ANÁLISE TÉCNICO-ECONÔMICA DO CULTIVO DA SOJA ORGÂNICA VERSUS CONVENCIONAL NA REGIÃO DE LONDRINA RESUMO Este estudo analisou, comparativamente, o desempenho técnico e econômico dos métodos orgânicos de produção versus convencional, na produção da soja em estabelecimentos agrícolas familiares localizados na região de Londrina, norte do estado do Paraná. As propriedades orgânicas analisadas encontram-se, ainda, em estágio de conversão do sistema convencional para o sistema orgânico, sendo acompanhadas pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), por meio do Projeto Redes de Referência para a Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq. Para realizar tal análise, foram construídas as matrizes tecnológicas dos agricultores analisados de acordo com a metodologia de Custos Operacionais e Rentabilidade do Instituto de Economia Agrícola (IEA). A partir das matrizes tecnológicas, construíram-se indicadores de eficiência técnica e eficiência econômica para ambos os sistemas de produção. Os dados utilizados na construção dos indicadores referem-se à safra 2001/02 e fazem parte do referido Projeto. De modo geral, comprovou-se a eficiência técnica e econômica dos métodos orgânicos de produção, muito embora, o principal componente que viabiliza, atualmente, a produção orgânica é o preço do produto orgânico obtido em mercados diferenciados. Os sistemas orgânicos apresentaram uma produtividade menor do que a observada no sistema convencional. Enquanto no sistema convencional foram produzidas 45,45sc por hectare, entre os sistemas de cultivo orgânicos ela variou de 32,67sc a 39,25sc por hectare. O diferencial de preço de 53%, alcançado pela soja orgânica permitiu que os produtores orgânicos obtivessem uma rentabilidade superior à obtida no sistema convencional. Palavras chave: Agricultura orgânica; Custos de produção; Viabilidade técnica e econômica. 1. Introdução Nos últimos anos, tem se observado uma expansão significativa do mercado de produtos orgânicos. O desenvolvimento sócio-cultural das sociedades modernas tem feito emergir novos padrões de consumo no mercado de alimentos. A conscientização da necessidade de preservação do meio ambiente e as crescentes exigências por uma alimentação saudável e com qualidade têm potencializado a produção orgânica/ecológica. Os altos custos da agricultura convencional têm levado vários agricultores a repensar sua forma de produzir. Muitos pequenos produtores familiares, excluídos do atual modelo agrícola dominante1, têm encontrado nas técnicas e princípios da agricultura orgânica uma forma de viabilizar economicamente sua pequena escala de produção, permitindo, assim, um padrão de vida melhor no campo. 1 Esse modelo, segundo Ehlers (1999), baseia-se no “pacote tecnológico” criado pela Revolução Verde privilegia a grande escala de produção e o cultivo de monoculturas altamente mecanizadas e dependentes de insumos químicos industriais. 2 Entre os anos de 1920 e 1940 surgiram, de forma isolada e independente na Europa, nos EUA e no Japão, alguns movimentos alternativos ao modelo industrial ou convencional de agricultura. “Esses movimentos ‘rebeldes’ contrários à adubação química, valorizando o uso de matéria orgânica e de outras práticas culturais favoráveis aos processos biológicos” (EHLERS, 1999, p. 47) constituem, atualmente, a chamada agricultura orgânica. O termo “agricultura orgânica”, utilizado nos últimos anos, abrange os sistemas de cultivo orgânico, biodinâmico, natural, biológico, ecológico, regenerativo, agroecológico e permacultura (DAROLT, 2002). Os sistemas de produção orgânicos surgiram a partir da introdução de um novo modelo de desenvolvimento agrícola baseado na concepção de sustentabilidade dos recursos naturais renováveis. Esses sistemas apresentam, como princípios básicos, a utilização de práticas tais como o uso de insumos orgânicos, integração agricultura/pecuária, rotação de culturas, adubação verde, etc. Atualmente, a agricultura orgânica vem sendo uma alternativa viável à pequena escala de produção da agricultura familiar. A produção orgânica tem sido uma estratégia adotada por muitos pequenos agricultores familiares para diferenciar seus produtos e, ao mesmo tempo, agregar-lhes valor. A oportunidade de comercializar a produção orgânica em mercados diferenciados, obtendo um diferencial de preço, tem viabilizado a produção orgânica de muitos pequenos produtores familiares. As técnicas adotadas na agricultura orgânica, diferentemente da agricultura convencional, são mais simples e exigem um desembolso de recursos menor e, por isso, são mais adequadas à pequena escala da produção familiar. Enquanto a agricultura convencional propõe à adoção de um conjunto bastante homogêneo de práticas tecnológicas, impondo custos cada vez maiores, na agricultura orgânica verifica-se o contrário. Mundialmente, a agricultura orgânica já é praticada em mais de uma centena de países sendo que, a Oceania apresenta 46,69% da área sob manejo orgânico do mundo, seguida pela Europa (22,47%), América Latina (20,70%), América do Norte (6,60%), Ásia (2,64%) e África (0,90%) (DAROLT, 2003). De acordo com esse autor, a expansão da agricultura orgânica, em nível mundial, está associada, em grande parte, ao aumento dos custos de produção da agricultura convencional, à degradação do meio ambiente e à crescente exigência dos consumidores por produtos “limpos” ou livres de agrotóxicos. A produção orgânica no Brasil, nos últimos anos, de acordo com alguns autores (DAROLT, 2002; ORMOND et al., 2002), cresce a uma taxa entre 30% e 50% ao ano. Esse crescimento da utilização dos métodos orgânicos, principalmente na pequena produção familiar, tem chamado a atenção de pesquisadores, agricultores, comerciantes, consumidores e da comunidade em geral, que querem saber se a adoção desse “novo” método alternativo de produção é ou não técnica e economicamente viável na produção de alimentos. Diante das dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores familiares em adotar o padrão tecnológico da Revolução Verde e das possibilidades desses de produzirem de forma “alternativa” por meio da utilização dos métodos orgânicos de produção, este estudo, propõe-se a responder o seguinte problema de pesquisa: os métodos orgânicos de produção, utilizados alternativamente, são técnica e economicamente viáveis para o desempenho da produção agrícola da soja, em estabelecimentos agrícolas familiares na região de Londrina2? Mediante as inúmeras dúvidas e questionamentos oriundos da sociedade no que diz respeito à agricultura orgânica, este estudo teve como objetivo central analisar, 2 As propriedades analisadas, neste estudo, localizam-se no município de Jataizinho, Norte do estado do Paraná. São propriedades acompanhadas pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), por meio do Projeto Redes de Referência para a Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq. Trata-se de propriedades que estão, ainda, passando por um processo de conversão do sistema convencional para o sistema orgânico. 