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ERAZO - Manual de Urgências em Pronto-Socorro 6ª Edição
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ÍNDICE
Capítulo 01 - Anestesia Local e Regional
Capítulo 02 - Feridas
Capítulo 03 - Pequenos Procedimentos em Cirurgia
Capítulo 04 - Queimaduras — Fase Aguda
Capítulo 05 - Atendimento Clínico-Hospitalar ao Paciente Queimado
Capítulo 06 - Tratamento Inicial do Politraumatizado
Capítulo 07 - Choque
Capítulo 08 - Insuficiência Respiratória Pós-Traumática
Capítulo 09 - Traumatismos Torácicos
Capítulo 10 - Hemotórax e Pneumotórax
Capítulo 11 - Traumatismos Cardíacos
Capítulo 12 - Traumatismo Toracoabdominal
Capítulo 13 - Traumatismo Abdominal
Capítulo 14 - Traumatismo Hepático
Capítulo 15 - Traumatismos Esplênicos
Capítulo 16 - Traumatismo Pancreático
Capítulo 17 - Traumatismos do Esôfago
Capítulo 18 - Traumatismo Duodenal
Capítulo 19 - Traumatismo do Intestino Delgado
Capítulo 20 - Traumatismo do Intestino Grosso
Capítulo 21 - Traumatismo do Rim e Ureter
Capítulo 22 - Traumatismo da Bexiga
Capítulo 23 - Traumatismo da Uretra
Capítulo 24 - Traumatismos da Genitália Externa
Capítulo 25 - Traumatismos Arteriais Periféricos
Capítulo 26 - Traumatismos Venosos Periféricos
Capítulo 27 - Traumatismo Cranioencefálico no Adulto
Capítulo 28 - Traumatismo Cranioencefálico na Criança
Capítulo 29 - Traumatismos Raquimedulares
Capítulo 30 - Abdômen Agudo
Capítulo 31 - Apendicite Aguda
Capítulo 32 - Úlceras Gastroduodenais Pépticas Perfuradas
Capítulo 33 - Obstrução Intestinal
Capítulo 34 - Gravidez Ectópica/Gravidez Ectópica Rota
Capítulo 35 - Doença Inflamatória Pélvica
Capítulo 36 - Laparoscopia na Emergência
Capítulo 37 - Traumatismos da Mão
Capítulo 38 - Fraturas Expostas Princípios de Tratamento
Capítulo 39 - Urgências Otorrinolaringológicas
Capítulo 40 - Asma
Capítulo 41 - Infecções Agudas do Trato Respiratório
Capítulo 42 - Trombose Venosa dos Membros Inferiores
Capítulo 43 - Tromboembolismo Pulmonar
Capítulo 44 - Derrame Pleural
Capítulo 45 - Arritmias Cardíacas
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Capítulo 46 - Edema Pulmonar Agudo
Capítulo 47 - Crise Hipertensiva
Capítulo 48 - Infarto Agudo do Miocárdio
Capítulo 49 - Insuficiência Cardíaca Congestiva
Capítulo 50 - Reanimação Cardiopulmonar
Capítulo 51 - Litíase Biliar
Capítulo 52 - Intoxicação Alcoólica Aguda
Capítulo 53 - Pancreatite Aguda e Crônica Agutizada
Capítulo 54 - Cetoacidose Diabética
Capítulo 55 - Infecções do Trato Urinário
Capítulo 56 - Cólica Nefrética
Capítulo 57 - Comas
Capítulo 58 - Hipertensão Intracraniana
Capítulo 59 - Crise Convulsiva
Capítulo 60 - Meningites
Capítulo 61 - Acidentes por Animais Peçonhentos
Capítulo 62 - Distúrbios Hidroeletrolíticos e Ácidos-Básicos
Capítulo 63 - Agentes Antimicrobianos
Capítulo 64 - Urgências Psiquiátricas
Capítulo 65 - A Relação Médico-Paciente no Atendimento de Urgência
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Capítulo 01 - Anestesia Local e Regional
Marco Tulio Baccarini Pires
Luiz Verçosa
I. Introdução
Os pacientes portadores de ferimentos atendidos nos serviços de urgência dos grandes
centros urbanos são, na sua quase totalidade, vítimas de agressões ou de acidentes, que
ocasionam feridas caracterizadas como traumáticas. É de grande interesse que esses
ferimentos sejam classificados do melhor modo possível, quanto ao seu tipo, extensão e
complicações. Não raro, existem conotações médico-legais, por se tratarem de casos que
envolvem processos criminais, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho etc.
Feridas traumáticas são todas aquelas infligidas, geralmente de modo súbito, por algum
agente físico aos tecidos vivos. Elas poderão ser superficiais ou profundas, dependendo da
intensidade da lesão. Conceitualmente, considera-se como superficial um trauma que atinja
pele e tecido subcutâneo, respeitando o plano aponeurótico; considera-se profundo o
traumatismo que atinja planos vasculares, viscerais, neurais, tendinosos etc.
Os ferimentos conseqüentes ao trauma são causadores de três problemas principais:
hemorragia, destruição tissular mecânica e infecção. O tratamento das feridas traumáticas
tem evoluído desde o ano 3000 a.C.; já naquela época, pequenas hemorragias eram
controladas por cauterização. O uso de torniquetes é descrito desde 400 a.C. Celsus, no
início da era cristã, descreveu a primeira ligadura e divisão de um vaso sangüíneo. Já a
sutura dos tecidos é documentada desde os terceiro e quarto séculos a.C.
Na Idade Média, com o advento da pólvora, os ferimentos se tornaram muito mais graves,
com maior sangramento e destruição tissular; assim, métodos drásticos passaram a ser
utilizados para estancar as hemorragias, como a utilização de óleo fervente, ferros em brasa,
incenso, goma-arábica; logicamente, estes métodos em muito aumentaram as infecções nas
feridas pela necrose tissular que provocam. A presença de secreção purulenta em um
ferimento era indicativa de “bom prognóstico”. Os métodos “delicados’” para tratamento
das feridas foram redescobertos pelo cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 — passouse, então, a realizar o desbridamento das feridas, a aproximação das bordas, os curativos e,
principalmente, baniu-se o uso do óleo fervente.
Em 1884, Lister introduziu o tratamento anti-séptico das feridas, o que possibilitou um
extremo avanço na cirurgia; no século XX, a introdução das sulfas e da penicilina e,
posteriormente, de outros antibióticos determinou uma redução importante nas infecções
em feridas traumáticas, facilitando o tratamento e a recuperação dos pacientes.
II. Aspectos Biológicos da Cicatrização das Feridas
Nos últimos anos, a teoria básica da cicatrização das feridas evoluiu de modo
surpreendente. A cicatrização é uma seqüência de respostas e de sinais, na qual células dos
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mais variados tipos (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos) saem de seu meio
natural e interagem, cada qual contribuindo de alguma forma para o processo cicatricial.
Os eventos cicatriciais são dinâmicos, de ordem celular, bioquímica e fisiológica. Sabe-se
que a resposta inflamatória que se segue a qualquer lesão tissular é vital para o processo de
reparo. É correto, pois, afirmar que sem resposta inflamatória não ocorrerá cicatrização. A
própria lesão tem um efeito considerável na forma de reparo subseqüente. Assim, por
exemplo, uma ferida cirúrgica limpa, que foi suturada de forma anatômica e de imediato,
requer síntese mínima de tecido novo, enquanto uma grande queimadura utiliza todos os
recursos orgânicos disponíveis para cicatrização e defesa contra uma possível infecção,
com uma importante reação inflamatória no local.
Deve-se enfatizar que a reação inflamatória normal que acompanha uma lesão tecidual é
um fator benéfico, pois sem ela não ocorrerá cicatrização; somente uma reação inflamatória
exagerada, com grande edema local, será maléfica, levando a retardo no processo
cicatricial. O Quadro 2-1 resume os eventos da cicatrização das feridas.
Para facilitar a discussão dos eventos que ocorrem no processo de cicatrização, dividiremos
as feridas clínicas, de acordo com o tipo de tratamento realizado, em dois tipos: feridas
simples fechadas e feridas abertas (com ou sem perda de substância).
A. Feridas fechadas.
Por definição, considera-se como ferida fechada aquela que pôde ser suturada quando de
seu tratamento. São as feridas que mais nos interessam do ponto de vista prático, pois são
as mais comumente observadas nos ambulatórios de pronto-socorro.
Na seqüência da cicatrização das feridas fechadas, temos a ocorrência de quatro fases: fase
inflamatória, fase de epitelização, fase celular e fase de fibroplasia.
1. Fase inflamatória. Após o trauma e o surgimento da lesão, existe vasoconstrição local,
fugaz, que é logo substituída por vasodilatação. Ocorrem aumento da permeabilidade
capilar e extravasamento de plasma próximo ao ferimento. A histamina é o mediador inicial
que promove esta vasodilatação e o aumento da permeabilidade. Ela é liberada de várias
células presentes no local: mastócitos, granulócitos e plaquetas. O efeito da histamina é
curto, durando aproximadamente 30 minutos. Pesquisas recentes têm atribuído
extraordinária responsabilidade às plaquetas, no início da fase inflamatória da cicatrização.
Vários outros fatores têm sido implicados na manutenção do estado de vasodilatação que se
segue a esta fase inicial; entretanto, parecem ser as prostaglandinas (liberadas das células
locais) as responsáveis pela continuidade da vasodilatação e pelo aumento da
permeabilidade.
Em alguns outros vasos próximos ao local da lesão tissular, ocorrem fenômenos de
coagulação, mediados pelas plaquetas, com formação de trombos. Estes, por sua vez, em
uma fase um pouco mais tardia, passam a levar a uma maior formação e proliferação de
fibroblastos. Existem diversos fatores plaquetários, entre eles o de número 4 (PF4), que
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estimula a migração de células inflamatórias e de fibroblastos; além dele, o fator de
crescimento derivado plaquetário (PDGF) é capaz de atrair monócitos, neutrófilos,
fibroblastos e células musculares lisas. O PDGF também é capaz de estimular a síntese de
colagenase por fibroblastos, uma etapa essencial no processo de cicatrização. O fator de
crescimento básico de fibroblastos (bFGF), um fator não-plaquetário, apresenta sua
concentração de pico no interior da ferida no primeiro dia após o ferimento, em modelos
animais.
A migração de leucócitos no interior da ferida é intensa, pelo aumento da permeabilidade
capilar. Inicialmente, predominam os granulócitos, que, após algumas horas, são
substituídos por linfócitos e monócitos. Os monócitos, ao lisar tecidos lesados, originam
macrófagos, que fagocitam detritos e destroem bactérias. Sabe-se que os monócitos e os
macrófagos representam papel importante na síntese do colágeno; na ausência destes dois
tipos de células, ocorre redução intensa na deposição de colágeno no interior da ferida.
Agentes inibidores das prostaglandinas, como a indometacina, diminuem a resposta
inflamatória ao evitar a manutenção do estado de vasodilatação; conseqüentemente, podem
levar à desaceleração da cicatrização.
2. Fase de epitelização. Enquanto a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas
bordas da ferida suturada começam a surgir novas células epiteliais que para lá migram.
Desta forma, em 24-48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células
epiteliais. Finalmente, com o passar dos dias, as células da superfície se queratinizam. O
fator de crescimento da epiderme (EGF) é importante nesta fase.
3. Fase celular. Em resposta à lesão, fibroblastos — células com formato de agulha e de
núcleos ovalados, derivados de células mesenquimais —, residentes nos tecidos adjacentes,
proliferam por três dias e no quarto dia migram para o local do ferimento. No décimo dia os
fibroblastos tornam-se as células predominantes no local.
Os fibroblastos têm quatro diferentes ações no interior de uma ferida: primeiramente,
proliferando; depois, migrando; em seguida, secretando o colágeno, tecido matricial da
cicatriz; e, por último, formando feixes espessos de actina como miofibroblastos.
A rede de fibrina que se forma no interior da ferida serve como orientação para a migração
e o crescimento dos fibroblastos, fornecendo-lhes o suporte necessário. O fibroblasto não
tem capacidade de lisar restos celulares; assim, a presença de tecidos macerados, coágulos e
corpos estranhos constitui uma barreira física à sua proliferação, com conseqüente retardo
da cicatrização. Daí, a necessidade absoluta de se realizar um bom desbridamento de
qualquer lesão, removendo-se tecidos necrosados, coágulos etc.
Uma neoformação vascular intensa se segue ao avanço dos fibroblastos. Esta angiogênese
tem um papel crítico para o sucesso da cicatrização das feridas. Acredita-se, atualmente,
que a angiogênese seja regulada por fatores de crescimento locais, entre eles o fator de
crescimento básico de fibroblasto (BFGF) . Os monócitos e os macrófagos também estão
associados à produção de fatores estimulantes à neoformação vascular.
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A fase celular da cicatrização dura algumas semanas, porém o número de fibroblastos vai
diminuindo progressivamente até a quarta ou quinta semana após a lesão. Neste período, a
rede de neovascularização já se definiu por completo.
O colágeno, secretado pelos fibroblastos, proporciona força e integridade aos tecidos do
corpo. Desta forma, quando há necessidade de um reparo tissular, é exatamente na
deposição e no entrecruzamento do colágeno que irá basear-se a força da cicatriz.
4. Fase de fibroplasia. É a fase caracterizada pela presença do elemento colágeno, proteína
insolúvel, existente em todos os animais vertebrados. O colágeno é secretado pelos
fibroblastos numa configuração do tipo “hélice tripla”. Mais da metade da molécula é
composta por apenas três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina.
Para a síntese das cadeias de colágeno é necessária a hidroxilação da prolina e da lisina.
Esta hidroxilação, que ocorre ao nível dos ribossomos, requer enzimas específicas, as quais
necessitam de vários co-fatores, tais como oxigênio, ascorbato, ferro e alfacetoglutarato.
Desse modo, é fácil entender por que uma deficiência de ácido ascórbico ou a hipoxemia
pode levar ao retardo da cicatrização, pela menor produção das moléculas de colágeno.
As primeiras fibras de colágeno surgem na profundidade da ferida, cerca de cinco dias após
o traumatismo. Com o passar dos dias, feixes de colágeno dispostos ao acaso vão
gradativamente ocupando as profundezas do ferimento. Esses feixes originam uma
estrutura bastante densa e consistente: a cicatriz. Com o aumento do número de fibras
colágenas na cicatriz, esta se vai tornando mais resistente. Feridas cutâneas, por exemplo,
continuam a ganhar resistência de forma constante por cerca de quatro meses após a lesão.
O controle da síntese do colágeno ainda continua sendo de difícil explicação. Sabe-se que o
processo desta síntese é particularmente dependente do oxigênio.
As feridas musculares adquirem resistência mais lentamente; os tendões são ainda mais
lentos do que os músculos neste ganho de resistência. Apesar desta recuperação da
resistência, quase nunca a cicatriz adquire a mesma resistência do tecido original; a cicatriz
tem também menor elasticidade que o tecido que veio a substituir.
A fase de fibroplasia não tem um final definido — sua duração varia conforme o local da
lesão, sua profundidade, o tipo do tecido lesado, e se existem ou não as deficiências já
descritas anteriormente (oxigenação, ácido ascórbico etc.).
Sabe-se ainda que as cicatrizes continuam remodelando-se com o passar dos meses e anos,
sofrendo alterações progressivas em seu volume e forma. Essa remodelação ocorre através
da degradação do colágeno, que é mediada pela enzima colagenase. A degradação do
colágeno é tão importante quanto a sua síntese no reparo das feridas, para evitar um
entrecruzamento desordenado de fibras e levar à formação de uma cicatriz excessiva. Em
certas condições patológicas, tais como nos quelóides, na cirrose hepática e nas feridas
intra-abdominais, observa-se exatamente uma deposição exagerada de colágeno, não
destruído pela colagenase.
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Sabe-se que existem sete tipos distintos de colágeno no ser humano: os tipos I e II são os
principais existentes nas lesões da pele.
B. Feridas abertas. Como mencionado anteriormente, as feridas abertas podem ocorrer com
ou sem perda de substância. Clinicamente, um ferimento deixado aberto se comporta de
modo completamente diverso de um ferimento que foi suturado.
Numa ferida aberta (não suturada), observa-se a formação de um tecido de aspecto granular
fino no interior da lesão — o chamado tecido de granulação —, que surge cerca de 12-24
horas após o trauma. Neste tipo de ferimento, um novo componente passa a ter importância
— é a contração. O miofibroblasto é a célula responsável por este fenômeno, fazendo com
que a pele circunjacente à ferida se contraia, não ocorrendo a produção de uma “pele nova”,
para recobrir o defeito. A contração é máxima nas feridas deixadas abertas, podendo
inclusive ser patológica (ocasionando deformidades e prejuízos funcionais), dependendo do
local do ferimento e da extensão da lesão. Recobrir uma ferida com um curativo ou com um
enxerto de pele é uma boa maneira de se evitar a contração patológica.
Excisões repetidas das bordas da lesão (“avivarem-se” as bordas) fazem diminuir bastante o
fenômeno da contração, fazendo com que a proliferação das células epiteliais seja mais
ordenada e que a cicatriz final tenha mais força (normalmente, a cicatriz epitelizada de uma
ferida que foi deixada aberta e que cicatrizou por segunda intenção é bastante frágil).
Glândulas sudoríparas e sebáceas e folículos pilosos favorecem a formação de uma junção
bastante forte entre a epiderme e a derme; como esta estrutura não existe na cicatriz da
ferida deixada aberta, sua ausência contribui para a pequena resistência desta epiderme. A
enxertia precoce e a técnica de fechamento retardado das feridas (no segundo ou terceiro
dia após a lesão, caso não se observe infecção) são também boas formas de se evitar a
contração patológica nas feridas deixadas abertas.
Não se devem confundir as expressões contração e retração; esta última se refere à retração
tardia da cicatriz, que ocorre principalmente em determinadas circunstâncias, como nas
queimaduras e nas lesões em regiões de dobras de pele.
III. Tipos de Cicatrização das Feridas
A. Cicatrização por primeira intenção. É aquela que ocorre quando as bordas de uma ferida
são aproximadas — o método mais comum é a sutura. A contração, nesses casos, é mínima,
e a epitelização começa a ocorrer dentro de 24 horas, sendo a ferida fechada contra a
contaminação bacteriana externa.
B. Fechamento primário retardado. Na presença de lesão intensamente contaminada, o
fechamento desta deve ser protelado, até que se verifiquem as respostas imunológicas e
inflamatórias do paciente. Utilizam-se ainda antibióticos e curativos locais. No segundo ou
terceiro dia, ao observarmos que não se apresenta contaminação no ferimento, este poderá
ser fechado.
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Um exemplo de fechamento primário retardado seria a utilização deste procedimento após a
remoção de um apêndice supurado — uma cirurgia na qual o índice de abscessos de parede
pós-operatória é alto, quando o fechamento primário simples (primeira intenção) é utilizado
(ver Cap. 31, Apendicite Aguda). Confirmada, em torno do terceiro dia, a ausência de
infecção de pele ou de tecido subcutâneo, procede-se à sutura desses planos.
C. Fechamento por segunda intenção. É a cicatrização por meio de processos biológicos
naturais. Ocorre nas grandes feridas abertas, principalmente naquelas em que há perda de
substância tecidual. Neste tipo de ferida, a contração é um fenômeno que ocorre mais
intensamente, como já explicado.
IV. Fatores Que Influenciam na Cicatrização das Feridas
Sabemos que são vários os fatores que podem levar à alteração na cicatrização das feridas,
sejam eles ligados ao tipo de traumatismo, ao próprio paciente, a algum tratamento em
curso, ou a algum tipo de medicação em uso.
A. Nutrição. Ocorre retardo na cicatrização de feridas em doentes extremamente
desnutridos (quando a redução do peso do paciente ultrapassa um terço do peso corporal
normal). É bem-estabelecida a relação entre cicatrização ideal e um balanço nutricional
positivo do paciente.
B. Depressão imunológica. A ausência de leucócitos polimorfonucleares pode, pelo retardo
da fagocitose e pela lise de restos celulares, prolongar a fase inflamatória e predispor à
infecção. Além disso, no caso específico da ausência de monócitos, sabe-se que a formação
de fibroblastos estará prejudicada.
C. Oxigenação. A síntese do colágeno depende de oxigênio para formação de resíduos
hidroxiprolil e hidroxilisil. Uma anoxia, até mesmo temporária, pode levar à síntese de um
colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica. Além disso,
feridas em tecidos isquêmicos apresentam-se com infecção mais freqüentemente do que
aquelas em tecidos normais.
D. Volume circulante. A hipovolemia e a desidratação levam a menor velocidade de
cicatrização e a menor força da cicatriz. Entretanto, a anemia não altera, por si só, a
cicatrização.
E. Diabetes. A síntese do colágeno diminui bastante na deficiência de insulina, como pôde
ser comprovado em experimentos em modelo animal. São também menores a proliferação
celular e a síntese do DNA, que explica a menor velocidade de cicatrização no diabético.
Além disso, existe um componente de microangiopatia cutânea, acarretando menor fluxo
tissular, com conseqüentes menor oxigenação e menor pressão de perfusão local. A
infecção da ferida é um sério problema nesses pacientes. O componente de arteriosclerose
pode ainda se fazer presente no diabético, concomitantemente, agravando ainda mais o
quadro.
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F. Arteriosclerose e obstrução arterial. Também levam ao menor fluxo para o local do
ferimento, com retardo cicatricial. Em alguns pacientes, como já comentado anteriormente,
a arteriosclerose associa-se à microangiopatia diabética, principalmente em pacientes mais
idosos, com lesões dos membros inferiores.
G. Uso de esteróides. Estes têm um efeito antiinflamatório potente, fazendo com que a
cicatrização se proceda de forma mais lenta, sendo a cicatriz final também mais fraca. A
contração e a epitelização ficam muito inibidas.
H. Quimioterapia. Os agentes quimioterápicos agem em várias áreas, retardando a
cicatrização: levam à neutropenia (predispondo à infecção); inibem a fase inflamatória
inicial da cicatrização (ciclofosfamida); interferem na replicação do DNA; interferem nas
mitoses celulares e na síntese protéica.
I. Irradiação. A irradiação leva à arterite obliterante local que, por sua vez, causa hipoxia
tecidual. Existem diminuição na população de fibroblastos e, conseqüentemente, menor
produção de colágeno. As lesões por irradiação devem ser excisadas em suas bordas
avivadas e, em seguida, tratadas.
J. Politraumatizados. Um paciente politraumatizado, com inúmeras lesões, em choque, com
hipovolemia e hipoxemia tecidual geral, é um bom candidato a ter seus ferimentos
superficiais infectados. Se isto ocorrer, haverá retardo cicatricial. Quanto mais grave e
prolongado o estado de choque, maior será a dificuldade de cicatrização de lesões
múltiplas.
L. Tabagismo. A associação entre o uso de cigarros e o retardo na cicatrização é bem
reconhecida. Os efeitos já documentados dos constituintes tóxicos do cigarro —
particularmente a nicotina, o monóxido de carbono e o cianido de hidrogênio — sugerem
vários mecanismos em potencial pelos quais o fumo pode determinar o retardo cicatricial.
A nicotina é um vasoconstritor que reduz o fluxo sangüíneo para a pele, resultando em
isquemia tissular. A nicotina também aumenta a aderência plaquetária, favorecendo a
ocorrência de trombose da microcirculação. Além disso, a proliferação de hemácias,
fibroblastos e macrófagos é reduzida pela nicotina. Já o monóxido de carbono diminui o
transporte e o metabolismo do oxigênio. O cianido de hidrogênio inibe os sistemas
enzimáticos necessários ao metabolismo oxidativo e ao transporte de oxigênio em nível
celular. Clinicamente, tem sido observada a cicatrização mais lenta em fumantes com
feridas resultantes de trauma, doenças da pele e cirurgia. Os fumantes deveriam ser
recomendados a parar de fumar antes de cirurgias eletivas ou quando estivessem se
recuperando de ferimentos resultantes de trauma, doenças diversas da pele ou de cirurgia de
emergência.
V. Classificação
As feridas podem ser classificadas de várias maneiras; se as relacionarmos com o tempo de
traumatismo, serão chamadas de agudas ou crônicas. Já se as abordarmos de acordo com o
meio ou o agente causal das lesões, elas poderão ser classificadas de outras maneiras — ver
Quadro 2-2.
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As feridas contusas resultam da ação de instrumento contundente; as feridas cortantes ou
incisas são resultado da ação de instrumento cortante, e assim sucessivamente. Uma ferida
cortocontusa resulta da ação de um instrumento contundente que provoque uma contusão e
um corte local.
A. Feridas incisas. São provocadas por instrumentos cortantes, tais como navalhas, facas,
bisturis, lâminas de metal ou de vidro etc. O trauma é causado pelo deslocamento sobre
pressão do instrumento na pele. Suas principais características são: predomínio do
comprimento sobre a profundidade; bordas regulares e nítidas, sendo geralmente retilíneas;
o tônus tecidual e a sua elasticidade fazem com que ocorra o afastamento das bordas da
lesão.
Podemos subdividir as feridas incisas em três tipos: (a) simplesmente incisas — nelas, o
instrumento penetra na pele de forma perpendicular; (b) incisas com formação de retalhos
— o corte é biselado, com formação de um retalho pediculado, e o instrumento penetra de
maneira oblíqua à pele; (c) com perda de substância — nelas, uma certa porção do tecido é
destacada.
Em uma ferida incisa, o corte começa e termina a pique, fazendo com que exista uma
profundidade igual de um extremo a outro da lesão (como na ferida cirúrgica); nas
chamadas feridas cortantes, as extremidades da lesão são mais superficiais, enquanto a
parte mediana do ferimento é mais profunda.
B. Feridas cortocontusas. Em um ferimento cortocontuso, o instrumento causador da lesão
não tem gume tão acentuado como no caso das feridas incisas; um exemplo seria um corte
por enxada no pé — é a força do traumatismo que causa a penetração do instrumento. Uma
ferida cortocontusa pode ser ocasionada por um instrumento que não tem nenhum gume,
mas que, pela força do impacto, faz com que ocorra a solução de continuidade na pele.
C. Feridas perfurantes. São provocadas por instrumentos longos e pontiagudos, tais como
agulhas, pregos, alfinetes etc., podendo ser superficiais ou profundas. No caso de uma
ferida perfurante adentrar uma cavidade do corpo, como a cavidade peritoneal, ela receberá
o nome de cavitária. Uma ferida perfurante pode ainda ser transfixante, ao atravessar um
membro ou órgão. A gravidade de um ferimento perfurante varia de acordo com o órgão
atingido. Um exemplo caracteristicamente marcante seria a perfuração do coração por um
estilete, que pode causar a morte do paciente. Este mesmo estilete, penetrando em outro
local, como na face lateral da coxa, pode não vir a trazer qualquer conseqüência maior.
D. Feridas perfurocontusas. São causadas principalmente pelos projéteis de arma de fogo.
Suas principais características são:
1. O orifício de entrada de uma bala apresenta uma orla de contusão e uma orla de enxugo;
se o tiro tiver sido dado à queima-roupa, bem próximo do paciente, ocorrerá também uma
zona de chamuscamento ou de tatuagem. O orifício de saída geralmente é maior do que o
de entrada; não apresenta orla de contusão e de enxugo; muitas vezes, próximo ao orifício
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de saída, existem fragmentos de tecidos orgânicos e outros materiais (pano, couro etc.),
carregados pela bala.
2. Cargas de chumbo (ferimentos por cartucheira) produzem um tipo de ferida
perfurocontusa um pouco diferente: neste caso, a lesão também tem um componente de
laceração, pois inúmeros projéteis atingem uma área pequena no corpo do paciente.
E. Feridas lacerocontusas. Os mecanismos mais freqüentes são: (a) compressão: a pele, sob
a ação de uma força externa, é esmagada de encontro ao plano subjacente; (b) tração: por
rasgo ou arrancamento tecidual, como em uma mordedura de cão.
Como características das feridas lacerocontusas, citamos: bordas irregulares infiltradas de
sangue, ângulos em número de dois ou mais e a presença de bridas (“pontes”) de pele ou de
vasos sangüíneos unindo os dois lados da lesão.
São freqüentes as complicações sépticas, pela ocorrência de necrose tecidual.
F. Feridas perfuroincisas. São provocadas por instrumentos perfurocortantes, que possuem
ao mesmo tempo gume e ponta, como, por exemplo, um canivete, um punhal etc.
As lesões podem ser superficiais ou profundas e, como nas feridas perfurantes, recebem o
nome de cavitárias ao atingirem as cavidades serosas do corpo.
G. Escoriações. Ocorrem quando a lesão surge de forma tangencial na superfície cutânea,
com arrancamento da pele. Um exemplo comum seria o de uma queda com deslizamento
sobre uma superfície irregular, como no asfalto.
H. Equimoses e hematomas. Nas equimoses não ocorre solução de continuidade da pele,
porém os capilares se rompem, proporcionando um extravasamento de sangue para os
tecidos.
O hematoma é formado quando o sangue que se extravasa pelo processo descrito forma
uma cavidade.
I. Bossas sangüíneas. São hematomas que vêm a constituir uma saliência na superfície da
pele. São freqüentes, por exemplo, no couro cabeludo.
VI. Tratamento
Uma anamnese sucinta é realizada, procurando-se determinar a causa e as condições nas
quais ocorreram as lesões. É importante que seja feito um exame clínico geral objetivo,
observando-se as mucosas, a pulsação, a pressão arterial, as auscultas cardíaca e
respiratória, para que sejam descartados fatores complicantes em relação ao tratamento que
será estabelecido. Os passos no tratamento deverão obedecer à seguinte ordem:
A. Classificação da ferida. Verificamos há quanto tempo ocorreu o ferimento, se existe ou
não perda de substância, se há penetração em cavidades, se há perda funcional ou se
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existem corpos estranhos. A realização de exames complementares, como radiografias ou
exames de laboratório, deverá ser feita na medida do necessário, avaliando-se caso a caso.
B. Realização da anti-sepsia. Ao redor da ferida, na maior parte dos casos, é suficiente a
limpeza com PVP-I a 10% (Povidine®), sendo este removido posteriormente com irrigação
por soro fisiológico.
O ferimento deve ser meticulosamente limpo, basicamente com soro fisiológico.
Compostos como o Soapex®, PVP-I, ou similares podem ser utilizados em casos de
ferimentos muito sujos (p. ex., por terra, ou nas moderduras de animais), desde que venham
a ser completamente removidos em seguida, por irrigação copiosa de soro fisiológico. A
água oxigenada é um bom agente para remoção de coágulos de ferimentos maiores, do tipo
laceração. Entretanto, deve ser evitado o seu contato íntimo com a superfície lesada, por ela
provocar necrose celular — seu uso deve ser limitado apenas ao redor do ferimento. Caso o
contato da água oxigenada com a lesão ocorra, deve-se irrigar novamente o ferimento com
soro fisiológico.
A irrigação vigorosa de uma ferida, utilizando-se soro fisiológico sob pressão em bolus,
injetado através de seringas de 35 a 65 ml de capacidade, e usando-se agulha calibre 19, é
um método bastante eficaz para diminuir a contagem bacteriana no interior do ferimento. O
volume médio de soro fisiológico injetado em uma lesão é de aproximadamente 150 a 250
ml. Esta técnica se tem mostrado bastante eficaz na prática, e gera pressões de 15 a 40 psi
(libras/polegada2). Em contraste, o uso de frascos plásticos de soro fisiológico, sobre os
quais é exercida pressão manual, conectados a agulha calibre 19, é capaz de gerar pressão
de 2,0 a 5,5 psi. É possível a conclusão de que esta última técnica (uso de frascos plásticos)
está desaconselhada quando há necessidade de irrigação de alta pressão.
C. Fazer anestesia. Este procedimento varia para cada tipo de ferida, ou seja, desde uma
simples infiltração de anestésico local até anestesia geral. O uso de lidocaína tamponada ou
de lidocaína aquecida torna o processo de anestesia local menos doloroso, podendo estas
técnicas serem usadas em feridas traumáticas sem aumentar os índices de infecção (ver
Cap. 1 para informações mais abrangentes acerca dos agentes anestésicos).
D. Hemostasia, exploração e desbridamento. Nas hemorragias, a conduta varia de acordo
com a gravidade da lesão e o local onde se encontra o paciente (via pública, rodovia,
hospital etc.). Fora do ambiente hospitalar, na presença de sangramento externo importante,
a primeira medida a ser tomada é a compressão da lesão. No hospital, em hemorragias
simples, bastam o pinçamento e a ligadura do vaso. A técnica de garroteamento com um
manguito pneumático é boa opção para lesões nos membros. Devemos lembrar, entretanto,
que neste caso o manguito não deve permanecer insuflado por mais de 30 minutos. O uso
de torniquetes feitos com madeira, cordas, ou tecidos, aplicado na raiz dos membros, é
contra-indicado pelo alto número de complicações vasculares que provoca, notadamente a
trombose venosa profunda.
A exploração da ferida é o passo seguinte após realização da hemostasia. Verifica-se até
que ponto houve lesão; a seguir, procede-se ao seu desbridamento, removendo partes
necrosadas e corpos estranhos.
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E. Sutura da lesão. É iniciada pelos planos mais profundos. Para a musculatura, utilizam-se
fios absorvíveis do ácido poliglicólico (Dexon®) ou da poliglactina (Vicryl®), 2-0 ou 3-0.
Esta sutura é feita com pontos separados em X ou em U. Geralmente, não há necessidade
de se suturar separadamente a aponeurose em ferimentos do tipo encontrado
ambulatorialmente, sendo ela englobada na sutura muscular. Caso se faça a sutura da
aponeurose separadamente, poderão ser utilizados fios absorvíveis ou inabsorvíveis,
indistintamente (Fig. 2-1).
Na sutura do tecido celular subcutâneo, utilizam-se fios absorvíveis (categute simples ou a
poliglactina), 2-0, 3-0 ou 4-0, com pontos separados. A pele é suturada com fio
inabsorvível 3-0 a 6-0, dependendo da região (p. ex., face — utilizar fio 6-0,
monofilamentado) (Fig. 2-2).
Suturas contínuas ou mesmo intradérmicas devem ser evitadas nos casos de ferimentos
traumáticos. A sutura da pele não deve ser feita sob tensão. Um outro cuidado é o de que
não devemos deixar os chamados “espaços mortos” durante a rafia dos planos profundos. A
Fig. 2-3 mostra um tipo de sutura intradérmica.
A Fig. 2-4 mostra uma sutura de pele em chuleio contínuo (esta é uma técnica pouco usada,
de uso muito ocasional).
A sutura com pontos em U, como descrito acima, é mais usada em planos profundos; seu
uso em suturas de pele é restrito a casos em que uma maior hemostasia é necessária. A
sutura com pontos Donati é usada em feridas de pele, quando se deseja uma maior
aproximação das bordas da lesão (Fig. 2-5).
Feridas de pequena extensão e pouco profundas poderão ser apenas aproximadas com uso
de adesivo cirúrgico de tipo Micropore®, conforme mostra a Fig. 2-6.
A aproximação de espaços subcutâneos com pontos em excesso poderá favorecer a
infecção local. Caso a lesão do tecido subcutâneo seja superficial, este não deverá ser
suturado.
O uso de curativos tem a vantagem de prevenir a desidratação e a morte celular, acelerando
a angiogênese, aumentando a lise do tecido necrótico e potencializando a interação dos
fatores de crescimento com suas células-alvo; a manutenção de um meio úmido no curativo
se tem mostrado um poderoso aliado na cicatrização das feridas, sendo infundadas as
preocupações de que a umidade favoreceria a ocorrência de infecção. A manutenção de um
meio seco no local do ferimento não apresenta vantagens. Curativos hidrocolóides
(Comfeel®; Duoderm®) são usados com vantagens em áreas com grandes perdas de
substâncias, propiciando uma melhor cicatrização por segunda intenção.
Em relação a pomadas antibióticas tópicas, seu uso é discutido.
Ferimentos simples suturados podem ser limpos com água e sabão durante o banho, 24
horas após a sutura da lesão, sem qualquer risco de aumento da taxa de infecção.
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VII. Lesões Específicas
A. Mordeduras (de cão, humanas etc.). Em princípio, não devem ser suturadas, por serem
ferimentos potencialmente contaminados; entretanto, nos casos de grandes lacerações, e
dependendo do local acometido, após anti-sepsia e desbridamento rigorosos, podem ser
necessários alguns pontos para aproximação das bordas. A cobertura antibiótica é
obrigatória em todos os casos de mordeduras.
Naquelas lesões muito profundas, atingindo até o plano muscular, com esgarçamento
tecidual, a conduta correta é aproximar os planos profundos com fios absorvíveis, os quais,
por serem degradados, não mantêm um estado infeccioso local (diferentemente dos fios
inabsorvíveis), deixando-se a pele sem sutura.
B. Ferimentos por arma de fogo. São comuns os ferimentos à bala que atingem somente
partes moles (p. ex., face lateral da coxa). A decisão de se retirar o projétil deve ser
avaliada em cada caso, levando-se em consideração, principalmente, sua profundidade, a
proximidade de estruturas nobres, o risco de infecção e se sua presença está levando ou não
a algum prejuízo funcional.
Caso haja apenas um orifício (no caso, o de entrada), este não deve ser suturado,
procurando-se lavar bem o interior do ferimento. No caso de dois orifícios (entrada e saída),
um deles poderá, se assim o médico desejar, ser suturado após a limpeza. A cobertura
antibiótica em ferimentos por arma de fogo é discutível. A bala, em si, é estéril, devido ao
seu calor, porém pode levar para o interior da ferida corpos estranhos, como couro,
fragmentos de roupas etc., e que podem ser de difícil remoção; nestes casos, indica-se
antibioticoterapia.
C. Lesões por pregos. São lesões perfurantes encontradas em ambulatórios de urgências
com uma certa freqüência, sendo de maior gravidade as produzidas por pregos
enferrujados. A importância desse tipo de ferida decorre da possibilidade de, em indivíduos
não-imunizados, ou com desbridamento local malfeito, ela levar ao tétano. As lesões por
pregos devem ser desbridadas sob anestesia e deixadas abertas. Deve-se enfatizar que uma
limpeza superficial, sem desbridamento, expõe o paciente ao risco de contrair tétano.
VIII. Complicações.
As complicações mais comuns das feridas ambulatoriais são: má exploração ou
desbridamento; contaminação do instrumental usado ou do próprio profissional; presença
de espaço morto e sua decorrente contaminação; má ligadura de vasos sangüíneos com
formação de hematomas e possível contaminação; sutura da pele sob tensão, formando
áreas de isquemia com posterior deiscência da sutura; fatores ligados ao próprio tipo de
ferimento (lacerações extremas, contaminação grosseira), que, apesar de um tratamento
muito bem feito, pode não apresentar o melhor resultado desejável; fatores ligados ao
próprio paciente ou ao uso de medicamentos, tais como diabetes, isquemia da região
afetada (p. ex., arteriosclerose nos idosos), uso de corticosteróides, deficiência de vitamina
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C e mesmo fatores relacionados a baixas condições de higiene e tratamento inadequado da
lesão.
Na maioria das complicações, esta é de tipo infeccioso, com formação de abscesso,
seguindo-se deiscência da sutura. O tratamento requer drenagem dos abscessos,
antibioticoterapia, curativos e acompanhamento médico. Nos curativos de feridas
infectadas, deverão ser sempre priorizados o desbridamento e a irrigação copiosa das lesões
com soro fisiológico. Curativos específicos deverão ser usados em cada caso, dependendo
do tipo da lesão. A utilização de açúcar ou mesmo de mel, em algumas situações
específicas, poderá ser útil, uma vez que esses produtos têm propriedades antimicrobianas,
inibindo o crescimento de bactérias gram-negativas e gram-positivas.
IX. Infecções Cirúrgicas em Pacientes Traumatizados.
Qualquer infecção depende fundamentalmente de dois fatores: da natureza do agente
invasor e dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Podem-se acrescentar dois outros
fatores: os ligados ao próprio tipo de ferimento e aqueles ligados ao atendimento médico
prestado. De acordo com o grau de contaminação, as feridas podem ser classificadas da
seguinte maneira:
A. Feridas limpas. São produzidas exclusivamente em ambiente cirúrgico. Verifica-se
ausência de trauma acidental, ausência de inflamação, técnica cirúrgica asséptica correta,
observando-se que, durante o ato operatório, não foram abertos os sistemas respiratório,
alimentar e geniturinário.
B. Feridas limpas-contaminadas. São freqüentemente encontradas em ambulatórios de
pronto-socorro — um exemplo típico é o de uma ferida incisa produzida por faca de
cozinha. Nela não existe contaminação grosseira.
C. Feridas contaminadas. São aquelas em que já se observa algum tipo de reação
inflamatória mais importante, ou, ainda, em que tenham decorrido mais de seis horas após o
trauma. Também entram neste grupo feridas em que tenha havido contato com terra ou com
material fecal, as mordeduras e as feridas nas quais um desbridamento completo não foi
conseguido.
D. Feridas infectadas. São aquelas nas quais se observa a presença de pus no seu interior,
macroscopicamente, ou que apresentam demasiados sinais de infecção.
A importância desta classificação está na indicação de antibioticoterapia, pois, de rotina,
prescrevem-se antibióticos (esquema para tratamento) para as feridas contaminadas e
infectadas. Nos casos de feridas limpas e limpas-contaminadas, administram-se antibióticos
somente nos seguintes casos: comprometimento circulatório no local do ferimento (p. ex.,
lesão em membro inferior de portador de microangiopatia diabética); baixa resistência do
paciente (por doença debilitante crônica ou por uso de drogas); ferimento em junção
mucocutânea; ferimentos da mão em geral; paciente com hipotensão ou choque
prolongado; feridas perineais ou em área genital.
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Ao se indicar um antibiótico em caso de ferimento contaminado ou infectado, não se está
pensando em profilaxia, e sim em tratamento, já que temos a certeza da presença de
bactérias no interior da lesão.
Nunca é demais lembrar que um antibiótico, por mais potente e de amplo espectro que seja,
não substitui um tratamento malfeito da ferida.
X. Profilaxia do Tétano.
O tétano é causado pela toxina tetânica, secretada pelo organismo Clostridium tetani. A
infecção é geralmente pequena e localizada, sendo a neurotoxina a responsável pelos
sintomas da doença. Dois são os mecanismos pelos quais ocorre a disseminação da toxina:
o primeiro, através de vasos sangüíneos e linfáticos, e o segundo, através dos espaços
perineurais dos troncos nervosos, até o sistema nervoso central.
O C. tetani é um anaeróbio que requer um baixo potencial local de oxirredução, a fim de
que seus esporos possam germinar. Assim, a mera presença do C. tetani ou de seus esporos
em uma ferida não quer dizer que a doença irá ocorrer. Uma infecção bacteriana no
ferimento, por exemplo, pode levar a uma baixa do potencial de oxirredução local, surgindo
então a doença. Uma vez os organismos iniciem a sua multiplicação, eles produzirão a
exotoxina e poderão manter as condições necessárias para a multiplicação continuada. O
período de incubação do tétano varia de 48 horas a vários meses, sendo a gravidade da
doença inversamente proporcional ao período de incubação. A maioria dos casos tem este
período compreendendo a faixa de uma a duas semanas.
Os ferimentos onde o tétano surge são dos mais variados tipos possíveis. Por vezes,
ferimentos simples são negligenciados, e deles surge a doença. Outras vezes, o foco pode
estar em uma simples extração dentária, ou em uma úlcera varicosa crônica de membro
inferior.
São os seguintes os princípios usados na prevenção do tétano: (a) desbridamento da lesão;
(b) uso de toxóide tetânico (imunização ativa); (c) uso de antitoxina (imunização passiva) e
(d) antibioticoterapia.
O Colégio Americano de Cirurgiões fornece algumas orientações para os ferimentos
sujeitos ao tétano:
A. Princípios gerais. Cabe ao médico determinar a profilaxia adequada para cada paciente.
1. Cuidados meticulosos com a ferida são indispensáveis, com remoção de tecido
desvitalizado e corpos estranhos.
2. Todo paciente com uma ferida deve receber toxóide tetânico adsorvido por via
intramuscular no momento da lesão (como uma dose imunizante inicial ou como reforço
para imunização prévia), a menos que tenha recebido um reforço ou tenha completado sua
série inicial de imunizações nos últimos 12 meses.
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3. Deve-se pensar na necessidade de imunização passiva com imunoglobulina humana
(homóloga), levando-se em consideração as características da ferida, as condições sob as
quais ela ocorreu e o estado prévio de imunização ativa do paciente.
4. Todo paciente com ferida deve receber um registro por escrito da imunização realizada,
deve ser instruído a portá-lo todo o tempo e, quando indicado, completar a imunização
ativa. Para uma profilaxia exata do tétano, é necessária uma anamnese precisa e
imediatamente disponível em relação à imunização ativa prévia.
5. A imunização básica com toxóide adsorvido exige três injeções. Está indicado um
reforço do toxóide adsorvido 10 anos após a terceira injeção ou 10 anos após um reforço de
ferida interveniente.
B. Medidas específicas para pacientes com feridas
1. Indivíduos previamente imunizados
a. Quando o paciente foi ativamente imunizado dentro dos últimos 10 anos:
(1) Para a maioria, administrar 0,5 ml de toxóide tetânico adsorvido como reforço, a menos
que exista a certeza de que o paciente recebeu um reforço nos últimos 12 meses.
(2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas
ao tétano, administrar 0,5 ml do toxóide adsorvido, a menos que haja certeza de que foi
fornecido um reforço nos últimos seis meses.
b. Quando o paciente tiver sido ativamente imunizado há mais de 10 anos, não tendo
recebido qualquer reforço no período seguinte:
(1) Na maioria dos casos, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido.
(2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas
ao tétano:
(a) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido.
(b) Administrar 250-500 unidades de imunoglobulina tetânica (humana),
(Tetanobulin®; Tetaglobuline®). Utilizar seringas, agulhas e locais diferentes.
IM
(c) Considerar a administração de oxitetraciclina ou penicilina.
2. Indivíduos não-imunizados anteriormente
a. Nas feridas pequenas, limpas, nas quais o tétano é extremamente improvável, administrar
0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial).
b. Para todas as outras feridas:
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(1) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial).
(2) Administrar 250-500 U de imunoglobulina tetânica humana.
(3) Considerar a administração de oxitetraciclina ou de penicilina.
As seguintes considerações podem ser tecidas acerca das condutas acima:
Para crianças, a dose de imunoglobulina humana é de 4-5 U/kg de peso corpóreo, até um
total de 100-200 U.
No caso de não estar disponível a imunoglobulina humana, o uso da imunização passiva
com antitoxina tetânica eqüina deve ser considerado, caso o paciente não seja sensível a ela,
na dose de 5.000-10.000 U IM; somente se a possibilidade de tétano ultrapassar o perigo da
reação à antitoxina tetânica heteróloga, ela deve ser utilizada. Caso o paciente seja sensível
à antitoxina heteróloga, esta não deverá ser administrada. Não deve ser tentada a
dessensibilização, pois esta não tem valor.
A imunização ativa de pacientes com mais de 7 anos é obtida com uma dose inicial de
toxóide adsorvido por fosfato de alumínio — 0,5 ml por via intramuscular. Uma segunda
dose é administrada 4-6 semanas após a primeira, e uma terceira injeção é feita 6-12 meses
depois.
A antibioticoterapia com penicilina é eficaz contra as células vegetativas do C. tetani. Podese empregar a oxitetraciclina quando o paciente é alérgico à penicilina. O antibiótico deve
ser administrado nas três primeiras horas após o ferimento.
XI. Escolha de Antibióticos em Pacientes Traumatizados.
Considerando as indicações expostas anteriormente neste capítulo, passa-se, nos casos
indicados, à escolha de um agente antimicrobiano. Sempre ocorre a dúvida do melhor
agente a ser prescrito. A não ser nos casos de infecção já instalada, causada por
microrganismo específico, a escolha deve ser por um agente de largo espectro, com rápido
e eficaz poder de ação, e de custo acessível para o paciente. Desse modo, a escolha recai
mais freqüentemente na penicilina ou em um de seus derivados semi-sintéticos.
Em relação à penicilina oral, esta é mais comumente usada na forma de penicilina V (Penve-oral®), administrando-se um comprimido de 500.000 UI a cada seis horas, no adulto,
por um período de 7-10 dias. Apesar de sua absorção no trato gastrointestinal ser algo
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irregular, é uma escolha simples e barata de antibioticoterapia, ideal para casos mais
simples.
Na opção de se utilizar penicilina parenteral, aplica-se um frasco de penicilina G benzatina
de 1.200.000 UI (Benzetacil®), IM, aplicando-se, no outro braço ou glúteo, um frasco de
Despacilina® de 400.000 UI (que contém 300.000 UI de penicilina G procaína e 100.000
UI de penicilina G potássica), também IM. Isto é feito para que ocorra nível sangüíneo
eficaz nas primeiras horas, necessário principalmente nos casos em que se suspeita de
contaminação pelo bacilo do tétano em paciente não-imunizado. Caso o paciente seja
alérgico à penicilina ou a seus derivados semi-sintéticos, ficam como opções as
cefalosporinas (podem apresentar reação cruzada), a oxitetraciclina, o cloranfenicol, a
eritromicina, a lincomicina e a associação sulfametoxazol + trimetoprim (Bactrim®).
No Cap. 63, Agentes Antimicrobianos, encontram-se listados os principais antibióticos,
suas doses e vias de administração.
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Capítulo 02 - Feridas
Marco Tulio Baccarini Pires
Luiz Verçosa
I. Introdução
Os pacientes portadores de ferimentos atendidos nos serviços de urgência dos grandes
centros urbanos são, na sua quase totalidade, vítimas de agressões ou de acidentes, que
ocasionam feridas caracterizadas como traumáticas. É de grande interesse que esses
ferimentos sejam classificados do melhor modo possível, quanto ao seu tipo, extensão e
complicações. Não raro, existem conotações médico-legais, por se tratarem de casos que
envolvem processos criminais, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho etc.
Feridas traumáticas são todas aquelas infligidas, geralmente de modo súbito, por algum
agente físico aos tecidos vivos. Elas poderão ser superficiais ou profundas, dependendo da
intensidade da lesão. Conceitualmente, considera-se como superficial um trauma que atinja
pele e tecido subcutâneo, respeitando o plano aponeurótico; considera-se profundo o
traumatismo que atinja planos vasculares, viscerais, neurais, tendinosos etc.
Os ferimentos conseqüentes ao trauma são causadores de três problemas principais:
hemorragia, destruição tissular mecânica e infecção. O tratamento das feridas traumáticas
tem evoluído desde o ano 3000 a.C.; já naquela época, pequenas hemorragias eram
controladas por cauterização. O uso de torniquetes é descrito desde 400 a.C. Celsus, no
início da era cristã, descreveu a primeira ligadura e divisão de um vaso sangüíneo. Já a
sutura dos tecidos é documentada desde os terceiro e quarto séculos a.C.
Na Idade Média, com o advento da pólvora, os ferimentos se tornaram muito mais graves,
com maior sangramento e destruição tissular; assim, métodos drásticos passaram a ser
utilizados para estancar as hemorragias, como a utilização de óleo fervente, ferros em brasa,
incenso, goma-arábica; logicamente, estes métodos em muito aumentaram as infecções nas
feridas pela necrose tissular que provocam. A presença de secreção purulenta em um
ferimento era indicativa de “bom prognóstico”. Os métodos “delicados’” para tratamento
das feridas foram redescobertos pelo cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 — passouse, então, a realizar o desbridamento das feridas, a aproximação das bordas, os curativos e,
principalmente, baniu-se o uso do óleo fervente.
Em 1884, Lister introduziu o tratamento anti-séptico das feridas, o que possibilitou um
extremo avanço na cirurgia; no século XX, a introdução das sulfas e da penicilina e,
posteriormente, de outros antibióticos determinou uma redução importante nas infecções
em feridas traumáticas, facilitando o tratamento e a recuperação dos pacientes.
II. Aspectos Biológicos da Cicatrização das Feridas
Nos últimos anos, a teoria básica da cicatrização das feridas evoluiu de modo
surpreendente. A cicatrização é uma seqüência de respostas e de sinais, na qual células dos
mais variados tipos (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos) saem de seu meio
natural e interagem, cada qual contribuindo de alguma forma para o processo cicatricial.
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Os eventos cicatriciais são dinâmicos, de ordem celular, bioquímica e fisiológica. Sabe-se
que a resposta inflamatória que se segue a qualquer lesão tissular é vital para o processo de
reparo. É correto, pois, afirmar que sem resposta inflamatória não ocorrerá cicatrização. A
própria lesão tem um efeito considerável na forma de reparo subseqüente. Assim, por
exemplo, uma ferida cirúrgica limpa, que foi suturada de forma anatômica e de imediato,
requer síntese mínima de tecido novo, enquanto uma grande queimadura utiliza todos os
recursos orgânicos disponíveis para cicatrização e defesa contra uma possível infecção,
com uma importante reação inflamatória no local.
Deve-se enfatizar que a reação inflamatória normal que acompanha uma lesão tecidual é
um fator benéfico, pois sem ela não ocorrerá cicatrização; somente uma reação inflamatória
exagerada, com grande edema local, será maléfica, levando a retardo no processo
cicatricial. O Quadro 2-1 resume os eventos da cicatrização das feridas.
Para facilitar a discussão dos eventos que ocorrem no processo de cicatrização, dividiremos
as feridas clínicas, de acordo com o tipo de tratamento realizado, em dois tipos: feridas
simples fechadas e feridas abertas (com ou sem perda de substância).
A. Feridas fechadas.
Por definição, considera-se como ferida fechada aquela que pôde ser suturada quando de
seu tratamento. São as feridas que mais nos interessam do ponto de vista prático, pois são
as mais comumente observadas nos ambulatórios de pronto-socorro.
Na seqüência da cicatrização das feridas fechadas, temos a ocorrência de quatro fases: fase
inflamatória, fase de epitelização, fase celular e fase de fibroplasia.
1. Fase inflamatória. Após o trauma e o surgimento da lesão, existe vasoconstrição local,
fugaz, que é logo substituída por vasodilatação. Ocorrem aumento da permeabilidade
capilar e extravasamento de plasma próximo ao ferimento. A histamina é o mediador inicial
que promove esta vasodilatação e o aumento da permeabilidade. Ela é liberada de várias
células presentes no local: mastócitos, granulócitos e plaquetas. O efeito da histamina é
curto, durando aproximadamente 30 minutos. Pesquisas recentes têm atribuído
extraordinária responsabilidade às plaquetas, no início da fase inflamatória da cicatrização.
Vários outros fatores têm sido implicados na manutenção do estado de vasodilatação que se
segue a esta fase inicial; entretanto, parecem ser as prostaglandinas (liberadas das células
locais) as responsáveis pela continuidade da vasodilatação e pelo aumento da
permeabilidade.
Em alguns outros vasos próximos ao local da lesão tissular, ocorrem fenômenos de
coagulação, mediados pelas plaquetas, com formação de trombos. Estes, por sua vez, em
uma fase um pouco mais tardia, passam a levar a uma maior formação e proliferação de
fibroblastos. Existem diversos fatores plaquetários, entre eles o de número 4 (PF4), que
estimula a migração de células inflamatórias e de fibroblastos; além dele, o fator de
crescimento derivado plaquetário (PDGF) é capaz de atrair monócitos, neutrófilos,
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fibroblastos e células musculares lisas. O PDGF também é capaz de estimular a síntese de
colagenase por fibroblastos, uma etapa essencial no processo de cicatrização. O fator de
crescimento básico de fibroblastos (bFGF), um fator não-plaquetário, apresenta sua
concentração de pico no interior da ferida no primeiro dia após o ferimento, em modelos
animais.
A migração de leucócitos no interior da ferida é intensa, pelo aumento da permeabilidade
capilar. Inicialmente, predominam os granulócitos, que, após algumas horas, são
substituídos por linfócitos e monócitos. Os monócitos, ao lisar tecidos lesados, originam
macrófagos, que fagocitam detritos e destroem bactérias. Sabe-se que os monócitos e os
macrófagos representam papel importante na síntese do colágeno; na ausência destes dois
tipos de células, ocorre redução intensa na deposição de colágeno no interior da ferida.
Agentes inibidores das prostaglandinas, como a indometacina, diminuem a resposta
inflamatória ao evitar a manutenção do estado de vasodilatação; conseqüentemente, podem
levar à desaceleração da cicatrização.
2. Fase de epitelização. Enquanto a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas
bordas da ferida suturada começam a surgir novas células epiteliais que para lá migram.
Desta forma, em 24-48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células
epiteliais. Finalmente, com o passar dos dias, as células da superfície se queratinizam. O
fator de crescimento da epiderme (EGF) é importante nesta fase.
3. Fase celular. Em resposta à lesão, fibroblastos — células com formato de agulha e de
núcleos ovalados, derivados de células mesenquimais —, residentes nos tecidos adjacentes,
proliferam por três dias e no quarto dia migram para o local do ferimento. No décimo dia os
fibroblastos tornam-se as células predominantes no local.
Os fibroblastos têm quatro diferentes ações no interior de uma ferida: primeiramente,
proliferando; depois, migrando; em seguida, secretando o colágeno, tecido matricial da
cicatriz; e, por último, formando feixes espessos de actina como miofibroblastos.
A rede de fibrina que se forma no interior da ferida serve como orientação para a migração
e o crescimento dos fibroblastos, fornecendo-lhes o suporte necessário. O fibroblasto não
tem capacidade de lisar restos celulares; assim, a presença de tecidos macerados, coágulos e
corpos estranhos constitui uma barreira física à sua proliferação, com conseqüente retardo
da cicatrização. Daí, a necessidade absoluta de se realizar um bom desbridamento de
qualquer lesão, removendo-se tecidos necrosados, coágulos etc.
Uma neoformação vascular intensa se segue ao avanço dos fibroblastos. Esta angiogênese
tem um papel crítico para o sucesso da cicatrização das feridas. Acredita-se, atualmente,
que a angiogênese seja regulada por fatores de crescimento locais, entre eles o fator de
crescimento básico de fibroblasto (BFGF) . Os monócitos e os macrófagos também estão
associados à produção de fatores estimulantes à neoformação vascular.
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A fase celular da cicatrização dura algumas semanas, porém o número de fibroblastos vai
diminuindo progressivamente até a quarta ou quinta semana após a lesão. Neste período, a
rede de neovascularização já se definiu por completo.
O colágeno, secretado pelos fibroblastos, proporciona força e integridade aos tecidos do
corpo. Desta forma, quando há necessidade de um reparo tissular, é exatamente na
deposição e no entrecruzamento do colágeno que irá basear-se a força da cicatriz.
4. Fase de fibroplasia. É a fase caracterizada pela presença do elemento colágeno, proteína
insolúvel, existente em todos os animais vertebrados. O colágeno é secretado pelos
fibroblastos numa configuração do tipo “hélice tripla”. Mais da metade da molécula é
composta por apenas três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina.
Para a síntese das cadeias de colágeno é necessária a hidroxilação da prolina e da lisina.
Esta hidroxilação, que ocorre ao nível dos ribossomos, requer enzimas específicas, as quais
necessitam de vários co-fatores, tais como oxigênio, ascorbato, ferro e alfacetoglutarato.
Desse modo, é fácil entender por que uma deficiência de ácido ascórbico ou a hipoxemia
pode levar ao retardo da cicatrização, pela menor produção das moléculas de colágeno.
As primeiras fibras de colágeno surgem na profundidade da ferida, cerca de cinco dias após
o traumatismo. Com o passar dos dias, feixes de colágeno dispostos ao acaso vão
gradativamente ocupando as profundezas do ferimento. Esses feixes originam uma
estrutura bastante densa e consistente: a cicatriz. Com o aumento do número de fibras
colágenas na cicatriz, esta se vai tornando mais resistente. Feridas cutâneas, por exemplo,
continuam a ganhar resistência de forma constante por cerca de quatro meses após a lesão.
O controle da síntese do colágeno ainda continua sendo de difícil explicação. Sabe-se que o
processo desta síntese é particularmente dependente do oxigênio.
As feridas musculares adquirem resistência mais lentamente; os tendões são ainda mais
lentos do que os músculos neste ganho de resistência. Apesar desta recuperação da
resistência, quase nunca a cicatriz adquire a mesma resistência do tecido original; a cicatriz
tem também menor elasticidade que o tecido que veio a substituir.
A fase de fibroplasia não tem um final definido — sua duração varia conforme o local da
lesão, sua profundidade, o tipo do tecido lesado, e se existem ou não as deficiências já
descritas anteriormente (oxigenação, ácido ascórbico etc.).
Sabe-se ainda que as cicatrizes continuam remodelando-se com o passar dos meses e anos,
sofrendo alterações progressivas em seu volume e forma. Essa remodelação ocorre através
da degradação do colágeno, que é mediada pela enzima colagenase. A degradação do
colágeno é tão importante quanto a sua síntese no reparo das feridas, para evitar um
entrecruzamento desordenado de fibras e levar à formação de uma cicatriz excessiva. Em
certas condições patológicas, tais como nos quelóides, na cirrose hepática e nas feridas
intra-abdominais, observa-se exatamente uma deposição exagerada de colágeno, não
destruído pela colagenase.
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Sabe-se que existem sete tipos distintos de colágeno no ser humano: os tipos I e II são os
principais existentes nas lesões da pele.
B. Feridas abertas. Como mencionado anteriormente, as feridas abertas podem ocorrer com
ou sem perda de substância. Clinicamente, um ferimento deixado aberto se comporta de
modo completamente diverso de um ferimento que foi suturado.
Numa ferida aberta (não suturada), observa-se a formação de um tecido de aspecto granular
fino no interior da lesão — o chamado tecido de granulação —, que surge cerca de 12-24
horas após o trauma. Neste tipo de ferimento, um novo componente passa a ter importância
— é a contração. O miofibroblasto é a célula responsável por este fenômeno, fazendo com
que a pele circunjacente à ferida se contraia, não ocorrendo a produção de uma “pele nova”,
para recobrir o defeito. A contração é máxima nas feridas deixadas abertas, podendo
inclusive ser patológica (ocasionando deformidades e prejuízos funcionais), dependendo do
local do ferimento e da extensão da lesão. Recobrir uma ferida com um curativo ou com um
enxerto de pele é uma boa maneira de se evitar a contração patológica.
Excisões repetidas das bordas da lesão (“avivarem-se” as bordas) fazem diminuir bastante o
fenômeno da contração, fazendo com que a proliferação das células epiteliais seja mais
ordenada e que a cicatriz final tenha mais força (normalmente, a cicatriz epitelizada de uma
ferida que foi deixada aberta e que cicatrizou por segunda intenção é bastante frágil).
Glândulas sudoríparas e sebáceas e folículos pilosos favorecem a formação de uma junção
bastante forte entre a epiderme e a derme; como esta estrutura não existe na cicatriz da
ferida deixada aberta, sua ausência contribui para a pequena resistência desta epiderme. A
enxertia precoce e a técnica de fechamento retardado das feridas (no segundo ou terceiro
dia após a lesão, caso não se observe infecção) são também boas formas de se evitar a
contração patológica nas feridas deixadas abertas.
Não se devem confundir as expressões contração e retração; esta última se refere à retração
tardia da cicatriz, que ocorre principalmente em determinadas circunstâncias, como nas
queimaduras e nas lesões em regiões de dobras de pele.
III. Tipos de Cicatrização das Feridas
A. Cicatrização por primeira intenção. É aquela que ocorre quando as bordas de uma ferida
são aproximadas — o método mais comum é a sutura. A contração, nesses casos, é mínima,
e a epitelização começa a ocorrer dentro de 24 horas, sendo a ferida fechada contra a
contaminação bacteriana externa.
B. Fechamento primário retardado. Na presença de lesão intensamente contaminada, o
fechamento desta deve ser protelado, até que se verifiquem as respostas imunológicas e
inflamatórias do paciente. Utilizam-se ainda antibióticos e curativos locais. No segundo ou
terceiro dia, ao observarmos que não se apresenta contaminação no ferimento, este poderá
ser fechado.
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Um exemplo de fechamento primário retardado seria a utilização deste procedimento após a
remoção de um apêndice supurado — uma cirurgia na qual o índice de abscessos de parede
pós-operatória é alto, quando o fechamento primário simples (primeira intenção) é utilizado
(ver Cap. 31, Apendicite Aguda). Confirmada, em torno do terceiro dia, a ausência de
infecção de pele ou de tecido subcutâneo, procede-se à sutura desses planos.
C. Fechamento por segunda intenção. É a cicatrização por meio de processos biológicos
naturais. Ocorre nas grandes feridas abertas, principalmente naquelas em que há perda de
substância tecidual. Neste tipo de ferida, a contração é um fenômeno que ocorre mais
intensamente, como já explicado.
IV. Fatores Que Influenciam na Cicatrização das Feridas
Sabemos que são vários os fatores que podem levar à alteração na cicatrização das feridas,
sejam eles ligados ao tipo de traumatismo, ao próprio paciente, a algum tratamento em
curso, ou a algum tipo de medicação em uso.
A. Nutrição. Ocorre retardo na cicatrização de feridas em doentes extremamente
desnutridos (quando a redução do peso do paciente ultrapassa um terço do peso corporal
normal). É bem-estabelecida a relação entre cicatrização ideal e um balanço nutricional
positivo do paciente.
B. Depressão imunológica. A ausência de leucócitos polimorfonucleares pode, pelo retardo
da fagocitose e pela lise de restos celulares, prolongar a fase inflamatória e predispor à
infecção. Além disso, no caso específico da ausência de monócitos, sabe-se que a formação
de fibroblastos estará prejudicada.
C. Oxigenação. A síntese do colágeno depende de oxigênio para formação de resíduos
hidroxiprolil e hidroxilisil. Uma anoxia, até mesmo temporária, pode levar à síntese de um
colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica. Além disso,
feridas em tecidos isquêmicos apresentam-se com infecção mais freqüentemente do que
aquelas em tecidos normais.
D. Volume circulante. A hipovolemia e a desidratação levam a menor velocidade de
cicatrização e a menor força da cicatriz. Entretanto, a anemia não altera, por si só, a
cicatrização.
E. Diabetes. A síntese do colágeno diminui bastante na deficiência de insulina, como pôde
ser comprovado em experimentos em modelo animal. São também menores a proliferação
celular e a síntese do DNA, que explica a menor velocidade de cicatrização no diabético.
Além disso, existe um componente de microangiopatia cutânea, acarretando menor fluxo
tissular, com conseqüentes menor oxigenação e menor pressão de perfusão local. A
infecção da ferida é um sério problema nesses pacientes. O componente de arteriosclerose
pode ainda se fazer presente no diabético, concomitantemente, agravando ainda mais o
quadro.
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F. Arteriosclerose e obstrução arterial. Também levam ao menor fluxo para o local do
ferimento, com retardo cicatricial. Em alguns pacientes, como já comentado anteriormente,
a arteriosclerose associa-se à microangiopatia diabética, principalmente em pacientes mais
idosos, com lesões dos membros inferiores.
G. Uso de esteróides. Estes têm um efeito antiinflamatório potente, fazendo com que a
cicatrização se proceda de forma mais lenta, sendo a cicatriz final também mais fraca. A
contração e a epitelização ficam muito inibidas.
H. Quimioterapia. Os agentes quimioterápicos agem em várias áreas, retardando a
cicatrização: levam à neutropenia (predispondo à infecção); inibem a fase inflamatória
inicial da cicatrização (ciclofosfamida); interferem na replicação do DNA; interferem nas
mitoses celulares e na síntese protéica.
I. Irradiação. A irradiação leva à arterite obliterante local que, por sua vez, causa hipoxia
tecidual. Existem diminuição na população de fibroblastos e, conseqüentemente, menor
produção de colágeno. As lesões por irradiação devem ser excisadas em suas bordas
avivadas e, em seguida, tratadas.
J. Politraumatizados. Um paciente politraumatizado, com inúmeras lesões, em choque, com
hipovolemia e hipoxemia tecidual geral, é um bom candidato a ter seus ferimentos
superficiais infectados. Se isto ocorrer, haverá retardo cicatricial. Quanto mais grave e
prolongado o estado de choque, maior será a dificuldade de cicatrização de lesões
múltiplas.
L. Tabagismo. A associação entre o uso de cigarros e o retardo na cicatrização é bem
reconhecida. Os efeitos já documentados dos constituintes tóxicos do cigarro —
particularmente a nicotina, o monóxido de carbono e o cianido de hidrogênio — sugerem
vários mecanismos em potencial pelos quais o fumo pode determinar o retardo cicatricial.
A nicotina é um vasoconstritor que reduz o fluxo sangüíneo para a pele, resultando em
isquemia tissular. A nicotina também aumenta a aderência plaquetária, favorecendo a
ocorrência de trombose da microcirculação. Além disso, a proliferação de hemácias,
fibroblastos e macrófagos é reduzida pela nicotina. Já o monóxido de carbono diminui o
transporte e o metabolismo do oxigênio. O cianido de hidrogênio inibe os sistemas
enzimáticos necessários ao metabolismo oxidativo e ao transporte de oxigênio em nível
celular. Clinicamente, tem sido observada a cicatrização mais lenta em fumantes com
feridas resultantes de trauma, doenças da pele e cirurgia. Os fumantes deveriam ser
recomendados a parar de fumar antes de cirurgias eletivas ou quando estivessem se
recuperando de ferimentos resultantes de trauma, doenças diversas da pele ou de cirurgia de
emergência.
V. Classificação
As feridas podem ser classificadas de várias maneiras; se as relacionarmos com o tempo de
traumatismo, serão chamadas de agudas ou crônicas. Já se as abordarmos de acordo com o
meio ou o agente causal das lesões, elas poderão ser classificadas de outras maneiras — ver
Quadro 2-2.
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As feridas contusas resultam da ação de instrumento contundente; as feridas cortantes ou
incisas são resultado da ação de instrumento cortante, e assim sucessivamente. Uma ferida
cortocontusa resulta da ação de um instrumento contundente que provoque uma contusão e
um corte local.
A. Feridas incisas. São provocadas por instrumentos cortantes, tais como navalhas, facas,
bisturis, lâminas de metal ou de vidro etc. O trauma é causado pelo deslocamento sobre
pressão do instrumento na pele. Suas principais características são: predomínio do
comprimento sobre a profundidade; bordas regulares e nítidas, sendo geralmente retilíneas;
o tônus tecidual e a sua elasticidade fazem com que ocorra o afastamento das bordas da
lesão.
Podemos subdividir as feridas incisas em três tipos: (a) simplesmente incisas — nelas, o
instrumento penetra na pele de forma perpendicular; (b) incisas com formação de retalhos
— o corte é biselado, com formação de um retalho pediculado, e o instrumento penetra de
maneira oblíqua à pele; (c) com perda de substância — nelas, uma certa porção do tecido é
destacada.
Em uma ferida incisa, o corte começa e termina a pique, fazendo com que exista uma
profundidade igual de um extremo a outro da lesão (como na ferida cirúrgica); nas
chamadas feridas cortantes, as extremidades da lesão são mais superficiais, enquanto a
parte mediana do ferimento é mais profunda.
B. Feridas cortocontusas. Em um ferimento cortocontuso, o instrumento causador da lesão
não tem gume tão acentuado como no caso das feridas incisas; um exemplo seria um corte
por enxada no pé — é a força do traumatismo que causa a penetração do instrumento. Uma
ferida cortocontusa pode ser ocasionada por um instrumento que não tem nenhum gume,
mas que, pela força do impacto, faz com que ocorra a solução de continuidade na pele.
C. Feridas perfurantes. São provocadas por instrumentos longos e pontiagudos, tais como
agulhas, pregos, alfinetes etc., podendo ser superficiais ou profundas. No caso de uma
ferida perfurante adentrar uma cavidade do corpo, como a cavidade peritoneal, ela receberá
o nome de cavitária. Uma ferida perfurante pode ainda ser transfixante, ao atravessar um
membro ou órgão. A gravidade de um ferimento perfurante varia de acordo com o órgão
atingido. Um exemplo caracteristicamente marcante seria a perfuração do coração por um
estilete, que pode causar a morte do paciente. Este mesmo estilete, penetrando em outro
local, como na face lateral da coxa, pode não vir a trazer qualquer conseqüência maior.
D. Feridas perfurocontusas. São causadas principalmente pelos projéteis de arma de fogo.
Suas principais características são:
1. O orifício de entrada de uma bala apresenta uma orla de contusão e uma orla de enxugo;
se o tiro tiver sido dado à queima-roupa, bem próximo do paciente, ocorrerá também uma
zona de chamuscamento ou de tatuagem. O orifício de saída geralmente é maior do que o
de entrada; não apresenta orla de contusão e de enxugo; muitas vezes, próximo ao orifício
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de saída, existem fragmentos de tecidos orgânicos e outros materiais (pano, couro etc.),
carregados pela bala.
2. Cargas de chumbo (ferimentos por cartucheira) produzem um tipo de ferida
perfurocontusa um pouco diferente: neste caso, a lesão também tem um componente de
laceração, pois inúmeros projéteis atingem uma área pequena no corpo do paciente.
E. Feridas lacerocontusas. Os mecanismos mais freqüentes são: (a) compressão: a pele, sob
a ação de uma força externa, é esmagada de encontro ao plano subjacente; (b) tração: por
rasgo ou arrancamento tecidual, como em uma mordedura de cão.
Como características das feridas lacerocontusas, citamos: bordas irregulares infiltradas de
sangue, ângulos em número de dois ou mais e a presença de bridas (“pontes”) de pele ou de
vasos sangüíneos unindo os dois lados da lesão.
São freqüentes as complicações sépticas, pela ocorrência de necrose tecidual.
F. Feridas perfuroincisas. São provocadas por instrumentos perfurocortantes, que possuem
ao mesmo tempo gume e ponta, como, por exemplo, um canivete, um punhal etc.
As lesões podem ser superficiais ou profundas e, como nas feridas perfurantes, recebem o
nome de cavitárias ao atingirem as cavidades serosas do corpo.
G. Escoriações. Ocorrem quando a lesão surge de forma tangencial na superfície cutânea,
com arrancamento da pele. Um exemplo comum seria o de uma queda com deslizamento
sobre uma superfície irregular, como no asfalto.
H. Equimoses e hematomas. Nas equimoses não ocorre solução de continuidade da pele,
porém os capilares se rompem, proporcionando um extravasamento de sangue para os
tecidos.
O hematoma é formado quando o sangue que se extravasa pelo processo descrito forma
uma cavidade.
I. Bossas sangüíneas. São hematomas que vêm a constituir uma saliência na superfície da
pele. São freqüentes, por exemplo, no couro cabeludo.
VI. Tratamento
Uma anamnese sucinta é realizada, procurando-se determinar a causa e as condições nas
quais ocorreram as lesões. É importante que seja feito um exame clínico geral objetivo,
observando-se as mucosas, a pulsação, a pressão arterial, as auscultas cardíaca e
respiratória, para que sejam descartados fatores complicantes em relação ao tratamento que
será estabelecido. Os passos no tratamento deverão obedecer à seguinte ordem:
A. Classificação da ferida. Verificamos há quanto tempo ocorreu o ferimento, se existe ou
não perda de substância, se há penetração em cavidades, se há perda funcional ou se
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existem corpos estranhos. A realização de exames complementares, como radiografias ou
exames de laboratório, deverá ser feita na medida do necessário, avaliando-se caso a caso.
B. Realização da anti-sepsia. Ao redor da ferida, na maior parte dos casos, é suficiente a
limpeza com PVP-I a 10% (Povidine®), sendo este removido posteriormente com irrigação
por soro fisiológico.
O ferimento deve ser meticulosamente limpo, basicamente com soro fisiológico.
Compostos como o Soapex®, PVP-I, ou similares podem ser utilizados em casos de
ferimentos muito sujos (p. ex., por terra, ou nas moderduras de animais), desde que venham
a ser completamente removidos em seguida, por irrigação copiosa de soro fisiológico. A
água oxigenada é um bom agente para remoção de coágulos de ferimentos maiores, do tipo
laceração. Entretanto, deve ser evitado o seu contato íntimo com a superfície lesada, por ela
provocar necrose celular — seu uso deve ser limitado apenas ao redor do ferimento. Caso o
contato da água oxigenada com a lesão ocorra, deve-se irrigar novamente o ferimento com
soro fisiológico.
A irrigação vigorosa de uma ferida, utilizando-se soro fisiológico sob pressão em bolus,
injetado através de seringas de 35 a 65 ml de capacidade, e usando-se agulha calibre 19, é
um método bastante eficaz para diminuir a contagem bacteriana no interior do ferimento. O
volume médio de soro fisiológico injetado em uma lesão é de aproximadamente 150 a 250
ml. Esta técnica se tem mostrado bastante eficaz na prática, e gera pressões de 15 a 40 psi
(libras/polegada2). Em contraste, o uso de frascos plásticos de soro fisiológico, sobre os
quais é exercida pressão manual, conectados a agulha calibre 19, é capaz de gerar pressão
de 2,0 a 5,5 psi. É possível a conclusão de que esta última técnica (uso de frascos plásticos)
está desaconselhada quando há necessidade de irrigação de alta pressão.
C. Fazer anestesia. Este procedimento varia para cada tipo de ferida, ou seja, desde uma
simples infiltração de anestésico local até anestesia geral. O uso de lidocaína tamponada ou
de lidocaína aquecida torna o processo de anestesia local menos doloroso, podendo estas
técnicas serem usadas em feridas traumáticas sem aumentar os índices de infecção (ver
Cap. 1 para informações mais abrangentes acerca dos agentes anestésicos).
