I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 Modelagem de Reservatórios em Zonas Tropicais: Parâmetros Brasileiros Carlos Ruberto Fragoso Júnior Doutorando em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Instituto de Pesquisas Hidráulicas/UFRGS, Av. Bento Gonçalves, 9500 – Setor 5 – Porto Alegre-RS – 91.501-970 – Fone: (51) 9318-1098 – [email protected] Resumo: Nos últimos 50 anos foram intensificadas as construções de reservatórios e mananciais artificiais no Brasil com objetivos diversos, tais como (a) regularizar a vazão do rio para abastecimento no período de estiagem; (b) produção de eletricidade (c) oportunidade de usos múltiplos como a geração de empregos e fortalecimento da economia local e regional. A alteração do regime natural de mananciais, submananciais e rios, produzida pela implementação de barragens, interferem significantemente os processos hidrológicos e ecológicos nestes ecossistemas. Uma estratégia bem conhecida que visa simplificar as interações e processos em reservatórios para obter entendimento sobre seu comportamento é a modelagem matemática. Esta técnica permite avaliar a reação do sistema frente a diferentes forçantes, auxiliando o gestor na tomada de decisões e no gerenciamento. No presente artigo foram discutidas as técnicas de modelagem que são atualmente aplicadas em reservatórios nas diferentes fases de implementação, bem como as suas limitações. Novas abordagens matemáticas que visam a integração entre a hidrologia e a ecologia são apresentadas. Além disso, foram propostas algumas medidas complementares de caráter interno, as quais permitem uma melhor avaliação na gestão integrada destes ecossistemas. Abstract: In the last 50 years the building of reservoirs and dams were intensified in Brazil with several aims, such as (a) to regulate the river outflow to supply water during the dry period, (b) hydropower generation (c) opportunity for multiple uses, jobs and growing up of local and regional economy. Changing the natural regime of the system by dam building has interfered significantly hydrological and ecological processes in these ecosystems. A wellknown strategy to simplify the interactions and processes on reservoirs to get understanding about their behavior is through modeling. This technique allows to evaluate system responses in front of different inputs, aiding the manager in both decision-making and management. In this article were discussed the modeling techniques that are currently applied in reservoirs at different stages of implementation, as well as its limitations. New mathematical approaches are presented, which seek to integrate different sciences as hydrology and ecology. Moreover, some were proposed supplementary measures of internal character, which allow a better assessment in the integrated management of these ecosystems. Palavras-chave: Modelagem; Reservatórios brasileiros; Gestão; Quantidade e qualidade da água. 1. Aspectos gerais Os reservatórios possuem diversos mecanismos específicos de funcionamento que sugerem o desenvolvimento de várias atividades e estudos para sua implementação. A maior parcela destes reservatórios são construídos com a finalidade de gerar energia e abastecimento, entretanto, eles têm sido utilizados com finalidades múltiplas, tais como pesca, irrigação, recreação e aqüicultura (UNEP-IETC, 2003). Por outro lado, a construção de I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 barragens está relacionada a um grande número de problemas associados, tais como eutrofização, sedimentação, toxicidade e veiculação de doenças (Tabela 1). Tabela 1 – Resumo dos múltiplos usos dos reservatórios brasileiros em confronto com os principais problemas apresentados por esses sistemas artificiais (Fonte: UNEP-IETC, 2003). Principais usos Hidroeletricidade Armazenamento da água para irrigação Armazenamento da água para abastecimento Aqüicultura (cultivo de peixes) Pesca extensiva Transporte Recreação Turismo Armazenamento de água para resfriamento Principais problemas Eutrofização Aumento da toxicidade e contaminação geral Sedimentação e rápida perda de capacidade de armazenamento Veiculação de doenças hidricamente transmissíveis