3 comparativamente, os aspectos técnicos e econômicos que envolvem a produção agrícola da cultura da soja, nos diferentes sistemas de produção químico-convencional versus orgânicoecológico em estabelecimentos agrícolas familiares na região de Londrina, Norte do estado do Paraná. Neste sentido, o trabalho divide-se em 5 tópicos. Inicia-se com a introdução, que apresenta os objetivos da pesquisa. No item 2, é apresentada a evolução da agricultura orgânica no Brasil e no Paraná, enquanto o 3 mostra a metodologia utilizada. O tópico 4 mostra os resultados do estudo e, finalmente, no item 5, são apresentadas os comentários finais da pesquisa. 2. Evolução da agricultura orgânica 2.1 No Brasil Durante os anos 80, surgiram vários movimentos, liderados principalmente, por organizações não-governamentais, questionando a estratégia de “modernização” da agricultura brasileira. Por meio dessas entidades, os problemas sociais e ambientais, causados pelo atual padrão agrícola, começaram a ser questionados (EHLERS, 1999), permitindo, assim, que se começasse a repensar o modelo convencional de produção agropecuária a partir do início dos anos 90 (DAROLT, 2002). Segundo Ehlers (1999), no campo produtivo duas experiências práticas surgiram quase que simultaneamente durante a década de 70 e marcaram o início da produção orgânica no país. Uma delas foi a fundação, em 1972, da Estância Demétria, seguindo os princípios da agricultura biodinâmica, em Botucatu, interior de São Paulo, enquanto a outra foi a instalação de uma granja orgânica no município de Cotia-SP. Apesar de existirem poucos dados sistematizados a respeito da produção orgânica no Brasil, sabe-se que de 1973 a 1995 o desenvolvimento da agricultura orgânica foi muito lento (DAROLT, 2000). Nesse período, a prática da agricultura orgânica concentrou-se em pequenos grupos isolados de agricultores ligados, principalmente, às organizações nãogovernamentais. Durante a década de 90, os vários movimentos internacionais em defesa do meio ambiente acabaram por impulsionar as práticas orgânicas no país. Os dados indicam um crescimento de 10% ao ano até meados dessa década e, nos últimos cinco anos, em torno de 30% a 50% ao ano (DAROLT, 2002). A Tabela 1 apresenta algumas estimativas sobre a produção orgânica no Brasil segundo os principais estados produtores para a safra 2000/2001. Como pode se observar, os estados da região Sul (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina) e o estado de São Paulo apresentam os maiores números de produtores orgânicos. Nesses estados, a agricultura orgânica tem crescido mais rapidamente, onde as estimativas indicam que 80% da produção orgânica brasileira na safra 2000/2001 foi proveniente dos estados do Sul e Sudeste (DAROLT, 2002). Já os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul destacam-se pelas maiores áreas sob manejo orgânico principalmente por incluir grandes áreas de pastagens naturais em conversão destinadas à prática da pecuária extensiva. Na safra 2000/2001 foram cultivadas no Brasil, aproximadamente, 275 mil hectares sob manejo orgânico em 14,8 mil propriedades orgânicas, sendo cerca de 158 mil hectares ocupados com agricultura e 119 mil com pastagens (DAROLT, 2002). De acordo com o mesmo autor, aproximadamente 70% da produção orgânica nacional produzida na safra 2000/2001 foi proveniente de pequenos produtores familiares, em que estes representam 90% do total dos agricultores orgânicos no país. O restante foi produzido por grandes produtores empresariais, ligados a empresas privadas, em que esses foram responsáveis por 30% da produção orgânica brasileira. 4 De acordo com Darolt (2002) cerca de 85% da produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo para Europa, EUA e Japão, sendo o restante consumido internamente. Para o autor, os principais produtos orgânicos brasileiros exportados são o café (Minas Gerais); cacau (Bahia); soja, açúcar mascavo, erva-mate, café (Paraná); suco de laranja, açúcar mascavo e frutas secas (São Paulo); castanha de caju, óleo de dendê e frutas tropicais (Nordeste); óleo de palma e palmito (Pará); guaraná (Amazônia); arroz, soja e frutas cítricas (Rio Grande do Sul) e arroz em Santa Catarina. No mercado interno, dentre os principais produtos comercializados, destacam-se as frutas regionais, as hortaliças e os legumes vendidos in natura. A distribuição e a comercialização dos produtos orgânicos no mercado interno, até o início da década de 90, era feita, basicamente, por meio da entrega de cestas em domicílio, das feiras de produtos orgânicos e através de pequenos varejos (lojas de produtos naturais e restaurantes). Nos últimos anos, diante da crescente demanda por produtos saudáveis, grandes redes de supermercado passaram, também, a comercializar em suas gôndolas produtos orgânicos. TABELA 1 – Número de propriedades orgânicas, área, volume de produção e vendas no Brasil, 2001. Vendas No de propriedades Área (ha) Produção (t) Estados da federação orgânicas (milhões de R$) Rio Grande do Sul 4.370 13.000 40 Paraná 3.077 10.030 35.000 50 Maranhão 2.120 10.021 Santa Catarina 2.000 12.000 São Paulo 1.000 30.000 70 Ceará 543 21.040 10.000 Acre 500 50 Pará 400 4.012 Bahia 247 7.240 Rio de Janeiro 203 7.087 2.000 5 Minas Gerais 149 3.433 Mato Grosso do Sul 115.599 Mato Grosso 123 34.965 Distrito Federal 50 200 400 2 Espírito Santo 24 899 800 3 Outros 50 6.000 TOTAL 14.866 275.576 300.000* 200* Fonte: Extraído de DAROLT, (2002). *Estimativas. Enfim, como se observa, a agricultura orgânica no Brasil tem se revelado um “nicho” de mercado promissor, cujos resultados obtidos, até o momento, demonstram um potencial de crescimento ainda maior para os próximos anos, embora alguns fatores precisem ser equacionados. Em primeiro lugar, segundo Darolt (2002), é necessário criar, no país, uma legislação eficiente que garanta aos consumidores a procedência dos produtos orgânicos. Em segundo lugar, é necessário viabilizar processos de certificação participativa reduzindo, assim, os altos custos de certificação atualmente cobrados dos produtores. Essa medida permitiria que outros produtores aderissem à prática da agricultura orgânica. Outros problemas como falta de apoio governamental e de pesquisas, também, precisam ser equacionados. 