeito
diferente
menção
N/total % N/total % N/total %
Ensino
Eloc. Formais lexical
12/301 4% 86/95 91% 35/35 100%
Superior
pronominal 220/301 73% 8/95
8%
elíptico
69/301 23% 1/95
1%
oracional
Textos
lexical
13/257 5% 316/343 92% 7/8
88%
acadêmicos
pronominal 50/257 19% 3/343 1%
elíptico
194/257 75% 5/343 1%
1/8
13%
oracional
19/343 6%
Em primeiro lugar, observa-se que, em se tratando da manutenção do mesmo
sujeito em uma cadeia, tanto nas narrativas quanto nas elocuções formais e nos textos
acadêmicos, há uma freqüência muito baixa de ocorrência de SNs lexicais (de 3% a
7%). Isso se explica pelo subprincípio da quantidade (cf. item 2), segundo o qual aquilo
que é mais simples e mais previsível é expresso com menor complexidade gramatical.
Pode-se depreender disso que o contrário também é verdadeiro, ou seja, aquilo que não
é previsível (informação nova) é expresso com maior quantidade de material lingüístico,
isto é, por meio lexical (FURTADO DA CUNHA, COSTA E CEZARIO, 2003) e não
por meio pronominal ou por meio de elipse. O princípio da não-arbitrariedade
(BUTLER, 2003) também reforça esse argumento, uma vez que, de acordo com esse
princípio, o grau de explicitude da expressão lingüística está relacionado com o grau de
previsibilidade de seu referente. Dessa forma, justifica-se a preferência dos informantes
pelos SNs pronominais e pelos SNs elípticos para a manutenção de um mesmo sujeito
em uma cadeia de orações subseqüentes, como pode ser observado nos exemplos 1 e 2 a
seguir, retirados de elocuções formais do corpus.
Exemplo 1
1 .... bom ... a fala .. como nós vemos,
2 .. ela apresenta algumas variações,
3 .. que:: pode ser HISTÓRICA,
4 .. ou seja .. éh:: nós .. éh analisarmos um falante de hoje com um de dez anos atrás,
5 .. ela pode ser .. SOCIAL,
6 .. em detrimento:: .. ah:: .. o sexo a escolaridade etc,
7 .. ela poder GEOGRÁFICA,
8 .. em relação ao lugar onde a pessoa mora,
9 .. determinadas regiões as falas são diferentes,
10 .. e ela pode ser ESTILÍSTICA,
11 .. que:: .. seria .. o estilo formal e informal de uma pessoa .. falar da maneira que ela
fala
Observa-se, no exemplo 1, que o tópico “variações” é introduzido na unidade 2
1135
como objeto do verbo “apresentar”. Na unidade 3, esse tópico é sujeito da oração e
retomado pelo pronome relativo “que”. Nas unidades 5, 7 e 10, é retomado por meio do
pronome pessoal “ela”.
Exemplo 2
1 ... e como metodologia .. nós coletamos .. éh .. dados sobre a teoria do dialeto caipira
.. sob a ótica da lingüística,
2 .. nós entrevistamos .. um falante do dialeto caipira,
3 .. analisamos a música moda da pinga,
4 .. e .. por fim construímos o artigo.
No exemplo 2, o sujeito que aparece nas duas primeiras unidades na forma
pronominal “nós” é retomado nas unidades 3 e 4 por meio de elipse.
Ainda um dado interessante observado nos quadros 1 e 2 é o fato de que os
informantes utilizam com maior freqüência, na manutenção do sujeito de uma cadeia de
orações paratáticas, SNs elípticos nas narrativas orais (74%), nas narrativas escritas
(80%) e nos textos acadêmicos (75%). Nas elocuções formais, a maior freqüência de
ocorrência é de SNs pronominais (73%). A explicação para isso está relacionada às
condições de produção dos textos. Como se tratava da apresentação oral de um trabalho
científico perante a uma platéia, os informantes constantemente relatavam suas
descobertas, suas opções teórico-metodológicas por meio de processos verbais cujo
sujeito era o pronome “nós” ou a expressão “a gente”. Das 220 ocorrências de SNs
pronominais na manutenção de um mesmo sujeito em uma cadeia de orações
paratáticas, 116 tinham como sujeito “nós” ou “a gente”.