D. Hemostasia, exploração e desbridamento. Nas hemorragias, a conduta varia de acordo
com a gravidade da lesão e o local onde se encontra o paciente (via pública, rodovia,
hospital etc.). Fora do ambiente hospitalar, na presença de sangramento externo importante,
a primeira medida a ser tomada é a compressão da lesão. No hospital, em hemorragias
simples, bastam o pinçamento e a ligadura do vaso. A técnica de garroteamento com um
manguito pneumático é boa opção para lesões nos membros. Devemos lembrar, entretanto,
que neste caso o manguito não deve permanecer insuflado por mais de 30 minutos. O uso
de torniquetes feitos com madeira, cordas, ou tecidos, aplicado na raiz dos membros, é
contra-indicado pelo alto número de complicações vasculares que provoca, notadamente a
trombose venosa profunda.
A exploração da ferida é o passo seguinte após realização da hemostasia. Verifica-se até
que ponto houve lesão; a seguir, procede-se ao seu desbridamento, removendo partes
necrosadas e corpos estranhos.
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E. Sutura da lesão. É iniciada pelos planos mais profundos. Para a musculatura, utilizam-se
fios absorvíveis do ácido poliglicólico (Dexon®) ou da poliglactina (Vicryl®), 2-0 ou 3-0.
Esta sutura é feita com pontos separados em X ou em U. Geralmente, não há necessidade
de se suturar separadamente a aponeurose em ferimentos do tipo encontrado
ambulatorialmente, sendo ela englobada na sutura muscular. Caso se faça a sutura da
aponeurose separadamente, poderão ser utilizados fios absorvíveis ou inabsorvíveis,
indistintamente (Fig. 2-1).
Na sutura do tecido celular subcutâneo, utilizam-se fios absorvíveis (categute simples ou a
poliglactina), 2-0, 3-0 ou 4-0, com pontos separados. A pele é suturada com fio
inabsorvível 3-0 a 6-0, dependendo da região (p. ex., face — utilizar fio 6-0,
monofilamentado) (Fig. 2-2).
Suturas contínuas ou mesmo intradérmicas devem ser evitadas nos casos de ferimentos
traumáticos. A sutura da pele não deve ser feita sob tensão. Um outro cuidado é o de que
não devemos deixar os chamados “espaços mortos” durante a rafia dos planos profundos. A
Fig. 2-3 mostra um tipo de sutura intradérmica.
A Fig. 2-4 mostra uma sutura de pele em chuleio contínuo (esta é uma técnica pouco usada,
de uso muito ocasional).
A sutura com pontos em U, como descrito acima, é mais usada em planos profundos; seu
uso em suturas de pele é restrito a casos em que uma maior hemostasia é necessária. A
sutura com pontos Donati é usada em feridas de pele, quando se deseja uma maior
aproximação das bordas da lesão (Fig. 2-5).
Feridas de pequena extensão e pouco profundas poderão ser apenas aproximadas com uso
de adesivo cirúrgico de tipo Micropore®, conforme mostra a Fig. 2-6.
A aproximação de espaços subcutâneos com pontos em excesso poderá favorecer a
infecção local. Caso a lesão do tecido subcutâneo seja superficial, este não deverá ser
suturado.
O uso de curativos tem a vantagem de prevenir a desidratação e a morte celular, acelerando
a angiogênese, aumentando a lise do tecido necrótico e potencializando a interação dos
fatores de crescimento com suas células-alvo; a manutenção de um meio úmido no curativo
se tem mostrado um poderoso aliado na cicatrização das feridas, sendo infundadas as
preocupações de que a umidade favoreceria a ocorrência de infecção. A manutenção de um
meio seco no local do ferimento não apresenta vantagens. Curativos hidrocolóides
(Comfeel®; Duoderm®) são usados com vantagens em áreas com grandes perdas de
substâncias, propiciando uma melhor cicatrização por segunda intenção.
Em relação a pomadas antibióticas tópicas, seu uso é discutido.
Ferimentos simples suturados podem ser limpos com água e sabão durante o banho, 24
horas após a sutura da lesão, sem qualquer risco de aumento da taxa de infecção.
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VII. Lesões Específicas
A. Mordeduras (de cão, humanas etc.). Em princípio, não devem ser suturadas, por serem
ferimentos potencialmente contaminados; entretanto, nos casos de grandes lacerações, e
dependendo do local acometido, após anti-sepsia e desbridamento rigorosos, podem ser
necessários alguns pontos para aproximação das bordas. A cobertura antibiótica é
obrigatória em todos os casos de mordeduras.
Naquelas lesões muito profundas, atingindo até o plano muscular, com esgarçamento
tecidual, a conduta correta é aproximar os planos profundos com fios absorvíveis, os quais,
por serem degradados, não mantêm um estado infeccioso local (diferentemente dos fios
inabsorvíveis), deixando-se a pele sem sutura.
B. Ferimentos por arma de fogo. São comuns os ferimentos à bala que atingem somente
partes moles (p. ex., face lateral da coxa). A decisão de se retirar o projétil deve ser
avaliada em cada caso, levando-se em consideração, principalmente, sua profundidade, a
proximidade de estruturas nobres, o risco de infecção e se sua presença está levando ou não
a algum prejuízo funcional.
Caso haja apenas um orifício (no caso, o de entrada), este não deve ser suturado,
procurando-se lavar bem o interior do ferimento. No caso de dois orifícios (entrada e saída),
um deles poderá, se assim o médico desejar, ser suturado após a limpeza. A cobertura
antibiótica em ferimentos por arma de fogo é discutível. A bala, em si, é estéril, devido ao
seu calor, porém pode levar para o interior da ferida corpos estranhos, como couro,
fragmentos de roupas etc., e que podem ser de difícil remoção; nestes casos, indica-se
antibioticoterapia.
C. Lesões por pregos. São lesões perfurantes encontradas em ambulatórios de urgências
com uma certa freqüência, sendo de maior gravidade as produzidas por pregos
enferrujados. A importância desse tipo de ferida decorre da possibilidade de, em indivíduos
não-imunizados, ou com desbridamento local malfeito, ela levar ao tétano. As lesões por
pregos devem ser desbridadas sob anestesia e deixadas abertas. Deve-se enfatizar que uma
limpeza superficial, sem desbridamento, expõe o paciente ao risco de contrair tétano.
VIII. Complicações.
As complicações mais comuns das feridas ambulatoriais são: má exploração ou
desbridamento; contaminação do instrumental usado ou do próprio profissional; presença
de espaço morto e sua decorrente contaminação; má ligadura de vasos sangüíneos com
formação de hematomas e possível contaminação; sutura da pele sob tensão, formando
áreas de isquemia com posterior deiscência da sutura; fatores ligados ao próprio tipo de
ferimento (lacerações extremas, contaminação grosseira), que, apesar de um tratamento
muito bem feito, pode não apresentar o melhor resultado desejável; fatores ligados ao
próprio paciente ou ao uso de medicamentos, tais como diabetes, isquemia da região
afetada (p. ex., arteriosclerose nos idosos), uso de corticosteróides, deficiência de vitamina
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C e mesmo fatores relacionados a baixas condições de higiene e tratamento inadequado da
lesão.
Na maioria das complicações, esta é de tipo infeccioso, com formação de abscesso,
seguindo-se deiscência da sutura. O tratamento requer drenagem dos abscessos,
antibioticoterapia, curativos e acompanhamento médico. Nos curativos de feridas
infectadas, deverão ser sempre priorizados o desbridamento e a irrigação copiosa das lesões
com soro fisiológico. Curativos específicos deverão ser usados em cada caso, dependendo
do tipo da lesão. A utilização de açúcar ou mesmo de mel, em algumas situações
específicas, poderá ser útil, uma vez que esses produtos têm propriedades antimicrobianas,
inibindo o crescimento de bactérias gram-negativas e gram-positivas.
IX. Infecções Cirúrgicas em Pacientes Traumatizados.
Qualquer infecção depende fundamentalmente de dois fatores: da natureza do agente
invasor e dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Podem-se acrescentar dois outros
fatores: os ligados ao próprio tipo de ferimento e aqueles ligados ao atendimento médico
prestado. De acordo com o grau de contaminação, as feridas podem ser classificadas da
seguinte maneira:
A. Feridas limpas. São produzidas exclusivamente em ambiente cirúrgico. Verifica-se
ausência de trauma acidental, ausência de inflamação, técnica cirúrgica asséptica correta,
observando-se que, durante o ato operatório, não foram abertos os sistemas respiratório,
alimentar e geniturinário.
B. Feridas limpas-contaminadas. São freqüentemente encontradas em ambulatórios de
pronto-socorro — um exemplo típico é o de uma ferida incisa produzida por faca de
cozinha. Nela não existe contaminação grosseira.
C. Feridas contaminadas. São aquelas em que já se observa algum tipo de reação
inflamatória mais importante, ou, ainda, em que tenham decorrido mais de seis horas após o
trauma. Também entram neste grupo feridas em que tenha havido contato com terra ou com
material fecal, as mordeduras e as feridas nas quais um desbridamento completo não foi
conseguido.
D. Feridas infectadas. São aquelas nas quais se observa a presença de pus no seu interior,
macroscopicamente, ou que apresentam demasiados sinais de infecção.
A importância desta classificação está na indicação de antibioticoterapia, pois, de rotina,
prescrevem-se antibióticos (esquema para tratamento) para as feridas contaminadas e
infectadas. Nos casos de feridas limpas e limpas-contaminadas, administram-se antibióticos
somente nos seguintes casos: comprometimento circulatório no local do ferimento (p. ex.,
lesão em membro inferior de portador de microangiopatia diabética); baixa resistência do
paciente (por doença debilitante crônica ou por uso de drogas); ferimento em junção
mucocutânea; ferimentos da mão em geral; paciente com hipotensão ou choque
prolongado; feridas perineais ou em área genital.
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Ao se indicar um antibiótico em caso de ferimento contaminado ou infectado, não se está
pensando em profilaxia, e sim em tratamento, já que temos a certeza da presença de
bactérias no interior da lesão.
Nunca é demais lembrar que um antibiótico, por mais potente e de amplo espectro que seja,
não substitui um tratamento malfeito da ferida.
X. Profilaxia do Tétano.
O tétano é causado pela toxina tetânica, secretada pelo organismo Clostridium tetani. A
infecção é geralmente pequena e localizada, sendo a neurotoxina a responsável pelos
sintomas da doença. Dois são os mecanismos pelos quais ocorre a disseminação da toxina:
o primeiro, através de vasos sangüíneos e linfáticos, e o segundo, através dos espaços
perineurais dos troncos nervosos, até o sistema nervoso central.
O C. tetani é um anaeróbio que requer um baixo potencial local de oxirredução, a fim de
que seus esporos possam germinar. Assim, a mera presença do C. tetani ou de seus esporos
em uma ferida não quer dizer que a doença irá ocorrer. Uma infecção bacteriana no
ferimento, por exemplo, pode levar a uma baixa do potencial de oxirredução local, surgindo
então a doença. Uma vez os organismos iniciem a sua multiplicação, eles produzirão a
exotoxina e poderão manter as condições necessárias para a multiplicação continuada. O
período de incubação do tétano varia de 48 horas a vários meses, sendo a gravidade da
doença inversamente proporcional ao período de incubação. A maioria dos casos tem este
período compreendendo a faixa de uma a duas semanas.
Os ferimentos onde o tétano surge são dos mais variados tipos possíveis. Por vezes,
ferimentos simples são negligenciados, e deles surge a doença. Outras vezes, o foco pode
estar em uma simples extração dentária, ou em uma úlcera varicosa crônica de membro
inferior.
São os seguintes os princípios usados na prevenção do tétano: (a) desbridamento da lesão;
(b) uso de toxóide tetânico (imunização ativa); (c) uso de antitoxina (imunização passiva) e
(d) antibioticoterapia.
O Colégio Americano de Cirurgiões fornece algumas orientações para os ferimentos
sujeitos ao tétano:
A. Princípios gerais. Cabe ao médico determinar a profilaxia adequada para cada paciente.
1. Cuidados meticulosos com a ferida são indispensáveis, com remoção de tecido
desvitalizado e corpos estranhos.
2. Todo paciente com uma ferida deve receber toxóide tetânico adsorvido por via
intramuscular no momento da lesão (como uma dose imunizante inicial ou como reforço
para imunização prévia), a menos que tenha recebido um reforço ou tenha completado sua
série inicial de imunizações nos últimos 12 meses.
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3. Deve-se pensar na necessidade de imunização passiva com imunoglobulina humana
(homóloga), levando-se em consideração as características da ferida, as condições sob as
quais ela ocorreu e o estado prévio de imunização ativa do paciente.
4. Todo paciente com ferida deve receber um registro por escrito da imunização realizada,
deve ser instruído a portá-lo todo o tempo e, quando indicado, completar a imunização
ativa. Para uma profilaxia exata do tétano, é necessária uma anamnese precisa e
imediatamente disponível em relação à imunização ativa prévia.
5. A imunização básica com toxóide adsorvido exige três injeções. Está indicado um
reforço do toxóide adsorvido 10 anos após a terceira injeção ou 10 anos após um reforço de
ferida interveniente.
B. Medidas específicas para pacientes com feridas
1. Indivíduos previamente imunizados
a. Quando o paciente foi ativamente imunizado dentro dos últimos 10 anos:
(1) Para a maioria, administrar 0,5 ml de toxóide tetânico adsorvido como reforço, a menos
que exista a certeza de que o paciente recebeu um reforço nos últimos 12 meses.
(2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas
ao tétano, administrar 0,5 ml do toxóide adsorvido, a menos que haja certeza de que foi
fornecido um reforço nos últimos seis meses.
b. Quando o paciente tiver sido ativamente imunizado há mais de 10 anos, não tendo
recebido qualquer reforço no período seguinte:
(1) Na maioria dos casos, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido.
(2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas
ao tétano:
(a) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido.
(b) Administrar 250-500 unidades de imunoglobulina tetânica (humana),
(Tetanobulin®; Tetaglobuline®). Utilizar seringas, agulhas e locais diferentes.
IM
(c) Considerar a administração de oxitetraciclina ou penicilina.
2. Indivíduos não-imunizados anteriormente
a. Nas feridas pequenas, limpas, nas quais o tétano é extremamente improvável, administrar
0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial).
b. Para todas as outras feridas:
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(1) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial).
(2) Administrar 250-500 U de imunoglobulina tetânica humana.
(3) Considerar a administração de oxitetraciclina ou de penicilina.
As seguintes considerações podem ser tecidas acerca das condutas acima:
Para crianças, a dose de imunoglobulina humana é de 4-5 U/kg de peso corpóreo, até um
total de 100-200 U.
No caso de não estar disponível a imunoglobulina humana, o uso da imunização passiva
com antitoxina tetânica eqüina deve ser considerado, caso o paciente não seja sensível a ela,
na dose de 5.000-10.000 U IM; somente se a possibilidade de tétano ultrapassar o perigo da
reação à antitoxina tetânica heteróloga, ela deve ser utilizada. Caso o paciente seja sensível
à antitoxina heteróloga, esta não deverá ser administrada. Não deve ser tentada a
dessensibilização, pois esta não tem valor.
A imunização ativa de pacientes com mais de 7 anos é obtida com uma dose inicial de
toxóide adsorvido por fosfato de alumínio — 0,5 ml por via intramuscular. Uma segunda
dose é administrada 4-6 semanas após a primeira, e uma terceira injeção é feita 6-12 meses
depois.
A antibioticoterapia com penicilina é eficaz contra as células vegetativas do C. tetani. Podese empregar a oxitetraciclina quando o paciente é alérgico à penicilina. O antibiótico deve
ser administrado nas três primeiras horas após o ferimento.
XI. Escolha de Antibióticos em Pacientes Traumatizados.
Considerando as indicações expostas anteriormente neste capítulo, passa-se, nos casos
indicados, à escolha de um agente antimicrobiano. Sempre ocorre a dúvida do melhor
agente a ser prescrito. A não ser nos casos de infecção já instalada, causada por
microrganismo específico, a escolha deve ser por um agente de largo espectro, com rápido
e eficaz poder de ação, e de custo acessível para o paciente. Desse modo, a escolha recai
mais freqüentemente na penicilina ou em um de seus derivados semi-sintéticos.
Em relação à penicilina oral, esta é mais comumente usada na forma de penicilina V (Penve-oral®), administrando-se um comprimido de 500.000 UI a cada seis horas, no adulto,
por um período de 7-10 dias. Apesar de sua absorção no trato gastrointestinal ser algo
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irregular, é uma escolha simples e barata de antibioticoterapia, ideal para casos mais
simples.
Na opção de se utilizar penicilina parenteral, aplica-se um frasco de penicilina G benzatina
de 1.200.000 UI (Benzetacil®), IM, aplicando-se, no outro braço ou glúteo, um frasco de
Despacilina® de 400.000 UI (que contém 300.000 UI de penicilina G procaína e 100.000
UI de penicilina G potássica), também IM. Isto é feito para que ocorra nível sangüíneo
eficaz nas primeiras horas, necessário principalmente nos casos em que se suspeita de
contaminação pelo bacilo do tétano em paciente não-imunizado. Caso o paciente seja
alérgico à penicilina ou a seus derivados semi-sintéticos, ficam como opções as
cefalosporinas (podem apresentar reação cruzada), a oxitetraciclina, o cloranfenicol, a
eritromicina, a lincomicina e a associação sulfametoxazol + trimetoprim (Bactrim®).
No Cap. 63, Agentes Antimicrobianos, encontram-se listados os principais antibióticos,
suas doses e vias de administração.
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Capítulo 03 - Pequenos Procedimentos em Cirurgia
Tula Consuelo Vigil Verástegui
I. Traqueostomia
A. Anatomia. A traquéia é um tubo musculocartilaginoso, que se inicia à altura da sétima
vértebra cervical e termina ao nível da terceira ou quarta vértebra torácica, quando se divide
em brônquios. Os anéis traqueais se unem na face posterior por fibras musculares
transversas do músculo traqueal. A traquéia é revestida internamente por uma mucosa de
células de epitélio cilíndrico ciliar, que facilitam a expulsão de detritos, poeira e germes.
A traquéia é nutrida por três ramos arteriais que se originam da artéria tireoidiana inferior, e
a sua inervação provém do nervo laríngeo inferior.
Na região cervical, os anéis traqueais são recobertos pelo istmo da tireóide.
Os pontos de reparo cirúrgico são a cartilagem tireóidea, a cartilagem cricóidea, o istmo da
tireóide e o manúbrio esternal.
B. Conceito. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico que realiza a abertura da
traquéia para o exterior com a finalidade de fornecer uma via nova para a respiração. O
termo traqueotomia define apenas a abertura da traquéia, por um tempo curto, indicada em
cirurgias endotraqueais.
C. Indicações. Sua principal indicação encontra-se no alívio de uma obstrução da via áerea
superior. As indicações para as traqueostomias estão apresentadas no Quadro 3-1.
D. Classificação. Dependendo da necessidade de ventilação do paciente, poderemos ter as
traqueostomias de emergência (cricotireotomia), de urgência e eletivas. A cricotireotomia
(coniotomia) é uma cirurgia que fornece um acesso rápido e direto à traquéia. Pode ser
realizada com qualquer instrumento perfurante disponível. A membrana cricotireóidea
conecta a borda inferior da cartilagem tireóidea à cartilagem cricóidea. Esta membrana é
relativamente exsangüe e está separada da pele por uma fina camada de gordura. Faz-se
uma incisão transversa imediatamente abaixo da iminência da cartilagem tireóidea, onde
um oco palpável delimita a fenda entre esta e a cartilagem cricóidea. A membrana
cricotireóidea é então exposta e seccionada. Um cabo de bisturi ou um outro objeto
perfurante introduzido pela incisão e girado 90º fornecerá uma via aérea permeável de
emergência.
A cricotireotomia é uma via áerea temporária e deve ser removida dentro de 48 horas, para
evitar fibrose laríngea, devendo ser substituída por uma traqueostomia eletiva no terceiro
anel traqueal.
As traqueostomias também podem ser classificadas em altas (primeiro e segundo anéis
traqueais), médias (terceiro e quarto anéis traqueais) e baixas (abaixo do quarto anel
traqueal). O local ideal é o terceiro anel traqueal. Quanto à sua permanência, elas podem ser
temporárias ou definitivas.
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E. Técnica operatória
1. Posição do paciente. Decúbito dorsal horizontal, com hiperextensão do pescoço e coxim
sob os ombros. Os pacientes que não tolerarem esta posição deverão ser colocados o mais
próximo possível a ela.
Em pós-operatório de cirurgias neurológicas, deve ser lembrado que a hiperextensão do
pescoço pode comprimir a área operada, ocasionando, assim, lesões cerebrais.
2. Anestesia. Geralmente é utilizada a anestesia por bloqueio de campo. Quando a
traqueostomia é realizada como procedimento complementar de outras cirurgias, ou em
crianças, é necessária anestesia geral.
3. Incisão. A incisão poderá ser horizontal ou vertical, de aproximadamente 4-6 cm de
extensão. Quando horizontal, deverá estar localizada no meio da distância entre a
cartilagem cricóidea e a fúrcula esternal. Acredita-se que esta incisão proporcione melhores
resultados estéticos.
Em caso de pouco treinamento cirúrgico por parte do cirurgião, ou de grande urgência,
aconselha-se a incisão vertical, que oferece menor risco de hemorragia, pois não secciona
os vasos calibrosos, que, nesta região, têm direção vertical. Esta incisão permite, também,
um campo cirúrgico mais amplo. A incisão compreende pele e tecido celular subcutâneo.
A seguir, é realizada a abertura da rafe mediana, com afastamento dos músculos prétireoidianos e exposição do istmo da glândula tireóidea, que poderá ser afastado ou
seccionado entre duas pinças, com sutura de suas superfícies cruentas, até a exposição da
traquéia.
4. Abertura da traquéia. Poderá ser horizontal, vertical, em cruz ou com retirada de um
fragmento circular. Este último tipo de abertura deixa menor estenose traqueal pósoperatória. Em crianças, não se resseca o tecido traqueal.
5. Colocação da cânula. Introdução da cânula inicialmente em ângulo de 90º ao maior eixo
traqueal e, a seguir, é feita a sua rotação em sentido anti-horário, até que a completa
introdução da cânula coincida com o maior eixo traqueal.
6. Fixação da cânula. A cânula é amarrada ao pescoço pelo cadarço (Fig. 3-1).
7. Tipos de cânulas. Na prática cirúrgica diária, temos à disposição dois tipos de cânulas
traqueais. A primeira é de metal inoxidável e é formada por:
a. Peça externa, introduzida diretamente na luz traqueal; possui na sua extremidade externa
um pequeno pavilhão perfurado, por onde é passado cadarço para a sua fixação ao pescoço.
b. Peça interna, introduzida na luz da cânula externa, por onde passa o ar e são aspiradas as
secreções; por isto, ela deve ser retirada freqüentemente para limpeza.
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c. O mandril, introduzido na cânula externa, funciona como um condutor no momento da
colocação desta na luz traqueal.
Este tipo de cânula é usado nos pacientes que não necessitam de aparelhos de respiração
sob pressão positiva, e produz menor estenose traqueal pós-operatória.
As cânulas de material plástico consistem de uma única peça, de diversos diâmetros e
tamanhos, e possuem um balão pneumático em suas extremidades, para ser insuflado após
ser introduzido na traquéia (Fig. 3-2).
Foram preconizados dispositivos endotraqueais para pacientes com necessidades de
permanência prolongada da traqueostomia. Estes consistem de uma cânula de silicone
flexível e macia, não irritante para a pele e para a mucosa endotraqueal.
Tubos endobrônquicos de duplo lúmen, para cirurgias torácicas, podem também ser
utilizados em traqueostomias (Fig. 3-3).
8. Retirada da cânula. Geralmente a cânula é retirada quando o paciente não necessita mais
de assistência ventilatória e é capaz de eliminar suas secreções respiratórias. Aconselha-se,
inicialmente, obstruir a cânula por um período de 24 horas; verificada a boa tolerância do
paciente, retira-se a cânula.
9. Cuidados no pós-operatório
a. O curativo de gaze em volta da traqueostomia deverá ser trocado e lubrificado com
glicerina ou outra solução oleosa, quando necessário. A Fig. 3-4 mostra curativo para
fixação e manutenção da cânula.
b. Cuidado com a fixação da cânula é de extrema importância, para evitar a sua
mobilização e expulsão no pós-operatório.
c. A aspiração de secreções deverá ser realizada sempre que se julgue necessário. O cateter
utilizado na aspiração deve ser mantido em solução anti-séptica, tendo-se o cuidado de
lavá-lo com solução fisiológica estéril antes de inseri-lo na traquéia, para evitar lesões da
parede traqueal causadas por produtos químicos. O cateter deverá ser trocado diariamente.
d. A cânula interna deverá ser retirada para limpeza ou substituída por outra esterilizada
quantas vezes se julgar necessário, dependendo do volume de secreção traqueobrônquica
eliminado.
e. A cânula externa não poderá ser trocada até o quarto ou quinto dia de pós-operatório, até
que se forme uma fístula entre a traquéia e a pele.
f. Todo o conjunto deverá ser trocado a cada três dias.
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g. A umidificação das secreções deverá ser feita artificialmente, por meio de pequenas
“bonecas” de gaze embebidas em solução fisiológica, colocadas na entrada da cânula, e
pelo uso de vaporizadores.
10. Complicações da traqueostomia
a. As complicações peroperatórias geralmente são decorrentes de hemorragia por lesões de
vasos peritraqueais ou estruturas vizinhas, como o istmo tireoidiano, cúpulas pleurais ou
parede torácica. Outras lesões são o pneumotórax, as lesões iatrogênicas do esôfago e/ou do
nervo laríngeo recorrente.
b. Na colocação da cânula poderá ocorrer, acidentalmente, lesão da artéria inominada,
quando se coloca a cânula anteriormente à traquéia, devido a erro ou, ainda, lesão tardia de
artéria subclávia e mesmo da aorta.
c. As traqueostomias altas ou com infecção local persistente levam à estenose traqueal.
d. As fístulas traqueoesofágicas são originadas da mesma maneira que as lesões
arteriovenosas, já citadas.
e. A obstrução da cânula por secreção poderá levar o paciente à asfixia e à morte.
f. A infecção da ferida operatória pode ocasionar a contaminação das vias aéreas,
originando quadros de traqueobronquite ou pneumonia.
II. Punção e Cateterização Venosa.
A punção venosa constitui um procedimento de urgência ou eletivo na prática
clinicocirúrgica diária. Sua finalidade é ampla, incluindo coleta de amostra sangüínea para
análise, administração de drogas e reposição rápida de líquidos, se necessária.
A. Punção de veias superficiais. Após assepsia da pele sobre a veia a ser puncionada,
coloca-se um garrote ou torniquete de plástico na região proximal ao local da punção, a fim
de facilitar a sua visualização e palpação. A agulha é introduzida percutaneamente, através
da visualização da veia, com o bisel da agulha virado para cima, mantendo-se um ângulo de
45º tangencialmente à veia. A seguir, faz-se uma ligeira aspiração do êmbolo da seringa até
que o sangue flua; retira-se o torniquete e fixa-se a agulha à pele com esparadrapo, após
ligá-la a um equipo de soro (Prancha 3-1).
Os vasos mais comumente utilizados são as veias cefálica ou basílica, pela facilidade de
serem puncionadas, devido à sua localização. O ponto a ser puncionado deve, de
preferência, localizar-se na face anterior dos antebraços. Evita-se puncionar veias nas
dobras dos cotovelos, devido ao risco de secção pela ponta da agulha ao dobrar-se o
cotovelo, já que na grande maioria dos casos os pacientes se encontram agitados e
hipercinéticos. Quando não é possível a punção na face anterior dos antebraços, puncionase na face dorsal das mãos ou dos braços (Fig. 3-5).
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No caso de queimaduras graves, fraturas dos membros superiores, fraturas de clavícula ou
lesões torácicas, poderão ser utilizadas outras veias, como a jugular externa, as veias
dorsais do pé e as veias safenas. Não devem ser injetadas drogas ou soluções em veias
superficiais dos membros inferiores, devido ao risco de tromboflebite.
A passagem do Intracath® é realizada após assepsia e garroteamento do membro.
Anestesiado o local, realiza-se uma incisão puntiforme na pele, punciona-se a veia
mediante a introdução da agulha, e o cateter é passado por dentro da agulha. O cateter
deverá ser fixado à pele com fio de náilon. Dispositivos de fixação do cateter facilitam a
sua imobilização (Fig. 3-6).
A punção da veia jugular externa é de simples realização. Deve-se colocar o paciente com a
cabeça estendida e virada para o lado oposto a ser puncionado. Não se utiliza o garrote. O
paciente pode também ser colocado em posição de Trendelenburg. Uma compressão da
veia com o indicador, em sua parte proximal junto à clavícula, pode ser executada,
facilitando a visualização da veia.
B. Punção de veias profundas. Na impossibilidade de puncionar as veias superficiais, outros
vasos poderão também ser utilizados para punções venosas, tais como a veia subclávia, a
femoral e a jugular interna.
1. Punção da veia subclávia. A sua utilização tem diminuído, devido ao risco de
pneumotórax por perfuração da cúpula pleural e lesão da artéria subclávia, que podem
resultar em sangramento para o interior do tórax, levando a um hemotórax.
A veia subclávia está localizada anterior e inferiormente à artéria subclávia; entre as duas
situa-se o músculo escaleno anterior. A pleura está situada posteriormente, a apenas 5 mm
dessa veia, na área em que o plexo braquial cruza a primeira costela, encontrando-se
lateralmente a 2 cm da artéria subclávia. Coloca-se o paciente em posição de Trendelenburg
a 15º, com os braços estirados ao longo do corpo. Evita-se, quando possível, a punção do
lado esquerdo, devido à possibilidade de lesão do duto torácico (Fig. 3-7).
A experiência inicial, em Unidade de Terapia Intensiva, na realização de punção da veia
subclávia guiada por ultra-sonografia tem sido bem-sucedida no que se refere a um número
menor de complicações e a um maior sucesso na obtenção do cateterismo desta veia. A
aplicação prática deste procedimento guiado por ultra-sonografia, entretanto, é duvidosa,
devido à grande demora gerada.
O cateter de Swan-Ganz é passado também através de punção venosa. A agulha é revestida
em teflon. Após a punção, retira-se a agulha e, através da luz do cateter, é introduzido o fioguia. Retira-se o cateter, mantendo-se o fio. O cateter de Swan-Ganz é introduzido até o
átrio direito, retirando-se o fio-guia. Insufla-se o balão do cateter e inicia-se seu movimento
até a posição final em cunha, sendo a introdução orientada pela curva de pressão obtida ao
monitor (ver Cap. 6).
Cateteres de duas ou três vias facilitam o tratamento dos pacientes, permitindo infusão de
diferentes medicamentos e líquidos simultaneamente (Fig. 3-8).
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a. Técnica de punção
(1) Assepsia da região.
(2) Infiltração do periósteo do lado inferior da clavícula, no seu terço médio, com solução
anestésica de xilocaína a 1 ou 2%.
(3) Punção no ponto de encontro da linha mamária com a clavícula, na margem lateral do
ligamento costoclavicular, com cateter tipo Bardic Intracath® de 20 cm com agulha nº 14,
conectado a uma seringa.
(4) Avançar a extremidade da agulha passando pela borda do periósteo inferior e,
simultaneamente, realizar uma aspiração negativa na seringa. Quando há saída de sangue
pela seringa, a agulha é introduzida mais alguns milímetros, sendo mantida nesta posição.
(5) Desconectar a seringa da agulha, obstruir o seu canhão com a polpa digital e introduzir
o cateter pelo interior da agulha, conectado ao equipo de soro.
(6) Colocar o frasco de soro abaixo do nível da veia, a fim de verificar o refluxo de sangue
pelo equipo, demonstrando a boa posição do cateter. A agulha é então retirada lentamente e
fixada na pele do tórax. O curativo deve ser oclusivo. Sempre que possível, deve-se logo
em seguida comprovar radiologicamente a posição do cateter no interior da veia (Prancha
3-2).
b. Cuidados na punção da subclávia
(1) Puncionar, sempre que possível, o lado direito.
(2) Não deixar a agulha aberta após a punção, porque a pressão negativa no tórax e dentro
da veia subclávia pode provocar a entrada de ar na circulação, resultando em embolia
gasosa.
(3) Evitar puncionar repetidamente o mesmo local, porque o hematoma assim provocado
dificultará cada vez mais a realização da punção.
(4) Em caso de falha ou erro na punção, nunca puxar o cateter com a agulha fixa; sempre
retirá-los juntos, ou a agulha primeiro, pois o bisel poderá cortar o cateter dentro da veia,
causando “embolia de cateter”.
(5) Fixar o cateter com sutura, sem transfixá-lo ou angustiá-lo.
c. Complicações da punção subclávia. Podem ocorrer complicações, tais como:
pneumotórax, hemo ou hidrotórax, hemomediastino, hidromediastino, enfisema
subcutâneo, lesão da artéria subclávia, lesão da artéria carótida, lesão do nervo frênico,
lesão do nervo vago, lesão do nervo laríngeo recorrente, lesão do plexo braquial, lesão do
duto torácico, lesão da traquéia, embolia gasosa, embolia por corpo estranho (fragmento de
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cateter), arritmia cardíaca, perfuração miocárdica, tamponamento do seio coronariano,
trombose da veia cava superior e trombose da veia jugular (por má colocação do cateter).
2. Punção da veia femoral (Prancha 3-3). A veia femoral está localizada medialmente à
artéria femoral. Palpa-se a artéria na região inguinal e introduz-se a agulha em ângulo de
45º com a pele, cerca de 1 cm medial ao pulso arterial, atingindo-se assim a luz venosa.
Se ocorre a punção inadvertida da artéria, retira-se a agulha e mantém-se uma compressão
local durante 10 minutos.
3. Punção da veia jugular interna. O paciente é colocado em posição de Trendelenburg a
15º com o pescoço estendido e virado para o lado contrário ao da punção; faz-se a assepsia
da região e punciona-se na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, tomando-se
como referência o cruzamento da veia jugular externa (a aproximadamente 3 cm da
inserção do músculo no esterno); neste local, introduz-se a agulha num ângulo de 30o,
palpando-se o pulso carotídeo e tendo-se o cuidado de colocar a agulha lateralmente à
artéria carótida. A fixação e a colocação do cateter são iguais às da punção da subclávia.
Sempre é preferida a punção do lado direito, pelo risco de lesão do duto torácico, pela
menor incidência de pneumotórax (uma vez que a cúpula pleural direita é mais baixa do
que a esquerda), assim como pela maior facilidade de introdução do cateter na veia cava
superior, pois as veias jugular interna e subclávia direitas levam diretamente à veia cava
superior (Fig. 3-9).
III. Dissecção Venosa.
A dissecção venosa é um bom procedimento em casos de impossibilidade de punção
venosa (pacientes com choque hipovolêmico, politraumatismo grave, pacientes obesos, ou
pacientes portadores de fragilidade capilar).
Dissecção da veia no membro superior (Prancha 3-4).
A. Assepsia da região correspondente ao terço distal do braço e ao terço proximal do
antebraço.
B. O local ideal a ser dissecado encontra-se num ponto localizado a aproximadamente 3 cm
do epicôndilo medial do úmero, na direção da inserção da aponeurose do bíceps, no sulco
entre o bíceps e o tríceps.
C. Anestesia local com solução anestésica de xilocaína, atingindo planos superficiais e
profundos, tendo-se o cuidado de aspirar sempre a seringa para evitar a introdução do
anestésico em um vaso.
D. Incisão de aproximadamente 2 cm, com dissecção romba até o subcutâneo.
E. Identificação das estruturas anteriormente citadas.
F. Reparos proximal e distal da veia braquial com a ligadura da extremidade distal.
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G. Realização de uma pequena incisão na veia braquial e introdução de um cateter de
polietileno ou Sylastic® esterilizado, medindo-se previamente a distância da incisão até a
veia cava superior.
H. Ligadura do reparo proximal por sobre o cateter, sem angustiá-lo.
I. Fechamento dos planos dissecados.
J. Fixação do cateter à pele através de sutura (fixação firme, porém sem estenosar ou dobrar
o cateter).
L. Curativo (Fig. 3-10).
A veia cefálica poderá, se necessário, ser dissecada no sulco deltopeitoral, através de uma
incisão de aproximadamente 4 cm de prega axilar, entre os músculos deltóide e peitoral
maior.
A veia safena magna também poderá ser cateterizada no membro inferior, ao nível do
maléolo medial (Fig. 3-11), em caso de impossibilidade de uso de veias nos membros
superiores, ou em situações emergenciais. Excepcionalmente, poderá ser necessária a
dissecção da veia safena magna ao nível da croça, na região inguinal — este procedimento
é pouco adotado devido às complicações observadas, principalmente trombóticas (Prancha
3-5).
IV. Punção Abdominal.
A punção abdominal é realizada com finalidades diagnóstica e terapêutica. Ela é de grande
relevância no diagnóstico das lesões intra-abdominais, em casos de traumatismo ou de
patologias não-relacionadas a trauma. O líquido retirado é submetido a análise, e os
resultados orientam o diagnóstico da patologia em questão. A presença de sangue na
cavidade abdominal, após o trauma, indica lesão de órgãos intra-abdominais.
A sua indicação terapêutica reside no alívio sintomático de volumosas ascites, que causam
desconforto e dificuldade respiratória ao paciente. O paciente é colocado em decúbito
dorsal, realizando-se rigorosa assepsia da região abdominal. O local indicado para a punção
está situado no terço médio entre a crista ilíaca ântero-superior e a cicatriz umbilical à
esquerda e fora da área do músculo reto do abdômen. Infiltram-se a pele e os planos
profundos com solução anestésica de xilocaína a 1% e introduz-se uma agulha de grosso
calibre (Intracath® 14), perpendicularmente à pele, até que seja atingida a cavidade
abdominal (ao ultrapassar o peritônio, verifica-se se há uma sensação de papel rasgado).
Se a quantidade de líquido intraperitoneal for grande, este sairá pela agulha sem
dificuldade, fornecendo, assim, o diagnóstico de certeza; porém, em alguns casos, a simples
punção não oferece o diagnóstico de certeza, sendo necessário realizar o lavado peritoneal.
Para isto, introduzem-se duas agulhas grossas tipo Intracath® 14, nos dois quadrantes
inferiores, no ponto ideal descrito anteriormente, ligando um equipo de soro fisiológico em
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uma delas e deixando que ele corra livre até que saia pela outra agulha, o que geralmente
ocorre após 1.000 ml no adulto e 500 ml nas crianças. Se colocarmos o paciente em
decúbito lateral do lado da agulha que está livre, o líquido sairá mais rapidamente.
Se a solução fisiológica apresentar-se límpida, sem coloração diferente, a punção será
considerada negativa; se apresentar coloração rósea ou vermelha, será positiva para sangue.
Se estiver de outra cor, como amarelo ou verde, por exemplo, pensar em urina, bile ou fezes
(Fig. 3-12). Saída de líquido róseo é discutível, porque, se a solução fisiológica não estiver
nitidamente sanguinolenta, poderemos estar diante de uma pequena laceração de vísceras,
sem indicação de laparotomia; porém, deve ser sempre lembrado que um líquido róseo
pode indicar pequeno sangramento peritoneal, com um grande sangramento retroperitoneal.
A indicação cirúrgica após uma punção rósea deverá estar associada a outros sinais
clinicorradiológicos, tais como presença de equimoses, hematomas e escoriação da parede
abdominal; sinais e sintomas de hipovolemia; achados laboratoriais sugestivos de perda
sangüínea e sinais radiológicos sugestivos.
As complicações das punções abdominais estão relacionadas com hemorragias e lesões de
órgãos abdominais, perfuração de alças intestinais e infecção. Um cuidado a ser observado
é o de se esvaziar a bexiga antes da punção, para evitar que ela seja lesada.
O lavado peritoneal pode ser também realizado através de uma pequena incisão de
aproximadamente 2 cm abaixo do umbigo (sob anestesia local). Após penetração na
cavidade peritoneal, infunde-se aproximadamente 1 litro de Ringer lactato. O paciente é
virado para ambos os lados, e a bolsa de infusão é abaixada até o nível do chão. O volume
final do líquido de lavado peritoneal retornado é enviado ao laboratório para quantificação
de células vermelhas. Os resultados serão considerados negativos quando a contagem for
inferior a 100.000 células/mm3 (trauma fechado) e menor do que 50.000 células/mm3
(trauma penetrante).
V. Punção Torácica.
Na presença de uma coleção líquida ou gasosa na pleura, a punção torácica está indicada. O
lado e o local a serem puncionados dependerão da realização prévia de uma radiografia de
tórax em duas incidências.
Realiza-se a assepsia do tórax com o paciente sentado e, após infiltração de solução
anestésica, introduz-se a agulha de grosso calibre no sexto ou sétimo espaço intercostal, na
linha axilar posterior ou infra-escapular, em caso de derrame, tendo-se o cuidado de não
introduzir a agulha em posição mais baixa, para não perfurar o diafragma. A agulha deve
distanciar-se do feixe vasculonervoso que passa na borda inferior da costela. A agulha é
conectada a uma torneira de três vias (three way) e a uma seringa de 20 ou 50 ml,
dependendo da extensão do derrame. Um dispositivo three way impede a entrada de ar na
cavidade pleural, durante as manobras para aspiração de líquido.
Não devemos realizar a aspiração rápida de grandes volumes de líquido intrapleural, já que,
além do desconforto que proporciona ao paciente, ela pode ocasionar tosse espasmódica e
até edema pulmonar agudo. Assim, realizaremos a punção mais lentamente e em vários dias
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seguidos. Na presença de hemotórax clínica e radiologicamente estabilizado, a punção
evacuadora deverá ser obtida após 72 horas, porque neste período o sangue apresenta-se
liquefeito, podendo, assim, ser facilmente retirado, o que não acontece no hemotórax
recente, no qual os coágulos obstruem a agulha, não permitindo a evacuação do derrame
(Fig. 3-13).
Nos casos de pneumotórax, podemos fazer a punção com o paciente semi-sentado, no
segundo espaço intercostal, na linha mamária, ou mesmo no quarto espaço intercostal, na
linha axilar média ou anterior, com a agulha acoplada a um equipo de soro, colocando-se a
ponta deste dentro de um selo d’água, sendo a agulha fixada com esparadrapo na parede
torácica. Em pneumotórax pequenos, a punção pode ser curativa. Nos grandes pneumotórax
ou nos pneumotórax hipertensivos, a punção é um procedimento inicial, com a necessidade
da colocação de um dreno torácico para aspiração ou mesmo uma toracotomia, dependendo
da gravidade do caso.
Após a punção, coloca-se um curativo compressivo por um período de 48 horas.
As principais complicações da punção torácica consistem em lesão dos vasos intercostais,
lesão pulmonar e lesão diafragmática.
VI. Drenagem Torácica.
Os ferimentos torácicos que levam à presença de coleções líquidas na cavidade pleural
podem requerer a colocação de um ou mais drenos torácicos para o seu tratamento.
Utilizam-se tubos de silicone calibrosos (nos 32-40). Devem-se utilizar drenos torácicos
retos, pois os angulados são tecnicamente de difícil introdução. Os locais de colocação são
o segundo espaço intercostal, na linha mamária, no caso de coleções gasosas, e no sétimo
espaço intercostal, na linha axilar anterior, nos casos de coleção líquida.
Realizam-se a assepsia do local escolhido, a colocação de campos e a incisão de
aproximadamente 3 cm, longitudinalmente ao espaço intercostal, com dissecção romba até
a pleura.
Introduz-se um dedo enluvado no espaço pleural para assegurar que o espaço pleural esteja
livre de aderências para a introdução do dreno torácico, sem o risco de penetração no
parênquima pulmonar.
O dreno é então pinçado na extremidade e introduzido através de um orifício, nos sentidos
posterior e superior.
O dreno é introduzido até que o orifício proximal esteja bem no interior do tórax, e fixado
na posição escolhida. O dreno é conectado a um tubo de borracha através de uma conexão
de metal ou plástico, e ligado a um vidro em selo d’água. Faz-se uma sutura “em bolsa” ao
redor do dreno para fixá-lo à parede torácica; comprova-se a sua colocação solicitando-se
ao paciente que tussa e, caso saiam bolhas de ar ou líquido pelo selo d’água, considera-se
que o dreno está bem posicionado.
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Nos casos de pneumotórax ou hemotórax desaparecidos clínica ou radiologicamente após
24 horas, solicita-se ao paciente que respire profundamente e prenda a respiração; o dreno
será puxado e o orifício por ele deixado será tampado com gaze e esparadrapo (Figs. 3-14 ,
3-15 e 3-16).
VII. Punção Pericárdica.
A punção pericárdica (pericardiocentese), realizada em ambulatório, é um procedimento de
emergência em casos de tamponamento cardíaco. Estes tamponamentos são devidos ao
hemopericárdio, decorrentes de traumatismo torácico fechado, ferimentos perfurantes do
coração ou por arma de fogo, com extravasamento de sangue para a cavidade pericárdica.
Na presença de tamponamento cardíaco, a pericardiocentese deve ser realizada o mais
rapidamente possível, pois, quando não tratado, o paciente pode desenvolver parada
cardíaca e choque irreversíveis.
O paciente que sofre um ferimento cardíaco pode apresentar-se desfalecido, comatoso, com
confusão mental, sinais de choque e pulso paradoxal.
O diagnóstico é relativamente fácil e apresenta a tríade: ingurgitamento jugular, hipotensão
e hipofonese de bulhas.
Uma vez obtido o diagnóstico clínico, deve-se proceder imediatamente à punção
pericárdica (técnica de Marfan), que consiste na introdução de uma agulha grossa e
comprida conectada a uma seringa, na região esquerda do apêndice xifóide, em ângulo de
aproximadamente 45º e orientada para cima e para a esquerda, na direção da escápula do
mesmo lado. Após ultrapassar a pele, diminui-se o ângulo de inclinação da agulha,
mantendo-se a sua ponta mais próxima da parede torácica, em direção à ponta do coração.
Após atingida a cavidade pericárdica, a aspiração de 30-40 ml de sangue intrapericárdico
leva à melhora clínica do paciente. O sangue aspirado não coagula na seringa, devendo-se
retirar o máximo de sangue possível e deixar a agulha na posição, até submeter o paciente a
tratamento cirúrgico. A oscilação da agulha é indicativa de punção do miocárdio, devendo a
mesma ser imediatamente recuada (Fig. 3-17). O tratamento de choque hipovolêmico
deverá ser realizado juntamente com a punção, através da transfusão de sangue e de outras
medidas que se julgarem necessárias.
A utilização da punção pericárdica, entretanto, deve ser exclusiva de profissionais treinados
neste procedimento, uma vez que é grande o risco de perfuração do coração, com graves
conseqüências. Por isso, tem sido muitas vezes substituída por um acesso cirúrgico para
realização de uma janela pericárdica por via subxifoideana.
A punção pericárdica como procedimento eletivo é realizada em casos de processos
infecciosos intrapericárdicos, como, por exemplo, pericardites, e com o paciente sob
monitoração eletrocardiográfica, de preferência na sala de radioscopia, a fim de se verificar
a posição exata da agulha e orientar o seu trajeto.
VIII. Punção Suprapúbica.
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As distensões agudas da bexiga por patologias obstrutivas, com impossibilidade de
cateterização por via uretral, indicam a necessidade de uma punção suprapúbica de
emergência.
O local indicado para a punção está situado entre 1 e 3 cm acima da sínfise púbica, com
agulha introduzida e direcionada para dentro e para baixo. Recomenda-se colocar o
paciente na posição de Trendelenburg, a fim de evitar a perfuração de órgãos intraabdominais, especialmente das alças intestinais (Fig. 3-18).
Referências
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Ventilatory Management. In: Advanced Trauma Life Support Course For Physicians —
ATLS. 5 ed., Student Manual, 1993.
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Copyright © 2000 eHealth Latin America
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Capítulo 04 - Queimaduras — Fase Aguda
Armando Chiari Jr.
Sinval Lins Silva
I. Introdução.
No Brasil, a inexistência de estatísticas fidedignas não nos deve impedir de perceber a
gravidade deste problema médico-social que são as queimaduras. Nos Estados Unidos, a
cada ano, entre 2 e 2,5 milhões de indivíduos procuram tratamento médico para
queimaduras. Entre 100 mil e 130 mil pacientes são hospitalizados, e de 10 mil a 12 mil
pessoas morrem em conseqüência de queimaduras.
Antes da Segunda Guerra Mundial, a média de extensão de queimaduras, associada a uma
taxa de mortalidade de 50%, correspondia a menos de 30% da superfície corporal.
Atualmente, esta mesma taxa de mortalidade de 50% estaria associada a extensões de 6575% de superfície corporal queimada, na maioria dos Centros de Queimados do mundo.
Este maior índice de sobrevivência está ligado a numerosos fatores, dentre os quais
destacamos uma melhor compreensão da fisiopatologia das queimaduras, o que possibilitou
uma melhoria em todos os aspectos do tratamento do queimado.
O objetivo deste capítulo é apenas descrever a fase aguda das queimaduras, que
compreende as primeiras 48-72 horas após a injúria inicial.
II. Definição.
A lesão térmica ocorre como resultado de uma transferência de energia de uma fonte de
calor para o corpo, através de condução direta ou de radiação eletromagnética.
Histologicamente, a lesão térmica resulta em necrose de coagulação da epiderme e, em
profundidade variável, da derme.
III. Avaliação do Paciente Queimado.
Objetivamente, o tratamento inicial do paciente queimado vai depender da avaliação das
lesões térmicas quanto à profundidade, localização anatômica e extensão da superfície
corporal queimada (SCQ). Quanto ao paciente em si, a idade, a presença de patologias
preexistentes e de lesões associadas são de fundamental importância.
A. Avaliação da profundidade das queimaduras. Podem-se classificar as queimaduras em
lesões de espessura parcial (primeiro e segundo graus) e de espessura total (terceiro e
quarto graus) (Quadro 4-1).
Nas queimaduras de espessura parcial, restam ainda elementos dérmicos que podem
regenerar o epitélio. Nas queimaduras de espessura total foram destruídos todos os
elementos dérmicos, e são necessários enxertos de pele para fechamento da ferida.
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B. Avaliação da extensão das queimaduras. A extensão de uma queimadura é definida pela
porcentagem de superfície corporal queimada (SCQ). Para a avaliação urgente do paciente
queimado, uma estimativa da extensão das queimaduras é fundamental para a determinação
da necessidade de hospitalização e para o planejamento da reposição hídrica. Um dos
métodos mais comumente utilizados para o cálculo da área atingida é a regra dos nove, que
divide a superfície do corpo em áreas de aproximadamente 9%, ou múltiplos. Esta regra é
modificada para crianças até o primeiro ano de vida, com a cabeça e o pescoço
representando 19% e cada membro inferior representando 13% da superfície corporal.
Um por cento é subtraído da cabeça e do pescoço, e 0,5% é adicionado a cada membro
inferior, correspondendo a cada ano de vida, entre as idades de 1 e 10 anos (Fig. 4-1).
C. Localização anatômica. Pacientes com queimaduras de face, mãos, pés, períneo e com
injúrias respiratórias apresentam maior morbidade, maior índice de mortalidade e maior
incidência de seqüelas limitantes na fase crônica.
D. Particularidades do paciente. Os pacientes nos extremos de idade (abaixo de 1 e acima
de 60 anos), portadores de patologias preexistentes (p. ex., doenças cardíacas, renais,
hepáticas, metabólicas) e com traumas associados (fraturas, lesões abdominais,
politraumatismos) apresentam também maior morbidade e maior índice de mortalidade.
E. Etiologia das queimaduras. Os pacientes que apresentam queimaduras elétricas e/ou
químicas geralmente necessitam de cuidados especiais.
F. Avaliação da gravidade das queimaduras. As queimaduras leves podem, em geral, ser
tratadas ambulatorialmente. As queimaduras de moderadas a graves geralmente requerem
hospitalização e reposição hídrica endovenosa (Quadro 4-2) (Prancha 4-1).
IV. Tratamento Inicial do Paciente Queimado.
Pesquisa-se a permeabilidade das vias áreas do paciente e, se necessário, realiza-se a
intubação orotraqueal; inicia-se oxigenação suplementar pelo tubo ou por cateter nasal.
Introduzem-se dois cateteres venosos de grosso calibre (Jelco® nº 14 ou 16) em veias
periféricas ou, nos casos mais graves, um cateter em veia periférica e um cateter em
posição central (para medida de PVC).
Introduz-se um cateter vesical de demora (para medida do fluxo urinário horário).
Introduz-se um cateter nasogástrico nos queimados graves e especialmente naqueles com
suspeita de lesão das vias aéreas.
Colhe-se sangue para a realização de exames laboratoriais.
Realiza-se a sedação do paciente com meperidina injetável, na dose de 50-75 mg EV para
adultos e de 0,5 mg/kg de peso corporal para crianças.
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Inicia-se a reposição hídrica.
Infelizmente, a reposição volêmica inicial inadequada, realizada por profissionais com
conhecimentos insuficientes na área, continua sendo uma causa importante de mortalidade
precoce. Até os anos 40, o choque hipovolêmico e a insuficiência renal aguda, derivada
dessa hipovolemia, eram a mais importante causa-mortis no queimado grave. Os
conhecimentos acumulados ao longo dos anos, especialmente sobre a fisiopatologia das
queimaduras, possibilitaram um índice menor do que 5% de falhas na reposição volêmica
inicial nos diversos Centros de Queimados do mundo.
Este índice é alcançado mesmo em pacientes com queimaduras profundas envolvendo mais
de 85% da superfície corporal. Atualmente, a principal causa-mortis do queimado grave é a
infecção, com a pulmonar e a de ferida levando à septicemia, falência de órgãos múltiplos e
morte, geralmente na fase subaguda.
A. Fisiopatologia das queimaduras
1. Fisiopatologia do choque nas queimaduras. A exata fisiopatologia das mudanças
vasculares e alterações de volume no queimado são ainda um campo aberto às pesquisas;
entretanto, alguns processos estão claramente envolvidos:
a. Integridade microvascular. Queimaduras extensas (> 30%) resultam em aumentos locais
e sistêmicos da permeabilidade capilar, embora os efeitos sistêmicos pareçam ser mais
transitórios e insignificantes do que previamente se suspeitava.
Histologicamente, as mudanças na microcirculação são evidentes minutos após as lesões:
grandes fendas entre as células endoteliais são formadas e se mantêm pelo prazo de dias ou
semanas naqueles microvasos que continuam patentes. O “vazamento” através dessas
fendas, nos tecidos não-queimados, envolve moléculas com peso molecular de 40.000 ou
menos, enquanto nos tecidos queimados envolvem moléculas de peso molecular maior do
que 80.000 e, segundo Baxter, de até 350.000.
A etiologia dessas alterações histológicas parece estar relacionada à injúria térmica direta e
à liberação de substâncias vasoativas.
É sabido que, após a queimadura, existem duas fases de aumento da permeabilidade capilar.
A primeira fase, histamino-dependente, é transitória e ocorre quase que imediatamente após
a lesão. A segunda fase é muito mais duradoura e parece estar associada a numerosas
substâncias vasoativas, como a serotonina, a bradicinina, as prostaglandinas, os
leucotrienos e radicais livres de oxigênio. As tentativas de inibição farmacológica desses
mediadores têm sido infrutíferas, e um sucesso mais palpável nesta área provavelmente
abriria um novo capítulo na história do tratamento do grande queimado.
Ocorre, então, um grande aumento no fluxo de fluidos e proteínas do espaço intravascular
para o espaço intersticial. O volume perdido é maior nas primeiras horas após a lesão, e as
perdas são mais intensas nas áreas queimadas. Aparentemente, também os capilares nas
áreas não-queimadas readquirem a capacidade de funcionar como membrana
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semipermeável mais precocemente, em torno da oitava hora, ao contrário daqueles das
áreas queimadas, que recobrariam esta capacidade em torno da 18ª à 24ª hora. É importante
salientar a existência de diversos estudos mais recentes indicando que, na ausência de
injúria pulmonar, não existe aumento da permeabilidade microvascular às proteínas nos
pulmões, embora o fluxo de fluidos transvasculares nos pulmões esteja aumentado.
Demling sugere que este fato e o edema que ocorre nos tecidos não-queimados seriam
principalmente devidos à hipoproteinemia grave que ocorre após a queimadura, agravada
durante a reposição hídrica.
b. Hipoproteinemia. A hipoproteinemia produz edema de duas maneiras. Primeiro, a
diminuição do gradiente de pressão oncótica do plasma em relação ao tecido intersticial
resulta num desequilíbrio das forças de Starling, favorecendo o fluxo dos fluidos para fora
dos vasos. Segundo, a depleção de proteínas intersticiais aumentaria a facilidade de
transporte de água (condutibilidade de fluidos) do espaço intravascular para o espaço
intersticial.
c. Alteração dos potenciais da membrana celular. Nos pacientes com mais de 30% de SCQ
ocorre uma diminuição generalizada nos potenciais de membrana celular, resultando num
fluxo intracelular de água e sódio e migração extracelular de potássio. Estes fenômenos são
secundários à disfunção da bomba de sódio-potássio, que ocorre devido à diminuição de
ATPase da membrana celular.
d. Aumento da pressão osmótica nos tecidos queimados. Vários autores acreditam que o
fluxo inicial de fluidos da microcirculação para o interstício não poderia ser explicado
apenas pelo aumento da permeabilidade vascular e pela hipoproteinemia.
Leape demonstrou experimentalmente um aumento na concentração de sódio nos tecidos
queimados, sugerindo fortemente que o íon sódio, ligando-se ao colágeno lesado, possa ser,
em parte, responsável pelo aumento da pressão osmótica nesses tecidos.
e. Alterações humorais. O extravasamento do plasma do espaço intravascular resulta na
diminuição do volume circulante, que induz a liberação de aldosterona, com excreção renal
de potássio e retenção de sódio.
Os níveis de hormônio antidiurético também permanecem elevados por vários dias.
f. Acidose metabólica. Está quase sempre presente durante os estágios iniciais de uma
queimadura grave e pode ser de uma magnitude suficiente para interferir no sucesso da
ressuscitação hídrica.
g. Depressão miocárdica. Em queimaduras mais extensas do que 40% de SCQ, a depressão
do débito cardíaco é freqüentemente observada, com resultante deficiência de resposta à
ressuscitação hídrica. Este fenômeno tem sido explicado por Baxter com base em um fator
circulante depressor do miocárdio, no que ele tem sido contestado por outros autores, como
Goodwin.
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h. Aumento da resistência vascular periférica. Fenômeno freqüentemente observado, pode
ocorrer como resultado do aumento de liberação de noradrenalina e do aumento da
sensibilidade dos vasos periféricos à noradrenalina e às várias substâncias vasoativas já
citadas, liberadas na fase aguda da queimadura.
i. Alterações hematológicas. Inicialmente, eleva-se o hematócrito como conseqüência da
diminuição do volume plasmático circulante. A conseqüente maior viscosidade sangüínea
leva a uma estase microcirculatória, agravada por uma adesividade plaquetária aumentada.
A destruição eritrocitária inicial causada pela injúria térmica direta é usualmente menor do
que 15% do total circulante. Na fase aguda, estas perdas iniciais são mascaradas pela
hemoconcentração, porém uma perda adicional de 10-25% ocorre mais tarde, devido a um
encurtamento do tempo de vida médio das hemácias.
jj. Perdas de água por evaporação. Com a queimadura, a pele atingida perde a sua função de
barreira semipermeável às perdas de água por evaporação. Estas perdas podem ser
desprezíveis nas queimaduras menores, porém, em queimaduras graves, podem atingir mais
de 200 ml/h. O cálculo dessas perdas pode ser realizado através da fórmula
Volume = 25 + (% SCQ ö SC)
na qual o volume das perdas, em ml/h, é obtido pela soma da constante 25 com o produto
da SCQ multiplicado pela extensão da superfície corporal (que no adulto médio equivale a
1,8).
2. Outras alterações fisiopatológicas
a. Perdas de calor. A pele lesada perde a capacidade de retenção de calor e manutenção da
temperatura corporal. É importante evitar a hipotermia, aumentando-se a temperatura
ambiente no quarto do paciente.
b. Metabolismo. Imediatamente após a queimadura, o organismo entra em um estado de
hipermetabolismo, com elevado consumo de oxigênio, acentuado gasto de energia e grave
catabolismo. O gasto de energia e o catabolismo protéico são maiores e se mantêm por mais
tempo do que em qualquer outro estado fisiológico de estresse. O gasto de energia pode
exceder mais de duas vezes o gasto usual, para suportar a circulação hiperdinâmica, o fluxo
respiratório acelerado, o fluxo protéico, as perdas de calor pela evaporação e pela
incapacidade da pele de manter a temperatura corporal.
O paciente com uma queimadura grave já alcançou sua reserva fisiológica máxima e não
consegue aumentar seus gastos de energia para suportar qualquer estresse adicional.
Embora o gasto de energia possa ser diminuído pelo aumento da temperatura ambiente — o
cuidado que deve ser sempre tomado no quarto do paciente —, o queimado continua a ter
uma temperatura corporal elevada, em torno de 38-39ºC. Esta temperatura elevada indica
hipermetabolismo, e não infecção, como muitos profissionais menos experientes podem
pensar (Quadros 4-3 e 4-4).
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B. Ressuscitação hídrica. O objetivo da ressuscitação hídrica inicial consiste primeiramente
em restaurar e manter a perfusão tissular, evitando isquemia de órgãos vitais e preservando
os tecidos moles lesados, porém viáveis.
Há alguns anos, o problema da hipovolemia vem sendo agressivamente corrigido com o uso
de cristalóides em grande volume (fórmula de Parkland). Esta abordagem apresenta bons
resultados na correção do choque e na prevenção da IRA; entretanto, leva também à
formação de um edema acentuado e generalizado, nas áreas queimadas e não-queimadas.
Um dos objetivos atuais da ressuscitação hídrica inicial é minimizar este grau de edema
tissular, que pode comprometer as vias aéreas superiores e a função pulmonar, pela
diminuição da complacência da parede torácica. O decréscimo da tensão de oxigênio nos
tecidos lesados, devido ao edema excessivo, também pode levar à necrose tissular
adicional.
1. Tipos de fluidos de ressuscitação. Em geral, fluidos que contenham sódio mas sejam
livres de glicose, em vista da intolerância inicial à glicose no paciente queimado, são
apropriados para a ressuscitação inicial, se administrados em quantidades suficientes. A via
oral pode ser utilizada em queimaduras menos extensas, porém o íleo paralítico que ocorre
em queimaduras profundas acima de 15% de SCQ limita a utilização desta via.
a. Cristalóides isotônicos. Cristalóides, particularmente a solução de Ringer lactato com
uma concentração de sódio de 130 mEq/l, são os fluidos de ressuscitação mais comumente
empregados no Brasil e nos Estados Unidos. Os estudos experimentais originais de Baxter
revelaram que a administração de plasma não era mais efetiva do que a de cristalóides até
24 h após a queimadura. Durante este período, não existiria uma membrana semipermeável
funcionante no espaço intracelular que mantivesse um gradiente coloidosmótico gerado
pelas proteínas. Desta maneira, pelo menos inicialmente, o volume plasmático funcional
poderia ser restaurado apenas com a expansão do espaço extracelular como um todo.
Entretanto, tem sido demonstrado que os capilares nos tecidos não-queimados e nos
pulmões mantêm relativamente inalteradas suas características de permeabilidade às
proteínas.
O volume de cristalóides requerido seria relacionado primariamente ao déficit calculado de
sódio, estimado por Baxter em 0,5-0,6 mEq ö %SCQ ö peso do paciente. A quantidade de
cristalóides necessária é também dependente dos parâmetros utilizados na monitoração da
ressuscitação; se um fluxo urinário de 0,5 ml/kg de peso corporal por hora é considerado
como indicação de perfusão adequada, de 3 a 4 ml ö kg ö %SCQ serão necessários nas
primeiras 24 horas. A fórmula de Parkland calcula o fluido requerido nestas primeiras 24
horas em 4 ml x kg x %SCQ. Se um fluxo urinário de 1 ml/kg/h é julgado necessário, como
nos casos em que existe mioglobinúria (p. ex., casos de queimaduras elétricas), logicamente
mais fluido será necessário e resultará mais edema. A fórmula de Parkland sugere que 50%
do fluido estimado sejam infundidos nas primeiras oito horas, pois este é o período em que
ocorrem as maiores perdas, devido aos fatores descritos previamente. Uma substancial
parte do cristalóide infundido nas 16 horas seguintes (25%, 8 h + 25%, 8 h) termina no
tecido não-queimado, aumentando também o edema.
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b. Solução salina hipertônica. O uso destas soluções tem sido defendido por Monafo e por
outros autores. Eles sugerem que menores volumes de fluido (com dose total de sódio
similar, porém com aproximadamente dois terços da dose de água) são requeridos, quando
comparados com a ressuscitação com Ringer lactato. Desta maneira, os autores conseguem
uma ressuscitação satisfatória, com uma menor incidência de edema nos tecidos nãoqueimados e suas seqüelas.
Entre as desvantagens descritas encontram-se a maior complexidade relativa e a
necessidade de maior observação do paciente, com riscos potenciais de hipernatremia,
coma hiperosmolar e alcalose. Existe ainda a possibilidade de se agravar uma insuficiência
renal instalada previamente.
c. Infusões de proteínas. As opiniões dos diversos autores podem ser divididas em três
escolas de pensamento: (a) as soluções de proteínas não devem ser infundidas nas primeiras
24 horas; (b) proteína, especificamente a albumina, pode ser infundida desde o início da
ressuscitação hídrica, juntamente com cristalóides, e usualmente adicionada a soluções
salinas; (c) a infusão de proteína deve ser iniciada de 8 a 12 horas após a queimadura,
utilizando-se estritamente cristalóides, ou colóides não-protéicos nas primeiras 8-12 horas,
porque a maioria das perdas de fluidos ocorre durante este período.
Como os tecidos não-queimados parecem recuperar a permeabilidade normal rapidamente
após a queimadura e a hipoproteinemia pode acentuar o edema, a primeira opção parece a
menos apropriada. Demling e cols. também demonstraram experimentalmente que a
restauração e a manutenção do conteúdo de proteínas plasmáticas não são efetivas até oito
horas após a queimadura. Parece-nos então que a terceira opção seria a mais apropriada,
pois após a oitava hora os capilares dos tecidos não-queimados teriam a capacidade de reter
as proteínas infundidas, contribuindo para a manutenção de uma pressão oncótica efetiva
no espaço intravascular.
A escolha do tipo de solução de proteínas é também controversa. As soluções de albumina
são comprovadamente as mais ativas; entretanto, seu custo é muito elevado. O plasma
fresco contém todas as frações protéicas, possui um menor custo, porém tem um risco
aumentado de transmissão de doenças. Desta maneira, se possível, devem-se utilizar as
soluções de albumina e, chamamos a atenção, na forma de infusões contínuas, não em
bolus.
Está claro que nem todo paciente queimado grave requer grandes infusões e proteína;
porém, queimados acima de 50% de SCQ, pacientes mais velhos e aqueles com injúrias de
inalação concomitantes, não apenas desenvolvem menos edema, como parecem conseguir
uma melhor estabilidade hemodinâmica com a infusão de proteínas.
d. Colóides não-protéicos. A dextrana é um colóide que consiste em moléculas de glicose
polimeralizadas em cadeia, para formar um polissacarídeo de alto peso molecular.
A dextrana com a média de peso molecular (pm) em torno de 40.000 é conhecida como
dextrana de baixo peso molecular, em contraposição à dextrana de pm 70.000, mais
utilizada na Inglaterra, e a de pm 150.000, mais utilizada na Suécia. A dextrana é excretada
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pelos rins, com 40% sendo removidos em 24 horas e o restante sendo lentamente
metabolizado. A dextrana 40 é mais rapidamente eliminada pelos rins. Ela é empregada
com o objetivo de aumentar a pressão coloidosmótica do plasma e é bastante eficiente. Um
grama de dextrana retém 20-30 ml de água, enquanto 1 g de proteína retém 13 ml. Segundo
Demling, o débito cardíaco é significativamente maior, e o hematócrito é menor durante a
sua infusão, quando comparada com o débito encontrado com o uso apenas de Ringer
lactato, indicando um aumento no volume intravascular. Entretanto, nenhum tipo de
dextrana atenua o edema nos tecidos queimados, já que aí o grau de aumento da
permeabilidade capilar é muito grande. A dextrana também não previne a hipoproteinemia
no período pós-queimadura. Aparentemente, a combinação de proteínas e colóides nãoprotéicos apresenta as melhores vantagens práticas e teóricas em maximizar o volume
sangüíneo e minimizar o edema tissular. A dextrana efetivamente mantém a perfusão
tissular e o débito cardíaco, evitando a necessidade do uso de infusões de proteínas mais
caras no período inicial de perdas rápidas de fluidos e proteínas.
Uma taxa de infusão de dextrana de pelo menos 2 ml/kg/h, equivalendo a aproximadamente
35 gotas por minuto, é requerida para manter níveis plasmáticos de dextrana em torno de 2
g/dl, maximizando os seus efeitos coloidosmóticos e de retenção de volume.
A dextrana melhora o fluxo na microcirculação pela diminuição da agregação dos
eritrócitos; entretanto, pode causar problemas de coagulação relacionados à adesividade
plaquetária.
2. A escolha dos fluidos. Seria pouco sensato utilizar um único fluido de ressuscitação para
todos os pacientes. Cada uma das soluções apresentadas tem propriedades particulares,
tornando-as mais vantajosas em determinadas circunstâncias.
A maioria dos pacientes jovens (exceto as crianças muito jovens), com queimaduras abaixo
de 50% da SCQ e sem queimadura pulmonar, pode ser ressuscitada com cristalóide
isotônico (Ringer lactato), com adição posterior de proteínas.
Pacientes jovens com queimaduras acima de 50% de SCQ, para evitar edema generalizado,
podem beneficiar-se do uso de soluções salinas hipertônicas, utilizadas cuidadosamente.
Pacientes com queimaduras faciais e injúria respiratória também podem beneficiar-se desta
abordagem, adicionando-se proteínas posteriormente.
Um método alternativo utilizado nesses pacientes com queimaduras de face e injúria
respiratória, nos pacientes com queimaduras extensas, em extremos de idade, nos pacientes
admitidos em choque ou que foram maltratados nas primeiras horas de queimadura seria o
uso de dextrana e cristalóides nas primeiras oito horas, seguidos de infusão de proteínas e
cristalóides, conforme necessário, após estas primeiras oito horas.
Todas as abordagens, inclusive a própria fórmula de Parkland, prevêem o uso de colóides
protéicos e água livre (SGI — soro glicosado isotônico), nas 24 horas seguintes ao primeiro
dia, para manutenção de um fluxo urinário de 0,5-1,0 ml/kg/h (Quadros 4-5 e 4-6).
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3. Monitoração. Muitos parâmetros clínicos têm sido utilizados para o acompanhamento da
evolução adequada da ressuscitação hídrica (ver Quadro 4-7). Pacientes em que se infunde
grande quantidade de líquidos, como nos queimados graves, devem ser acompanhados
cuidadosamente, e um limite entre o que é considerado perfusão aceitável e hiperhidratação deve ser constantemente avaliado. O risco maior é o de insuficiência cardíaca
congestiva, seguida de edema pulmonar agudo e morte.
O fluxo horário de urina é um guia extremamente útil, porque a manutenção de um fluxo
sangüíneo renal reflete uma perfusão adequada dos outros órgãos. Um fluxo urinário de
0,5-1,0 ml/kg/h em adultos e de 1,0 ml/kg/h em crianças é considerado adequado.
É importante frisar que, nas ressuscitações em que são utilizadas soluções salinas
hipertônicas ou dextrana, pode ocorrer aumento do fluxo urinário pela elevação da pressão
osmótica intravascular, não refletindo uma perfusão verdadeiramente adequada dos
diversos órgãos. Por esta razão, estes fluidos de ressuscitação devem ser utilizados por
equipes com maior experiência, em hospitais mais bem-aparelhados. Nestes casos, é útil a
introdução do cateter de Swan-Ganz, que nos fornece a pressão venosa central, a pressão
capilar pulmonar (que indiretamente nos dá a pressão de enchimento do ventrículo
esquerdo) e o débito cardíaco.
As injúrias pulmonares potencializam as necessidades totais de fluidos, possivelmente
porque os pulmões lesados agiriam como reservatório adicional de fluidos.
As queimaduras elétricas também necessitam de maior aporte de fluidos, porque precisam
manter um fluxo de urina horário mais intenso, para possibilitar a adequada eliminação de
pigmentos depositados nos túbulos renais (mioglobinúria), oriundos do maior dano tissular
(inclusive rabdomiólise) provocado por este tipo de queimadura. A alcalinização da urina,
obtida pelo uso endovenoso de bicarbonato de sódio, ajuda a impedir a insuficiência renal,
que ocorre devido à deposição desses pigmentos nos túbulos renais.
De maneira semelhante, as queimaduras envolvendo mais de 80% de SCQ, ou associadas a
traumas por esmagamento, geralmente requerem maior volume de líquido, porque podem
estar associadas a danos tissulares mais profundos e a uma maior destruição eritrocitária,
fatores que favorecem a mioglobinúria. As grandes destruições tissulares também
favorecem a hiperpotassemia, algumas vezes requerendo ajustes hidroeletrolíticos. Nestes
casos, também, a possível associação de coagulação intravascular disseminada
desaconselha a utilização de colóides não-protéicos (dextrana) na fase aguda.
As queimaduras associadas a politraumatismos geralmente também necessitam de maior
volume de fluidos e, quando associadas à hemorragia, pode ser necessário o uso do sangue
total como parte do esquema de ressuscitação hídrica, substituindo os colóides protéicos
utilizados usualmente. A administração precoce de sangue total nesses casos pode favorecer
uma estabilização mais rápida do paciente. Pacientes com doenças pulmonares e cardíacas
preexistentes exigem monitoração rigorosa e cuidados especiais durante a ressuscitação
hídrica, para que não seja ultrapassada sua capacidade cardiopulmonar. Se esses pacientes
se encontram em uso de diuréticos, não é incomum que os níveis séricos de potássio se
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tornem criticamente baixos na fase aguda, exigindo suplementação de potássio,
especialmente se tais pacientes fazem uso concomitante de digitálicos.
Lactentes e crianças requerem um fluxo urinário horário de 1 ml/kg/h. Uma diminuição das
reservas de glicogênio, com potencial hipoglicemia grave na criança jovem, torna
necessária a monitoração seriada dos níveis de glicemia, com a possível necessidade de
inclusão de soro glicosado, já na fase inicial de ressuscitação.
Os pacientes diabéticos queimados necessitam de cuidados especiais. Nos pacientes
diabéticos que faziam uso de insulina antes do acidente, pode ser necessário o uso de soro
glicosado nas primeiras fases da ressuscitação. A hiperglicemia com diurese osmótica pode
ocorrer, tornando o fluxo urinário horário um parâmetro irreal. O uso de soluções salinas
hipertônicas pode favorecer o coma hiperosmolar. Finalmente, os níveis séricos de potássio
devem ser acompanhados de perto quando glicose e insulina são administradas
conjuntamente.
Nos pacientes com insuficiência renal, os fluidos de ressuscitação devem ser titulados
cuidadosamente, utilizando-se outros parâmetros que não o fluxo horário de urina.
Após o trauma, o paciente com queimadura de moderada a grave apresentará níveis
aumentados de glicemia e íleo paralítico. Como habitualmente o paciente encontra-se em
estado nutricional adequado antes do trauma, pode-se adiar o início de alimentação enteral
para após 72 horas.
C. Cuidados iniciais com as feridas. Paralelamente ao tratamento local definitivo das
queimaduras, para o qual várias opções técnicas são aceitáveis, os cuidados locais iniciais
no paciente queimado são mais padronizados e não trazem muitas controvérsias.
Os objetivos dos cuidados locais iniciais nas queimaduras são: a preservação dos elementos
dérmicos poupados para injúria original nas queimaduras de espessura parcial; o controle
da infecção nas queimaduras de espessura total; a manutenção da perfusão sangüínea
adequada das extremidades; a manutenção da capacidade de expansibilidade torácica
adequada.
Na fase aguda das queimaduras, para se atingirem os dois primeiros objetivos, a maioria
dos autores concorda em que a limpeza das feridas, a tricotomia dos pêlos nas áreas
afetadas e próximas, o desbridamento das bolhas e dos tecidos desvitalizados e a realização
de curativos, oclusivos ou não, são medidas efetivas e que aumentam o conforto do
paciente.
Para se atingirem os dois últimos objetivos, também parece não haver controvérsias quanto
à necessidade de realização de escaratomias no tórax e nas extremidades afetadas por
queimaduras de espessura total circunferenciais.
Dependendo da avaliação da gravidade das queimaduras, os cuidados iniciais com as
feridas podem ser realizados no ambulatório, no quarto do paciente, na Unidade de
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Tratamento Intensivo ou na sala de cirurgia. Nas queimaduras de intensidade leve a
moderada, a sedação do paciente é feita com solução diluída de meperidina (uma ampola
diluída em 8 cc de água destilada, aplicando-se 22 cc a 4 cc da solução EV e repetindo-se a
dose, se necessário, de hora em hora). Nas queimaduras de intensidade moderada a grave,
torna-se necessário o uso de sedação mais intensa, ou anestesia geral.
As escaratomias (incisões das escaras de queimadura até o tecido subcutâneo) são
necessárias porque as queimaduras de espessura total resultam em escaras inelásticas. A
constrição causada por escaras circunferenciais inelásticas, agravada pelo acentuado edema
dos tecidos subjacentes, inicialmente causa estase venosa, que piora o edema. O processo
acaba levando à insuficiência arterial das extremidades.
Quando se nota, na avaliação inicial, que um ou mais membros apresentam queimaduras de
espessura total circunferenciais, o cirurgião deve antecipar a necessidade de realização de
escaratomias e pesquisar a perfusão capilar diminuída, cianose e o resfriamento das
extremidades. Se o paciente está consciente, sintomas como dor, parestesias e inabilidade
de movimentação dos dedos devem ser levados em consideração.