5 2.2 No Paraná A história da agricultura orgânica no estado do Paraná é bastante recente. A organização de um pequeno grupo de agricultores orgânicos no município de Agudos do Sul, região Sul do Estado, na primeira metade da década de 80, marcou o início da prática da agricultura orgânica no Paraná (DAROLT, 2002). Outras iniciativas durante os anos 90 vieram, posteriormente, promover o desenvolvimento da agricultura orgânica no Estado. A fundação do Instituto Verde Vida de Desenvolvimento Rural (IVV) em 1991, seguindo os princípios da agricultura biodinâmica desenvolvidos pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD) de Botucatu-SP, foi uma das primeiras iniciativas para promover a agricultura orgânica no estado do Paraná. Outra tentativa de promover o desenvolvimento da agricultura orgânica no Estado foi com a criação da Associação de Agricultura Orgânica do Paraná (AOPA), em setembro de 1995. Inicialmente, a atuação da AOPA restringia-se, basicamente, à região metropolitana de Curitiba. Contudo, nos últimos três anos, houve uma expansão significativa do número de associados em todo o Estado. A Tabela 2 mostra a evolução do número de atividades ligadas à produção orgânica na AOPA. TABELA 2 – Evolução do número de atividades ligadas à produção orgânica na Associação de Agricultura Orgânica do Paraná, 1996 a 2001. Atividades Número de Atividades Desenvolvidas 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Agricultores Orgânicos Grupos de Agricultores Municípios Feiras Lojas Fonte: DAROLT (2002). 180 9 9 1 0 219 13 13 2 4 265 18 16 2 12 301 21 19 2 21 320 23 20 3 21 350 25 21 3 10 No início de suas atividades em 1996, a AOPA contava com 180 produtores orgânicos associados, organizados em nove grupos em nove municípios da região metropolitana de Curitiba, em que a produção orgânica era, basicamente, comercializada por meio de uma feira realizada todos os sábados no centro de Curitiba. No ano de 2001, a AOPA já contava com 350 produtores orgânicos associados, localizados em 21 municípios do Estado e a distribuição e comercialização da produção orgânica, antes feita por meio de apenas uma feira, passou a contar com três feiras e 10 lojas em 2001. A produção orgânica paranaense está centrada basicamente em três produtos: soja, olerícolas e açúcar mascavo (DAROLT, 2002). Dentre os principais produtos orgânicos paranaenses exportados destacam-se a soja, o açúcar mascavo, o café e a erva mate enquanto, as olerícolas, frutas, arroz, milho, trigo, feijão, mandioca, etc. são destinados ao mercado interno. A Tabela 3 mostra a evolução da produção orgânica dos principais produtos orgânicos paranaense. A produção orgânica no Paraná está distribuída, segundo Darolt (2002), nas seguintes regiões: a produção de olerícolas é mais expressiva nas regiões próximas aos grandes centros urbanos (região metropolitana de Curitiba, microrregião de União da Vitória e Ponta Grossa e na região Norte do Estado, com destaque para Maringá, Londrina e Umuarama); a soja é cultivada, basicamente, na região Oeste e Sudoeste do Paraná; o açúcar mascavo está sendo produzido na região norte, principalmente no município 6 de Jaboti; o cultivo dos demais produtos vem sendo realizado em várias regiões do estado em uma escala de produção menor. Atualmente, o Paraná é um dos maiores produtores orgânicos do Brasil. Segundo a EMATER-PR e o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura do Estado (Deral) (EMATER-PR, 2003), houve um crescimento de 35% na produção orgânica, passando de 35,5 mil toneladas em 2000/2001 para 47,9 mil toneladas em 2001/2002. O número de agricultores orgânicos, também, aumentou, passou de 3.077 para 3.478, representando um acréscimo de 13%. TABELA 3 – Evolução da produção orgânica no estado do Paraná, safra 1999/00 e 2000/01. Safra 1999/00 Safra 2000/01 Produtos o o Produção (t) N de produtores Produção (t) N de produtores Soja 595 10.000 654 11.536 Hortaliças 750 3.000 951 2.978 Açúcar mascavo 550 4.500 560 7.322 Café 5 541 60 261 Frutas 88 739 217 5.500 Plantas Medicinais 131 295 145 330 10 80 108 396 Erva Mate Milho 100 2980 256 3.748 Trigo 10 60 15 412 Feijão 60 290 98 317 Arroz 10 37 11 2.389 Mandioca 1 86 2 350 TOTAL 2.310 22.608 3.077 35.539 Fonte: DAROLT (2002). No Paraná, foram cultivados na safra 2001/2002 cerca de 12,9 mil hectares com agricultura orgânica. Esta área é 20,5% superior à plantada em 2000/2001, que foi de 10,7 mil hectares (EMATER-PR, 2003). As figuras 1 e 2 mostram, respectivamente, a evolução do número de produtores e o volume da produção orgânica no Estado no período de 1996 a 2002. Na safra 2001/2002, a soja orgânica foi a cultura que ocupou maior área, 7,6 mil hectares, sendo 70% desta área localizada nas regiões Oeste e Sudeste (Pato Branco, Francisco Beltrão, Capanema, Cascavel e Toledo). A soja orgânica foi, também, a atividade desenvolvida pelo maior número de agricultores, aproximadamente 854 na safra 2001/2002. 7 4000 3478 3500 3077 Número de produtores 3000 2310 2500 2000 1500 1200 800 1000 450 500 0 1 9 9 6/9 7 1 9 9 7/9 8 1998/99 1999/00 2000/01 2001/02 S afras FIGURA 1- Evolução do número de produtores orgânicos no estado do Paraná, 1996/2002. Fonte: Adaptado de DAROLT (2002) e EMATER-PR (2003). 