A mudança de sujeito em uma cadeia de orações paratáticas, por sua vez,
apresenta diferenças entre as narrativas e as elocuções formais e os textos acadêmicos.
Nas narrativas, os informantes utilizam preferencialmente SNs lexicais e SNs
pronominais para essa finalidade. Na modalidade oral, 41% das ocorrências são de SNs
lexicais e 53% das ocorrências são de SNs pronominais, ao passo que, na escrita, 51%
das ocorrências são de SNs lexicais e 43% das ocorrências são de SNs pronominais. A
freqüência de SNs elípticos utilizados na mudança de sujeito em uma cadeia de orações
paratáticas é de apenas 5% tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita.
Embora a freqüência seja baixa, deve-se ressaltar que o interlocutor do texto pode
perceber a mudança de sujeito em uma seqüência de orações paratáticas desde que as
desinências número-pessoais das orações em que há mudança de sujeito sejam
diferentes, como no exemplo 3 a seguir, encontrado em uma narrativa oral do corpus.
Exemplo 3
1 ........ ele a rapta pela janela do quarto,
2 e saem voando felizes pela cidade,
Na unidade 1, os pronomes “ele” e “a” indicam a existência de um personagem
do sexo masculino e de um personagem do sexo feminino. Na oração seguinte da
cadeia, o sujeito é elíptico e a mudança de sujeito é marcada pela desinência númeropessoal do verbo “sair”, que indica terceira pessoal do plural, remetendo ao dois
personagens mencionados na unidade 1. Como essa informação já é conhecida pelo
interlocutor, o falante pode “empacotá-la” dessa forma, ou seja, pode remeter a esses
dois personagens por meio de elipse e marcar essa referência por meio da desinência
número-pessoal do verbo.
Nas elocuções formais e nos textos acadêmicos, a grande maioria das mudanças
de sujeito em uma cadeia de orações paratáticas é realizada por meio de SNs lexicais
(91% na modalidade oral – elocuções formais e 92% na modalidade escrita – textos
1136
acadêmicos). A explicação para isso talvez esteja relacionada à classe semântica dos
referentes. No filme utilizado para obtenção das narrativas do corpus, há predominância
de personagens humanos de ambos os sexos e há poucos elementos inanimados. Isso
favorece a mudança para um sujeito cujo referente é masculino por meio do pronome
“ele”, assim como a mudança para um sujeito do sexo feminino por meio do pronome
“ela”. É o que pode ser observado no exemplo 4 a seguir, retirado de uma narrativa oral
do corpus.
Exemplo 4
1 ... foi quando ele encontrou ... com uma moça que estava caminhando também.
2 ... parou na frente dela,
3 ... flertou-a,
4 ... e ela também fez o mesmo.
Na primeira unidade do exemplo, o sujeito é codificado morfologicamente por
meio do pronome “ele”. Nas unidades 2 e 3, esse sujeito é retomado por elipse. Na
unidade 4, a mudança de sujeito é marcada pelo pronome “ela”.
Ao contrário do que geralmente ocorre nas narrativas do corpus, nas elocuções
formais e nos textos acadêmicos, os informantes abordam temas abstratos como, por
exemplo, preconceito lingüístico, problemas de letramento, incorporação de novas
palavras ao léxico do português etc, favorecendo a ocorrência mais alta de SNs lexicais,
como pode ser observado no exemplo 5, encontrado em um trabalho acadêmico do
corpus.
Exemplo 5
... e, cada grupo se caracteriza por experiências sociais diversas e essas diferenças vão
refletir-se na forma de cada um deles se expressar.
A primeira oração do exemplo 5 tem como sujeito o SN lexical “cada grupo”. A
oração seguinte da cadeia, por sua vez, tem como sujeito o SN lexical “essas
diferenças”.
Por fim, a primeira menção de um sujeito é feita primordialmente por meio de
SN lexical. Se a informação é desconhecida do interlocutor, o melhor meio para
introduzi-la no texto é por meio de uma entidade lexical, o que justifica a freqüência de
ocorrência, que vai de 88% a 100%. Novamente, recorre-se ao princípio da nãoarbitrariedade (BUTLER, 2003) para se explicar esses dados. Se o grau de explicitude
da expressão lingüística está relacionado com o grau de previsibilidade de seu referente,
pode-se afirmar que a introdução de informação nova, que é pouco previsível, deve ser
feita da maneira mais explícita possível para que o interlocutor possa interpretá-la, e a
maneira mais explícita de se fazer isso é por meio de um SN lexical.