Escaras circunferenciais inelásticas no tórax podem restringir gravemente os movimentos
respiratórios e contribuir para a insuficiência respiratória.
As incisões das escaratomias no tórax são realizadas ao longo das linhas axilares anteriores,
e, se necessário, prolongam-se tais incisões ao longo do epigástrio, até a linha média. As
incisões nas extremidades são realizadas na suas faces laterais e mediais. Quando as
incisões são completadas, as escaras se separam em placas e a circulação melhora
dramaticamente.
As queimaduras podem ser tratadas de uma maneira “aberta” ou “fechada”, dependendo de
sua localização, gravidade e idade do paciente. Por exemplo; queimaduras na face, no
períneo e queimaduras extensas que acometem as porções dorsais e ventrais do organismo
são convenientemente tratadas de maneira “aberta”. Queimaduras de mãos ou pés em
crianças jovens, em adultos não-cooperativos e em pacientes com queimaduras leves que
serão atendidos ambulatorialmente são mais bem tratadas na fase aguda, com curativos
oclusivos.
Esses curativos são feitos após limpeza, tricotomia e desbridamento das lesões. A limpeza
das lesões é realizada com produtos à base de PVP-I (polivinilpirrolidona-iodo a 10%),
degermantes ou de uso tópico, e soro fisiológico. Estes procedimentos podem ser realizados
na maca do ambulatório, na banheira do quarto do paciente, na mesa operatória da sala de
cirurgia ou no leito da UTI, conforme a gravidade das queimaduras e o estado geral do
paciente.
Após esses cuidados, se a opção escolhida foi o tratamento “aberto”, preferimos utilizar
uma pomada oftálmica nas proximidades dos olhos e uma pomada à base de neomicina, em
camada fina, nas queimaduras de espessura parcial. Optamos geralmente por esses produtos
pela sua capacidade de lubrificar bem as lesões e evitar o seu ressecamento; nova limpeza e
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novas camadas são aplicadas sempre que necessário. Nas queimaduras mais profundas,
utilizamos a sulfadiazina de prata.
Se a opção é pelo tratamento “fechado”, realiza-se curativo oclusivo. Nas queimaduras de
espessura parcial, preferimos utilizar gaze vaselinada, uma camada fina de gaze úmida com
soro fisiológico, uma camada mais espessa de gaze seca e enfaixamento. Nas queimaduras
mais profundas, utilizamos sulfadiazina de prata, uma camada espessa de gaze seca e
enfaixamento.
Alguns tipos de queimaduras requerem cuidados iniciais diferenciados. As queimaduras
químicas, por exemplo, requerem uma lavagem copiosa o mais rapidamente possível, de
preferência com muita água no próprio local do acidente e depois com sabões líquidos e
muito soro fisiológico, no hospital. A diluição rápida e eficaz dos agentes químicos é a
melhor solução contra o agravamento das lesões iniciais.
Nas queimaduras elétricas, as lesões de entrada e saída de corrente geralmente acometem
uma pequena porcentagem da superfície corporal e não exprimem a verdadeira gravidade
dessas queimaduras. A corrente elétrica atravessa o interior dos tecidos e pode lesá-los,
principalmente os sistemas vascular e muscular da área atingida. Se as extremidades forem
atingidas, devem ser realizadas fasciotomias, e não escaratomias, pois existem lesões
profundas, inicialmente inaparentes, que levarão a um acentuado edema muscular. Os
músculos, contidos pelas respectivas fáscias e aponeuroses, podem, então, levar à
insuficiência vascular do membro atingido, tornando-se imperiosa a abertura dessas fáscias.
O ponto comum de todas as técnicas aceitáveis de tratamento local das queimaduras, de
qualquer etiologia, é o cuidado meticuloso e diário das feridas, para prevenção do
ressecamento e da infecção, fatores que podem levar à destruição dos elementos dérmicos
poupados pela injúria inicial.
D. Agentes tópicos. O uso de agentes tópicos efetivos no controle bacteriano das escaras de
queimadura provém dos anos 60, quando se popularizou o uso do nitrato de prata, em
soluções a 0,5%, da sulfadiazina de prata e do mafenide (Sulfamylon®). Estas drogas são
as únicas que comprovadamente têm a capacidade de penetrar nas escaras de queimaduras
(citadas na ordem crescente de capacidade de penetração) e controlar de maneira efetiva a
proliferação bacteriana, evitando a septicemia pela infecção das feridas em grande número
de pacientes. Outros agentes, como o creme de gentamicina e a polimixina B, apresentam
uma incidência inaceitável de oto e nefrotoxicidade e possibilitam o rápido surgimento de
cepas bacterianas resistentes. As pomadas de PVP-I têm sido comumente utilizadas na
Europa, mas não se mostraram tão efetivas quanto os agentes citados, em testes
laboratoriais, ou séries clínicas, e incidências de toxicidade têm sido relatadas. Outros
agentes, como a nitrofurazona (Furacin®) e a rifampicina (Rifocina®), apresentam alta
incidência de resistência bacteriana e de reações alérgicas.
O nitrato de prata, em solução a 0,5%, é um agente efetivo, mas pode causar hiponatremia e
convulsões em crianças pequenas, e não é efetivo em pacientes que já apresentem escaras
infectadas em profundidade. Tem, também, o inconveniente de escurecer as lesões e tudo
aquilo com que entra em contato.
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O mafenide (Sulfamylon®) apresenta melhor capacidade de penetração na escara e
supressão de proliferação bacteriana. Apresenta, entretanto, algumas desvantagens: é muito
doloroso a cada aplicação e pode levar a erupções macropapulares em cerca de 5% dos
pacientes. É também inibidor da anidrase carbônica, podendo levar a acidose metabólica e
alcalose respiratória compensatória. Seu uso em pacientes com injúrias e doenças
pulmonares deve ser questionado.
A sulfadiazina de prata permanece como a droga de escolha na maioria dos Centros de
Queimados. Ela apresenta uma boa capacidade de penetração nas escaras, controla a
proliferação bacteriana, é eficaz contra um amplo espectro de microrganismos, é pouco
dolorosa e de fácil aplicação. Pode ser utilizada com técnica “aberta”, ou com curativos
oclusivos, trocados uma ou duas vezes ao dia. Apresenta uma pequena incidência de
reações de hipersensibilidade, podendo levar à neutropenia.
Concluindo, não existem evidências científicas que recomendem a utilização de rotina, nos
queimados graves, de quaisquer outros agentes tópicos que não o nitrato de prata, em
solução a 0,5%, o mafenide ou a sulfadiazina de prata.
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Capítulo 05 - Atendimento Clínico-Hospitalar ao Paciente Queimado
Luiz Wellington Pinto
I. Generalidades
As queimaduras podem ser resultantes de explosões, acidentes com água quente, gás
propano, acidentes de trabalho em grandes indústrias e, às vezes, são resultado de injúrias
associadas, devido a explosões e mesmo lesões a alguma distância.
Fraturas, traumas abdominais, traumatismos torácicos (contusão miocárdica, contusões
pulmonares) são freqüentes, assim como queimaduras das vias aéreas, principalmente em
ambientes fechados.
Ao se admitir um paciente queimado na unidade de internação específica, deve-se pesquisar
na história clínica do mesmo a ocorrência de alguma moléstia prévia, incluindo diabetes,
hipertensão, patologia cardíaca e pulmonar, ou doença renal. Uma vez que boa parte dos
pacientes irá necessitar de terapia tópica ou sistêmica com um certo número de drogas, é
crucial que a ocorrência de alergia e sensibilidade seja documentada. É de particular
importância a pesquisa de sensibilidade à sulfa — um dos agentes antimicrobianos tópicos
mais freqüentemente usados.
A significativa suscetibilidade à infecção por tétano deve ser levada em conta, e a
imunização deve ser deliberada com profilaxia apropriada.
II. Critérios Para Admissão Hospitalar
A. Queimadura grande. É encontrada em todos os pacientes com mais de 30% de área
corporal queimada (20% em criança). Os pacientes com 10% de área queimada (ou mais)
devem ser hospitalizados, caso existam lesões de face, olhos, ouvidos, mãos, pés e períneo.
Outras indicações para internação com área queimada de 10% ou mais incluem
queimaduras elétricas com alta voltagem e queimaduras complicadas com inalação.
B. Queimadura moderada. Inclui injúria parcial de 15 a 25% de superfície corporal
queimada (SCQ) em adultos e 10 a 20% em crianças — esta categoria exclui queimaduras
por alta voltagem, pacientes queimados complicados por inalação e outras lesões com
riscos menores para o paciente.
III. Tratamento Inicial de Queimados Internados.
Após a internação, vários cuidados são feitos, buscando-se evitar medidas invasivas. As
dissecções de veia, as punções de subclávia e o uso de sondas são normalmente feitos
apenas quando não se podem evitar tais medidas, pois podem ser vias de infecção.
Cuidados e observações clínicas e laboratoriais são importantes; assim, suspeitas de
comprometimento pulmonar devem ser pesquisadas, como também possíveis injúrias ao
coração, nos casos de queimaduras elétricas — nestes casos, deve-se realizar pelo menos
um eletrocardiograma do paciente.
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As vias aéreas subglóticas são protegidas de injúrias térmicas diretas pela laringe, mas estas
vias são extremamente suscetíveis à obstrução quando expostas ao ar superaquecido e a
chamas.
Inicialmente, o paciente queimado pode ter somente poucos sinais de distúrbios de vias
aéreas, mas queimaduras de face, alterações inflamatórias agudas de orofaringe, escarro
carbonificado e mudanças sensoriais alertam para a probabilidade de injúria por inalação.
A. Ressuscitação eletrolítica e fluidos iniciais. A reposição hidroeletrolítica e de volemia é
abordada no Cap. 4, Queimaduras — Fase Aguda.
B. Função cardíaca após queimadura. Concomitantemente à grande redução do plasma e do
volume extracelular, há alteração drástica da função cardíaca. Imediatamente após a
queimadura, há rápida queda do débito cardíaco. Com terapia de reposição, o débito
cardíaco pode ser normalizado rapidamente. Causa ou causas precisas de depressão da
função miocárdica não são conhecidas, mas é bastante provável que a presença deste fator
seja peça fundamental na explicação da queda ocorrida precocemente no débito cardíaco
logo após a ocorrência do acidente.
O fator depressor do miocárdio aparentemente não apresenta conseqüências nas
queimaduras de 40% ou menos (exceto quando essas queimaduras são todas de espessura
total). Nas queimaduras envolvendo entre 40 e 60% da superfície corporal, este fator
desempenha papel variado e, nas queimaduras que envolvem mais de 60% da área corporal,
ele provavelmente é a causa primária da ineficácia das medidas de ressuscitação.
C. Função pulmonar após a queimadura. As alterações na função pulmonar não mostram
quaisquer características da queimadura, o que ocorre a qualquer outro tipo de trauma. O
aumento generalizado da ventilação é proporcional à magnitude do trauma. A
hiperventilação é detectável pelo menos no terceiro dia; atinge o máximo aproximadamente
em cinco dias e, a menos que outras complicações sobrevenham, declina gradualmente. O
consumo de oxigênio mostra aumento acentuado, mas aparentemente independe do
desempenho ventilatório na ausência de qualquer obstáculo significativo às trocas
respiratórias. Nenhuma mudança na complacência estática da capacidade vital forçada tem
sido demonstrada. A resistência das vias aéreas pode estar elevada em alguns casos de lesão
por inalação, mas é geralmente normal nos outros casos.
D. Outras complicações das queimaduras. A viscosidade sangüínea aumenta de forma
bastante rápida após a queimadura e é proporcional ao aumento do hematócrito. A
viscosidade é em muito influenciada pela efetividade da terapia de reposição hídrica. A
adesividade plaquetária está aumentada. A queda inicial de fibrinogênio é seguida de
recuperação gradual após 36 horas, com súbito aumento, que persiste por três a quatro
meses.
A elevação das enzimas hepáticas é imediata, com rápido aumento por dois a três dias até
um platô no qual ela persiste por várias semanas, sendo seguida por declínio gradual.
Acredita-se que estas alterações sejam devidas à obstrução da função hepática. A icterícia
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não é rara, mas geralmente está associada à sepse, sendo dela um pródromo. Ácidos graxos
livres e triglicerídeos estão elevados proporcionalmente à área queimada, mas essa elevação
se dá apenas por breve período. As determinações de renina, angiotensina, assim como
ACTH e cortisol, mostram aumentos proporcionais à área queimada e com longa
persistência.
Proteínas plasmáticas mostram uma queda rápida e persistente, com determinações
protéicas totais abaixo de 40 g por 100 ml. A perda é principalmente de albumina, com
inversão da taxa albumina/globulina. As imunoglobulinas apresentam queda imediata,
seguida por elevação lenta.
IV. Tipos de Infecção e Seus Efeitos no Paciente Queimado
A. Resposta geral à infecção. Devido à natureza do traumatismo, as feridas por
queimaduras são invariavelmente contaminadas por micróbios. Uma vez que a incidência
de infecção no paciente varia claramente com o tamanho da queimadura, sendo algumas
vezes difícil determinar a presença e o grau de infecção em pacientes com queimaduras
extensas, são necessárias vigilância constante e avaliações repetidas. A idade altera a
incidência de infecção, e pacientes com mais de 60 anos sofrem muito mais infecções do
que os de outras faixas etárias. Finalmente, a incidência e a gravidade de infecções
dependem do estado geral e nutricional do paciente e do tipo de organismo infectante.
A presença de microrganismo no tecido necrótico das feridas causadas por queimaduras e a
elaboração de pirogênios endógenos levam ao surgimento de febre, um achado freqüente
em pacientes com queimaduras extensas. Nas complicações sépticas, a temperatura pode
subir, permanecer constante ou até mesmo cair, sendo a hipotermia profunda uma indicação
de septicemia.
A contagem de glóbulos brancos é importante para o acompanhamento clínico, sendo que o
desvio da contagem para formas mais imaturas da série neutrofílica sugere fortemente o
desenvolvimento de infecção séria. Na infecção avançada pode haver hipotensão, íleo
paralítico, diminuição da perfusão das extremidades, taquicardia, hiperpnéia e perda do
nível de consciência. É bom lembrar que, muito embora sinais e sintomas específicos
possam estar ausentes, quase sempre há um aumento das necessidades metabólicas do
paciente, devido ao hipercatabolismo.
B. Infecções locais das queimaduras. Quando as queimaduras são disseminadas, as lesões
diferem consideravelmente em extensão, profundidade e exposição às bactérias. As lesões
queimadas podem apresentar-se extremamente infectadas em algumas áreas, enquanto em
outras não são e não permanecem infectadas. Assim, infecções das feridas causadas por
queimaduras são classificadas como não-invasivas ou invasivas.
1. Infecção não-invasiva. As lesões por queimadura nunca são estéreis, apesar de relatos
afirmarem o contrário. A escara, sendo um material morto e desnaturado, permite o
crescimento de grande variedade de microrganismos. No início, crescem poucos
organismos, sendo a colonização progressiva. Durante a segunda e a terceira semanas após
a queimadura, o desenvolvimento de um tecido de granulação entre tecido viável e não71
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viável está associado com resistência aumentada à invasão. O número de bactérias no
exsudato ou na escara pode variar de 10 (raramente) a 10 bilhões por grama de tecido, sem
evidência de invasão do tecido adjacente normal. Entre as manifestações sistêmicas temos
picos febris leves ou moderados, leucocitose sem desvio para a esquerda, tecido sadio
biopsiado, e geralmente há menos de 100.000 organismos por grama de tecido.
2. Infecção invasiva. O tecido de granulação invadido torna-se edemaciado e pálido, e não
sangra vivamente quando desbridado por gaze ou bisturi. À medida que a infecção
progride, a superfície torna-se seca, e formam-se crostas ou até mesmo tecido francamente
necrosado. Se a escara não se separou, a invasão, mais difícil de ser detectada clinicamente,
e as biópsias podem ser úteis, uma vez que culturas quantitativas do tecido normal
caracteristicamente mostram mais de 100.000 bactérias por grama de tecido. O início da
invasão pode ser súbito, mas a infecção ocorre freqüentemente no paciente que já tenha
drenagem purulenta, leucocitose e febre. No início pode haver aumento de neutrófilos,
maior elevação da contagem de glóbulos brancos, febre crescente e calafrios. À medida que
o processo avança, o paciente torna-se hipotérmico, e com leucometria global diminuída,
embora ainda haja desvio para a esquerda. Para que a recuperação seja alcançada, este tipo
de infecção requer detecção imediata e terapia vigorosa.
C. Infecção por microrganismos específicos
1. Streptococcus do grupo A. Patógeno altamente transmissível que pode causar
deterioração abrupta na ferida com rápida progressão para a morte. A infecção está
associada a aumento da dor local, eritema, endurecimento e edema. O sinal mais
característico é o eritema, estendendo-se a partir das margens das lesões. Os pacientes
podem apresentar picos febris, eritema de face e taquicardia, e choque tardiamente. As
infecções por Streptococcus são vistas na primeira semana após traumatismos pela
queimadura. Os Streptococci respondem prontamente à terapia penicilínica. Entre drogas
alternativas, temos a eritromicina, a cefalosporina e a clindamicina.
2. Staphylococcus aureus. Infecções invasivas das lesões por queimaduras pelo
Staphylococcus aureus têm evolução mais insidiosa, decorrendo freqüentemente dois a
cinco dias do início dos sintomas até a infecção estar inteiramente estabelecida. Os
pacientes tornam-se desorientados, hiperpiréticos com leucocitose, íleo adinâmico, choque
e insuficiência renal.
As infecções causadas por Staphylococcus aureus geralmente respondem a um derivado da
penicilina resistente à penicilinase (nafcilina e meticilina), a cefalosporinas, eritromicina e
vancomicina. Não é infreqüente ocorrer superinfecção após antibioticoterapia sistêmica.
3. Pseudomonas aeruginosa. Este microrganismo pode tornar-se altamente virulento em um
paciente queimado imunodeprimido. Ele cresce em muitos meios, até mesmo em feridas
causadas por queimadura. A invasão pode ser abrupta ou lenta. Tipicamente, as feridas
começam apresentando uma secreção esverdeada e fétida por um período de dois a três dias
e, nos casos avançados, a escara torna-se seca com exsudato esverdeado e áspero,
freqüentemente progredindo para áreas esparsas de necrose. O ecthyma gangrenosum é
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uma lesão necrótica que ocorre em tecido não-queimado, associado com envolvimento
metastático.
As drogas normalmente usadas são a carbenecilina e a ticarcilina, associadas com
aminoglicosídeos. As cefalosporinas de terceira geração têm sido usadas, sendo algumas
delas reservadas para infecções graves. A ceftazidima mostra eficácia comparável à
associação gentamicina-carbenecilina-cefalotina. As quinolonas e o imipenem têm sido
descritos como possuidores de ação contra algumas cepas de Pseudomonas.
4. Outras bactérias aeróbicas gram-negativas. No passado foi registrado um número
crescente de infecções por Escherichia, Klebsiella, Proteus e Providencia. Estes
microrganismos colonizam a ferida por autocontaminação e provêm do ambiente. A droga
inicial de escolha para tratamento de feridas por bactérias gram-negativas são os
aminoglicosídeos, podendo também ser usadas as cefalosporinas (principalmente de
terceira geração em quadros graves).
5. Anaeróbios. Bacilos do tétano e espécies de clostrídios capazes de causar gangrena
gasosa com freqüência contaminam, inicialmente, feridas causadas pelas queimaduras;
entretanto, eles são relativamente incomuns. Outras infecções anaeróbias são raras.
6. Candida albicans. A Candida albicans e outras espécies são freqüentemente encontradas
em culturas de ferida por queimadura, mas a infecção invasiva é extremamente rara.
Quando ocorre tecido de granulação, pode tornar-se seco e liso, com uma cor amarelada ou
alaranjada. O diagnóstico pode ser feito por biópsia incisional. A candidíase sistêmica é
muito mais comum e está freqüentemente associada a medidas terapêuticas invasivas.
O cetoconazol e a anfotericina B são drogas usadas para tratamento da infecção fúngica.
V. Tratamento de Infecções em Queimaduras
A. Tratamento local das lesões infectadas. O desbridamento agressivo dos tecidos
infectados e desvitalizados pode diminuir significativamente a quantidade de bactérias.
Quando ocorre infecção da ferida da queimadura, é prudente a mudança do agente tópico.
Baxter e cols. descreveram uma técnica de injeção de agentes antibióticos sob a escara
quando a infecção da ferida da queimadura é diagnosticada por biópsia incisional e culturas
quantitativas. Embora a técnica não seja largamente aplicada, ela parece ser eficaz e deve
ser considerada.
B. Terapia antibiótica sistêmica. A monitoração cuidadosa seqüencial da flora da ferida da
queimadura geralmente fornecerá informação precisa a respeito do organismo
predominante que esteja causando lesão invasiva. Pela determinação dos padrões de
sensibilidade aos antibióticos do microrganismo predominante, o agente correto para o uso
poderá ser utilizado quando houver evidência de invasão sistêmica.
Devemos enfatizar que os padrões de sensibilidade dos antibióticos mudam não somente
entre hospitais, mas de tempos em tempos dentro de um mesmo hospital, e o conhecimento
preciso do antibiótico que mais provavelmente será efetivo contra determinado
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microrganismo deverá ser determinado periodicamente dentro de cada ambiente hospitalar.
Antibióticos múltiplos devem ser evitados, quando possível. Em pacientes queimados, há
uma tendência à manutenção do mesmo esquema antibiótico por longos períodos de tempo.
Reavaliações rigorosas para indicação de se continuar a terapia antibiótica devem ser feitas
após cinco dias de tratamento e, a seguir, a cada cinco dias.
C. Medidas de suporte
1. Nutrição. As relações entre infecção e nutrição são profundas, mas pouco apreciadas. É
freqüente, no trauma térmico, não somente a diminuição da ingestão dos nutrientes, como
também um aumento das necessidades metabólicas e perdas aumentadas pela ferida da
queimadura. Após a queimadura, a perda de 40% ou mais de peso geralmente reflete um
estado de má nutrição. A má nutrição pode influenciar marcadamente em vários parâmetros
a defesa do hospedeiro, entre eles a habilidade de neutrófilos para ingerirem e destruírem
bactérias, síntese de anticorpos específicos contra antígenos específicos, resposta de
hipersensibilidade retardada e reatividade vascular. Assim, a nutrição inadequada pode
afetar virtualmente cada aspecto da defesa do hospedeiro à infecção.
A diminuição da taxa de mortalidade por sepse, após trauma pela queimadura, resulta
diretamente da melhora do mecanismo de resistência do hospedeiro contra a infecção,
através da prevenção das anormalidades sérias da função dos neutrófilos e melhora da
síntese de opsoninas.
2. Sangue e plasma. É geralmente recomendado que se administrem eritrócitos suficientes
para impedir o desenvolvimento de anemia, mas há consideráveis divergências de opiniões
relacionadas à quantidade ideal total. Sangue total e plasma também contêm quantidades
normais de opsonina e, para pacientes que têm deficiências destes componentes, a
administração de sangue total ou plasma pode ser benéfica através de reposição passiva.
Isto pode ser bom em pacientes com infecções sérias, mas infelizmente a quantidade ótima
de plasma para este propósito ainda não foi determinada.
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Capítulo 06 - Tratamento Inicial do Politraumatizado
Marco Tulio Baccarini Pires
I. Introdução
O paciente politraumatizado é diferente de qualquer outro tipo de doente, pelas próprias
circunstâncias que originaram o seu estado; de um modo geral, era uma pessoa hígida e
com saúde, até que, subitamente, devido a algum tipo de acidente, passou a se encontrar em
estado grave, necessitando de assistência médica imediata, sem que se encontrasse
preparado de maneira alguma para tal situação.
Para que o êxito no socorro seja obtido, é fundamental que o paciente e suas lesões sejam
manuseados corretamente desde o local do acidente, a fim de se evitar o agravamento ainda
maior de seu estado (p. ex., avaliar a possibilidade de lesão da coluna cervical, mantendo,
neste caso, a cabeça alinhada com o restante do corpo [Fig. 6-1]).
II. Escala de Pacientes Críticos.
Escalonar as patologias tem-se tornado um método comum de avaliação de pacientes, no
sentido de possibilitar um tipo mais rígido de observação e terapia. Estas escalas,
entretanto, só deverão ser utilizadas se soubermos compreender totalmente as suas
limitações. Elas são de muita utilidade para a comparação dos resultados de diferentes
instituições médicas no atendimento dos pacientes politraumatizados.
Algumas das escalas, especificamente as mais utilizadas, são descritas a seguir.
A. Escala de coma de Glasgow (ver Cap. 57, Comas). A escala de coma de Glasgow
verifica a extensão dos comas em pacientes com trauma cranioencefálico e baseia-se em
abertura ocular, resposta verbal e resposta motora. O total é a soma de cada resposta,
variando de 3 a 15 pontos. Ela é extremamente fácil de ser usada e se incorpora a várias
outras escalas.
B. Escala de gravidade da lesão (Injury Severity Score — ISS). Esta escala tenta quantificar
a extensão de lesões múltiplas; são dadas notas às diferentes regiões e sistemas do corpo.
Para a pior lesão em cada região é dado um valor numérico, que é elevado ao quadrado. O
ISS é a soma dos quadrados de cada uma das três lesões mais graves. Os valores variam de
0 a 75; quanto maior a nota, maior a mortalidade. Um dos maiores problemas do ISS é
considerar apenas a nota mais alta de qualquer região do corpo e considerar lesões de notas
iguais como sendo de igual importância, independentemente da região do corpo onde elas
ocorram (Quadro 6-1).
C. Escala politrauma-Schlussel (PTS). Esta escala foi introduzida em 1985 e se compara,
em termos de prognóstico do paciente, ao Injury Severity Score (ISS). Como sua
aplicabilidade e seus resultados são bastante similares aos do ISS, ela não será descrita em
detalhes.
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D. Escala de Trauma (Trauma Score) e Escala de Trauma Revisada (Revised Trauma
Score). A escala de trauma baseia-se na escala de coma de Glasgow e no estado dos
aparelhos cardiovascular e respiratório. São dados valores com pesos diferentes a cada
parâmetro. Os valores da escala de trauma variam de 1 a 16 (Quadro 6-2).
Avaliações posteriores demonstraram que a escala de trauma subestimava a importância
dos traumas cranianos, sendo então desenvolvida a escala de trauma revisada (RTS)
(Quadro 6-3). Ela se baseia na escala de coma de Glasgow, na pressão arterial sistólica e na
freqüência respiratória. Valores com pesos diferentes são atribuídos a estes parâmetros, que
então devem ser somados; os valores mais altos obtidos associam-se a um melhor
prognóstico.
E. Escala CRAMS (Circulation, Respiration, Abdomen, Motor, Speech). Esta escala, que se
baseia em dados da circulação, respiração, de abdômen, motricidade e fala, conseguiu
alguma aceitação regional nos Estados Unidos. Quanto menor a pontuação CRAMS, maior
a necessidade de terapia intensiva. Ela pode ser usada para uma avaliação rápida (p. ex., por
paramédicos atendendo no local de um acidente) (Quadro 6-4).
F. Escala Apache III (Acute Physiology, Age, Chronic Health Evaluation). Esta escala de
pacientes críticos é muito utilizada, permitindo comparações entre grupos de pacientes de
uma mesma ou de diferentes instituições. O sistema Apache III tem por objetivo estimar o
risco de um paciente vir a falecer, e consiste de duas opções: (1) uma escala e (2) uma série
de equações preditivas, que podem ser usadas para estimar a mortalidade hospitalar de um
dado paciente em momentos diferentes de sua permanência em um Centro de Tratamento
Intensivo. São 17 as variáveis fisiológicas utilizadas; o Apache III utiliza ainda uma escala
de coma, a idade e a presença de outras condições de morbidade. Por ser principalmente
utilizada em terapia intensiva, com menor aplicação na fase aguda do trauma, e também de
grande complexidade (devido ao número de variáveis usadas), não descreveremos a Escala
Apache em detalhes.
III. Preparo Para o Atendimento ao Paciente Traumatizado.
O esquema de atendimento ao paciente politraumatizado deve incluir duas diferentes
situações — o atendimento pré-hospitalar e o atendimento hospitalar.
A. Fase pré-hospitalar. Deve existir uma coordenação central na comunidade (no Brasil, em
muitos estados, realizada pelo Corpo de Bombeiros) que receba o pedido de socorro e que
envie a unidade móvel mais próxima (e/ou a mais bem equipada para cada tipo específico
de atendimento), para realizar o socorro emergencial. Uma central deve receber todas as
informações da unidade móvel a respeito das condições clínicas do doente e repassá-las ao
hospital que irá receber o paciente, antes de sua chegada ao hospital. A ênfase deve ser
centrada na manutenção das vias aéreas, controle dos sangramentros externos, imobilização
do paciente e transporte imediato.
Além de procurar diminuir o tempo de permanência no local do acidente e agilizar o
transporte, os socorristas devem obter dados referentes à hora do trauma, eventos
relacionados ao acidente e história pregressa do paciente.
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B. Fase Hospitalar. Na sala de emergência, de posse das informações recebidas da Central
de Atendimento, deve ser feito um preparo para a chegada do doente (material de
intubação, soluções salinas aquecidas, preparo dos monitores, comunicar à radiologia para
que esta se prepare etc.).
O pessoal que recebe este tipo de paciente deve encontrar-se paramentado, para proteção
individual contra hepatite, AIDS etc.
IV. Prioridades na Avaliação e Ressuscitação do Paciente Politraumatizado.
O processo de identificação e abordagem do politraumatizado constitui o ABC do trauma
preconizado pelo ATLS (Advanced Trauma Life Support, do American College of
Surgeons), sendo capaz de identificar condições de risco de vida:
A Via aéreas (com imobilização cervical) (A — airway)
B Respiração e ventilação (B — breathing)
C Circulação e controle da hemorragia (C — circulation)
D Incapacidade: estado neurológico (D — disability)
E Exposição/controle ambiental: despir completamente o paciente, mas prevenir a
hipotermia (E — exposure)
A seguir, iremos rever as condições que são rapidamente fatais nos politraumatizados.
A. Condições rapidamente fatais
1. Ventilação inadequada. Em condições normais, a não-oxigenação cerebral por mais de
quatro minutos irá produzir lesões cerebrais irreversíveis. A diminuição do débito cardíaco
devido a situações de hipovolemia, com instabilidade hemodinâmica, poderá tornar ainda
mais sérios os efeitos da hipoxemia. Assim, é indispensável, no politraumatizado, a
manutenção de vias aéreas permeáveis e ventilação adequada. Para tal, a limpeza da
cavidade oral e a retirada de corpos estranhos e próteses dentárias do indivíduo
inconsciente deverão ser o procedimento inicial. Secreções como sangue, vômitos e muco
são aspiradas ou limpas com um pano, desobstruindo-se a orofaringe. A mandíbula deve ser
retificada, e/ou a língua tracionada, nos casos de queda posterior da língua, com obstrução
traqueal (Fig. 6-2); caso uma cânula orofaríngea esteja disponível, ela será bastante útil
para impedir a queda da língua em indivíduos inconscientes (Fig. 6-3), permitindo inclusive
a ventilação com Ambu e máscara.
Se ocorrer a melhora do quadro respiratório com essas manobras, e o paciente voltar a
respirar espontaneamente, a ventilação poderá ser mantida simplesmente com
oxigenoterapia pela cânula. Nos casos, entretanto, em que for necessária a manutenção da
ventilação por mais tempo, deverá ser realizada a intubação endotraqueal. A técnica para
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exposição da orofaringe com laringoscópio é mostrada nas Figs. 6-4 e 6-5. O material
usado consiste em: laringoscópio (lâmina reta ou curva), tubos endotraqueais com balonete
(diversos tamanhos), aspirador e sondas para aspiração, luvas, seringa para insuflar o
balonete, fonte de oxigênio e Ambu.
Para que seja realizada a intubação, o paciente deve estar em decúbito dorsal, com
hiperextensão cervical e com a mandíbula retificada. Aberta a boca do paciente, a lâmina
do laringoscópio é introduzida com a mão esquerda, enquanto a mão direita mantém a
hiperextensão. Se estiver sendo utilizado um instrumento de lâmina curva (Macintosh), este
empurrará a língua para a esquerda, até que seja visualizada a base da epiglote; em seguida,
a epiglote deverá ser levantada com a ponta da lâmina, expondo-se a glote, numa manobra
de báscula. As cordas vocais são visualizadas, sendo o tubo colocado por entre elas, com a
mão direita. Em alguns casos, para melhor visualização, pede-se a um auxiliar que
pressione o pomo-de-Adão, o que melhorará a exposição da glote (Figs. 6-5 e 6-6). Depois
de ter sido introduzido o tubo, insufla-se o seu balonete, ventila-se o paciente com Ambu e
auscultam-se os dois pulmões (para verificar a posição adequada do tubo na traquéia, e não
no esôfago, ou se o tubo foi por demais introduzido, chegando seletivamente ao brônquio
principal direito). O tórax também poderá ser pressionado externamente com as mãos, para
se verificar a presença de ar saindo pelo orifício do tubo — esta é outra maneira de se
avaliar a presença do tubo na traquéia, e não no esôfago. A intubação errônea do esôfago,
além de levar a uma distensão gástrica, provocará também hipoxemia. O tubo deve sempre
ser bem-fixado com esparadrapo, para que sejam evitados problemas de deslocamento, que
podem ocorrer durante transporte ou manipulação do doente.
A insuflação do balonete impedirá a passagem de secreções, vômitos ou sangue porventura
existentes na cavidade oral para dentro dos pulmões, o que sem dúvida aumentaria a
morbidade e a mortalidade (hipoxemia, pneumonia de aspiração etc.).
De um modo geral, usa-se tubo de 6,5 a 7 mm na mulher e de 7,5 a 8 mm no homem. Nas
crianças, quando possível, a intubação nasotraqueal é a mais indicada.
Ao ser usado um laringoscópio de lâmina reta, coloca-se a ponta da lâmina sobre a epiglote,
para expor as cordas vocais.
A passagem prévia de uma sonda nasogástrica, antes da intubação, diminui os riscos de
refluxo gástrico e de aspiração, porém nem sempre isso é possível, devido à urgência das
situações.
As técnicas de intubação endotraqueal devem ser de conhecimento de médicos e de
enfermeiros, principalmente daqueles que trabalham em áreas de atendimento de urgência
(Pronto-Socorro, Centro Cirúrgico, Unidade de Terapia Intensiva etc.). Em alguns países,
que dispõem de sistemas de atendimento emergencial por ambulâncias a domicílio, com
equipes de paramédicos socorristas, estes próprios técnicos são treinados para executar a
intubação endotraqueal. Nos casos de traumas graves de face (inclusive queimaduras),
quando o paciente está preso no local do acidente, impossibilitando a intubação, e/ou no
caso de lesões de traquéia, poderá ser necessária a realização da cricotomia; posteriormente,
já no hospital e com o paciente estabilizado, ela será substituída por traqueostomia eletiva,
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realizada ao nível do terceiro anel traqueal (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em
Cirurgia).
Outras possíveis causas de dificuldade respiratória a serem pesquisadas incluem
pneumotórax, hemotórax, hemopneumotórax, corpos estranhos intrabrônquicos e
queimaduras de vias aéreas superiores.
Em presença de quadro de insuficiência respiratória aguda, com timpanismo à percussão
torácica, ausência de murmúrio vesicular à ausculta, expansibilidade assimétrica,
secundários a pneumotórax hipertensivo, a conduta imediata é a realização de punção
torácica com agulha de grosso calibre, ainda na sala de reanimação.
Em pacientes nos quais exista pneumotórax aberto, com ferida torácica aspirante, a
prioridade é a transformação do pneumotórax aberto em fechado, por vedação do ferimento
com qualquer material que esteja disponível no momento (pano, esparadrapo etc.) para que,
logo em seguida, seja realizada drenagem torácica em selo d’água. A drenagem é feita em
local diferente daquele onde se encontra o ferimento torácico.
2. Circulação inadequada. Este estado pode ser provocado fundamentalmente por
hipovolemia aguda ou por restrição diastólica aguda ao coração (tamponamento cardíaco).
a. Hipovolemia aguda. Um paciente que esteja apresentando sangramento externo visível,
com possibilidade de compressão, deverá ser atendido sem perda de tempo, para que sejam
evitados problemas com o agravamento da perda sangüínea. Nestes casos de sangramento
externo, o controle do sangramento e a reposição volêmica deverão ser simultâneos. Em
presença de sangramento interno, como na hemorragia intra-abdominal, a reposição
precede a hemostasia.
Na ocorrência de rápida perda sangüínea, os principais parâmetros que deverão guiar a
reposição volêmica encontram-se expostos a seguir:
(1) Pulso. Esta é uma maneira simples de controle da volemia do paciente, porém pouco
exata e confiável, já que a perda sangüínea pode ser volumosa antes que ocorra taquicardia
acentuada; por outro lado, a própria ansiedade e o estresse do trauma podem causar
taquicardia, sem que tenha havido perda sangüínea correspondente.
(2) Pressão arterial. Assim como o pulso, ela pode não ser representativa da perda
sangüínea, quando a hemorragia não é significativa. Um quadro de hipotensão poderá estar
presente no chamado choque neurogênico, em que, devido à descarga vagal, se tem
bradicardia inicial e hipotensão. De uma maneira geral, entretanto, após trauma, uma
pressão arterial baixa indicará hipovolemia ou mesmo choque hipovolêmico; uma pressão
arterial alta geralmente indica hipertensão arterial já existente anteriormente, ou lesão do
Sistema Nervoso Central (Prancha 6-1).
(3) Diurese. A diurese mínima aceitável em paciente traumatizado é de 40 ml/hora. Valores
menores do que este, ou mesmo anúria, podem indicar a ocorrência de lesão de uretra, de
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bexiga ou mesmo de artéria renal, ou podem ser compatíveis com um quadro de choque
hipovolêmico instalado.
(4) Palidez cutaneomucosa. Esta pode existir tanto por perda volêmica (choque
hemorrágico) quanto no choque neurogênico. A diferença é que, no choque neurogênico, a
palidez cutânea desaparece rapidamente com a infusão de solução salina, enquanto na
hipovolemia severa a palidez é bastante mais persistente.
(5) Sudorese. O quadro de sudorese fria e profusa aparece em todos os pacientes chocados,
de qualquer etiologia.
(6) Pressão venosa central (PVC). A medida da PVC fornece dados importantes no que se
refere ao estado volêmico do paciente. Para que sua medida seja fidedigna, alguns pontos
importantes devem ser considerados: a ponta do cateter deverá ser posicionada na junção da
veia cava superior com o átrio direito (um cateter malposicionado [p. ex., em ventrículo
direito] irá falsear totalmente a medida); utilização de um mesmo ponto de leitura da PVC
no paciente (p. ex., linha axilar média).
A leitura da PVC exige um equipo especial, em ipsilon, sendo a medida feita através de
princípio de vasos comunicantes, onde a pressão da veia cava superior é igualada à de um
dos ramos do equipo, colocado por sobre uma régua graduada de 0 a 40 cm. Geralmente, o
ponto zero corresponde ao nível da junção da cava superior com o átrio direito, onde se
encontra a ponta do cateter.
Uma PVC elevada, superior a 15 cm de água (medida no nível da linha axilar média), pode
ser causada por hiper-hidratação, por falência de bomba cardíaca ou tamponamento
cardíaco; uma PVC baixa, inferior a 5 cm de água, é indicativa de hipovolemia severa.
Durante a fase de reposição volêmica, a PVC deverá ser monitorada constantemente, para
se averiguar a resposta ao tratamento.
O uso da pressão venosa central para determinação da pré-carga do coração esquerdo causa
dificuldade, pois a PVC apenas secundariamente mostraria as mudanças na pressão venosa
pulmonar e nas pressões do lado esquerdo do coração.
A PVC pode ser medida em centímetros de água ou em milímetros de mercúrio. Como o
mercúrio é mais denso do que a água, a pressão registrada em medida de água deverá ser
dividida por 1,36 para que seja obtido o número de medida da pressão em milímetros de
mercúrio. A variação normal da pressão em mmHg vai de - 4 a +15 mmHg.
(7) Pressão da artéria pulmonar. O cateterismo da artéria pulmonar é um instrumento
valioso no manuseio de pacientes politraumatizados, gerando informações sobre as
pressões de enchimento do coração esquerdo e permitindo a medida do débito cardíaco. O
cateter de Swan-Ganz, que permite a medida da pressão em cunha da artéria pulmonar, é
passado à beira do leito, sem radioscopia, a partir de punção da veia subclávia ou da veia
jugular interna (Pranchas 6-2 e 6-3).
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Para confirmar que a posição final do cateter tenha sido atingida, observam-se ao monitor
as ondas de pressão, que são características de cada local (Fig. 6-7). A introdução do cateter
de Swan-Ganz, apesar de relativamente simples, não é feita rotineiramente em situações de
emergência, devido ao tempo gasto para realizá-la; entretanto, ela é um instrumento valioso
se o paciente já se estabilizou e está indo para uma cirurgia, ou no pós-operatório imediato
em Unidade de Terapia Intensiva. A medida da pressão em cunha da pulmonar (pulmonary
capilary wedge pressure — PCWP) é um indicador preciso da pressão diastólica final do
ventrículo esquerdo. A melhor relação da PCWP se faz com a pressão do átrio esquerdo,
quando esta é inferior a 25 mmHg. Entretanto, a PCWP será menor do que a pressão do
átrio esquerdo se o paciente estiver hipovolêmico.
O Quadro 6-5 resume as principais alterações clínicas observadas na hipovolemia.
Após o paciente dar entrada na sala de traumatizados, realiza-se a punção venosa de
imediato, para infusão de solução eletrolítica e outros medicamentos. Assim, de uma a
quatro veias periféricas são puncionadas, utilizando-se cateter plástico (Jelco®) calibroso,
preferencialmente em membros superiores. (A punção de veia para infusão em membros
inferiores não está totalmente contra-indicada, mesmo em presença de lesão vascular intraabdominal; o que ocorre é que a incidência de flebite pós-punção ou dissecção venosa em
membros inferiores é maior do que em membros superiores.) Se possível, um cateter deverá
ser colocado em posição central, seja por dissecção (de preferência veia basílica ou
cefálica), seja por punção de veia subclávia ou jugular. Uma técnica para abordagem
venosa rápida também usada inclui a punção e o cateterismo das veias femorais, na região
inguinal — por elas, um volume muito grande poderá ser infundido rapidamente.
Deve-se estar atento para não puncionar uma veia central caso exista traumatismo torácico
próximo (p. ex., não puncionar a veia subclávia direita em caso de trauma no hemitórax
direito). Estrita observância de preceitos de anti-sepsia, com preparo adequado da área de
punção venosa central, deve ser realizada, devido ao alto risco de infecção — os índices de
colonização bacteriana de cateter central variam de 6 a 12,7%, com septicemia causada por
cateter tendo um índice médio de 3%. Mais detalhes sobre as punções e dissecções venosas
são abordados no Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia.
Nos casos de crianças com menos de 6 anos, nas quais punções ou dissecções venosas
podem ser mais difíceis, dependendo do caso, uma opção é a punção intra-óssea percutânea
da tíbia (Fig. 6-8). Esta é, entretanto, uma técnica de uso excepcional, não sendo de
utilização rotineira e usada por tempo nunca superior a 24 horas. A punção é feita na
superfície ântero-medial da região proximal da tíbia. É usada uma agulha de número 18 (p.
ex., do tipo usado em raquianestesia). Com movimentos de rotação, a agulha é introduzida
até a medula óssea, onde é feita a infusão de solução salina.
Logo após a punção venosa, retira-se sangue para exames e tipagem, sendo feita a
solicitação de concentrado de hemácias ou de sangue total para reposição. Enquanto se
aguarda o seu envio, inicia-se de imediato infusão de Ringer lactato, em quantidades
suficientes para ressuscitação do paciente (podendo-se chegar até mesmo à infusão de
2.000 ml em 20 minutos por meio de métodos convencionais de infusão). O Ringer lactato
é a solução mais utilizada, devido ao seu componente mais balanceado em eletrólitos, além
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do que, mais tarde, o lactato é convertido em bicarbonato, melhorando o quadro de acidose
dos pacientes chocados.
Caso venha a ser utilizado sangue total, deve-se ter em mente a necessidade de reposição de
cálcio e de bicarbonato de sódio.
O uso de equipamentos de infusão, que administram grandes quantidades de solução
hidroeletrolítica aquecida ou concentrado de hemácias aquecido, sob pressão, já vem sendo
realizado nos EUA. Esse tipo de equipamento permite a infusão de até 1,5 litro por minuto
de solução em pacientes politraumatizados.
Atualmente, tem-se pesquisado muito a utilização de soluções hipertônicas de cloreto de
sódio (NaCl a 7,5%), utilizadas por paramédicos no local do acidente, que permitem uma
rápida elevação da pressão arterial com pouco volume administrado. Tem sido descrito o
uso de soluções coloidais de dextrana 70 a 6%, adicionada ao NaCl hipertônico, com a
finalidade de manter o paciente com níveis pressóricos mais elevados até a chegada ao
hospital, onde se inicia a infusão habitual de Ringer lactato. O inconveniente dessas
soluções está na impossibilidade de seu uso por tempo prolongado ou em grandes
quantidades, devido à hipernatremia provocada, com desidratação celular subseqüente;
além disso, em modelo experimental (cão), elas aumentaram as hemorragias de origem
vascular intra-abdominais presentes.
O uso de elementos substitutos do sangue para oxigenação celular rápida ainda não se
encontra bem-estabelecido.
No Cap. 7, Choque, são descritos mais detalhes quanto à reposição da volemia e às três
fases de ressuscitação do paciente politraumatizado em choque.
b. Tamponamento cardíaco (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia, e Cap. 11,
Traumatismos Cardíacos). O quadro de circulação inadequada que surge no tamponamento
cardíaco é explicado pela rapidez com que o espaço virtual normalmente existente entre o
pericárdio visceral e o parietal se enche de sangue, impedindo a máxima expansão cardíaca
ocorrida na diástole. O volume de sangue no saco pericárdico aumenta progressivamente,
até levar à restrição completa e à parada cardíaca.
O diagnóstico é basicamente clínico, devendo ser rápido, assim como o tratamento. Na
emergência, o tratamento consiste em punção pericárdica, preferencialmente subxifoideana.
A aspiração de volumes pequenos (20 a 30 ml) poderá ser suficiente para aliviar o
tamponamento, permitindo o encaminhamento do paciente ao Centro Cirúrgico para
toracotomia.
V. Outras Lesões em Pacientes Politraumatizados.
Existem outras lesões freqüentemente presentes nos politraumatizados que, apesar de sua
gravidade, não apresentam um risco imediato, mas que poderão levar à morte se não
tratadas adequadamente ou se passarem despercebidas. Neste grupo, poderíamos
considerar: traumatismos cranioencefálicos; fraturas de ossos longos; trauma fechado
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torácico e/ou abdominal; lesões das artérias e veias; lesões do trato urinário; lesões da
pelve; lesões dos ossos da face; lesões medulares; contusão miocárdica; traumatismo de
aorta torácica (sem ruptura imediata).
Isto implica que, após a estabilização de um paciente politraumatizado, este deverá ser
minuciosamente examinado em busca de lesões associadas, sendo instituído o tratamento
específico de cada uma delas.
Orifícios de entrada e de saída de projéteis, escoriações, hematomas, presença de otorragia,
de hematúria, de sangramento de aspecto arterial e outros mais são sinais que deverão ser
valorizados. Nos capítulos que se seguem, serão abordados os principais traumatismos
encontrados em nível hospitalar.
VI. Exames Complementares.
A radiologia é o método mais utilizado nas emergências traumatológicas. Todo paciente
politraumatizado deverá ser submetido a exames radiológicos na admissão, desde que
apresente estabilidade hemodinâmica mínima que permita o seu deslocamento ao setor de
radiologia, ou se houver tempo para realizá-los.
As radiografias básicas, realizadas obrigatoriamente, consistem de: raios X de crânio em
AP e lateral; raios X de coluna cervical, torácica e lombar; raios X de tórax em PA (se
possível, em ortostatismo); raios X de bacia; raios X de abdômen em ortostatismo (quando
possível), decúbito dorsal e decúbito lateral esquerdo (dentre estas radiografias, a
radiografia de abdômen é a que menos nos ajuda no traumatismo agudo).
A punção abdominal com lavado peritoneal é outro exame muito realizado, sendo
obrigatório nos pacientes politraumatizados inconscientes.
Outros exames muito úteis são a ultra-sonografia abdominal, a tomografia computadorizada
(de crânio e de outros segmentos do corpo), as arteriografias seletivas, a urografia
excretora, a ecocardiografia, os exames contrastados do tubo digestivo, a ecocardiografia, a
videolaparoscopia e as cintilografias das vísceras maciças. Estes exames serão descritos,
em relação a traumatismos específicos de órgãos e sistemas, nos próximos capítulos.
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Capítulo 07 - Choque
Marco Tulio Baccarini Pires
Edmundo Clarindo Oliveira
Luisane Maria Falci Vieira
Renato Camargos Couto
I. Generalidades
A. Conceito. Muitas tentativas foram feitas para se definir o termo “choque”. Entretanto,
todas foram incapazes de caracterizá-lo por completo, ou ainda eram muito complexas para
ter uma aceitação adequada.
Assim, um conceito mais simples e atual seria o de um estado generalizado de inadequação
circulatória grave. Com este conceito, valoriza-se o fenômeno de perfusão tissular
inadequada, que é o essencial no choque. Deve-se observar que as maiores alterações que
ocorrem no choque se dão principalmente em níveis celular e subcelular.
A definição clínica do termo “choque” só foi feita no século XIX, por John Collins Warren,
em 1895, que o descreveu como “uma pausa momentânea no ato da morte”, sendo o
conceito do estado de choque “uma resposta a uma lesão ameaçadora à vida”.
Verifica-se que o conceito do choque se desenvolveu primariamente ao redor do choque
hipovolêmico (hemorrágico), para depois se expandir para outras situações (falência
cardíaca, sepse etc.).
Na Primeira Guerra Mundial, a transfusão de sangue tornou-se uma experiência segura e
bem-sucedida. Em 1930, Keith conseguiu correlacionar a perda sangüínea com a gravidade
do choque. Durante a Segunda Guerra Mundial, Belcher conseguiu demonstrar que a
principal causa do choque era a perda de líquidos, e que a gravidade da acidose metabólica
que acompanhava o choque se correlacionava com a sua gravidade.
Nos anos 90, com a aceitação cada vez maior da normatização proposta pelo curso do
ATLS (Advanced Trauma Life Support), do Colégio Americano de Cirurgiões, tem sido
possível a um número cada vez maior de cirurgiões e socorristas correlacionar a magnitude
da perda sangüínea com a sintomatologia apresentada, estabelecendo esquemas de
tratamento proporcionais e adequados à magnitude da perda volêmica ocorrida.
Neste capítulo, iremos abordar os diversos tipos de choque existentes; obviamente, no
trauma, a ênfase é dada ao choque hipovolêmico.
B. Classificação. Existem muitos tipos de classificação para as diversas formas de choque.
Uma das mais aceitas é a de Blalock (1934), que sugeriu quatro categorias: hematogênico,
neurogênico, vasogênico e cardiogênico.
Uma classificação mais prática é a que sintetiza a classificação inicial de Blalock, a saber:
1. Choque hipovolêmico. Causado por perda do volume intravascular.
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2. Choque cardiogênico. Causado por falha da bomba cardíaca ou por qualquer causa que
leve à diminuição do débito cardíaco.
3. Choque distributivo. É assim chamado devido à redistribuição de fluxo nas vísceras. Os
três tipos de choque distributivo mais comuns são o choque séptico, o choque anafilático e
o choque neurogênico.
É sempre bom lembrar que mais de uma destas três condições — hipovolêmico,
cardiogênico ou distributivo — pode estar presente em um mesmo paciente: é o chamado
choque misto, de alguns autores.
Um outro tipo de choque é ainda considerado por alguns: é o chamado choque
indeterminado, que seria aquele onde qualquer dos outros fatores foi reconhecido como sua
causa. Seria o tipo encontrado em pacientes extremamente graves, em que vários sistemas
ou órgãos fossem acometidos simultaneamente. O diagnóstico de choque indeterminado
pode ser feito também em certas ocasiões em que se revele uma impossibilidade de
reconhecer a causa básica do estado do paciente. Diversas outras formas de choque são
ainda descritas na literatura. No Quadro 7-1 listamos alguns destes tipos relatados.
C. Efeitos do choque nos diversos sistemas. O estado de choque afeta todo o organismo;
mecanismos seletivos compensatórios fazem com que alguns órgãos e sistemas sejam mais
afetados do que outros. Estes efeitos são mais bem estudados atualmente devido às
melhores condições de atendimento médico, o que faz com que doentes que antes viriam a
falecer sobrevivam, tendo, entretanto, comprometimento de outros órgãos ou sistemas (p.
ex., insuficiência renal, insuficiência respiratória pós-traumática, hemorragia digestiva etc.).
Os efeitos específicos do estado de choque em cada sistema serão discutidos neste capítulo.
II. Choque Hipovolêmico
A. Conceito. O choque hipovolêmico é aquele causado por perda de volume intravascular.
Os sintomas e sinais do choque hipovolêmico são bem-estabelecidos, pois são clássicos e
geralmente de fácil reconhecimento.
Alguns órgãos ou sistemas podem apresentar um maior grau de exanguinação do que
outros; o Quadro 7-2 mostra aqueles com maior exanguinação ao serem vítimas por
traumas penetrantes.
A exanguinação é a forma mais extrema de uma hemorragia. A velocidade de perda
sangüínea capaz de causar a exanguinação geralmente é superior a 250 ml/minuto. A esta
velocidade de perda, uma pessoa poderá perder metade de sua volemia em cerca de 10
minutos.
O manual do ATLS define a exanguinação como a manifestação clínica do choque
hemorrágico nos pacientes que perderam 40% ou mais de seu volume sangüíneo.
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Os sinais e sintomas do choque, de acordo com seu grau de severidade, podem levar-nos a
caracterizar o choque como leve, moderado ou grave. O Quadro 7-3 resume estas três
gradações, de acordo com a perda volêmica.
A principal causa do choque hipovolêmico é o trauma, com a perda sangüínea sendo tanto
externa como interna. Outra importante causa é o seqüestro de volume para as vísceras
abdominais ou cavidades (p. ex., obstrução intestinal).
Sabemos também que os principais parâmetros para se avaliar a situação clínica de um
paciente com choque hipovolêmico são: pulso, pressão arterial, diurese, mucosas, sudorese
e pressão venosa central. (Estes parâmetros clínicos encontram-se descritos no Cap. 6,
Tratamento Inicial do Politraumatizado.) É importante lembrar que todos estes seis
parâmetros são de fácil obtenção em ambulatório de atendimento a pacientes
politraumatizados. Um sétimo parâmetro, o débito cardíaco, pode também ser obtido com
alguma facilidade, mas devem-se usar técnicas invasivas e de monitoração especiais.
B. Alterações fisiopatológicas no choque hipovolêmico.
1. Pressão arterial. A pressão arterial é mantida pelo débito cardíaco e pela resistência
vascular periférica. Quando o volume intravascular diminui, causando a diminuição do
débito cardíaco, a pressão arterial pode manter-se em níveis normais, devido ao aumento da
resistência vascular periférica, para compensar a redução do débito cardíaco. Diferentes
órgãos e partes do organismo respondem de maneira também diversa a essas alterações,
pois a resistência vascular periférica varia em cada local. Essas condições locais
determinam o estado de vasoconstrição ou de vasodilatação em cada setor ou órgão, no
momento da perda do componente intravascular. Por exemplo, no choque hemorrágico
ocorre fluxo preferencial de sangue para o coração e o cérebro, enquanto há uma
diminuição de fluxo para a maioria dos outros órgãos que não são tão essenciais para a
sobrevida imediata. No choque hemorrágico, o coração pode receber até 25% do débito
sangüíneo cardíaco, em contraste com os 5-8% que recebe em condições normais.
Observa-se uma grande redução de fluxo em locais como os rins, a pele e o tecido muscular
esquelético (por aumento da resistência vascular nesses locais). Por conseqüência, pode ser
que a pressão arterial não caia até que a redução no débito cardíaco ou a perda de volume
seja tão grande que os mecanismos de homeostase não mais compensem a hipovolemia.
Assim, podemos considerar como sendo dois os fatores que determinam a resposta do
sistema cardiovascular à hipovolemia: o volume do líquido intravascular perdido e a
velocidade desta perda. Deve-se sempre diferenciar a hemorragia rápida, maciça (p. ex.,
sangramento arterial grave), da hemorragia lenta, insidiosa (p. ex., lesão venosa periférica).
Quando a perda sangüínea é muito rápida, não ocorre resposta adequada do organismo,
havendo hipotensão grave, não compensada; isto independe da idade do paciente — por
exemplo, uma perda crônica de sangue no idoso pode ser bem tolerada. A perda sangüínea
lenta pode ser totalmente compensada pela retenção de líquido pelos rins e pela
reorganização dos fluidos corporais. Neste caso, poderão não ocorrer distúrbios
hemodinâmicos de importância.
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2. Freqüência de pulso. A taquicardia é uma resposta característica à redução do volume
intravascular. O mecanismo causal da taquicardia é a excitação da parte simpaticoadrenal
do sistema nervoso autônomo (causada pela hipotensão), e inibição simultânea do centro
vagal medular. Vários fatores, entretanto, podem alterar este mecanismo. Por exemplo, se a
perda de sangue for lenta, gradual, e se o paciente estiver deitado, praticamente nenhuma
alteração da freqüência cardíaca ocorrerá antes da perda de pelo menos 1.000 ml (no
adulto).
Ainda outros fatores, como a redução do retorno venoso e a qualidade da função ventricular
esquerda, podem alterar este tipo de mecanismo compensatório. A ansiedade e o medo, que
são comuns em pacientes politraumatizados, podem também alterar a resposta da
freqüência cardíaca. Assim sendo, em presença de um paciente com hipovolemia,
alterações na freqüência cardíaca somente têm valor quando o paciente é mantido em
observação um pouco mais prolongada.
3. Vasoconstrição. O aumento da resistência vascular periférica, que ocorre após a rápida
perda de volume intravascular, vai até um pico máximo muito rapidamente, tentando
compensar a diminuição do débito cardíaco (que, por sua vez, se deve tanto à hipovolemia
como à presença de um fator depressor miocárdico).
Esta resistência vascular periférica só pode ser medida indiretamente, tanto em seres
humanos como em animais. Subseqüentemente, a vasoconstrição máxima ocorre na pele;
em seguida, nos rins, no fígado e, finalmente, no cérebro. Ao mesmo tempo, observa-se
vasoconstrição generalizada no sistema venoso. Essa venoconstrição é um mecanismo
importante para a manutenção da pressão arterial no paciente com hipovolemia aguda, pois
cerca de 50 a 60% do volume total de sangue se encontram no sistema venoso do paciente.
As respostas vasculares à hemorragia são imediatas, ocorrendo segundos apenas após o
início da perda sangüínea. São imediatas também as ativações do sistema simpático e ao
nível das supra-renais. Os níveis séricos de catecolaminas aumentam, o que indica ação da
camada medular da supra-renal. Também aumentam imediatamente os hormônios
secretados pelo córtex da supra-renal e pela hipófise. As alterações que ocorrem no
músculo esquelético, ao nível da microcirculação, nos estados de choque, são de
importância fundamental não só porque o tecido muscular esquelético é a maior massa
celular de tecido do corpo, mas também um dos principais locais-alvo para os ajustes
compensatórios vasculares neuroumorais. Estudos microscópicos mostram que o fluxo na
rede microvascular no músculo esquelético é intermitente no início do período póshemorragia. Isto provavelmente reflete uma interação entre as atividades vasoconstritoras
alfa-adrenérgicas e as atividades vasodilatadoras beta-adrenérgicas; esta interação
(vasoconstrição-vasodilatação) provavelmente serve para aumentar a mobilização
compensatória do líquido intersticial para dentro do compartimento intravascular, como
uma autotransfusão. Um período de completa parada microcirculatória é observado em
seqüência, seguido pela reperfusão de apenas 30-50% dos capilares que eram perfundidos
anteriormente. Nestes capilares observa-se ainda a presença de agregados de leucócitos,
tornando lento o fluxo sangüíneo. De um modo geral, no tecido esquelético não se
observam grumos de hemácias no interior dos capilares.
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4. Hemodiluição. O líquido do compartimento extravascular tem os mesmos componentes
do plasma, exceto pelo menor conteúdo protéico. Ao ocorrer o extravasamento de líquido
extravascular para o intravascular, quando da hemorragia, uma hemodiluição é observada.
Assim, ocorre hemodiluição progressiva no choque hemorrágico, que aumenta com o
agravamento do quadro.
Deve-se observar que aqui existe uma diferença com os quadros de choque em que,
primariamente, há uma perda do componente plasmático intravascular (p. ex., queimaduras
graves). Nestes casos teremos não hemodiluição, e sim hemoconcentração, com alto
hematócrito. Outras causas deste tipo de choque com hemoconcentração são as peritonites,
as infecções extensas de partes moles e as síndromes de esmagamento.
5. Alterações bioquímicas. As alterações bioquímicas mensuráveis que ocorrem em
resposta ao estresse ocasionado pelo choque resumem-se em três categorias bem definidas,
que veremos a seguir.
a. Alterações no sistema hipófise-supra-renal. Aqui, os efeitos imediatos observados são
aqueles associados com altos níveis circulantes de adrenalina. Há aumento de toda a
atividade simpática e também da liberação de renina, angiotensina, hormônio antidiurético,
aldosterona, hormônio adrenocorticotrófico, betaendorfinas e glicocorticóides. (Aumentam
ainda a eritropoetina, o glucagon, o 2-3-difosfoglicerato, as prostaglandinas e o
complemento, fora do eixo hipófise-supra-renal.)
Caracteristicamente, há eosinopenia e linfocitopenia, juntamente com trombocitopenia (são
representações laboratoriais do aumento de adrenalina circulante).
Essas alterações são bastante inespecíficas e são encontradas precocemente no paciente
traumatizado em choque. Ocorre retenção de sódio e água, assim como um aumento
importante na excreção de potássio e um balanço negativo de nitrogênio.
b. Alterações relacionadas com o estado de fluxo lento. O metabolismo tissular requer a
presença de ATP como fonte de energia. O ATP é produzido normalmente através do ciclo
de Krebs, no metabolismo aeróbico da glicose. Nos estados em que o fluxo se torna lento,
existe uma redução na oxigenação nos órgãos vitais, e, conseqüentemente, o metabolismo
muda de aeróbio para anaeróbio.
Quando falta o oxigênio, o ATP é produzido através da glicólise anaeróbia, o que resulta na
produção de ácido láctico. Este metabolismo anaeróbio é refletido por uma acidose
metabólica, com uma redução do poder de combinação do CO2 com o sangue. A
compensação respiratória que ocorre no início do choque hemorrágico freqüentemente é
insuficiente; à medida que o quadro evolui, há uma diminuição contínua do pH, com
acidose progressiva.
A falta do metabolismo aeróbico paralisa a bomba de sódio-potássio — a célula se torna
tumefeita e, eventualmente, evolui para a morte celular.
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Nota-se um aumento nos níveis da glicose sérica, diretamente relacionado com a gravidade
do estado de hipovolemia e choque. Acredita-se que este aumento da glicemia represente
um aumento da glicólise hepática (por mudança para anaerobiose); entretanto, outros
autores acreditam que este aumento da glicose seja conseqüência da diminuição da secreção
de insulina e da diminuição da utilização periférica da glicose. De qualquer forma, talvez
estes dois mecanismos ocorram em conjunto, explicando o aumento da glicemia.
Os parâmetros a que nos referimos (gases arteriais e pH, alterações no lactato sérico)
apresentam mudanças cerca de 50 minutos antes que as alterações hemodinâmicas se
estabeleçam. (Obviamente, isto só pode ser observado nos casos de hemorragia lenta e
progressiva.) Sabe-se que os parâmetros bioquímicos, por outro lado, voltam ao normal 50
minutos antes dos parâmetros hemodinâmicos, na fase de recuperação. O hipofluxo tissular
leva, em nível celular, ao estado de choque irreversível, ou que não responde ao tratamento.
Existem propostas recentes com referência ao uso de drogas bloqueadoras dos canais de
cálcio, associadas ou não a compostos de fosfato de alta energia, que poderiam evitar ou
retardar as alterações celulares do choque hipovolêmico e, conseqüentemente, impedir o
quadro de choque irreversível.
c. Alterações por falhas de funcionamento de órgãos específicos. Na hipovolemia, o sangue
é desviado para o coração e para o cérebro, em detrimento do restante do organismo.
As alterações observadas em órgãos específicos são dependentes, em sua maior parte, da
duração e da gravidade do estado de choque. Por exemplo, as alterações renais podem
variar de simples oligúria à insuficiência renal de alto débito (com urina de baixa gravidade
específica e pH básico), ou mesmo insuficiência renal aguda franca, com anúria. Se a
função renal está diminuída, as concentrações de potássio e magnésio e os níveis de
creatinina sérica estão aumentados. As lesões renais básicas se devem tanto diretamente à
má perfusão renal no paciente chocado, como indiretamente à ocorrência de shunts intrarenais, sendo o sangue desviado no interior dos rins para os néfrons corticais externos.
Alterações em outros órgãos, como os pulmões, podem ocorrer — neste caso, ocorre o
chamado pulmão de choque ou síndrome da angústia respiratória do adulto (ver Cap. 8,
Insuficiência Respiratória Pós-Traumática).
Efeitos do choque no fígado e no tubo gastrointestinal são também observados, com a
ocorrência de lesões específicas — a hipotensão causa uma redução no fluxo sangüíneo
esplâncnico. O hepatócito perde a sua capacidade de gerar ATP em um estado anaeróbico,
o que leva a dano das organelas intracelulares e das membranas celulares, com conseqüente
perda da função hepática. É bom lembrar que muitas das proteínas envolvidas nos sistemas
de coagulação são sintetizadas no fígado; no fígado do paciente chocado, estas proteínas
deixam de ser produzidas, ocasionando distúrbios de coagulação e hemorragias
persistentes.
Ainda referente às alterações bioquímicas no choque hipovolêmico, mas sem relação
alguma com os tipos já citados de alterações básicas, verificam-se interação entre
substâncias opióides endógenas e a ocorrência da dor e do choque circulatório. Existem
evidências indicando que sistemas opióides endógenos ativados contribuem para a
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fisiopatologia do choque circulatório, visto em causas diversas, como endotoxemia,
hemorragia e traumas medulares. O antagonista de opiáceos, naloxona (Narcan®), agindo
em oposição aos opióides endógenos, reverte as alterações hemodinâmicas, metabólicas e
bioquímicas, e seqüelas de choque, em modelos experimentais de animais; entretanto, o seu
uso clínico em seres humanos é ainda controverso, não sendo indicado.
C. Tratamento do choque hipovolêmico. Nos últimos anos, devido ao surgimento de um
grande número de novos conceitos, as melhorias no atendimento inicial de pacientes
politraumatizados, de equipamentos médicos disponíveis e do próprio padrão de
atendimento médico, com a sistematização preconizada pelo ATLS, levaram a um ganho
geral no atendimento inicial de pacientes politraumatizados. Alguns desses pacientes, com
traumas gravíssimos, antes irrecuperáveis, passaram a sobreviver, permitindo o tratamento
de graves complicações pós-choque, tais como as insuficiências respiratória e renal.
O próprio transporte dos pacientes até hospitais de referência, sendo feito por equipes
treinadas e de forma mais rápida, assegura que pacientes que antes viriam a falecer no local
possam vir a receber tratamento médico. Outro fator que também muito contribui para o
aumento da sobrevida é que determinados tipos de problemas cirúrgicos complexos (p. ex.,
lesões combinadas de duodeno e pâncreas) passaram a ter soluções bem mais definidas,
abrindo novas perspectivas de tratamento.
Determinadas condições, bastante comuns nos pacientes traumatizados (p. ex., alcoolismo),
podem vir a alterar a resposta orgânica e o tratamento nos casos de choque hemorrágico.
Assim é que, experimentalmente, a ingestão de álcool leva a uma queda significativa da
pressão arterial sistólica em animais não anestesiados, quando submetidos a uma perda
sangüínea, quando comparados com animais que não ingeriram álcool.
A hipovolemia é, de longe, a causa mais comum de choque no paciente traumatizado. A
perda sangüínea pode ocorrer para o interior de cavidades serosas, como o peritônio, sendo
difícil a avaliação do volume perdido no exame inicial. Por outro lado, a perda sangüínea
ocorrida quando de fraturas ósseas em membros é de estimativa mais fácil, mesmo quando
não há sangramento externo (leva-se em consideração o aumento do diâmetro no membro
afetado). Outras causas de choque podem estar presentes no paciente politraumatizado:
tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo e choque de origem vasogênica. Estas
condições devem ser diagnosticadas e tratadas juntamente com o quadro de choque
hemorrágico.
Como efeito de referencial, lembramos que o choque no paciente politraumatizado deve ter
tratamento preferencial sobre qualquer outra condição, com exceção da insuficiência
respiratória. O diagnóstico e o tratamento devem ser feitos de forma simultânea. As
medidas gerais iniciais a serem tomadas estão descritas no Cap. 6, Tratamento Inicial do
Politraumatizado.
Para a ressuscitação de um paciente em estado de choque hemorrágico, é importante o
conhecimento da fisiologia normal e das respostas à perda sangüínea. O corpo de uma
pessoa de 70 kg contém 60% de água, sendo 28 litros de líquido intracelular (hemácias: 2 l;
líquido muscular e orgânico: 26 l) e 14 litros de líquido extracelular (plasma: 3 l;
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interstício: 11 l). A soma da massa de plasma e de hemácias totaliza 5 litros que, na
presença de débito cardíaco normal, circulam pelo corpo a cada minuto. Do ponto de vista
prático, podemos dividir o tratamento do choque hipovolêmico em três fases. A fase I
representa o período de sangramento ativo e se inicia no momento da lesão, terminando ao
final da cirurgia (com o controle do sangramento obtido). A fase II é a de seqüestro de
líquido extravascular — começa ao término da cirurgia e se conclui no momento de ganho
máximo de peso. A fase III representa o período de mobilização de líquido extravascular —
começa no momento de ganho máximo de peso e termina quando da perda máxima de
peso; após esta terceira fase, o paciente entra em anabolismo. A seguir, examinaremos
separadamente cada uma destas três fases.
1. Fase I — sangramento ativo. Quanto maiores o volume e a rapidez da perda sangüínea,
maiores serão também as respostas fisiológicas desencadeadas, como visto anteriormente.
Um paciente com uma perda sangüínea aguda, em choque hemorrágico, com uma pressão
sistólica de 70 mmHg, terá uma queda aguda de 40-50% no seu volume sangüíneo. As
respostas homeostáticas conseqüentes levam a uma queda no débito cardíaco, hipotensão e
a um aumento na resistência vascular periférica, com má perfusão tissular. Na fase I, os
objetivos principais do tratamento são: bloquear sangramentos externos existentes;
identificar sangramentos internos; restaurar o volume (conforme indicado por PA,
freqüência cardíaca, amplitude dos pulsos periféricos e volume urinário); e preparar para
cirurgia para corrigir lesões internas.
O tratamento deve restaurar não somente a massa perdida de hemácias, mas também o
grande déficit de eletrólitos. A infusão de eletrólitos recomendada em relação à perda de
sangue deve seguir um índice de 3:1 (assim, um paciente com perda aguda de 2.000 ml de
sangue irá necessitar de 6.000 ml de solução eletrolítica balanceada para restaurar o volume
plasmático e os déficits de fluido intersticial). As soluções usadas para ressuscitação não
devem conter glicose, devido à hiperglicemia endógena existente no choque hemorrágico.
O volume de solução eletrolítica balanceada a ser infundido é guiado pela resposta da
pressão arterial, amplitude e freqüência de pulso e débito urinário. A solução mais usada
para infusão é o Ringer lactato; na prática, em paciente com choque hipovolêmico grave,
infundem-se 2.000 ml de solução em um período de cerca de 20 minutos, até que o sangue
ou o concentrado de hemácias esteja disponível; a infusão a seguir é feita de acordo com os
parâmetros descritos anteriormente. O paciente com hipovolemia muito grave ou com
sangramento persistente não terá resposta efetiva a esta infusão. O Ringer lactato é mais
vantajoso do que a solução fisiológica de cloreto de sódio, pela conversão hepática do
lactato em bicarbonato, extremamente útil no politraumatizado; já o soro fisiológico a 0,9%
tem contra si o seu alto conteúdo de cloro (154 mEq/l), bem mais elevado do que o do
plasma — em grandes quantidades, os pacientes ressuscitados com SF a 0,9% desenvolvem
uma acidose metabólica hiperclorêmica.
A utilização de soluções hipertônicas de cloreto de sódio (NaCl) a 7,5%, isoladamente ou
associadas a uma solução de dextrana, parece ser de utilidade na ressuscitação do choque
hipovolêmico. Seu uso tem sido feito principalmente por paramédicos que atendem o
politraumatizado no local do acidente e, em alguns Serviços de Urgência, exclusivamente
em pacientes em choque profundo, com risco iminente de parada cardíaca, no momento da
admissão hospitalar. Entretanto, seu uso ainda não está bem padronizado e aceito — alguns
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estudos em modelos animais têm indicado que as soluções hipertônicas estão associadas a
uma maior incidência de sangramento, o que se torna extremamente danoso no paciente
politraumatizado.
As soluções cristalóides possibilitam uma ressuscitação efetiva de pacientes em estado de
choque. As maiores complicações decorrentes de seu uso se referem ao tratamento com
infusão insuficiente ou exagerada. A infusão insuficiente está relacionada a uma
recuperação incompleta do paciente, enquanto o seu uso em quantidade exagerada se
relaciona à ocorrência de edema generalizado. Quando não ocorre resposta à infusão salina,
associa-se a administração de sangue total ou de concentrado de hemácias, procurando-se
restaurar a taxa de hemoglobina para um ideal teórico de 12 g%. Os cristalóides infundidos
devem estar, preferencialmente, aquecidos a 37oC, para se evitar a hipotermia.
Nos últimos anos, verificou-se que a infusão de concentrado de hemácias juntamente com
solução eletrolítica substitui bem a administração de sangue total no choque hipovolêmico,
com considerável economia de elementos, tais como o plasma e as plaquetas, que são
separados previamente e utilizados apenas quando necessários. Pacientes com perda
sangüínea acima de 30%, e que continuam sangrando, não devem esperar até que a prova
cruzada seja realizada para que se faça a transfusão — deve ser feita a tipagem simples e, a
seguir, proceder-se à administração imediata do sangue total ou do concentrado de
hemácias.
Pacientes que chegam ao hospital em estado agônico, com hipovolemia gravíssima,
necessitam de imediata transfusão de sangue total ou de concentrado de hemácias — neste
caso, eles devem receber transfusão do tipo O, com título baixo de anticorpos, antes mesmo
de se proceder à tipagem. Devem ser obtidas, no mínimo, duas vias de infusão, para
administração de líquidos e sangue. A primeira via venosa deve ser conseguida por punção
percutânea em veia do membro superior com um cateter Jelco®. A outra via venosa pode
ser tanto uma veia subclávia ou jugular puncionada por via percutânea, como uma veia
dissecada (a preferida em muitas das situações de politraumatismo). Ao se cateterizar a veia
(punção ou dissecção), é oportuno avaliar o tamanho do cateter em relação ao tamanho do
paciente, para que a ponta do cateter esteja em posição central para medida da PVC (junção
da veia cava superior com o átrio direito). Em relação à dissecção venosa, lembrar que a
dissecção das veias safenas na região maleolar em membros inferiores, anteriormente
proscrita, pode ser salvadora para muitos pacientes, nos quais outras vias de infusão venosa
não estejam disponíveis.
A utilização de cateteres calibrosos inseridos na veia femoral, associados a bombas
especiais de infusão, para reposição de solução salina aquecida em grandes quantidades e
com rapidez (1,5 litro/minuto), foi proposta recentemente. Uma sonda vesical deve ser
colocada tão logo seja possível, para controle rigoroso do débito urinário; o ideal é que se
mantenha um fluxo urinário de pelo menos 40-50 ml/hora. Entretanto, diuréticos não
devem ser administrados, pois a oligúria que se observa no doente é conseqüência de
hipovolemia.
Para cada quatro unidades de concentrado de hemácias ou de sangue total infundidas, devese administrar uma ampola EV de gluconato de cálcio a 10% (ampola de 10 ml), além de
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40 mEq de bicarbonato de sódio (= 40 ml de bicarbonato de sódio a 8,4%). A monitoração
da pressão intra-arterial (PIA) deve ser rigorosa; a introdução de um Jelco® na artéria
radial do paciente (por punção percutânea ou por dissecção) ligado a um transdutor e
monitor de pressão nos dá um indicativo passo a passo do estado dinâmico do paciente
(pode-se inclusive avaliar a tendência da curva de pressão obtida). Caso não se disponha de
um transdutor e monitor de pressão, um simples pedaço de equipo de soro comum,
conectando-se este a um manômetro também comum de aparelho de pressão (ou a uma
coluna de mercúrio líquido), nos dará a medida da pressão intra-arterial. Este é um
procedimento simples que pode ser feito pelo anestesista ou pelo cirurgião e que permite a
monitoração constante da PIA, além de facilitar, sobremodo, a coleta de sangue para
exames durante a cirurgia (pH e gases arteriais, taxa de hemoglobina, ionograma etc.). Caso
não se introduza o cateter para mensuração da PIA, a medida da PA, mesmo com aparelhos
de pressão comuns, deve ser uma preocupação constante. Existem ainda aparelhos
eletrônicos que permitem a leitura não-invasiva das pressões arteriais sistólica e diastólica
com um grau bastante aceitável de precisão e que podem vir a ser usados.