Salinização (nordeste do Brasil, regiões semi-áridas) Hipolímnio anóxico e grandes impactos a jusante (em especial em reservatórios da Amazônia) Baixa diversidade íctea, quando comparada a dos rios Grande carga interna (nos eutróficos) e sedimentos tóxicos Grande crescimento de macrófitas aquáticas e cianobactétias associado à eutrofização e à perda de terra arável Relocação de pessoas A eutrofização das águas interiores de reservatórios é considerada um dos maiores problemas a nível mundial. Ela causa grandes impactos negativos ecológicos (e.g. floração de algas, crescimento de plantas aquáticas), de saúde (e.g. toxinas na água, tifo, cólera) e economia (e.g. redução do estoque pesqueiro, perda do valor paisagístico), mediante a deterioração dos recursos hídricos. Uma das principais razões para o crescente quadro de eutrofização em reservatórios é o aumento da carga de nutrientes nas águas interiores decorrente do desmatamento, desenvolvimento agrícola, industrial e urbanização nas bacias adjacentes. Os fatores dentro do lago que regulam os impactos gerados pelo aumento da carga de nutrientes incluem a estrutura da rede alimentar, trocas entre os sedimentos e a água, forma da bacia e os movimentos da água dentro do reservatório. Além disso, as condições climáticas e hidrológicas ajudam a minimizar ou acentuar os impactos da eutrofização (Bartram & Balance, 1996). A modelagem matemática em reservatórios é uma alternativa bastante disseminada para avaliar, principalmente, os padrões de circulação da água e cenários de impactos decorrentes da eutrofização. Esta avaliação, geralmente, faz parte do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que é realizado ainda na fase de planejamento do empreendimento junto com o monitoramento quanti-qualitativo da água. Os estudos de modelagem pertinentes a este projeto, geralmente, incluem: a) Identificação e previsão dos padrões de circulação da água; b) Determinação da capacidade de decomposição da biomassa inundada; c) Avaliação dos riscos de alteração do padrão de qualidade das águas superficiais na I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 área de influência do projeto; d) Avaliação dos riscos de eutrofização no reservatório; e) Avaliação dos riscos de ocorrência de problemas de erosão e assoreamento; f) Caracterização físico-química e bacteriológica dos recursos hídricos; g) Perspectivas para o uso múltiplo e regras de operações; h) Avaliação dos impactos na quantidade e qualidade da água à jusante da barragem. Na seqüência, serão discutidas as aproximações matemáticas que estão sendo atualmente empregadas nos estudos de um reservatório, bem como as suas limitações e suas capacidades de representação. Novas abordagens matemáticas que procuram uma melhor representação do sistema são apresentadas na seqüência. Além disso, foram propostas algumas medidas complementares de caráter interno, as quais permitem uma melhor avaliação destes impactos na gestão integrada destes ecossistemas. 2. Modelagem em reservatórios Tipos de modelos Com relação ao número de dimensões espaciais consideradas, os modelos de simulação de escoamentos e qualidade da água em reservatórios podem ser classificados da seguinte forma (Wrobel et al., 1989): a) Modelos de Balanço (dimensão zero) – são modelos matemáticos que não tem compromisso de representar os gradientes espaciais das variáveis hidrodinâmicas, químicas e biológicas (Chapra & Reckhow, 1983). Este tipo de modelo é aplicado em estudos de balanço de massa simplificados que serve para uma avaliação preliminar das condições de armazenamento e concentração de poluentes no reservatório; b) Modelos unidimensionais – são modelos que consideram os gradientes espaciais em uma direção, geralmente na direção vertical ou longitudinal. Os modelo longitudinais são aplicáveis para estudar variações do escoamento e concentrações ao longo do eixo do reservatório, desprezando a estratificação vertical que é marcante em reservatórios com grandes profundidades. O modelo unidimensional na vertical é aplicável onde a estratificação na coluna d’água de temperatura e concentração de poluentes necessita ser examinada; c) Modelos bidimensionais