4.1.2 Orações hipotáticas
Por meio dos quadros 3 e 4, pode-se comparar o tipo de manifestação
morfológica do sujeito de orações hipotáticas em narrativas, em elocuções formais e em
textos acadêmicos, nas modalidades de língua oral e escrita.
Quadro 3 - Identidade de sujeito vs. tipo de sujeito quanto à manifestação morfológica
nas orações hipotáticas - NARRATIVAS
mesmo
sujeito
primeira
sujeito
diferente
menção
N/total % N/total
%
N/total
%
Ensino
oral
lexical
11/359 3% 50/121 41%
22/25
88%
1137
Superior
pronominal 83/359 23% 64/121 53%
2/25
8%
elíptico
265/359 74% 6/121
5%
1/25
4%
oracional
1/121
1%
escrita lexical
17/238 7% 47/93 51%
22/24
92%
pronominal 30/238 13% 40/93 43%
1/24
4%
elíptico
191/238 80% 5/93
5%
1/24
4%
oracional
1/1118 1%
Quadro 4 - Identidade de sujeito vs. tipo de sujeito quanto à manifestação morfológica
nas orações hipotáticas – ELOCUÇÕES FORMAIS E TEXTOS ACADÊMICOS
mesmo
sujeito
primeira
sujeito
diferente
menção
N/total % N/total %
N/total %
Ensino
Eloc. Formais lexical
2/80
3% 31/53 58%
Superior
pronominal 41/80 51% 16/53 30%
elíptico
37/80 46% 5/53
9%
oracional
1/53
2%
Textos
lexical
5/146 3% 76/88 86%
acadêmicos
pronominal 17/146 12%
elíptico
124/146 85% 4/88
5%
oracional
6/88
7%
Primeiramente, observa-se uma baixa freqüência de ocorrência de SNs lexicais
na função de sujeito quando a oração hipotática adverbial tem o mesmo sujeito da
oração-núcleo. Essa freqüência vai de 3% a 7%. Novamente, retoma-se o subprincípio
da quantidade (cf. item 2), segundo o qual aquilo que é mais simples e mais previsível é
expresso com menor complexidade gramatical, o que explica a maior freqüência de
SNs pronominais e SNs elípticos quando a oração hipotática adverbial e a oração-núcleo
têm o mesmo sujeito, como nos exemplos 7 e 8 a seguir, encontrados em elocuções
formais.
Exemplo 7
1 .. esse projeto desconsidera a questão de que existem indígenas,
2 .. já que ele diz que a língua brasileira é homogênea,
Exemplo 8
.. verificar se a pronúncia padrão éh:: da língua inglesa continua quando é transferida
para um falante de língua portuguesa.
No exemplo 7, o tópico “esse projeto”, que funciona como sujeito da unidade 1,
é retomado na unidade 2 por meio do pronome “ele”, uma vez que é tratado como
informação velha pelo falante. O mesmo ocorre no exemplo 8, em que o tópico
“pronúncia padrão da língua inglesa” da oração-núcleo é retomado na oração hipotática
adverbial temporal por meio de elipse.
Assim como acontece na manutenção de um mesmo sujeito em uma cadeia de
orações paratáticas, os informantes utilizam com maior freqüência, quando se mantém o
mesmo sujeito na oração-núcleo e na oração hipotática, SNs elípticos nas narrativas
orais (74%), nas narrativas escritas (80%) e nos textos acadêmicos (85%). Nas
elocuções formais, a maior freqüência de ocorrência é de SNs pronominais (51%).
Novamente, recorre-se às condições de produção dos textos para a explicação desse
fato. As referências feitas pelos informantes às suas descobertas, opções teóricometodológicas etc eram feitas por meio de processos verbais cujo sujeito era o pronome
“nós” ou a expressão “a gente”. Das 41 ocorrências de SNs pronominais quando há
1138
identidade entre sujeito da oração-núcleo e sujeito da oração hipotática, 13 têm como
sujeito “nós” ou “a gente”.