Em determinadas condições, pode-se proceder à recuperação do sangue perdido pelo
próprio paciente e reinfundi-lo. Atualmente já existem disponíveis no Brasil várias marcas
de aparelhos simples para reaproveitamento do sangue (p. ex., Transfusan®) que permitem
a aspiração do sangue perdido e a sua reinfusão, após dupla filtragem e acréscimo de
anticoagulante. Este é um procedimento especialmente indicado nas hemorragias
intratorácicas e nos traumas cranianos e ortopédicos. A recuperação e a reinfusão do sangue
intra-abdominal só devem ser feitas caso não haja ruptura hepática ou de alça intestinal.
Colóides, tais como albumina, dextranas e amido, não devem ser administrados na fase I,
pois agravam a insuficiência respiratória pós-traumática no pós-operatório, podem acarretar
insuficiência renal, além de, no caso das dextranas, terem o risco de produzir reação
anafilactóide (a não ser, talvez, nos casos de administração de dextrana 70 a uma diluição
de 6%, associada ao uso de NaCl a 7,5%, como já comentado). Pacientes que recebem
albumina na fase I têm uma maior retenção de sódio e de água, requerendo a administração
de diuréticos, maior incidência de insuficiência renal aguda, piora da função pulmonar,
aumento da pressão venosa central, aumento dos níveis de shunts fisiológicos pulmonares e
maior necessidade para suporte ventilatório, além de uma maior mortalidade global (Fig. 71).
O algoritmo para tratamento da exanguinação é visto na Fig. 7-2.
2. Fase II — Seqüestro de líquido extravascular. A partir do final da cirurgia, que é o
momento em que se obtém o controle do sangramento, a fase II se estende por um período
aproximado de 40 horas. O que caracteriza esta fase é a movimentação de líquido
extracelular para dentro do compartimento intracelular, junto com sódio e cloro. Este
movimento é conseqüência da falha de funcionamento da bomba de sódio-potássio, causada
pela isquemia tecidual do choque. Do ponto de vista prático, este tipo de fluxo é refletido
por um aumento do peso corporal do paciente, que pode chegar a 10 kg. No início da fase
II, verifica-se grande instabilidade do paciente quanto à infusão de líquidos; se a infusão é
feita apenas em velocidade de manutenção (40-50 gotas/min), o paciente terá PA ou PIA
baixa, taquicardia, pulso fino, oligúria, estando a pele fria e úmida; se a infusão é feita
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rapidamente, o paciente ganha peso, aumenta a pressão venosa central (PVC), aumenta a
pressão da artéria pulmonar e ocorre insuficiência respiratória.
Como se vê, a manutenção do paciente durante a fase II pode ser algo difícil — o paciente
que se encontra nesta fase deve ser acompanhado muito de perto, em UTI, e o aporte
líquido deve ser oferecido de acordo com os vários parâmetros disponíveis; a reavaliação
do paciente deve ser um procedimento contínuo. Se ainda ocorre algum grau de
insuficiência renal nesta fase, pode agravar-se a insuficiência respiratória. Consideram-se
como objetivos principais do tratamento na fase II a manutenção do débito cardíaco, a
manutenção da função renal (avaliar o débito urinário; dosar repetidas vezes uréia e
creatinina) e evitar a insuficiência respiratória conseqüente à sobrecarga de líquidos.
Para manutenção do débito cardíaco, o uso de digital (de preferência de ação rápida, como
o lanatosídeo C — Cedilanide®) e de gluconato de cálcio a 10%, ambos EV, em doses
clássicas, pode ser suficiente para manter a função cardíaca (ver Cap. 49, Insuficiência
Cardíaca Congestiva, para doses de digital). Entretanto, em casos mais sérios, o uso de
drogas como a dopamina (Revivan® — dose de 5-15 mg/kg/min) ou a dobutamina
(Dobutrex®), em infusão endovenosa contínua, pode ser necessário. Para que seja mantida
a função renal, não se devem utilizar diuréticos em pacientes que nesta fase mantenham
pressão arterial normal ou elevada — a adequada reposição da volemia é suficiente para
manter a função renal. Quanto à síndrome da insuficiência respiratória pós-traumática,
vários agentes têm sido implicados em sua etiologia mas, devido à complexidade deste
quadro, ele é descrito em outro capítulo deste livro.
3. Fase III — mobilização do líquido extravascular. Esta fase se inicia quando do ganho
ponderal máximo, prolongando-se até a perda ponderal máxima, quando a bomba de sódiopotássio volta a funcionar.
É uma fase caracterizada pela expansão líquida rápida dos espaços intravascular e
intersticial, havendo abundantes diurese e natriurese. Com duração de 24-48 horas, termina
com a volta ao normal dos volumes plasmático e intersticial.
É uma fase de hipervolemia; portanto, aumenta a amplitude do pulso e ocorre aumento da
pressão arterial. O débito cardíaco também aumenta; ocorre melhora das funções renal e
respiratória.
Alguns pacientes podem não tolerar este rápido aumento do volume intravascular, surgindo
hipertensão arterial, piora da insuficiência respiratória, edema cerebral e, às vezes,
insuficiência renal de alto fluxo. O principal objetivo do tratamento nesta fase é a
manutenção da pressão arterial e da volemia tão próximas do normal quanto possível.
Em relação ao exame clínico, observa-se que, ao final da fase II e no início da fase III, a
pressão arterial do paciente apresenta estabilização; é um nível estável, sempre alguns
milímetros de mercúrio superior ao nível da fase II, tanto na pressão sistólica quanto na
diastólica. Este novo nível estável da pressão arterial é o sinal clínico de que se está
iniciando o período de fluxo volumoso em direção ao interior dos vasos. Assim, deve-se
realizar a restrição hídrica, e devem ser usados diuréticos, principalmente a furosemida
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(Lasix®), para evitar hipertensão arterial. A dose poderá ser de 40 mg EV a cada 30
minutos, até que se obtenha a estabilidade da PA no nível inicial da fase III (quando for
verificada a nova PA equilibrada). Nos casos mais sérios, podem ser utilizados
vasodilatadores periféricos, no sentido de se realizar um aumento da capacitância do
sistema vascular — usa-se o nitroprussiato de sódio (Nipride®) em gotejamento contínuo
(dose de 0,5-8,0 mg/kg/min), ou mesmo a clorpromazina (sendo o nitroprussiato de sódio a
melhor opção).
A função renal volta ao normal após terminado o quadro de hipervolemia. Ao final da fase
III, o paciente entra em estado de anabolismo. A insuficiência cardíaca, ocasionada pela
hipervolemia, pode ocorrer na fase III; ela é tratada como descrito na fase II.
III. Choque Cardiogênico
A. Conceito. Apesar das melhores condições de tratamento atuais e de novos medicamentos
e aparelhagem, o choque cardiogênico permanece com mortalidade aumentada, estando
acima de 80% nos melhores centros. Ele pode ser definido como insuficiência aguda da
perfusão tissular, causada pelo funcionamento cardíaco inadequado ou por qualquer causa
que leve à diminuição do débito cardíaco.
B. Etiologia. A causa mais freqüente é a insuficiência coronariana aguda, com infarto
agudo do miocárdio. No IAM, o choque cardiogênico ocorre mais freqüentemente após: (1)
infarto ou isquemia extensa do ventrículo direito e/ou esquerdo; (2) ruptura aguda do septo
interventricular; (3) ruptura de papilares ou de cordoalhas tendíneas com insuficiência
mitral grave; (4) tamponamento cardíaco, com ou sem a ruptura da parede livre ventricular.
Entretanto, alterações funcionais do miocárdio (miocardites, miocardiopatias — como na
doença de Chagas etc.), nas miocardiopatias hipertróficas obstrutivas, do pericárdio
(pericardite, tamponamento cardíaco), do ritmo (bradicardias, bloqueios, taquicardias), das
valvas (disfunções de origem reumática ou de qualquer outra etiologia) podem levar ao
choque cardiogênico, caso alterem severamente o débito cardíaco.
C. Fisiopatologia. Basicamente, o choque cardiogênico é semelhante aos outros tipos de
choque, visto ter como ponto em comum a insuficiência de perfusão tissular com suas
conseqüências em diversos órgãos, como rins, fígado, cérebro e o próprio coração, entre
outros. A causa mais freqüente, o infarto agudo do miocárdio, leva a uma perda funcional
importante do músculo cardíaco por necrose ou isquemia, levando à hipotensão e à
conseqüente diminuição da perfusão tissular, dando início a um ciclo vicioso. Devido à
distribuição anatômica de seu fluxo, a maior parte de casos de choque cardiogênico ocorre
nas obstruções da artéria descendente anterior.
As outras etiologias menos freqüentes têm como ponto em comum o débito cardíaco
inadequado e podem apresentar sinais de hipertensão venosa sistêmica (ingurgitamento
jugular, edema dos membros inferiores, ascite, hepatomegalia); hipertensão venocapilar
pulmonar (dispnéia, ortopnéia); ou ambas.
D. Diagnóstico
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1. Sindrômico. O diagnóstico do choque cardiogênico pode ser feito pelo exame clínico e
pela monitoração hemodinâmica. A ecocardiografia transtorácica e/ou transesofágica,
associada ao Doppler, pode também ser útil. O diagnóstico é baseado nos seguintes dados:
(a) volume urinário inferior a 20 ml/h; (b) pele fria e enchimento capilar diminuído; (c) PA
sistólica menor do que 90 mmHg; (d) acidose metabólica (acidose láctica); (e) alterações do
estado de consciência (agitação, sonolência, confusão, coma); (f) pressão capilar pulmonar
superior a 18 mmHg; (g) índice cardíaco menor do que 2,2 l/min/m2 de superfície corpórea.
2. Etiológico. Principalmente, por uma das patologias a seguir: (a) infarto agudo do
miocárdio (clínica, ECG, enzimas); (b) tamponamento cardíaco (ver Cap. 11,
Traumatismos Cardíacos); (c) arritmias primárias; (d) alterações valvulares.
E. Terapêutica. O paciente deve ter seus dados vitais monitorados de modo a permitir um
controle rigoroso de sua evolução, visto ser o quadro de natureza dinâmica, em que os
parâmetros podem variar em períodos curtos de tempo.
Devem ser monitorados: (a) ritmo e freqüência cardíacos (monitoração elétrica contínua);
(b) volume urinário horário (por sonda vesical); (c) pressão venosa central (PVC) — de
hora em hora; (d) freqüência respiratória, perfusão tissular, PA a cada 15 minutos.
Pode ainda ser instalada pressão intra-arterial, como já explicado neste capítulo, o que torna
mais fácil o controle do doente. Quando possível, o cateter de Swan-Ganz deve ser
utilizado para medir a pressão em cunha da artéria pulmonar e o débito cardíaco. (O cateter
de Swan-Ganz pode ser instalado facilmente à beira do leito, assim como a PIA; no caso do
cateter, este pode ser introduzido por punção da veia jugular ou da subclávia.)
São princípios básicos de tratamento do choque cardiogênico: (a) manter PA (ou PIA,
quando disponível) suficiente para assegurar um volume urinário maior do que 50 ml/h e
impedir acidose metabólica; (b) manter uma volemia suficiente para permitir uma
contratilidade máxima do miocárdio (ou seja, com uma pré-carga ideal), sem sinais de
congestão pulmonar.
Quando o paciente apresentar congestão pulmonar, procurar diminuí-la.
A linha axilar média é utilizada como referência (ponto zero), tanto para medida da PVC
como da PIA. Entretanto, não é errado o uso da linha axilar posterior para medida da PVC
— em alguns hospitais, inclusive, faz-se a anotação da PVC dorsal e na linha axilar média
—; o que importa é que se tenha um referencial e que este seja seguido. Quando se mede a
pressão capilar pulmonar com cateter de Swan-Ganz, usa-se como base a linha axilar média
— a pressão é medida com um transdutor em mmHg.
De uma maneira grosseira, podemos considerar que a PVC é igual à espessura torácica;
desse modo, um paciente com 15 cm de espessura torácica pode ter PVC de 15 mmHg
usando-se a linha axilar posterior; PVC de 0 usando-se a linha axilar anterior, e também
pelo uso da distância entre a linha axilar média e o ângulo de Louis. Para fins de
padronização, procuram-se transformar as medidas de pressão obtidas em cmH2O em
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mmHg. A PVC normal tem valores normais de 1-8 mmHg. A pressão capilar pulmonar
normal medida com Swan-Ganz é de 2-12 mmHg (medida direta com transdutor).
Quando houver necessidade de transformar valores encontrados em cmH2O para mmHg,
deverá ser lembrado que a densidade do mercúrio é 13,6 vezes maior do que a da água. A
fórmula usada é X (mmHg) = cmH2O ö 0,72.
A seguir, algumas situações clínicas no choque cardiogênico, e os procedimentos que
devem ser adotados: (a) pressão em cunha pulmonar abaixo de 22 mmHg: infundir volume
(soro fisiológico ou soro glicosado isotônico com albumina ou plasma) até a pressão capilar
pulmonar atingir este valor; (b) pressão em cunha pulmonar acima de 22 mmHg, ou quando
se atinge este nível e o doente permanece em choque: inicia-se dopamina (Revivan®) na
dose de 5 mg/kg/min, até se conseguir manter PA e débito urinário adequados; (c) casos em
que se necessita de doses maiores de dopamina, superiores a 15 mg/kg/min, mantendo o
paciente boa PA, mas com vasoconstrição periférica acentuada e sem diurese (devido à alta
dose de dopamina administrada para manter PA): associar nitroprussiato de sódio
(Nipride®), na dose de 0,5 a 8 mg/kg/min, controlando a PA sistólica (manter acima de 90
mmHg); se necessário, associar furosemida (Lasix®) por via endovenosa; (d) alguns
pacientes desenvolvem grande taquicardia em resposta à infusão de dopamina (acima de
130 bpm); outros, com doses de dopamina superiores a 15 mg/kg/min, não conseguem
manter boa PA: nestes casos, associa-se noradrenalina (dose de 0,5-4 mg/min) e infunde-se
nitroprussiato de sódio nas doses do item anterior. Deve-se lembrar que a dopamina em
altas doses tem como efeito secundário o aumento da pós-carga pela vasoconstrição que
provoca, através de seu efeito predominante nos receptores alfa-1.
Como opção, pode-se usar a dobutamina em substituição à dopamina, ou em associação à
mesma, em pacientes que não respondem à medicação padronizada descrita acima. A
dobutamina tem um efeito inotrópico positivo com ação predominante ao nível dos
receptores beta-1. Ela tem como característica o aumento do consumo de oxigênio pelo
miocárdio, o que pode levar a estender uma área de infarto.
Os efeitos benéficos de agentes como a amrinona (Inocor®) e a milrinona ainda não se
encontram bem-estabelecidos; numa avaliação inicial, a amrinona parece ter um efeito no
débito cardíaco no máximo semelhante ao da dobutamina; alguns trabalhos citam a
associação da amrinona à dobutamina como sendo benéfica em casos de choque
cardiogênico com má resposta à terapêutica convencional.
A instalação de balão intra-aórtico pode ser de ajuda em pacientes com choque
cardiogênico, a fim de se obter a estabilização hemodinâmica temporária; ele é colocado
através da artéria femoral (por via percutânea) e levado até a aorta torácica — por um
mecanismo de deslocamento de volume em contrapulsão, pode contribuir com o aumento
do débito cardíaco de maneira importante. Recentemente, um grande entusiasmo com o
balão intra-aórtico tem tornado o seu uso mais amplo; observa-se que, em um paciente com
choque cardiogênico sem resposta à terapêutica farmacológica, quanto mais precoce for a
instalação do balão, melhor o resultado obtido. As contra-indicações para o uso do balão
intra-aórtico incluem a insuficiência aórtica, a dissecção aórtica e arritmias importantes que
impeçam a sincronização do ritmo do paciente com a insuflação e a desinsuflação do balão.
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Agentes inotrópicos positivos (especialmente a dobutamina) podem ser usados juntamente
com a contrapulsão aórtica, com melhores resultados e com um risco menor de estender um
infarto do miocárdio, causador do choque cardiogênico.
A utilização de aparelhos de assistência ventricular ainda não é um procedimento rotineiro,
estando extremamente restrita, tendo estes aparelhos sido implantados em poucos casos no
mundo.
A trombólise medicamentosa, que se tornou rotineira no tratamento dos casos do infarto do
miocárdio, acabou por determinar um melhor prognóstico para os pacientes ao evitar e/ou
diminuir a área de músculo cardíaco lesado no IAM.
O uso de métodos invasivos no diagnóstico e tratamento do choque cardiogênico, como a
angioplastia de resgate e a colocação de stents intracoronários, na fase aguda do infarto do
miocárdio, tem mudado a perspectiva do tratamento desta síndrome. As intervenções
incluem: medida da pressão da artéria pulmonar, cateterismo cardíaco, agentes inotrópicos
positivos, suporte ventilatório, uso de balão intra-aórtico, angioplastia coronária (associada
ou não a uso de stent coronário) e cirurgia de revascularização miocárdica.
Os Quadros 7-4 e 7-5 resumem o tratamento do choque cardiogênico. O Quadro 7-6 resume
as principais drogas utilizadas no seu tratamento.
F. Prognóstico. Os índices de mortalidade associados ao choque cardiogênico têm-se
mantido consistentemente em níveis superiores a 50%. Os dados obtidos com grandes
estudos (como o estudo GUSTO) não têm demonstrado uma melhora dos resultados com o
passar do tempo, apesar da melhora da terapêutica. A mortalidade após 30 dias e 1 ano após
o episódio tem, entretanto, sido diminuída ao se utilizarem procedimentos invasivos.
Os fatores de um mau prognóstico incluem o baixo débito cardíaco, a pressão em cunha da
artéria pulmonar elevada, a idade elevada, a oligúria, a pressão arterial média elevada, a
taquicardia e a história de infarto do miocárdio.
IV. Choque Distributivo.
O grupo do choque distributivo inclui síndromes de hipoperfusão tissular devidas a
distúrbios do tônus e/ou da permeabilidade vascular, com redistribuição do fluxo sangüíneo
visceral.
A. Choque séptico. Síndrome clínica ocasionada pela presença na corrente sangüínea de
microrganismos ou seus produtos e que envolve insuficiência circulatória e perfusão
tissular inadequada. Geralmente se manifesta em presença de um foco infeccioso, porém
existe a possibilidade de predomínio do componente endotóxico.
Considera-se como sendo sepse a resposta sistêmica à infecção. Considera-se como sendo
sepse grave aquela que produza disfunção de órgãos ou sistemas; no choque séptico, há
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ocorrência do quadro de sepse grave associada a quadro de hipoperfusão tissular, na
presença de invasão tissular por um patógeno.
1. Etiologia. Vários são os fatores de risco para a ocorrência de sepse e choque séptico
(Quadro 7-7); praticamente todos os pacientes internados em uma UTI apresentam um ou
mais destes fatores de risco.
No quadro de sepse é desencadeado um quadro inflamatório em todo o organismo,
conhecido como síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A inflamação pode
acometer qualquer órgão, podendo levar à sua falência funcional. No pulmão, produz a
síndrome de angústia respiratória e, nos rins, a insuficiência renal aguda, e isto pode ocorrer
com o sistema nervoso, fígado e intestino, culminando com a disfunção orgânica múltipla.
A SIRS pode surgir com qualquer insulto (trauma, hemorragia etc.) e, quando a origem é
infecciosa (sepse), pode evoluir com destruição orgânica múltipla apesar da eliminação do
agente infeccioso. Esta doença inflamatória auto-imune é de alta letalidade e não possui
terapêutica específica. A grande intervenção localiza-se na prevenção constituída de
diagnóstico e terapêutica precoce dos quadros clínicos que podem desencadeá-la. Quando
se faz o diagnóstico precoce e se instituem medidas de suporte circulatório (volume,
aminas) que otimizem a oferta de oxigênio ao tecido, é possível evitar a evolução para a
disfunção orgânica de múltiplos órgãos.
As infecções que mais freqüentemente conduzem ao choque séptico são as produzidas por
gram-negativos; entre eles se destacam as Enterobacteriaceae (em primeiro lugar,
Escherichia coli, seguida de Klebsiella-Enterobacter-Serratia e de Proteus
sp.), Pseudomonas, Neisseria, Haemophilus e outros aeróbios, bem como anaeróbios
(incluindo Bacteroides). Em segundo lugar, em importância, encontram-se os grampositivos, principalmente Staphylococcus aureus. Fungos, vírus, protozoários e rickéttsias
podem também ser causadores do quadro.
2. Fisiopatologia. As principais características hemodinâmicas do choque séptico são a
elevação do débito cardíaco, a diminuição da resistência vascular periférica e a diminuição
da pressão arterial. A taquicardia existente é um dos mecanismos responsáveis pela
manutenção da pressão arterial. O débito cardíaco permanece elevado até a fase préterminal, quando ocorre a sua queda.
A dilatação do ventrículo esquerdo aparece um ou dois dias após o início do choque. A
dilatação ventricular funciona como um mecanismo compensatório, permitindo um volume
diastólico final aumentado, o que leva a um volume ejetado maior, em presença de uma
fração de ejeção diminuída; esta dilatação regride à medida que o paciente se recupera do
quadro.
Ocorre uma alteração no balanço entre oferta e consumo de oxigênio e na extração de
oxigênio pelos diversos órgãos; assim, alguns dos órgãos vêm a receber uma oferta de
oxigênio acima do normal, enquanto outros apresentam-se isquêmicos. Estas alterações têm
importância fundamental na área esplâncnica, principalmente ao nível da circulação
hepática.
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Um fator depressor do miocárdio foi caracterizado, nos estados sépticos, como sendo uma
proteína de baixo peso molecular, possivelmente originada da parede do tubo intestinal.
Uma outra importante alteração hemodinâmica observada na sepse é a diminuição no
volume plasmático circulante, devido à permeabilidade capilar aumentada, favorecendo a
saída de líquido para o interstício. Esta alteração, juntamente com o seqüestro líquido que
ocorre para o terceiro espaço, é uma das principais causas de redução na pré-carga. A
decorrente diminuição da volemia proporciona maior queda do débito cardíaco e da
perfusão.
O fator de Hageman é estimulado pela endotoxina e pode desencadear um processo de
coagulação intravascular disseminada com formação de múltiplos microtrombos capilares e
agravamento da anoxia. Esta deficiência de oxigênio aumenta a produção de ácido láctico e
determina acidose metabólica, conduzindo ao relaxamento das arteríolas e ingurgitamento
capilar com aumento das perdas de plasma e células. Nesse ciclo vicioso hemodinâmico e
metabólico, ocorrem continuamente intensificação da anoxia e redução do débito cardíaco.
Como evento final, ocorrem autólise celular e liberação de lisozimas que potencializam a
destruição celular. O mecanismo de ação da endotoxina, liberada com a morte das
bactérias, envolve a ativação do complemento e a liberação pelas plaquetas e pelos
leucócitos de substâncias vasoativas (histamina, serotonina, adrenalina, noradrenalina e
cininas).
O choque séptico afeta virtualmente todos os órgãos e sistemas. Apesar de o mecanismo
responsável não estar claro, ele pode decorrer da lesão microvascular e de respostas
inflamatórias localizadas. A progressão da falência de múltiplos órgãos e sistemas segue
esta ordem: pulmonar, hepática e renal, sendo o índice de mortalidade proporcional ao
número de órgãos e sistemas acometidos (chega a 80 a 100% quando três ou mais sistemas
se encontram envolvidos). A síndrome de angústia respiratória do adulto é freqüente, com
hipoxemia refratária a níveis cada vez mais elevados de suporte ventilatório.
3. Fatores predisponentes. No caso das infecções por gram-negativos, 70% delas são
hospitalares, com maior incidência em recém-nascidos e em idosos, bem como em
mulheres no puerpério ou após aborto séptico.
A incidência de sepse por gram-negativos aumenta após manipulações urológicas e
cirurgias do trato gastrointestinal. Cerca de 10% dos pacientes são portadores de neoplasias
malignas, e 10% sofrem de diabetes melito (nos quais a fonte de infecção geralmente é
geniturinária). Cerca de 5% são portadores de hepatopatias graves, e 15% têm doenças
hematológicas. Este perfil se aplica a um hospital geral; num hospital predominantemente
traumatológico, muitos casos ocorrerão após cirurgias ortopédicas, abdominais e em
grandes queimados, principalmente, bem como após cateterismo vesical, vascular e outros
procedimentos invasivos. A síndrome do choque tóxico foi inicialmente relacionada ao uso
de absorventes intravaginais em mulheres menstruadas, porém, com o passar do tempo,
evidenciou-se que ela pode ocorrer em pacientes de várias idades e de ambos os sexos,
associada a diversos tipos de infecção por estafilococos produtores de toxina. Essa
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síndrome pode ser responsável por parte substancial dos choques que ocorrem fora do
ambiente hospitalar.
4. Manifestações clínicas. Os estágios precoces são caracterizados por sintomas e sinais
infecciosos. O paciente está consciente e alerta, com a pele quente e ruborizada, pulsos
amplos, hipotensão moderada (ou níveis pressóricos menores do que o normal), débito
urinário moderadamente reduzido e febre. A febre pode ser intermitente, remitente,
contínua ou variável, e está presente em 98% dos casos. O início da bacteremia é assinalado
por febre e calafrios em 60% dos pacientes, com febre elevada e súbita em cerca de 25%, e
por mal-estar e febre graduais em 15%. Alguns sintomas gerais e inespecíficos podem ser
referidos (cefaléia, prostração, mialgia, apreensão, agitação e anorexia). Delírio, estupor e
coma são raros. Vômitos, diarréia e distensão abdominal geralmente se devem a uma
doença subjacente. Contudo, 20-30% dos pacientes manifestam pela primeira vez o estado
infeccioso pela instalação abrupta de falência circulatória. Os distúrbios hemodinâmicos
que caracterizam o choque séptico em seres humanos são reconhecidos por pelo menos
duas fases distintas.
Na fase inicial, hiperdinâmica (ou choque quente), as extremidades estão aquecidas,
existem baixa resistência periférica, débito cardíaco normal ou elevado, pressão arterial
normal e amplitude de pulso aumentada. Contudo, com a estase do sangue nos níveis das
circulações esplâncnica e periférica, pode ocorrer redução do retorno venoso e do débito
cardíaco. Clinicamente, encontram-se hiperventilação, alcalose respiratória, confusão
mental, débito urinário normal e febre (raramente, pode-se encontrar hipotermia). Caso o
tratamento seja instituído nesta fase, as chances de recuperação do paciente serão maiores.
A fase avançada, hipodinâmica (ou choque frio), é caracterizada por extremidades frias,
resistência periférica elevada, débito cardíaco reduzido, hipotensão, pequena pressão de
pulso e intensa vasoconstrição arterial. À medida que diminuem a perfusão tissular e sua
oxigenação, intensificam-se o metabolismo anaeróbico e a acidose láctica. Insuficiência
respiratória, obnubilação progressiva e queda da função renal podem ocorrer, à medida que
se agravam as alterações hemodinâmicas. Nesta fase o prognóstico de reversão do choque é
bem pior. A mortalidade do paciente relaciona-se mais com a gravidade do seu quadro
clínico básico.
Achados laboratoriais freqüentes na bacteremia por gram-negativos incluem elevação da
uréia, hiperpotassemia e diminuição de sódio, cloro e bicarbonato. A leucocitose é a regra,
porém há casos em que a uma leucopenia inicial segue-se a leucocitose. Na bacteremia por
Pseudomonas, ao contrário, é comum haver leucopenia acentuada e persistente. No início
do choque séptico, quando se manifesta hiperventilação, pode predominar uma alcalose
respiratória. Com o agravamento do quadro, sobrevém um aumento na produção de ácido
láctico, com acidose metabólica. O equilíbrio ácido-básico e os gases arteriais podem
alterar-se também em função de lesões de órgãos como os pulmões e os rins, ocasionadas
pelo choque.
5. Tratamento. Estabelecido o diagnóstico e tomadas as medidas iniciais para
reconhecimento do agente etiológico, deve-se proceder à monitoração hemodinâmica, para
que os ajustes terapêuticos se façam eficientemente. Clinicamente, devem ser observados e
anotados a intervalos curtos os seguintes parâmetros: nível de consciência, respiração,
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pulso, cor da pele, enchimento capilar e estado de hidratação. Objetivamente, devem-se
medir a PVC, a pressão arterial, a temperatura, a diurese e o balanço hídrico. Idealmente, o
paciente também deve ser pesado todos os dias e deve estar sob monitoração
eletrocardiográfica contínua. Se possível, monitorar a pressão em cunha pulmonar por
cateter de Swan-Ganz, que possibilita medir o débito cardíaco.
Algumas das medidas gerais recomendadas são manter o paciente normotérmico e com os
membros inferiores elevados em 30o em relação ao tronco. Caso tenha sido identificado um
foco de infecção passível de tratamento cirúrgico, este deve ser realizado logo após a
estabilização inicial do paciente. Não devem ser esquecidos como prováveis focos de
infecção cateteres venosos e vesicais. A negligência na erradicação do foco pode gerar
refratariedade ao tratamento e morte. A pressão de enchimento do átrio deve ser mantida
num nível adequado à produção de um débito cardíaco eficaz. Todos os outros métodos de
tratamento falharão se não for administrado o volume de líquidos adequado. A preferência
quanto à sua composição recai sobre as soluções cristalóides: soro fisiológico a 0,9% ou
solução glicossalina 1:1 até 3:1. Em casos excepcionais, pode ser necessária a elevação da
pressão coloidosmótica do plasma por meio de albumina ou plasma. A restauração da
volemia é a primeira e mais importante medida a ser tomada no tratamento do choque
séptico. A hipovolemia pode ocorrer por extravasamento capilar, fístulas, diarréia ou
vômitos. O volume adequado de líquidos a ser administrado raramente pode ser calculado
com precisão no início do tratamento, pois deve ser aquele capaz de restaurar eficazmente a
perfusão tecidual e a diurese sem ocasionar sobrecarga circulatória.
As soluções preferidas para reposição são as cristalóides. Em pacientes com PVC normal
ou reduzida, devem-se infundir cerca de 20 ml/min durante 10-20 min, monitorando-se,
durante a infusão, a elevação da pressão venosa, o padrão respiratório e a ausculta
pulmonar. Elevação da PVC acima de 3,0 cmH2O (= 2,16 mmHg) exige a suspensão da
infusão até seu retorno ao nível anterior. A resposta favorável da pressão arterial com pouca
alteração da PVC é sugestiva de componente hipovolêmico importante no estado de
choque. O uso da PVC está sujeito a freqüentes erros, não refletindo adequadamente a précarga de ventrículo esquerdo. O mais adequado é a monitoração da pressão capilar
pulmonar, devendo-se tentar ajustá-la inicialmente para um valor entre 10 e 15 mmHg.
Na ocorrência de hemodiluição, a reposição com sangue total ou concentrado de hemácias
será necessária. O ácido láctico se eleva mais acentuadamente no choque séptico do que em
outros estados de choque, devido à gravidade da hipoxia tissular. A correção fundamental
baseia-se na reversão das alterações hemodinâmicas. Pode-se apressar a sua correção com a
administração de bicarbonato em doses calculadas, utilizando-se a análise dos gases
arteriais. Uma das fórmulas mais utilizadas indica a quantidade de miliequivalentes de
bicarbonato necessária para normalização do pH, multiplicando-se o peso do paciente pelo
excesso de base e por 0,3:
bicarbonato (mEq) = 0,3 ) peso ) BE.
*Modificado de Bruno da Silveira JC, Lopez ML. In: Lopez ML. Tratamento do Estado de
Choque, 1979.
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Administra-se parte da dose calculada (1/3-1/2) nos pacientes que não apresentam melhora
com a reposição de volume e com a boa oxigenação.
A antibioticoterapia correta constitui um dos passos fundamentais no tratamento do choque
séptico, não sendo exagero afirmar que uma falha nesse aspecto levará ao fracasso. A
escolha deve ser baseada na flora prevalente do hospital e em sua suscetibilidade aos
antibacterianos, na localização da infecção e no estado clínico global do paciente. Constitui
grande ajuda a existência de culturas anteriores provenientes de material colhido no foco
suspeito. Os locais que mais comumente propiciam a invasão da corrente sangüínea são os
sistemas geniturinário, gastrointestinal, pulmonar, a pele e o útero. Em 10-20% dos casos,
nenhum foco é determinado. No Quadro 7-8 temos os agentes mais comumente implicados
em diversas infecções.
Após a obtenção das culturas (não se deve esquecer a importância dos anaeróbios, que
requerem técnicas de coleta e isolamento especiais), deve-se iniciar imediatamente o uso de
antibióticos de amplo espectro, preferencialmente bactericidas, e por via parenteral. Um
aminoglicosídeo associado a uma cefalosporina ou a uma penicilina penicilinase-resistente
é suficiente na grande maioria dos casos, e essa associação constitui a escolha inicial nos
casos de foco desconhecido. Caso se suspeite de infecção por Pseudomonas ou em
pacientes leucopênicos, adiciona-se carbenicilina ao esquema terapêutico. Infecções
anaeróbicas, especialmente por Bacteroides fragilis, podem requerer cloranfenicol,
clindamicina ou cefoxitina. Infecções por S. aureus devem ser tratadas por uma penicilina
penicilinase-resistente, uma cefalosporina, vancomicina ou clindamicina. No Quadro 7-9
vemos algumas associações iniciais úteis na prática.
Uma vez observada resposta desfavorável, ou isolado o patógeno, o esquema terapêutico
deve ser reavaliado e modificado, se necessário, empregando-se drogas mais específicas. O
choque séptico pode comportar-se como um quadro complexo do ponto de vista
hemodinâmico, e o suporte deve ser baseado na medição desses parâmetros. Pode ser
necessário o uso de substâncias vasoconstritoras, inotrópicas e vasodilatadoras. As drogas
habitualmente usadas são a dopamina, a dobutamina, o isoproterenol, a noradrenalina e os
agentes vasodilatadores (principalmente o nitroprussiato).
Um bom parâmetro clínico para seu uso parece ser a observação da circulação cutânea e da
diurese. As doses são as mesmas descritas anteriormente neste capítulo. A tensão arterial de
PO2 deve ser mantida acima de 70 mmHg. Se a hipoxemia não for corrigida com o uso de
oxigênio administrado por máscara, será necessário intubar o paciente e estabelecer
ventilação mecânica. Se a SARA ocorrer, esta deverá ser tratada conforme recomendações
específicas (ver Cap. 8, Insuficiência Respiratória Pós-Traumática).
A oligúria e a lesão renal no choque séptico geralmente se devem à hipovolemia e à
hipotensão. Caso a oligúria persista ao ser restaurado o volume sangüíneo eficaz, inicia-se
restrição de líquidos. Pode-se também testar, com furosemida endovenosa, o retorno de
diurese. Elementos sugestivos de insuficiência renal aguda e que devem ser pesquisados
incluem isotenúria, sódio urinário menor do que 60 mEq/l, urina alcalina, elevação de uréia
e creatinina, cilindros tubulares. A hiperpotassemia, freqüente nesses casos, deve ser tratada
prontamente.
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B. Choque Anafilático
1. Introdução. O choque anafilático faz parte de um espectro de reações conhecidas como
anafilaxia sistêmica, determinadas por hipersensibilidade imediata. Estas reações incomuns
ocorrem em indivíduos previamente sensibilizados após reexposição a antígenos ou a
haptenos de baixo peso molecular. Elas são mediadas por anticorpos do tipo IgE e
começam alguns minutos após a exposição. Os antígenos combinam-se com anticorpos IgE
aderidos à superfície dos basófilos e mastócitos, deflagrando a liberação de mediadores
primários (histamina, leucotrienos, fatores quimiotáticos) e secundários (prostaglandinas,
cininas) da anafilaxia. Os efeitos dessas substâncias mediadoras incluem constrição de
músculo liso, aumento da permeabilidade vascular, alteração do tônus vascular (sistêmico e
pulmonar), indução à degranulação de plaquetas, atração de células inflamatórias.
Outras reações, conhecidas como anafilactóides, provavelmente envolvem liberação nãoimunologicamente mediada dessas substâncias, podendo ocorrer em indivíduos nãosensibilizados previamente. Os principais agentes causadores de anafilaxia são:
a. Proteínas: venenos de insetos, himenópteros, pólen, alimentos (ovos, frutos do mar,
nozes, grãos, amendoim, algodão, chocolate), soros heterólogos, hormônios (insulina),
enzimas (tripsina), outras proteínas humanas (p. ex., fluido seminal).
b. Haptenos: antibióticos (penicilinas, cefalosporinas, tetraciclinas, anfotericina B,
nitrofurantoína, aminoglicosídeos), anestésicos locais (lidocaína, procaína), vitaminas
(tiamina, ácido fólico), dextranas. Já os agentes implicados na gênese das reações
anafilactóides são: curare, soluções hipertônicas (manitol), agentes antiinflamatórios nãoesteróides (ácido acetilsalicílico, aminopirina, indometacina) e materiais de contraste
radiopaco.
Apesar de haver poucos dados conclusivos a respeito dos testes cutâneos, parece provável
que os indivíduos atópicos e com este tipo de teste positivo apresentem maior incidência
dessas reações.
2. Manifestações clínicas. As manifestações mais comuns de anafilaxia sistêmica são
cutâneas — eritema, prurido, urticária, angioedema — que podem ou não ser
acompanhadas de repercussões em outros sistemas.
Há dois padrões de insuficiência respiratória. O primeiro ocorre por asfixia devido à
obstrução das vias aéreas superiores por edema (laringe, glote). O segundo decorre de
broncoespasmo intenso e difuso das vias aéreas inferiores.
Talvez a manifestação mais grave seja o choque hipotensivo com ou sem manifestações
pulmonares concomitantes. O mecanismo causal seria a perda súbita de volume circulatório
efetivo, devido a uma vasodilatação generalizada e a um aumento da permeabilidade
capilar com estagnação do sangue.
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Ocasionalmente, ocorrem alterações eletrocardiográficas no choque anafilático que
sugerem alguma ação sobre o miocárdio. As alterações mais freqüentes são distúrbios da
condução, arritmias, padrões de isquemia e necrose. Estes efeitos poderiam ser diretos ou
conseqüentes a uma redução da perfusão coronariana.
Raramente, ocorrem sintomas gastrointestinais (vômitos, náuseas, diarréia), do sistema
nervoso central e distúrbios da coagulação.
3. Diagnóstico diferencial. Geralmente há uma história de exposição imediatamente
precedente a um antígeno. Pode ser necessária a distinção entre reações anafiláticas e
manifestações de asma, síncope vasovagal, intoxicação exógena, angioedema hereditário e
urticária angiopática. Devido à extrema rapidez de instalação do quadro, dificilmente o
laboratório fornece subsídios para o diagnóstico.
4. Tratamento. Nas reações anafiláticas sistêmicas com manifestações gastrointestinais,
respiratórias e cardiovasculares, medidas de suporte são tão essenciais para o sucesso do
tratamento quanto as medidas específicas, e não devem ser negligenciadas. Manter as vias
aéreas permeáveis, suplementar oxigênio, estabelecer um acesso endovenoso para drogas e
líquidos e monitorar o paciente hemodinâmica e eletrocardiograficamente são algumas das
medidas que se fazem necessárias. Lembrar que a administração rápida de soluções
cristalóides é prioritária no tratamento do choque, visando a expandir o volume sangüíneo
eficaz. A adrenalina é a droga de primeira linha no tratamento das reações anafiláticas
sistêmicas. Ela possui potentes efeitos a, b 1 e b 2 adrenérgicos que contrabalançam os
efeitos deletérios dos mediadores da anafilaxia. Os efeitos a aumentam a pressão arterial e
revertem tanto a vasodilatação quanto a hipotensão sistêmicas, e a vasoconstrição periférica
diminui o angioedema e a urticária. As ações b-agonistas facilitam a broncodilatação, têm
efeitos cardíacos inotrópico e cronotrópico positivos e aumentam a produção de AMP
cíclico.
A via de administração e a dose de adrenalina dependem basicamente da gravidade da
reação anafilática inicial. Nas reações localizadas (urticária ou angioedema ao redor do sítio
de inoculação do antígeno), recomenda-se a injeção de adrenalina por via subcutânea, em
dose de 0,3-0,5 mg de uma solução 1:1.000 (0,3-0,5 ml), repetida até de 15/15 ou 20/20
minutos, se necessário. Alguns autores sugerem que uma fração desta dose ou uma dose
adicional de cerca de 0,5 mg de solução 1:1.000 seja injetada na porta de entrada para
retardar a absorção do antígeno. Nas reações de anafilaxia sistêmica, a dose inicial também
vai de 0,3 a 0,5 mg de solução 1:1.000 subcutaneamente, repetida conforme a necessidade.
Para os pacientes inicialmente atendidos já em choque e colapso cardiocirculatório, a
administração de adrenalina endovenosa é recomendada. Esta via não é isenta de riscos, e o
paciente deve ser cuidadosamente monitorado durante o uso. A dose inicial compreende 0,1
mg (0,1 ml de solução 1:1.000) de adrenalina aquosa em 10 ml de soro fisiológico
(resultando em uma diluição final de 1:100.000), infundida durante 10-15 minutos. Uma
vez iniciada essa terapia, segue-se uma infusão contínua nos pacientes que não apresentam
melhora: 1 mg (1 ml) de solução 1:1.000 é adicionado a 250 ml de soro glicosado
isotônico, obtendo-se uma concentração final de 4 mg/ml. O ritmo de administração deve
ser ajustado para 1 mg/min (ou 15 microgotas/min), aumentando-se para 4 mg/min se
nenhum efeito benéfico for observado. As ações farmacológicas da adrenalina podem ser
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usadas para monitorar sua administração e reduzir a possibilidade de efeitos tóxicos. Em
particular, os sítios receptores b respondem a doses menores de adrenalina do que os a. E
mais, durante uma infusão lenta, predomina a saturação dos receptores b, e o contrário
ocorre durante uma infusão rápida. Portanto, uma dose baixa e lenta de adrenalina EV deve
produzir broncodilatação e aumentos moderados da pressão sistólica sem ocasionar efeitos
adversos. A toxicidade da adrenalina decorre diretamente do excesso dos efeitos
farmacológicos. A atividade a-adrenérgica excessiva pode aumentar a pressão sistólica,
bem como a diastólica, e ocasionar uma crise hipertensiva ou uma hemorragia
intracraniana. O excesso de estimulação b pode resultar em aumento do consumo de
oxigênio do miocárdio tanto por taquicardia como por aumento da contratilidade, induzindo
sintomas anginosos e isquemia do miocárdio. Esse efeito também pode ocasionar arritmias,
principalmente extra-sístoles atriais e ventriculares. Clinicamente relacionadas ao uso de
adrenalina EV, já foram observadas arritmias, isquemia miocárdica e até infartos, em raras
ocasiões.
Apesar do papel preponderante da adrenalina no tratamento da anafilaxia sistêmica,
algumas drogas desempenham um papel auxiliar, sujeito a algumas críticas. Os antihistamínicos são empregados para evitar nova ligação de adrenalina aos receptores. Deste
modo, conclui-se que estes não possuem ação sobre o processo já desencadeado. Além do
mais, sabe-se hoje que os mediadores mais potentes são os leucotrienos (antigamente
chamados SRS-A) e que sua ação não é inibida pelos anti-histamínicos. Apesar dessas
limitações, ainda é preconizada a administração de difenidramina, 50 mg IM, logo no início
do tratamento. Já os corticosteróides não possuem a rapidez de ação necessária para
reverter o quadro inicial e agudo. Contudo, casos de anafilaxia prolongada ou hipotensão e
broncoespasmo persistentes poderiam beneficiar-se da administração de succinato de
hidrocortisona (Solu-Cortef®) 100-500 mg EV a cada seis horas ou de doses
correspondentes de dexametasona. A administração de corticóides em altas doses por
tempo curto (p. ex., até 72 horas) não foi conclusivamente relacionada a efeitos adversos
importantes.
C. Choque neurogênico. Nesta forma de choque vasogênico, ocorre um desequilíbrio do
tônus vasomotor, com predomínio de vasodilatação e, conseqüentemente, hipotensão.
As causas mais comuns são as lesões da medula espinhal, as anestesias peridurais ou
raquidianas e as drogas bloqueadoras autônomas. Na fase aguda do traumatismo
raquimedular, a hipotensão geralmente se acompanha de bradicardia. O choque
neurogênico é observado algumas vezes após acidentes, devendo ser diferenciado do
choque hipovolêmico pela bradicardia.
No exame clínico, observa-se uma pressão arterial muito baixa, com taquicardia; caso se
trate de lesão medular, observam-se as extremidades quentes acima do nível da lesão, e as
frias, abaixo. É importante a realização de radiografias da coluna, para se certificar da
ocorrência de fraturas.
A primeira medida a ser tomada é a infusão rápida de soluções cristalóides, para restaurar o
volume sangüíneo eficaz (soro fisiológico ou Ringer lactato). Excepcionalmente,
hipotensão refratária a essa medida constitui indicação para o uso de agonistas a109
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adrenérgicos como o metaraminol, a metoxamina e a fenilefrina. De um modo geral, o
choque neurogênico é facilmente reversível, sendo bastante fugaz.
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Capítulo 08 - Insuficiência Respiratória Pós-Traumática
Marco Tulio Baccarini Pires
I. Introdução.
O paciente politraumatizado pode, por diversos motivos, desenvolver um quadro de
insuficiência respiratória. A contusão pulmonar direta, as atelectasias, a aspiração de
sangue e de conteúdo gástrico, a embolia pulmonar, o pneumotórax e o hemotórax são
fatores causais bem conhecidos, que acometem o politraumatizado. A síndrome de angústia
respiratória do adulto (SARA), por outro lado, é uma entidade isolada, diferente das
anteriores, que já vinha sendo observada desde 1880 por Laennec, mas que somente em
1967 foi descrita, por Ashbaug e cols. Durante a Guerra do Vietnã, esta síndrome pôde ser
adequadamente estudada, e sabe-se hoje que ela ocorre em cerca de 16% dos pacientes
portadores de traumatismos graves (politraumatizados, pacientes com lesões por arma de
fogo ou branca).
A SARA pode ser definida como a insuficiência respiratória conseqüente à alteração da
permeabilidade da membrana capilar pulmonar, que aumenta, resultando no acúmulo de
edema intersticial. No quadro, observam-se hipoxemia arterial aguda, presença de shunt
intrapulmonar aumentado, diminuição da complacência pulmonar, presença de infiltrados
nos raios X de tórax e pressão em cunha pulmonar normal. Sua mortalidade é alta, variando
de 10 a 90%, dependendo da idade do paciente e do grau de insuficiência de múltiplos
órgãos. Nos Estados Unidos, a SARA apresenta uma incidência anual de 150.000 casos.
As principais causas de SARA são as seguintes: abuso de drogas, carcinomatose, circulação
extracorpórea, doença vascular periférica, eclâmpsia, edema pulmonar das grandes
altitudes, embolia arterial, embolia gordurosa, embolia por líquido amniótico, embolia por
agregados plaquetários, feto morto, fraturas, grandes cirurgias, hipotermia, infarto
intestinal, infusão hídrica em excesso, internação prolongada, lesão pulmonar isquêmica,
malária, microatelectasia, pneumonias, queimaduras, reação transfusional, ruptura de
aneurisma, septicemia por Clostridium, septicemia por bacilos gram-negativos, toxicidade
por oxigênio, transfusões sangüíneas múltiplas, transplantes de órgãos, traumatismos
cranianos e traumatismos pulmonares diretos.
De acordo com Morel e cols., a falência respiratória pode ser classificada em quatro
gradações, descritas no Quadro 8-1.
A ocorrência de barotrauma depende da gravidade da SARA, da duração da ventilação
artificial, do nível de pressão expiratória final positiva (PEEP) e da pressão de pico na via
aérea (PAP — Peak Airway Pressure).
II. Quadro Clínico.
As manifestações clínicas mais comuns da insuficiência respiratória são a taquipnéia e a
hipoxemia. Estas manifestações, entretanto, podem variar desde uma pequena insuficiência
respiratória até um quadro letal de falha pulmonar. A gravidade de cada caso depende,
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inclusive, da grande variedade de circunstâncias que podem causar a síndrome. São mais
freqüentes os casos mais brandos de SARA.
Apenas para fins descritivos, podemos dividir o quadro clínico dos pacientes em quatro
estágios:
A. Lesão, ressuscitação e alcalose seguem-se imediatamente à lesão inicial e são
caracterizadas por hiperventilação espontânea, com hipocarbia, complacência pulmonar
diminuída, alcalose mista e raios X de tórax normais.
B. Caracteriza-se pelo paciente que alcançou a estabilidade circulatória ao término da
primeira fase e pelo início da dificuldade respiratória. Este estágio dura de várias horas a
dias. Persistem a hiperventilação, a hipocarbia progressiva, o aumento do débito cardíaco, a
diminuição progressiva da complacência pulmonar, a queda da PO2 e o aumento dos shunts
pulmonares.
C. Caracteriza-se por uma insuficiência respiratória franca e progressiva.
D. É um estágio terminal, com hipoxemia final e assistolia.
A hipoxemia na SARA responde pouco às elevações da concentração de O2 inspirado, o
que indica alteração no balanço ventilação-perfusão e presença de shunts. A diminuição da
complacência pulmonar leva à necessidade de aumento progressivo na pressão ventilatória,
para que seja alcançado um volume tidal adequado.
Os critérios diagnósticos na SARA são vistos no Quadro 8-2.
A sepse está presente em cerca de 50% dos pacientes com SARA. Nos pacientes
traumatizados, a sepse surge após as primeiras 48 horas.
No diagnóstico diferencial, o edema pulmonar cardiogênico é o quadro mais comumente
confundido com a SARA, devendo ser afastado. Esta diferenciação pode ser mais difícil
quando a SARA é vista juntamente com sobrecarga hídrica ou com a insuficiência cardíaca
congestiva. Em situações normais, não se observa, na SARA, o aumento da pressão da
artéria pulmonar, o que a diferencia de um edema pulmonar cardiogênico.
III. Alterações Patológicas.
As alterações patológicas pulmonares são semelhantes em todos os casos de SARA,
independentemente de sua etiologia. Nos estágios iniciais, os pulmões podem estar normais
ou mostrar hemorragias petequiais e edema. Com a progressão do quadro, os pulmões se
tornam congestos e hemorrágicos. Podem surgir exsudatos fibrinosos na superfície pleural.
Um quadro de broncopneumonia sobrejacente pode surgir. Microscopicamente, há
congestão na microcirculação, com agregados de neutrófilos, fibrina e plaquetas (após 4-6
horas). Nas próximas 12-48 horas surgem a hemorragia e o edema intersticial. Neste
momento, à ausculta, os pulmões estão costumeiramente limpos. A pressão da artéria
pulmonar e a PVC também estão normais. A radiografia de tórax também pode ser normal.
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Ao final desta fase, entretanto, as radiografias do tórax já mostram um padrão reticular
difuso e simétrico. Quanto maior a gravidade do quadro de SARA, mais precoces serão as
alterações radiológicas (Pranchas 8-1 e 8-2).
Após 48-72 horas, têm-se o aumento do edema intersticial, microatelectasias, hipertrofia
das células alveolares e, finalmente, hemorragia e edema intra-alveolares. Na radiografia,
esta fase mostra consolidação radiográfica em todo o campo pulmonar.
Depois de 48-72 horas, podem eventualmente surgir membranas hialinas, e estas podem
tornar-se as lesões predominantes, diminuindo a hemorragia e a congestão. Aos raios X,
observa-se uma densa consolidação dos segmentos e dos lobos pulmonares. Nos casos mais
graves, apesar da administração de oxigênio a 100% e PEEP (Positive End Expiratory
Pressure) elevada, a PO2 cai a níveis críticos, com o surgimento de hipotensão e arritmias,
e o paciente morre.
Uma semana após o início do quadro, nos pacientes que continuam vivos, porém nos quais
o quadro da SARA permanece, uma broncopneumonia geralmente surge como
superposição. Se a infecção não ocorre, a proliferação de fibroblastos, a deposição de
colágeno e a formação de pneumatoceles podem ocorrer, a médio prazo. A própria
utilização de oxigenoterapia a 100%, sob altas pressões, favorece o surgimento de
barotrauma, levando, inclusive, a algumas situações que exijam tratamento cirúrgico, como
a drenagem torácica, caso ocorra pneumotórax.
IV. Tratamento.
O tratamento, com base no que se conhece da fisiopatologia e das alterações da SARA,
deve ser dirigido para: manter a circulação sangüínea e a pressão arterial adequadas;
manipular o fluxo sangüíneo pulmonar, aumentar a perfusão dos locais pulmonares bemventilados e diminuir a perfusão nos locais malventilados; reverter diretamente a lesão
capilar por correção da membrana; reduzir indiretamente o edema intersticial; melhorar a
ventilação de alvéolos parcialmente colapsados e prevenir o colapso de outros, e realizar a
remoção extracorpórea de dióxido de carbono, através de implantação de bypass
venovenoso (método pouco empregado).
Na prática, o tratamento da SARA é muito controvertido, em relação a como atingir os
objetivos expostos, e, levando-se em consideração que são inúmeras as possíveis causas da
síndrome, o tratamento deve englobar, sempre que possível, a causa-base. Deve-se enfatizar
que, apesar da melhoria das técnicas de terapia intensiva disponíveis, a mortalidade global
da SARA não se alterou nos últimos 20 anos, permanecendo muito alta. É, pois, sempre
preferível evitar a SARA, identificando-se os pacientes mais propensos a apresentá-la e
iniciando-se o tratamento de prevenção (Quadro 8-3).
A monitoração da função pulmonar é de extrema importância para a identificação precoce
do paciente que esteja evoluindo para a SARA. A terapia para a SARA deverá ter início se
a tensão de O2 (PO2) arterial cair abaixo de 90 mmHg com uma concentração de oxigênio
(FIO2) de 40%, estando o paciente em respirador; se a freqüência respiratória passar de 25
ir/min; se a saturação da hemoglobina cair abaixo de 90% no oxímetro de pulso (no
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respirador, com O2 a 40%); e se a relação PO2/FIO2 cair abaixo de 300. Evidentemente,
outras causas de problemas respiratórios devem ser afastadas antes, tais como problemas
com o tubo endotraqueal, atelectasias, embolia pulmonar, problemas com o respirador
artificial, pneumotórax e hemotórax, edema pulmonar agudo, ou quaisquer outros de
natureza semelhante.
As seguintes medidas podem ser tomadas em um paciente que apresente a síndrome:
A. Suporte ventilatório. Está indicado principalmente de acordo com os níveis de saturação
de O2 arterial. O nível crítico para a intubação endotraqueal em pacientes com maior
possibilidade de SARA é de uma PO2 inferior a 60 mmHg, em um paciente que esteja
recebendo O2 por máscara ou cateter nasal a 100%; em determinadas situações, o paciente
deverá ser intubado com níveis de PO2 até mesmo um pouco maiores (casos nos quais a
possibilidade de SARA seja muito aumentada). A acidose respiratória com uma PO2 maior
do que 60 mmHg, em um paciente com taquipnéia (acima de 35 ir/min), e com uma
capacidade vital menor do que 10-12 ml/kg de peso, também indica a intubação.
Para a obtenção de uma ventilação adequada, usa-se respirador de volume, com fluxo
relativamente alto: de 10-12 ml/kg de peso. A fim de aumentar a capacidade residual
funcional, usa-se, ainda no respirador, a PEEP, que possibilita maior expansão alveolar e
usa também um maior número de alvéolos, diminuindo, deste modo, o grau de shunt
existente, melhorando tanto a PO2 como a complacência pulmonar. A indicação de PEEP
na SARA é a de um paciente ventilado com FIO2 de 60% em que a PO2 arterial não
alcance 60 mmHg. Habitualmente, iniciamos com uma PEEP de 5-8 cmH2O, chegando a
até 10-14 cmH2O, com respirador programado com volume tidal normal e freqüência
respiratória normal. Níveis máximos de PEEP podem chegar a 25-35 cmH2O, caso se
utilizem mecanismos extracorpóreos para remoção do CO2 (ver adiante). Quanto maior a
PEEP, maior a queda no débito cardíaco, ocasionada pela diminuição do retorno venoso
para o ventrículo direito (como cuidado, nesses pacientes, é aconselhável a passagem de
cateter de Swan-Ganz para a medida das pressões pulmonares e adequação do débito
cardíaco). Deve ser lembrado que a PEEP não atua diretamente no edema intersticial já
formado — ela apenas melhora a oxigenação do sangue. As complicações da terapêutica
com ventilação prolongada, já citadas, incluem barotrauma, pneumatoceles, pneumotórax,
pneumomediastino, queda no débito cardíaco e infecção tardia.
Os pacientes deverão ser traqueostomizados precocemente (tão mais precocemente quanto
maior for a gravidade do caso), para diminuição do espaço morto e para facilitar a aspiração
de secreções (que normalmente não são muito aumentadas, mas que, mesmo em
quantidades menores, poderão influir no quadro respiratório, devido à instabilidade do
paciente).
B. Capacidade de carreamento de O2 pelo sangue. A fim de ser alcançado um completo
aproveitamento do oxigênio pelos tecidos, é necessário que os níveis de hemoglobina sejam
mantidos entre 12 e 14%. Deve-se evitar tanto a acidose quanto a alcalose, pois ambas
alteram a curva de dissociação Hb-O2 — o estado ideal, portanto, é o do equilíbrio
metabólico.
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C. Diuréticos. O uso de diuréticos foi proposto anteriormente como forma de reduzir o
edema intersticial. Entretanto, não existe qualquer comprovação da ocorrência deste tipo de
efeito. Assim, é possível a administração de furosemida, de acordo com as necessidades,
naqueles pacientes nos quais se nota sobrecarga hídrica. Não se trata de “secar” o paciente,
o que não teria utilidade. Vasopressores, plasma e papas de hemácias são administrados
quando o emprego de diuréticos produz hipotensão.
D. Aporte hídrico. Usam-se esquemas de infusão hídrica normais. Um aporte aumentado
causaria problemas de congestão, com PVC e pressão arterial pulmonar altas. Por outro
lado, um menor aporte hídrico levaria à hipovolemia e à queda no débito cardíaco, o que
seria muito prejudicial em um paciente com insuficiência respiratória grave. O ideal é que a
administração de volume seja feita com base na pressão em cunha da artéria pulmonar,
devendo esta ser mantida entre os níveis mínimos de 5-8 mmHg e máximos de 12-15
mmHg. O uso de colóides é discutível. Antigamente, presumia-se que, com o uso de
colóides em maior quantidade, poder-se-ia diminuir o edema intersticial, o que, na
realidade, não ocorria. Além do mais, na presença de infecção secundária em pacientes com
SARA, o uso de albumina pode até mesmo aumentar o edema. A administração de plasma
é adequada apenas nos casos em que a pressão venosa central e a pressão arterial pulmonar
estejam baixas, podendo ser associada à infusão de concentrado de hemácias, para que se
mantenham níveis hematínicos mais elevados, favorecendo o aporte mais adequado de O2
aos tecidos.
E. Corticosteróides. Foram muito utilizados no passado, no tratamento da SARA. Não há
qualquer prova conclusiva de que tenham valor benéfico no tratamento da síndrome e, na
realidade, podem determinar um aumento na mortalidade, por propiciarem a maior
ocorrência de infecção.
F. Heparina. É uma droga que apresenta efeitos colaterais de sangramento, principalmente
se administrada em paciente politraumatizado ou recém-operado. Só deverá ser
administrada caso o paciente seja portador de coagulação intravascular disseminada.
G. Antibióticos. São freqüentes os casos de SARA com infecção. Entretanto, o uso
indiscriminado de antibióticos pode levar ao surgimento de cepas resistentes, de alta
virulência. Deste modo, deve-se evitar a administração de drogas profilaticamente,
prescrevendo-se sua utilização específica para cada tipo de infecção, caso esta surja.
H. Antiinflamatórios não-esteróides. Estão sendo investigados atualmente; não existem
registros que demonstrem, até o momento, sua eficácia em seres humanos.
I. Vasodilatadores. Podem ser úteis simplesmente por provocarem diminuição na pressão
microvascular pulmonar em nível capilar, com redução do edema. O emprego da
prostaglandina E1 (PGE1) em doses progressivas de 1-30 mg/min reduz de modo
acentuado as pressões pulmonares (arterial e venosa), aumentando o débito cardíaco e o
transporte de O2. Esta ainda não é uma terapêutica padronizada, porém poderá vir a ser de
utilidade no futuro.
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J. Óxido nitroso. O óxido nitroso, administrado por via inalatória, tem demonstrado um
aumento na sobrevida dos pacientes portadores de SARA. É uma técnica segura, efetiva e
de fácil utilização. Associada à instituição de posição prona, tem sido ainda mais eficaz.
H. Posição prona. Mudanças freqüentes de posição podem levar à melhora significativa da
oxigenação do paciente. O posicionamento de pacientes, sedados e em ventilação mecânica,
na posição prona, é capaz de melhorar sensivelmente a oxigenação em pacientes portadores
de SARA. Os estudos, iniciados em modelo animal, mostraram-se bastante semelhantes em
seres humanos.
A associação da posição prona ao óxido nitroso demonstrou ser ainda mais benéfica, com
melhora adicional da oxigenação.
I. Cuidados respiratórios auxiliares. Outros cuidados respiratórios envolvem a aspiração de
secreções, a tapotagem, as vibrações torácicas e os cuidados de assepsia ao se manusear o
tubo traqueal ou a cânula de traqueostomia.
Deve-se fazer o possível para evitar uma infecção pulmonar, que pode piorar ainda mais o
quadro respiratório.
J. Traqueostomia. Quase sempre obrigatória, deve ser realizada tanto mais precocemente
quanto maior for a gravidade do quadro. Eletivamente, deveria estar indicada em torno do
14º dia de intubação orotraqueal.
L. Sedação. Muitos pacientes poderão apresentar-se agitados com o quadro de hipoxemia.
A sedação tem as vantagens de diminuir o consumo de O2 por um paciente muito agitado e
permitir uma ciclagem mais adequada do respirador, sem competição. Ainda possibilita
posicionar o paciente no leito, a fim de se tentar uma melhor oxigenação (posição prona).
M. Remoção extracorpórea de CO2. Baseia-se na remoção do CO2 através de membrana
pulmonar artificial, possibilitando que o espaço alveolar pulmonar seja aproveitado
somente para oxigenação. Realiza-se bypass venovenoso entre a veia femoral e a veia cava
inferior, para inserção do dispositivo de membrana artificial. Ao mesmo tempo, procura-se
manter a pressão inspiratória de pico entre 35 e 40 cmH2O, e a PEEP máxima entre 25 e 35
mmH2O, no ventilador. O uso desta técnica é extremamente oneroso, havendo ainda
possibilidade de complicações (hepáticas, renais, trombóticas, sépticas); assim, a sua
utilização ainda é restrita, apesar de alguns resultados iniciais promissores.
N. Ventilação líquida parcial. Inicialmente, o uso do Perflubron, estabelecendo-se
ventilação líquida parcial, foi feito simultaneamente com circulação extracorpórea
prolongada de suporte; no momento, alguns estudos, aprovados pelo FDA, estão sendo
realizados nos Estados Unidos. Esta técnica parece ser promissora, mas o seu uso se
encontra restrito, no momento, ao campo experimental.
O. Prevenção de complicações. Devem ser tomados todos os cuidados possíveis no sentido
de que sejam evitadas as infecções, além de se procurar estabelecer um aporte nutricional
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adequado (sonda nasoentérica ou nutrição parenteral), pois o paciente permanecerá por
muito tempo na UTI.
V. Prognóstico.
Existem poucos dados disponíveis a respeito da evolução tardia dos pacientes que
sobrevivem à SARA. Provas de função pulmonar verificaram, em alguns grupos de
pacientes que haviam sofrido SARA e permanecido ventilados artificialmente, que apenas o
fluxo expiratório forçado havia sido reduzido a níveis abaixo de 80%, sendo esta
diminuição reversível em função do tempo.
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Copyright © 2000 eHealth Latin America
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Capítulo 09 - Traumatismos Torácicos
Evilázio Teubner Ferreira
Sizenando Vieira Starling
Carlos Faria Santos Amaral
A cavidade torácica contém órgãos vitais dos sistemas respiratório e circulatório,
desempenhando papel importante na fisiologia desses sistemas. Daí a importância e a
gravidade dos traumatismos torácicos, comprovadas pela análise das estatísticas referentes
ao trauma: cerca de 25% dos casos de morte de pacientes politraumatizados são causados
diretamente pelos traumatismos torácicos, enquanto estes estão presentes como fator
agravante em 25-50% das mortes devidas a traumatismos de outros sistemas. Um número
significativo de vítimas de traumatismo torácico morre antes de conseguir assistência
médica adequada. Entretanto, os grandes progressos conseguidos no transporte rápido do
paciente traumatizado, na utilização de pessoal paramédico com treinamento adequado
(RESGATE) e uma padronização no atendimento médico inicial do politraumatizado
(ATLS — Advanced Trauma Life Support) resultaram numa sobrevida maior dos pacientes
com traumas mais graves.
O diagnóstico e o tratamento dos traumatismos torácicos envolvem procedimentos
relativamente simples, na maioria dos casos. Assim, o exame clínico e uma radiografia
simples do tórax são, geralmente, os métodos empregados para diagnosticar estes
traumatismos. Em raros casos, é necessário recorrer-se a exames de imagem ou à
endoscopia. Com relação ao tratamento, a maioria dos casos pode ser resolvida com
procedimentos cirúrgicos menores, sendo o índice de toracotomia de urgência inferior a
10%. Esta é restrita aos grandes hemotórax, às lesões cardíacas e dos vasos da base, às
rupturas diafragmáticas, às lesões esofágicas, da traquéia e dos grandes brônquios e às
grandes lacerações pulmonares.
Estes fatos devem ser conhecidos pelos médicos que atuam fora dos grandes centros
urbanos, porque muitos traumatismos torácicos ocorrem em lugares distantes desses
centros, e serão eles os primeiros a atender esses pacientes.
Vários aspectos relacionados ao atendimento médico inicial ao paciente com traumatismo
torácico já foram discutidos em outros capítulos. Neste, abordaremos as diversas lesões
ocasionadas especificamente pelo traumatismo torácico.
É importante lembrar que todo traumatismo torácico está acompanhado por um grau
variado de dor. Essa dor, dependendo de sua intensidade, produz respiração superficial,
taquipnéia e hipoventilação; isto leva a um aumento do espaço morto, a uma menor eficácia
da tosse e provoca retenção de secreções. Portanto, um controle eficaz da dor de todo
paciente com trauma torácico é muito importante; caso contrário, poderão ocorrer
hipercapnia, hipoxia, infecção pulmonar e até mesmo SARA.
I. Lesões Que Exigem Tratamento Imediato.
Manifestam-se através de insuficiências respiratória e/ou circulatória agudas que, se não
tratadas rápida e adequadamente, levam à morte em um curto período de tempo.
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As principais condições são representadas por tórax instável, pneumotórax aberto,
pneumotórax hipertensivo, hemotórax volumoso e tamponamento cardíaco. Estas últimas
condições serão abordadas com maiores detalhes em outros capítulos. Neste, abordaremos
apenas o tórax instável.
A. Tórax instável. É uma condição decorrente da fratura de vários arcos costais
consecutivos, em mais de um local, ocasionando descontinuidade da área acometida com o
restante da parede torácica, de modo que ela passa a se movimentar paradoxalmente
durante a respiração. Os segmentos instáveis localizam-se principalmente nas porções
anteriores e laterais do tórax, a parede posterior sendo poupada por ser mais protegida e
estabilizada pela musculatura paravertebral e pela escápula. Quando a área envolvida é
extensa, a insuficiência respiratória geralmente está presente.
1. Fisiopatologia. As alterações respiratórias decorrentes de tórax instável foram
inicialmente explicadas pela teoria do movimento “em pêndulo” do ar nos pulmões. De
acordo com esta teoria, durante a inspiração, em decorrência da retração do segmento
instável, há passagem de ar do pulmão contido no hemitórax lesado para o pulmão do
hemitórax íntegro. Na expiração, em vez de ser exalado, o ar retorna ao pulmão no
hemitórax instável, devido ao abaulamento expiratório. Deste modo, o volume do ar
permutado entre os dois pulmões, em decorrência da respiração paradoxal, não contribui
para a ventilação, aumentando o espaço morto. Entretanto, existem controvérsias clínicas e
experimentais em relação a esta teoria.
Outros mecanismos são propostos para explicar os distúrbios ventilatórios no tórax
instável. O movimento paradoxal do segmento instável ocasiona redução do gradiente
pressórico gerado pelo fole torácico, diminuindo a mobilização do ar pelos pulmões,
podendo produzir hipoventilação alveolar. A dor reduz a eficiência dos movimentos
respiratórios e a eficiência da tosse, ocasionando retenção de secreções e atelectasias. A
presença de outros fatores restritivos, como o hemotórax e o pneumotórax, pode produzir
hipoventilação e também contribuir para a instalação da insuficiência respiratória aguda. A
contusão pulmonar geralmente está associada ao tórax instável, sendo importante fator
contribuinte na patogênese da insuficiência respiratória, por meio das alterações na relação
ventilação-perfusão que ocasiona no pulmão.
Desse modo, a insuficiência respiratória aguda no tórax instável tem origem multifatorial,
com componentes ventilatórios (movimento paradoxal, dor e outros fatores restritivos) e
alveolares (contusão pulmonar) (Figs. 9-1 e 9-2).
2. Diagnóstico. É essencialmente clínico, sendo confirmado pela observação de
movimentos paradoxais durante a respiração, isto é, durante a inspiração o segmento
acometido move-se para dentro e, na expiração, para fora. Entretanto, logo após o
traumatismo, devido ao espasmo muscular, o movimento paradoxal pode passar
despercebido à inspeção. Nesta eventualidade, bem como nos pacientes obesos e nas
mulheres com mamas volumosas, ele pode ser detectado por meio de palpação.
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A visualização de fraturas múltiplas de costelas na radiografia do tórax sugere, mas não
confirma, o diagnóstico de tórax instável. Entretanto, o estudo radiológico do tórax deve ser
realizado com vistas à detecção de lesões associadas.
3. Tratamento. O tratamento é dirigido para manutenção de uma boa ventilação, para
redução do dano pulmonar subjacente e para prevenção de complicações. É primordial a
realização de gasometria na admissão desses pacientes, devendo ser repetida sempre que
necessário. A terapia é dividida em três níveis: (1) imobilização esquelética; (2) controle da
dor e infecção e (3) imobilização interna com ventilação com pressão positiva através de
tubo endotraqueal.
A estabilização do segmento instável, de imediato, pode ser alcançada pela compressão do
segmento torácico comprometido até que o paciente seja transportado para um hospital.
Usamos para isto um apoio externo, como uma pressão manual firme ou a colocação de
objetos pesados (sacos de areia) na área acometida. Uma abordagem útil, no local do
acidente, é posicionar o paciente com o lado lesado para baixo. Lesões associadas, como
pneumotórax, hemotórax e contusão pulmonar, devem ser sempre pesquisadas e
adequadamente tratadas.
Pacientes sem evidência clínica e laboratorial de insuficiência respiratória com graus
menores de instabilidade torácica e contusão pulmonar são tratados com o controle da dor
por meio de analgésicos (bloqueios intercostais e analgesia peridural) e a remoção de
secreções, empregando-se fisioterapia respiratória e broncoaspiração com broncoscópio
flexível. Esse pacientes devem ser mantidos em observação rigorosa pela possibilidade de
evoluírem para insuficiência respiratória aguda em decorrência da exaustão muscular ou da
instalação de edema pulmonar secundário à contusão pulmonar, o que pode surgir até 72
horas após o trauma.
A estabilização do tórax foi inicialmente realizada por meio da fixação dos fragmentos
costais e do esterno com fios de aço, seguida de tração. As desvantagens desse método são
a persistência da dor secundária à tração e a possibilidade de infecção nos locais de fixação.
A ventilação artificial mecânica, empregando ventiladores ciclados por volume, constitui o
método mais adequado de tratamento do tórax instável. A indicação desse método depende
da análise de vários fatores, como o grau de instabilidade da parede torácica e a presença de
contusão pulmonar grave e de lesões neurológicas associadas, ocasionando depressão
respiratória. Em geral, a ventilação mecânica está indicada, de imediato, nos pacientes mais
graves, com evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência respiratória aguda. Para ser
eficaz, o paciente deve receber ventilação controlada, o que muitas vezes exige a
administração de depressores de respiração ou, até mesmo, a curarização.
A ventilação artificial oferece controle adequado do volume corrente, diminui a dor e
permite uma consolidação anatômica mais fisiológica, devendo ser mantida por um período
de 7 a 14 dias. A traqueostomia é geralmente realizada devido ao período prolongado de
respiração artificial. Ela deve ser sempre um procedimento eletivo, precedido por intubação
endotraqueal, a não ser que o paciente apresente lesões associadas que contra-indiquem a
intubação, como traumatismo bucomaxilofacial extenso e possibilidade de trauma
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raquimedular cervical. A traqueostomia é mais bem-tolerada nos pacientes conscientes do
que a intubação e facilita a remoção de secreções. Entretanto, não é isenta de complicações,
destacando-se entre elas as infecções pulmonares.
A presença de pneumotórax, mesmo laminar, justifica a drenagem torácica se o paciente
passa a ser ventilado artificialmente pelo risco de evolução para pneumotórax hipertensivo.
Esta é uma complicação potencial da ventilação artificial nos pacientes com tórax instável,
pela possibilidade de haver laceração pleural por um fragmento costal.
A ventilação artificial não é um método isento de riscos, e os pacientes que dela necessitam
devem ser mantidos em observação contínua de enfermagem e ser examinados
freqüentemente pelo médico, mesmo quando o ventilador é dotado de alarmes sonoros que
indiquem anormalidades em seu funcionamento.
O balanço hídrico deve ser rigoroso, e a reposição de líquidos, realizada com cautela,
objetivando prevenir o agravamento do edema pulmonar, decorrente da contusão.
Apesar dos progressos verificados no tratamento do tórax instável, a mortalidade associada
a esta condição permanece elevada, oscilando entre 30 e 50%. Entretanto, a morte em
muitos pacientes pode não ocorrer diretamente por causa da lesão torácica, mas por lesões
associadas graves com menor possibilidade de êxito no tratamento.
II. Outras Lesões Causadas por Traumatismos Torácicos.
Os traumatismos torácicos podem produzir outros tipos de lesões que repercutem com
menos intensidade sobre a fisiologia cardiorrespiratória. O pneumotórax, o hemotórax e as
lesões cardíacas e dos vasos da base, devido às suas particularidades, são abordados com
maiores detalhes em seus capítulos específicos.
A. Fraturas. Resultam de traumatismos nos quais forças de grande intensidade atuam
diretamente sobre a caixa torácica.
As fraturas de clavícula são relativamente comuns e usualmente de fácil tratamento. O
médico deve estar alerta à possibilidade de lesão dos vasos subclávios ocasionada por
fragmentos ósseos. As luxações envolvendo a clavícula ocorrem, na maioria das vezes, em
sua junção com o acrômio. Entretanto, quando a luxação envolve a junção esternoclavicular
com desvio posterior da cabeça da clavícula, esta pode comprimir a traquéia a ponto de
causar insuficiência respiratória aguda. A redução imediata da luxação pode ser conseguida
tracionando-se ambos os ombros do paciente para trás, uma manobra capaz de lhe salvar a
vida.
As fraturas costais costumam ocorrer na vida adulta, durante a terceira e a quarta décadas
de vida. Os primeiros arcos costais estão protegidos anteriormente pelas clavículas,
posteriormente pelas escápulas e lateralmente pelos braços. Por isso, quando fraturados,
indicam traumatismos de grande intensidade. A fratura do primeiro arco costal é encontrada
geralmente em associação a lesões graves intratorácicas, abdominais e cranianas, podendo
ocasionar lesão da artéria subclávia e do plexo braquial e complicações tardias, como
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síndrome de compressão do desfiladeiro torácico. Como as fraturas de primeira costela, as
fraturas de escápula denotam traumatismos graves.
As costelas inferiores, pela sua mobilidade, raramente são fraturadas por forças que atuam
indiretamente. Quando o impacto é direto e dirigido posteriormente, pode fraturar essas
costelas e ocasionar laceração renal, esplênica ou hepática. Portanto, principalmente em
crianças e jovens com fraturas da 10ª, 11ª ou 12ª costela, devemos pesquisar lesões dessas
vísceras; atualmente, o ultra-som abdominal, realizado com critério e por profissional
experiente, constitui o método de escolha.
As fraturas costais ocorrem, assim, com maior freqüência, da quinta à nona costelas.
Quando isoladas, elas raramente constituem problema grave. Entretanto, por provocarem
dor intensa, são capazes de limitar os movimentos respiratórios e diminuir a eficácia da
tosse, ocasionando retenção de secreções, atelectasia e infecção respiratória. Podem,
também, lesar o parênquima pulmonar subjacente.
As fraturas do esterno são raras e resultam de traumatismos de grande intensidade,
envolvendo forças dirigidas para a porção anterior do tórax. Geralmente estão associadas às
fraturas costais ou à disjunção costocondral, bem como a contusões cardíacas.
1. Diagnóstico. A presença de fraturas costais deve ser suspeitada nos pacientes que
apresentam dor torácica localizada, agravada por tosse, inspiração profunda ou mudança de
posição. A mobilidade da área onde se localiza a fratura pode estar diminuída. A
compressão do tórax, no sentido tanto ântero-posterior quanto látero-lateral, em um local
afastado da fratura, produz dor e, com freqüência, crepitação da área fraturada. As fraturas
de cartilagens costais ou as luxações costocondrais não são visualizadas à radiografia. Nas
fraturas esternais, geralmente se observa anormalidade da movimentação do esterno ou se
constatam crepitações sobre o mesmo. A radiografia de tórax deve ser feita em todo
paciente com suspeita de fraturas costais, não só para confirmá-las, como também para
avaliar a presença de outras lesões intratorácicas. Entretanto, muitas vezes ela falha em
demonstrar a fratura, mesmo quando se utilizam várias incidências. As radiografias em
incidências oblíquas são geralmente necessárias para evidenciar as fraturas esternais.