na vertical integrado lateralmente – simulam os fluxos e concentrações nas dimensões verticais e longitudinais do reservatório, desprezando as variações na transversal. Esta simplificação é aceitável em reservatórios bem encaixados no sentido longitudinal do rio e com grandes profundidades (Cole & Buchak, 1986); d) Modelos bidimensionais na horizontal integrado verticalmente – simulam os fluxos e concentrações nas dimensões longitudinais e transversais do reservatório. Eles permitem uma visualização das velocidades e concentrações no plano e despreza as variações verticais no perfil. Este modelo é incapaz de reproduzir estratificação vertical e pode ser útil quando existe uma significativa variação longitudinal das concentrações e das velocidades (Casulli, 1990); e) Modelos tridimensionais – são os modelos mais adequados conceitualmente para a simulação do escoamento e da qualidade da água, porém eles apresentam dificuldades práticas relacionadas à demanda de tempo computacional e ao número de parâmetros I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 para controlar (Blumberg and Mellor, 1987); Hidrodinâmica A dinâmica de circulação da água em reservatórios é um fenômeno tridimensional caracterizada por apresentar velocidades pequenas quando comparadas àquelas observadas em rios, estuários e lagos. Devido às baixas velocidades de escoamento, o fluxo na superfície livre induzido pela ação do vento tem um papel importante no escoamento e no transporte de poluentes. Operação das estruturas de descarga, bombeamento para abastecimento e irrigação, fluxos de entrada dos afluentes, precipitação e evaporação também são variáveis importantes a serem incluídas no balanço hídrico de um reservatório. Os modelos hidrodinâmicos são baseados nas equações Navier-Stokes que descrevem um escoamento tridimensional e dinâmico (Tucci, 1998). Eq. da continuidade: ∂η ∂[(h + η )u ] ∂[(h + η )v ] + + =0 ∂t ∂x ∂y (1) Eq. do momento: ∂u ∂u ∂u ∂u ∂η ∂ ∂u 2 +u +v +w = −g + ν + Ah ∇ u + fv ∂t ∂x ∂y ∂z ∂x ∂z ∂z ∂v ∂v ∂v ∂v ∂η ∂ ∂v + u + v + w = −g + ν + Ah ∇ 2 v − fu ∂t ∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂z (2) (3) ∂u ∂v ∂w + + =0 (4) ∂x ∂y ∂z onde u(x,y,z,t), v(x,y,z,t) e w(x,y,z,t) são as componentes da velocidade na direção horizontal x, y e vertical z; t é o tempo; η (x,y,t) é a elevação da superfície da água medida de um referencial conhecido; g é a aceleração da gravidade; h(x,y) é a profundidade da água medida r r de um referencial conhecido; ∇ = ∂ ∂x ⋅ i + ∂ ∂x ⋅ j é um operador vetorialno plano x-y; Ah e ν são os coeficientes de viscosidades turbulentas horizontal e vertical, respectivamente; f é o parâmetro de Coriolis. Dependendo do tipo de modelo escolhido, termos das equações acima podem ser simplificados. Em estudos de impacto ambiental de reservatórios é comum o uso de modelos bidimensionais integrados lateralmente, uma vez que a maior parte dos reservatórios brasileiros são bem encaixados no eixo longitudinal do rio, apresentando grande profundidade com dimensões verticais e longitudinais bem maiores do que as dimensões transversais. Entretanto, nem sempre esta aproximação é suficiente principalmente nos casos onde existe uma grande variabilidade das velocidades e das concentrações no sentido transversal do reservatório. Qualidade da água após inundação As condições de escoamento do sistema, em geral, determinam o tipo de estrutura computacional do modelo hidrodinâmico e do modelo de qualidade da água a ser utilizado. As condições químicas e biológicas das cargas de poluentes determinam o tipo de constituinte que deve ser simulado para melhor identificar o nível de qualidade da água do sistema. A equação do transporte de massa geral é tridimensional, podendo ser aplicada para a simulação I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 de cada variável de qualidade da água sujeita ao transporte por advecção e difusão. A expressão geral desta equação é a seguinte: ∂ (HC ) ∂ (uCH ) ∂ (vCH ) ∂ (wCH ) + + + = ∂t ∂x ∂y ∂x ∂ ∂ (HC ) ∂ ∂(HC ) ∂ ∂ (HC ) + K z Kx + K y +S ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z (5) onde C é a concentração do poluente; H=η + h é a profundidade total; Kx, Ky