60000 47900 50000 Toneladas (t) 40000 35539 30000 20000 10000 22608 20010 15500 4365 0 1996/97 1997/98 1998/99 1999/00 2000/01 2001/02 Safras FIGURA 2 – Evolução do volume de produção orgânica no estado do Paraná, 1996/2002. Fonte: Adaptado de DAROLT (2002) e EMATER-PR (2003). 8 3. Metodologia Diante da expansão da produção orgânica na região de Londrina objetivouse, neste estudo, analisar o desempenho técnico e econômico dos métodos orgânicos na produção da soja orgânica na região. O processo de seleção das propriedades orgânica e convencional analisadas ocorreu de forma intencional. Para efeito de análise comparativa, foram selecionadas quatro propriedades que apresentavam o sistema de produção soja orgânica, sendo que uma dessas propriedades (propriedade 4), também, apresentava o sistema de produção soja convencional. Assim, foi possível comparar, a partir da construção de indicadores, o desempenho técnico e econômico da produção da soja, nos diferentes sistemas de produção. As propriedades orgânicas selecionadas estão, ainda, em processo de conversão do sistema convencional para o sistema orgânico, sendo acompanhadas pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), por meio do Projeto Redes de Referências para Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq. Este projeto visa apoiar a pesquisa adaptativa e a extensão rural para modernizar a agricultura familiar paranaense. As propriedades estudadas estão localizadas no município de Jataizinho, norte do Estado do Paraná. São propriedades orgânicas familiares associadas à Associação dos Produtores Orgânicos da Região de Londrina (APOL)3. A produção orgânica dessas propriedades é certificada pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD). Os dados utilizados na construção dos indicadores referem-se à safra agrícola 2001/2002 e foram levantados por pesquisadores da área de sócio-economia do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), por meio do referido projeto. Foram obtidos os dados referentes aos coeficientes técnicos de produção da cultura da soja referentes às propriedades selecionadas para os diferentes sistemas de produção, assim como, as exigências físicas de insumos e sua respectiva valoração econômica. A partir desses dados, foi possível construir a matriz tecnológica de cada agricultor analisado. A metodologia empregada para a construção das matrizes tecnológicas foi a de Orçamento Unitário (NORONHA, 1987), em que se obtiveram os resultados econômicos: custos, receitas e rentabilidade. Para efeito de análise comparativa, em ambos os sistemas de produção agrícola, a metodologia empregada para a composição dos custos de produção foi a de Custos Operacionais do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (MATSUNAGA et al., 1976). Segundo Matsunaga et al. (1976), a estrutura de custo operacional difere do conceito clássico de custos fixos e variáveis, pois não inclui parte dos custos fixos, como os custos administrativos (remuneração paga ao agricultor pelo exercício administrativo da propriedade) e, também, os custos alternativos ou de oportunidade (remuneração da terra, do capital fixo em instalações e do capital circulante). A exclusão dos custos administrativos e dos custos de oportunidade do cálculo do custo operacional está relacionada ao elevado grau de subjetividade que envolve a estimativa desses custos. Para efeito de simplificação da análise, também, não foram incluídos os custos relacionados aos gastos com impostos e taxas pagos pelos agricultores. A estrutura de custos operacionais é composta, portanto, pelos custos variáveis e por uma parcela dos custos fixos, representada pela depreciação de máquinas e benfeitorias, e pelos custos estimados com a remuneração da mão-de-obra familiar. Os itens que compõem o custo variável de produção são representados pelos dispêndios em dinheiro 3 Na região de Londrina, em 1997, um grupo de produtores de café e soja adeptos da agricultura orgânica, reuniu-se com o objetivo de criar uma associação de produtores orgânicos na região. Dois anos depois, em 1999, foi fundada, legalmente, a Associação dos Produtores Orgânicos da região de Londrina (APOL) com o objetivo de promover a organização dos produtores orgânicos, tanto na compra de insumos, quanto no processo de produção e comercialização dos produtos orgânicos. A APOL visa oferecer à população alimentos de qualidade sem agredir o meio ambiente. 9 com mão-de-obra contratada e com insumos (sementes, adubos, etc.), e pelas despesas com operações de máquinas, equipamentos e transportes, além de outras despesas indiretas. Os itens do custo variável de produção correspondem ao Custo Operacional Efetivo (COE). Acrescentando-se ao COE a parcela dos custos fixos de produção e obtém-se o Custo Operacional Total (COT) (CARMO e MAGALHÃES, 1999). O Custo Operacional Efetivo, ao representar o total das despesas efetivamente pagas por meio do desembolso de recursos pelos produtores, constitui-se num importante indicador pois, segundo a teoria econômica, os produtores só continuarão produzindo no curto prazo se o preço recebido pelos seus produtos for superior ao custo variável médio, no caso o COE. Por outro lado, se as receitas obtidas na produção forem superiores ao COT, as chances de o produtor continuar produzindo no longo prazo são maiores (CARMO e MAGALHÃES, 1999). A partir das matrizes tecnológicas levantadas, foram construídos indicadores de ordem técnica e econômica, os quais serviram de parâmetros para a análise comparativa da produção da soja entre os diferentes sistemas de produção convencional versus orgânico nas propriedades estudadas. O Quadro 1 apresenta os indicadores de viabilidade técnica e de viabilidade econômica e a forma como foram calculados. Entre os indicadores de viabilidade técnica o mais utilizado é o rendimento por área de atividade (produtividade por hectare). Porém, outros indicadores de eficiência técnica, como é o caso dos indicadores de quantidade de insumos usados (mão-de-obra, máquinas e material empregado), também, podem ser avaliados, conforme detalhado na Tabela 1. Os indicadores de viabilidade econômica (conforme detalhado na Tabela 2) permitem discutir, a partir dos componentes