2. Tratamento. Aconselha-se internar o paciente nas primeiras 24-48 horas, para observação
cirúrgica e radiológica. É iniciado o tratamento com analgésicos do tipo aspirina,
propoxifeno ou mesmo meperidina, diluída e administrada por via endovenosa. Nas fraturas
costais, a imobilização da parede torácica pode ser realizada com esparadrapo, colocado
após limpeza da pele com éter e benjoim, estando o paciente em expiração. Ela deve
abranger um arco costal acima e abaixo das costelas fraturadas e ultrapassar o esterno,
anteriormente, e a coluna, posteriormente. Existem controvérsias em relação a este método,
isto porque ele é capaz de limitar a expansão do tórax e predispor ao aparecimento de
atelectasias e infecção pulmonar secundárias, ocasionar lesões dermatológicas e dificultar o
exame do tórax. Não usamos de rotina este método. Em nenhuma hipótese se deve fazer o
enfaixamento circunferencial do tórax.
Quando a dor é intensa a ponto de exigir doses excessivas de analgésicos capazes de
deprimir a respiração, seu controle pode ser obtido pelo bloqueio intercostal com
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anestésicos locais de ação prolongada. O bloqueio intercostal em vários arcos costais pode,
por somação, atuar como uma paralisia intercostal capaz de interferir de maneira
importante na respiração. A maior parte das fraturas costais se consolida bem após três a
seis semanas.
O tratamento das fraturas esternais é sintomático, consistindo na supressão da dor com
administração de analgésicos. A fixação cirúrgica está indicada quando existe superposição
dos fragmentos fraturados e não se obtém um alinhamento satisfatório com a hiperextensão
do tórax.
B. Lesões traqueobrônquicas. Inicialmente tidas como raras, elas têm sido relatadas com
freqüência cada vez maior na literatura. Podem resultar de traumatismos abertos ou
fechados do tórax. Nestes últimos, vários mecanismos têm sido propostos para explicar a
gênese das lesões. Quando o traumatismo é intenso, a traquéia e os grandes brônquios
podem ser comprimidos entre o esterno e a coluna vertebral. Se a glote estiver fechada no
momento do acidente, as rupturas na árvore traqueobrônquica poderão ser conseqüentes à
elevação brusca da pressão em seu interior. Por outro lado, supõe-se que a maioria das
lesões seja indireta, produzida por aceleração e/ou desaceleração dos pulmões, que são
órgãos elásticos e com boa mobilidade, não sendo acompanhados nestes movimentos pela
traquéia e pelos grandes brônquios, que são estruturas relativamente rígidas e bem-fixadas.
Talvez este mecanismo explique por que as rupturas, totais ou parciais, ocorrem com maior
freqüência nas proximidades da carina.
1. Diagnóstico. As rupturas da árvore traqueobrônquica devem ser suspeitadas nos
pacientes que, após trauma, apresentam grande enfisema mediastinal, de pescoço ou de
parede anterior do tórax, com pneumotórax hipertensivo ou não, nos quais o pulmão não se
expande com drenagem adequada, persistindo grande borbulhamento de ar no frasco de
drenagem, e naqueles pacientes com atelectasia total do pulmão ou de um lobo pulmonar
que não responde ao tratamento. Nesta última situação há grande possibilidade de lesão
brônquica tamponada. Esta pode cicatrizar-se com estenose parcial ou total do brônquio. A
infecção do pulmão atelectasiado pode ocorrer, e é mais freqüente quando a obstrução
brônquica não é total. Geralmente estão presentes dispnéia, tosse, hemoptise e cianose, e
pode haver piora progressiva do quadro clínico do paciente, desproporcional à intensidade
das lesões previamente constatadas.
A radiologia pode fornecer subsídios para o diagnóstico. Sinais particularmente sugestivos
são o enfisema mediastinal e, quando há ruptura completa do brônquio, pneumotórax, onde
o pulmão colapsado, por perder o brônquio de suporte, está posicionado no fundo da
cavidade pleural, em vez de situar-se no mediastino.
O meio mais fidedigno para estabelecer o local, a natureza e a extensão da lesão é a
broncoscopia. Ela pode ser dispensada naqueles casos em que o diagnóstico de lesão
brônquica é evidente.
2. Tratamento. As pequenas lesões de traquéia podem ser tratadas pela traqueostomia.
Desse modo, reduz-se a pressão na via aérea e impede-se a progressão do enfisema. As
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lesões maiores devem ser imediatamente reparadas por cirurgia. Faz-se ao mesmo tempo
uma traqueostomia, podendo a cânula ser retirada após duas semanas.
As rupturas brônquicas devem ser tratadas cirurgicamente, de preferência logo após a
realização do diagnóstico, consistindo na rafia do brônquio lesado ou em ressecção
pulmonar, dependendo das condições gerais do paciente e das condições anatômicas locais.
A traqueostomia também está indicada, podendo a cânula ser retirada após duas semanas.
C. Hematomas pulmonares. Podem ser conseqüentes a contusões ou feridas torácicas. O
paciente geralmente apresenta febre, dor torácica, dispnéia e hemoptise, sintomas que
desaparecem com uma semana de evolução. Raramente os hematomas ocasionam
hemoptises importantes que requeiram tratamento cirúrgico. Muito raramente eles se
infectam, resultando em abscesso pulmonar. Às vezes, evoluem para hemopneumotórax,
que são tratados com drenagem. Após esse período, o diagnóstico é feito por meio da
radiografia do tórax. Os hematomas podem ser volumosos, ocupando até um lobo pulmonar
inteiro, mas comumente se apresentam como opacificações arredondadas, às vezes com
aspecto numular, com diâmetro que oscila entre 2 e 5 cm, podendo depois assumir aspecto
cístico. Eles se localizam preferencialmente nos lobos inferiores. Em geral, desaparecem
após um período de duas a quatro semanas, mas podem persistir por tempo prolongado.
Nessa eventualidade, costumam provocar dúvida em relação ao diagnóstico, principalmente
quando se ignora a sua origem traumática. Muitas vezes torna-se necessária a sua remoção
cirúrgica, para se estabelecer o diagnóstico.
O tratamento dos hematomas pulmonares é conservador. Preconiza-se a administração de
antibióticos e de antiinflamatórios.
D. Corpos estranhos. A conduta a ser adotada com relação aos corpos estranhos depende de
sua natureza, localização e do tamanho. Os projéteis só deverão ser retirados se localizados
junto a estruturas nobres ou se forem facilmente identificados durante a toracotomia.
Os ferimentos por tiro de cartucheira, a pequena distância, devem ter sempre indicação
cirúrgica para desbridamento e limpeza, pois, com freqüência, produzem infecções com
seqüelas importantes.
Nos ferimentos causados por arma branca em que esta permanece encravada no tórax,
principalmente quando na região esternal, supraclavicular e nas porções basais e posteriores
do tórax, a sua remoção deve ser realizada sob visualização direta por meio de toracotomia,
pois, quando realizada às cegas, pode ocasionar lesões graves de estruturas vitais. Hoje, a
toracoscopia assistida por vídeo vem sendo usada com grande freqüência para a retirada
dos corpos estranhos intratorácicos, desde que estes não estejam encravados em estruturas
nobres.
Referências
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Capítulo 10 - Hemotórax e Pneumotórax
Evilázio Teubner Ferreira
Sizenando Vieira Starling
I. Hemotórax.
Os hemotórax são geralmente traumáticos. Quadros de hemotórax espontâneos são raros e
podem ser secundários à ruptura de aderências vascularizadas nos pneumotórax
espontâneos, ou conseqüentes à ruptura de aneurismas ou hemangiomas.
Os chamados hemotórax encontrados no infarto pulmonar, na tuberculose pleural, nos
tumores malignos primários ou secundários da pleura, na quase-totalidade dos casos, são,
na realidade, derrames seroemorrágicos, e como tal devem ser tratados.
A. Etiologia. Os hemotórax traumáticos podem ocorrer por lesão do parênquima pulmonar,
por lesão dos vasos da parede torácica, do mediastino, ou do pedículo pulmonar em
conseqüência de traumatismo aberto ou fechado.
Os hemotórax secundários à lesão do parênquima pulmonar, que são a grande maioria,
apresentam sangramento moderado, geralmente em torno de 700 ml de sangue. São os
chamados hemotórax médios. Na quase-totalidade dos casos, o sangramento cessa
espontaneamente, em virtude da baixa pressão hidrostática dos vasos pulmonares e da
grande atividade local dos fatores da coagulação, não havendo, por isso, necessidade de
reposição sangüínea. Somente nas grandes lacerações pulmonares e nas lesões próximas do
pedículo pulmonar podem ocorrer grandes sangramentos.
Os hemotórax secundários às lesões dos vasos do mediastino e do pedículo pulmonar são
volumosos, levando o paciente, rapidamente, ao choque hipovolêmico e à dispnéia por
colapso pulmonar. Poucos sobrevivem o tempo suficiente para permitir um atendimento
eficaz. Os hemotórax secundários às lesões das artérias intercostais e da mamária interna
são progressivos e, após drenagem torácica, mantêm um débito superior a 150 ml/h através
do dreno. Algumas vezes, essas lesões dão origem ao que chamamos de hemotórax
recidivante.
É importante salientar que o movimento do diafragma e das estruturas torácicas causa uma
desfibrilação parcial do sangue que é derramado dentro da cavidade pleural; portanto, a
coagulação do hemotórax é incompleta. Conseqüentemente, as enzimas pleurais começam a
produzir a lise do coágulo, poucas horas após o sangramento ter cessado.
B. Classificação e aspectos gerais. Classificam-se os hemotórax, quanto ao seu volume, em
pequeno, médio e grande. Quanto ao seu estado, podemos classificá-los em contínuo,
recidivante, coagulado, infectado e organizado.
1. Hemotórax pequenos. São aqueles com menos de 300 ml de sangue e sintomatologia
discreta. A radiografia de tórax demonstra pouco mais do que um velamento do seio
costofrênico. Na maioria das vezes, são secundários à lesão do parênquima pulmonar.
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2. Hemotórax médios. São aqueles com 300-800 ml de sangue na cavidade torácica. No
estudo radiológico do tórax, nota-se velamento de um terço do hemitórax. Os pacientes
portadores desses hemotórax apresentam discreta ou nenhuma dispnéia e uma hipovolemia
compensada. São geralmente secundários a lesões do parênquima pulmonar e se constituem
na maioria absoluta dos hemotórax.
3. Hemotórax grandes. São aqueles com sangramento superior a 1.000 ml. Nos hemotórax
com sangramento superior a 1.500 ml, os pacientes se apresentam dispnéicos e hipotensos.
Na radiografia do tórax ocorre velamento de mais da metade do hemitórax. São secundários
às grandes lacerações pulmonares, às lesões próximas do pedículo, às lesões de vasos
importantes da parede torácica, do mediastino e do próprio pedículo pulmonar. Nestas duas
últimas eventualidades, o sangramento intratorácico pode ser extremamente grave e, na
maioria das vezes, não permite que o paciente receba tratamento adequado.
4. Hemotórax contínuos. São hemotórax que, se colocados em observação, crescem
progressivamente. Se drenados, mantêm uma drenagem maior do que 150 ml/h. Geralmente
são secundários a lesões das artérias intercostais ou da mamária.
5. Hemotórax recidivantes. São hemotórax que, dois ou três dias após uma estabilização,
voltam a sangrar e aumentam seu volume. Se forem esvaziados, voltam a se formar, devido
a novo sangramento. São, geralmente, originados de lesões de artérias intercostais. Esses
vasos, devido ao sangramento e à hipotensão, trombosam e param de sangrar. Alguns dias
após, ocorre a lise desses coágulos, levando a um novo sangramento e recidiva do
hemotórax.
6. Hemotórax coagulados. São hemotórax nos quais, apesar dos quadros clínico e
radiológico, a toracocentese é negativa ou ineficaz.
7. Hemotórax infectados. Geralmente os hemotórax são infectados através de punção ou
drenagem executadas sem os devidos cuidados ou pela manutenção de uma drenagem por
um período superior a 72 horas, principalmente nos hemotórax coagulados. Esta é uma
situação de alta morbidade e de difícil manuseio. É muito importante que os procedimentos
cirúrgicos, toracocentese ou drenagem, realizados nos casos de hemotórax, sejam feitos
com o máximo de cuidado quanto à anti-sepsia. Apesar de serem procedimentos de
pequeno porte, dado o seu potencial de complicação infecciosa, devem ser realizados em
bloco cirúrgico, rigorosamente.
8. Hemotórax organizados. São os hemotórax que, se não tratados ou bem-cuidados, levam
ao encarceramento pulmonar três semanas após o trauma.
C. Diagnóstico. O diagnóstico de hemotórax, na maioria das vezes, não é difícil. O
paciente, vítima de um traumatismo torácico aberto ou fechado, geralmente queixa-se de
dor torácica de intensidade variável e de dispnéia. O exame físico pode ser normal ou
apresentar sinais clássicos de derrame pleural: murmúrio vesicular diminuído e macicez à
percussão do hemitórax acometido, e também sinais sistêmicos de perda sangüínea, se o
hemotórax for volumoso.
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Portanto, em todo paciente traumatizado, torna-se imprescindível uma radiografia de tórax
em PA, para não passar despercebida qualquer lesão torácica, por mais discreta que ela
seja. De preferência, este exame deve ser feito com o paciente em ortostatismo, a não ser
em casos de traumatismo raquimedular associado ou choque grave. A radiografia realizada
em decúbito dorsal não traduz uma situação real e é de difícil interpretação, podendo, nos
casos de hemopneumotórax, causar certa confusão no diagnóstico (Fig. 10-1).
Nos casos de hemotórax, o estudo radiológico mostra um velamento homogêneo de
proporções variáveis no hemitórax atingido; além disso, orienta sua classificação e
evolução.
D. Conduta e tratamento
1. Hemotórax pequeno. O paciente deve ser colocado em observação cirúrgica com
controle radiológico a cada seis horas nas primeiras 24 horas. O tratamento é conservador e
consiste de exercícios respiratórios e do uso criterioso de antiinflamatórios.
2. Hemotórax médio. O paciente também deve ser colocado em observação cirúrgica e
radiológica rigorosa nas primeiras horas. A perda sangüínea nos hemotórax médios cessa
espontaneamente e, via de regra, não há necessidade de hemotransfusão. O problema se
restringe à remoção do sangue da cavidade pleural, que pode ser realizada por
toracocentese ou drenagem torácica.
A drenagem torácica é realizada, de preferência, no sétimo espaço intercostal, na linha
medioaxilar, com todo o rigor de anti-sepsia, usando-se drenos calibrosos de Silastic.
Durante a realização da drenagem torácica o sangue drenado pode e deve ser coletado em
recipientes adequados e administrado ao paciente (auto-hemotransfusão). O período de
drenagem não deve exceder 72 horas.
A toracocentese evacuadora oferece melhores resultados quando realizada 48 horas após o
trauma. É indicada naqueles pacientes com hemotórax médio que evoluíram bem com
observação clínica e radiológica nas primeiras horas. A punção deve ser feita, de
preferência, com o paciente assentado, no nono espaço intercostal, posteriormente (abaixo
da ponta da escápula). Usa-se agulha calibrosa de bisel curto ou Jelco 14G.
Nos pacientes com dispnéia e hemotórax progressivo, a drenagem torácica é obrigatória.
3. Hemotórax grandes. Os grandes hemotórax com anemia, hipovolemia e dispnéia devem
ser tratados com toracotomia de urgência. Os pacientes hemodinamicamente estáveis
devem ser submetidos à drenagem torácica. Os pacientes que apresentam uma drenagem
imediata superior a 1.500 ml, ou aqueles que mantêm uma drenagem horária, por várias
horas, superior a 200 ml de sangue, devem ser submetidos à toracotomia.
4. Hemotórax recidivantes e contínuos. São tratados com toracotomia e hemostasia do vaso
lesado.
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5. Hemotórax coagulados. Hemotórax coagulados, freqüentemente residuais após drenagem
de urgência, devem ser tratados com remoção dos coágulos, de preferência até o sétimo dia.
Este objetivo pode ser atingido por meio de videotoracoscopia, pleuroscopia ou
minitoracotomia, dependendo dos recursos disponíveis. A videotoracoscopia geralmente é
exeqüível nos primeiros cinco dias. A remoção dos coágulos por pleuroscopia e
minitoracotomia geralmente é possível até o 15º dia. A partir de então torna-se indicada a
decorticação pulmonar. Na primeira semana podem ser tentadas toracocenteses repetidas,
na expectativa da liquefação dos coágulos.
6. Hemotórax infectados. Em sua grande maioria, eles são iatrogênicos, em conseqüência
da falta de rigor na anti-sepsia da drenagem torácica ou devido à persistência desta por mais
de 72 horas. A drenagem pode ser realizada, inicialmente, para controle da toxemia do
paciente. Por conter coágulos e fibrina, os hemotórax infectados raramente evoluem para a
cura com este procedimento. Atualmente, a conduta mais utilizada é a realização de uma
toracotomia pequena para remoção dos coágulos, fibrina e limpeza da cavidade pleural. A
drenagem torácica deve sempre acompanhar esse método.
A tomografia computadorizada do tórax tem oferecido maior precisão no diagnóstico e na
avaliação dos hemotórax coagulados e infectados, proporcionando uma atuação terapêutica
mais precoce e precisa.
7. Hemotórax organizados. Estes hemotórax com mais de três semanas são hoje raramente
encontrados, sendo inicialmente tratados com punção ou drenagem. Caso não haja
expansão pulmonar, realiza-se toracotomia com decorticação pulmonar.
II. Pneumotórax.
O pneumotórax é definido como a presença de ar na cavidade pleural, que se torna real,
com conseqüente colapso do pulmão. O ar tem acesso à cavidade pleural através de lesões
do parênquima pulmonar, das vias aéreas ou da parede torácica. É uma condição bastante
freqüente.
Os pneumotórax dividem-se, quanto à sua etiologia, em dois grandes grupos: espontâneos e
traumáticos. Eles serão estudados separadamente, ainda que apresentem muitos aspectos
em comum.
A. Pneumotórax traumáticos. Resultam de traumatismos torácicos abertos ou fechados,
com comprometimento do parênquima pulmonar, das vias aéreas ou da parede torácica
(Fig. 10-2).
1. Classificação. Quanto à integridade da parede torácica, os pneumotórax traumáticos
dividem-se em dois grandes grupos: abertos ou fechados. Os classificados como abertos são
aqueles que têm uma solução de continuidade entre a cavidade pleural e o meio externo.
Quanto ao volume e à intensidade, os pneumotórax fechados se classificam em: (a)
pneumotórax pequeno: colapso de até 10% do pulmão; (b) pneumotórax médio: colapso de
10-30% do pulmão; (c) pneumotórax grande: colapso de mais de 30% do pulmão; (d)
pneumotórax hipertensivo ou valvular: aqueles que, além de grandes, com colapso total do
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pulmão, apresentam hipertensão intrapleural com desvio e compressão do mediastino e,
através deste, compressão do pulmão contralateral.
2. Etiologia
a. Pneumotórax pequeno. Ocorre devido a lesões superficiais do parênquima pulmonar.
b. Pneumotórax médio e grande. São ocasionados por feridas penetrantes do parênquima
pulmonar ou lacerações profundas. Nesses casos, freqüentemente ocorrem
hemopneumotórax.
c. Pneumotórax hipertensivo. Ocorre, principalmente, em conseqüência de: (a) lesões de
vias aéreas importantes; (b) grandes lacerações pulmonares que produzem, junto com o
acometimento do parênquima, lesões de brônquios periféricos; (c) ruptura traumática de
cistos; (d) abertura traumática da parede torácica, esta de ocorrência mais rara.
d. Pneumotórax aberto. Forma-se devido a uma abertura traumática da parede torácica,
comunicando, assim, a cavidade pleural com o exterior. A pressão intrapleural se iguala à
atmosférica, com conseqüente formação de grande pneumotórax e colapso pulmonar.
3. Fisiopatologia. Os pneumotórax levam a alterações respiratórias mais ou menos intensas,
dependendo de sua extensão, do mecanismo e da reserva respiratória do paciente.
Os pneumotórax pequeno, médio e grande levam a uma diminuição da ventilação,
proporcional ao grau de colapso pulmonar. O transtorno é leve nos pequenos pneumotórax,
e a dispnéia é importante nos grandes. Em virtude da irritação das terminações nervosas
pleurais, dor e tosse estão sempre presentes.
Nos pneumotórax hipertensivos, forma-se um mecanismo valvular. O ar entra na cavidade
pleural durante a inspiração e não sai durante a expiração, devido à elasticidade da parede
da lesão. Em virtude desse mecanismo, o ar vai-se acumulando e tornando hipertensiva a
cavidade pleural, com colapso do pulmão, desvio e compressão do mediastino e, através
deste, do pulmão contralateral. Instala-se uma insuficiência respiratória grave e, em
decorrência da compressão do mediastino, se estabelece um bloqueio ao retorno venoso
que, nos casos mais graves, pode levar à hipotensão arterial e ao choque. Esta é uma
situação muito grave, que deve ser diagnosticada e tratada com urgência, pois pode levar à
morte por asfixia e choque.
No pneumotórax aberto, a comunicação da cavidade pleural com a pressão atmosférica
produz colapso importante do pulmão ipsilateral; por outro lado, devido à abertura da
parede torácica, estabelece-se um mecanismo de competição com a ventilação normal.
Assim é que, na inspiração, com a pressão negativa intratorácica, entra ar pela traquéia e
pela abertura da parede torácica, e na expiração elimina-se o ar pelas vias aéreas e pela
abertura na parede, o que leva, evidentemente, a uma diminuição do ar corrente. É um
mecanismo semelhante a um fole que tivesse sua parede lesada; ele perderia, assim, sua
eficiência. Além disso, ocorre um balanço do mediastino com torção e compressão das
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veias cavas e uma diminuição da eficiência da tosse, em virtude do impedimento de
formação de pressão positiva, pela presença de abertura da parede torácica.
Todos esses fatores levam à insuficiência respiratória, que é proporcional ao calibre da
lesão da parede torácica, e à morte, se não corrigida a tempo.
4. Diagnóstico. É feito através dos achados do exame clínico e do estudo radiológico, o
qual deve ser realizado em todo paciente traumatizado. Nos casos em que se suspeita de
lesão brônquica, pode-se recorrer à broncoscopia.
Nos pneumotórax pequenos, os discretos dados no exame clínico podem passar
despercebidos. O exame radiológico em expiração mostra com maior nitidez o
pneumotórax.
Nos pneumotórax grandes, encontram-se dispnéia moderada, um murmúrio vesicular
diminuído e um timpanismo à percussão do hemitórax acometido. A radiografia do tórax
evidencia um colapso pulmonar. Os pneumotórax médios revelam alterações
intermediárias. Os pacientes com pneumotórax hipertensivos apresentam um quadro
característico, que permite o diagnóstico clínico. As medidas terapêuticas devem ser
tomadas imediatamente, não havendo tempo, na maioria das vezes, para exame radiológico.
Esses pacientes apresentam dispnéia intensa, cianose, desvio da traquéia constatado na
região cervical, desvio do ictus cordis, murmúrio vesicular praticamente abolido,
hipersonoridade à percussão, veias jugulares ingurgitadas, hipotensão arterial e, às vezes,
enfisema subcutâneo. Os achados radiológicos mostram, além do grande pneumotórax e do
colapso total do pulmão, desvio do mediastino e abaixamento da cúpula frênica. Quando a
lesão que produziu o pneumotórax hipertensivo é uma grande laceração pulmonar, há
hemotórax associado.
No pneumotórax aberto, o diagnóstico é evidente pela presença de ferida soprante na
parede torácica.
5. Conduta e tratamento. O tratamento do pneumotórax tem por objetivo corrigir a
insuficiência respiratória e promover a expansão pulmonar e o fechamento da lesão. Tal
objetivo é corrigido com medidas conservadoras e drenagem torácica. Somente naqueles
casos de grandes lacerações pulmonares e lesões de vias aéreas importantes, que são pouco
freqüentes, há indicação de toracotomia.
A drenagem torácica deve ser realizada no sétimo espaço intercostal, na linha medioaxilar,
ou no segundo espaço intercostal, na linha hemiclavicular do hemitórax acometido. Vale
lembrar que, embora seja um procedimento de pequeno porte, a drenagem torácica deve ser
realizada no bloco cirúrgico, com toda anti-sepsia possível. Ela deve ser mantida até a
expansão total do pulmão e a paralisação da drenagem de ar. Podem-se, assim, sintetizar as
condutas nos vários tipos de pneumotórax.
a. Pneumotórax pequeno. Deve ser colocado em observação, com o paciente hospitalizado
nas primeiras 24 horas. Deve-se sedar a tosse, empregar analgésicos, se necessário, e os
exercícios respiratórios são iniciados a partir do sétimo dia. Se eles não aumentam de
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volume, o tratamento é conservador, não sendo necessário procedimento cirúrgico. Em
politraumatizados, os pneumotórax podem não ser diagnosticados clinicamente. Nesses
casos, se o paciente for submetido à anestesia geral com intubação traqueal para cirurgias
corretivas de outras lesões, um pneumotórax hipertensivo poderá ocorrer, com
conseqüências drásticas se o cirurgião e o anestesista não estiverem atentos. Daí a
necessidade de uma radiografia de tórax em todo paciente politraumatizado. Todos os
pacientes com pneumotórax pequeno devem ser drenados previamente, se forem
submetidos à anestesia geral.
b. Pneumotórax médio. Os pacientes que apresentam dispnéia devem ser submetidos à
drenagem torácica e colocados em observação cuidadosa. Se estiverem assintomáticos, a
conduta adotada será semelhante à dos pneumotórax pequenos. Nos casos tratados
conservadoramente, cerca de 1,25% do ar contido na cavidade pleural é reabsorvido por
dia, esperando-se expansão total do pulmão em três a seis semanas, dependendo do
tamanho do pneumotórax.
c. Pneumotórax grande. Como a maioria dos pacientes apresenta dispnéia, eles devem ser
submetidos à drenagem torácica e observados minuciosamente.
d. Pneumotórax hipertensivo. Os pacientes portadores de pneumotórax hipertensivo devem
ser submetidos à toracocentese imediata, que, nos casos graves, antecede o exame
radiológico. A seguir, eles devem ser drenados.
Os pneumotórax grandes e hipertensivos que não respondem bem ao tratamento com
drenagem, permanecendo com fístula de alto débito, dispnéia e com má expansão
pulmonar, e aqueles que evoluem com atelectasia lobar ou segmentar são candidatos à
toracotomia exploradora, em virtude da possibilidade de haver lesões brônquicas
importantes ou grandes lacerações pulmonares. Deve-se proceder à broncoscopia para
confirmação da lesão nos casos duvidosos.
Também o pneumotórax em que a fístula persiste por mais de cinco dias após drenagem
tem indicação de toracotomia, mesmo sem lesão brônquica à broncoscopia.
e. Pneumotórax abertos. Devem ser tratados de imediato com oclusão da lesão, seguida de
exame radiológico para avaliação. Após isto, praticam-se o desbridamento e a sutura da
ferida da parede torácica com drenagem concomitante, objetivando tratar o pneumotórax
residual, bem como prevenir e tratar um possível pneumotórax hipertensivo.
Os pneumotórax abertos atendidos fora do ambiente hospitalar devem ser ocluídos com os
recursos disponíveis no local. Considerando a possibilidade de existência de lesões
associadas que possam levar a um pneumotórax hipertensivo, recomenda-se que a oclusão
seja sempre valvular, permitindo a saída de ar na expiração e impedindo a entrada de ar na
inspiração. Uma das maneiras para se atingir este objetivo consiste em se fazer um curativo
oclusivo quadriculado com esparadrapo, deixando livre uma de suas bordas. O curativo
assim realizado funcionaria como uma válvula. Nunca se deve drenar o tórax, quando for
necessário, pelo local da ferida.
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B. Pneumotórax espontâneo. Os pneumotórax espontâneos são produzidos em sua quasetotalidade por ruptura de bolhas subpleurais. Surgem após um esforço físico, tosse ou até
sem causa desencadeadora. Podem, quanto ao volume, ser pequenos, médios, grandes e
hipertensivos. Às vezes, podem gerar rupturas de aderências vascularizadas, produzindo
hemopneumotórax.
O quadro clínico é dominado por uma dor torácica ventilatório-dependente e por dispnéia,
que apresenta graus variados, podendo até mesmo estar ausente. O exame físico varia de
acordo com o grau de colapso pulmonar, sendo os achados clássicos murmúrio vesicular
diminuído ou mesmo abolido e o timpanismo à percussão. A radiografia simples do tórax
confirma o diagnóstico.
A conduta é a mesma dos casos de pneumotórax traumáticos. A drenagem de ar por mais
de sete dias ou recidiva do pneumotórax, dependendo das condições do paciente, é
indicação de toracotomia para ressecção das bolhas, escarificação da pleura ou
pleurectomia.
Abscessos subpleurais, lesões escavadas tuberculosas, cistos pulmonares e carcinoma
broncogênico podem produzir pneumotórax. Nestes casos, quase sempre, existe empiema.
Após a drenagem, necessitam de estudo propedêutico mais detalhado para a conclusão do
diagnóstico. Todos os casos de pneumotórax cujo exame radiológico revela suspeita de
patologia pulmonar diferente de bolhas subpleurais, que normalmente não são visualizadas
na radiografia simples de tórax, exigem propedêutica para esclarecimentos.
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Capítulo 11 - Traumatismos Cardíacos
Marco Tulio Baccarini Pires
I. Introdução.
No passado, as feridas do coração e dos grandes vasos eram sempre consideradas fatais e
intratáveis. No século XVIII, Billroth, um dos pioneiros da cirurgia, escreveu: “O cirurgião
que tentar suturar uma ferida no coração perderá o respeito de seus colegas.” Entretanto, em
1896, Rehn, na Alemanha, realizou com sucesso a primeira rafia de uma lesão miocárdica,
produzida por arma branca.
Atualmente, com o desenvolvimento e o aprimoramento dos materiais e das técnicas de
cirurgia cardíaca, tornou-se possível prestar um melhor atendimento aos portadores de
lesões traumáticas do coração, com queda acentuada na mortalidade e na morbidade.
II. Classificação.
As lesões do coração podem ser penetrantes, não-penetrantes ou iatrogênicas.
A. Lesões penetrantes. São as lesões mais freqüentemente observadas na prática clínica. Os
ferimentos estão presentes numa ampla área, que compreende todo o precórdio, a região
cervical, a região axilar e o abdômen (Fig. 11-1).
Qualquer ferimento penetrante nestes locais deve ser considerado como suspeito de lesão
cardíaca. Nos casos de ferimentos penetrantes do coração, apenas 40% dos pacientes
chegam com vida ao hospital; destes, 80-95% apresentam possibilidade de recuperação. No
meio urbano brasileiro a arma branca predomina como principal agente causador de lesão
(aproximadamente 65%) (Prancha 11-1), vindo em segundo lugar os ferimentos por arma
de fogo. A câmara cardíaca mais atingida nos traumas penetrantes do coração é o ventrículo
direito, por sua posição mais anterior.
B. Lesões não-penetrantes. Tem havido grande aumento nos casos de traumas cardíacos
fechados (contusos) devido ao crescimento no número de acidentes automobilísticos. As
lesões podem variar de uma simples contusão ventricular (com formação de hematoma
intramuscular), passando pelos casos de rupturas valvares e dos septos interatrial e
interventricular, até a ruptura completa da parede ventricular (nestes casos, a mortalidade
pode chegar a 100%). Tardiamente, poderá surgir, como conseqüência da contusão ou da
formação de falso aneurisma ventricular, a insuficiência cardíaca pós-traumática. Também
tardiamente é relatada oclusão de artéria coronária, secundária à contusão, com infarto
agudo do miocárdio. A ruptura apenas do saco pericárdico poderá fazer-se presente, mas é
de ocorrência rara; neste caso é descrita, ocasionalmente, a herniação do coração para a
cavidade pleural.
Seis mecanismos de lesão cardíaca no trauma fechado foram descritos: dano precordial
direto; efeito hidráulico (ocorre quando um grande impacto se faz sobre o abdômen e as
extremidades inferiores, com aumento da pressão no sistema da veia cava inferior, levando,
principalmente, à ruptura atrial direita); compressão entre o esterno e a coluna vertebral;
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lesões de aceleração ou desaceleração; concussão (leva à ruptura retardada); e penetração
(fragmento do esterno ou da costela). O air-bag, cada vez mais usado nos automóveis
modernos, tem sido implicado em casos de lesão traumática do coração, em traumas
fechados.
C. Lesões iatrogênicas. As lesões iatrogênicas do coração podem estar presentes tanto em
procedimentos terapêuticos (p. ex., implante de eletrodo de marcapasso; angioplastia
coronariana; valvoplastia mitral com balão; pós-massagem cardíaca externa; implantes de
cateteres centrais), como diagnósticos (p. ex., cateterismos cardíacos; biópsia de
endocárdio; passagem de cateter de Swan-Ganz). Durante o implante de eletrodo de
marcapasso, pode ocorrer a perfuração da parede ventricular ou mesmo da válvula
tricúspide. Já nos procedimentos de cateterismo cardíaco, a perfuração miocárdica é menos
freqüente. Entretanto, uma complicação possível é a injeção intramural do contraste,
durante angiografia cardíaca.
A biópsia endocárdica, rotineira no pós-operatório dos transplantes de coração, tem como
complicação a perfuração da parede ventricular livre, com tamponamento cardíaco fatal.
Felizmente, a ocorrência dessa complicação é de 0,13% durante os procedimentos de
biópsia.
O procedimento de trombólise medicamentosa, usado no tratamento do infarto agudo do
miocárdio, é capaz de desencadear um tamponamento cardíaco, que também pode ser
considerado como iatrogênico na origem.
III. Fisiopatologia.
O paciente vítima de lesão cardíaca (penetrante ou não-penetrante) pode apresentar
hipovolemia (sangramento), tamponamento cardíaco, ou ambos. Quando o sangramento se
faz para o meio externo ou para as cavidades pleurais, ocorre rápida perda sangüínea,
seguindo-se choque e, comumente, morte. Nestes casos, existem extensas lesões no
pericárdio por onde o sangue é drenado, não havendo o tamponamento. Predominam as
grandes lesões de ventrículo, que levam ao rápido choque hemorrágico, com todas as suas
conseqüências.
Quando o sangramento não se faz para o meio externo ou para a cavidade pleural, ocorre o
tamponamento cardíaco. O pericárdio normal é uma membrana de tecido serofibroso,
pouco distensível, de tal sorte que pequenos aumentos (desde que ocorridos de forma
abrupta) na sua pressão levam a uma situação de baixo débito cardíaco, devido à restrição
na diástole ventricular. O volume necessário para a produção de tamponamento pode ser
tão pequeno quanto 60 a 100 ml. Assim, o tamponamento pode ocorrer como conseqüência
de pequenas lesões atriais ou ventriculares, mesmo com mínima perda de sangue para o
paciente. O aumento da pressão intrapericárdica leva à diminuição do retorno venoso ao
coração, que ocorre mais predominantemente na fase de diástole ventricular. Devido a esta
restrição diastólica, elevam-se a pressão venosa central (PVC) e a pressão diastólica final
do ventrículo direito. Clinicamente, surgem o ingurgitamento venoso cervical, o
abafamento das bulhas cardíacas, a queda da pressão arterial (que se torna convergente),
taquicardia, pulso paradoxal, hipoxia e choque.
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Deve ser lembrado que, cronicamente, o saco pericárdico pode acomodar grandes volumes
(p. ex., no derrame urêmico da insuficiência renal crônica). Nestes casos, ele irá se
distendendo lenta e progressivamente, podendo não levar ao tamponamento cardíaco. Esta
é uma situação que difere bastante do derrame agudo.
Arritmias cardíacas podem ocorrer como conseqüência do trauma, não havendo, muitas
vezes, correlação entre o tamanho da lesão e a malignidade da arritmia. Projéteis retidos na
massa miocárdica e hematomas ventriculares (secundários a contusões) são potenciais
focos arritmogênicos. Os projéteis de arma de fogo no interior das câmaras atriais ou
ventriculares poderão ainda funcionar como áreas de formação de trombos, ou, ainda, se
infectar, causando endocardite.
A migração de um projétil intracavitário (êmbolo balístico) é descrita tanto no setor arterial
como no venoso, porém é rara. A ocorrência de neurose cardíaca naqueles pacientes que
apresentam projéteis retidos no miocárdio ou no saco pericárdico é considerada
complicação importante, chegando a ser indicação para a retirada da bala, mesmo que ela
esteja em localização não perigosa.
Lacerações das artérias coronárias principais, quando existem, devem ser tratadas com
circulação extracorpórea e revascularização do miocárdio; caso contrário, a área irrigada
pela artéria que foi lesada apresenta infarto do miocárdio em três a seis horas. A principal
causa de morte nos casos de lesão coronariana é, entretanto, o tamponamento, devido a
hemopericárdio agudo.
Nos casos de lesões contusas, o mecanismo mais freqüente da lesão é a compressão entre o
esterno e a coluna vertebral. Caso se forme hematoma na parede ventricular, este poderá ser
subepicárdico, subendocárdico ou transmural (este, o mais grave, pode causar ruptura
ventricular ou levar à formação crônica de falso aneurisma).
A insuficiência cardíaca pós-traumática tem várias causas, entre elas a própria contusão, as
lacerações valvulares ou de aparelhos subvalvulares, as rupturas septais e a formação
crônica de falso aneurisma ventricular. Este, inclusive, poderá romper-se tardiamente,
levando a uma forma retardada de tamponamento.
IV. Quadro Clínico.
O diagnóstico de pacientes com tamponamento cardíaco agudo deve ser feito clinicamente,
pois apenas em raras ocasiões haverá tempo para exames complementares. É fundamental o
papel do socorrista no momento inicial, uma vez que será ele quem realizará o diagnóstico
e o primeiro atendimento. É clássica a tríade de Beck, que compreende o ingurgitamento
venoso cervical, o choque e o abafamento das bulhas cardíacas.
O orifício de uma lesão externa (no caso de trauma penetrante), estando em área suspeita,
deverá sempre ser considerado. Ao ser colocado um cateter venoso central, verificamos se a
PVC está elevada. Geralmente, o paciente apresenta-se com respiração pré-agônica,
cianótico, sugerindo morte iminente.
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Caso haja tempo ou dúvida diagnóstica, o paciente poderá ser submetido a outros exames:
os raios X de tórax em PA revelam o coração globoso, em forma de “moringa” ou “bilha”.
O eletrocardiograma mostra dois tipos de alterações principais: a baixa voltagem do
complexo QRS e, ocasionalmente, alterações da repolarização ventricular conseqüentes ao
trauma. Extra-sístoles podem estar presentes. O surgimento de bloqueios cardíacos póstrauma é raro, mas é relatado.
Um ecocardiograma, caso esteja disponível e haja tempo para sua realização, nos mostrará
derrame pericárdico, no tamponamento, e a existência de outras lesões intracavitárias
(lesões valvulares, CIV etc.). Este é um exame simples e de extrema utilidade (Prancha 112).
Um estudo hemodinâmico será valioso em casos mais crônicos, como, por exemplo, se
estão presentes projéteis intramurais, ou se houve lesão coronariana (Prancha 11-3).
Nos traumas fechados do coração, entre os pacientes que sobrevivem ao acidente e chegam
vivos ao hospital, o diagnóstico por vezes é mais difícil de ser feito. Tal é a situação nas
contusões ventriculares, onde uma arritmia cardíaca, até então inexistente, poderá
manifestar-se. Outra manifestação possível é a dor de caráter anginoso, que não cede com a
administração de vasodilatadores coronarianos. ICC aguda pode ser resultante da contusão,
de lesão valvular ou do septo interventricular. Exsudação para o saco pericárdico e
tamponamento secundário poderão surgir (raramente), assim como pericardite.
Na propedêutica dos traumas contusos do coração, além dos métodos acima descritos, se
necessário, utiliza-se estudo radioisotópico para mapeamento de áreas não-captantes. A
dosagem de enzimas está prejudicada nos casos de traumatismo, mas a fração miocárdica
da CPK tem algum valor nos casos de contusão.
As feridas pericárdicas normalmente ocorrem associadas com as feridas do coração. Se
presentes isoladamente, não revelam sintomas na maior parte dos casos — a ocorrência de
hérnia do coração para as cavidades pleurais no caso de extensa lesão do saco pericárdico é
possível, porém bastante rara.
Uma ferida pericárdica pode evoluir com atrito à ausculta, que varia de intensidade com a
respiração e com a mudança de decúbito. Nos raios X de tórax, observa-se
pneumopericárdio. Como seqüela deste tipo de lesão poderão surgir hemopericárdio,
pericardite constritiva ou piopericárdio (pericardite purulenta).
A pericardite pós-trauma não apresenta etiologia bem definida, embora sugira resposta
inflamatória ao traumatismo e reação ao sangue intrapericárdico, causando a síndrome póspericardiotomia (que geralmente responde bem ao tratamento clínico com aspirina).
Vírus e bactérias têm sido responsabilizados pelas reações de hipersensibilidade na
presença de lesões miocárdicas e pericárdicas. As manifestações clínicas incluem: febre,
dor torácica, exsudato pleural e alterações do eletro e ecocardiograma, e, na radiografia de
tórax, observam-se pneumopericárdio e aumento da silhueta cardíaca.
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A ocorrência de tamponamento tardio, dias após o trauma, foi descrita em casos que não
foram tratados cirurgicamente no momento inicial.
V. Tratamento.
Deverá ser instituído mesmo antes de o diagnóstico ser definido e visa principalmente à
manutenção da vida do paciente. Este tratamento pode ser dividido em duas fases:
Imediato. Visa à manutenção da vida e compreende: tratamento do choque, tratamento do
tamponamento e toracotomia com tratamento da lesão no coração.
Tardio. Impõe-se à medida que se esclarecem as lesões.
A. Tratamento do choque. O paciente deve ser colocado na posição horizontal ou na de
Trendelenburg; providenciam-se um acesso venoso central e a punção de uma ou mais
veias periféricas, de acordo com a necessidade. Inicia-se infusão rápida de Ringer lactato e,
em seguida, de sangue. Deve-se prover uma via aérea, realizando-se intubação orotraqueal,
se necessário, e instituindo-se respiração artificial. Nos casos de parada cardíaca, instituir
prontamente a massagem externa, ou mesmo a interna, se houver condição técnica para
isto. Drogas como o bicarbonato de sódio, a xilocaína, o gluconato de cálcio e a adrenalina
serão usadas, se necessário. A partir da melhora da volemia e do melhor enchimento
cardíaco, obtém-se uma sístole ventricular mais efetiva.
B. Tamponamento cardíaco. O tamponamento cardíaco é a compressão do coração devido a
uma quantidade anormal de líquido no pericárdio. A pressão pericárdica aumentada impede
a expansão cardíaca normal da diástole, e, como conseqüência, caem o volume ejetado, a
pressão arterial e o débito cardíaco. O tamponamento é uma emergência cardíaca. Se o
líquido presente (sangue, no caso de trauma) não for removido rapidamente, o paciente irá
morrer em choque cardiogênico.
A pericardiocentese e a toracotomia são às vezes empregadas, uma em seguida à outra, ou
isoladamente, de acordo com as necessidades do paciente. Geralmente, um paciente que
esteja em estado grave devido ao tamponamento cardíaco apresentará grande melhora após
uma pericardiocentese de alívio, mesmo que seja pequena a quantidade retirada de sangue,
como 30-50 ml. Esta melhora possibilita levar o paciente ao bloco cirúrgico e operá-lo em
melhores condições hemodinâmicas.
A pericardiocentese pode ser realizada ao nível do quinto espaço intercostal esquerdo, ou
por via subxifoidiana (preferencial). Para que seja evitada lesão do miocárdio, além de
técnica de punção cuidadosa, acopla-se à agulha o cabo da derivação precordial do ECG,
obtendo-se registro eletrocardiográfico contínuo. Quando a agulha tocar o miocárdio,
surgirá uma corrente de lesão (alteração no segmento S-T). A queda da pressão venosa
central, após aspiração, sugere ter havido uma punção adequada. O fato de haver uma
punção negativa não exclui a possibilidade de tamponamento, já que o sangue
intrapericárdico pode estar parcialmente coagulado.
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A toracotomia (ou esternotomia) é um procedimento que necessita ser bem programado,
sendo feita com maior sucesso de forma semi-eletiva, após já ter sido alcançada pelo menos
uma estabilização hemodinâmica inicial do paciente. Lesões associadas às do coração e aos
grandes vasos, como abdominais, cranianas, ósseas e outras, podem e devem ser corrigidas
no mesmo ato cirúrgico.
O conceito de toracotomia na própria sala de emergência vem ganhando cada vez mais
adeptos, pois os pacientes agonizantes ou em parada cardíaca (que antes faleciam no local
do acidente) têm chegado cada vez mais às salas de emergência dos hospitais, graças ao
transporte rápido. Os melhores resultados dessas toracotomias “heróicas” são obtidos em
pacientes vítimas de traumas cardíacos penetrantes, que chegam ainda vivos ao hospital, e
que apresentam parada cardíaca na própria sala de emergência.
As feridas cardíacas podem ser abordadas por toracotomia esquerda ou direita, ao nível do
quarto ou quinto espaço intercostal, por toracotomia anterior bilateral, ou por esternotomia
mediana (incisão de escolha). No momento da pericardiotomia, quando se desfaz a pressão
intrapericárdica, pode ocorrer hemorragia volumosa, e até mesmo incontrolável.
Alguns detalhes da técnica operatória devem ser observados: (a) a incisão deve ser ampla;
quando possível, fazer esternotomia mediana; (b) todo material vascular e de ressuscitação,
incluindo o desfibrilador, deve estar à mão; (c) grandes quantidades de sangue e de plasma
devem estar disponíveis; (d) monitoração eletrocardiográfica; (e) sondas vesical e
nasogástrica (se houver tempo).
As suturas do coração e dos vasos são efetuadas com fios inabsorvíveis: náilon, seda,
Prolene®, Mercilene® etc. O músculo cardíaco é muito friável, podendo lacerar-se ao ser
suturado. Neste caso, um fragmento de pericárdio (do próprio paciente, ou ainda pericárdio
heterólogo bovino fixado em glutaraldeído) pode servir de base para se ancorar um ponto
(devem-se evitar materiais sintéticos em cirurgias de urgência, tais como o Dacron®). Os
pontos devem abranger todas as camadas do músculo cardíaco. Damos preferência à sutura
com pontos em “U” ou em “X” separados. O auxiliar comprime o local lesado, enquanto a
sutura é feita sob o seu dedo (Prancha 11-4). No caso das lesões atriais, existe a
possibilidade de se colocar um clampe lateral tipo Satinsky; estancar a hemorragia e
realizar a sutura tranqüilamente.
Lesões proximais em coronárias de maior importância não são comuns e, se ocorrerem,
poderão ser reparadas até seis horas após o trauma, interpondo-se um segmento de veia
safena autóloga entre a coronária (distalmente à lesão) e a aorta ascendente, geralmente
com o uso de circulação extracorpórea.
Coronárias mais distais lesadas poderão ser ligadas, ocasionando pequeno infarto do
miocárdio, que normalmente não causa repercussão, uma vez que a maior parte das vítimas
é jovem e não-portadora de cardiopatia prévia.
As suturas realizadas são apenas feitas externamente no coração: caso persistam defeitos
intracavitários
(comunicações
interventriculares,
lesões
valvulares,
fístulas
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coronariocavitárias etc.), a sua correção será feita posteriormente, com o uso de circulação
extracorpórea.
Finalmente, deve ser lembrado que o pericárdio é fechado apenas parcialmente, para
facilitar a drenagem pós-operatória e evitar o tamponamento. A drenagem, quer em posição
mediastinal, quer em posição pleural, é sempre em selo d’água.
Antibioticoterapia é essencial, iniciando-se o mais cedo possível (geralmente usa-se
cefalosporina). A ocorrência de infecção em uma incisão torácica, com surgimento de
empiema e/ou mediastinite, deve tentar ser evitada a todo custo.
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Capítulo 12 - Traumatismo Toracoabdominal
Otaviano Augusto de Paula Freitas
João Batista Monteiro
I. Introdução.
Ao descrever um caso de hérnia diafragmática secundária a um ferimento provocado por
arma de fogo, Ambroise Paré, no século XVI, fez o primeiro registro conhecido de
traumatismo toracoabdominal na literatura médica do Ocidente, apenas para fazer
posteriormente o primeiro registro de óbito devido a esta causa. Desde então, as condições
de diagnóstico e tratamento destas lesões melhoraram significativamente, mas ainda é
muito freqüente seu diagnóstico puramente acidental, com tratamento retardado e
complicações graves.
As particularidades desse tipo de traumatismo estão ligadas ao fato de estarem envolvidos
órgãos situados na porção intratorácica do abdômen, uma região clinicamente silenciosa.
Além disso, a atenção do médico está quase sempre voltada para traumatismo torácico ou
abdominal, fazendo desta dicotomia um risco para o paciente. O raciocínio clínico deve
considerar sempre que o tórax e o abdômen são partes interpenetradas e inseparáveis do
tronco, uma interação vantajosa do ponto de vista orgânico, mas muito fácil de ser
esquecida no corre-corre das salas de emergência.
A rigor — e até que se prove o contrário — deve ser considerado como toracoabdominal o
traumatismo que acomete a parte do tronco situada entre a quarta costela de cada lado e
uma linha imaginária que passa pelos limites inferiores dos hipocôndrios. A investigação
subseqüente revela que os casos toracoabdominais propriamente ditos apresentam lesão do
diafragma. Os ferimentos mais inferiormente situados dentro desses limites costumam ser
encarados como de natureza apenas abdominal sem grandes conseqüências, porque a
laparotomia permite a descoberta e o tratamento das lesões diafragmáticas e torácicas.
Entretanto, considerar-se um ferimento mais alto como puramente torácico e, o que é pior,
tratá-lo conservadoramente constitui uma verdadeira catástrofe, principalmente quando está
presente lesão de víscera oca.
II. Classificação.
Classificam-se os traumatismos toracoabdominais em penetrantes, não-penetrantes e
iatrogênicos. Entre os primeiros, destacam-se os provocados pelas agressões civis (arma
branca e arma de fogo). Os acidentes de veículos a motor são a maior causa de traumas
não-penetrantes, e, entre os iatrogênicos, despontam os causados por punção e drenagem
torácicas (Quadro 12-1) (Pranchas 12-1 e 12-2).
III.Diagnóstico
A. Anamnese. Na maioria dos traumatismos penetrantes, e sempre após terem sido
controladas as lesões que colocam em risco imediato a vida do paciente, é possível obter
uma história sucinta da agressão e do tempo transcorrido; em alguns casos, a queixa de dor
abdominal e dispnéia concomitantes pode chamar a atenção do médico para a real extensão
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do problema. Entretanto, nos casos de traumas contusos — e mesmo em uma parte dos
penetrantes — o mais comum é ver-se um paciente com grave politraumatismo,
inconsciente, em confusão mental ou emocionalmente perturbado, incapaz de prestar
esclarecimentos úteis. Quando possível, é importante obter-se alguma informação a respeito
de doença respiratória e traumas prévios; isto facilita a interpretação dos achados clínicos e
radiológicos. Já na apresentação do paciente na sala de emergência, principalmente
levando-se em consideração o mecanismo do trauma, o médico assistente deverá voltar seu
raciocínio para a possibilidade da lesão do diafragma. Portanto, o diagnóstico requer alto
índice de suspeição.
B. Exame físico. O ferimento toracoabdominal por si só não constitui causa muito comum
de falência aguda da função cardiopulmonar. A repercussão da perda sangüínea varia, em
geral, com a magnitude das lesões do baço (53% dos casos) e do fígado (35% dos casos),
que são os órgãos mais comumente atingidos. Nas lesões pequenas, o paciente pode
apresentar-se sem sinais de hipovolemia. Contudo, não é raro que ele já apresente choque
hipovolêmico grave ao chegar ao hospital, devido a fraturas graves do baço e do fígado, em
geral associadas a lesões de múltiplos órgãos, entre os quais sobressai freqüentemente
fratura dos ossos da bacia (26% dos casos). O choque e o traumatismo cranioencefálico
constituem importantes causas de diagnóstico retardado, monopolizando a atenção médica
já no início do tratamento. A seqüência clássica determinada pelo Advanced Trauma Life
Support (ATLS), de serem avaliados e resolvidos os problemas de vias aéreas, com
controle da coluna cervical, respiração, choque com controle da hemorragia e avaliação do
estado neurológico, deve ser rigorosamente obedecida.
A maioria das feridas toracoabdominais por arma branca localiza-se no lado esquerdo, já
que a maioria dos agressores é destra. Contudo, têm valor diagnóstico quaisquer
ferimentos, equimoses, hematomas ou escoriações situados dentro dos limites
anteriormente citados; não é demais lembrar que ali estão incluídos o epigástrio e parte do
flanco e da região lombar de cada lado. A ferida pode sangrar, soprar ou ser sede de
evisceração de parte do omento maior ou até mesmo de alças do intestino delgado. O trajeto
de um projétil de arma de fogo é imprevisível, e o trauma toracoabdominal pode estar
presente sempre que o tronco é atingido. Um quarto de todas as feridas penetrantes no
abdômen apresenta envolvimento torácico.
C. Ausculta e percussão. A presença de alças intestinais no interior do tórax pode ser
evidenciada pela ausculta de ruídos peristálticos. A diminuição ou abolição dos sons
pulmonares e o achado de submacicez ou macicez torácicas sugerem a ocorrência de
hemotórax ou de grande herniação do fígado. A diminuição dos sons de hiper-ressonância
sugere a presença de pneumotórax. A associação de ambos é comum. Quando pequenos,
podem passar despercebidos ao exame físico.
Na ausculta do abdômen, é de importância diagnóstica a ausência de ruídos peristálticos,
mas sua presença não deve tranqüilizar o médico que investiga a lesão intra-abdominal,
porque é freqüente sua normalidade em presença de sangue, de urina e mesmo de secreções
digestivas irritantes derramadas na cavidade peritoneal se o tempo de exposição não tiver
sido longo.
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D. Palpação. O sinal que evidencia a presença de fraturas costais é a crepitação, que deve
ser delicadamente pesquisada no trajeto de cada arco costal. Fraturas dos arcos inferiores
tornam mais provável a lesão combinada de vísceras de ambas as cavidades. Enfisema
subcutâneo indica lesões intratorácicas ou mediastinais, mesmo na ausência de fraturas
costais. O enfisema encontrado no flanco direito pode ser devido a uma ruptura duodenal.
Nas herniações maciças das vísceras abdominais para a cavidade torácica, podem
eventualmente ser observados flacidez aumentada e esvaziamento do quadrante abdominal
superior correspondente.
E. Dor. Nos casos de lesão do estômago ou grandes coleções sangüíneas na cavidade
peritoneal, a dor abdominal espontânea ou provocada pode constituir importante pista na
orientação do médico. Entretanto, a ausência de dor abdominal não tem valor de exclusão;
as secreções irritantes de um estômago perfurado podem estar dentro do tórax.
F. Defesa e rigidez abdominais. Como a dor, elas têm grande importância quando
presentes, mas sua ausência carece de valor propedêutico. Constituem sempre armadilhas
caprichosas os casos em que o trauma contuso da parede é o único responsável pela
acentuada defesa abdominal. Outros achados físicos e o exame repetido permitem a opção
correta por tratamento conservador. O bloqueio anestésico de algumas raízes intercostais
pode estar indicado para se conseguir o alívio da dor de determinada área e maior
colaboração do paciente no exame.
G. Dor referida. Alguns pacientes podem queixar-se de dor no ombro ipsilateral, mediada
pelo nervo frênico, principalmente nos casos com maior tempo de lesão. Quando ausente, a
queixa pode ser eventualmente provocada pela colocação do paciente na posição de
Trendelenburg. Outro achado físico que sugere a natureza toracoabdominal do traumatismo
são as fraturas das últimas vértebras torácicas, ou das primeiras lombares.
IV. Lesão do Diafragma.
Apesar de constituir o componente-chave do trauma toracoabdominal, a lesão do diafragma
é freqüentemente negligenciada, e seu diagnóstico pré-operatório é feito apenas em uma
minoria de casos. A causa mais comum no nosso meio são as agressões por arma branca;
seguem-se as por arma de fogo e os acidentes automobilísticos. Nas laparotomias por
trauma contuso, a lesão do diafragma está presente em 4,5-5,6% dos casos. O fígado
protege de alguma maneira a cúpula direita; por isso, a ruptura da cúpula esquerda é muito
mais comum, em uma proporção de 20:1. Acreditamos que esta diferença seja bem maior
nas mesas de necropsia, para onde deve ir a quase-totalidade dos casos de ruptura do
diafragma direito, que não sobrevivem às graves lesões do fígado e das veias cava, porta e
supra-hepática, quase sempre presentes.
As grandes hérnias diafragmáticas costumam trazer importante repercussão respiratória. A
perda unilateral da função diafragmática acarreta déficit de 25% da função respiratória.
Além disso, as vísceras herniadas ocupam espaço na cavidade torácica e comprimem o
pulmão, diminuindo o volume respiratório útil e ocasionando atelectasias segmentares, com
formação de shunts e queda conseqüente da pO2. O volume respiratório pode ser ainda
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afetado pelo movimento paradoxal das vísceras para dentro do tórax a cada inspiração. A
lesão bilateral é muito rara nos traumas contusos, mas costuma ser mais encontrada nas
feridas por arma de fogo.
As grandes hérnias podem deslocar o mediastino e provocar decréscimo no débito cardíaco
por dificuldade de enchimento do coração. A contusão miocárdica associada contribui para
a piora da função cardíaca e costuma estar por trás de uma morte inesperada. A herniação
do coração para a cavidade abdominal tem sido descrita nas lesões à esquerda que se
estendem ao pericárdio.
Pela situação estratégica do diafragma e pelas proporções da força exigida para sua ruptura,
existem outras lesões associadas em praticamente todos os casos; em 90% deles existem
lesões intra-abdominais; em 25%, lesões torácicas (da parede ou da cavidade); em 8%,
ruptura da aorta torácica; em outros 8%, avulsão do pedículo renal. A taxa de mortalidade
pode chegar aos 37%.
Se a lesão do diafragma não for tratada e o paciente sobreviver, começará a haver restrição
respiratória progressiva. Além disso, poderá haver ampliação da área atelectasiada, com
ocorrência de pneumonia, abscesso pulmonar e bronquiectasias.
A ruptura do diafragma freqüentemente não é reconhecida no momento do trauma. O
diagnóstico precoce tem sido feito em menos de 50% dos casos. A maioria dos pacientes
sem o diagnóstico precoce vai apresentar manifestações de estrangulamento de órgão
abdominal herniado para o tórax nos próximos três anos após o trauma e apresentará uma
mortalidade alta, de 30 e 50%, de acordo com várias séries publicadas. Estas cifras apontam
para a necessidade de estudos complementares imediatos sempre que houver a suspeita
diagnóstica (Pranchas 12-3 e 12-4).
V. Investigação Complementar
A. Estudo radiológico. É particularmente importante a radiografia do tórax em PA, com o
paciente em posição ortostática, quando possível. Uma radiografia tomada em decúbito de
um paciente com impossibilidade de ser colocado sentado (como, por exemplo, com fratura
da coluna vertebral) pode servir como triagem. Se o velamento de um hemitórax ou
qualquer imagem suspeita é encontrada, deve ser feito um estudo em ortostatismo, se
possível, ou com o tronco elevado.
Não existe, entretanto, um padrão definido para o diagnóstico de uma ruptura
diafragmática. Apagamento ou falta de nitidez do contorno diafragmático, níveis
hidroaéreos no interior do tórax, opacificação parcial e irregular da parte inferior do campo
pleuropulmonar, elevação permanente da cúpula frênica, pneumotórax de base ou loculado,
desvio do mediastino, fratura das costelas inferiores e modificação no padrão radiológico
em estudos consecutivos são os alertas que o médico deve interpretar corretamente como
indicadores de lesão diafragmática; mas não se pode esquecer que a radiografia de tórax é
absolutamente normal em até 25% dos casos (a presença de laceração incompleta, com
superfície peritoneal íntegra na face inferior da cúpula diafragmática, explica parte destes
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casos). Além de apresentar tantos falso-negativos, ainda apresenta baixa especificidade; e o
diagnóstico de ruptura traumática do diafragma é sugerido em 17 a 40% dos casos.
A herniação do estômago pode ser reconhecida em uma radiografia simples, quando uma
sonda nasogástrica, que é radiopaca, é vista com sua extremidade no tórax.
Grande parte dos pacientes apresenta outras indicações de exploração cirúrgica e dispensa
estudos diagnósticos subseqüentes. Quando isto não acontece, a investigação deve
prosseguir. Se há suspeita de lesão à esquerda, a introdução de contraste no estômago
herniado pode permitir a confirmação diagnóstica (Prancha 12-5); o enema baritado pode
ter valor semelhante, para visualização de alças intestinais na cavidade torácica.
Outro método que também pode ser lembrado é o pneumoperitônio. Ele é realizado com a
injeção de 250 a 500 ml de CO2 ou ar ambiente filtrado na cavidade peritoneal, através de
agulha introduzida sob anestesia local no quadrante inferior esquerdo do abdômen,
lateralmente ao músculo reto do abdômen. Uma cúpula lesada abre comunicação entre as
cavidades abdominal e torácica e permite a passagem de gás e o surgimento de
pneumotórax ipsilateral.
Entretanto, não é método de positividade absoluta, já que a ferida diafragmática pode estar
tamponada por conteúdo herniário. Em uma série de 50 pacientes com ruptura
diafragmática por trauma fechado, atendidos no Hospital João XXIII, oito foram
submetidos ao pneumoperitônio, seis tiveram o diagnóstico feito pelo método, havendo
dois falso-negativos. Além disso, trata-se de um método invasivo e com alguma morbidade;
dos oito pacientes referidos, um deles necessitou de drenagem torácica imediata para alívio
do pneumotórax formado. O médico deve, no entanto, conhecer a técnica que poderá ser
utilizada em locais de poucos recursos.
B. Lavado peritoneal diagnóstico. Tem sido reafirmado que este não é um bom método para
a confirmação de lesão diafragmática. Quando existem outras lesões intra-abdominais
associadas, o lavado peritoneal pode ser negativo em até 24% dos casos, por estar o sangue
no interior do tórax ou por estarem as lesões tamponadas na área subfrênica. Na ausência de
outras lesões, a negatividade do lavado aproxima-se de 100% dos casos. No entanto,
quando positiva, já define o paciente como cirúrgico, e a identificação da lesão
diafragmática poderá ser feita sem dificuldade no peroperatório.
C. Ultra-som. Os pacientes que se encontrarem estáveis hemodinamicamente e sem uma
indicação inequívoca de laparotomia deverão ser estudados. A ultra-sonografia tem sido
largamente utilizada, principalmente na Europa e no Japão. De maneira geral, ela apresenta
um alto grau de positividade para a detecção de líquido livre na cavidade peritoneal e
permite o diagnóstico etiológico no caso de rupturas de órgãos maciços, sendo esta
especificidade superior a 90%. As principais características do método são: ele não é
invasivo, pode ser feito na sala de emergência (com um aparelho portátil), pode ser repetido
quantas vezes forem necessárias, é rápido (de 2 a 20 minutos), é de baixo custo, não requer
administração de contraste e, em alguns centros, é realizado pelo próprio cirurgião que
atende o caso. Mas, no paciente politraumatizado, freqüentemente com distensão gasosa do
intestino ou com enfisema de subcutâneo na parede abdominal, o método pode ser de pouco
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valor. Os gases no intestino ou no subcutâneo dificultarão a passagem dos ecos,
impossibilitando a correta interpretação do exame. A integridade do diafragma nem sempre
poderá ser confirmada pelo método, e os achados negativos não excluem a possibilidade
diagnóstica, devendo ser interpretados de maneira crítica e em comparação com outros
achados. Outra limitação considerável deve-se ao fato de ser um exame examinadordependente. Quanto mais experiente for o e médico que realiza o exame, maior será a
sensibilidade do método.
D. Tomografia computadorizada. A tomografia computadorizada (TC) do abdômen
fornecerá o diagnóstico da maioria das rupturas traumáticas do diafragma. O método deve
ser usado de maneira ainda mais seletiva do que a ultra-sonografia, já que demanda um
longo tempo de estudo e a remoção do paciente da sala de emergência para o centro
radiológico. Além disso, a TC é consideravelmente mais cara e requer a administração de
contrastes.
Os sinais tomográficos mais encontrados são a descontinuidade abrupta da imagem do
diafragma; herniação intratorácica de conteúdo abdominal, vísceras ou gordura omental;
ausência da imagem do diafragma. O estômago ou intestino herniado pode apresentar uma
constrição anular da herniação (sinal do colarinho), e podem ser encontrados sinais
associados, como a ruptura do fígado ou do baço, para o que a tomografia computadorizada
apresenta um alto grau de positividade e especificidade.
Quando a ruptura ocorrer na cúpula diafragmática, esta poderá não ser identificada, já que
os cortes tomográficos passarão tangencialmente à mesma.
A ressonância nuclear magnética apresenta características e resultados semelhantes aos da
tomografia computadorizada.
E. Toracoscopia. Este é o método ideal para o estudo do diafragma. Para os pacientes
estáveis, com alto grau de suspeita do diagnóstico e com acometimento torácico conhecido,
é o método diagnóstico de escolha, sobretudo nas primeiras 24 horas após o trauma.
Depois, a formação de aderências intratorácicas pode acarretar uma laceração pulmonar na
hora da passagem do trocarte. É realizada com o paciente sob anestesia geral, de
preferência com intubação seletiva dos brônquios, e em decúbito lateral, com o lado
acometido para cima. O toracoscópio é introduzido, e toda a cúpula frênica pode ser vista.
Apresenta ainda a vantagem de possibilitar o diagnóstico de uma perfuração no saco
pericárdico. Alguns consideram este método superior à laparoscopia, que apresentaria
limitações quanto ao diagnóstico de pequenas rupturas no diafragma direito, devido à
presença limitante do fígado. Outra vantagem seria a de preservar a cavidade abdominal
virgem de manipulação, no caso da constatação da integridade do diafragma. O dreno
torácico pode ser passado sob visão direta ou pelo orifício por onde foi passado o
toracoscópio. Entretanto, nos traumas contusos não fornecerá qualquer informação sobre a
integridade dos órgãos abdominais. Quando o exame é realizado precocemente, o achado
de lesão do diafragma obriga o cirurgião a realizar uma laparotomia, pois existirá uma
possibilidade considerável de lesão de vísceras intra- abdominais. O diafragma será, então,
tratado durante a laparotomia. Quando houver segurança da integridade das vísceras do
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abdômen, a lesão diafragmática poderá ser tratada pela toracoscopia, como tem sido
provado em numerosos relatos.
F. Laparoscopia. A avaliação do diafragma, sobretudo do lado esquerdo, é provavelmente a
área onde a laparoscopia diagnóstica está sendo empregada com maior benefício em
traumatologia. O trauma toracoabdominal é, portanto, a principal indicação de laparoscopia
no pronto-socorro. Assim como os outros métodos, deverá ser indicada para o paciente
estável. Em alguns centros, é realizada sob anestesia local, na sala de emergência e com um
laparoscópio propedêutico pouco mais calibroso do que uma agulha de lavado peritoneal
diagnóstico. Em nosso meio ela é realizada em centro cirúrgico, sob anestesia geral.
A laparoscopia permite uma ótima visão do diafragma esquerdo e de grande parte do
direito, assim como um inventário acurado da cavidade abdominal, o reconhecimento de
líquidos, sangue e secreções, o achado de lesões de órgãos e a localização de orifícios de
entrada de arma branca e de projéteis de arma de fogo.
O paciente deverá ser posicionado em decúbito dorsal horizontal, e o laparoscópio será
passado pela cicatriz umbilical após insuflação de CO2. Esta insuflação poderá produzir um
pneumotórax, se houver ruptura do diafragma, e o anestesista deverá ser avisado da
possibilidade. O tórax deverá estar preparado para receber um dreno durante o exame, caso
ainda não tenha sido drenado na sala de emergência. A possibilidade de um pneumotórax
poderá ser minimizada com o uso de baixa pressão de insuflação (menor do que 12 mmHg).
Assim como na toracoscopia, várias lesões diafragmáticas têm sido tratadas pela
laparoscopia. A laparoscopia na urgência é tema do Cap. 36, Laparoscopia de emergência.
VI. Tratamento.
As medidas gerais do tratamento inicial do paciente traumatizado foram consideradas em
outros capítulos deste livro. Também no caso de portador de traumatismo toracoabdominal,
o tratamento começa na abordagem inicial do paciente e prossegue enquanto se completa o
diagnóstico. A introdução de sonda nasogástrica para descompressão do estômago melhora
a dispnéia associada às grandes hérnias; além disso, pode ser usada para a introdução de
contraste no estômago, quando necessário. A própria sonda muitas vezes funciona como
contraste radiológico quando existe herniação do estômago. A punção torácica na sala de
emergência seguida da drenagem torácica está indicada para alívio de um pneumotórax
hipertensivo antes mesmo de ser realizada uma radiografia do tórax. A drenagem torácica
sob anestesia local pode estar indicada antes da indução anestésica, para aliviar um grande
pneumotórax ou hemotórax e assegurar a ventilação do paciente pelo anestesista. A
introdução de um dedo pelo orifício de drenagem permite muitas vezes o diagnóstico de
herniação de conteúdo abdominal para o tórax e induz o médico assistente a uma drenagem
cuidadosa com o objetivo de se evitar a desagradável complicação da ruptura iatrogênica de
víscera oca intratorácica. No centro cirúrgico, o tórax e o abdômen do paciente devem ser
preparados de rotina, e seu posicionamento na mesa operatória deve ser feito de forma a
permitir extensão da incisão para o tórax, se necessário.
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Nos casos de suspeita de lesão da cúpula frênica esquerda, a via de acesso indicada é uma
laparotomia mediana, que permite a correção das outras lesões intra-abdominais e uma fácil
exposição do diafragma lesado. A associação de lesão frênica e perfuração de víscera oca
abdominal constitui um dilema terapêutico para o cirurgião. O conteúdo da víscera oca é
facilmente aspirado para o tórax, devido à pressão negativa do espaço pleural, e determina
uma contaminação maciça. A necessidade de uma limpeza rigorosa é indiscutível, podendo
ser usada para tal fim a própria brecha diafragmática ampliada, ou toracotomia formal.
Ainda não está suficientemente estabelecido com qual delas serão conseguidos os melhores
resultados e a menor morbidade.
Quando há suspeita de lesão da cúpula frênica direita, a via de acesso também é uma
laparotomia mediana, muito embora, na maioria dos casos, a reparação do diafragma exija a
associação de toracotomia independente. Nas lesões extensas do lobo hepático direito, pode
haver necessidade de uma toracolaparotomia.
Se o diagnóstico é obtido já com alguns dias de evolução, as lesões intra-abdominais estão
descartadas, e a via de acesso indicada em qualquer dos lados é uma toracotomia, podendo
a laparotomia ser usada em caso de necessidade. Após duas semanas de evolução, as
aderências entre as vísceras herniadas e o pulmão tornam mandatória a via de acesso
torácica.
O tratamento correto das várias lesões intra-abdominais é exposto em diversos capítulos
deste livro. A sutura da lesão diafragmática é realizada sempre com pontos separados de fio
inabsorvível.
VII. Complicações.
Entre as complicações precoces, destacam-se aquelas respiratórias, já citadas, como
atelectasia, pneumonia, abscesso pulmonar e empiema pleural, este quase sempre devido à
contaminação da cavidade pleural pelo conteúdo das vísceras ocas abdominais. A
deiscência da sutura diafragmática representa um problema de difícil solução. Tardiamente,
a restrição respiratória pode tornar-se incapacitante. A associação de bronquiectasias
contribui para a piora da função respiratória. A retração e a atrofia do diafragma podem
exigir o emprego de telas sintéticas para sua reconstituição. Na criança, a hérnia
diafragmática volumosa e de longa duração pode apresentar como conseqüência o
desenvolvimento insuficiente da cavidade abdominal, ocasionando problemas mecânicos
praticamente insolúveis, como a perda de domicílio das vísceras abdominais.
Como já foi citado, os casos não diagnosticados na ocasião do trauma evoluem para um
quadro de hérnia diafragmática estrangulada com importante taxa de morbimortalidade.
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Capítulo 13 - Traumatismo Abdominal
Paulo Roberto Ferreira Henriques
I. Classificação
A. Aberto. Traumatismo abdominal aberto é aquele no qual houve penetração do agente
agressor na cavidade peritoneal do paciente, e este agente exerce seus efeitos diretamente
sobre as vísceras.
B. Fechado. Traumatismo abdominal fechado é aquele no qual não há penetração do agente
agressor na cavidade peritoneal. Os efeitos do agente agressor são transmitidos pela parede
abdominal, ou se dão por contragolpe ou desaceleração.
II. Medidas Gerais.
Algumas medidas gerais devem ser instituídas diante de um paciente com traumatismo
abdominal, antes de se iniciar o tratamento das lesões específicas. Esta divisão a ser
apresentada é meramente didática, sendo a abordagem inicial ao paciente um processo
dinâmico, com as medidas gerais sendo tomadas simultaneamente.
A. Exame físico geral. A realização do exame físico geral é importante por três motivos: (a)
permite a avaliação geral do paciente em função da lesão abdominal isolada, isto é,
possibilita determinar se a lesão abdominal leva a comprometimento do estado
hemodinâmico; (b) permite a avaliação de lesões associadas — o paciente com trauma
abdominal deve ser avaliado como um todo, para se evitar que outras lesões importantes,
como, por exemplo, os traumatismos raquimedulares, passem despercebidas; (c) permite o
estabelecimento de prioridades; a drenagem torácica, por exemplo, pode ser prioritária a
uma laparotomia exploradora.
A sistematização de abordagem é a mesma de outros pacientes traumatizados, seguindo as
recomendações de sistematização do ATLS (Advanced Trauma Life Support), do Colégio
Americano de Cirurgiões.
B. Cateterismo da veia periférica. O paciente deve ter uma porta de entrada satisfatória para
infusão de soluções, sangue e medicamentos. Esta via de entrada é obtida pela punção de
veia periférica com agulha grossa, ou dissecção venosa. A punção de veia jugular interna
ou de veia subclávia pode ser também executada, quando não se conseguir obter uma via de
infusão pelos métodos anteriores, desde que não haja lesão vascular torácica associada. A
dissecção venosa e a punção de veia subclávia permitem a medida da pressão venosa
central (PVC), que é um bom parâmetro para acompanhamento da reposição volêmica e
para identificação da hipertensão venosa, dado este de importância no caso de haver lesão
torácica associada.
C. Sonda vesical de demora. A colocação de sonda vesical de demora permite obter duas
informações valiosas: a diurese é um ótimo reflexo do fluxo sangüíneo esplâncnico; a
existência de lesões do trato geniturinário é indicada pela hematúria ou pela ausência de
urina na bexiga.
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A colocação de sonda vesical de demora deve ser evitada se existem indicações de lesão
uretral, como uretrorragia, retenção urinária e hematomas perineal e escrotal.
D. Assistência ventilatória. O paciente deve receber as seguintes medidas, ao dar entrada na
Unidade de Emergência: retirada de próteses e corpos estranhos das vias aéreas superiores;
aspiração de sangue, secreções e vômitos das vias aéreas superiores; oxigênio por cateter
nasal.
Outras medidas, como intubação endotraqueal, traqueostomia e drenagem torácica, são
executadas conforme a resposta do paciente às três medidas iniciais de assistência
ventilatória e conforme a existência de outras lesões associadas, como TCE, pneumotórax,
hemotórax etc.
E. Tratamento de choque (ver Cap. 6, Tratamento Inicial do Politraumatizado, e Cap. 7,
Choque). O choque inicial em um paciente com trauma abdominal isolado é quase sempre
de origem hipovolêmica; portanto, os comentários que se seguem se restringem a este tipo
de choque.
Inicialmente, deve-se repor qualquer solução eletrolítica que se tenha à mão, até a seleção
do agente adequado. O agente eletrolítico mais indicado é o Ringer lactato, por possuir
constituição eletrolítica semelhante à do líquido extracelular e seu conteúdo em sódio ser
útil na expansão deste espaço. O lactato é convertido em bicarbonato, exceto se o paciente
tem acidose metabólica grave. Neste caso, indicam-se dextrose e água, associadas a
bicarbonato de sódio.
O exame de hematócrito determina a necessidade de sangue ou de concentrado de
hemácias.
A pressão venosa central e o fluxo urinário (mínimo de 30-40 ml/h) são bons indícios da
reposição volêmica.
Os vasopressores não devem ser utilizados no choque hipovolêmico puro, pois,
experimentalmente, levaram a um aumento significativo da mortalidade. O uso destes
agentes fica restrito ao choque séptico isolado ou associado ao hipovolêmico.
Nos casos de intensa vasoconstrição periférica mantendo má-perfusão tissular,
independentemente do volume e do tipo de líquido infundido, vasodilatadores como a
clorpromazina ou o nitroprussiato de sódio podem, ocasionalmente, ser úteis (situações em
que não exista resposta à infusão adequada).
F. Antibióticos. O paciente traumatizado que se encontra em imunossupressão apresenta
várias portas de entrada à infecção, através de sondas e veias dissecadas, e geralmente tem
rompida a defesa primária do corpo, que é a barreira cutaneomucosa.