e Kz são os coeficientes de difusividade nas direções x, y e z, respectivamente e S é o termo de perdas e ganhos (Chapra, 1997). O nível de precisão dos resultados modelados estão ligados aos objetivos e ao nível do estudo. Em uma análise preliminar do problema, podem ser utilizados modelos mais simplificados, tais como os modelos concentrados que identificam problemas em macro-escala. Grande parte dos modelos de qualidade da água aplicados em reservatórios brasileiros representa apenas parte da variabilidade dos constituintes químicos e biológicos devido ao grande número de simplificações adotadas (e.g. relações matemáticas simplificadas para representação dos processos, falta de detalhamento para representar a ciclagem de nutrientes e variabilidades da fauna aquática e suas interações). Entretanto, poderia ser viável a utilização de modelos de qualidade da água mais complexos, os quais melhor detalham as interações e processos. Decomposição da biomassa inundada A decomposição de matas inundadas é um problema que afeta muitos reservatórios devido a dificuldade da remoção completa da mata natural em áreas que são inundadas depois do fechamento da barragem. Esta decomposição do material orgânico, contido na vegetação, produz uma carga adicional de nutrientes no reservatório que necessita ser absorvida pelo sistema. A modelagem da decomposição da biomassa inundada, primeiramente, consiste em determinar a fração inicial da carga orgânica (fitomassa) fixada no fundo de reservatório após a inundação referente às árvores, galhos, folhas e a parcela deste material que se decompõe, gerando uma transferência de nutrientes para a massa d’água. Esta fração inicial de matéria orgânica é incorporada no termos de perdas e ganhos na equação de transporte de massa dos poluentes e, desta forma, são simuladas as concentrações de nutrientes transferidas para a massa d’água na interface água-sedimento. Muitas são as simplificações adotadas neste tipo de estudo em reservatórios brasileiros. A maior parte dos modelos consideram que as taxas de decomposição da matéria orgânica são de 1ª ordem, enquanto a decomposição depende da composição e densidade de microorganismos no fundo do reservatório, bem como de outros fatores que afetam a taxa de mineralização dos compostos orgânicos (e.g. temperatura, pH, teores de O2 e de nutrientes no solo) e a qualidade do substrato (fração solúvel, nutrientes, lignina, polifenóis e as relações C/N, lignina/N e lignina + polifenóis/N) (Paul & Clark, 1996). Eutrofização O problema da eutrofização em reservatórios está relacionado ao crescimento acelerado da vegetação devido aos altos níveis de nutrientes na água, causando uma deterioração da qualidade hídrica do sistema. Em estudos de reservatórios, o estado trófico, geralmente, é avaliado através da concentração de fósforo e de nitrogênio. O nível de eutrofização nestes ecossistemas é medido através da disponibilidade de nutrientes, I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 principalmente fósforo e nitrogênio, os quais são fatores limitantes de produção primária (vegetação aquática). Porém, nem todo ambiente rico em nutrientes é produtivo em vegetação, uma vez que existem outros fatores que influenciam na taxa de produtividade (balanço entre as perdas e ganhos de biomassa), tais como, temperatura, radiação solar, turbidez, profundidade, etc. O fitoplâncton também é heterogeneamente distribuído dependendo da combinação ótimas de diversos fatores para o seu crescimento. Desta forma, caracterizar o estado trófico através da concentração de clorofila a ou da concentração de fitoplâncton como indicador biológico da eutrofização permite ampliar a avaliação, entretanto esta técnica é muitas vezes negligenciada nestes estudos. 