de custo de produção (COE, COT, CME, CMT e RCO), de receitas (RB e RB/sc) e de rentabilidade (RE, RT, BCE, BCO, LE e LT) a viabilidade econômica da produção da soja nos diferentes sistemas de produção. A partir da metodologia empregada, foi possível, também, discutir a viabilidade econômica da atividade selecionada (soja) em nível efetivo e total. Em nível efetivo, considerou-se, apenas, os desembolsos monetários efetivamente realizados pelos produtores (COE, CME, RE, BCE e LE). Já em nível total considerou-se, além dos custos variáveis, parcela dos custos fixos representada pela depreciação e pela remuneração da mãode-obra familiar (COT, CMT, RT, BCT e LT). Deve-se, no entanto, ressaltar as dificuldade e limitações existentes em tal análise comparativa, uma vez que esses sistemas de produção apresentam, em sua essência, objetivos bem diferentes. Enquanto a agricultura orgânica prima pela “maximização produtiva”, ou seja, pelo estabelecimento, no longo prazo, de um sistema produtivo equilibrado, por meio da nutrição do solo, a agricultura convencional, ao contrário, busca na nutrição da planta uma “maximização lucrativa”, isto é, o retorno imediato do investimento, não se preocupando com os efeitos causados ao meio ambiente dadas as técnicas empregadas. Ao mesmo tempo, é necessário levar em consideração a discrepância relativa ao estágio de desenvolvimento de cada tipo de agricultura. Enquanto o sistema químico-convencional está amadurecido e é apoiado pela política agrícola oficial, o sistema orgânico está, ainda em estágio de desenvolvimento técnico e não conta com tal apoio em nível significativo. Portanto, ao se obter resultados favoráveis para a agricultura orgânica esses, na realidade, são ainda maiores do que aquilo que representam (CARMO, COMITRE e DULLEY, 1988; CARMO e MAGALHÃES, 1999). 10 Quadro 1 – Indicadores de viabilidade técnica e de viabilidade econômica. Indicadores de Viabilidade Técnica Rendimento Nº de Dias-homem (REND) Quantidade produzida / Produtividade expressa em Kg/ha = Unidade de área (DH) = Um dia-homem equivale a uma jornada de trabalho de oito horas Nº de Dias/máquina e equipamentos (DM) = - Um dia-máquina e/ou equip. equivale a uma jornada de trabalho com máquina de oito horas Quantidade de Sementes (QS) = - Quantidade de Fertilizantes (QF) = - Quantidade de fertilizantes utilizada por hectare Quantidade de Sementes utilizada por hectare Indicadores de Viabilidade Econômica Custo Operacional Efetivo (COE) = - Corresponde ao total gasto com custos variáveis (sementes, adubos, etc.) Custo Operacional Total (COT) = - Custo Médio Efetivo (CME) = COE/Quantidade produzida por ha Corresponde ao total gasto com custos variáveis e com parte dos custos fixos (depreciação de máquinas e benfeitorias e remuneração da mão-de-obra familiar) Corresponde ao custo efetivo por saca/60Kg Custo Médio Total (CMT) = COT/Quantidade produzida por ha Composição do COE (%) - Valor gasto com cada insumo/COE Representa o percentual do COE gasto com cada insumo utilizado. Composição do COT (%) - Valor gasto com cada insumo/COT Representa o percentual do COT gasto com cada insumo utilizado. Corresponde ao custo total por saca/60Kg Renda Bruta (BR) = Quantidade produzida Valor bruto da produção por hectare x preço de venda Renda Efetiva ou Margem Efetiva (RE) = RB - COE Renda obtida após a dedução dos custos variáveis. Renda Total ou Margem Total (RT) = RB - COT Renda obtida após a dedução do custo operacional total. Relação benefício-Custo Operacional Efetivo (BCE) = RE/COE Relação benefício-Custo Operacional Total (BCT) = RE/COT Corresponde ao retorno obtido para cada unidade monetária efetivamente gasta na produção. Corresponde ao retorno obtido para cada unidade monetária aplicada na produção. Índice de "Lucro" Efetivo (LE) = RE por saca/preço recebido por saca Representa a porcentagem do preço de venda que constitui o lucro efetivo do produtor. Índice de "Lucro" Total (LT) = RT por saca/preço recebido por saca Representa a porcentagem do preço de venda que constitui o lucro do produtor. Relação entre Custos Operacionais (RCO) = COE/COTx100 Índice de Integração de Insumos (INS) = Custos com insumos internos/custo total com insumos Representa o peso dos custos variáveis em relação aos custos totais (custos variáveis + parte dos custos fixos). Representa a relação entre os insumos internos e o total de insumos consumidos. Fonte: Adaptado de CARMO e MAGALHÃES (1999). 11 4 – Análise e discussão dos resultados A partir das matrizes tecnológicas dos agricultores analisados foram construídos indicadores, divididos em Indicadores de Eficiência (viabilidade) técnica e de Eficiência (viabilidade) Econômica, permitindo assim, uma visualização comparativa entre os diferentes sistemas de produção. As Tabelas 4 e 5 apresentam respectivamente os indicadores de eficiência técnica e de eficiência econômica da produção da soja, por hectare no sistema de produção orgânico e convencional. Na Tabela 4, encontram-se agrupados os seguintes indicadores de ordem técnica: produtividade/ha; composição da exigência física de mão-de-obra utilizada (DH); composição da exigência física de máquinas e equipamentos utilizados nas operações (DM) e a exigência física de insumos. Por um lado, diferenças significativas podem ser apontadas ao se analisar comparativamente os indicadores de eficiência técnica entre os sistemas orgânicos e o sistema convencional de produção da soja. Por outro lado, observam-se várias semelhanças na análise dos indicadores de eficiência técnica entre os sistemas orgânicos. Na análise da produtividade, o sistema convencional mostrou-se mais eficiente, com 45,45sc por hectare, enquanto nos sistemas de cultivo orgânicos ela variou de 32,67sc. (prop. 4) a 39,25sc por hectare (prop. 2). A menor produtividade nos sistemas orgânicos pode ter ocorrido, principalmente, por dois fatores. O primeiro, diz respeito à variedade de semente utilizada e o período do plantio que foram diferentes em cada sistema de produção4. O segundo refere-se ao estágio de desenvolvimento de cada sistema. Enquanto o sistema convencional está amadurecido, o sistema orgânico está, ainda, em estágio inicial de