Os antibióticos, quando administrados no pré-operatório (até duas horas antes da cirurgia),
diminuem a incidência e a gravidade das infecções após o trauma abdominal penetrante.
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Três tipos de bactérias são importantes na biologia das infecções após o trauma abdominal:
enterococos, gram-negativos e anaeróbios. Portanto, qualquer esquema de antibióticos a ser
executado deve levar em conta este fato. O esquema deverá ser iniciado na sala de
emergência e suspenso após 72 horas, se não ocorrerem complicações infecciosas. Como
exemplos citam-se três associações: penicilina cristalina + aminoglicosídeo + clindamicina
ou metronidazol; penicilina cristalina + cloranfenicol; cefalosporina + aminoglicosídeo +
clindamicina ou metronidazol.
III. Propedêutica
A. Exame clínico. No trauma abdominal é fundamental o exame clínico seqüencial, e são as
pequenas alterações de um exame para outro que fornecem o diagnóstico e a indicação
cirúrgica. Não se deve satisfazer apenas com o primeiro exame, se este for normal. O
paciente não deve ser liberado; deve ser mantido em observação hospitalar por, no mínimo,
seis horas, sendo examinado a cada meia hora, de preferência pelo mesmo cirurgião. Com
este método pode-se fazer o diagnóstico precoce e indicar a cirurgia em tempo hábil.
B. Exame geral. As alterações do pulso, da pressão arterial, temperatura axilar e das
mucosas podem levar à suspeita precoce de lesões das vísceras ocas com extravasamento
progressivo de secreções digestivas e de lesões de vísceras maciças com sangramento,
mesmo que moderado.
Deste modo, a freqüência aumentada do pulso, associada a descoramento progressivo de
mucosas e a hipotensão postural, pode significar uma lesão de víscera maciça, com
sangramento discreto, porém contínuo. A aceleração gradativa do pulso, associada a
mucosas que se ressecam e temperatura axilar em ascensão, pode significar pequena
perfuração do tubo digestivo.
C. Exame do tórax. Basicamente, devem ser procurados: hemopneumotórax, ruídos
peristálticos no tórax (hérnia diafragmática), fraturas de costelas, enfisema subcutâneo,
abafamento de bulhas cardíacas, desvio de icto e dos focos de ausculta e contusão
pulmonar.
D. Exame neurológico. Deve-se avaliar a existência de TCE, pois pacientes com lesões
neurológicas centrais podem apresentar manifestações de lesões intra-abdominais tênues ou
retardadas.
E. Fraturas de membros. A fratura de fêmur pode seqüestrar grande quantidade de sangue,
sem evidência externa de sangramento. Por este motivo, uma fratura bilateral pode
ocasionar um quadro de hipovolemia importante; o cirurgião desatento, não encontrando
explicação para este quadro, pode ser levado a realizar uma laparotomia exploradora
intempestiva e branca.
F. Fraturas da pelve. Estas lesões devem ser identificadas por dois motivos principais: (a)
presença de lesões associadas, principalmente de reto, bexiga e uretra; (b) presença de
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hematoma retroperitoneal secundário às lesões ósseas, que podem seqüestrar até quatro
litros de sangue e são de tratamento eminentemente conservador.
G. Exame do abdômen. Após o exame físico geral, que deve ser rápido e objetivo, e após as
medidas gerais, deve-se concentrar a atenção sobre o abdômen. O exame físico do abdômen
traumatizado segue a rotina da propedêutica abdominal e pode ser esquematizado da
seguinte forma:
1. Inspeção. A presença de escoriações e contusões sugere a gravidade do trauma e a
possibilidade de lesões internas. Lesões da parede abdominal localizadas nos hipocôndrios
ou nas regiões lombares podem ter, subjacentes a elas, lesões do fígado, do baço ou do rim.
Uma contusão epigástrica causada pelo volante, em um acidente automobilístico, sugere a
possibilidade de lesões pancreaticoduodenais. Contusões no hipogástrio sugerem lesões do
íleo terminal, por compressão deste sobre a coluna lombar.
A presença de distensão abdominal generalizada no trauma geralmente indica uma fase
mais avançada de evolução, com peritonite.
A distensão localizada no epigástrio é muito comum em crianças traumatizadas e sugere
distensão gástrica aguda. A colocação de sonda nasogástrica é um meio diagnóstico e
terapêutico para esta situação.
2. Percussão. Investiga-se a presença de distensão gasosa ou macicez. A presença de
macicez pode significar a existência de grande hematoma ou líquido na cavidade
peritoneal. Um dado de grande valor para a existência de líquido é a presença de macicez
móvel.
3. Palpação. A palpação deve ser necessariamente seqüencial, e as alterações encontradas
devem ser sistemáticas e perfeitamente anotadas, pois a evolução destas alterações é
altamente significativa. Na palpação, devem-se procurar:
a. Ruptura de músculos da parede abdominal: é altamente sugestiva de lesão de víscera
intra-abdominal, pela intensidade do agente traumático.
b. Massas palpadas e em crescimento progressivo: podem significar hematomas
subcapsulares ou retroperitoneais.
c. Dor: deve-se delimitar muito bem a localização da dor no primeiro exame e sua evolução
nos exames subseqüentes, pois esta evolução pode sugerir várias circunstâncias
importantes. Os seguintes exemplos são ilustrativos: (a) dor bem localizada no exame
inicial e que posteriormente se difunde centrifugamente ou em direção a regiões
anatômicas, nas quais pode haver acúmulo de líquido (goteiras parietocólicas, fossas ilíacas
e pelve) — sugere secreção líquida livre na cavidade peritoneal; (b) dor presente logo após
o traumatismo, diminuindo uma ou duas horas depois e voltando a piorar após seis horas,
aproximadamente — sugere lesão pancreática ou duodenal; (c) dor presente e localizada
por mais de 12 horas (excluído processo de parede) — sugere lesão intra-abdominal,
mesmo que não haja sinais locais de peritonite; (d) dor localizada em um hemiabdômen e
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que se interrompe bruscamente ao nível da linha mediana: sugere traumatismo da parede,
com hematoma na bainha do músculo reto do abdômen. Chama-se a atenção para o
paciente alcoolizado ou drogado, no qual o processo doloroso pode estar muito mascarado,
e para o paciente com TCE associado, que pode ter manifestações abdominais mínimas.
d. Defesa, contratura, sinal de Blumberg: quando estão presentes, indicam irritação do
peritônio parietal e peritonite química ou bacteriana.
4. Ausculta. A ausculta abdominal deve ser executada pelo mesmo cirurgião, pois o
julgamento da intensidade dos ruídos peristálticos pode apresentar variações de um médico
para outro. Quando os ruídos peristálticos apresentam franca diminuição de sua intensidade
à medida que o paciente evolui, tem-se a indicação de íleo paralítico. Este íleo pode ser
secundário ao efeito dos líquidos que, extravasando para a cavidade peritoneal, irritam a
serosa (lei de Stokes), ou a um hematoma retroperitoneal.
5. Toque retal. Tanto o desaparecimento da próstata como a palpação de massa amolecida e
dolorosa são sugestivos de hematoma retroperitoneal. A presença de sangue durante o
toque retal sugere lesão cólica ou retal. O enfisema perirretal sugere perfuração de víscera
oca retroperitoneal (p. ex., duodeno).
IV. Exame Radiológico.
O paciente com traumatismo abdominal deve, no momento de seu atendimento inicial, ser
submetido a, no mínimo, três exames radiológicos.
A. Raios X simples de tórax. Sempre que possível, este exame deve ser realizado em
posição ortostática. Nesta incidência, devem-se procurar lesões torácicas associadas,
ruptura diafragmática, pneumoperitônio, espontâneo ou provocado, e projéteis no tórax.
B. Raios X simples de abdômen em ortostatismo e decúbito dorsal. Nas fases iniciais do
trauma abdominal, os sinais de peritonite não são muito evidentes, e o exame radiológico
não é muito útil para o diagnóstico de lesões inflamatórias. Existem, contudo, alguns sinais
radiológicos freqüentemente esquecidos, que são de grande importância, e que devem ser
minuciosamente investigados: (a) fratura da nona e da 12ª costelas: freqüente associação
com lesões hepáticas, esplênicas ou renais; (b) retropneumoperitônio: bolhas de ar no
retroperitônio ou lâmina de ar dissecando a sombra renal e o músculo psoa sugerem lesão
do duodeno retroperitoneal; (c) escoliose e apagamento da sombra do músculo psoas
sugerem lesões duodenopancreáticas; (d) os sinais radiológicos da lesão esplênica surgem
com muito pouca freqüência, mas não podem ser esquecidos — estes sinais são muito mais
freqüentes no hematoma subcapsular e no hematoma periesplênico e correspondem a uma
lesão expansiva no hipocôndrio esquerdo (p. ex., elevação da hemicúpula frênica esquerda,
derrame pleural à esquerda, aumento da densidade radiológica no hipocôndrio esquerdo,
rechaçamento da câmara de ar gástrica para a direita e do ângulo esplênico do cólon para
baixo); (e) raios X da pelve: este exame é útil para o diagnóstico de lesões da bacia — estas
lesões são importantes porque podem originar hematomas retroperitoneais e lesões da
uretra, da bexiga e do reto.
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C. Estudo radiológico contrastado. Os estudos radiológicos contrastados são úteis em
algumas situações decorrentes do trauma abdominal.
1. REED. Deverá ser realizado sempre que houver suspeita de hérnia diafragmática, de
lesão digestiva alta ou hiperamilasemia. Utiliza-se contraste hidrossolúvel.
2. Urografia excretora. Deverá ser realizada quando houver suspeita de lesão do trato
geniturinário.
3. Uretrocistografia. Deve ser realizada quando se suspeita de lesão uretral (uretrorragia e
retenção urinária) ou de lesão vesical (ausência de urina na bexiga ou hematúria).
4. Enema opaco. Deve ser realizado quando houver evidências de hérnia diafragmática e o
REED não esclareceu a suspeita.
5. Arteriografias. São úteis para o diagnóstico de lesões de vísceras maciças, como fígado,
baço e rim. Devem ser feitas sistematicamente, nos casos em que a urografia excretora
tenha demonstrado a existência de um rim excluído.
V. Métodos Complementares
A. Punção abdominal. A punção abdominal procura, basicamente, a presença de sangue na
cavidade peritoneal, mas podemos investigar também a presença de amilase e de coliformes
no líquido aspirado. A punção deve ser realizada nas seguintes situações: paciente
hipovolêmico sem evidências de sangramento externo, intratorácico ou em fraturas;
paciente com abdômen doloroso e com hipotensão postural; paciente que apresenta franca
hemodiluição; paciente com TCE grave associado; paciente que será submetido a anestesia
grave ou bloqueios (raque ou peridural) para outros procedimentos, como correção de
fratura exposta, neurocirurgia etc.
A punção abdominal é realizada em ambas as fossas ilíacas, evitando-se a bainha do
músculo reto do abdômen (possibilidade de punção dos vasos epigástricos, levando a
resultado falso-positivo) e cicatrizes de laparotomias prévias (possibilidades de puncionar
alças intestinais aderidas).
A agulha é imobilizada assim que penetra a cavidade peritoneal, e não se deve aspirá-la
com a seringa, pois esta medida pode ocasionar um resultado falso-negativo, caso a ponta
da agulha seja bloqueada por uma alça intestinal.
Caso a punção seja negativa, deve-se proceder ao lavado peritoneal, injetando-se 500-1.000
ml de solução fisiológica e procurando-se recuperar este líquido. Este lavado ocasiona um
aumento significativo no índice de positividade da punção abdominal.
B. Hematócrito seriado. O hematócrito realizado a cada meia hora após quatro medidas
indica a existência de duas situações: (a) hemodiluição, que indica hemorragia recente ou
em evolução; (b) hemoconcentração, que indica seqüestro de líquido.
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C. Amilase. A dosagem da amilase sérica é útil porque, quando elevada, sugere perfuração
de víscera oca digestiva alta ou traumatismo pancreático.
D. Ultra-sonografia. De extrema utilidade na detecção de massas expansivas abdominais,
ou de líquido livre na cavidade, está atualmente disponível em grande parte dos hospitais
brasileiros, inclusive para exames de urgência. Sua grande vantagem está na rapidez de
execução, podendo ser realizada à beira do leito do paciente. Sua desvantagem está em ser
um exame examinador-dependente, o que pode comprometer o seu resultado.
Sua utilização tem aumentado mundialmente, principalmente no trauma abdominal
fechado.
E. Tomografia computadorizada. Capaz de mostrar com detalhes os órgãos abdominais,
está disponível nos centros médicos mais completos existentes no Brasil, tornando-se um
exame cada vez mais rotineiro. Possibilita demonstrar pequenas lesões em órgãos intraabdominais (p. ex., baço, fígado), orientando uma decisão cirúrgica (pode ser especialmente
útil em crianças).
F. Laparoscopia. Exame que exige equipamento especializado e médico treinado, é capaz
de fornecer dados importantes para o diagnóstico em grande parte dos casos (ver Cap. 36,
Laparoscopia na Emergência).
Referências
1. Anderson CB, Ballinger WF. Abdominal injuries. In: Zuidema GD, Rutherford RB,
Ballinger WF. The Management of Trauma. Philadelphia: Londres, Toronto, W.B.
Saunders Co., 1979.
2. Cushing RD. Antibióticos nos traumatismos. Clin Cir Am Nort 1977; 165: 78.
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1997 Aug; 77(4): 813-20.
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Norte 1977; 49: 65.
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6. Philipart AI. Contusões abdominais na infância. Clin Cir Am Norte 1977; 151-2.
7. Richardson MC, Hollman AS, Davis CF. Comparison of computed tomography and
ultrasonographic imaging in the assessment of blunt abdominal trauma in children. Br J
Surg 1997 Aug; 84(8): 1.144-6.
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8. Ruess L, Sivit CJ, Eichelberger MR et al. Blunt abdominal trauma in children: impact of
CT on operative and nonoperative management. AJR Am J Roentgenol 1997 Oct; 169(4):
1.011-4.
9. Schurink GW, Bode PJ, van Luijt PA, van Vugt AB. The value of physical examination
in the diagnosis of patients with blunt abdominal trauma: a retrospective study. Injury 1997
May; 28(4): 261-5.
10. Sjovall A, Hirsch K. Blunt abdominal trauma in children: risks of nonoperative
treatment. J Pediatr Surg 1997 Aug; 32(8): 1.169-74.
11. Williams RA, Black JJ, Sinow RM, Wilson SE. Computed tomography-assisted
management of splenic trauma. Am J Surg 1997 Sep; 174(3): 276-9.
Copyright © 2000 eHealth Latin America
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Capítulo 14 - Traumatismo Hepático
Walter Antonio Pereira
Ronan Coelho Caldeira
I. Traumatismo Hepático
A. Generalidades. Os traumatismos hepáticos estão presentes em grande parte das lesões
intra-abdominais, sejam elas abertas ou fechadas, em decorrência da posição e do tamanho
da víscera.
Entre os traumatismos hepáticos abertos, as lesões conseqüentes a projéteis de arma de fogo
são as mais freqüentes e, usualmente, as mais graves. A seguir, vêm as lesões por arma
branca.
Entre os traumatismos hepáticos fechados, os acidentes automobilísticos são, de longe, a
causa mais freqüente, e com uma incidência progressivamente maior em função do maior
número e gravidade desses acidentes. As quedas e contusões por motivos diversos também
contribuem significativamente para o aumento do número de lesões hepáticas.
As lesões de outras estruturas estão quase sempre associadas aos traumatismos hepáticos e
contribuem significativamente para o aumento das taxas de morbidade e mortalidade.
Entre as lesões encontradas em associação a lesões hepáticas, as mais freqüentes são: do
trato gastrointestinal, da parede torácica e dos órgãos intratorácicos, renais, do baço e
crânio.
O fígado ocupa o hipocôndrio direito e ultrapassa a linha média, relacionando-se com o
estômago, cólon transverso e baço. Os vários ligamentos são reflexões do peritônio sobre a
superfície hepática. A divisão em lobos direito e esquerdo, os ligamentos hepáticos, e a
distribuição segmentar dos canais biliares e das veias hepáticas são vistos nas Figs. 14-1 a
14-4.
B. Diagnóstico e tratamento pré-operatório. A imediata avaliação do estado geral do
paciente, com as medidas usuais de suporte terapêutico do politraumatizado, é regra geral.
O exame clínico, a punção abdominal, a videolaparoscopia e os estudos de imagem
constituem os meios pelos quais podemos estabelecer o diagnóstico de lesão hepática.
Deve-se suspeitar de lesão hepática na presença de sinais de contusão de parede na região
toracoabdominal direita, traumatismos penetrantes na parede inferior do tórax e fraturas de
arcos costais da caixa torácica inferior direita.
No exame clínico, os sinais encontrados variam em função da magnitude da perda
sangüínea. Se a perda sangüínea é de 10-20% do volume sangüíneo total, o organismo
tolera bem, e sinais de irritação peritoneal são evidenciados ao longo da observação do
paciente. Nesses casos, mantida a estabilidade hemodinâmica, pode-se optar por um
tratamento conservador não-cirúrgico.
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Se a perda sangüínea é de 20 a 30%, hipovolemia moderada, o débito cardíaco cai para
50% do valor normal. Como resultado, o paciente apresenta taquicardia e queda da pressão
arterial média; não se observam seqüelas de isquemia celular.
A administração rápida de dois litros de solução eletrolítica balanceada (Ringer lactato) é
suficiente para corrigir o déficit do volume sangüíneo, se o sangramento tiver cessado.
Se a perda sangüínea é de mais de 30%, instalam-se hipotensão e perfusão celular
inadequada. A hipotensão, portanto, reflete um choque hipovolêmico grave. Deve-se
administrar, além da solução eletrolítica balanceada, sangue fresco total após tipagem e
prova cruzada.
A administração de antibióticos, preferencialmente de amplo espectro, deve ser iniciada no
pré-operatório.
A ultra-sonografia e a tomografia computadorizada são os exames de escolha, por não
serem invasivos e poderem estabelecer o caráter das lesões, descobrindo uma lesão
posterior ou delimitando os setores. A tomografia computadorizada, ao detectar com
eficácia as lesões, deve ser usada como método auxiliar na observação de pacientes
estáveis.
A angiografia é um exame que pode estabelecer o local e a magnitude da lesão, bem como
levar ao controle da hemorragia através de embolização da artéria hepática. A embolização
da artéria hepática é recomendada nos casos de lesões segmentares e lesões contusas
transfixantes.
A videolaparoscopia é indicada em caso de suspeita de lesão intra-abdominal,
principalmente por arma branca, em que o paciente apresenta estabilidade hemodinâmica.
A punção abdominal é suficiente para evidenciar a presença de quantidades moderadas e
grandes de sangue na cavidade, e a punção com lavado peritoneal leva à detecção de
pequenas quantidades de sangue.
Sempre que as condições do paciente permitirem, deverá ser realizada a punção abdominal
após os estudos radiológicos, já que a presença de ar ou líquido na cavidade abdominal
pode seguir-se ao procedimento acima, podendo ser confundido com lesão de víscera oca.
Estudos radiológicos pouco ajudam nos casos de pacientes portadores de lesão de víscera
maciça. Eles devem ser realizados nos pacientes com sinais vitais estabilizados e
diagnóstico questionável quanto à lesão intra-abdominal. As incidências para estudo
radiológico do abdômen devem ser o decúbito dorsal, ortostatismo e, ocasionalmente,
decúbito lateral.
O estudo radiológico do tórax deve ser feito, já que pode mostrar sinais indiretos de lesões
intra-abdominais.
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Podem ser observadas fraturas ou deslocamentos de partes ósseas, densidade aumentada
nas proximidades do fígado e acúmulo de líquidos entre as sombras gasosas das alças
intestinais, evidenciando indiretamente a presença de sangue na cavidade abdominal.
A cintilografia hepática deve ser limitada àqueles pacientes com diagnóstico incerto e cujas
condições permanecem estáveis. Ela pode evidenciar a presença de hematomas no
parênquima.
Exames hematológicos são de pouca utilidade diagnóstica. As perdas sangüíneas agudas
não levam a alterações precoces do hemograma.
C. Classificação e tratamento cirúrgico. A maioria das lesões hepáticas por traumatismo
abdominal fechado passa despercebida, quando não existem outras lesões intra-abdominais
associadas, em função da grande capacidade hemostática do órgão e da pequena irritação
peritoneal que o extravasamento de sangue provoca.
As pequenas lesões são quase sempre encontradas em laparotomias provocadas por lesões
de outras vísceras simultaneamente.
O tratamento cirúrgico das lesões hepáticas depende da extensão dessas lesões e, nos casos
graves, a ressecção hepática deve ser anatômica (Fig. 14-5).
1. Lacerações capsulares. Geralmente não sangram. Quando sangram, é suficiente uma
pequena compressão direta feita com “bonecas” de gaze montadas em pinças hemostáticas
longas. Suturas são dispensáveis. Dreno de borracha macia (Penrose) deve ser colocado nas
proximidades da área lesada.
2. Lacerações parenquimais
a. Realizar um tamponamento temporário, identificar e ligar vasos e canais biliares.
b. Desbridar tecidos desvitalizados.
c. Suturar as lesões com fio absorvível cromado número 1-0 ou 2-0, com pontos em “X” ou
“U”, evitando apertar em demasia na amarração e tomando o cuidado de evitar pontos
profundos no centro, o que poderá lesar vasos e canais biliares subjacentes e impedir uma
drenagem adequada.
d. Colocar drenos de borracha macia (Penrose) nas proximidades da lesão com saída
póstero-lateral na parede abdominal.
3. Feridas penetrantes
a. Realizar tamponamento temporário.
b. Identificar e ligar vasos e canais biliares.
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c. Desbridar tecidos desvitalizados.
d. Quando a ferida for transfixante, suturar, no máximo, um dos orifícios, deixando aberto
aquele que favorece uma boa drenagem.
e. A drenagem (hepatostomia) pode ser feita através de um cateter de Foley a ser colocado
no interior da ferida. Este mesmo procedimento de drenagem poderá ser adotado quando o
orifício for único.
f. Quando o trajeto da ferida passar centralmente por ambos os lobos, pode-se fazer um
tamponamento por balão dentro desse orifício transfixante, mantendo-o inflado por, pelo
menos, 48 horas.
4. Destruição lobar ou hematoma central
a. Realizar uma incisão ampla, com esternotomia ou toracofrenolaparotomia ou toracotomia
e laparotomia.
b. Realizar uma compressão firme com compressas e ocluir o hilo hepático com os dedos
ou pinça vascular.
c. Identificar e ligar ramos expostos intra-hepáticos arteriais e venosos-porta.
d. Testar o controle da hemostasia, afrouxando, intermitentemente, a pinça colocada no hilo
hepático. Se o controle se revelar ineficaz, tentar a oclusão seletiva da artéria hepática com
remoção do tecido desvitalizado.
e. A colecistectomia deve ser realizada na maioria das ressecções hepáticas, e a dissecção
cuidadosa do hilo hepático acima do duto cístico deve preceder os procedimentos cirúrgicos
(ressecções), após controle do sangramento.
f. Drenagem abundante da região, com drenos de borracha macia e drenos tubulares
revestidos com drenos de borracha macia (Penrose). Tubos de aspiração podem ser
utilizados.
g. Compressão temporária com compressas e fechamento abdominal podem ser utilizados
em casos de hemorragia retroperitoneal ou abdominal difusa, associados a coagulopatia,
hipotermia e acidose.
5. Lesão venosa hepática ou da veia cava retro-hepática (Fig. 14-6)
a. Se o sangramento persistir após os procedimentos adotados anteriormente, deve-se
suspeitar da lesão de uma grande veia hepática ou da veia cava retro-hepática.
b. Sangramento persistente e abundante é indicado para se realizar o pinçamento da aorta
ao nível do diafragma, com o objetivo de manter uma pressão arterial adequada.
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c. Após controle parcial do sangramento, introduzir um shunt na veia cava inferior para
conseguir o isolamento vascular do fígado. Pode-se realizar o shunt utilizando-se um dos
seguintes métodos:
(1) Introduzir um cateter de Foley nº 26 na veia cava inferior, através de uma sutura em
bolsa, imediatamente acima das veias renais. O cateter é introduzido e o balão, inflado, logo
acima do diafragma.
É colocado um torniquete na veia cava logo acima das veias renais, e o hilo hepático é
clampado no nível do omento menor, para completar o isolamento do segmento lesado da
veia cava e a drenagem das veias hepáticas.
A desvantagem dessa técnica é o coração ficar privado da metade do retorno venoso. É
indispensável a monitoração cuidadosa por pressão venosa central e transfusão rápida.
(2) O shunt interno da cava elimina o problema do retorno venoso. Um dreno de tórax
Portex nº 36 é inserido através de uma sutura em bolsa, no átrio direito, e introduzido na
veia cava até abaixo das veias renais.
Torniquetes são colocados na veia cava inferior, acima do diafragma e logo acima das veias
renais, mas orifícios no tubo, acima e abaixo dos torniquetes, permitem o retorno para o
coração. Se necessário, a extremidade superior do cateter pode ser desclampada para
transfusão rápida.
A oclusão do hilo hepático é necessária.
(3) Uma outra técnica, a instalação de um bypass venovenoso extracorpóreo, utilizado em
hepatectomia total para transplante de fígado, tem a vantagem de preservar o retorno
venoso para o coração.
D. Complicações. As complicações das lesões hepáticas surgem, quase sempre, em
decorrência das lesões associadas. Outras causas menos comuns variam em função do tipo
de lesão, do instrumento que a causou e das iatrogenias. O índice de complicações de lesões
hepáticas é de, aproximadamente, 12,5%, e as complicações mais comuns são:
1. Abscessos subfrênicos. Juntamente com as fístulas biliares, constituem as complicações
mais freqüentes, principalmente quando há lesão associada, e exigem drenagem cirúrgica
para o tratamento. As drenagens, sempre que possível, devem ser extraperitoneais.
2.Fístulas biliares. Freqüentes, surgem em decorrência da perda de solução de continuidade
da superfície hepática e da presença de edema em toda ou em parte da víscera traumatizada,
dificultando a drenagem biliar pelas vias usuais.
São geralmente benignas, se a drenagem é adequada, e o tempo de resolução varia em
função da redução do edema. Se a drenagem de bile persistir após as duas primeiras
semanas, será conveniente proceder a estudos colangiográficos, com a finalidade de
verificar a presença de outras possíveis causas obstrutivas.
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3. Icterícia. Pode ser conseqüente à hemólise pós-traumática ou obstrução por edema
hepático e à presença de coágulos na árvore biliar.
O tratamento é geralmente conservador, desaparecendo após duas semanas. Se persistir,
proceder a exames hematológicos e estudos colangiográficos.
4. Abscessos intra-hepáticos. São relativamente raros e têm como causa principal a
presença de massa necrótica e hematomas intra-hepáticos.
Apresentam alta taxa de mortalidade e manifestam-se por febre e mal-estar. Podem
apresentar sudorese noturna e dor abdominal ao nível do fígado.
A cintilografia hepática por tomografia computadorizada e a ultra-sonografia são os
métodos diagnósticos mais eficientes.
A essência do tratamento dos abscessos intra-hepáticos são a drenagem cirúrgica com
colocação de drenos calibrosos e a drenagem percutânea com acompanhamento
radiológico.
5. Hemobilia. É relativamente rara; pode ser definida como conexão anormal entre vasos
sangüíneos e canais biliares, conseqüentes à laceração direta das estruturas afetadas, ou
pode representar o resultado de dano na parede arterial, com subseqüentes necrose e ruptura
para dentro da árvore biliar.
Manifesta-se com quadro de dor recidivante em cólica no abdômen superior, acompanhada
por sangramento gastrointestinal e icterícia obstrutiva. O sangramento pode variar de
maciço a microscópico.
Além da história de traumatismo prévio, o diagnóstico é feito por meio da endoscopia e da
arteriografia seletiva.
O tratamento é essencialmente cirúrgico, e a conduta mais adequada inclui a exploração
direta com ligadura do vaso sangrante e o desbridamento e a drenagem do fígado.
Quando o hematoma ou a destruição hepática são extensos, o isolamento e a ligadura da
artéria lobar correspondente são tratamentos eficazes.
Pelo fato de não corrigirem as lesões hepáticas associadas à embolização do ponto
sangrante intra-hepático, as técnicas angiográficas não são as formas preferidas de
tratamento.
Podem ser necessárias a exploração e a drenagem do colédoco com um tubo em T, já que
coágulos sangüíneos podem levar à obstrução e à manutenção do quadro.
II. Traumatismo das Vias Biliares Extra-Hepáticas.
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A lesão das vias biliares extra-hepáticas é rara, estando em torno de 2-5% dos traumatismos
abdominais, sendo, em geral, associada ao trauma abdominal penetrante (por arma de fogo
ou arma branca) e, às vezes, por contusão abdominal. Nos adultos, predominam as lesões
penetrantes e, nas crianças, as contusões (geralmente no quadrante superior direito do
abdômen).
A apresentação clínica é decorrente da lesão associada de outras vísceras intra-abdominais,
que levam ao choque hipovolêmico e ao peritonismo. A lesão isolada das vias biliares pode
passar despercebida, por ser a bile estéril pouco irritativa, cursando o quadro com dor
abdominal leve e sinais hipovolêmicos de pouca gravidade, que regridem espontaneamente,
levando o paciente a receber alta hospitalar para, dentro de alguns dias ou semanas, retornar
com icterícia, inanição, náuseas, vômitos, distensão abdominal, ascite, fezes acólicas, dor e
elevação moderada da temperatura corporal. O diagnóstico pode necessitar de exames
complementares, como tomografia, ultra-sonografia e colangiografia transepática
percutânea; a angiografia seletiva pode ser indicada para descartar hemobilia em casos de
sangramento.
Mesmo durante laparotomias exploradoras, o reconhecimento da lesão pode passar
despercebido, necessitando de alto índice de suspeita. No caso de hematomas e coleções de
bile no hilo hepático ou retroperitônio, deve-se empregar a manobra de Kocher para
pesquisa adequada da árvore biliar, podendo a colangiografia intra-operatória ajudar na
identificação da lesão. Os procedimentos reparadores são os preferidos, evitando-se a
colangite e estenoses.
A. Vesícula biliar. Corresponde ao segmento das vias biliares extra-hepáticas mais atingido
nos traumas. Tem como fatores predisponentes à lesão a fina parede da vesícula normal, as
distensões pós-prandiais e a ingestão alcoólica, que, ao levar à secreção de gastrina e
secretina, aumenta o fluxo e a produção de bile e o tônus do esfíncter de Oddi, com
conseqüente aumento da pressão intravesicular, além de estar associada ao relaxamento da
parede abdominal pela intoxicação alcoólica aguda. A vesícula pode sofrer laceração ou
perfuração, avulsão ou contusão, podendo, ainda, ser sede de colecistite traumática devido a
sangramento intravesicular.
O tratamento de escolha é a colecistectomia, por ser um processo simples e seguro, com
mínimas seqüelas, podendo ser realizada em pacientes instáveis no momento da cirurgia. A
colecistorrafia, apesar de descrita na literatura com sucesso, não deve ser realizada, devido
ao risco de formação de cálculos e colecistite subseqüente. O tratamento conservador é
reservado a pequenas contusões e avulsões parciais.
A mortalidade associada à lesão de vesícula biliar isolada está em torno de 0%. Os casos de
morte, em geral, são devidos ao traumatismo de outros órgãos intra-abdominais.
B. Dutos biliares. De acometimento menos comum ainda, as lesões de dutos biliares podem
atingir o colédoco, os hepáticos comum, direito ou esquerdo.
Os traumas penetrantes podem estar associados à lesão de outras estruturas do hilo
hepático, como veia porta e artéria hepática. Os traumas contusos lesam os dutos biliares,
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mas poupam os elementos vasculares, devido ao fato de a artéria hepática ser tortuosa e
sem pontos de fixação, e porque a veia porta, não possuindo válvulas, esvazia-se e
descomprime-se rapidamente em direção à circulação esplâncnica. Ao contrário, o duto
biliar comum tem dois pontos de fixação (junção pancreoduodenal e bifurcação dos canais
hepáticos), ocorrendo secção contusa, usualmente no ponto em que o canal penetra no
pâncreas e, menos comumente, no local de bifurcação dos hepáticos.
O tratamento das lesões dutais extra-hepáticas é ditado pela extensão do dano tecidual e
pelo quadro clínico geral do paciente no momento da cirurgia.
As opções terapêuticas nos pacientes estáveis são:
1. Lesões tangenciais. Sutura da lesão com material absorvível e drenagem com tubo em T,
não estando a permanência deste claramente definida, variando de duas semanas a até seis
meses.
2. Secção completa do trato biliar extra-hepático. Associa-se ao alto índice de estenose,
quando tratado com anastomose término-terminal com drenagem com tubo em T; a
anastomose dutoentérica em Y-de-Roux associa-se à menor taxa de estenose e, mesmo no
caso de vazamento, não dá saída à secreção entérica; a coledocoduodenostomia é de difícil
realização, pois o duto é de pequeno calibre, podendo levar ao risco de fístula duodenal
lateral em caso de vazamento; a anastomose colecistojejunal pode ser empregada em
destruições extensas do colédoco ou quando, por qualquer motivo, este não se prestar para a
anastomose.
3. Secção completa do duto hepático. A ressecção hepática é indicada quando há lesão
extensa associada ao fígado, tendo morbidade e mortalidade maiores; a ligadura do ramo
hepático direito ou esquerdo pode ser realizada quando não se consegue fazer anastomose,
e leva à atrofia do lobo ao qual foi ligado o canal e à hipertrofia do lobo contralateral,
podendo formar-se abscessos hepáticos e surgir sepse. A anastomose êntero-hepática em Yde-Roux é preferível à anastomose primária e, como esta, pode ser de difícil execução
técnica, pelo calibre do duto e por sua posição anatômica.
Em pacientes instáveis, quando a tentativa de um tratamento definitivo torna-se impossível,
usa-se a drenagem externa, que previne a ascite biliar, até que seja possível a reoperação.
Pode ser usada drenagem com tubo em T, colecistostomia ou drenagem terminal do
colédoco com tubo.
A cirurgia de Whipple pode ser necessária em lesões do duto biliar associadas a lesões
pancreatoduodenais complexas ou da ampola de Vater; reimplantes de ampola de Vater
foram realizados com sucesso. A mortalidade das lesões dos dutos está associada às lesões
de outras vísceras intra-abdominais. A morbidade pode ser alta em decorrência de fístulas e
estenoses.
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Capítulo 15 - Traumatismos Esplênicos
Guilherme Durães Rabelo
I. Introdução.
As lesões esplênicas consistem em achados freqüentes no trauma abdominal —
particularmente no traumatismo contuso — e são comumente encontradas nas crianças. Os
traumas esplênicos, com propedêutica adequada e eficiente, como a ultra-sonografia e a
tomografia computadorizada, apresentam como maior desafio, às vezes diante de quadro
clínico fugaz, a valorização por parte do cirurgião do trauma de lesões abdominais e extraabdominais que se associam às lesões esplênicas. No decorrer deste capítulo,
apresentaremos alguns dados numéricos obtidos em nossa série de lesões esplênicas,
observadas no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
II. Anatomia.
O baço é localizado no quadrante superior esquerdo do abdômen, mantido na posição pelos
ligamentos gastroesplênico, frenoesplênico, lienorrenal e lienocólico, recoberto por
peritônio, exceto no hilo. É envolvido por uma cápsula de tecido conjuntivo que contém
poucas células musculares e que se estende para dentro do parênquima esplênico na forma
de trabéculas que compartimentalizam o baço. O suprimento sangüíneo é realizado pela
artéria esplênica, que compreende um dos ramos do tronco celíaco. Este se divide em ramos
segmentares no hilo que seguem o trajeto das trabéculas esplênicas. Esta distribuição
segmentar das artérias é responsável pelas fraturas transversais observadas freqüentemente
e pelo padrão segmentar dos traumatismos esplênicos.
O parênquima esplênico é formado por uma polpa vermelha — constituída por tecido
vermelho-escuro, devido a inúmeras hemácias, e por tecido reticular, apresentando
macrófagos responsáveis pela fagocitose — e por uma polpa branca — as manchas brancas
na polpa vermelha —, constituída por tecido linfático.
III. Funções.
O baço é o maior órgão linfóide do organismo, diferindo de outros tecidos linfóides por agir
como filtro na circulação vascular. Atua na remoção das hemácias envelhecidas da
circulação (após 120 dias); na remoção dos corpúsculos intranucleares de inclusão; na
depuração de partículas e antígenos estranhos; na depuração bacteriana (pneumococos),
onde o baço é um filtro mais eficiente do que o fígado (mais bactérias por grama de tecido);
na produção de proteína imunologicamente ativa, um tetrapeptídeo que estimula a
fagocitose por ativação direta dos leucócitos.
IV. Etiologia.
As lesões esplênicas podem ter vários mecanismos: (a) contusões (traumatismo fechado
[TF] — 75%) são as mais freqüentes, e também responsáveis pelas maiores e mais graves
lesões associadas, sendo causadas por atropelamentos, agressões, abalroamento,
capotamentos, quedas etc.; (b) ferimentos penetrantes (traumatismo aberto — 24%) — por
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arma de fogo (AF — 10%) e por arma branca (AB — 14%), causados por faca, canivete,
estilete etc.; (c) iatrogênicos (1%) — lesões causadas em decorrência de manuseio de
órgãos vizinhos, como nas pancreatectomias, gastrectomias, colectomias etc.
A. Sexo. A relação entre homens e mulheres acometidos por essas lesões é muito constante,
com o sexo masculino sendo encontrado em 81% dos casos.
B. Idade. Todas as faixas etárias são passíveis de trauma esplênico; entretanto, predominam
na faixa do adulto jovem (20-30 anos).
V. Quadro Clínico.
As principais manifestações clínicas no trauma esplênico são decorrentes da hemorragia
intraperitoneal. São achados importantes para a suspeita de lesão esplênica: (a) choque
hipovolêmico, sudorese fria, hipotermia, palidez cutânea, mucosas descoradas, agitação,
taquicardia e hipotensão arterial; (b) dor abdominal, hipersensibilidade abdominal, ausência
de ruídos intestinais; (c) escoriações ou equimoses nas regiões torácica inferior esquerda,
dorsal esquerda, abdominal superior e lateral esquerda; (d) fraturas costais inferiores
esquerdas, na bacia e nos membros inferiores.
VI. Medidas Terapêuticas Iniciais.
Antes da realização de métodos propedêuticos, devemos proceder a: (a) cateterização de
veia periférica de bom calibre para infusão de líquido e/ou sangue, que permite ter a
pressão venosa central (PVC); (b) reposições hidroletrolítica e sangüínea; (c) monitoração
das freqüências cardíaca, respiratória e da pressão arterial; (d) obtenção do controle do
débito urinário (sonda vesical de demora); (e) jejum absoluto (sonda nasogástrica).
VII. Medidas Diagnósticas.
O diagnóstico apropriado, avaliado particularmente para cada paciente, depende: (a) do
mecanismo da lesão; (b) da estabilidade hemodinâmica do paciente; (c) da necessidade de
realizar testes diagnósticos adicionais; (d) da disponabilidade da perícia com determinada
técnica; (e) do custo da técnica.
VIII. Exames Laboratoriais.
Para o paciente com hemoperitônio, utiliza-se o hemograma, particularmente hemoglobina
(Hb) e hematócrito (HT).
IX. Exames Radiológicos
A. Raios X não-contrastados. As radiografias simples podem ter grande valor na detecção
das lesões esplênicas. São exames de obtenção relativamente fácil e, quando bem
interpretados, a presença de qualquer um dos seguintes achados deve fazer-nos suspeitar de
dano esplênico:
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1. Raios X de tórax em PA, em perfil e em oblíqua esquerda: fraturas de costelas esquerdas
inferiores (especialmente as 9ª, 10ª e 11ª); elevação da cúpula diafragmática esquerda;
derrame plural esquerdo.
2. Raios X de abdômen em decúbito dorsal e em ortostatismo:
a. Hemoperitônio: alças sentinelas de intestino delgado; apagamento da sombra do músculo
psoas do lado esquerdo; opacificação (densidade aumentada) na pelve.
b. Hematoma periesplênico: sombra esplênica que aumenta progressivamente; aumento da
distância entre diafragma e fundo gástrico; estômago (câmara de ar gástrica) deslocado para
a direita e para baixo; ângulo esplênico do cólon para baixo; pregas gástricas dentilhadas ou
irregulares, especialmente ao longo da grande curvatura do estômago.
B. Raios X contrastados
1. Arteriografia esplênica. O exame consiste na cateterização da artéria femoral até a artéria
esplênica. É um método sensível de detecção de uma lesão esplênica e pode revelar: massa
invasiva, defeitos de enchimento (hematoma subcapsular), amputações segmentares e
extravasamento de contraste. Entretanto, é um exame que exige pessoal e equipamento
especializados, tempo necessário para complementar o exame prolongado e custo elevado,
além de se tratar de um exame invasivo.
C. Ultra-sonografia (US). A ultra-sonografia consiste em um método propedêutico cujo
emprego tem aumentado muito recentemente para avaliação dos pacientes com
traumatismo abdominal, essencialmente para traumas contusos.
As indicações para US são principalmente para os casos suspeitos de hemoperitônio, para
pacientes com lesões extra-abdominais que sugerem trauma abdominal (fraturas dos arcos
costais, da bacia etc.) e também pacientes com trauma cranioencefálico (TCE) grave. Está
contra-indicada para pacientes com prévia indicação cirúrgica e obesidade significativa.
As vantagens de US são: ser método incruento; exame com resultados mais rápidos;
permitir exame do tórax e retroperitônio; custo moderado.
As desvantagens da US são: exigir pessoal e equipamento especializados; ter incidência de
20-25% de insucesso para estudo das lesões esplênicas.
Atualmente, defende-se, pela sua praticabilidade, a presença de um equipamento de ultrasonografia na sala de Politraumatizado e que o exame seja feito inicialmente pelo cirurgião
geral do trauma (Fig. 15-1).
D. Tomografia computadorizada (TC). No adolescente e no adulto, a TC é um método
preciso, não-invasivo, que rapidamente diagnostica trauma esplênico e lesões associadas.
Para crianças é necessária mais experiência para avaliar lesões esplênicas. A TC deve
detectar e classificar (TC-escore [Quadro 15-1]; classificação de Buntain [Quadro 15-2]) as
anormalidades primárias do parênquima esplênico e também demonstrar a importância
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clínica dos achados secundários, como hemoperitônio (Quadro 15-3). Há várias armadilhas
em potencial na TC que determinam os falso-negativos (“rupturas retardadas”) e falsopositivos: os movimentos e artefatos com sérios degraus na resolução de imagem. Para
minimizá-los, usam-se: (1) sonda nasogástrica com aspiração; (2) sedação para pacientes
adultos não-cooperativos e rotineiramente em crianças; (3) contraste oral e venoso; (4)
cuidado com as variações anatômicas (lobulações, fissuras congênitas etc.); (5) experiência
do operador da TC e na interpretação do exame.
São indicações da TC abdominal de emergência (paciente estável hemodinamicamente): (1)
exame clínico abdominal equivocado; (2) trauma craniano e medular; (3) hematúria; (4)
fratura pélvica.
A especificidade da TC é de 96,8%, sua precisão é de 97,6%, enquanto sua sensibilidade
alcança 100% (Fig. 15-2)
X. Lavado Peritoneal.
O lavado peritoneal diagnóstico continua sendo uma técnica primária para avaliação de
hemoperitônio no paciente com possíveis lesões intra-abdominais traumáticas. Poderá ser
utilizado tanto para os casos de trauma contuso como penetrante (arma branca).
As indicações para o lavado peritoneal são: (1) hipotensão ou instabilidade hemodinâmica;
(2) lesões extra-abdominais graves — TCE, fratura de bacia, lesão renal; (3) pacientes
encaminhados para outras cirurgias (craniotomia, toracotomia etc).
O lavado peritoneal induz a laparatomia não-terapêutica em 6 a 25% dos casos, sendo os
falso-negativos para: lesões retroperitoneais; lesões do diafragma e lesões pequenas e
precoces de intestino delgado.
XI. Tratamento das Lesões Traumáticas do Baço.
O tratamento a ser instituído nas lesões esplênicas dependerá do quadro clínico, da presença
ou não de lesões associadas abdominais ou lesões extra-abdominais e da gravidade do
trauma do baço, sendo determinado pela propedêutica (US e TC) e podendo ser: (a)
tratamento não-operatório; (b) tratamento cirúrgico.
A. Tratamento não-operatório. Os pacientes que se encontram hemodinamicamente
estáveis, que não apresentam lesões abdominais associadas ou que apresentam lesões extraabdominais de pouca gravidade e que permitam propedêutica (US e TC) têm como opção o
tratamento não-operatório, desde que: (1) TC determinando lesão isolada do baço; (2)
classificação de Buntain (Quadro 15-2) para as classes I e II e classe III (exceção); (3) TCescore (Quadro 15-1) quando o total na soma dos índices for < 2,5; (4) ISS (injury severity
score) 9,4 a 26,5; (5) quando a unidade de tratamento dispõe de equipe cirúrgica
homogênea e inteirada do assunto, em hospital habilitado (Unidade de Tratamento
Intensivo, Banco de Sangue etc.).
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O tratamento consiste em: internação hospitalar (média de dias de internação = 9); repouso
ao leito; hemoglobina e hematócrito seriado; manter estabilidade hemodinâmica: PA
sistólica > 100 mmHg; TC seriada: internação no terceiro ou quarto dia antes da alta
hospitalar.
A eficácia e a segurança da terapêutica não-operatória para lesões esplênicas em pacientes
pediátricos estão bem documentadas. Por outro lado, tratamento não-operatório no trauma
esplênico no adulto tem sido sujeito a críticas consideráveis.
B. Tratamento cirúrgico. Para as situações de trauma abdominal, quando a cirurgia é
imperativa: sangramento maciço por ocasião da apresentação (choque hipovolêmico),
transfusão de mais de 3 unidades de imediato ou mais de 40 ml/kg de sangue nas primeiras
24 horas, lesões intra-abdominais associadas, TC-escore > 2,5, TC-Buntain: classes III e
IV-B.
A terapia a ser instituída dependerá do tipo de lesão esplênica: tipo I — ruptura capsular
sem lesão parenquimatosa; tipo II — ruptura parenquimatosa sem lesão do hilo esplênico;
tipo III — fragmentação do parênquima sem lesão vascular do hilo; tipo IV — ruptura do
parênquima com comprometimento hilar; tipo V — ruptura parenquimatosa sem lesão da
cápsula (hematoma subcapsular).
1. Esplenectomia total. Está indicada para os casos de lesão do tipo IV, algumas situações
do tipo V e para ruptura esplênica em dois tempos. Diante de sangramento esplênico que
ameaça a vida, procede-se da seguinte maneira: laparotomia mediana ampla, higiene da
cavidade abdominal, investigação dos órgãos abdominais, identificação e ligação da artéria
esplênica, dessecção do hilo esplênico e realização de ligaduras individualizadas. Cuidado
deve ser tomado com a cauda do pâncreas e ao liberar o baço da loja esplênica.
2. Esplenorrafia e esplenectomia parcial. A preservação esplênica deve constituir objetivo
na maioria das situações (tipos I, II, III e V), diante da possibilidade de infecção fulminante
(sepse pós-esplenectomia — 0,5% dos casos). Procede-se com: laparotomia, liberação
esplênica da loja, ligadura temporária ou definitiva da artéria esplênica, avaliação
abdominal — lesões associadas, desbridamento da lesão esplênica (hematomas, tecidos
desvitalizados), rafia da lesão com fio absorvível (categute 2-0 cromado), ponto em U ou
X. Para a esplenectomia parcial, é fundamental identificar e ligar artéria específica da área
lesada, delimitando a ressecção. A epiploonplastia é rotina para regiões lesadas de maior
extensão (Figs. 15-3 e 15-4).
XII. Autotransplante Esplênico (Esplenose).
Quando a esplenectomia constitui a única opção cirúrgica para a fragmentação extensa do
baço, ou quando este sofreu avulsão completa do pedículo vascular, o implante autólogo
heterotópico de tecido esplênico remanescente torna-se viável e necessário. A técnica
descrita é a de implantar aproximadamente 30 gramas de fatias delgadas de tecido
esplênico em bolsa de epíploon. Pode ser observado, por meio de um estudo cintilográfico
com tecnécio 99, que inicialmente ocorre uma redução no tamanho, devido à isquemia (fase
necrótica) até a neovascularização (fase regenerativa), quando o implante aumenta em 50%
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o peso do tecido originalmente implantado. Foi demonstrado, também, aumento
progressivo da função fagocítica do tecido implantado.
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Capítulo 16 - Traumatismo Pancreático
Carlos Rubens Maciel
Walter Antonio Pereira
I. Generalidades.
O trauma pancreático é importante quando se sabe de sua incidência crescente, das
dificuldades para o diagnóstico precoce e dos altos índices de morbidade e mortalidade que
ele envolve.
O pâncreas possui localização anatômica até certo ponto protegida dos impactos — por
cima, pelo fígado; lateral e posteriormente, pela parte inferior da caixa torácica,
musculatura lombar e coluna vertebral; e, anteriormente, pelo estômago e cólon transverso.
Mesmo assim, cada vez mais freqüentemente esse órgão é lesado nos traumatismos
abdominais fechados, principalmente em acidentes com veículos em alta velocidade e nos
traumatismos abertos por projéteis de arma de fogo. Quando, porém, ocorre lesão, a mesma
localização retroperitoneal que o protege minimiza e, por isto, retarda as manifestações
clínicas, dificultando o diagnóstico precoce. Isto permite o desenvolvimento incipiente
tanto de inflamação local, que dificulta o reparo técnico, quanto de infecção sistêmica, que
aumenta acentuadamente a morbidade e a mortalidade pós-operatórias, conseqüentes à
falência de múltiplos órgãos e sistemas. Esse retardo no diagnóstico e as lesões associadas,
principalmente as duodenais e vasculares, são os principais fatores na determinação da
morbidade e da mortalidade.
II. Mecanismos de Lesão.
Nas feridas penetrantes, o órgão é lesado diretamente pelo agente lesivo. Nos traumas
fechados, o mecanismo da lesão pancreática é facilmente compreendido pela relação do
órgão com a coluna vertebral, que atuaria como anteparo à força traumatizante.
Dependendo da magnitude dessa força, ocorrerá apenas contusão ou então ruptura do
tecido, com extravasamento de suco pancreático. A região a ser lesada dependerá do
sentido da força: se ântero-posterior, possivelmente a lesão se dará ao nível do corpo
pancreático, junto aos vasos mesentéricos superiores e anteriormente aos corpos vertebrais;
se da direita para a esquerda, possivelmente a cabeça pancreática será esmagada contra a
face ântero-lateral dos mesmos corpos vertebrais, juntamente com o duodeno. É importante
assinalar que praticamente todos os casos de lesão pancreática por trauma penetrante
apresentam lesões em outros órgãos abdominais. Já nos traumas fechados, é comum a lesão
isolada do pâncreas.
III. Diagnóstico.
A abordagem diagnóstica difere nos traumas abdominais penetrantes e nos fechados. Nos
traumas penetrantes, faz diferença, ainda, o fato de eles terem sido produzidos por arma de
fogo ou arma branca. Quanto às lesões por arma de fogo, está indicada a laparotomia
exploradora sempre que houver penetração peritoneal, pois esta está associada à lesão
visceral em 98% dos casos. Se existir dúvida quanto à penetração, ela poderá ser
esclarecida pelo lavado peritoneal, e confirmada se houver qualquer retorno de sangue.
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Com relação às lesões por arma branca, existem duas correntes principais: exploração de
rotina quando há penetração peritoneal, ou observação seletiva apesar da penetração, que se
associa com lesão visceral em cerca de 30-40% dos casos.
Neste tipo de trauma, a regra é uma grande dificuldade para a realização do diagnóstico
precoce, por motivos já expostos. A demora de até 24 horas para o tratamento cirúrgico não
parece afetar tanto o resultado final do tratamento, mas a partir desse período há um
aumento acentuado da morbidade e da mortalidade, o que é especialmente verdadeiro nos
pacientes com grave lesão pancreatoduodenal.
A realização do diagnóstico precoce no trauma pancreático depende de:
A. Antecipação. Estar voltado para a possibilidade de lesão em todos os casos de contusão
do abdômen superior. História de alcoolismo de longa duração deve tornar ainda maior a
suspeita, pois o pâncreas enfermo e edemaciado tem menor complacência e,
conseqüentemente, menor resistência ao trauma.
B. Identificação dos sintomas e sinais críticos físicos iniciais do abdômen. Os sinais e
sintomas mais comuns são dor abdominal leve e defesa abdominal, presentes logo após o
traumatismo, podendo melhorar dentro de uma a duas horas, para novamente piorarem
dentro de aproximadamente seis horas. É difícil ou impossível notá-los nos pacientes
alcoolizados ou comatosos.
No paciente alcoolizado, o surgimento de defesa abdominal, quando ele se torna sóbrio,
deve ser valorizado. Em um grande número de casos, o retardo no diagnóstico decorre da
incapacidade de o médico interpretar esses sinais abdominais discretos, porém
significativos, especialmente a defesa abdominal.
C. Exames laboratoriais. Os pacientes com trauma abdominal fechado deverão ter sua
amilase sérica determinada no momento da admissão, e essa determinação será repetida
seis horas depois, caso haja desenvolvimento de dor e/ou defesa abdominais, mesmo
mínimas ou moderadas. Uma elevação dos níveis da amilase sérica seis horas depois,
associada a esses sinais abdominais, é muito significativa e indica a laparotomia
exploradora. Deve-se, porém, observar o paciente com elevação da amilase, se o exame do
abdômen apresentar-se normal. A amilasemia se eleva em 90% dos casos de contusão
pancreática importante, podendo estar elevada também em lesões de outros órgãos,
notadamente do duodeno e do intestino delgado.
D. Estudos radiológicos. Tanto os achados radiográficos abdominais quanto os torácicos
são mínimos e em geral não colaboram para o diagnóstico precoce. As alterações tardias
incluem um aspecto de vidro fosco na parte média do abdômen, devido à infecção da
retrocavidade, e outros sinais decorrentes da peritonite. Nesta fase, o melhor momento para
a intervenção cirúrgica com maior probabilidade de sucesso já terá passado.
E. Punção abdominal. Tem valor especialmente no indivíduo comatoso, podendo
evidenciar a presença de sangue ou, ainda, de amilase em valores altos no lavado
peritoneal.
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F. Ultra-sonografia e tomografia computadorizada. Podem ser úteis, especialmente se
existem coleções líquidas no, ou ao redor do, pâncreas. A US é empregada por sua
simplicidade de realização, e a TC, devido a sua melhor resolução, principalmente nos
pacientes obesos ou com distensão abdominal.
Atualmente, a TC tem sido considerada a modalidade de escolha na avaliação do
traumatismo pancreático que não requer exploração cirúrgica — estudos recentes,
entretanto, mostram que a TC será ineficaz em diagnosticar ou, muitas vezes, subestimará,
o trauma pancreático.
G. Estudos angiográficos. Podem delinear lesões vasculares do pâncreas, sendo usados em
hospitais que dispõem de equipamento adequado.
H. Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada. Tem sido usada em hospitais
avançados, em pacientes com hiperamilasemia significativa após traumatismo. Entretanto,
se há lesão canalicular, provavelmente existem sinais clínicos que definem a indicação da
cirurgia.
Na realidade, no trauma abdominal fechado não existe um critério clínico absoluto para o
diagnóstico pré-operatório seguro de lesão pancreática. Dor no abdômen superior,
contratura muscular, diminuição do peristaltismo com distensão abdominal, assim como
elevação da amilase sérica, podem resultar de uma variedade de outras lesões
intraperitoneais. O importante, então, é a seleção do paciente com trauma abdominal que
deve ser levado à cirurgia. Indicam a intervenção cirúrgica: sinais evidentes de peritonite
(nessa fase já terá passado o melhor período para a instituição do tratamento com maior
possibilidade de sucesso) e, ainda, dor e defesa abdominais, mesmo mínimas ou moderadas,
acompanhadas de níveis de amilase sérica persistentemente elevados, sugestivos de lesão
pancreática ainda em uma fase precoce, ideal para o tratamento cirúrgico.
IV. Classificação.
A morbidade e a mortalidade no trauma pancreático estão diretamente relacionadas à
localização e à extensão da lesão pancreática e à presença de lesão duodenal associada.
Classificou-se então o trauma pancreático de acordo com estes critérios:
Classe I — Contusão, laceração periférica, sistema canalicular intacto.
Classe II — Laceração grave distal (penetração ou secção do corpo e da cauda), com
provável lesão do canal pancreático principal. Nenhuma lesão duodenal.
Classe III — Secção, grandes lacerações, esmagamento da cabeça do pâncreas. Nenhuma
lesão duodenal.
Classe IV — Ruptura pancreatoduodenal combinada grave.
V. Tratamento.
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A lesão pancreática sem tratamento precoce e adequado pode ser rapidamente fatal ou levar
à formação de pseudocistos, fístulas ou estenose dutal cicatricial, com conseqüente
pancreatite persistente.
A incisão cirúrgica deve ser a mediana ampla, e a exploração da loja pancreática na
retrocavidade dos epíploons está indicada pela presença, na região pancreatoduodenal, de
infiltração gasosa, biliosa ou hemorrágica, ou ainda pela proximidade do trajeto de arma
branca ou de projétil de arma de fogo. Hematoma sobre o pâncreas deve ser sempre
explorado, pois ele pode ocultar, com freqüência, uma laceração ou ruptura do órgão.
A. Técnica operatória. Depende da localização e da magnitude da lesão e, ainda, das lesões
associadas.
Nas contusões, lacerações superficiais, com sistema canalicular intacto (Classe I), estão
indicadas hemostasia e drenagem (Prancha 16-1).
Nas lesões distais graves, profundas, com provável lesão dutal (Classe II), o tratamento
mais seguro é a pancreatectomia distal. O coto proximal pode ser fechado primariamente,
ou tratado com pancreatojejunostomia em Y-de-Roux, o que está indicado quando há
suspeita de obstrução canalicular proximal, por contusão e edema da cabeça pancreática
residual. A cirurgia é complementada por drenagem generosa da região.
Nas lesões graves e profundas da cabeça do pâncreas, sem lesão duodenal (Classe III),
existem duas possibilidades. Se há lesão dutal, faz-se a complementação da secção
pancreática, se esta já não é total, seguida de fechamento primário do coto proximal após
ligadura do duto pancreático, e pancreatectomia distal ou, de preferência,
pancreatojejunostomia em Y-de-Roux com o coto pancreático distal preservando a maior
parte da glândula. Drenagem regional complementa a cirurgia. Se, ao contrário, não há
lesão dutal, a conduta se restringe à drenagem generosa da região.
Com freqüência, é difícil confirmar ou excluir a lesão dutal. Tanto a abertura do duodeno,
para a obtenção de uma pancreatografia, como a pancreatectomia distal, com o mesmo fim,
estão associadas com possíveis complicações e aumento da morbidade. Se a lesão dutal não
pode ser evidenciada por manobras mais conservadoras e o pâncreas não está obviamente
seccionado, é mais prudente drenar apenas o leito pancreático, aceitando a possibilidade do
surgimento de uma fístula ou pseudocisto, que podem ser tratados posteriormente.
Outro tipo de lesão é a ruptura pancreatoduodenal combinada grave (Classe IV). Também
neste caso o tratamento varia, na dependência da presença ou não de lesão do canal
pancreático. Se este último tiver sido lesado, indica-se a duodenopancreatectomia; se
intacto, optamos preferencialmente pela sutura da lesão duodenal, complementada por
gastrostomia e duodenostomia descompressivas e jejunostomia para posterior nutrição
enteral, se possível (ver Cap. 18, Traumatismo Duodenal). A outra opção para esse caso
seria a diverticulização duodenal, técnica mais agressiva, podendo ocasionar seqüelas
digestivas funcionais importantes. A drenagem generosa da região deve complementar
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todos os tipos de tratamento, pois é essencial que qualquer suco pancreático extravasado
seja desviado para o exterior.
As técnicas citadas poderão ser complementadas ainda por gastrostomia, jejunostomia,
colecistostomia, coledocostomia e pancreatostomia, se as circunstâncias o exigirem.
Os cuidados pós-operatórios incluem assistência ventilatória, reposição volêmica,
manutenção das funções hemodinâmica e renal, descompressão nasogástrica e
antibioticoterapia. Suporte nutricional, através da nutrição enteral ou parenteral total, é
freqüentemente necessário.
VI. Complicações.
As complicações no decorrer do tratamento das lesões pancreáticas surgem, principalmente,
em função do retardo no diagnóstico, do tipo de trauma, do agente etiológico e das lesões
associadas. As mais freqüentes e específicas são:
A. Fístulas pancreáticas. Surgem em decorrência de solução de continuidade da glândula,
com lesão dos dutos pancreáticos. Sua morbidade varia com o calibre dos canais lesados, e
é tanto mais grave quanto mais proximal é a lesão. Geralmente evoluem bem, se a região é
convenientemente drenada e quando se institui o tratamento apropriado (nutrição parenteral
total ou enteral, descompressão com sondas etc.) precocemente.
B. Pancreatite. Surge em pacientes com lesões pancreáticas extensas. Deve ser tratada com
descompressão nasogástrica, reposição volêmica, suporte nutricional etc.
C. Pseudocistos. São menos freqüentes. Devem ser tratados cirurgicamente quando não
sofrem regressão espontânea e, de preferência, quando já apresentam paredes espessadas,
propícias à realização de anastomoses com o trato gastrointestinal (técnica de
“marsupialização”, em Y-de-Roux).
D. Diabetes. Representa a seqüela de ampla ressecção do pâncreas em lesões muito
extensas.
E. Hemorragia e septicemia. Representam as principais causas de morte no pós-operatório
de pacientes com traumatismo pancreático.
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pancreatic trauma. Am Surg 1996 Aug; 62(8): 647-51.
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pancreatic injuries. Am J Surg 1974; 127: 503.
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4. Dickerman RM, Dunn EL. Traumatismos esplênicos, pancreáticos e hepáticos. Clin Cir
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8. Silva NC. Traumas do estômago, duodeno, e pâncreas. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia
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diagnosis of blunt injury to the pancreas: its significance and limitations. Ann Surg 1997;
226(1): 70-6.
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Capítulo 17 - Traumatismos do Esôfago
Dyonísio Saad José Bichara
I. Introdução.
A lesão traumática do esôfago é pouco freqüente, decorrendo de agressões por arma branca
(mais raro) ou por projétil de arma de fogo (mais comum), atingindo e perfurando o
esôfago cervical, torácico ou abdominal. O trajeto percorrido pelo agente traumático em
regiões combinadas, como cervicotóracica, toracoabdominal ou transfixante ao nível do
pescoço ou tórax, é acompanhado de alta incidência de lesão esofágica.
A lesão esofágica ocorrida por um traumatismo torácico contuso é rara. A gravidade do
trauma cardíaco e dos grandes vasos, quando associados, mascara a sintomatologia da lesão
esofágica, a qual passará despercebida.
A perfuração espontânea é relatada na presença de vômitos incoercíveis ou em pacientes
com patologia esofágica prévia.
A perfuração instrumental iatrogênica durante dilatações endoscópicas, realizadas em um
esôfago enfermo ou para a retirada de corpos estranhos, é significativa. A ingestão de
líquidos corrosivos poderá ocasionar queimadura química, necrose tecidual e perfuração
tardia.
A perfuração esofágica é uma situação clínica grave e responsável por altos índices de
mortalidade. Pensar na possibilidade de lesão e estabelecer normas de conduta para o
diagnóstico precoce são fundamentais para se iniciar o tratamento indicado, também
precocemente.
II. Fisiopatologia.
A evolução clínica da lesão esofágica e as suas complicações se relacionam com o local
atingido do esôfago e com o tempo decorrido entre o traumatismo, o diagnóstico e a
abordagem terapêutica. O conteúdo esofágico, constituído de saliva, detritos alimentares e
líquido gaseificado, é considerado altamente contaminado, sendo rica a flora bacteriana,
formada por microrganismos aeróbicos e anaeróbicos.
A. Esôfago cervical. Na presença de perfuração cervical, ocorrerão extravasamento do
conteúdo esofágico para os tecidos vizinhos, proliferação bacteriana precoce, formação de
enfisema tecidual e infecção local. Ocasionalmente, a infecção poderá disseminar-se
através dos espaços anatômicos contornados pelas fáscias cervicais em direção ao
mediastino, determinando um quadro clínico grave de mediastinite.
B. Esôfago torácico (Fig. 17-1). Na perfuração torácica, o conteúdo esofágico é
prontamente aspirado pela pressão intratorácica negativa para o mediastino, com rápidas
disseminação e proliferação bacteriana mediastinal. A repercussão sobre o estado geral do
paciente é precoce e se manifesta por hipertermia, dispnéia, taquicardia, sinais clínicos de
desidratação, distúrbio hidroeletrolítico e choque séptico, podendo ocorrer a morte. O
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tempo de duração para a instalação clínica deste quadro é rápido, variando em cerca de 1224 horas.
Agravando o quadro mediastinal, poderá ocorrer o refluxo de secreção gástrica e biliar,
com extravasamento para o mediastino através da fístula esofágica constituída, causando
irritação química e necrose tecidual. A loja mediastínica poderá romper-se para o espaço
pleural, surgindo contaminação bacteriana, extravasamento de restos alimentares e
penetração de ar do esôfago para a cavidade pleural, com formação de derrame,
pneumotórax e empiema.
C. Esôfago abdominal. Ocorrendo perfuração do esôfago abdominal, haverá
extravasamento do seu conteúdo — associado ao refluxo gástrico — na cavidade
abdominal, determinando um quadro clínico de irritação e contaminação peritoneal,
caracterizado por dor, parada do peristaltismo, vômitos e defesa abdominal, enfim,
sintomas e sinais da síndrome de perfuração visceral.
III. Diagnóstico.
É importante confirmar precocemente a presença da perfuração esofágica ou a sua
ausência, principalmente naqueles casos com altos índices de suspeita.
A perfuração esofágica cervical associa-se à presença de um ferimento cervical. Ocorrerá
dor local ou durante a deglutição, salivação pelo orifício do ferimento, infiltração de ar,
determinando a formação de enfisema subcutâneo, mudanças na tonalidade da voz e sangue
na cavidade oral, proveniente do esôfago. Lesões vasculares associadas levam ao aumento
de volume e à formação de hematoma cervical.
Os exames complementares poderão sugerir o diagnóstico, mas não excluirão a presença de
lesão esofágica quando forem negativos. Radiografias simples da região cervical, em duas
incidências, poderão evidenciar sinais radiológicos indiretos que induzam a suspeita de
lesão esofágica, como a presença de enfisema subcutâneo cervical ou retroesofágico.
Radiografias com ingestão oral de contraste, de preferência hidrossolúvel, poderão
confirmar a perfuração por meio do extravasamento do mesmo, concluindo definitivamente
o diagnóstico.
A endoscopia esofágica alta, sob anestesia geral, poderá mostrar lesões de mucosa ou
sangramento no local da perfuração ou o orifício da própria lesão.
Na perfuração do esôfago torácico, as manifestações clínicas são mais evidentes,
principalmente após algumas horas de evolução, devido à contaminação mediastinal. Os
pacientes relatam dor torácica retroesternal, vômitos, disfagia e dispnéia. A queda do estado
geral, a hipertermia, a hipotensão arterial e a toxemia se instalam concomitantemente.
O exame radiológico simples do tórax evidenciará uma série de sinais que poderão levar ao
diagnóstico de perfuração do esôfago, sendo descritos os seguintes:
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Sinais radiológicos decorrentes da passagem de ar através da lesão esofágica: enfisema
mediastinal, delimitando o arco aórtico, pneumomediastino, pneumopericárdio e
pneumotórax.
Sinais radiológicos decorrentes do extravasamento de líquido no mediastino: alargamento
do mediastino, derrame pericárdico e derrame pleural.
O esofagograma, realizado com a ingestão de contraste hidrossolúvel, poderá confirmar,
radiologicamente, a perfuração esofágica. A imagem radiológica obtida é de menor
densidade quando comparada àquela obtida com o uso de bário. Com o contraste
hidrossolúvel, evita-se o extravasamento desnecessário de bário no mediastino e no espaço
pleural. Apesar deste inconveniente, no nosso meio o bário é usado com freqüência por ser
mais denso e espesso, provocando maior distensão do esôfago e saída de contraste pela
lesão. Ainda assim, é alto o índice de resultados falso-negativos.
A endoscopia esofágica complementa a propedêutica. Através dela, visualizam-se mais
sinais indiretos de lesão do que propriamente a lesão esofágica, como presença de
hematomas na mucosa esofágica, áreas de hiperemia e presença de pequenos coágulos
próximos à lesão.
A endoscopia esofágica deverá ser realizada, de preferência, com endoscópios rígidos.
Na perfuração do esôfago abdominal, a sintomatologia é predominantemente abdominal. A
irritação da cavidade abdominal pelo conteúdo esofágico é evidente ao exame físico.
O exame radiológico simples do tórax poderá evidenciar a presença de pneumoperitônio ou
derrames pleurais, quando houver ferimento toracoabdominal associado. O exame
radiológico simples do abdômen, além do pneumoperitônio, poderá evidenciar sinais de
íleo paralítico, níveis hidroaéreos e líquido extravasado na cavidade.
IV. Tratamento.
O tratamento das perfurações esofágicas cervicais e abdominais encontra bases definidas na
literatura. A perfuração localizada no esôfago torácico com a presença de mediastinite torna
a conduta cirúrgica controversa, constituindo um desafio para o cirurgião. Aliada à técnica
cirúrgica, será importante a utilização precoce de medidas de suporte nutricional,
antibioticoterapia e cuidados pós-operatórios em unidades de terapia intensiva.
O diagnóstico precoce permite o tratamento cirúrgico imediato da lesão esofágica. O
retardo na realização do reparo cirúrgico aumenta os índices de mortalidade e morbidade.
Considera-se o tempo entre 12-18 horas de evolução como favorável para uma abordagem
cirúrgica. Após este tempo, a contaminação bacteriana e o comprometimento do estado
geral do paciente influem significativamente nos resultados pós-operatórios, sendo prudente
a realização de técnicas cirúrgicas que excluam o trânsito esofágico e promovam drenagem
eficiente dos focos de contaminação mediastinal, evitando-se a abordagem direta da lesão.
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O tratamento da lesão esofágica cervical consiste na exploração cirúrgica, com exposição e
reparo primário da lesão, seguida de drenagem do espaço retroesofágico, sendo o dreno
exteriorizado por contra-abertura. Uma sonda nasogástrica será mantida por 48 horas. Após
72 horas de jejum, inicia-se uma dieta líquida, com liberação gradual da mesma. O
tratamento conservador poderá ser empregado nos casos de lesão esofágica bem definida e
livre de lesões associadas, consistindo o mesmo de curativo local, jejum por 72 horas e
observação do paciente.
Nos casos de lesões graves ou extensas do esôfago cervical, em que a ingesta precoce de
alimentos por via oral está contra-indicada, ou então o reparo da lesão não foi satisfatório
ou ainda existe a presença de uma fístula cervical de alto débito, indica-se a realização de
uma gastrostomia para alimentação por um período aproximado de três semanas, tempo
suficiente para a cicatrização por segunda intenção da lesão esofágica (Fig. 17-2).
A freqüência de lesões cervicais associadas, de laringe, traquéia e vasos sangüíneos, reforça
a conduta de exploração cirúrgica da região cervical diante da suspeita de lesão esofágica.
O tratamento da lesão esofágica torácica diagnosticada em tempo hábil deverá ser realizado
através da abordagem cirúrgica direta da lesão e de sua sutura primária.
A toracotomia póstero-lateral direita, ao nível do quarto ou quinto espaço intercostal, será a
via de acesso para a exposição e o reparo das lesões localizadas no esôfago torácico
superior e médio (Fig. 17-3). A toracotomia esquerda, ao nível do sexto ou sétimo espaço
intercostal, permite a exposição e o reparo de lesões que ocorrem no esôfago torácico
inferior (Fig. 17-4). Complementa-se o tratamento cirúrgico, se necessário, envolvendo-se a
sutura esofágica com um retalho pleural pediculado.
A sonda nasogástrica deverá ser mantida por um período de 72 horas.
A drenagem da cavidade torácica, em selo d’água, deverá ser instituída após a síntese da
toracotomia.
A abordagem e a sutura primária da lesão esofágica estarão contra-indicadas naqueles casos
de diagnóstico tardio, realizado depois de 2-3 dias ou mais, quando as bordas da lesão
encontram-se friáveis e desvitalizadas, impedindo uma síntese adequada, estando ainda
presente uma contaminação mediastinal e pleural.
Como medida salvadora estará indicada uma abordagem cirúrgica que exclua o esôfago
lesado do trânsito alimentar, realizando-se uma esofagostomia cervical com exposição do
esôfago proximal e oclusão do segmento distal remanescente. O esôfago abdominal será
ocluído ao nível da cárdia, através de uma cerclagem gástrica. Realizam-se uma
gastrostomia, para aspiração da secreção gástrica, e uma jejunostomia, para alimentação
enteral (Urschel, 1974) (Fig. 17-5).
Devido à contaminação mediastinal e da cavidade pleural, será necessária uma drenagem
ampla dos mediastinos anterior e posterior por via cervical, assim como a drenagem
fechada da cavidade pleural acometida, em selo d’água. Posteriormente, a reconstituição do
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trânsito esofágico deverá ser realizada através da interposição do estômago ou segmento do
cólon, por via retroesternal e anastomose cervical.
Abbot (1970) relatou resultados satisfatórios com o emprego de técnica cirúrgica, que
consiste na abordagem direta da lesão, através de toracotomia, colocação de um tubo em T
no orifício da perfuração esofágica, com o ramo mais longo do bulbo exteriorizado pela
parede torácica, aproximação das bordas da lesão em volta do tubo, sonda nasogástrica para
aspiração, gastrostomia para drenagem e jejunostomia para alimentação.
O tratamento cirúrgico radical, visando à retirada da lesão esofágica e do foco infeccioso,
com ampla drenagem do mediastino, poderá ser realizado por meio de esofagectomia
subtotal transmediastinal, sem toracotomia. Complementa-se o tratamento cirúrgico com a
realização de esofagostomia cervical, gastrostomia com piloroplastia e drenagem
mediastinal cervical (Akaishi — HC-FMUSP).
O tratamento conservador com sonda nasogástrica, antibioticoterapia e nutrição parenteral
não apresenta bons resultados e deve ser evitado nas lesões traumáticas do esôfago.
O tratamento da lesão esofágica intra-abdominal é realizado por meio de uma laparotomia
com identificação da lesão, desbridamento e sutura primária. O comprometimento da
junção esofagocárdica propiciará o refluxo gastroesofágico, devendo ser feita a prevenção
deste com operações anti-refluxo. Na presença de desvitalização do esôfago abdominal,
será necessária a esofagectomia distal com reconstrução do trânsito alimentar, interpondose um segmento intestinal entre o esôfago remanescente e o estômago. Indica-se, nesta
eventualidade, como via de acesso, a toracofrenolaparotomia.
V. Prognóstico.
A abordagem cirúrgica precoce da lesão esofágica possibilitará obter melhores resultados,
utilizando-se técnicas cirúrgicas mais conservadoras. Na presença de complicações
mediastinais e da cavidade pleural decorrentes de um diagnóstico tardio ou na conduta
inadequada por ocasião do primeiro atendimento, o índice de mortalidade é alto e encontrase em torno de 45%.
O tratamento cirúrgico radical deverá ser tentado em todos os pacientes, mesmo naqueles
gravemente comprometidos, pois esta conduta, associada a medidas de suporte nutricional e
ao combate à infecção sistêmica, será a única possibilidade de recuperação do paciente.
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with mediastinal sepsis. J Thorac Cardiovasc Surg 1993; 106-6.
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Capítulo 18 - Traumatismo Duodenal
Paulo Roberto Ferreira Henriques
Marcos Campos W. Reis
I. Introdução.
Os traumatismos duodenais são incomuns, correspondendo de 1 a 4% das lesões intraabdominais, mas representam um verdadeiro desafio para o cirurgião que trabalha em uma
Unidade de Emergência. Estas lesões freqüentemente são acompanhadas de dois fatores
principais que dificultam seu diagnóstico e tratamento adequado. Em primeiro lugar, as
lesões duodenais podem apresentar um quadro clínico pouco exuberante e com
manifestações mais tardias, principalmente quando o agente etiológico determina um
trauma abdominal fechado e as lesões se localizam em porções extraperitoneais do
duodeno. Em segundo lugar, as lesões duodenais se acompanham, com relativa freqüência
(37%), de lesões pancreáticas, fato este que é um dos principais agravantes para o
tratamento e para o aparecimento de complicações.
O cirurgião, ao avaliar pacientes vítimas de traumatismo abdominal fechado,
principalmente do abdômen superior e da região toracoabdominal, deve sempre ter um alto
índice de suspeita de lesões duodenais, procurando por seus sinais mais precoces. Este
cuidado pode levar a um diagnóstico mais rápido e favorecer o tratamento cirúrgico em um
duodeno em melhores condições de receber uma sutura e com chances menores de
deiscência e fistulização.
II. Etiopatogenia.
O duodeno é uma estrutura que se encontra, na maior parte de sua extensão, localizada no
retroperitônio, profundamente na cavidade abdominal e razoavelmente bem protegido dos
traumatismos abdominais mais superficiais. As causas mais freqüentes de lesões duodenais
são as feridas penetrantes por arma de fogo (57%) e por arma branca (28%). Outras causas
de perfuração duodenal, embora raras, são os corpos estranhos intraluminais deglutidos,
como palitos, ossos e agulhas.