3. Novas abordagens matemáticas em reservatórios Com o avanço computacional, as aproximações matemáticas complexas, que exigiam muito tempo de processamento, tornaram-se viáveis. Os modelos tridimensionais podem ser considerados as representações matemáticas que mais se aproximam da realidade, entretanto eles são pouco disseminados e aplicados em estudos de modelagem em reservatórios. Estes estudos poderiam explorar mais a capacidade de avaliação e predição destes modelos. Recentemente, novas abordagens matemáticas para o gerenciamento de reservatórios estão sendo desenvolvidas e aplicadas, as quais buscam a integração entre a hidrologia e a ecologia, duas ciências que por muito tempo caminharam em paralelo (Unesco, 1997). Antigamente, a hidrologia era utilizada apenas para o controle de eventos extremos e para garantir uma maior eficiência do uso dos recursos hídricos para fins múltiplos, utilizando muitos recursos da modelagem matemática. A ecologia de água doce tinha caráter apenas descritivo, com a finalidade de diagnosticar e identificar padrões através do monitoramento in situ de determinados constituintes químicos e biológicos da água os quais são indicadores da degradação do sistema, tais como a demanda bioquímica de oxigênio (DBO), oxigênio dissolvido, nitrato, amônia, fosfatos, coliformes, biomassa de plâncton, cobertura de macrófitas aquáticas e biomassa íctea. O progresso recente na área de hidrologia, no sentido de avaliar e prognosticar com mais precisão os processos quantitativos, impulsionou a construção de modelos matemáticos eco-hidrológicos complexos, os quais integram a hidrodinâmica com as variáveis de qualidade da água e biológicas, melhorando, assim, a capacidade preditiva de constituintes químicos da água e processos biológicos. Entretanto, poucas aproximações permitem este tipo de modelagem devido a complexidade de elaboração do modelo e pelo número de parâmetros envolvidos (Lord et al., 1994; Rajar and Cetina, 1997; Romero et al., 2004). Modelos eco-hidrológicos complexos aplicados a ecossistemas tropicais e subtropicais podem ser encontrados no Brasil como, por exemplo, o modelo IPH-ECO, sendo uma boa alternativa para avaliação de processos integrados em reservatórios. O modelo IPH-ECO é um sistema computacional for Windows desenvolvido no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), voltado especialmente para entendimento dos processos físicos, químicos e biológicos de corpos d’água rasos e profundos, tais como, lagos, reservatórios e estuários de uma maneira integradora. Este modelo possui um módulo hidrodinâmico acoplado com módulos de qualidade da água e biológico. As diferenças espaciais dentro do corpo d’água são levadas em conta, podendo até ser definida uma discretização tridimensional para o módulo hidrodinâmico e para os módulos de qualidade da água e biológico. Este modelo descreve as mais importantes interações hidrodinâmicas e abióticas, além dos principais processos biológicos, com a finalidade de auxiliar o entendimento comportamental de um determinado ecossistema aquático (Figura 1). Uma descrição detalhada pode ser encontrada em Fragoso Jr. (2007). I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 Radiação Solar Aves Pesca, aves reaeração Piscívoros predação O2 predação produção consumo Omnívoros habitat predação predação demanda - predação - cons. carga Planctívoros advecção cons. predação predação difusão Algas cons. Plantas Subm. Transparência + consumo Zooplâncton consumo Mat. Inorg. mortalidade consumo Minerização Detritos P,N,Si sedim./ resusp. sedim./ resusp. Zoobentos Mat. Inorg. Mort. cons. Mat. Org. sedim./ resusp. Algas consumo P,N,Si mineral. consumo adsorção Infiltração, denitrificação, deposição Figura 1 – Estrutura simplificada do modelo IPH-ECO. Os blocos em círculo duplo são modelados por compartimentos compostos por peso seco e nutrientes (P, N e Si). As setas sólidas representam os fluxos de massa e as setas tracejadas denotam relações empíricas (o sinal de menos indica uma influência negativa na transparência da água, caso contrário positiva) (Modificado de Janse, 2005). Modelos com estruturas conceituais mais detalhadas permitem avaliar problemas mais complexos, tais como os problemas encontrados em reservatórios que fazem parte de um plano de gestão para remediação e proteção de seus recursos hídricos. Dentre algumas problemáticas que poderiam ser analisadas por este tipo de aproximação, pode-se citar: a) Caracterização tridimensional da hidrodinâmica e da qualidade da água no reservatório; b) Detecção de modificações do fundo do reservatório com a