desenvolvimento técnico, sendo necessário o aprofundamento de pesquisas para o desenvolvimento de tecnologias, principalmente para o controle do mato e de pragas como a lagarta da soja em determinados períodos do ciclo produtivo da planta. A dificuldade em controlar o mato pode ter contribuído para o menor rendimento produtivo da soja sob manejo orgânico. Os sistemas de cultivo das propriedades analisadas apoiaram-se na força de tração motomecanizada. Foram necessários, aproximadamente, um dia-máquina por hectare de soja para o conjunto de operações mecanizadas em ambos os sistemas de produção. Porém, os sistemas orgânicos demandaram de 2,6 a 5,5 vezes mais dias-homem para cultivar a mesma área. Enquanto no sistema orgânico foram necessários 3,97 dh (prop. 1) a 8,20 dh (prop. 2) para cultivar um hectare de soja, no sistema convencional demandou-se apenas 1,51 dh. Essa diferença significativa pode ser explicada pelo fato de que no sistema orgânico não é permitida a utilização de herbicidas químicos, sendo o controle de invasoras feito por meio de capina manual. A análise da Tabela 4 permite, também, observar a discrepância existente, em termos de exigências físicas de insumos, em cada sistema da produção. Em ambos os sistemas os insumos utilizados foram predominantemente externos. Porém, enquanto nos sistemas orgânicos utilizaram-se insumos orgânicos (Bokashi, rocha fosfática etc.), no sistema convencional utilizou-se insumos químicos. Em termos técnicos, constatou-se que os sistemas orgânicos analisados demandaram maiores quantidades de dias-homem (dh) e de dias-máquina (dm) para cultivar um hectare de soja o que resultou em maiores dispêndios de recursos com operações enquanto, o sistema convencional demandou mais recursos com insumos. 4 A soja orgânica ao ser destinada para o consumo humano deve apresentar algumas características como grãos maiores e hilo branco. As variedades de soja que apresentam essas características apresentam muitas vezes um potencial produtivo menor que as variedades convencionais. 12 TABELA 4 – Indicadores de eficiência técnica da cultura da soja, por hectare, em sistema de produção orgânicos, comparado com o sistema convencional, safra 2001/02. In d ica d or es U n id a d e P rod u tivid a d e sc.6 0 K g /h a M ã o-d e-obra A ssa la ria d a p er m a n en te C om u m dh T ra torista dh A ssa la ria d a tem p or á ria C om u m dh T ra torista dh F a m ilia r C om u m dh T ra torista dh T ota l dh M á q u in a s T ra tor dm T ota l dm E q u ip a m en tos d e tra çã o m eca n iz a d a D istribu id or d e ca lcá rio (L elis) dm A ra d o dm G ra d e n ivela d ora e/ou a ra d ora dm S em ea d eira /a d u ba d eira dm C u ltiva d or dm T riton dm E sca r ifica d or dm P u lveriz a d or m ecâ n ico dm C a r reta dm T ota l dm M a teria l In ter n os S em en te d e a veia Kg E x ter n os S em en te d e a veia Kg S em en te d a soja Kg B ok a sh i Kg F osforita Kg In ocu la n te p c./8 0 g C oM o Kg K u m u lu s l S u p er m a g ro l E M 4 (p u ro) l E M 4 (a tiva d o) l C a ld a d e ba ctéria l B a cu lovíru s p c./2 0 g M icron u trien tes p c. H er bicid a trop l Ó leo m in era l a ssist l H er bicid a select l G ra p 1 8 0 C E l D eroz a l l E u p a rem l A d u bo q u ím ico (0 0 2 0 2 0 ) Kg In seticid a ta m a ron l H er bicid a g ra m ox on e l P rop . 0 1 3 3 ,8 7 E x ig ên cia física d e fa tor es P rop r ied a d es A n a lisa d a s P rop . 0 2 P rop . 0 3 P rop . 0 4 P rop . 0 4 con v. 3 9 ,2 5 3 3 ,0 0 3 2 ,6 7 4 5 ,4 5 - - - 0 ,9 1 0 ,7 2 3 ,0 0 - 7 ,0 0 - 4 ,0 0 - 7 ,0 0 - 0 ,5 0 - 0 ,1 9 0 ,7 8 3 ,9 7 0 ,2 1 0 ,9 9 8 ,2 0 0 ,1 9 0 ,7 7 4 ,9 6 0 ,2 9 8 ,2 0 0 ,2 9 1 ,5 1 0 ,7 8 0 ,7 8 0 ,9 9 0 ,9 9 0 ,7 7 0 ,7 7 0 ,9 1 0 ,9 1 0 ,7 2 0 ,7 2 0 ,0 3 0 ,2 0 0 ,2 0 0 ,0 8 0 ,1 6 0 ,0 3 0 ,0 8 0 ,7 8 0 ,0 3 0 ,2 0 0 ,3 0 0 ,0 8 0 ,1 6 0 ,1 2 0 ,1 0 0 ,9 9 0 ,0 3 0 ,3 2 0 ,0 8 0 ,2 0 0 ,0 6 0 ,0 8 0 ,7 7 0 ,0 3 0 ,2 2 0 ,1 6 0 ,0 8 0 ,1 7 0 ,1 5 0 ,1 0 0 ,9 1 0 ,1 6 0 ,1 1 0 ,3 0 0 ,1 5 0 ,7 2 7 5 ,0 0 7 5 ,0 0 - - - 9 0 ,7 3 1 ,0 0 6 ,0 0 1 ,0 0 - 9 2 ,5 0 2 0 0 ,0 0 1 ,0 0 3 ,0 0 7 ,4 0 1 ,0 0 1 ,0 0 - 6 6 ,1 1 8 3 ,0 0 1 ,0 0 1 ,0 0 0 ,3 0 2 0 ,0 0 1 ,0 0 - 1 1 6 ,0 0 7 6 ,5 0 7 7 ,2 2 2 7 0 ,0 0 1 ,0 0 0 .0 5 2 ,3 2 2 ,0 0 0 ,3 9 1 ,0 0 - 1 1 2 ,0 0 8 2 ,5 0 1 ,0 0 1 ,0 0 2 ,5 0 1 ,0 0 0 ,4 0 0 ,1 4 0 ,0 8 0 ,0 7 2 2 7 ,0 0 1 ,2 0 1 ,2 3 Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências para Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq (2002). O maior dispêndio de recursos com operações nos sistemas orgânicos quando comparado com o sistema convencional, pode ser explicado a partir da observação 13 das técnicas utilizadas em cada sistema. No sistema convencional, a utilização de herbicidas químicos permitiu o plantio direto da soja sem o revolvimento do solo e, posteriormente, o controle do mato sem a necessidade de capinas manuais. No atual estágio de desenvolvimento da agricultura orgânica um dos obstáculos a ser superado pelos produtores refere-se às dificuldades no controle do mato. Como se observou neste sistema de produção, as técnicas utilizadas (preparo do solo, capina manual, etc.) demandam mais recursos do que no sistema convencional, embora reduzam a necessidade de insumos. Na Tabela 5, encontram-se agrupados os seguintes indicadores de ordem econômica: indicadores de receita, indicadores de custo de produção e indicadores de rentabilidade. A partir dessa tabela é possível, também, visualizar esses indicadores em nível efetivo e total. A análise dos indicadores de eficiência econômica (Tabela 4), ao incluir, também, as variações relativas a preços, acaba por alterar a análise comparativa das exigências físicas de fatores e da produtividade de cada sistema. O preço diferenciado obtido pela soja orgânica ao ser comercializada em mercados diferenciados permitiu que os produtores orgânicos obtivessem uma receita bruta superior à obtida no sistema convencional. No sistema orgânico o preço médio recebido pela saca da soja foi de R$ 33,60, enquanto no sistema convencional o preço recebido foi de R$ 22,00, o que representa um diferencial de preço da ordem de 53%. Como a produção da soja em ambos os sistemas baseou-se, predominantemente, na