O duodeno é uma víscera que apresenta certa mobilidade apenas ao nível da região pilórica
e do ângulo duodenojejunal. Por este motivo, no traumatismo abdominal fechado, ao ser
atingido por uma força no sentido ântero-posterior, o duodeno pode ter sua porção fixa
comprimida e esmagada contra a coluna lombar e se romper. Outro mecanismo de lesão
duodenal no trauma abdominal contuso é o aumento súbito da pressão intraluminal,
podendo levar a explosão duodenal com graves lesões em sua parede; esta situação
geralmente acontece quando, no momento do trauma, o duodeno se encontra distendido por
gás, o piloro está fechado e o ângulo duodenojejunal está tracionado pela ação do ligamento
fibromuscular de Treitz.
O trauma abdominal fechado corresponde a aproximadamente 20% dos casos de lesão
duodenal, sendo os acidentes automobilísticos a causa mais freqüente (11%). É clássica a
situação do paciente vítima de abalroamento ter seu epigástrio comprimido pelo volante do
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automóvel e chegar ao pronto-socorro com a marca deste volante (equimose) impressa em
seu abdômen superior.
No nosso meio, em crianças, as causas mais freqüentes de lesão duodenal por trauma
fechado são a queda de bicicleta e a “síndrome do tanque de lavar roupa”. Esta “síndrome”
é ocasionada por tanques de lavar roupa de cimento que são apenas apoiados no chão, sem
a fixação adequada, geralmente em residências mais humildes (população de baixa renda).
A criança, movida por sua inocência e curiosidade naturais, quando se apóia na borda
inclinada do tanque para ver seu interior, derruba o mesmo sobre seu epigástrio. Este tipo
de trauma pode determinar outras lesões abdominais graves, como lesão hepática, lesão de
veias supra-hepáticas e lesão de veia cava inferior, com índices de mortalidade
significativos.
Outros traumas contusos, como as agressões (socos e pontapés), também podem levar a
lesão duodenal. Os hematomas da parede duodenal (submucosos) podem ser de origem
traumática, mas são encontrados também em situações nas quais ocorrem alterações de
coagulação, como, por exemplo, hemofilia e uso de anticoagulantes. Estes hematomas
podem, além de determinar um quadro obstrutivo, evoluir para infecção e formação de
abscesso.
A incidência de lesão duodenal em relação à sua localização é a seguinte: primeira porção:
17%; segunda porção: 36%; terceira porção: 19%; quarta porção: 13%; combinadas: 15%.
Verifica-se, pela análise destes dados, que as lesões de duodeno em sua porção
extraperitoneal correspondem a 68% do total, o que reforça a necessidade do alto índice de
suspeita e muita atenção para o diagnóstico, pois as lesões retroperitoneais apresentam
quadro clínico pouco exuberante. A proporção das lesões duodenais entre o sexo masculino
e o feminino é de 5:1, e a faixa etária mais comprometida se localiza entre os 16 e os 30
anos (70%).
III. Diagnóstico.
Em traumatismos abdominais penetrantes ou abertos, o diagnóstico e a indicação cirúrgica
são precoces, pois geralmente ocorrem lesões de vísceras ocas ou maciças intraperitoneais,
e a exploração cirúrgica é definida sem muitas dificuldades. Nestes casos, durante a
laparotomia exploradora, o inventário sistemático da cavidade abdominal é mandatório, e
constata-se a lesão duodenal em fase precoce e sem processo inflamatório local. Este fato
permite que o tratamento cirúrgico possa ser realizado em estruturas viáveis, com melhores
possibilidades de sucesso. No Hospital João XXIII, em Belo Horizonte (MG), o tempo
médio entre o traumatismo abdominal penetrante e o tratamento cirúrgico das lesões
duodenais foi de 90 minutos.
As lesões das porções duodenais intraperitoneais se manifestam clinicamente como uma
perfuração livre de víscera oca para a cavidade peritoneal, onde o extravasamento rápido de
um grande volume de líquido bastante irritativo para o peritônio (suco gástrico, pancreático
e bile) ocasiona um quadro clínico exuberante (irritação peritoneal), com a indicação
cirúrgica sendo definida também precocemente.
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A grande dificuldade diagnóstica ocorre em casos de lesão duodenal decorrente de trauma
abdominal fechado, com a ruptura do duodeno ocorrendo em sua porção retroperitoneal.
Nesta situação, o cirurgião que atende o paciente deve ter perspicácia e atenção redobradas
na procura de alguns sinais precoces e sugestivos de lesão duodenal: o alto índice de
suspeita associado ao mecanismo de trauma é a chave do diagnóstico.
A. Localização e mecanismo do trauma. Pacientes que apresentam traumatismos
toracoabdominais ou nas regiões superiores do abdômen, principalmente vítimas de
abalroamentos, ou pacientes alcoolizados traumatizados que se encontram sem defesa
abdominal no momento do trauma (parede abdominal relaxada), devem ser submetidos a
propedêutica extensa, além de acompanhamento clínico intensivo com reavaliações
repetidas e observação hospitalar por um período mínimo de 24 horas. É importante
também dar atenção especial às crianças com trauma abdominal fechado por queda de
bicicleta ou pela “síndrome do tanque de lavar roupa”, principalmente se apresentarem
contusões, escoriações e equimoses no epigástrio.
B. História e exame clínico. A história de dor abdominal leve logo após o trauma, que
apresenta melhora espontânea nas primeiras duas horas e retorna com maior intensidade
dentro de seis horas, é bastante sugestiva de lesão duodenal. Um paciente com estes
sintomas e mecanismo de trauma compatível deve ser submetido a propedêutica
imaginológica do duodeno. O exame físico do abdômen na fase inicial do trauma duodenal
é pobre em achados; portanto, a observação deve ser atenta e repetida, e qualquer sinal ou
modificação, por menor que seja, deve ser valorizado. A história do trauma e a existência
de contusão ou equimose no epigástrio nunca devem ser menosprezados. A ruptura do
músculo reto do abdômen sugere fortemente lesão intra-abdominal.
A evolução do extravasamento do conteúdo duodenal para o retroperitônio determina a
extensão da dor para a região lombar e flancos e também sinais de íleo paralítico e de
processo inflamatório retroperitoneal, como vômitos, febre, leucocitose e taquicardia.
Sinais clínicos de sepse podem surgir em fases mais avançadas da lesão. O hematoma de
parede duodenal é sugerido por vômitos intensos, geralmente 24 a 48 horas após o trauma,
causados por obstrução da luz do órgão.
A palpação do abdômen na fase inicial do trauma duodenal também fornece poucos
achados, porque não existe irritação do peritônio parietal e, portanto, a dor é difusa,
incaracterística e mal definida, do tipo visceral. A presença de massa palpável no epigástrio
ou no hipocôndrio direito pode representar um hematoma da parede duodenal. O ar que
extravasa da luz do órgão disseca o espaço retroperitoneal e pode, raramente, ser palpado
como enfisema na região lombar ou através do toque retal.
A ausculta abdominal pode demonstrar íleo paralítico à medida que aumentam a coleção
líquida e o processo inflamatório retroperitoneal.
C. Métodos diagnósticos complementares. Não existem exames laboratoriais específicos
para o diagnóstico de lesões duodenais. A amilase sérica está elevada em aproximadamente
50% dos pacientes com lesão duodenal; na presença de hiperamilasemia, devemos dirigir
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os métodos propedêuticos e clínicos para o diagnóstico de ruptura duodenal, mas uma
amilasemia normal não exclui a lesão. Leucocitose pode estar presente e sugere,
principalmente se associada a desvio para esquerda, infecção retroperitoneal. A dosagem de
amilase e o hemograma devem ser solicitados rotineiramente em todo politraumatizado.
Exames radiológicos podem ser úteis no diagnóstico. Cerca de 90% dos pacientes têm
algum sinal de lesão duodenal na radiografia simples do abdômen; entretanto, a maioria dos
sinais é inespecífica, como apagamento da sombra do músculo psoas direito e escoliose
antálgica lombar. A presença de bolhas de ar distribuídas ao longo da margem do músculo
psoas direito (Fig. 18-1), delineando o rim direito, ou no mediastino superior é altamente
sugestiva de trauma duodenal, estando presente em 56% dos pacientes seis horas após o
trauma. É importante muita atenção na análise dessas radiografias para que o
retropneumoperitônio não seja confundido com gases e fezes dentro do cólon direito.
Pneumoperitônio também pode estar presente ao estudo radiológico, mas raramente. O
melhor momento para a realização da radiografia de abdômen é após a avaliação inicial e
estabilização do paciente, e este exame deve ser repetido após seis horas de observação do
paciente, de acordo com o exame clínico do mesmo. Os sinais radiológicos em fases mais
avançadas da evolução das lesões duodenais são níveis hidroaéreos, distensão de alças de
delgado (aspecto de “pilhas de moeda” ou “espinha de peixe”), edema da parede das alças,
distensão do intestino grosso e aumento da densidade radiológica na região central do
abdômen (líquido livre).
O estudo radiológico contrastado do duodeno (REED) pode evidenciar extravasamento de
contraste na região do duodeno. O meio de contraste a ser usado deve ser preferencialmente
o hidrossolúvel (iodado). Um exame negativo pode ser repetido com a utilização do bário.
O hematoma da parede duodenal também leva a uma deformidade clássica durante o estudo
contrastado com imagem em “mola em espiral” ou “bico de pássaro”.
A tomografia computadorizada do abdômen, com o uso de contrastes oral e venoso, é o
método diagnóstico de escolha em pacientes estáveis com suspeita de lesão retroperitoneal
por trauma abdominal contuso, sendo um exame muito sensível na detecção de pequenas
quantidades de ar retroperitoneal (Fig. 18-2), sangue ou contraste extravasado do duodeno
lesado.
A laparotomia exploradora ainda tem seu lugar como último método diagnóstico, sempre
que persistir um alto índice de suspeita, mesmo diante de achados imaginológicos normais.
IV. Tratamento
A. Avaliação peroperatória. Os pacientes que apresentarem as seguintes condições devem,
após o controle da hemorragia, ter seu espaço retroperitoneal explorado:
1. Bolhas de ar nos tecidos periduodenais e mesocólon transverso.
2. Coloração biliar esverdeada em qualquer parte do retroperitônio — a compressão
delicada da vesícula biliar pode ajudar na detecção de extravasamento biliar.
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3. Hematoma sobre o duodeno, ao longo da base do mesentério, adjacente à grande
curvatura gástrica ou no mesocólon transverso.
4. Trajeto de arma branca ou projétil de arma de fogo nas proximidades do duodeno.
5. Qualquer achado pré-operatório (métodos complementares) sugestivo de lesão duodenal.
A complexa exposição do duodeno requer a realização de duas manobras cirúrgicas
associadas: manobra de Kocher e de Cattel-Braasch.
A manobra de Kocher consiste em se descolar a segunda porção do duodeno juntamente
com a cabeça do pâncreas da parede abdominal posterior, por meio de uma incisão no
peritônio posterior, à direita do arco duodenal. Esta dissecção é realizada em plano
avascular, e o bloco duodenopancreático é descolado em direção à esquerda até a exposição
completa da veia cava inferior, permitindo a exploração da primeira e segunda porções
duodenais.
A manobra de Cattel-Braasch, por sua vez, consiste na liberação e dissecção do ceco, cólon
ascendente e intestino delgado para cima e para a esquerda, permitindo a exposição do
espaço retroperitoneal, grandes vasos e da terceira e quarta porções duodenais. Esta
dissecção é obtida por uma incisão no peritônio posterior ao nível da goteira parietocólica
direita. A liberação do ligamento de Treitz auxilia a avaliação da quarta porção duodenal.
Outra manobra cirúrgica útil na detecção de lesões associadas é o cateterismo da papila
através da lesão duodenal, para a realização de colangiopancreatografia retrógrada
peroperatória.
A classificação das lesões duodenais, descrita por Moore, em 1990, é útil para delinearmos
o tratamento adequado:
Grau I — Hematoma em uma porção duodenal. Laceração parcial da parede (sem
perfuração).
Grau II — Hematoma em mais de uma porção. Laceração menor do que 50% da
circunferência.
Grau III — Laceração de 50 a 75% da circunferência em D2. Laceração de 50 a 100% da
circunferência em D1,3,4.
Grau IV — Laceração de 75 a 100% da circunferência em D2. Lesões envolvendo colédoco
ou papila duodenal.
Grau V — Laceração duodenopancreática maciça. Desvascularização do duodeno.
Observações: D1,2,3,4: primeira, segunda, terceira e quarta porções do duodeno.
• Lesões grau III a V são consideradas lesões duodenais complexas.
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• Lesões tratadas tardiamente, apresentando tecidos edemaciados e inflamados, devem
também ser consideradas como complexas.
B. Procedimento cirúrgico
1. Lesões grau I — O hematoma da parede duodenal deve merecer, na maioria das vezes,
tratamento conservador por meio de descompressão por sonda nasogástrica e reposição
hidroeletrolítica, com o paciente permanecendo em observação em regime hospitalar nos
primeiros dias. Caso não haja melhora clínica dentro de aproximadamente duas semanas, o
paciente deverá submeter-se a tratamento cirúrgico, com abertura da parede duodenal sem
abrir a mucosa, evacuação do hematoma e reconstituição por planos. Uma outra alternativa
cirúrgica é a anastomose gastrojejunal látero-lateral. As lesões parciais da parede duodenal
(sem abertura da luz) merecem apenas reconstrução com sutura seromuscular simples.
2. Lesões grau II — Estas lesões são adequadamente tratadas por meio de desbridamento
das bordas da lesão e sutura em dois planos ou ressecção e anastomose término-terminal,
associadas a drenagem adequada periduodenal.
3. Lesões complexas (graus III, IV, V ou com processo inflamatório) — Existem várias
condutas propostas para estas lesões graves, dentre elas ressaltamos:
a. Técnica das três sondas:
(1) Mobilização e exposição adequadas com desbridamento e rafia da lesão duodenal. Se há
perda de substância, pode-se usar o patch de alça jejunal para recobrir a falha na parede do
duodeno.
(2) Duodenostomia lateral com dreno de Kehr (dreno em “T”) exteriorizado pela própria
lesão ou por contra-abertura na borda duodenal contrapancreática. O dreno deve ser envolto
por epíploon quando possível.
(3) Gastrostomia à Stamm.
(4) Jejunostomia à Witzel.
(5) Drenagem periduodenal. Esta técnica, que vem sendo empregada no Hospital João
XXIII desde 1968, com excelentes resultados, tem a vantagem de promover formação de
fístula superdirigida, removendo todo o suco gastrobiliopancreático da luz duodenal,
descomprimindo o órgão e mantendo-o em repouso, evitando tensão sobre a linha de
sutura, o que facilita a cicatrização da lesão. A gastrostomia ajuda na descompressão do
duodeno e na derivação do suco gástrico.
Além das vantagens já citadas, o método permite a manutenção do equilíbrio
hidroeletrolítico e nutricional do paciente, pois permite aporte nutricional enteral, além da
reinfusão dos sucos gástrico e biliopancreático colhidos na gastrostomia e duodenostomia,
respectivamente, através da jejunostomia. Quinze dias após o tratamento cirúrgico, pode-se
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fazer estudo radiológico contrastado pela duodenostomia e, na ausência de extravasamento
de contraste ou processo obstrutivo distal, o dreno pode ser retirado como uma
coledocostomia (tração simples).
b. Cirurgia de exclusão pilórica
(1) Sutura primária da lesão duodenal.
(2) Gastrotomia na grande curvatura ao nível do antro.
(3) Eversão do piloro através da gastrotomia e fechamento do mesmo utilizando-se sutura
contínua com fio inabsorvível (Polipropilene).
(4) Gastrojejunostomia no local da gastrotomia.
(5) Drenagem periduodenal.
A cirurgia de exclusão pilórica foi utilizada pela primeira vez por Jordan, no início da
década de 70, e apresenta uma taxa de fístula duodenal pós-operatória semelhante à técnica
das três sondas, em torno de 5%. A reabertura do piloro acontece espontaneamente no pósoperatório tardio.
c. Duodenopancreatectomia. A ressecção do bloco duodenopancreático no trauma tem sua
indicação restrita aos pacientes com desvascularização da região pancreatoduodenal ou
apresentando lesões graves de duto pancreático e papila duodenal sem possibilidade de
reconstrução. Deve sempre ser tentada a preservação do piloro durante o procedimento.
d. Outros procedimentos. A diverticulização duodenal — sutura duodenal, duodenostomia,
antrectomia e gastrojejunostomia — tem sido pouco utilizada atualmente devido a sua
agressividade e ao tempo operatório elevado para sua execução.
Em pacientes hemodinamicamentes instáveis, o tratamento preconizado é o controle do
dano. Nestes pacientes, a laparotomia deve ser abreviada com controle rápido da
hemorragia, fechamento rápido das lesões do tubo gastrointestinal, fechamento provisório
da pele e encaminhamento do paciente para a Unidade de Tratamento Intensivo no intuito
de corrigir a acidose, hipotermia, os distúrbios de coagulação e as alterações
hemodinâmicas para o tratamento definitivo posterior em melhores condições.
É importante enfatizar que a drenagem generosa da região periduodenal é essencial no
tratamento das lesões, especialmente nos casos complexos e de diagnóstico tardio, pois a
fístula duodenal tem na drenagem adequada a base de seu tratamento, que se deve associar,
também, a um suporte nutricional e antibioticoterapia efetivos.
V. Morbidade e mortalidade.
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A morbimortalidade do trauma duodenal está diretamente relacionada com a gravidade da
lesão, o tempo entre o traumatismo e o atendimento (tempo de evolução) e a presença de
lesões associadas.
A pior complicação do trauma duodenal é a deiscência de sutura com o aparecimento de
fístula duodenal, o que ocorre numa incidência média de 6,6%, e está relacionada à
friabilidade dos tecidos (tratamento tardio na vigência de retroperitonite) e à ação do suco
pancreático sobre a linha de sutura (lesão pancreática associada); a mortalidade relacionada
a estas fístulas duodenais varia de 0 a 4%. Outras complicações encontradas são abscesso
intraperitoneal, pancreatite, obstrução duodenal e fístula biliar.
A mortalidade geral no traumatismo duodenal ainda é significativa, variando de 5 a 30%,
com uma média de 17%; entretanto, está freqüentemente associada a lesões pancreáticas e
vasculares associadas.
Referências
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sonda em T nos traumatismos duodenais. Ver Assoc Med Minas Gerais 1981; 32(1/4): 489.
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Support Manual. 5 ed., 1993.
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Capítulo 19 - Traumatismo do Intestino Delgado
Sizenando Vieira Starling
Evilázio Teubner Ferreira
I. Introdução.
As vísceras ocas intra-abdominais são freqüentemente lesadas nos mais diversos tipos de
trauma, principalmente nos traumatismos penetrantes. Iremos abordar, neste capítulo,
apenas os traumatismos do jejuno e do íleo, pois o duodeno, embora seja anatomicamente
integrante do intestino delgado, é estudado em capítulo à parte.
O intestino delgado pode ser lesado nos traumatismos penetrantes (trauma aberto) e nos
contusos (trauma fechado). No trauma fechado o diagnóstico é difícil, e o paciente é tratado
tardiamente, em grande número de casos.
Os traumas abertos podem ser causados por arma de fogo e por arma branca. Nas lesões por
arma branca, a ação lesiva ocorre diretamente sobre a parede da víscera e geralmente está
limitada ao trajeto de ação do instrumento agressor. Nos traumas causados por arma de
fogo, o efeito lesivo é maior e depende, basicamente, da energia cinética transmitida ao
órgão atingido pelo projétil, da sua velocidade e do efeito de revolver os tecidos. Algumas
características anatômicas nos ajudam a entender o mecanismo de lesão dessas vísceras. O
jejuno inicial, logo após a quarta porção duodenal, é fixo e se situa à frente da coluna
vertebral. O íleo terminal também é considerado segmento fixo, devido ao seu mesentério
curto e por estar o ceco fixo na goteira parietocólica direita. Estas condições proporcionam
menor mobilidade desses segmentos, ocasionando uma maior predisposição da ocorrência
de lesões. As demais porções do intestino delgado, intercaladas entre esses dois segmentos,
são móveis e têm fácil deslocamento, o que permite que escapem dos agentes agressores
com certa facilidade.
O estado de repleção da alça é um outro fator importante; as alças, quando cheias, são mais
suscetíveis às lesões.
Os traumas fechados podem ter várias causas: agressões, atropelamentos, abalroamentos,
quedas etc. O mecanismo pelo qual ocorre a lesão da alça pode ser explicado por uma das
três hipóteses: aumento súbito da pressão intraluminal de uma alça cheia; compressão da
alça contra a coluna vertebral; ou devido à desaceleração brusca. Um exemplo típico são as
lesões de íleo terminal ocorridas em abalroamentos, nos indivíduos usando cinto de
segurança subabdominal (de 2 pontos). Devido à obrigatoriedade do uso do cinto de
segurança, bem como seu posicionamento de maneira incorreta, este tipo de lesão vem
ocorrendo com maior freqüência.
Não podemos deixar de citar as lesões por esgarçamento de mesentério. Elas ocorrem
quando um indivíduo é vítima de um trauma abdominal com deslocamento do intestino
delgado da região de maior pressão, determinando distensão súbita e ruptura do mesentério,
devido à sua baixa elasticidade. Os vasos sangüíneos que nutrem a alça se rompem,
ocasionando um hemoperitônio e, às vezes, isquemia e necrose da alça intestinal.
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II. Diagnóstico.
Nos pacientes vítimas de um traumatismo abdominal aberto, a indicação cirúrgica, na
maioria das vezes, é precoce, e a lesão do intestino delgado encontrada durante o ato
cirúrgico permite um tratamento adequado, garantindo, assim, o seu sucesso.
Nos pacientes vítimas de um trauma abdominal fechado, o diagnóstico é mais difícil e, por
isso, o médico deve manter uma atenção especial ao exame clínico do paciente, para não
tratar tardiamente a lesão. Assim, todo paciente com trauma abdominal fechado deve
permanecer hospitalizado e em observação cirúrgica, sendo submetido a um exame clínico
a intervalos regulares, por período mínimo de 24 horas. Dessa maneira, consegue-se um
diagnóstico precoce, na maioria das vezes, das lesões intra-abdominais.
As lesões por contusão abdominal se manifestam clinicamente por um quadro de
perfuração de uma víscera oca para o peritônio livre. A dor abdominal é o sintoma mais
característico e está presente em todos os casos, com intensidade variável, dependendo do
nível da lesão e do grau de contaminação da cavidade abdominal. Normalmente, nas lesões
mais altas, a dor é mais forte e, à medida que o tempo vai passando, aumenta de intensidade
e se difunde para todo o abdômen. Ao exame físico, chamam a atenção a desidratação
progressiva, a taquicardia e, às vezes, a febre de graus variáveis. No exame do abdômen,
são achados importantes: a dor à palpação com defesa muscular e, às vezes, a contratura da
parede abdominal; a percussão dolorosa; um grau variado de distensão abdominal; e o
peristaltismo diminuído ou abolido. Estes achados caracterizam um quadro de peritonite.
Nos casos em que o diagnóstico é realizado tardiamente, o quadro geral e abdominal é mais
grave. O paciente encontra-se séptico, hipovolêmico e oligúrico. Ele necessita de um
tratamento de suporte intensivo antes de ser encaminhado à cirurgia.
O diagnóstico da lesão do intestino delgado é essencialmente clínico. Os exames
laboratoriais são inespecíficos. Os exames radiológicos são de grande valor, principalmente
quando feitos sucessivamente e analisados comparativamente durante a evolução do
paciente. O estudo radiológico do tórax pode revelar pneumoperitônio e deve ser
rotineiramente realizado. A radiografia simples de abdômen, realizada em decúbito dorsal e
ortostastismo, deve ser feita durante a evolução do quadro, quantas vezes forem
necessárias. As alterações neste exame são progressivas e variam desde uma alça sentinela,
em um dos quadrantes do abdômen, até um quadro de íleo paralítico típico.
Os métodos modernos de diagnóstico por imagem, como o ultra-som abdominal e a
tomografia computadorizada do abdômen, trouxeram algum auxílio para o diagnóstico das
lesões do intestino delgado. Atualmente, considera-se que a tomografia computadorizada
do abdômen, executada por profissional experiente, pode ser útil no diagnóstico dessas
lesões ao demonstrar mínimas quantidades de ar na cavidade abdominal, espessamento da
parede das alças, líquido livre intra-abdominal e extravasamento de contraste hidrossolúvel
(administrado por via oral) para a cavidade peritoneal.
Quando ocorre lesão do mesentério sem lesão da luz visceral, a clínica observada é um
pouco diferente e caracteriza-se por uma perda sangüínea de intensidade variável. Ao
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exame clínico, notamos instalação progressiva de um quadro de hipovolemia: queda da
pressão arterial, aumento da freqüência do pulso, mucosas hipocoradas e palidez cutânea. A
dor abdominal, nestes casos, é de menor intensidade, mas está presente. A palpação e a
percussão do abdômen são dolorosas, e o peristaltismo está diminuído. Nesta situação, a
punção abdominal está indicada e, se ela for negativa, dever-se-á proceder ao lavado
peritoneal. Atualmente, entretanto, com o progresso dos meios de imagem, a realização de
ultra-som e/ou tomografia computadorizada do abdômen, revelando a presença de líquido
livre na cavidade, a sua localização e o seu volume estimado, nos permite fazer um
diagnóstico mais precoce.
III. Tratamento.
O tratamento das lesões traumáticas do intestino delgado é sempre cirúrgico e envolve
procedimentos simples e seguros, desde que realizado precocemente (em torno de seis
horas) e com técnica adequada. Antes do início do ato cirúrgico, o paciente deve ser
convenientemente preparado, incluindo: punção de veia periférica calibrosa para hidratação
e administração de antibiótico pré-operatório, tricotomia abdominal e pubiana ampla e
cateterismo vesical de demora.
Nos pacientes politraumatizados, deve-se dedicar maior atenção ao tratamento das lesões
associadas e de maior gravidade, que colocam a vida do paciente em risco.
A laparotomia deve ser realizada por meio de incisão vertical mediana ampla, pois esta é
feita com rapidez e permite exploração de toda a cavidade abdominal. As lesões
encontradas devem ser classificadas de acordo com os critérios propostos pela Associação
Americana de Cirurgia do Trauma (Quadro 19-1).
Nos casos operados precocemente, as lesões do jejuno e do íleo são passíveis de sutura
primária, não precisando ser complementadas por nenhum outro procedimento. Em
algumas situações, a ressecção do segmento de alça lesado, seguida de anastomose términoterminal, torna-se necessária (Quadro 19-2).
Tanto a enterorrafia quanto a enterectomia devem ser realizadas segundo os princípios
básicos da cirurgia intestinal do trauma (Quadro 19-3).
Nos pacientes diagnosticados e tratados tardiamente, com freqüência vítimas de traumas
fechados, a situação muda de aspecto, tornando-se mais grave e complexa. O paciente,
nestes casos, está séptico e com um quadro já instalado de peritonite bacteriana. Portanto,
antes da cirurgia, devem-se melhorar as suas condições gerais, para que ele suporte o
trauma cirúrgico. Durante o ato cirúrgico encontramos uma lesão com bordas friáveis e
inflamadas, não permitindo a execução segura da sutura primária, pois o risco de deiscência
da sutura com formação de fístula no pós-operatório é muito elevado. Nesta situação, a
opção adotada é realizar uma sutura parcial da lesão e colocar, dentro da luz intestinal, um
dreno em “T” de calibre grosso (dreno de Kerr). Em seguida, exteriorizamos o seu ramo
vertical por contra-abertura na parede abdominal e fixamos este segmento de alça no
peritônio parietal (como se faz em uma jejunostomia). Essa enterostomia com sonda “T”
traz as seguintes vantagens: (a) promove a formação de uma fístula superdirigida,
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impedindo que o conteúdo da alça caia dentro da cavidade abdominal; (b) remove o líquido
entérico de dentro da luz da alça; (c) mantém a alça em repouso e descomprimida, evitando
tensão na linha de sutura e propiciando que a cicatrização da lesão evolua de maneira
favorável. Assim, proporcionamos uma proteção maior ao paciente, evitando que uma
fístula entérica, com suas repercussões, se instale. Após duas semanas de tratamento, se o
paciente estiver bem e sem sinais de infecção abdominal, o dreno será retirado, e a fístula se
fechará espontaneamente.
Trabalhos importantes, realizados nos serviços com maior experiência em trauma, estão
sendo feitos com o intuito de demonstrar o uso mais adequado da videolaparoscopia no
trauma. A utilização correta deste novo método nos possibilitará maior precocidade no
diagnóstico e tratamento das lesões intra-abdominais, inclusive as do intestino delgado.
IV. Complicações.
Desde que tratadas precocemente, as lesões do intestino delgado evoluem bem, sem
complicações. O paciente inicia alimentação oral a partir do terceiro dia de pós-operatório,
e a alta é precoce.
As complicações de ordem geral, como atelectasias, infecções urinárias e abscesso de
parede, podem ocorrer.
As complicações intra-abdominais são mais comuns em pacientes tratados com peritonite
purulenta já instalada. As complicações que trazem mais riscos ao paciente são os
abscessos intra-abdominais (pélvico, subfrênico e interalças) e as deiscências de sutura,
originando as fístulas entéricas.
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Capítulo 20 - Traumatismo do Intestino Grosso
Sizenando Vieira Starling
Evilázio Teubner Ferreira
I. Introdução.
As lesões do intestino grosso são relativamente freqüentes, e em 95% dos casos são
causadas por trauma penetrante. Os 5% restantes são constituídos por contusões ou lesões
iatrogênicas.
Em virtude do tipo de flora e das características anatômicas e fisiológicas dos intestinos, as
lesões colônicas ainda hoje são acompanhadas de consideráveis graus de morbidade e
mortalidade.
A não ser nas lesões extraperitoneais isoladas, o diagnóstico não apresenta dificuldades em
ser obtido. Existe, contudo, grande controvérsia quanto ao melhor tratamento a ser
empregado nos diversos tipos de lesões existentes.
II. Diagnóstico.
Nos pacientes vítimas de agressões por arma de fogo, a indicação cirúrgica é imediata, e o
diagnóstico da lesão colônica é realizado durante o exame minucioso das lesões da
cavidade abdominal.
Nos pacientes vítimas de agressão por arma branca com evidência de lesão visceral, a
cirurgia também é indicada precocemente.
O diagnóstico é mais difícil nos casos de trauma fechado e nos de agressão por arma branca
sem apresentar, à admissão, sinais de lesão visceral. Nesta situação, deve-se examinar
cuidadosamente o paciente a intervalos de tempo regulares, pois o surgimento de sinais de
irritação peritoneal é útil para orientar o médico quanto à necessidade de exploração
cirúrgica.
Os exames laboratoriais e radiológicos não são específicos.
Deve-se dedicar especial atenção às prováveis lesões extraperitoneais do cólon e do reto,
onde não estarão presentes sinais de irritação peritoneal. Nas lesões do cólon
extraperitoneal (ascendente e descendente), além das manifestações sistêmicas e da
leucocitose com desvio à esquerda, podemos constatar presença de ar no retroperitônio
através da palpação e/ou pela radiografia simples de abdômen (retropneumoperitônio).
Nas lesões localizadas no reto extraperitoneal, freqüentes nos casos de empalamento,
fraturas graves de bacia e traumas por arma branca ou de fogo, abaixo da cicatriz umbilical
ou nas nádegas, o toque retal é imprescindível, e a retossigmoidoscopia deve ser realizada
sempre que possível. Estes cuidados garantem o diagnóstico precoce dessas lesões,
permitindo um tratamento em tempo hábil, apresentando morbidade e mortalidade
reduzidas. Por outro lado, também atentamos para os pacientes submetidos à
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retossigmoidoscopia, à colonoscopia ou ao enema opaco e que desenvolvem dor abdominal
com sinais de irritação peritoneal. Neles, a possibilidade de lesão colônica é grande, e a
cirurgia deve ser indicada para todos os casos.
III. Tratamento.
O tratamento de lesões traumáticas do intestino grosso, apesar dos progressos inequívocos
obtidos, ainda gera polêmica e controvérsia. A taxa de mortalidade devida às lesões
colônicas diminuiu progressivamente com o avanço da tecnologia, com o uso da colostomia
e com o aprimoramento da ressuscitação e do transporte de pacientes (evacuação precoce),
permitindo um tratamento mais eficaz e rápido.
Um breve relato histórico nos possibilita vislumbrar este fato. A mortalidade devida às
lesões de cólon durante a Guerra Civil Americana estava próxima de 100%, e durante a
Primeira Guerra Mundial ficou em torno de 60%. Durante a Segunda Guerra Mundial,
Ogilvie, um cirurgião do Exército americano, determinou que todas as lesões colônicas
ocorridas em combate deveriam ser tratadas através de colostomia; isto resultou em uma
taxa de mortalidade em torno de 30%. Houve ainda uma redução desta taxa para 10 a 15%
durante as guerras da Coréia e do Vietnã.
As lesões causadas por acidentes civis provavelmente são menos graves do que as causadas
durante uma guerra. Baseados nesta constatação e no progresso da assistência médica,
alguns cirurgiões têm recomendado, cada vez mais, o emprego da sutura primária do cólon
e menos da colostomia. Esta proposta foi inicialmente preconizada por Ochsner e
Woodwall, em 1951.
Independentemente do tipo de tratamento a ser empregado, essas lesões devem ser
abordadas por meio de laparotomia mediana ampla, para permitir uma exposição adequada
e o exame das vísceras intra-abdominais. Antes de iniciado o ato cirúrgico, devem ser
administradas doses terapêuticas de antibióticos, porque existem evidências na literatura
que demonstram que, quanto mais precoce for administrado o antibiótico sistêmico aos
pacientes com traumatismos abdominais, tanto mais baixa será a incidência global de
complicações infecciosas. Existem trabalhos demonstrando que a infecção da ferida
cirúrgica pode ser prevenida quando se consegue um alto nível sangüíneo de antibiótico no
momento em que a incisão é feita.
Alguns fatores de risco são reconhecidamente capazes de contribuir para aumentar o índice
de complicações pós-operatórias (Quadro 20-1).
O choque tem sido considerado como uma contra-indicação relativa para a sutura primária
da lesão colônica, porque durante a hipotensão o fluxo sangüíneo do intestino é reduzido,
podendo contribuir para a ocorrência de deiscência da anastomose. Este conceito, no
entanto, tem sido questionado por alguns autores. Consideramos que a hipotensão
prolongada contribui para o aumento da mortalidade, enquanto uma hipotensão transitória e
rapidamente corrigida, não.
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A intensidade da contaminação fecal, embora de difícil avaliação, é considerada um
elemento de risco no tratamento das lesões colônicas, principalmente quando associada à
presença de outros fatores. George e cols. classificam a contaminação fecal como ligeira,
quando a disseminação das fezes se confina à área imediata ao redor da lesão; como
moderada, quando esta disseminação se localiza em apenas um quadrante do abdômen; e
como grande, quando um expressivo volume fecal é encontrado em mais de um quadrante
do abdômen. A presença de sangue na cavidade dificulta, em muito, a avaliação do grau de
contaminação.
A presença de lesões associadas, tanto em número quanto em complexidade, evidencia a
intensidade do trauma e a gravidade do paciente, influenciando na terapêutica a ser
realizada. Qualquer lesão intra-abdominal deve ser vista como fator agravante, na tentativa
de uma sutura primária do cólon, principalmente se for de duodeno, pâncreas ou ureter.
O intervalo de tempo compreendido entre o trauma e o reparo da lesão exerce influência
considerável sobre a opção do tratamento. O período considerado ideal para a realização de
uma sutura primária oscila entre seis e oito horas após o trauma. Achamos importante
avaliar, além do tempo transcorrido, o aspecto da lesão e o tipo de secreção encontrado na
cavidade.
O número de transfusões sangüíneas reflete a gravidade da lesão. Problemas sépticos
ocorrem com maior freqüência nos pacientes que requerem quatro ou mais unidades de
sangue; logo, nesses casos, a colostomia é a opção de tratamento mais segura. O
mecanismo da lesão que ocasionou o trauma também influencia na escolha do tratamento;
os traumas por arma de fogo são considerados mais graves do que os causados por arma
branca. O tamanho e o número de lesões são considerados por alguns autores como fatores
que aumentam o risco de complicações das lesões do intestino grosso. As lesões com
diâmetro maior do que a metade da circunferência da alça são consideradas mais
suscetíveis de complicações.
Quanto à localização anatômica da lesão, admite-se que as lesões do lado direito evoluem
bem com sutura primária, enquanto nas lesões do lado esquerdo o tratamento mais seguro
consiste em colostomia. Atualmente, embora existam diferenças anatômicas e fisiológicas
entre os cólons direito e esquerdo, a maioria dos autores recomenda que as lesões sejam
tratadas de modo semelhante, não considerando a sua localização anatômica.
Para avaliar e comparar o tipo de tratamento e as conseqüências do mesmo foram propostas
várias classificações das lesões colônicas. A mais recomendada é a proposta pela
Associação Americana de Cirurgia do Trauma (Quadro 20-2).
Após observados os fatores de risco e a classificação da lesão, a escolha da técnica
empregada no tratamento desta recairá em uma das seguintes opções: (a) sutura primária;
(b) exteriorização da lesão como colostomia; (c) exteriorização da lesão suturada; (d) sutura
da lesão e colostomia proximal; (e) ressecção e anastomose primária; (f) ressecção com
anastomose e colostomia proximal; (g) ressecção com exteriorização de ambas as
extremidades; e (h) ressecção com colostomia proximal e sutura do coto distal (Quadro 203).
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A sutura primária das lesões colônicas está sendo empregada com maior freqüência. Ela
deve ser realizada com habilidade adequada; normalmente, empregamos dois planos de
sutura. O emprego de drenos é controverso. Apesar das evidências de que a sutura primária
parece ser cada vez mais segura, ainda é necessário cautela no seu uso (Quadro 20-4). Na
prática, poderá ser difícil determinar se todos esses fatores estão presentes ao selecionar um
paciente para o fechamento primário da lesão de cólon. Entretanto, esta poderá ser realizada
levando-se em consideração a experiência do cirurgião que está operando.
A exteriorização da lesão como colostomia consiste em um tratamento rápido e seguro,
desde que a localização anatômica do ferimento permita este tipo de tratamento, isto é,
desde que a lesão esteja localizada em uma parte móvel do cólon que possa ser mobilizada
com segurança até a pele sem provocar tensão. A técnica empregada é a colostomia em alça
tipo maturação precoce. Nos casos de lesões que se encontrem na parte fixa do cólon, ou
quando existirem múltiplas lesões, a melhor opção será a rafia da(s) lesão(ões) e colostomia
em alça da lesão proximal. Esta colostomia deve ser construída sob uma haste de apoio,
para criar um bom desvio fecal em relação ao conteúdo distal. O fechamento desta
colostomia deverá ser realizado dois meses após o trauma, sempre realizando-se um enema
opaco para verificar se as lesões cicatrizaram. O risco de complicações deste procedimento
antes de dois meses é maior, além de ser tecnicamente mais difícil.
Nos pacientes em que a lesão colônica se encontra em condições limítrofes entre uma
colostomia e uma rafia primária, existe a opção de se exteriorizar a lesão suturada no
subcutâneo. É necessário, entretanto, realizar este procedimento com técnica adequada.
Para um procedimento bem-sucedido são fundamentais uma boa mobilização do segmento
de cólon suturado e a manutenção do intestino sempre úmido. Em torno do 10º dia de pósoperatório, se ocorrer cicatrização adequada da ferida, o cólon suturado será recolocado na
cavidade abdominal. Nos casos em que a cicatrização não ocorre, a sutura pode facilmente
ser transformada em uma colostomia. Esta conduta, que de início despertou grande
entusiasmo, tem sofrido muitas críticas e, gradativamente, vem sendo menos empregada.
Quando existem várias lesões em um segmento pequeno do cólon ou quando este se
encontra lesado e/ou desvitalizado, a ressecção deste segmento é o tratamento mais
adequado. A reconstrução do trânsito poderá ser feita por meio de uma anastomose
primária, quando a lesão localizar-se no cólon direito, ou por anastomose protegida por
uma colostomia proximal, quando a lesão encontrar-se no cólon esquerdo. Nos pacientes
graves, hemodinamicamente instáveis, ou quando o cólon sigmóide for ressecado, as
opções recairão na colostomia das duas extremidades, ou em uma colostomia proximal, e
no conseqüente fechamento do coto distal (cirurgia de Hartmann). Neste caso, a
reconstrução do trânsito intestinal é realizada posteriormente, por meio de uma nova
intervenção cirúrgica.
A principal área de controvérsia no tratamento do traumatismo do intestino grosso consiste
em decidir se o cólon lesado pode ser suturado em primeira intenção ou se deve ser
exteriorizado como colostomia. As duas condutas são válidas e corretas. Quando não se
tem grande experiência em cirurgia do trauma pode ser difícil a avaliação de todos os
fatores de risco envolvidos, e uma atitude conservadora pode ser a mais sensata (“A
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anastomose cólica que não é feita não pode dar deiscência”). Entretanto, um cirurgião
experiente tem condição de avaliar adequadamente os fatores de risco e fazer a melhor
opção de qual tratamento é o mais seguro para o paciente.
Após tratadas as lesões associadas, caso estas existam, deverão ser realizadas uma revisão
da hemostasia, uma limpeza da cavidade abdominal, empregando-se soro fisiológico
morno, e se procederá ao fechamento, por planos, da incisão cirúrgica. Os antibióticos
deverão ser empregados em doses terapêuticas.
As lesões localizadas no reto extraperitoneal devem ser sempre consideradas como lesões
graves. O seu tratamento é baseado nos seguintes princípios: desvio, drenagem, reparo e
lavagem distal. A sutura da lesão deve ser sempre tentada, não sendo, entretanto, prioritária.
Sem dúvida, a construção de um desvio para a massa fecal é a etapa mais importante. A
colostomia em alça é adequada, embora alguns autores recomendem a colostomia terminal.
A drenagem, realizada no períneo, deve ser pré-sacra e ampla, habitualmente com Penrose.
A lavagem distal, realizada através da extremidade distal na colostomia, é um procedimento
que nunca deve ser esquecido. Ela é considerada satisfatória quando o líquido eliminado
através do ânus, previamente dilatado, apresenta-se claro.
IV. Complicações.
As complicações mais temíveis no tratamento das lesões do intestino grosso são as de
origem infecciosa. A sua freqüência varia de acordo com o tipo de tratamento realizado, o
tempo transcorrido entre o trauma e o tratamento, a presença de choque e o número de
lesões associadas. Normalmente, a sua freqüência é maior nos pacientes mais graves.
Os abscessos intra-abdominais (pélvicos, interalças e subfrênicos) constituem complicações
das mais temidas e exigem do médico diagnóstico precoce e tratamento agressivo com
drenagem ampla e imediata. A febre no pós-operatório é um dos sinais mais sugestivos da
sua ocorrência. Com o uso do ultra-som, o diagnóstico desses abscessos tornou-se mais
seguro. Sem dúvida, a deiscência de sutura, originando uma fístula intestinal, é a
complicação mais grave e desagradável nesses pacientes. O seu surgimento geralmente
ocorre em torno do quinto dia de pós-operatório. O fechamento dessas fístulas pode ocorrer
de maneira espontânea ou requerer tratamento cirúrgico.
A ocorrência de contaminação do espaço retrorretal com infecção do tecido gorduroso aí
localizado é a complicação mais grave nos pacientes com lesão do reto extraperitoneal. A
infecção se propaga para o espaço retroperitoneal com grande rapidez e facilidade,
acometendo toda a parede abdominal, o períneo e até mesmo a raiz das coxas, mesmo com
tratamento adequado. Esses pacientes tornam-se sépticos rapidamente e, na maioria das
vezes, não conseguem sobreviver.
A osteomielite da bacia também pode ocorrer nesses pacientes, principalmente naqueles
vítimas de agressão por arma de fogo, aumentando muito a sua morbidade.
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As complicações devidas ao trauma cirúrgico consistem em abscessos de parede que, nos
pacientes com lesões colônicas, são encontrados mais freqüentemente. Alguns autores
chegam a sugerir que, nesses pacientes, a pele e o tecido subcutâneo não sejam suturados.
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Capítulo 21 - Traumatismo do Rim e Ureter
Francisco Viriato Rocha Sobrinho
I. Introdução.
Os rins e os ureteres compõem o trato urinário superior. No adulto, estas estruturas
encontram-se bem protegidas dos traumatismos externos, porém, nas crianças, pelo fato de
os elementos anatômicos protetores estarem pouco desenvolvidos, e também pela maior
prevalência de anomalias congênitas (que tornam os rins e ureteres mais fragéis e
propensos a rompimento), aumenta a possibilidade de lesão após um trauma. As lesões
iatrogênicas são raras, exceto as lesões do ureter em cirurgias pélvicas comuns; com o
desenvolvimento da endourologia, as lesões iatrogênicas tendem a aumentar devido à
manipulação instrumental.
Os meios propedêuticos melhoraram, e a tomografia computadorizada praticamente
substituiu a arteriografia renal na urgência.
No tratamento cirúrgico das lesões renais, o acesso transperitoneal e o cuidado de controlar
o pedículo vascular renal antes da abertura do hematoma na área renal reduziram muito a
taxa de nefrectomia (de 56-75% para 13-30%).
O prognóstico das lesões renoureterais é bom, embora deva melhorar, especialmente nas
lesões do ureter que requeiram muita suspeição e exame específico para seu diagnóstico
precoce. Com o cateterismo ureteral prévio, naqueles procedimentos de maior risco, como
colectomias, muitas lesões ureterais deixariam de ocorrer.
II. Etiopatogenia.
Os traumatismos renoureterais podem ser acidentais por violência externa, iatrogênicos ou
espontâneos. Os traumatismos por violência externa podem ser abertos (20%) ou fechados
(80%). As agressões com arma branca e arma de fogo produzem a maioria dos
traumatismos abertos, enquanto os traumatismos fechados devem-se principalmente aos
acidentes automobilísticos (75%), quedas (bicicleta, animais, altura) e agressões com socos
e chutes.
O agente traumático pode atuar diretamente sobre o órgão, perfurando-o, comprimindo-o
contra a coluna ou costela, ou indiretamente, como nos acidentes por
aceleração/desaceleração (p. ex., caso de queda, atropelamento, pela inércia). Nos
traumatismos por violência externa, as lesões podem situar-se no parênquima renal, no
sistema coletor, no pedículo vascular ou acometer todo o órgão, assim como qualquer
segmento do ureter, sendo de vários tipos: no rim, contusão, laceração e lesões do pedículo
vascular; no ureter, avulsão, transecção e perfuração.
As lesões iatrogênicas renais são raras e geralmente não têm importância. As ureterais são
freqüentes, principalmente em cirurgias pélvicas e nos procedimentos endoscópicos
propedêuticos ou terapêuticos, sendo de vários tipos: ligadura, transecção, avulsão,
perfuração e desvitalização.
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As lesões espontâneas, rupturas, ocorrem em órgãos patológicos como rim com doença
cística, rim com neoplasia e com rejeição aguda após transplante etc.
III. Diagnóstico.
A maioria dos pacientes com traumatismo renoureteral apresenta-se hemodinamicamente
estável e, portanto, tolera uma propedêutica adequada. Raros são os pacientes que vão
diretamente para a sala de cirurgia, onde o urologista é chamado a opinar.
A história de traumatismo abdominal, em pacientes com dor lombar e no flanco, e
hematúria, sugere traumatismo do trato urinário superior. Os acidentes, como queda ou
atropelamento (aceleração/desaceleração), podem causar lesões do pedículo vascular,
muitas vezes sem hematúria.
A dor está sempre presente, localizada na região lombar ou irradiando-se para o testículo
homolateral, contínua ou em cólica, e, neste caso, deve-se à eliminação de coágulos. Na
lesão ureteral, a dor é não-característica.
A hematúria é o sinal mais importante, mas pode estar ausente mesmo na presença de lesão
renoureteral grave; quando presente, sua intensidade não guarda relação com a gravidade
da lesão. Porém, raramente um paciente bem clinicamente e com hematúria microscópica
apresentará lesão renoureteral importante.
A história pregressa pode revelar patologias prévias.
Ao exame físico, o achado de escoliose antálgica, lesões lombares, nos hipocôndrios e
flancos, é valioso. Abdômen assimétrico por massa no flanco denuncia uma coleção
retroperitoneal de sangue e/ou urina, e esses pacientes sempre preferem o decúbito sobre o
lado lesado. Essa massa pode e deve ser bem-delimitada por palpação e percussão, e sua
evolução, controlada. Essa coleção retroperitoneal pode fazer diminuir o peristaltismo.
Caso não haja lesões intraperitoneais associadas, não surgem sinais de peritonite, a menos
que exista solução de continuidade de peritônio posterior e que sangue e/ou urina infectada
caiam na cavidade peritoneal.
A lesão renal grave, isolada, é rara. Freqüentemente ela se associa a lesões hepáticas,
esplênicas, gástricas, pancreáticas etc.
O laboratório é útil ao revelar hematúria microscópica. Também é útil para os exames
seriados dos pacientes em observação (hemácias, hemoglobina, hematócrito).
O estudo radiológico inicia-se com a radiografia simples do abdômen. A presença de
escoliose, fraturas nas quatro últimas costelas ou de processos transversos aumenta a
probabilidade de lesão renal e/ou ureteral. O apagamento da sombra do psoas e o
deslocamento de alças intestinais são sinais de coleção retroperitoneal. O diagnóstico da
lesão renal é confirmado, em 90% dos casos, por meio da urografia excretora e da
nefrotomografia, que também nos dará informações acerca da função do outro rim,
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encontrando-se indicada desde que a pressão arterial sistólica esteja acima de 90 mmHg. A
urografia excretora convencional é obtida injetando-se 60 cc de contraste iodado a 50 ou
75% na veia e batendo-se radiografias com 1, 2, 3, 15 e 20 minutos após o término da
injeção. A urografia excretora com infusão contínua apresenta maior eficiência diagnóstica.
Usam-se 2 cc de contraste por quilograma de peso do paciente, diluídas em igual volume de
soro fisiológico. Esta solução flui livremente em veia puncionada com agulha calibrosa nº
12. As radiografias são obtidas na mesma seqüência dada anteriormente.
Pacientes com suspeita de lesões associadas do ureter terminal e da bexiga devem
submeter-se à urografia excretora com cateter vesical em drenagem contínua. Assim, evitase que o contraste acumulado na bexiga flua através da lesão vesical e mascare a lesão
ureteral.
Posteriormente, para estudo da bexiga, o paciente se submeterá à cistografia retrógrada. A
urografia excretora é um exame sensível; raramente subestima uma lesão renal, mas é
pouco específica, muitas vezes não permitindo concluir sobre o tipo e a extensão das lesões.
Lesões menores podem produzir a exclusão funcional, e lesões graves podem mostrar-se
com urografia excretora pouco alterada. As alterações mostradas pela urografia excretora
podem incluir retardo na eliminação do contraste, defeito de enchimento, distorções de
cálices, extravasamento de contraste, nefrograma parcial, exclusão renal etc. A lesão
ureteral raramente (30%) é diagnosticada com a urografia excretora. Por isso, seu
diagnóstico geralmente é tardio, devido às suas complicações. A pielografia retrógrada é o
exame de escolha para diagnóstico das lesões ureterais.
A tomografia computadorizada é um exame mais sensível e mais específico do que a
urografia excretora para o diagnóstico das lesões renais, inclusive lesões do pedículo
vascular. A tomografia computadorizada pode dispensar a arteriografia seletiva renal. O
ultra-som também é útil, porém menos sensível do que a tomografia computadorizada,
assim como a cintilografia renal e a ressonância magnética, que nada acrescentam aos
exames já citados.
IV. Classificação e Freqüência das Lesões Renais Fechadas
contusões renais
Lesões Menores (85%) lacerações superficiais
lacerações profundas atingindo o sistema coletor
Lesões Maiores (10%) lacerações da pelve renal
lacerações desvitalizando o pólo renal
fratura renal
desinserção de bacinete
Lesões Graves (5%)
lacerações profundas e múltiplas
esmagamento renal
lesões do pedículo vascular
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V. Tratamento.
Os pacientes com traumatismo renal podem ser tratados clinicamente ou com cirurgia, e a
esta pode ser de urgência ou não.
Todos os pacientes com lesões menores responderão bem ao tratamento clínico.
Todos os pacientes com traumatismo renoureteral aberto devem ser operados, pois 90%
deles têm lesões associadas. Quase todos os pacientes com lesões renais graves vão
requerer a cirurgia de urgência; uns porque apresentarão hemorragia severa e ativa, e
outros, embora estáveis hemodinamicamente, terão lesão de artéria renal devido,
principalmente, aos traumatismos por aceleração/desaceleração (queda, atropelamento).
Pacientes com lesões espontâneas maiores e graves devem sempre ser tratados
cirurgicamente. O tratamento das lacerações renais é controvertido. A decisão baseia-se no
quadro clínico. Pacientes que estão bem, hemodinamicamente estáveis, podem ser
observados. A piora da dor, a necessidade de transfusão sangüínea superior a 1.000-2.000
ml/24 horas, para manter a PA, sinais de infecção da coleção retroperitoneal (sangue e/ou
urina) ou íleo são indicações para o tratamento cirúrgico. O tratamento clínico pode
diminuir o número de cirurgias e a taxa de nefrectomia, mas aumenta muito a morbidade e
o período de hospitalização. Ele consiste em repouso no leito, até cessar a hematúria
macroscópica, avaliação clínica periódica, avaliação laboratorial e reavaliação com
urografia excretora ou tomografia computadorizada, se se fizerem necessárias,
antimicrobianos, hidratação e transfusões de sangue total, se necessários. O tratamento
clínico justifica-se porque sabemos que a gordura perirrenal promove um bom
tamponamento, o parênquima renal cicatriza-se bem e a coleção retroperitoneal (sangue
e/ou urina) normalmente é absorvida.
O tratamento cirúrgico bem conduzido — acesso transperitoneal, exploração das vísceras
intraperitoneais, inclusive do rim contralateral, e controle prévio do pedículo renal, ao se
explorar o hematoma retroperitoneal na área do rim — diminui a morbidade e o período de
internação e não contribui para nefrectomias desnecessárias.
O acesso ao pedículo renal pode ser feito pela abertura vertical do peritônio posterior, sobre
a aorta, entre o ângulo de Treitz e a veia mesentérica inferior. Às vezes, hematomas grandes
dificultam este acesso; nestes casos, a opção é pela abertura ampla da goteira parietocólica
do lado comprometido e o rebatimento medial do colo, com identificação dos vasos renais,
clampagem ou reparo desses vasos, abertura da fáscia de Gerota, evacuação dos coágulos,
identificação e avaliação das lesões renais. O tratamento da lesão renal pode consistir
apenas em drenagem perirrenal ou desbridamento e sutura nas lacerações, ou nefrectomia
polar em lesões que desvitalizam o pólo renal e, por último, a nefrectomia total na explosão
renal, avulsão do pedículo vascular etc. A sutura do parênquima ou do sistema coletor é
feita com sertix 3-0 cromado e pontos simples. Usa-se também sertix 3-0 cromado para a
sutura-ligadura dos vasos do parênquima renal.
As lesões vasculares à direita geralmente são tratadas com nefrectomia. À esquerda, às
vezes se consegue o reparo. As lesões na veia renal após a desembocadura da veia gonadal
podem ser tratadas com ligadura da veia renal, e a drenagem sangüínea se fará pela veia
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gonadal. As lesões arteriais podem requerer desbridamento e enxerto. Lembrar que a
liberação do rim, com sua aproximação da aorta, pode permitir um reparo sem enxerto e
sem tensão.
Sempre drenar extraperitonealmente o espaço retroperitoneal.
A transecção do ureter terminal deve ser tratada com o reimplante ureteral, isto em
pacientes sem patologias ureterais ou vesicais que o impeçam, e sem contaminação
grosseira da área. Nestas condições desfavoráveis, o tratamento indicado é uma nefrostomia
percutânea ou a céu aberto. As lesões ureterais altas são tratadas com desbridamento, se
necessário, e anastomose término-terminal, após espatular os cotos ureterais. Em ureteres
normais, após a anastomose com fios absorvíveis e sem tensão, não há necessidade de
deixar cateter ureteral.
As ligaduras do ureter terminal, lacerações, perfurações podem ser tratadas
conservadoramente com os recursos da endourologia. Com o ureteroscópio rígido ou com
cateter de balão dilatador, podemos desfazer a ligadura do ureter.
A colocação de um cateter Duplo J é uma derivação interna e pode ser um tratamento
adequado. O importante para o tratamento endoscópico da lesão ureteral é seu diagnóstico
precoce, o que é raro.
As lesões extensas do ureter ou associadas a lesões vesicais, lesões do intestino grosso,
como pode ocorrer em casos de empalamento, podem requerer apenas uma derivação
urinária a montante, nefrostomia percutânea uni ou bilateral, como tratamento inicial,
ficando o tratamento definitivo para um segundo tempo. O ureter não tolera próteses
biológicas ou sintéticas, mas a liberação do rim e sua fixação em posição mais baixa podem
permitir uma reanastomose ureteral sem tensão. O cateter ureteral só é deixado em
pacientes com ureteres previamente patológicos ou irradiados, com lesões produzidas por
arma de fogo, ou quando a anastomose ureteral ficar um pouco tensa. A área operada
sempre é drenada, e o dreno é extraperitoneal. Os fios usados em cirurgias do trato urinário
são fios absorvíveis.
VI. Complicações.
Pacientes com lesões renais, tratados clinicamente, podem apresentar de imediato
hemorragia ou infecção. Mais tarde, as complicações podem ser hidronefroses, hipertensão
etc. As lesões ureterais podem apresentar estenoses. Ureteres reimplantados podem tornarse obstruídos ou apresentar refluxo vesicoureteral. Contudo, as lesões renais isoladas
raramente levam ao óbito — 0,8-4% —, e a taxa de nefrectomia tem-se reduzido (13%),
principalmente usando-se a manobra de controle do pedículo renal antes da exploração do
hematoma retroperitoneal.
VII. Prognóstico.
O prognóstico é bom, e o paciente deve ser controlado clinicamente por um período de dois
anos, a intervalos de seis meses, e, se possível, submeter-se a uma urografia excretora.
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Referências
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injuries. Br J Urol 1993; 72: 165.
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14.Toporoff B et al. Percutaneous anterograde ureteral stenting as an adjunct for treatment
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Capítulo 22 - Traumatismo da Bexiga
Francisco Viriato Rocha Sobrinho
I. Introdução.
A bexiga, no adulto, é um órgão pélvico e, portanto, bem-protegido dos traumatismos
externos pelos ossos da bacia; é pouco freqüente sua lesão. Nas crianças, a bexiga se situa
mais alta no abdômen, sendo assim mais exposta a um trauma. A incidência de lesões
vesicais nas crianças, entretanto, é baixa, por ser menor a ocorrência geral de trauma em
crianças. A bexiga pode ser lesada em decorrência de traumatismos externos (abertos ou
fechados) ou internos, iatrogênicos ou acidentais; suas lesões são com ou sem solução de
continuidade da própria parede, e são dos seguintes tipos: contusão, laceração, ruptura,
ferida e perfuração, baseando-se na patogênese das mesmas. Anatomicamente, as lesões
com solução de continuidade da parede vesical podem ser intra ou extraperitoneais, e
combinadas. Somente a contusão não se apresenta com solução de continuidade da parede
vesical e, conseqüentemente, não permite o extravasamento de urina, e apenas as feridas da
bexiga se acompanham de solução de continuidade da parede corporal. Bexigas patológicas
ou irradiadas são mais suscetíveis aos traumas e podem apresentar até ruptura espontânea,
que também ocorre em alcoolistas e deficientes mentais. A vulnerabilidade da bexiga aos
traumatismos externos é tanto maior quanto maior é o seu grau de distensão no momento
do acidente, que, se contundente sobre o hipogástrio e a pelve, pode produzir ruptura
intraperitoneal; a cúpula é o seu ponto mais frágil. Traumatismos penetrantes nas nádegas
não raramente conduzem à lesão da bexiga e/ou do reto. Os traumatismos com fratura da
bacia, que freqüentemente se acompanham de lesões da uretra posterior e/ou da bexiga,
também determinam a ruptura do diafragma em um expressivo número de casos.
II. Etiologia.
As causas mais comuns de lesões da bexiga são os traumatismos internos iatrogênicos,
conseqüentes a manipulações instrumentais intravesicais, como litotrícia, ressecção
transuretral da próstata ou de tumores vesicais etc. São também causas freqüentes os
traumatismos externos fechados, devidos a acidentes automobilísticos, soterramentos e
quedas que levam à fratura da bacia. A seguir estão os traumatismos externos iatrogênicos,
decorrentes de partos cirúrgicos (cesariana e fórceps). Lesões vesicais produzidas por arma
de fogo são menos comuns, e aquelas causadas pela introdução de corpos estranhos através
da uretra são raras.
III. Diagnóstico.
O diagnóstico clínico baseia-se na anamnese, na história pregressa e no exame físico. A
história de traumatismo hipogástrico em pacientes com dor suprapúbica, hematúria e
distúrbios miccionais sugere fortemente lesão vesical.
A. Dor suprapúbica. É constante e pode tornar-se intensa quando ocorre também fratura de
ossos da bacia e são feitas as manobras para pesquisá-la (compressão do pube, compressão
medial de ambas as cristas ilíacas). Nos pacientes com ruptura extraperitoneal, o
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extravasamento de urina, com sua infiltração súbita nos tecidos da parede abdominal, pode
despertar dor suprapúbica intensa, quando eles se esforçam, inutilmente, para urinar.
B. Hematúria. Ocorre hematúria macro ou microscópica em 94% dos pacientes com lesões
vesicais. Se a hematúria associa-se à presença de fratura de bacia, há a possibilidade de
lesão vesical e/ou da uretra posterior em até 50% dos casos.
C. Distúrbios miccionais. Polaciúria, algúria, disúria e até mesmo retenção urinária são
comuns no traumatismo vesical.
Não se notam sinais de irritação peritoneal (dor abdominal e contratura muscular difusa,
náuseas e vômitos, parada de peristaltismo), a menos que haja lesões associadas de vísceras
intraperitoneais, ruptura vesical intraperitoneal com extravasamento de urina infectada e/ou
razoável volume de sangue, pois a urina estéril e/ou pequena quantidade de sangue não
irritam o peritônio. Daí a dificuldade de se fazer o diagnóstico clínico de ruptura
espontânea da bexiga. O choque hemorrágico é raro nas lesões vesicais isoladas (3%).
Quando presente, ele sugere lesões associadas — hepáticas, esplênicas e renais,
principalmente. A fratura da bacia, que está freqüentemente associada às lesões da bexiga
(72%), provoca hemorragia, conduzindo 10% dos pacientes ao choque.
As lesões iatrogênicas da bexiga são diagnosticadas pela observação de urina no campo
operatório em cirurgia de órgãos próximos à mesma, ou suspeitadas nos pacientes sob
manipulação instrumental intravesical e raquianestesia, devido à modificação dos tecidos
(procedimentos endoscópicos), hemorragia, aparecimento de dor abdominal, geralmente
periumbilical, náuseas e vômitos.
O laboratório é útil na detecção de hematúria microscópica e para controles com
hemogramas e leucogramas em pacientes sob observação.
A propedêutica radiológica, que confirma o diagnóstico, inicia-se com a radiografia simples
de abdômen, e a presença de fratura de ossos da bacia aumenta muito a possibilidade de
lesão vesical. Em pacientes já com peritonite, a radiografia simples em AP, em ortostatismo
ou em decúbito lateral com raios horizontais, mostra níveis hidroaéreos e até mesmo edema
de alças, nos casos já adiantados. Caso as condições do paciente permitam, faz-se uma
urografia excretora, que fornece informações importantes a respeito do trato urinário
superior, e seu cistograma permite a análise da bexiga. Pacientes nos quais há forte suspeita
de lesão do ureter terminal e da bexiga devem submeter-se à urografia excretora com
cateter vesical aberto, para evitar que o contraste se acumule na bexiga, extravase pela lesão
vesical e mascare a lesão ureteral. A lesão vesical é diagnosticada pela cistografia
retrógrada feita a seguir. Nos pacientes com lesões associadas da uretra posterior e da
bexiga, a urografia excretora, através de seu cistograma, é o único exame que pode mostrar
a lesão vesical. Nesses casos, a cistografia retrógrada está contra-indicada, devido ao risco
de o cateterismo uretral agravar a lesão dessa estrutura.
Tenta-se, então, uma cistografia, injetando-se a solução de contraste diretamente através da
uretra, na tentativa de atingir e distender a bexiga, mas a solução pode fluir através da lesão
uretral, impedindo a obtenção do cistograma. Nos casos em que a urografia excretora não
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está indicada, não pode ser feita ou tem seu cistograma inconclusivo, indica-se a cistografia
retrógrada (a cistografia convencional). Esta é obtida injetando-se a solução de contraste
através de um cateter uretral nº 14 Ch., passado após anti-sepsia rigorosa da genitália
externa. A concentração da solução de contraste varia de 10 a 20%, e o volume a ser
injetado deve ser de 400 cc, mas há pacientes que só toleram 200 ou 300 cc. A injeção de
400 cc não acarreta riscos de ruptura iatrogênica da bexiga (p. ex., em paciente
inconsciente) e aumenta a eficiência diagnóstica do exame. São realizadas radiografias em
AP e oblíquas direita e esquerda. Radiografias posteriores, 10 minutos após, aumentam
ainda mais a precisão do exame, diminuindo, então, o número de exames inconclusivos ou
falso-negativos. Finalmente, evacua-se a solução de contraste e faz-se uma radiografia em
que se pode revelar algum contraste extravasado.
A cistoscopia não é o exame de rotina nos pacientes com traumatismo vesical, mas torna-se
útil naqueles em que a suspeita dessa lesão é forte, como nos casos de traumatismos
penetrantes no hipogástrio e com cistografias normais; a incidência de cistogramas falsonegativos é alta.
IV.Tratamento.
A contusão vesical não requer tratamento específico. Nas demais lesões, todas com solução
de continuidade da parede vesical, o tratamento clássico é cirúrgico e visa a suturar a lesão,
quando possível, e derivar a urina por cistostomia e estabelecer drenagem perivesical
adequada, sempre. Nos pacientes com ruptura espontânea da bexiga fazem-se também
biópsias da borda da lesão. A derivação da urina pode ser feita por cateter uretral, e não por
cistostomia, somente em casos benignos, jamais em pacientes com a bexiga já patológica,
com rupturas múltiplas e/ou extensas que já tenham sido submetidos à radioterapia pélvica,
ou cujas lesões tenham sido produzidas por projéteis de arma de fogo ou estejam
grosseiramente contaminadas, pois em todos esses casos a cicatrização pode retardar-se ou
não ocorrer, e o cateter uretral por período prolongado pode conduzir à estenose uretral.
Quando persiste suspeita clínica de lesão do ureter terminal, ela é pesquisada, observandose a urina ejaculada pelos meatos ureterais, naturalmente, ou após injeção endovenosa de
3,0 cc de índigo carmim, que tinge a urina e é eliminado 3-8 minutos depois. Caso persista
dúvida, faz-se a exploração cirúrgica dos ureteres.
As lesões vesicais são tratadas com sutura (cistorrafia) com fios absorvíveis e em dois
planos: um plano com sutura contínua de categute 3-0 cromado ou de fios sintéticos
absorvíveis de ácido poliglicólico, e um plano englobando a adventícia e a muscular com
sutura contínua de categute nº 0 cromado ou com fio, também nº 0, sintético absorvível.
As lesões próximas aos ureteres serão mais seguramente tratadas caso seja feito o
cateterismo prévio dos mesmos.
As rupturas intraperitoneais são tratadas após liberação do peritônio, isto é,
extraperitonização da bexiga. A ferida cirúrgica da bexiga (cistostomia) é suturada de
maneira idêntica à das demais lesões. A urina da cavidade peritoneal é aspirada e, caso seja
urina infectada, a cavidade é lavada exaustivamente com soro fisiológico morno, mas em
nenhum dos casos é drenada. Os drenos são todos perivesicais e extraperitoneais.
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No pós-operatório, o paciente recebe líquidos, antibióticos de largo espectro (cloranfenicol
ou penicilina) e sangue, se necessário. A cistostomia ou o cateter uretral permanece em
drenagem contínua por um período de 10 dias, quando é feita uma cistografia retrógrada de
controle, que define a conduta a ser seguida.
O tratamento conservador, com cateter uretral nº 20 Ch., por um período de 10 dias e com
antibioticoterapia, pode ser instituído em pacientes com rupturas extraperitoneais e que não
requeiram laparotomia para tratamento de lesões associadas, não apresentem infecção
urinária ou outras patologias do trato urinário, inclusive as que possam contra-indicar ou
impedir o cateterismo vesical, e que tenham sido diagnosticados precocemente, no máximo
em 12 horas. O paciente fica internado e sob controle rigoroso. Sinais de piora clínica,
como aumento da dor suprapúbica, febre alta ou a dificuldade de se manter drenagem
vesical eficiente, autorizam a suspensão do tratamento clínico e a instituição do tratamento
cirúrgico.
As lesões intraperitoneais devem ser tratadas cirurgicamente, embora tenham sido descritos
casos de tratamento conservador bem-sucedidos. Pacientes em condições precárias, que não
suportam a cirurgia, podem beneficiar-se deste tratamento. Algumas lesões iatrogênicas
intraperitoneais podem ser tratadas por via laparoscópica.
V. Técnica de Cistostomia.
A via de acesso é uma laparotomia, quando necessária a exploração da cavidade abdominal.
Caso contrário, faz-se uma incisão mediana infra-umbilical da pele, do subcutâneo e da
linha alba e penetra-se no espaço perivesical. Nos casos com fratura da bacia, pode ocorrer
hematoma extenso nessa área, o que dificulta a identificação da bexiga. Recomenda-se
descolar os tecidos do pube e, com uma seringa com agulha calibrosa, fazer punções e
aspirações, até se identificar a bexiga. Após identificada, faz-se a cistostosmia, isto é, a
abertura da parede vesical, entre reparos com pinças de Allis.
Quando não se identifica a bexiga com as punções e aspirações, pois pode não haver urina
dentro da bexiga, a cistostomia deve ser baixa, evitando-se assim abertura do peritônio,
com possível lesão visceral. Aberta a bexiga, pode-se ampliar a incisão para permitir uma
boa exploração e um correto tratamento de lesões não diagnosticadas clinicamente. Com
uma pinça em ângulo reto, perfura-se a parede vesical próximo à cúpula, por onde passa o
cateter de Foley (p. ex., nº 24 Ch). Faz-se aí uma sutura em bolsa com categute nº 2-0
cromado, fixando-se o cateter. A cistorrafia é feita em dois planos, uma sutura contínua
submucosa com categute nº 3-0 cromado, e outra também contínua, englobando a
adventícia e a muscular, com categute nº 0 cromado. Após a cistorrafia, distende-se o balão
do cateter com 10-20 cc de soro fisiológico. A bexiga é ancorada na parede abdominal, alta,
o que impede sua descida para a pelve, com a conseqüente aderência do peritônio nesta
área, o que dificultaria futuras cirurgias sobre a bexiga ou a próstata desse paciente.
O cateter de cistostomia pode sair pela incisão cirúrgica ou por contra-abertura. Fecha-se a
aponeurose com categute nº 1 cromado, o subcutâneo com categute 3-0 cromado e a pele
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com seda 4-0. Deixa-se o cateter em drenagem contínua e, de preferência, em um sistema
fechado.
VI. Complicações.
A infecção é uma complicação precoce e comum. Nas lesões intraperitoneais, a peritonite
não é rara, e nas lesões extraperitoneais é freqüente a celulite pélvica com formação de
abscessos e septicemia, osteomielite dos ossos da bacia, em especial quando fraturados.
As complicações tardias são a litíase vesical, devido ao uso de fios inabsorvíveis, o
cateterismo vesical prolongado ou a não-retirada de corpos estranhos da bexiga. Quando o
colo vesical é sede da lesão, pode ocorrer a estenose cicatricial do mesmo.
VII. Prognóstico.
As lesões com solução de continuidade da parede vesical são graves, especialmente nos
casos com lesões associadas de outras vísceras, quando a taxa de mortalidade atinge 44%.
O diagnóstico e/ou tratamento tardios também agravam muito o prognóstico; eles
apresentam taxa de mortalidade mínima de 11%.
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Capítulo 23 - Traumatismo da Uretra
Francisco Viriato Rocha Sobrinho
I. Introdução.
Didaticamente, a uretra compõe-se de três partes: a prostática, a membranosa e a esponjosa.
As partes prostática e membranosa constituem a uretra posterior, que se estende do colo
vesical ao diafragma urogenital. A parte esponjosa, portanto distal ao diafragma urogenital,
é a uretra anterior, que pode ser subdividida em duas porções: bulbar e peniana.
O traumatismo da uretra não é muito freqüente, e pode ser externo (aberto ou fechado) ou
interno. Do ponto de vista de sua origem, pode ser acidental ou iatrogênico. Quanto à sua
localização e apresentação, a lesão pode ser encontrada na região anterior ou posterior,
acometendo parte (parcial) ou todas (total) as camadas da parede e um segmento
(incompleta) ou toda a circunferência (completa) do órgão.
As lesões são de vários tipos: contusão, ferida, ruptura, laceração e perfuração. Somente a
contusão da uretra não apresenta solução de continuidade na parede uretral.
A lesão uretral, de início, não coloca em risco a vida do paciente, mas a estenose da uretra,
que é uma complicação comum, pode acarretar intenso sofrimento ao requerer dilatações
freqüentes ou uretroplastias de resultados duvidosos, derivação urinária e, às vezes, levar à
hidronefrose e/ou infecção urinária crônica e insuficiência renal.
II. Etiologia.
Os traumatismos iatrogênicos internos são os que mais freqüentemente acarretam lesão
uretral. São devidos a manipulações instrumentais, como dilatação uretral e
uretrocistografia.
Seguem-se os traumatismos fechados, produzidos por acidentes automobilísticos,
soterramentos e quedas, que levam à fratura pélvica e, em 25% dos casos, à lesão da uretra
posterior, e por quedas a cavaleiro ou chutes no períneo, que freqüentemente levam à lesão
da uretra bulbar. As lesões iatrogênicas produzidas por manobras obstétricas ou cirurgias
por via baixa não são raras, como também não o são as lesões uretrais decorrentes de
trabalho de parto prolongado.
As demais causas são pouco comuns.
III. Diagnóstico.
A descrição do acidente ou a história de cirurgia, a sintomatologia e os dados do exame
físico fornecem o diagnóstico da lesão uretral, inclusive anatômico, isto é, se a lesão situase na uretra anterior ou na posterior. Nas lesões da uretra posterior, por traumatismos
externos, chamam atenção a dor, a uretrorragia, a retenção urinária e a distensão vesical.
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Estas lesões estão freqüentemente (93%) associadas à fratura de ossos da bacia que, em
repouso ou com manobras para pesquisá-la (compressão do pube e compressão medial de
ambas as cristas ilíacas), produz dor suprapúbica, dominando o quadro. A uretrorragia é
mínima, às vezes uma gota de sangue no meato uretral, mas sua confirmação é importante.
A retenção urinária dependerá muitas vezes da presença de lesões uretrais mais graves, e a
bexiga estará distendida, caso não seja sede de lesões associadas, o que não é raro (25%)
naqueles casos com fratura de bacia.
O toque retal pode mostrar massa cística no local da próstata, que é o uroematoma. Se
ocorre a ruptura completa da uretra membranosa, pode-se ter a sensação de próstata
flutuante.
Nas lesões da uretra anterior, a história de queda a cavaleiro, sobre estruturas rígidas, ou de
chutes no períneo, aliada à dor e, às vezes, à tumefação local, à uretrorragia de intensidade
variável, à algúria, à disúria e até à retenção urinária, sela o diagnóstico.
O paciente em geral consegue urinar, mas ao fazê-lo parte da urina extravasa pela lesão
uretral e infiltra os tecidos ao longo do corpo do pênis, caso a fáscia de Buck esteja íntegra.
Se esta estiver lesada, a urina se estenderá dentro dos limites da fáscia de Colles, isto é,
períneo, escroto, pube e, mais tarde, a parede do abdômen e do tórax.
O toque retal não revelará alterações ligadas ao acidente.
As lesões iatrogênicas por manipulação instrumental intra-uretral ocorrem em qualquer
parte da uretra, ao contrário das lesões provocadas por introdução de corpos estranhos, que
geralmente se situam na uretra anterior. Nenhum paciente com suspeita de lesão uretral, em
qualquer nível, deve submeter-se a cateterismo uretral propedêutico ou terapêutico sem que
antes sejam feitas a confirmação e a avaliação de sua extensão.
O diagnóstico radiológico é dado pela uretrografia retrógrada, sempre precedida de uma
radiografia simples de abdômen que inclua os ossos da bacia. A fratura dos ossos sempre
faz pensar em lesão da uretra posterior. A uretrografia retrógrada é obtida injetando-se a
solução de contraste com concentração de 25 a 50%, diretamente através do meato uretral.
Fazem-se radiografias em AP e, depois, oblíqua esquerda ou direita, sem interromper a
injeção do contraste no momento do disparo dos raios. Somente assim a uretra posterior é
contrastada. Tanto o extravasamento do contraste como a interrupção de sua progressão, ao
nível da lesão, são achados radiológicos compatíveis com lesões incompletas e completas,
respectivamente. Geralmente é difícil a avaliação da extensão correta da lesão.