finalidade de identificar a perda de capacidade de armazenamento ao longo do tempo; c) Determinação da disponibilidade sazonal de nutrientes na água e no sedimento que compreende o ciclo biogeoquímico dos principais constituintes químicos integrados com a hidrodinâmica; d) Avaliação de estados alternativos de estabilidade e determinação da resiliência do sistema frente cenários de aumento de cargas, uso do solo, operação de comportas, enchentes e estiagens; e) Modelagem do estado trófico do sistema considerando a variabilidade do fitoplâncton, zooplâncton, macro-invertebrados e peixes, levando em consideração o efeito da hidrodinâmica, heterogeneidade espacial e suas interações com as frações orgânicas e I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 inorgânicas na água e no sedimento; f) Identificar os fatores reguladores do metabolismo aquático no reservatório e sua influência sobre o fluxo de carbono; g) Impactos em corpos d’água a montante e a jusante do empreendimento; h) Avaliação mais detalhada dos impactos da biomassa inundada sobre os diversos mecanismos aquáticos. 4. Diretrizes para estudos de gerenciamento integrado de reservatórios Dentre a vasta gama de alternativas disponíveis atualmente, a modelagem ecohidrológica poderia ser uma boa ferramenta no combate à degradação destes ecossistemas. O emprego desta técnica proporcionaria uma visão mais realista dos verdadeiros impactos em reservatórios frente a cenários de uso do solo, urbanização, mudanças climáticas, eventos extremos, estiagem, etc. Além disso, estes modelos poderiam auxiliar o tomador de decisão a escolher as medidas de gerenciamento mais eficazes que seriam mais apropriadas e que trariam mais benefícios sócio-ambientais e econômicos. Sem o conhecimento da reação do ecossistema nos diferentes níveis tróficos, qualquer medida de ação pode ter um efeito indesejável ou, até mesmo, ser insuficiente para um determinado propósito. Desta forma, foi proposto um conjunto de medidas corretivas de caráter interno aplicado nas bacias de contribuição e no ecossistema aquático que poderiam ser incluídos nos estudos de gerenciamento integrado destes ecossistemas maximizando os benefícios sócio-econômicos (Figura 2). Este conjunto de medidas é constituído de seis etapas: a) Identificação do estado atual da bacia (antes da construção do empreendimento) – Avaliação da ocupação urbana atual, estimativa da geração de esgoto doméstico e industrial, e de eventos chuvosos críticos; b) Quantificação de volumes e cargas geradas pela bacia (antes da construção do empreendimento) – Levantamento das características físicas das bacias (i.e. área, rede de drenagem, uso do solo, declividade média, etc), utilização de modelos chuva-vazão para quantificar o escoamento sub e superficial produzido pelas bacias, utilização de modelos de qualidade da água para estimativa do aporte de nutrientes produzido pela bacia que estaria disponível para o ecossistema aquático, monitoramento de vazão e amostragem da qualidade da água; c) Estimativa do estado atual do ecossistema aquático (após fechamento da barragem) – Utilização de modelagem ecológica para identificar e quantificar o retrato atual do ecossistema, uso de monitoramento de níveis, velocidade, qualidade da água e comunidades aquáticas para calibração do modelo; d) Teste de alternativas e avaliação de cenários extremos (depois da construção do empreendimento) – Projeção dinâmica do crescimento populacional, uso do solo, produção de sedimentos na bacia e seus impactos no reservatório, cargas de nutrientes (previsão de cenários futuros otimistas e pessimistas, isto é, com e sem tratamento de esgoto). Simulação ecológica integrada com as bacias de contribuição e teste de medidas de gerenciamento visando a conservação da qualidade dos recursos hídricos e manutenção do volume de armazenamento para uma projeção de, no mínimo, 20 anos; e) Seleção de medidas de gerenciamento no reservatório – Seleção do cenário que maximiza os benefícios sócio-ambientais, econômicos do ecossistema aquático a um estado de referência determinado. Nesta etapa, critérios como custo do projeto, benefícios para o controle de cheias, diluição da