Quando o sujeito da oração hipotática adverbial é diferente do sujeito da oraçãonúcleo, observa-se que, nas narrativas, os SNs pronominais são muito utilizados como
sujeito da oração hipotática. Nas narrativas orais, a freqüência é de 53% e, nas
narrativas escritas, a freqüência é de 43%. Por outro lado, nas elocuções formais e nos
textos acadêmicos, predominam os SNs lexicais como sujeito da oração hipotática
quando o sujeito da oração-núcleo é diferente. A freqüência é de 58% nas elocuções
formais e de 86% nos textos acadêmicos. Novamente, recorre-se à classe semântica dos
referentes para a explicação desses dados. Nas narrativas, predominam os personagens
humanos. Assim, a referência a esses personagens pode ser feita facilmente por meio de
pronomes pessoais e esse parecer ser um recurso bastante utilizado pelos informantes
que participaram da pesquisa quando o sujeito da oração adverbial é diferente do sujeito
da oração-núcleo, como é o caso do exemplo 9, em que o sujeito da oração-núcleo é
“ele” (unidades 1-3), e o sujeito da oração hipotática é “eles” (unidade 4). Nas
elocuções formais, por sua vez, o tratamento de temas abstratos parece não favorecer o
uso desse tipo de recurso.
Exemplo 9
1 ... aí .. ele pegou,
2 ... e::,
3 ... pegou e foi buscar ela,
4 .. pra eles fugir.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalhou procurou retomar a antiga discussão a respeito da relação entre
expressão e conteúdo. Por meio do arcabouço teórico do funcionalismo, investigou-se
uma manifestação lingüística da não-arbitrariedade na sintaxe e no discurso, realizandose um levantamento da relação entre grau de explicitude e realização morfológica de
sintagmas nominais na função pragmática tópico e da correlação entre sujeito (entidade
sintática) – agente (entidade semântica) – tópico (entidade pragmática).
A análise dos dados obtidos a partir de um corpus formado por narrativas orais,
narrativas escritas, elocuções formais e textos científicos permitiu a confirmação do
princípio da não-arbitrariedade e do subprincípio da quantidade.
No que diz respeito ao princípio da não-arbitrariedade, observou-se que a
introdução de informação nova, que é pouco previsível, deve ser feita da maneira mais
explícita possível para que o interlocutor possa interpretá-la, e a maneira mais explícita
de se fazer isso é por meio de um SN lexical, o que justifica a alta freqüência de SNs
lexicais para a introdução de informação nova.
Em relação ao subprincípio da quantidade, segundo o qual aquilo que é mais
simples e mais previsível é expresso com menor complexidade gramatical, observou-se
a preferência dos informantes pelos SNs pronominais e pelos SNs elípticos para a
manutenção de um mesmo sujeito em uma cadeia de orações subseqüentes.
Também pôde ser observada no corpus uma diferença lingüística motivada pelas
diferenças nas condições de produção de cada tipo de texto. A mudança de sujeito em
uma cadeia de orações paratáticas e a não identidade entre sujeito da oração-núcleo e
sujeito da oração hipotática apresentam diferenças entre as narrativas e as elocuções
formais e os textos acadêmicos. Nas narrativas, os informantes utilizam
1139
preferencialmente SNs lexicais e SNs pronominais para essa finalidade. Nas elocuções
formais e nos textos acadêmicos, a grande maioria das mudanças de sujeito é realizada
por meio de SNs lexicais. A explicação para isso está relacionada à categoria semântica
dos referentes. Nas narrativas, há predominância de personagens humanos de ambos os
sexos e há poucos elementos inanimados, o que permite a retomada por meio de
pronomes que indiquem gêneros diferentes, por exemplo, ou por meio de desinências
verbais que indiquem pessoas diferentes do discurso. Por outro lado, nas elocuções
formais e nos textos acadêmicos, os informantes abordam temas abstratos, favorecendo
a ocorrência de SNs lexicais.
Pode-se pressupor, portanto, que há alguma relação entre expressão e conteúdo e
que a língua pode refletir, de alguma forma, a estrutura da experiência.
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