utilização de mão-de-obra temporária e no uso de insumos externos, não houve diferenças significativas na relação entre o custo operacional efetivo (representado pelos custos variáveis de produção) e o custo operacional total. A relação COE/COT para cada propriedade foi respectivamente de 83,15% (prop. 1), 91,26% (prop. 2), 75,31% (prop. 4), 92,12% (prop. 4 produção orgânica) e 91,17% (prop. 4 produção convencional). Os custos de produção (COE e COT) por área, se mostraram menores nos sistemas orgânicos quando comparados ao sistema convencional (exceto para produção orgânica da propriedade 45). O mesmo comportamento pode ser observado quando analisamos o custo por unidade de produto (CME e CMT). Nos sistemas orgânicos o custo médio efetivo variou de R$ 9,47 (prop. 1) a R$ 18,62 (prop. 4, produção orgânica), enquanto no sistema convencional foi de R$ 11,86. Isso explica o menor desembolso de recursos com insumos nos sistemas orgânicos. A Figura 3 apresenta a composição do COE (%) na produção por hectare de soja para cada propriedade estudada. Como já se constatou na análise dos indicadores de eficiência técnica, no sistema convencional os insumos químicos são os principais componentes dos custos de produção, representando 71,37% do custo operacional efetivo (total de recursos desembolsados pelo produtor). Já no sistema orgânico, a utilização de técnicas e insumos orgânicos alternativos demanda menores quantidades de recursos com insumos, correspondendo, em média, a 44,81% do custo operacional efetivo. As técnicas utilizadas nos sistemas orgânicos, como já visto, mostraram-se mais dispendiosas em relação à utilização de mão-de-obra. Enquanto, nas propriedades orgânicas os gastos com mão-de-obra contratada corresponderam, em média, a 12,72% do custo operacional efetivo, no sistema convencional foi apenas de 3,60%. 5 A produção orgânica da propriedade 4 apresentou um custo de produção superior ao das demais propriedades analisadas porque o agricultor aplicou na área uma grande quantidade de fosforita. Por se tratar de uma substância de baixa solubilidade pode-se considerar essa aplicação como um investimento, neste estudo considerou-se como custo de produção. 14 TABELA 5 – Indicadores de eficiência econômica da cultura da soja, por hectare, em sistema de produção orgânicos, comparado com o sistema convencional, safra 2001/02. Prop. 01 Resultados Econômicos Propriedades Analisadas Prop. 02 Prop. 03 Prop. 04 1138,03 33,60 1318,80 33,60 1148,40 34,80 1097,71 33,60 999,90 22,00 320,69 385,69 455,03 498,63 342,79 455,15 608,30 660,30 539,21 591,41 9,47 11,39 11,59 12,70 10,39 13,79 18,62 20,21 11,86 13,01 9,35 19,47 1,74 30,09 39,35 100,00 15,38 17,59 1,75 22,27 43,01 100,00 11,67 18,16 1,85 27,92 40,40 100,00 14,50 12,09 1,59 15,68 56,14 100,00 3,60 10,80 1,99 12,24 71,37 100,00 10,29 16,19 1,45 25,02 35,31 11,75 100,00 83,15 7,34 16,45 16,05 1,60 20,32 41,25 4,33 100,00 91,26 4,86 10,90 13,68 1,40 21,03 30,43 22,58 100,00 75,31 0,00 13,80 11,14 1,46 14,45 51,71 7,44 100,00 92,12 0,00 3,80 9,84 1,82 11,16 65,07 8,30 100,00 91,17 0,00 817,34 752,34 863,77 820,17 805,61 693,25 489,41 437,41 460,69 408,49 24,13 22,21 22,01 20,90 24,41 21,01 14,98 13,39 10,14 8,99 205,88 189,51 2,55 1,95 0,72 0,66 105,34 100,02 1,90 1,64 0,65 0,62 162,42 139,77 2,35 1,52 0,70 0,60 59,68 53,34 0,80 0,66 0,45 0,40 301,10 266,99 0,85 0,69 0,46 0,41 Indicadores A - Receita Por Área (RB/Ha) Por unidade de produto (RB/sc.60Kg) B - Custo Operacional Por Área Efetivo (COE/ha) Total (COT/ha) Por unidade de produto Custo médio efetivo (CME/sc.60Kg) Custo médio total (CMT/sc.60Kg) Composição do COE (%) Mão-de-obra assalariada Operações com máquinas Operações com equipamentos Empreitas (colheita e transporte) Insumos externos Total Composição do COT (%) Mão-de-obra total Total com máquinas automotrizes Total com equipamentos Empreitas (colheita e transporte) Total com insumos Depreciação de maq. e equip. Total Relação COE/COT (%) Índice de integração de insumos (%) C - Rentabilidade Por Área Efetiva (RE/ha) Total (RT/ha) Por unidade de produto Efetiva (RE/sc.60Kg) Total (RT/sc.60Kg) Por mão-de-obra empregada Efetiva (RE/DH) Total (RT/DH) Relação benefício/custo efetivo (BCE) Relação benefício/custo total (BCT) Índice de "lucro" efetivo (LE) Índice de "lucro" total (LT) Prop. 04 Conv. Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências para Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq (2002). Em relação aos insumos – material consumido – praticamente todos os insumos provieram de fora das propriedades, o que determinou um índice de integração de insumos (INS) nulo (exceto para as propriedades 1 e 2, em que o INS foi, respectivamente, de 7,34% e 4,86%). A análise desse indicador permitiu concluir que as propriedades analisadas ainda não estão adotando, de forma precisa, todos os princípios da agricultura orgânica, ou 15 Composição do COE (%) seja, um dos princípios do sistema de produção orgânico diz respeito à redução da dependência de insumos externos dos produtores por meio da utilização de práticas orgânicas, como a integração agricultura/pecuária, uso de compostagem, etc.. A adoção dessas práticas permite otimizar os recursos disponíveis na propriedade. 75,00 70,00 65,00 60,00 55,00 50,00 45,00 40,00 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1 2 3 4 org. 4 conv. Pro p ried ad es A n alis ad as M .O as s alariád a Op eraçõ es c/ máq u in a Emp reitas In s u mo s extern o s Op eraçõ es c/ eq u ip amen to s FIGURA 3 – Composição do custo operacional efetivo (%) na produção por hectare de soja, em cada propriedade analisada, safra 2001/02. Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq (2002). Os indicadores de rentabilidade apresentam um quadro mais favorável para os sistemas orgânicos. A rentabilidade efetiva por hectare (RE/ha), tanto nos sistemas orgânicos quanto no sistema convencional, cobriu os gastos efetivamente computados na produção, ou seja, o que foi realmente dispendido em dinheiro. A rentabilidade total por área (RT/ha), correspondente ao retorno econômico após a remuneração dos gastos efetivos mais as despesas teóricas de depreciação e mão-de-obra familiar, mostrou o mesmo comportamento da rentabilidade efetiva. A Figura 4 apresenta a rentabilidade efetiva e total por hectare obtida em cada propriedade analisada. A rentabilidade efetiva e a rentabilidade total por unidade de produto foram superiores nos sistemas orgânicos. A rentabilidade total por saca de 60Kg nas propriedades orgânicas analisadas variou de R$ 13,39 (prop. 4, produção orgânica) a R$ 22,21 (prop. 1), enquanto no sistema convencional foi de R$ 8,99 (prop. 4, produção convencional). Na rentabilidade efetiva por unidade de trabalho empregada, notou-se melhor desempenho para o cultivo da soja convencional (R$ 301,10), por causa da menor quantidade de mão-de-obra empregada (1,51 dh). No sistema orgânico, a rentabilidade efetiva, por unidade de trabalho empregada, variou de R$ 59,68 (prop. 4, produção orgânica) a R$ 205,88 (prop. 1). 16 900,00 Rentabilidade (R$/ha) 800,00 700,00 600,00 500,00 400,00 300,00 200,00 100,00 0,00 1 2 3 4 org. 4 conv. Propriedades A nalis adas Rentabilidade efetiva Rentabilidade total FIGURA 4 – Rentabilidade da produção da cultura da soja por hectare, em cada propriedade analisada, nos diferentes sistemas de produção, safra 2001/02. Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar Orgânica, IAPAR/CNPq (2002). A relação benefício/custo efetivo (BCE) da produção da soja orgânica indicou grande eficiência econômica no curto prazo. O retorno de 2,55 unidades monetárias para cada unidade investida (prop. 1), 1,90 (prop. 2), 2,35 (prop. 3) e 0,80 (prop. 4) permitiu, além de cobrir os custos de produção, garantir o próximo plantio, enquanto na produção convencional a BCE foi de R$ 0,85 para cada R$ 1,00 investido. A relação benefício/custo total (BCT) foi positiva tanto para o sistema orgânico quanto para o sistema convencional (em menores proporções para a produção orgânica e convencional da propriedade 4) indicando eficiência econômica quando se considera a reprodução desses sistemas no longo prazo. Os índices de “lucro” efetivo e total representam o percentual do preço de venda do produto (soja) que constitui o lucro do produtor. O índice de “lucro” efetivo (LE) para cada propriedade analisada foi, respectivamente, de 0,72 (prop. 1), 0,65 (prop. 2), 0,70 (prop. 3), 0,45 (prop. 4 produção orgânica) e 0,46 (porp. 4 produção convencional). Já o índice de “lucro” total (LT), isto é, “lucro líquido total” foi de respectivamente 66% da receita bruta obtida na propriedade 1, 62% na propriedade 2, 60% na propriedade 3, 40% na propriedade 4 (produção orgânica) e 41% na produção convencional. A eficiência de mercado pode ser melhor medida através da participação da renda obtida pelo agricultor no preço de venda do produto, ou seja, quanto maior a parcela do preço que fica como renda maior é a eficiência do agricultor neste mercado. Nesse sentido, análise dos resultados econômicos (Tabela 6), permite concluir que o principal item que viabiliza economicamente os sistemas orgânicos é o preço de venda dos produtos em mercados diferenciados, indicando, nas condições atuais, a supremacia da eficiência de mercado em relação à eficiência técnica (produtiva). 17 5 - Considerações finais Muito embora as propriedades analisadas estejam em processo de conversão, pelos resultados apresentados, conclui-se que os métodos orgânicos de produção são técnica e economicamente viáveis na produção da soja em estabelecimentos agrícolas familiares na região de Londrina, norte do estado do Paraná. Não há dúvidas quanto à viabilidade técnica dos métodos orgânicos de produção, pois ao incorporarem práticas orgânicas, como rotação de culturas, plantio de adubos verdes, etc., minimizam a necessidade de insumos. Os sistemas orgânicos mostraramse mais dispendiosos com operações. A dificuldade em controlar o mato é um dos pontos a ser equacionado. Uma possível solução para a redução dos custos com operações seria o aprimoramento de técnicas que permitam a realização de plantio direto, também, em sistemas orgânicos. Os indicadores técnicos demonstraram que a produtividade dos sistemas orgânicos foi menor de que a obtida no sistema convencional. Por outro lado, os custos de produção nos sistemas orgânicos, de um modo geral, também, mostraram-se menores. O diferencial de eficiência produtiva (produtividade/ha) explica-se, principalmente, pela dificuldade encontrada pelos produtores orgânicos em controlar o mato e pragas, como a lagarta da soja, em determinados períodos do ciclo produtivo da cultura sem utilizar insumos químicos. A diferença de variedade de sementes utilizada em cada sistema de produção, assim como os diferentes períodos de plantio, podem ter contribuído para o menor rendimento produtivo da soja sob manejo orgânico em relação à soja produzida convencionalmente. Os indicadores econômicos apontam o preço obtido na venda dos produtos orgânicos como o principal componente que viabiliza economicamente a produção orgânica com um diferencial da ordem de 53%. Para o agricultor orgânico nas condições atuais, a agricultura orgânica revela-se como uma alternativa viável, porém, muito mais pela sua eficiência de mercado do que pela sua eficiência produtiva. Se a agricultura orgânica, hoje, tem condições de viabilidade econômica, é bastante provável que, ao ser assistida pelos órgãos oficiais, consiga se desenvolver plenamente, contribuindo, não só para o aumento da produção de alimentos mas, também, para a maior preservação do meio ambiente. 6- Referências bibliográficas CARMO, Maristela Simões do; MAGALHAES, Marcelo Marques de. Agricultura sustentável: avaliação da eficiência técnica e econômica de atividades agropecuárias selecionadas no sistema não convencional de produção. Informações Econômicas, São Paulo: IEA, v.29, n.7, p.7-98, jul.1999. CARMO, Maristela Simões do; COMITRE, Valeria; DULLEY, R. Domingues. Agricultura alternativa frente agricultura química: estrutura de custos e rentabilidade econômica para diversas atividades. Instituto de Economia Agrícola, São Paulo: IEA, p.1-41, 1988. DAROLT, M. R. As Dimensões da Sustentabilidade: Um estudo da agricultura orgânica na região metropolitana de Curitiba-Pr. 2000. 310 p. 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