poluição, redução dos custos de tratamento de água, comportamento das comunidades aquáticas e utilidade da água I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 mais limpa aumentada para a irrigação e indústria, devem ser levados em consideração; f) Aplicação, monitoramento e manejo nas bacias de contribuição – Monitoramento das variáveis ecológicas no ecossistema aquático e nas bacias de contribuição durante a aplicação da alternativa escolhida, emprego de medidas corretivas na bacia visando reduzir os níveis de nutrientes, bem como o reflexo destas melhorias no ecossistema aquático. Gestão nas Bacias Gestão no ecossistema aquático Modelagem ecológica Eventos nas bacias Carga de nutrientes Avaliação das precipitações Ocupação urbana Avaliação da hidrodinâmica Monitoramento Qualidade da água Monitoramento Avaliação dos efeitos nas comunidades aquáticas Monitoramento Modelagem da quantidade e qualidade da água na bacia Características físicas das bacias Transformação precipitação-vazão Cargas do esgoto sanitário doméstico Hidrogramas resultantes das bacias Avaliação da qualidade da água pluvial Monitoramento Tomada de decisão Testes de alternativas Seleção da alternativa Polutograma das sub-bacias Manejo na bacia Monitoramento Figura 2 – Diagrama apresentação medidas de gerenciamento que podem ser empregadas na bacia e no corpo d’água visando o gerenciamento integrado de reservtórios 4. Conclusões e recomendações Modelos eco-hidrológicos mostraram ser uma ferramenta promissora podendo auxiliar na tomada de decisão na seleção de uma alternativa de gerenciamento de reservatórios sujeitos a ações antrópicas e degradação da qualidade da água. Ao contrário de modelos com estruturas conceituais mais simples, estes modelos consideram processos importantes integrados (e.g. hidrodinâmica, transporte de nutrientes e plâncton), interações entre comunidades aquáticas e efeitos indiretos que permitem explorar questões mais realísticas, e seu design flexível possibilita o usuário analisar muitas questões ecológicas, tais como os efeitos e implicações de distúrbios no ecossistema aquático. Estes modelos também são úteis para explorar as conseqüências de propriedades complexas, tais como multiplicidade de atração de estados alternativos de estabilidade. Quando um ecossistema aquático é estressado (distúrbio), podem ocorrer profundas implicações para o ecossistema, tal como um inesperado colapso do sistema e uma grande resistência para seu estado de referência. Desta forma é indispensável que toda medida no sentido de restaurar o sistema seja cuidadosamente planejada, estudada, simulada e monitorada. Isso sugere um conjunto de medidas corretivas de caráter interno aplicado nas bacias de contribuição e no ecossistema aquático visando promover uma gestão integrada destes ecossistemas maximizando os benefícios sócio-ambientais, econômicos. Assim, foi proposta a aplicação de sistemas computacionais mais complexos do que os I ENCONTRO NACIONAL DE HIDROINFORMÁTICA – Universidade de Fortaleza, UNIFOR Fortaleza, Ceará, de 16 a 19 de março de 2008 atualmente empregados em estudos de reservatórios, os quais integram informações provenientes das bacias de contribuição e processos interações tróficas. Em paralelo a modelagem matemática, medidas como monitoramento, redução da carga de nutrientes, proteção das áreas ripárias, manejo na bacia, podem ser destacadas como fundamentais no gerenciamento integrado de reservatórios. Referências BARTRAM, J. & BALANCE, R. Water Quality Monitoring. E&FN Spon, 1996. London, UK. BLUMBERG, A. & MELLOR, G.. A description of the three-dimensional coastal ocean circulation model. In: N. Heaps (Editor), Three dimensional coastal ocean model, 1987, AGU, Washington, DC. CASULLI, V., Semi-Implicit Finite-Difference Methods for the 2-Dimensional ShallowWater Equations. 1990. J. Comput. Phys. 86, 56-74. CHAPRA, S.C. & RECKHOW,K.H. Engineering Approaches for Lake Management. Buttreworth Publishes, Boston, 1983. CHAPRA, S.C.. Surface water-quality modeling. McGraw-Hill series in water resources and environmental engineering. 1997, 844 pp. COLE, T. M. & BUCHAK, E. M. 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