Alguns pacientes são submetidos à urografia excretora para a pesquisa da integridade de
trato urinário superior e médio. Outros, por apresentarem lesão uretral e possível lesão
vesical associada, se submetem à urografia excretora como único meio não-cirúrgico para o
diagnóstico; nesses casos, a cistografia retrógrada está contra-indicada, pelo risco de o
cateterismo vesical agravar a lesão uretral. A tentativa de se obter uma uretrocistografia,
injetando-se diretamente o contraste através do meato uretral, talvez não tenha êxito, pois o
contraste pode fluir através da lesão uretral ou não progredir além dela, não atingindo a
bexiga.
227
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IV. Tratamento.
A uretra tem grande capacidade de regeneração, podendo reconstituir-se a partir de
pequeno segmento que permaneça íntegro, contínuo, na área traumatizada.
A cistostomia, quando usada para tratamento das lesões incompletas da uretra, geralmente
dispensa tratamento posterior e, caso haja necessidade de uretroplastia, esta pode ser
realizada em melhores condições num segundo tempo, três a seis meses após.
As rupturas da uretra posterior são tratadas somente com cistostomia. Não há necessidade
de se drenar o espaço retropúbico. Às vezes, a intervenção do ortopedista é útil para o
tratamento correto da fratura da bacia. O paciente permanece com a cistostomia em
drenagem contínua por 30 dias e em uso de antibiótico de largo espectro por uma semana.
Posteriormente, ele é mantido com quimioterápicos (sulfas-nitrofuranos). Por volta do 30º
dia, o paciente é submetido a uma uretrografia retrógrada, que dita a conduta a ser seguida.
As lesões da uretra anterior também podem ser tratadas somente com cistostomia.
Entretanto, as rupturas completas da uretra bulbar e as lesões completas produzidas por
arma branca podem ser tratadas com cistostomia e uretroplastia em um só tempo, se as
condições locais permitirem. Pacientes com feridas contaminadas, uroematomas, sinais de
infecção já instalada, com diagnósticos tardios, devem submeter-se apenas à cistostomia e à
drenagem da área lesada; jamais, neste primeiro tempo, à uretroplastia.
As feridas produzidas por arma de fogo são sempre tratadas com cistostomia, dada a
impossibilidade de se determinar a extensão de tecido desvitalizado para o correto
desbridamento.
As feridas iatrogênicas são tratadas com sutura e cistostomia.
Somente as contusões (lesões sem extravasamento de urina e/ou contraste) são tratadas com
uretrorragia intensa, e as perfurações uretrais são tratadas com cateterismo uretral.
V. Complicações.
A infecção é uma complicação comum, e as fístulas uretrocutâneas não são raras.
A estenose uretral, a impotência e a incontinência urinária são complicações freqüentes nos
pacientes com ruptura da uretra posterior, quando são utilizados outros métodos que não a
cistostomia apenas para tratá-los. Com a cistostomia, a incidência de estenose uretral, que
com outros métodos varia de 18-100%, cai para 0-5%; a de impotência, que gira em torno
de 50%, cai para 12,5%; e a de incontinência urinária, de 16-73%, cai para 0-2%.
VI. Prognóstico.
O prognóstico vai depender da causa, do tipo e da extensão da lesão uretral, mas depende
fundamentalmente do método escolhido para o tratamento inicial. O prognóstico será
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melhor sempre que se utilizar a cistostomia para tratar as lesões maiores da uretra e for feita
a drenagem do períneo, quando necessária.
Tratar com cateter uretral somente as lesões mínimas e, mesmo assim, controlando-se o
paciente.
VII. Ruptura Espontânea da Uretra.
Esta é uma condição que acomete pacientes portadores de estenose da uretra e que não se
submetem a tratamento. O quadro é súbito e ocorre durante uma micção, comumente
difícil, caracterizada por disúria total, intensa. A ruptura da parede uretral ocorre em áreas
enfraquecidas, por inflamação ou necrose, e o extravasamento de sangue e/ou urina se dá
dentro dos limites da fáscia de Buck ou da de Colles. No momento da ruptura, o paciente
pode notar a dor no períneo, uretrorragia e a sensação de facilidade para urinar, sem
contudo eliminar mais urina. Nos casos examinados tardiamente, até mesmo a parede
abdominal pode estar infiltrada. Alguns casos apresentam uma fístula uretrocutânea, sem
grande infiltração de urina. O tratamento é feito com cistostomia e drenagem dos tecidos
infiltrados, como escroto, períneo e parede abdominal, e antibioticoterapia. O tratamento da
estenose é feito posterior e oportunamente.
Referências
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treatment. Br J Urol 1993; 72: 241.
2. Belis JA, Recht KA, Milan DF. Simultaneous traumatic bladder perforation and
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3. Bright FC, Peters PC. Injuries to the bladder and urethra. In: Harrison JH, Gittes RF,
Perlmutter AD et al. Urology. 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 906-30.
4. Follis HW, Koch MO, McDougal WS. Immediate management of prostatomembranous
urethral disruptions. J Urol 1992; 147: 1.259.
5. Guerreiro WG. Trauma to the kidneys, ureters, bladder and urethra. Surg Clin N Amer
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10. Webster GD et al. Prostatomembranous urethral injuries: A review of the literature and
a rational approach to their management. J Urol 1983; 130: 898.
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Capítulo 24 - Traumatismos da Genitália Externa
Francisco Viriato Rocha Sobrinho
I. Introdução.
O pênis e o escroto compõem a genitália externa masculina. Ambos são raramente lesados
em conseqüência de traumas por violência externa, em razão da posição e da mobilidade
que apresentam. As lesões que comumente aparecem são as feridas incisas e perfurantes, as
contusões, lacerações e, especificamente no pênis, a ruptura (fratura) e a constrição. Alguns
pacientes com traumatismo da genitália externa, especialmente os que requerem tratamento
prolongado, podem necessitar também de um apoio psicológico adequado para que sua
potência sexual não seja afetada.
II. Etiologia.
A maioria das lesões é secundária a acidentes com arma de fogo e arma branca. Não é
incomum a isquemia do pênis devida à constrição provocada por anéis ou fitas colocadas
ou amarradas em sua base, para produzir ou prolongar uma ereção. A necrose do pênis,
nestas condições, é excepcional. A ruptura do pênis deve-se a acidentes durante o coito ou
ao envergamento do membro realizado com a intenção de inibir a ereção, e é pouco
comum.
III. Diagnóstico.
O diagnóstico é fácil e baseia-se na anamnese e, principalmente, no exame físico. É
importante definir o tipo e a extensão da lesão.
A dor está sempre presente, sendo discreta nas contusões e intensa nos casos com ruptura
do pênis.
A hemorragia também é freqüente.
Contusões leves podem levar a hematomas extensos, por causa da frouxidão dos tecidos do
escroto e do pênis.
Nas lesões dos corpos cavernosos, o sangramento pode ser intenso e infiltrar os tecidos nos
limites da fáscia de Buck ou de Colles e, neste caso, estender-se ao escroto, pube, abdômen
e até mesmo ao tórax.
Os casos com suspeita de lesão de corpos cavernosos ou de penetração na cavidade da
vagina requerem uma exploração cirúrgica para confirmação. A via de acesso pode ser a
própria ferida traumática, que é inclusive ampliada, se necessário. Nos traumatismos do
pênis faz-se uma incisão na pele, circulando o membro próximo ao sulco balanoprepucial, e
rebatem-se a pele e as demais camadas até sua base, o que permite um bom acesso para o
diagnóstico e o tratamento das lesões encontradas. As lesões do escroto são, então,
exploradas, quando se suspeita da abertura da túnica vaginal. Deve-se sempre pensar em
uma lesão de uretra, nos casos com traumatismos de genitália externa, e pesquisá-la.
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IV. Tratamento.
As contusões são de tratamento conservador. De início, antiinflamatório, repouso e bolsa de
gelo. Posteriormente, compressas mornas favorecem a absorção do hematoma. São
cirúrgicos os pacientes com hematoma expansivo ou que se infectam.
A constrição do pênis é tratada com a remoção da peça constritora. O paciente é observado,
pois pode ser requerida a amputação, em caso de necrose.
A ruptura do pênis e as lesões que atingem os corpos cavernosos, com abertura da
albugínea, são de tratamento cirúrgico. A via de acesso já foi descrita. As lesões da
albugínea são suturadas com seda ou mononáilon nº 2-0 ou 3-0. Deve ser deixado um dreno
na área. A pele é suturada com categute ou sértix 3-0 cromado, com pontos separados.
As lesões do escroto, quando atingem a membrana vaginal, são exploradas. Após limpeza
da cavidade vaginal, deixa-se dreno, e as camadas da bolsa são fechadas com pontos
separados de categute ou sértix nº 2-0 ou 3-0 cromado.
As lesões da uretra associadas são tratadas conforme já exposto em capítulo específico.
Pacientes que sofrem amputação traumática do pênis podem às vezes se beneficiar do
reparo. Fazem-se as anastomoses vasculares com fios 7-0, anastomose uretral com sértix 40 cromado e pontos separados; a sutura dos corpos cavernosos é feita com seda ou
mononáilon nº 2-0 ou 3-0, e da pele, com categute 3-0 cromado. A derivação urinária, por
cistostomia suprapúbica, é indispensável.
As queimaduras profundas e extensas e as lesões com grandes perdas de substância
requerem tratamento especializado.
V. Priapismo.
O priapismo consiste na ereção dolorosa e não relacionada com o estímulo sexual. Ele afeta
somente os corpos cavernosos, e, portanto, o corpo esponjoso e a glande permanecem
flácidos. Em 48% dos casos a causa primária é desconhecida. Como fatores conhecidos
têm-se anemia falciforme, leucemia, neoplasias disseminadas, prostatites e,
ocasionalmente, traumatismos. O priapismo secundário ao trauma pode ser devido à
trombose local ou a reflexos neurogênicos anormais.
Deve-se sempre tentar o tratamento conservador, como massagem prostática, enemas
mornos, raquianestesia, mas sem esquecer de que, quanto mais rapidamente for instituído
um tratamento eficaz, menor será o risco de complicações, como a impotência. Os melhores
resultados são obtidos com os pacientes sendo tratados nas seis primeiras horas. Como
tratamento cruento, pode-se valer da lavagem dos corpos cavernosos com soro fisiológico.
Faz-se punção de um corpo cavernoso com agulha 14-16 distalmente, próximo à glande, e
do outro corpo cavernoso, na base do pênis, com agulha também calibrosa, e realizam-se
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várias irrigações e aspirações com soro. Se o tratamento for ineficaz, o paciente será levado
à cirurgia. Há várias técnicas de drenagem das estruturas cavernosas do pênis.
Para se estabelecer a anastomose cavernoesponjosa com agulha de Coppe, o paciente é
cateterizado com cateter uretral nº 16 Ch., para diminuir o risco de lesão ureteral.
Posteriormente, faz-se a anestesia local em dois pontos laterais na glande, onde se introduz
a agulha no sentido longitudinal, até penetrar em um corpo cavernoso, e, depois, pelo outro
ponto, penetra-se no outro corpo cavernoso. Evacua-se o sangue com manobras de ordenha,
lavam-se os corpos cavernosos com soro fisiológico e depois enfaixa-se o pênis após serem
suturados, com pontos em X de sértix 4-0, os dois orifícios na glande.
Para a anastomose cavernoesponjosa de Quackles, o paciente é colocado em posição de
litotomia, e faz-se uma incisão perineal na rafe mediana. Com dissecção romba, expõem-se
os corpos cavernosos e o corpo esponjoso. Com bisturi, faz-se uma incisão de mais ou
menos 2,0 cm em cada corpo cavernoso, na parte medial e em níveis diferentes. Após se
comprimirem repetidas vezes os corpos cavernosos, com evacuação do sangue aí retido,
faz-se a incisão do corpo esponjoso, lateral e simetricamente a cada uma das incisões dos
corpos cavernosos. A sutura é realizada com fio inabsorvível nº 4-0 ou 5-0, contínua e
impermeável. Coloca-se um dreno por contra-abertura e procede-se ao fechamento por
planos. O prognóstico com relação à potência sexual é reservado, e o bom resultado
depende mais da duração do priapismo do que da terapêutica instituída.
Referências
1. Bright III TC, Peters PC. Injuries of the external genitalia. In: Harrison JH, Gittes RF,
Perlmutter AD et al. Urology, 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 931-45.
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agulha, como tratamento de priapismo. J Urol 1980; 6(3): 226-30.
3. Jolly BB et al. Gunshot wounds of the male external genitalia. Urol Int 1994; 53: 92.
4. Quackels R. Cure d’un cas de priapisme par anastomose cavernospongieuse. Acta Urol
Bel 1964; 32: 5-13.
5. Schneider RE. Genitourinary trauma. Emerg Med Clin North A 1994; 11: 137.
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Capítulo 25 - Traumatismos Arteriais Periféricos
Marco Tulio Baccarini Pires
I. Introdução.
Desde os primórdios da Medicina, as lesões arteriais periféricas traumáticas sempre se
constituíram em um problema grave, devido tanto à sua morbidade (alto risco de seqüelas e
perdas de membros) quanto à sua mortalidade, quando não tratadas a tempo e
adequadamente.
Assim é que, na Idade Média, a ausência de técnicas e instrumental adequados fazia com
que a tentativa de tratamento de um ferimento traumático, com sangramento arterial, se
constituísse em estancar o sangramento a qualquer preço, no sentido de preservar a vida do
paciente. Para isto, instrumentos primitivos, como o ferro em brasa e óleo fervente eram
utilizados sobre as lesões sangrantes. Entretanto, além de parar o sangramento, estas
técnicas terminavam por provocar extensas áreas de necrose, favorecendo as infecções e a
gangrena.
No século XVI, Ambroise Paré, cirurgião do exército francês na Guerra dos Cem Anos,
passou a utilizar um método menos traumático para controlar as hemorragias, com melhor
resultado — a ligadura dos vasos.
Os grandes progressos observados no atendimento das lesões arteriais agudas sempre foram
alcançados em períodos de guerra: até a Primeira Guerra Mundial, o método preferencial
para o tratamento do trauma arterial continuava sendo a ligadura da artéria; evidentemente,
este método era seguido de um grande número de cirurgias de amputação, pois a necrose
isquêmica se estabelecia, ocorrendo a gangrena da extremidade. Durante a Segunda Guerra
Mundial, entretanto, maiores facilidades cirúrgicas e a rapidez no transporte de soldados
feridos, juntamente com a melhora dos recursos cirúrgicos nos hospitais de campanha,
fizeram com que o método de tratamento mais utilizado passasse a ser o reparo da lesão.
Em seguida, nas guerras da Coréia e do Vietnã, o atendimento das lesões arteriais chegou a
ser padronizado nos hospitais de campanha norte-americanos, diminuindo ainda mais a sua
morbidade. O rápido transporte dos soldados feridos, da área de combate para as unidades
hospitalares militares, com o uso de helicópteros, foi fundamental para que a melhoria dos
resultados cirúrgicos fosse alcançada no Vietnã, já que após seis horas um quadro
isquêmico de um membro é praticamente irreversível.
Na prática médica civil, as lesões arteriais agudas se assemelham bastante àquelas
encontradas nos períodos de guerra, acrescidas de outras que resultam dos acidentes
automobilísticos. No meio urbano, os ferimentos arteriais das extremidades são mais
comumente causados por traumatismos penetrantes. O desenvolvimento de novas técnicas
cirúrgicas, a utilização de material cada vez mais apropriado e o treinamento das equipes
que prestam o primeiro atendimento ao paciente (aqui incluindo a sistematização
preconizada pelo ATLS — Advanced Trauma Life Support) portador de traumatismo
arterial foram fatores contribuintes para a diminuição dos índices de mortalidade e de
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outras complicações, como perda de membros, acidentes vasculares cerebrais e perda de
função.
Deve-se ressaltar que é grande o número de lesões neurais e venosas que acompanham as
lesões arteriais, pelas próprias características da anatomia humana; as lesões ósseas, quando
presentes, geralmente se constituem em fator agravante para o paciente e contribuem para
uma maior morbidade da lesão arterial.
Um outro fator agravante que poderá ainda se fazer presente no trauma arterial é a presença
de ateromatose já instalada na artéria lesada; assim, um trauma sobre uma artéria que já
tenha placas ou mesmo calcificação geralmente é bem mais grave do que um traumatismo
semelhante em artéria previamente sadia, sendo propenso a um maior número de
complicações e a um pior resultado operatório.
II. Incidência.
As artérias mais freqüentemente lesadas no meio urbano são a femoral superficial (por ser
longa e pouco protegida, ao cursar na face interna da coxa) e a braquial. Entre os agentes
causais da lesão arterial, também na população urbana, predominam as armas de fogo e as
armas brancas; com menor freqüência, têm-se ainda as lesões por acidentes
automobilísticos e as lesões por esmagamento.
O índice de mortalidade nos traumatismos arteriais não é alto em pacientes atendidos em
prontos-socorros — 3,6%, em Belo Horizonte, Minas Gerais; a morbidade já é mais
elevada, no que se refere à amputação — 9,6% (também em Belo Horizonte).
Este índice de amputações é ainda mais elevado quando se trata das lesões da artéria
poplítea (cerca de 32,5%, na Guerra do Vietnã); esta é a artéria que apresenta a maior
morbidade quando lesada, por se tratar de um vaso terminal, com poucas colaterais, e
também por serem freqüentes as lesões venosas e ósseas concomitantes. No meio urbano,
não são raras as lesões da artéria poplítea nos casos de fratura do platô tibial,
freqüentemente observada em acidentes de motocicleta.
Nas crianças com menos de 12 anos de idade, a maior incidência das lesões arteriais se
encontra nos traumas fechados (não-penetrantes).
III. Tipos de Lesões Arteriais.
As lesões das artérias podem ser causadas por traumatismos penetrantes ou nãopenetrantes. Entre as feridas penetrantes, as principais são as causadas por arma de fogo e
por arma branca. Nos últimos anos, pelo aumento da violência nas grandes cidades, as
lesões arteriais por arma de fogo têm-se tornado as mais freqüentes, tendo inclusive sido
observadas lesões provocadas por armas automáticas e semi-automáticas, de alta
velocidade, que antes só se encontravam nos ferimentos de guerra.
As lesões não-penetrantes acompanham mais freqüentemente as fraturas ósseas, sendo
principalmente encontradas nos acidentes automobilísticos.
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Do ponto de vista prático, poderíamos descrever os principais tipos de lesões arteriais em
(Fig. 25-1).
A. Lesões puntiformes. Não são comuns; podem ocorrer após trauma com estilete ou, de
modo iatrogênico, após algum tipo de punção arterial, em que sangramento persistente surja
em seguida. Isto é um fato mais freqüentemente observado ao serem manuseadas artérias
extremamente calcificadas, já com perda de sua elasticidade. O tratamento é feito por meio
de exploração cirúrgica da artéria e rafia simples do local sangrante.
B. Secção parcial sem perda de substância. É a lesão na qual uma porção da artéria é
lacerada, sem perda de substância. É uma lesão bastante simples, como a que ocorre por
trauma de uma arma branca. Apesar de grande sangramento, seu reparo cirúrgico
geralmente consiste apenas em rafia arterial, e o prognóstico é bom.
C. Secção parcial com perda de substância. É a lesão comumente causada por traumatismos
por arma de fogo. Neste caso, ocorre solução de continuidade na parede da artéria, mas
como uma porção continua íntegra, se realizarmos apenas a rafia da lesão ocorrerá estenose
do diâmetro vascular; além disso, nos traumatismos por arma de fogo a bala queima as
bordas da lesão e, para seu reparo, há necessidade de excisão das bordas arteriais e rafia
término-terminal (quando isto não é possível, é necessária a interposição de enxerto
vascular).
D. Secção arterial total. Poderá ser encontrada tanto nos vários tipos de trauma penetrante
(mais freqüente) como acompanhando fraturas ósseas muito graves (mais raro).
Geralmente, observa-se um sangramento arterial vultoso, seguido de um espasmo e de
contração dos cotos com parada do sangramento (a camada elástica da artéria se retrai). Isto
implica que lesões com secção arterial total sangrem menos do que lesões com secção
parcial (com ou sem perda de substância). Poderá ocorrer a trombose da porção distal da
artéria. O tratamento consiste no desbridamento dos cotos (em caso de trauma por arma de
fogo, deve-se ressecar pelo menos 0,5-1,0 cm, tanto proximal como distalmente) e na
tentativa de realizar anastomose término-terminal, ou, quando esta for impossível, realizar a
interposição de enxerto vascular com veia autóloga.
E. Fístulas arteriovenosas. Ocorrem como conseqüência de lesões concomitantes de artéria
e veia. São encontradas em traumas vasculares penetrantes (armas de fogo ou brancas).
Acompanham-se de frêmito e de sopro localizados. Pode ou não existir trombose arterial
concomitante.
F. Pseudo-aneurismas. São achados freqüentemente nos casos não tratados de imediato e
não passam de hematomas pulsáteis organizados, sendo sua cápsula formada por fibrose,
musculatura e tecidos periarteriais. A manutenção de seu enchimento se dá por uma
comunicação entre a artéria no local da lesão e a cavidade pseudo-aneurismática. Podem vir
a se infectar, causando grande deterioração no estado geral do paciente (Fig. 25-2).
G. Aneurismas verdadeiros. São pouco freqüentes como conseqüência de traumatismos.
Diferentemente dos pseudo-aneurismas, têm na composição de sua cápsula as três camadas
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da parede arterial, ou seja, adventícia, média e íntima. Relacionam-se principalmente a
traumatismos crônicos ou de repetição que provoquem um enfraquecimento das diversas
camadas arteriais.
H. Espasmo arterial. O espasmo é uma propriedade da musculatura lisa das artérias que faz
com que estas apresentem constrição ao serem manipuladas ou sofrerem trauma. O
espasmo arterial verdadeiro é fugaz, desaparecendo em não mais do que 40 minutos.
Poderá ocorrer ou não a presença de hematomas intramurais associados. Deve ser
diferenciado do espasmo seguido de trombose arterial, que exige exploração cirúrgica.
I. Espasmo seguido de trombose arterial. Trata-se de caso no qual, geralmente após trauma
contuso de artérias muito finas, formando-se hematomas intramurais, com espasmo
subseqüente, surja trombose intraluminal. Por ser muito difícil a diferenciação entre os itens
H e I, e para se evitar uma tendência muitas vezes demasiado contemplativa por parte do
cirurgião em casos nos quais ele deveria ser mais agressivo, é opinião de muitos autores
que o diagnóstico de “espasmo arterial” deva ser abandonado, abordando-se o paciente
como se se tratasse sempre de uma trombose arterial. Uma outra possibilidade seria a de
aguardar cerca de 40 minutos antes da intervenção e reexaminar o paciente; neste período
de tempo, o espasmo isolado, verdadeiro, já deverá ter desaparecido.
J. Lesão da camada íntima. Trata-se de um tipo de lesão conseqüente à contusão arterial,
com “quebra’’ e descolamento do endotélio, acompanhados de trombose arterial distal. É
freqüentemente associada às fraturas ósseas: uma força suficiente para causar uma fratura
de fêmur é o bastante para romper o endotélio arterial; entretanto, as camadas média e
adventícia não se rompem, devido à sua maior elasticidade e espessura. Artérias já
comprometidas por processos patológicos de aterosclerose e/ou de calcificação são mais
propícias a sofrerem lesões em suas camadas íntimas. O diagnóstico arteriográfico é
mandatório nestes casos. A abordagem cirúrgica compreende arteriotomia, avaliação da
extensão da lesão, ressecção do segmento arterial lesado, embolectomia distal e proximal
com cateter de Fogarty e reconstituição arterial (por anastomose término-terminal ou por
enxerto de veia safena autóloga).
L. Compressão extrínseca. Tipo de trauma vascular mais freqüente nos traumas contusos,
onde grandes hematomas extramurais ou fragmentos ósseos comprimem a luz vascular,
sem solução de continuidade na parede da artéria ou trombose. O tratamento consiste tãosomente na remoção do agente causal, uma vez que não existe lesão própria da artéria.
IV. Quadro Clínico.
Ao ser admitido num Serviço de Urgência, todo paciente deve ser examinado à procura de
lesões localizadas no trajeto das artérias. O estado geral do paciente, a presença ou não de
choque, a constatação de lesão sangrante vultosa, a presença de hematoma pulsátil, a
presença de sopro e de frêmito locais, a ausência ou a diminuição dos pulsos distais à lesão,
sinais de má perfusão tissular, a hipotermia e a cianose, devem levar à suspeita de lesão
arterial.
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Deve-se ressaltar que, muitas vezes, poderão existir pulsos distais presentes em pacientes
portadores de lesão arterial (p. ex., pulsos tibiais presentes em lesão de artéria femoral) —
são os casos em que não houve a trombose total da artéria, com lesão parcial e fluxo distal
preservado. Assim, nunca é demais relembrar que a presença de pulsos distais não exclui
lesão arterial.
Os recursos propedêuticos mais empregados nos traumas das artérias são principalmente os
de radiologia. Primeiramente, deverão ser feitas radiografias simples dos locais afetados,
para verificar a presença de fraturas ósseas concomitantes. Naqueles casos suspeitos de
lesão arterial, tanto nos traumas penetrantes como nos fechados, a arteriografia deverá ser
realizada o mais precocemente possível; nos casos crônicos, como de fístulas
arteriovenosas e de pseudo-aneurismas, a arteriografia é de grande valia para diagnosticar e
delimitar a lesão e definir o prognóstico do caso. Quando a lesão externa se localiza sobre o
trajeto dos vasos, com sangramento abundante agudo, é desnecessária a arteriografia: a
exploração cirúrgica imediata é a medida a ser tomada.
A arteriografia femoral é realizada por meio da punção da artéria femoral comum na região
inguinal, usando-se um cateter Jelco® 16 ou 18. A bainha de plástico é inserida na artéria, e
uma injeção rápida de contraste meglumina diatrizoato (de 20 a 50 ml) é feita. As
radiografias são obtidas em série ao término da injeção (se o equipamento usado o permitir)
— caso o equipamento de radiologia seja simples, uma ou duas radiografias que
compreendam a coxa, o joelho e a perna, até a altura do tornozelo, são realizadas. A técnica
de arteriografia em outras artérias periféricas (p. ex., braquial) é similar e bastante simples,
fazendo-se as injeções sempre proximalmente ao local onde se suspeita da lesão.
O uso de Doppler vascular, com medida das pressões, pode também ser de importante
utilidade diagnóstica; ele sempre deverá ser realizado comparativamente, tomando como
base o membro não atingido. Uma desigualdade das pressões tibiais posteriores, em
indivíduo jovem e previamente hígido, poderá levar ao diagnóstico de lesão arterial a
montante. O Doppler vascular é um bom método, e o seu uso criterioso (por equipes
experientes no atendimento do trauma vascular) é capaz de reduzir a necessidade de
exames arteriográficos.
O uso do duplex scan (ultra-sonografia arterial associada ao Doppler vascular) é de grande
utilidade em casos mais crônicos de arteriopatias, mas seu uso na urgência ainda não foi
estabelecido. Entretanto, em situações mais definidas, como nas fístulas arteriovenosas ou
nos pseudo-aneurismas traumáticos, sua utilidade é inquestionável, podendo inclusive
substituir a angiografia em alguns casos. Exige, contudo, equipamento especial e
examinador treinado. Pelo fato de ser um exame examinador-dependente, deve-se sempre
levar em conta a experiência do ultra-sonografista na avaliação de um resultado.
Os principais sinais que sugerem a ocorrência de uma lesão arterial são:
A. Sinais maiores
1. Déficit circulatório na extremidade: isquemia e pulsos diminuídos ou ausentes.
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2. Sopro.
3. Hematoma pulsátil ou em expansão.
4. Sangramento arterial.
B. Sinais menores
1. Hematoma pequeno ou moderado estável.
2. Lesão de nervo adjacente.
3. Choque (não explicado por outras lesões).
4. Proximidade de ferimento penetrante de um trajeto vascular importante.
V. Tratamento.
Feito o diagnóstico da lesão arterial, o tratamento cirúrgico deve ser instituído o mais
rapidamente possível, pois o tempo máximo de isquemia tolerável, caso não exista
circulação colateral, é de seis horas. Além disso, o rápido atendimento cirúrgico evita
outras complicações, como a infecção e a formação de pseudo-aneurisma. Entretanto, mais
recentemente tem ocorrido uma tendência para se evitar o tratamento cirúrgico em um
grupo seleto de pacientes, nos quais se acredita que a lesão arterial seja mínima (p. ex.,
pequenos defeitos da camada íntima e pequenos pseudo-aneurismas). As cirurgias, quando
indicadas, deverão seguir rigorosamente os princípios gerais de cirurgia das artérias, que
são: via ampla de acesso; técnica atraumática; material vascular apropriado; heparinização
peroperatória (local ou sistêmica; neste último caso, utilizar 5.000-10.000 U de heparina,
EV, antes da clampagem arterial); uso do cateter de Fogarty, para embolectomias proximais
e distais à lesão; desbridamento das bordas arteriais; sutura evertente não-estenosante com
fios vasculares inabsorvíveis; cobertura da anastomose com tecido sadio; desbridamento
dos tecidos desvitalizados circunjacentes; proibida drenagem local; cobertura antibiótica no
per e no pós-operatório; oxigenoterapia hiperbárica associada a lesões com destruição
tissular extensa.
As técnicas mais utilizadas em traumatismos arteriais são as seguintes:
A. Anastomose arterial término-terminal. Feita com fio de polipropileno (Prolene®) arterial
4-0, 5-0 ou 6-0, em chuleio contínuo evertente ou com pontos separados em “U”,
dependendo de cada caso. Em crianças, a sutura é feita preferencialmente com pontos
separados, pelo menos em metade da circunferência arterial. Em lesões por arma de fogo,
deve-se desbridar de 0,5 a 1 cm no coto proximal e o mesmo no coto distal, pois o projétil
queima as bordas arteriais, levando à deiscência tardia.
B. Sutura simples da lesão. Usada em casos em que não há perda de substância arterial.
Deve-se ter o cuidado de não estenosar a luz da artéria quando da sutura. É o método mais
simples e de melhor resultado tardio.
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C. Interposição de segmento de veia. Técnica empregada nos casos em que há grandes
perdas de substância arterial. A veia mais utilizada para enxerto é a veia safena. É sempre
importante lembrar que, ao ser colocada em uma artéria, a safena deverá ser posicionada na
direção da abertura da suas válvulas, para que não haja impedimento ao fluxo sangüíneo.
D. Plastia com veia (patch). Técnica empregada quando ocorre perda de substância arterial,
para se alargar a luz vascular e para evitar a estenose, que ocorreria numa sutura simples.
Para tal, retira-se um segmento venoso, que é aberto longitudinalmente; a seguir, este
segmento é suturado, tal como uma telha ou um remendo, sobre o local onde houve perda
de substância. Esta técnica se presta a todas as lesões localizadas com perda de substância,
não muito extensas, com exceção de lesões causadas por arma de fogo, pois a borda da
lesão poderá estar queimada, surgindo deiscência posterior; neste caso, é sempre preferível
ressecar a lesão e fazer anastomose término-terminal.
E. Ligadura. É a mais antiga das cirurgias arteriais. Procedimento reservado apenas para
aqueles casos de lesões muito distais (p. ex., artéria radial), quando se verifica que outra
artéria pulsátil está presente e que é suficiente para manter a vascularização da extremidade.
F. Tromboembolectomia. Trata-se de procedimento complementar, sendo feita com cateter
de Fogarty. Deve ser rotineira, para retirada de trombos que se encontram tanto distais
como proximais à lesão.
VI. Lesões Arteriais Específicas.
As artérias de médio e grande calibres que mais freqüentemente se apresentam lesadas são
a femoral superficial, a braquial e a poplítea. A lesão da artéria poplítea, além de sua
incidência, chama a atenção pela extrema gravidade, com alto índice de perda de membros.
As artérias ilíaca e carótida se apresentam com alguns problemas próprios. A seguir,
tecemos alguns comentários a respeito dos traumatismos de artérias específicas.
A. Artéria femoral superficial. Esta artéria se origina da artéria femoral comum, na região
inguinal. O ramo profundo também surge na região inguinal e mergulha posteriormente ao
músculo adutor longo (superficialmente ao qual a femoral superficial se mantém),
originando ramos musculares. A artéria femoral superficial penetra no canal adutor de
Hunter, junto da veia femoral e do nervo safeno. O canal corre do ápex do trígono femoral
até o hiato tendinoso no músculo adutor magno, através do qual os vasos femorais entram
na fossa poplítea. A artéria femoral superficial é ligada por tecido conjuntivo à veia
femoral. O ramo superior geniculado surge da artéria femoral superficial próximo de sua
terminação.
A incisão cirúrgica para acesso à artéria femoral superficial é feita do ponto médio do
ligamento inguinal em direção ao tubérculo adutor. Em casos de ligadura dessa artéria,
ramos anastomóticos com a artéria femoral profunda passam a funcionar, principalmente
através do ramo geniculado superior. Entretanto, o índice de amputação é alto em casos de
ligadura da artéria (54,8%, na estatística de DeBakey e Simeone, da Segunda Guerra
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Mundial), pois as colaterais são insuficientes, o que fala a favor do reparo arterial como
cirurgia de escolha.
B. Artéria braquial. A artéria braquial é a continuação da artéria axilar; na região da fossa
cubital ela se bifurca nas artérias radial e ulnar. Pode ser dividida em três porções:
proximal, média e distal. Na sua porção proximal, surge o ramo superior profundo (artéria
braquial profunda). Este ramo produz anastomose ao nível do cotovelo. Existem outros
ramos anastomóticos: a artéria ulnar superior colateral (anastomose desde o terço médio da
artéria braquial até a artéria ulnar) e a artéria inferior ulnar colateral.
Assim, esta rica circulação colateral propicia que, em casos de ligadura da artéria braquial,
quadros isquêmicos da extremidade superior surjam em apenas 10% dos casos; entretanto,
como esta isquemia é de surgimento imprevisível, é sempre aconselhável que os
procedimentos de reconstituição da artéria braquial sejam utilizados, nos casos de trauma.
Devido à grande possibilidade de lesão neural concomitante com as lesões da artéria
braquial, a incidência de incapacidade definitiva é grande.
C. Artéria poplítea. A artéria poplítea é a continuação da artéria femoral superficial, que
entra na fossa poplítea. No seu curso, a artéria se coloca profundamente, permanecendo em
contato direto com o ligamento posterior do joelho.
Por ser uma artéria terminal, em casos de traumatismo, é muito alta a incidência de
gangrena, ao ser ligada a artéria poplítea (72,5%). Mesmo ao ser reparada, a ocorrência de
perda do membro ainda é alta (cerca de 30%), porque são freqüentes as lesões venosas
associadas, com formação de grandes edemas, e devido à síndrome compartimental que
surge (muitas vezes exigindo fasciotomia precoce).
Nos casos de fraturas do platô tibial e nas luxações da articulação do joelho, a possibilidade
de lesão da artéria poplítea deverá estar sempre na mente do examinador. A incidência de
lesões da artéria poplítea é maior nas luxações posteriores do joelho do que nas anteriores,
devido à maior intensidade do trauma para produzir a luxação posterior.
Se a questão de uma possível lesão surgir, uma arteriografia deverá ser feita antes de
qualquer tratamento subseqüente. A via de acesso para a arteriografia da poplítea é através
da punção da artéria femoral.
A via de acesso cirúrgico à artéria poplítea pode ser medial (face interna da coxa e joelho)
ou posterior (em formato de “S”, que dá a melhor exposição, mas que exige um maior
conhecimento anatômico, pela presença do feixe neural, que poderá ser lesado por um
cirurgião menos experiente).
D. Artéria ilíaca. Lesões da artéria ilíaca se devem principalmente a traumas penetrantes,
por ela se tratar de artéria bem protegida. Comumente, elas se associam às lesões venosas.
Devido ao seu maior calibre, e com exceção dos casos de lesão por arma de fogo, a sutura
lateral da artéria é o primeiro procedimento a ser escolhido. Os problemas específicos se
devem a lesões intestinais concomitantes, com contaminação da cavidade abdominal.
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Nestes casos, a morbidade e a mortalidade global têm um grande aumento. A mortalidade
geral nas lesões penetrantes da artéria ilíaca é de 28%. O uso de próteses sintéticas de
Dacron®, assim como em outras lesões arteriais, apresenta alto índice de infecção, estando,
por isto, contra-indicado (poderia ser utilizado apenas numa situação crítica, em que
nenhum outro tratamento fosse possível).
Já estudos experimentais recentes em animais infectados com S. aureus, portadores de
próteses de politetrafluoroetileno — PTFE® —, têm demonstrado uma maior resistência
deste material à infecção; no ser humano, numa grande série de pacientes operados em
Houston, Texas, nos quais o PTFE® foi usado como substituto arterial no trauma, os
resultados foram bastante animadores.
E. Artéria carótida. Suas lesões se associam a um índice aumentado de acidentes vasculares
cerebrais isquêmicos, devido à trombose arterial freqüentemente associada. As lesões
cervicais penetrantes com sangramento importante são de indicação para abordagem
cirúrgica imediata. Já os traumatismos fechados da carótida são pouco freqüentes, podendo
apresentar-se como grandes hematomas cervicais ou com quadro neurológico específico.
No caso de traumas fechados, a importância de métodos complementares de diagnóstico é
fundamental; o trauma não-penetrante da carótida não é comum e freqüentemente passa
despercebido numa avaliação inicial. Entre os métodos complementares utilizados para o
diagnóstico, citamos a angiografia por cateterismo da artéria braquial, o Doppler-ultra-som
das carótidas e o duplex scan. É importante lembrar que, nas lesões da carótida, todo
esforço deve ser feito no sentido de se preservar o fluxo cerebral, evitando-se a ligadura
arterial.
Ao se tornarem crônicas, as lesões da carótida podem evoluir com a formação de pseudoaneurisma, com sangramento tardio, tanto externo como para o interior da nasofaringe, no
caso das lesões da carótida interna.
F. Artérias tibiais. A maioria das lesões observadas nas artérias tibial anterior e posterior é
secundária a traumas contusos, sendo freqüentemente associadas a lesões ósseas. Em
presença de uma lesão isolada de uma das artérias tibiais, existindo patência da outra
artéria tibial e da artéria fibular, pode-se optar pela ligadura arterial sem muito risco para o
paciente. A patência das duas outras artérias, entretanto, deverá ser demonstrada
previamente, em geral por arteriografia.
Havendo necessidade de abordagem da artéria tibial, esta deverá ser feita imediatamente —
retardar a cirurgia tornará o procedimento mais difícil, ficando o resultado cirúrgico
comprometido. No reparo das artérias tibiais, na maioria dos casos, será necessário a
interposição de um enxerto venoso.
VII. Discussão.
No atendimento das lesões arteriais periféricas agudas, inúmeros pontos de controvérsia
têm sido levantados, como, por exemplo: a realização ou não de arteriografia preliminar; o
valor da arteriografia para se estabelecer o prognóstico; o tipo de tratamento instituído, ou
seja, a interposição de veia ou anastomose término-terminal, com ou sem ressecção de
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segmento arterial; o uso de materiais sintéticos (próteses vasculares), como o Dacron®, o
politetrafluoroetileno (PTFE®), ou de material biológico (veia umbilical humana, enxerto
vascular de pericárdio bovino, mamária bovina); a necessidade de fasciotomia precoce; a
fixação de fraturas concomitantes existentes; o uso da heparina; o uso de vasodilatadores; o
tratamento de lesões venosas e neurais associadas; o uso de oxigenoterapia hiperbárica.
A experiência dos autores americanos durante a Guerra do Vietnã, onde um enorme
contingente de lesões vasculares pôde ser observado, em muito contribuiu para elucidar a
resposta a estas questões; transpostas para o meio urbano, as conclusões obtidas no período
da guerra têm uma perfeita adaptação e funcionam de modo semelhante. Assim, a posição
atual tem sido a seguinte:
A. Há necessidade de se ressecar cerca de 0,5 a 1,0 cm tanto proximal quanto distalmente,
nos cotos arteriais, em casos de lesão por arma de fogo. Contudo, caso a aproximação das
duas extremidades resulte em tensão na linha de sutura, a tentativa de anastomose T-T
deverá ser abandonada, e um enxerto venoso deverá ser interposto. Um enxerto de PTFE®
é uma opção possível em artérias de calibres médio e grande (enxertos de 4 mm ou menos
de diâmetro tendem a ocluir), quando não é possível a colocação de um enxerto venoso.
Enxertos biológicos, como a veia umbilical humana, a mamária bovina ou enxerto vascular
de pericárdio bovino, têm sido usados de maneira ocasional no trauma, de tal modo que seu
comportamento não é de todo conhecido.
B. Não se deve utilizar patch em casos de lesão por arma de fogo com perda de substância
— quando necessário, deverá ser feita a ressecção do segmento e ser colocado um
segmento de veia.
C. O reparo das lesões venosas é sempre preferível à ligadura, para que seja evitado o
edema das extremidades (ver Cap. 26, Traumatismos Venosos Periféricos).
D. Nos casos de fratura em que houver necessidade de fixação interna, o risco de infecção
estará sempre aumentado. Nesses pacientes, a abordagem deverá ser feita em conjunto por
equipes de ortopedia e de cirurgia vascular.
E. O uso de heparina sistêmica por via endovenosa no pós-operatório estará contraindicado, ficando reservado apenas para aqueles casos mais graves com grandes perdas de
tecido, em que estejam acometidas as artérias de pequeno calibre, com maior possibilidade
de trombose pós-operatória. Se a reconstituição cirúrgica foi bem efetuada, não se justifica
o uso da heparina; se a cirurgia foi mal executada, por maior que seja a quantidade de
heparina utilizada, a patência do artéria não é mantida. Já o uso de heparina por via
subcutânea (principalmente as novas heparinas de baixo peso molecular) pode ser feito com
a finalidade de prevenir a trombose intravascular.
F. O uso de vasodilatadores convencionais no trauma agudo não tem fundamento clínico;
em princípio, eles não devem ser usados. Entretanto, em situações de espasmo persistente
em artérias distais de pequeno calibre, o uso de infusão contínua intra-arterial de uma
associação de 500 mg de tolazilina, com 1.000 unidades de heparina, diluídas em 1 litro de
solução fisiológica, parece ter efeitos benéficos.
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Ocasionalmente, a aplicação tópica de solução de sulfato de magnésio a 20% ou de uma
solução de papaverina a 2,5% tem sido bem-sucedida em superar episódios de espasmo no
trauma.
G. As simpatectomias lombar e cervicotorácica, nas lesões arteriais agudas, jamais
substituirão uma cirurgia arterial corretiva direta de revascularização, sendo os seus
resultados questionáveis. Não são procedimentos de rotina.
H. O uso de oxigênio em câmara hiperbárica é capaz de reduzir o índice de amputação que
se segue à lesão dos vasos femorais (aréria e veia), associado à cirurgia reconstrutiva e ao
uso de antibióticos.
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Copyright © 2000 eHealth Latin America
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Capítulo 26 - Traumatismos Venosos Periféricos
Marco Tulio Baccarini Pires
I.Introdução.
Ao longo dos anos, as lesões arteriais têm sido sempre as mais profundamente estudadas ao
se abordar o assunto dos traumatismos vasculares, ocupando uma posição de maior
destaque e importância. Isto se deve principalmente ao fato de quase sempre os
traumatismos arteriais levarem a um sangramento mais vultoso do que as lesões venosas;
além disso, as conseqüências e seqüelas de uma lesão arterial são, na maioria das vezes,
mais graves e imediatas.
Mesmo após a Segunda Guerra Mundial, quando se iniciou a fase moderna dos reparos
arteriais (ver Cap. 25), as cirurgias venosas por trauma têm consistido principalmente de
procedimentos de ligadura da veia, e não de sua reconstrução. Este procedimento (a
ligadura venosa) tem sido realizado pelos seguintes motivos: pouco prejuízo funcional para
o paciente na maior parte dos casos (mesmo em veias de maior calibre); a cirurgia de
reconstrução venosa tem eficácia discutível (devido à baixa pressão intravenosa, a trombose
pós-operatória é freqüente); crença antiga (e absurda) afirmando que a ligadura venosa
diminuiria a possibilidade da ocorrência de gangrena nos casos de lesão arterial
concomitante em que fosse necessário ligar a artéria correspondente (baseando-se na
restauração do balanço entre aporte de sangue e retorno venoso).
Após uma cirurgia de reparo venoso, torna-se difícil verificar se a restauração do fluxo saiu
a contento; diferentemente das artérias, não é possível a observação de pulsações em uma
veia, para avaliar a patência de uma anastomose.
Em rigor, as cirurgias de reparo venoso só começaram a ser realizadas de maneira mais
efetiva após a experiência americana na Guerra do Vietnã. O trabalho preliminar preparado
pelo Vietnam Vascular Registry, em 1970, encorajou a realização de cirurgias
reconstrutoras nas veias de maior calibre dos membros, principalmente nos membros
inferiores.
A importância do reparo venoso está basicamente ligada à(aos): prevenção da insuficiência
venosa crônica nas lesões de veias de grande calibre dos membros inferiores; às lesões da
veia poplítea, como preventivo de edema e da ocorrência da síndrome de compartimento
(que podem levar à perda do membro nos casos de lesão arterial concomitante); à
ocorrência de grandes destruições tissulares com grave comprometimento de partes moles,
a tal ponto que esta destruição possa interromper o retorno venoso; aos casos de lesão de
todas as principais veias que fazem o retorno venoso de uma extremidade.
Em cada um destes casos, se não realizado o reparo venoso, a estase venosa subseqüente
poderá levar ao comprometimento do aporte de sangue para o membro, com graus variáveis
de isquemia. Mesmo nas situações em que o reparo venoso seja transitório, com oclusão
posterior da cirurgia efetuada, a presença de um fluxo, ainda que temporário, poderá
permitir que a circulação colateral se forme, minimizando as seqüelas tardias.
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Uma grande preocupação existente até alguns anos atrás dizia respeito à possibilidade de
ocorrência de embolia pulmonar por formação de coágulo na área anastomosada.
Entretanto, ficou demonstrado que esta complicação é infreqüente após reparo venoso. Não
obstante, existem indicações para uso de anticoagulante, tanto parenteral quanto oral, após
lesões venosas de determinados tipos tratados por reparo.
A incidência real de traumatismos venosos, tanto na população civil como em época de
guerra, não é conhecida, pois é comum um cirurgião considerar a lesão venosa como pouco
importante, tratar da veia por ligadura simples, e não relatá-la na descrição do ato cirúrgico.
Assim sendo, as estatísticas variam muito. Trabalhos diferentes mostram que, em caso de
lesão arterial, a lesão venosa está presente em 50-66% dos casos.
A determinação da veia lesada também é variável, dada a extrema diversidade anatômica
do sistema venoso. Entretanto, foi observado que a veia mais lesada nos diversos tipos de
trauma (penetrantes ou não) é a veia femoral, com cerca de 18% das lesões, seguindo-se o
segmento venoso axilobraquial (14%).
As lesões venosas traumáticas podem ser devidas a múltiplas causas. Em nosso meio,
predominam as lesões venosas causadas por arma de fogo, seguindo-se as causadas por
arma branca e as causadas por traumas fechados. Outros tipos de lesões que podem ocorrer
são as iatrogênicas (p. ex., cirurgias de hérnia inguinal, de varizes dos membros inferiores,
procedimentos de punção de subclávia, cateterismos cardíacos etc.).
Os acidentes elétricos (p. ex., queimaduras por eletricidade) podem ser os causadores de um
outro tipo de lesão venosa, mais rara, com trombose e hemorragia vascular.
II. Classificação.
Podemos classificar os traumatismos venosos periféricos, de acordo com o seu agente
causal, em: traumas penetrantes; traumas contusos (indiretos); traumas iatrogênicos.
A. Traumas penetrantes. Os traumatismos venosos penetrantes podem ser de três tipos:
lesão parcial — com ruptura parcial da parede, sem penetração na luz (este tipo de
traumatismo não tem importância prática, pois não há solução de continuidade na parede da
veia); laceração — ocorre penetração na luz do vaso, e é a lesão mais comum, ocasionando
hemorragia interna ou externa; transecção completa da veia — lesão de veias de maior
calibre, geralmente associada à lesão arterial.
Diferentemente das artérias, nas quais a secção completa leva à contração dos cotos, nas
veias esta contração não ocorre, pela falta de uma camada elástica mais importante. Deste
modo, a perda sangüínea poderá ser vultosa após lesão venosa completa.
B. Traumas fechados. A lesão nos traumatismos venosos fechados pode ser de três tipos:
lesão da íntima; lesão da íntima e da média, e lesão completa do vaso. Nos casos de lesão
completa do vaso com esmagamento, o quadro clínico é bem característico imediatamente
após o trauma. A obstrução venosa aguda, principalmente em veia de maior importância,
leva a edema, palidez do membro e ingurgitamento das veias do tecido subcutâneo.
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Um outro tipo de trauma fechado é observado de maneira indireta durante luxação de
grandes articulações — o estiramento (p. ex., o estiramento da veia braquial na luxação da
articulação do ombro). Essas lesões de estiramento levam à trombose e, mais raramente, à
hemorragia.
C. Traumas iatrogênicos. Lesões venosas iatrogênicas podem ocorrer numa série de
procedimentos médicos de diversas especialidades.
Exemplos seriam lesões ocorridas durante punção da veia subclávia, nos procedimentos de
cateterismo cardíaco, nas cirurgias de hérnias inguinais e mesmo nas cirurgias de varizes
dos membros inferiores.
Nas punções da veia subclávia, podem ocorrer grandes lacerações, com a formação de
hematomas locais e mesmo de hemotórax. Apesar de a punção da subclávia ser um
procedimento simples, ela só deve ser executada por pessoa habilitada.
Nas lesões da veia femoral, que podem ocorrer durante hernioplastia inguinal ou
varicectomia dos membros inferiores, hemorragias de vulto são observadas. Usualmente,
existe incapacitância crônica, com acometimento do membro por edema e estase venosa
acentuada.
III. Diagnóstico.
A maior parte das lesões venosas ocorre nas extremidades superiores e inferiores,
principalmente devido à localização superficial de muitas veias, o que as torna mais
vulneráveis ao trauma. O tipo de sangramento observado é caracterizado pelo fato de ser
contínuo, não-pulsátil, diferentemente do sangramento arterial. A cor do sangue venoso,
mais escura, também nos auxilia no diagnóstico. Numa ferida fechada, um grande
hematoma pode desenvolver-se.
Nas primeiras 12-24 horas após a lesão, sinais de insuficiência venosa aguda podem surgir.
Eles se caracterizam por edema, diminuição da temperatura distal e coloração azulada. Nos
casos crônicos, observam-se edema, varizes superficiais, pigmentação marrom na pele e,
numa fase mais tardia, úlceras de estase.
Um dado importante nos casos agudos é a presença de lesão externa no trajeto de veias
calibrosas (mesmo naqueles pacientes em que não se observe sangramento externo
vultoso). Há um alto grau de suspeição de lesão venosa (bem como de lesão arterial) nos
casos de lesão externa penetrante no trajeto vascular.
A pesquisa de lesão arterial concomitante deve ser feita. O Doppler vascular deve ser usado
como método complementar no diagnóstico, nos casos de lesões venosas e arteriais. A
radiografia simples do local atingido deve sempre ser feita, pois mostrará, também, a
presença de outras lesões, como as fraturas ósseas. Nos casos de lesão por arma de fogo, a
radiografia poderá nos mostrar o trajeto do projétil, pela presença de fragmentos da bala.
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O uso de exames contrastados (flebografias) é mais indicado nos casos crônicos; raras
vezes eles poderão ser de utilidade num caso agudo.
Mais recentemente, técnicas de ultra-sonografia associadas ao estudo com Doppler vascular
(duplex scan) foram introduzidas, porém seu papel em casos de urgência ainda não foi
definido.
IV. Tratamento.
Deve-se ter em mente, em primeiro lugar, que o paciente precisa ser avaliado como um
todo. São comuns graves alterações hemodinâmicas no paciente com traumatismo venoso.
Todas as medidas para o tratamento deste quadro de choque devem ser instituídas.
Se está presente hemorragia ativa, o seu controle deve ser feito de imediato. Procura-se
realizar a compressão da lesão; o garroteamento de membros, nos casos de lesão venosa, é
de pouca valia. Se ele vier a ser utilizado em casos de lesões arterial e venosa
concomitantes, o procedimento não deve ultrapassar 30-40 minutos.
Imobiliza-se o local afetado, principalmente se existe fratura óssea. O uso de antibióticos de
largo espectro deve ser instituído nos casos de lesão venosa, pelo risco de desenvolvimento
de flebites. Outras lesões devem ser identificadas e tratadas. Se também houver lesão
arterial, esta deverá ser tratada em primeiro lugar.
Os fatores mais importantes para o sucesso de uma cirurgia de reconstrução venosa são a
remoção completa de trombos proximais e distais; o tratamento precoce da lesão (ideal —
até quatro horas); o reparo perfeito da lesão, evitando qualquer estenose, por mínima que
seja, com coaptação total da camada íntima; e o uso sistemático de heparinização
endovenosa peroperatória.
A cirurgia venosa segue os princípios básicos das cirurgias arteriais, ou seja, vias amplas de
acesso, uso de instrumental adequado, uso de fios próprios (Prolene® 6-0 ou 7-0), técnica
atraumática, uso de heparina e desobstrução vascular.
Cinco tipos de reparo podem ser considerados para o tratamento das lesões venosas:
ligaduras, reparo com sutura lateral, anastomose término-terminal, utilização de telha
(patch) e utilização de enxerto venoso. O procedimento mais amplamente utilizado no
tratamento das lesões venosas tem sido a ligadura. No entanto, este procedimento só deve
ser utilizado em veias de menor calibre e naquelas em que a ligadura não cause um
comprometimento maior no fluxo venoso. Naqueles casos de ligadura em veias de maior
importância em membro inferior, a elevação no membro no pós-operatório, de maneira
rotineira, é obrigatória, assim como o seu enfaixamento. A utilização de faixa de crepom ou
de meias elásticas de alta compressão, por períodos que variam até um prazo máximo de
três meses, é fundamental nestes casos, para que se impeça a formação de um trombo ao
longo da veia acometida.
O controle de sangramento venoso deverá ser obtido por meio da compressão com
“bonecas” de gaze, montadas em pinças hemostáticas, acima e abaixo da lesão. Deve ser
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lembrado que as lesões venosas podem ser aumentadas de forma iatrogênica, pelo mau uso
de clampes vasculares; muitas vezes, o cirurgião, ansioso frente a um sangramento venoso
intenso, pode tentar clampar o vaso de qualquer modo, de maneira abrupta ou incorreta,
aumentando a lesão.
Além disso, clampes vasculares menos delicados podem lesar as delicadas paredes venosas,
propiciando pequenas lesões na camada íntima e favorecendo tromboses pós-operatórias.
Sempre que possível, podem ser utilizados torniquetes e cadarços, colocados proximal e
distalmente à lesão, para ajudar no controle do sangramento. A tração com cadarços (Fita
Cardíaca®) poderá realizar uma boa hemostasia, sem os riscos de aumento da lesão que um
clampe vascular pode provocar.
Entre os procedimentos de reparo, o mais utilizado é a sutura venosa lateral. Esta é feita
com fios apropriados (Prolene® 6-0 ou 7-0), em sutura contínua, na maioria dos casos.
Com esta técnica, a principal preocupação é a de não se estenosar a luz da veia — a
estenose deve ser evitada a todo custo. Caso ela venha a ocorrer, pode ser necessária a
utilização de um patch venoso, para alargar o diâmetro da veia.
A utilização de uma anastomose venosa término-terminal é possível, porém é uma técnica
bem mais complexa do que uma anastomose T-T arterial, pois as veias não têm a mesma
elasticidade das artérias. Um enxerto venoso com veia safena magna poderá ser utilizado.
Nos casos de trauma venoso em membro inferior, a veia deverá ser obtida, sempre, no
membro são.
Mesmo utilizando-se todas as técnicas descritas, com todos os cuidados necessários, é alto
o índice de trombose venosa pós-operatória, chegando a ultrapassar os 30% nas lesões da
veia femoral. Entre os enxertos sintéticos existentes comercialmente no Brasil, podemos
citar os mesmos usados como substitutos arteriais, ou seja, os inorgânicos (PTFE® e o
Dacron®) e os orgânicos (veia umbilical humana preservada, enxerto vascular
confeccionado com pericárdio bovino e artéria carótida bovina). O PTFE® tem sido usado
ocasionalmente na substituição da veia cava inferior lesada no trauma.
O PTFE® foi utilizado como substituto da veia cava inferior, mas o seu uso em traumas
venosos periféricos não foi adequadamente estudado. Em princípio, ele não deve ser
utilizado, pois a ocorrência de trombose e de infecção é maior nestes casos.
Nas lesões específicas da veia femoral e da veia ilíaca, pode-se utilizar a veia safena
contralateral, conduzida através de um túnel suprapúbico subcutâneo; é a chamada cirurgia
de Palma, pouco difundida no nosso meio, mas que fornece resultados excelentes.
Uma opção que se apresenta para substituição venosa em veias de maior diâmetro é o uso
da veia safena aberta longitudinalmente e suturada de maneira espiralada, obtendo-se, com
isto, um enxerto de bom calibre, adequado para uso em veias maiores, como a femoral. Esta
é uma boa técnica para substituição da veia femoral, mas requer um cirurgião vascular bem
treinado, para confecção intra-operatória rápida do enxerto espiralado. É uma boa técnica,
mas deve ficar reservada para aqueles casos onde não existir outra opção de tratamento
cirúrgico.
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Após 30 dias, a patência global de uma cirurgia de reconstituição venosa se encontra em
cerca de 73%, com os maiores índices de permeabilidade obtidos nos casos de anastomose
venosa término-terminal (88% dos casos patentes).
A fasciotomia é uma cirurgia complementar a ser utilizada em determinadas situações,
como nos casos de lesões vasculares poplíteas.
V. Cuidados Pós-Operatórios.
Os cuidados no pós-operatório das lesões venosas periféricas dividem-se em imediatos e
tardios.
Entre os cuidados imediatos, podem-se destacar a elevação e o enfaixamento do membro. O
enfaixamento não deve ser feito quando da realização de anastomose venosa, pelo risco de
trombose, ficando reservado às ligaduras.
A utilização de heparina e/ou anticoagulantes orais no pós-operatório deverá ser reservada
para aqueles casos de lesão de veias poplítea, femoral, braquial ou axilar, dependendo da
extensão da lesão e do tipo de reparo utilizado. Reparos do tipo enxerto venoso ou remendo
devem ser os mais considerados para uso de anticoagulante. No adulto, quando indicada
anticoagulação, iniciamos com heparina, 5.000 UI EV, a cada quatro horas, por um período
de 5-10 dias, ou, de preferência, em infusão contínua EV na bomba de infusão na dose de
1.000 a 2.000 UI por hora. O uso de heparina subcutânea de baixo peso molecular
(Clexane®; Fraxiparina®) no trauma ainda não se encontra bem-estabelecido, mas pode ser
uma alternativa de tratamento, pela menor possibilidade de sangramento (fornecendo maior
segurança em pacientes mais idosos).
Se pretendemos manter o paciente com anticoagulante oral, em torno do terceiro ao sexto
dia de pós-operatório, iniciamos com warfarina sódica (Marevan®), na dose ajustada para
uma atividade de protrombina de, aproximadamente, 30%.
As principais complicações das lesões venosas são tromboembolismo pulmonar, síndrome
pós-trombótica e ocorrência de fístulas arteriovenosas (na presença de lesão arterial
concomitante).
A síndrome pós-trombótica constitui a principal preocupação entre os cuidados pósoperatórios tardios. São inúmeros os pacientes que se apresentam com edemas crônicos, de
difícil resolução clínica. O uso de uma meia elástica apropriada em membro inferior pode
ser mandatório por longos períodos.
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Capítulo 27 - Traumatismo Cranioencefálico no Adulto
Odilon Braz Cardoso
Márcio Melo Franco
Sebastião N. S. Gusmão
I. Introdução.
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é a primeira causa de morte no adulto jovem. A
maioria dos acidentes fatais teria chance, se tratada devidamente nos primeiros minutos
após o acidente, principalmente quanto à assistência respiratória, ao controle imediato da
hemorragia, posicionamento e transporte. Devem-se afastar outras possibilidades
traumatológicas, sangramento abdominal, torácico etc.
II. Epidemiologia.
Quedas, agressões e acidentes com veículos são algumas das inúmeras causas; a mais
importante é o acidente de tráfego, principalmente devido à alta velocidade e à falta de
atenção. A falha humana é a principal causadora dos acidentes automobilísticos, onde se
enumeram: imperícia, imprudência, necessidade de auto-afirmação, imaturidade, fadiga,
agressividade, machismo, egocentrismo e o alcoolismo social.
Dentre os fatores sociais, têm-se a tendência à desobediência às leis do trânsito (desrespeito
à sinalização, falta de uso do cinto de segurança, capacete etc.), por falta de educação nas
escolas ou em casa, e o policiamento ineficaz, com multas irrisórias ou inexistentes para as
infrações, decorrentes de uma falta de determinação política.
A maneira como o caso é conduzido desde os primeiros momentos após o acidente influi
sobremaneira no resultado final; nas rodovias, em 82% dos casos, o salvamento é feito por
motoristas de caminhão. Quarenta e três por cento dos acidentes fatais teriam chances de
sobrevida se fossem atendidos devidamente nos primeiros minutos. O índice de sobrevida e
o grau de invalidez são determinados pelo nível de consciência (a mortalidade é de 7%,
mesmo nos pacientes lúcidos à admissão, e de 49% nos pacientes irresponsivos) e pelas
características da equipe médica que realiza o atendimento.
O paciente com TCE tem 32,8% de probabilidade de apresentar outro traumatismo
associado que possa contribuir no resultado final. No acidente automobilístico, 53% dos
ocupantes têm traumatismo e, destes, 70% têm TCE, sendo que um terço ocorre por
impacto no pára-brisa, depois no volante, nos instrumentos do painel etc.
III. Fisiopatologia e Anatomia Patológica
A. Mecanismo. As forças de impacto e inercial, quando aplicadas ao crânio, vão gerar
deformação e aceleração ou desaceleração. Estas determinarão uma compressão, tensão e
cisalhamento do tecido vascular ou neural. A força de impacto determina efeitos locais na
superfície, como laceração do couro cabeludo, fratura do crânio, hematoma extradural e
alguns tipos de contusões. A força inercial determina efeitos difusos, com distribuição
centrípeta. Ela é responsável por alguns tipos de contusões (principalmente as localizadas
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nas bases dos lobos frontais e temporais e nas bordas da fissura silviana), pelo hematoma
subdural e pela lesão axonal difusa.
B. Classificação. A lesão cerebral primária ocorre no momento do trauma. É representada
pelas contusões, lacerações e pela lesão axonal difusa. A lesão cerebral secundária é
determinada por processos complicadores, que se iniciam no momento do trauma, mas que
só se evidenciam clinicamente algum tempo depois: são a hemorragia intracraniana, o
inchaço cerebral, a hipertensão intracraniana e a lesão cerebral hipóxica.
Do ponto de vista anatomopatológico, existe tendência em classificar as lesões em focais e
difusas. As lesões focais são: lesões do escalpo, fraturas do crânio, contusões cerebrais,
hematomas intracranianos, hemorragia e infarto do tronco encefálico conseqüente à
hipertensão intracraniana. As lesões difusas são representadas por: lesão axonal difusa,
lesão cerebral hipóxica, inchaço cerebral difuso e hemorragias petequiais múltiplas do
encéfalo.
Quanto à lesão de continuidade, o TCE pode ser classificado em aberto, no caso de
exposição de meninge ou parênquima, quer seja por fraturas expostas da convexidade ou da
base, e fechado, nas outras entidades. Quanto à gravidade clínica, classifica-se em leve,
quando não altera a Escala de Coma de Glasgow (ECG), moderado, quando a ECG está
acima de nove, e grave, quando ela é igual ou inferior a oito.
1. Lesão do couro cabeludo. É freqüente a presença de contusões e lacerações do couro
cabeludo no TCE. Essas lesões indicam o local do impacto, além do conceito de TCE em
potencial. As lesões observadas são escoriação, contusão, equimose e laceração.
a. Escoriação. Consiste na perda superficial de pequenas áreas da pele.
b. Contusão. Consiste numa lesão traumática dos tecidos com ruptura de vasos sangüíneos
e sem solução de continuidade da pele.
c. Equimose. Ocorre extravasamento de sangue de um local para outro. Dois tipos de
equimoses são de observação importante no crânio: a periorbital e a da mastóide.
d. Laceração. Trata-se de uma ruptura tecidual por golpe.
2. Fratura de crânio. A fratura de crânio é observada em 80% dos pacientes que falecem
depois de um TCE. Os casos que não apresentam fraturas são observados principalmente
entre as crianças e naqueles pacientes que falecem em conseqüência de uma lesão axonal
difusa. As fraturas são classificadas em:
a. Fratura linear. Trata-se de uma linha de fratura que tende a originar-se no ponto de
impacto e a estender-se para a convexidade ou para a base. A direção da fratura
corresponde às linhas de força do impacto e é também afetada pela estrutura irregular do
crânio. Ela é uma lesão de contato decorrente da deformação do crânio pelo impacto. Esta
deformação pode ocorrer no local do golpe ou a distância do mesmo. A fratura linear é
causada por um objeto de consistência dura colidindo contra o crânio; este objeto é
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suficientemente grande para que não ocorra penetração no crânio e suficientemente
pequeno para que a força de contato não seja distribuída difusamente sobre a superfície da
cabeça. Pode ocorrer lesão por aceleração associada à fratura linear quando o impacto
determina significativo movimento da cabeça. Uma força estática aplicada à cabeça, como
nas lesões por compressão, pode determinar lesão intensa do crânio sem perda primária de
consciência.
b. Fratura de convexidade ou da base posterior. No caso de fratura de convexidade, o
diagnóstico consiste na procura de hematomas no couro cabeludo. Raios X devem ser feitos
nas incidências em PA, perfil e Towne. Em caso de fratura múltipla ou em aspecto
estrelado, deve-se fazer a incidência tangencial. A conduta nas fraturas lineares da
convexidade e na base posterior consiste na observação do paciente.
Pacientes com fraturas que cruzam o trajeto das artérias meníngeas, a sutura lambdóide, o
plano sagital ou o forame magno são observados por um prazo mínimo de 24 horas no
hospital, mesmo com exame neurológico normal, pelo risco de hematoma epidural, e faz-se
a tomografia cerebral.
A fratura pode ter um aspecto diastático quando as suas bordas estão afastadas; devido ao
risco de lesão dural e às complicações que podem advir, como cistos aracnóides e cicatrizes
meningocorticais, a conduta pode ser até cirúrgica.
Na fratura em afundamento, as suas bordas estão em desnível de, pelo menos, a espessura
da tábua óssea; o diagnóstico é confirmado por raios X, e às vezes uma incidência
tangencial é necessária. No entanto, o exame fundamental é a TC com janelas especiais
para estudo ósseo.
A fratura com afundamento pode ser fechada ou exposta, e as indicações cirúrgicas são
inerentes a esta classificação.
(1) Afundamento fechado. A primeira indicação para o tratamento cirúrgico é a estética.
Quando esta não for importante, não haverá indicação. A simples elevação do fragmento
afundado não traz benefício comprovado no sentido de aliviar um efeito de massa ou inibir
um foco de epilepsia. No entanto, se a fratura é a causa de um déficit neurológico
progressivo ou um aumento do distúrbio de consciência, a operação é indicada.
(2) Afundamento exposto. A indicação cirúrgica é absoluta, devido às complicações
infecciosas inerentes a este tipo de traumatismo.
c. Fratura de base média. As fraturas do osso temporal são acompanhadas por equimose
retroauricular (sinal de Batle) e otorragia, substituída pela otoliquorréia que, pela anatomia
funcional regional, cessa espontaneamente no final de algumas horas ou dias; raramente
necessita de correção cirúrgica. Podem vir acompanhadas também pelo acometimento do
nervo facial do lado da fratura.
d. Fratura de base anterior. A importância do trauma do andar anterior da base do crânio
está ligada às altas taxas de morbimortalidade relacionadas, principalmente, à infecção pós255
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traumática do SNC. Isto ocorre quando uma fratura passa despercebida ou é mal-avaliada
na ausência de sinais de comunicação craniossinusal, ou uma cessação espontânea de uma
rinorréia por vários mecanismos, ou ainda quando os princípios básicos do tratamento não
são observados.
Na avaliação deste tipo de lesão, um conhecimento aprofundado da anatomia funcional é
imperativo. O assoalho da base anterior limita o neurocrânio, constituído pelas estruturas
intracranianas, do esplancnocrânio, formado pelas cavidades sépticas da face. Este assoalho
é composto de uma fina lâmina óssea pouco vascularizada, cravada por soluções de
continuidade no teto do etmóide; de um lado, ela é atapetada pela dura-máter extremamente
aderente e com propriedades fibrinolíticas, retardando ou impedindo uma cicatrização neste
nível, e, do outro, é revestida pela mucosa sinusal.
O assoalho da base recebe ainda as pressões hidrostáticas da coluna liquórica a cada
batimento cardíaco e movimento respiratório, sem contar ainda o acolchoado representado
pelas cisternas da base.
Conhecendo-se a fisiopatologia da comunicação e ainda a patologia da lesão fundamental
deste tipo de traumatismo, representada pela “dilaceração meningocerebral traumática
localizada”, conclui-se que uma cicatrização espontânea osteodural neste nível não existe,
devendo a comunicação ser abordada cirurgicamente.
A apresentação do quadro clínico varia de acordo com a classificação do trauma
frontobasal e o tempo decorrido do traumatismo: equimose subconjuntival e periorbitária
uni ou bilateral, aumento da distância intercantal; a rinorréia, que é o sinal de comunicação
mais comum, está ausente em 36,6% dos casos. São comuns nesse tipo de trauma a fratura
dos ossos da face e as lesões do globo ocular. Um quadro de hipertensão intracraniana,
também causado pela pneumatocele, pode complicar o paciente com fratura de base,
principalmente quando é feita uma punção lombar. Por isto, a presença de ar intracraniano é
uma prova da perda da integridade meníngea. A anosmia acompanha a maioria dos
pacientes com trauma frontobasal, mas uma gama de pacientes às vezes chega ao hospital
com um quadro infeccioso expresso por uma meningite ou abscesso cerebral, às vezes
muitos anos após o trauma.
As expressões anatomoclínicas dessas lesões variam, mas a forma mais grave e mais
freqüente é representada pelo traumatismo do complexo frontonasoetmoidal, cuja
predisposição à cominuição se acompanha sempre pela lesão dural.
A TC, principalmente na incidência coronal, é imprescindível para um estudo completo de
todo o andar anterior.
A indicacão cirúrgica é colocada sempre que há um sinal de comunicação,
independentemente do momento, do modo, da duração e da importância de sua instalação.
Ela é indicada mesmo na ausência de um sinal de comunicação, diante de uma anosmia ou
um defeito radiológico do andar anterior.
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A técnica cirúrgica tem como objetivos suprimir a comunicação e restabelecer a anatomia
regional através do tratamento adequado dos seios lesados, das lesões cerebrais,
maxilofaciais e oftalmológicas. A única via que satisfaz esses objetivos é a craniotomia
bifrontal bitragal de Cairns-Unterberger o mais cedo possível, quando as condições
permitirem. Um inventário completo, intra e extradural, até os limites mais recuados do
andar anterior, deve ser feito, utilizando-se o microscópio operatório e o adesivo de fibrina
para reforçar a estabilidade dos enxertos. Todo e qualquer material estranho deve ser
rejeitado, em favor de um auto-enxerto vascularizado, pediculado através de epicrânio e
osso vivo esponjoso.
3. Contusão cerebral. As contusões ocorrem, tipicamente, nas cristas dos giros. Nos
estágios iniciais (contusões recentes), elas são caracterizadas por hemorragias
perivasculares puntiformes na superfície cortical. Em casos da maior intensidade, a
hemorragia pode estender-se para dentro da substância branca. Quando são em grande
número e graves, os extravasamentos de sangue podem unir-se, tornando difícil diferenciar
a contusão de um hematoma intracerebral.
Classicamente, faz-se uma distinção entre contusão e laceração. Na contusão a integridade
da pia-máter e da aracnóide é mantida. Na laceração ocorre uma ruptura da pia-máter, da
aracnóide e do cérebro subjacente.
As contusões, independentemente do local de impacto sobre o crânio, apresentam uma
localização típica. Elas estão distribuídas principalmente ao nível do pólo frontal, da
superfície orbital dos lobos frontais, dos pólos temporais, das superfícies lateral e inferior
dos lobos temporais e do córtex em torno da fissura silviana. Geralmente são múltiplas e
bilaterais, porém assimétricas.
A contusão é essencialmente uma lesão cerebral focal que acomete áreas não-vitais. Por
este motivo, os pacientes que apresentam apenas contusões cerebrais podem apresentar uma
boa recuperação. A importância das contusões polares no período imediato após o trauma
deve-se à propensão das mesmas para desenvolverem sangramento ou inchaço, podendo
agir, portanto, como uma lesão expansiva intracraniana. As contusões subjacentes ao local
do impacto (contusões por golpe) são devidas à deformação tecidual provocada pela
depressão óssea. A conseqüência dessa deformação tecidual é a lesão da superfície cortical
e dos vasos da pia-máter. Quando a elasticidade do crânio é ultrapassada pela força do
golpe, pode ocorrer lesão da superfície cortical pela compressão direta do osso fraturado.
As contusões distantes do ponto de impacto são chamadas de contusões por contragolpe,
mas esta denominação é inadequada porque o mecanismo essencial deste tipo de contusão é
a aceleração. Sua patogenia é explicada pelo movimento de deslizamento do cérebro em
relação ao crânio durante a aceleração e a desaceleração.
Em conseqüência deste movimento diferencial entre o crânio e o encéfalo, ocorrerá um
maior atrito onde o deslizamento do encéfalo é retardado. Isto ocorre especialmente na
superfície irregular da base do crânio, onde a superfície do cérebro colide com a asa menor
do esfenóide e com o teto da órbita. Este fato explica a maior freqüência das contusões ao
nível da base do lobo frontal, do pólo temporal anterior e das bordas da cissura de Sylvius.
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4. Hemorragia intracraniana. Pode ocorrer sangramento nos espaços extradural, subdural ou
subaracnóideo, no cérebro e nos ventrículos. Graus variáveis de hemorragia subaracnóidea
ocorrem freqüentemente nos casos de contusão cerebral. É comum a presença de
hemorragia intraventricular nos casos de lesão axonal difusa.
a. Hematoma extradural (HED). O hematoma extradural ou epidural é uma coleção de
sangue coagulado situada entre a dura-máter e o osso. Quando ocorre uma lesão vascular, o
sangue se difunde no espaço epidural, descolando progressivamente a dura-máter do osso.
A coleção sangüínea agirá como um processo expansivo, cuja gravidade da sintomatologia
dependerá do volume e da localização.
A incidência clínica do hematoma extradural varia de 1 a 5%. A etiologia mais freqüente é
o acidente de trânsito, seguido pelas quedas e pelo trauma direto.
A fratura de crânio, diagnosticada por exames radiológicos, é encontrada numa incidência
de 85-90% dos HED.
Em 60% dos casos, ele ocorre associado à lesão cerebral mínima e sem perda de
consciência imediata após o trauma; em 20%, o paciente apresenta apenas discreta
alteração da consciência antes do desenvolvimento da compressão cerebral; finalmente, nos
20% restantes, o paciente apresenta inconsciência imediata após o trauma.
O efeito patológico do hematoma extradural é conseqüente à compressão cerebral
subjacente e, posteriormente, ao desenvolvimento de inchaço do hemisfério cerebral
comprometido e à compressão do tronco cerebral por hérnia.
b. Hematoma intradural. Os hematomas intradurais podem apresentar-se sob três formas:
hematoma subdural puro, hematoma intracerebral puro e explosão lobar. Esta última
consiste na combinação das duas formas anteriores, ou seja, presença de sangue no espaço
subdural, contusão da superfície do cérebro e hematoma intracerebral adjacente.
(1) Hematoma subdural (HSD) do adulto. A causa mais freqüente de HSD é a ruptura
traumática das veias pontes (veias corticomeníngeas) que atravessam o espaço subdural;
elas ligam a superfície superior dos hemisférios cerebrais ao seio sagital superior. Por este
motivo, a localização mais freqüente deste hematoma são as regiões parietal e frontal.
Entretanto, o HSD tende a cobrir todo o hemisfério cerebral, porque o sangue espalha-se
livremente pelo espaço subdural.
Do ponto de vista neurocirúrgico, o HSD é classificado como agudo, subagudo e crônico.
Na forma aguda ele é formado apenas por coágulos; na subaguda existe uma mistura de
coágulo e sangue líquido; e na crônica ocorre uma coleção líquida.
O HSD crônico pode ocorrer semanas ou meses após o traumatismo craniano. A sua
patogenia ainda não está devidamente esclarecida. Parece que o seu aumento de volume é
devido a pequenas hemorragias originadas de vasos da cápsula. É relativamente freqüente a
ocorrência de HSD bilateral.
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(2) Coleção subdural do lactente. Trata-se de coleção líquida pericerebral que, segundo o
aspecto do líquido, os autores chamam de hematoma (líquido sanguinolento), ou higroma
(líquido xantocrômico), ou hidroma (líquido claro, semelhante ao liquor). A tendência
atual, em vista da moderna concepção fisiopatológica, é a de se englobarem todas estas
entidades com o nome genérico de coleção subdural do lactente, pois as três denominações
anteriores representam, apenas, o aspecto evolutivo de um mesmo processo. Embora esta
patologia seja conhecida há bastante tempo (a primeira descrição foi feita por Thomas
Wilis, em 1668), apenas recentemente ocorreu significativo avanço para a compreensão de
sua fisiopatologia. O novo enfoque fisiopatológico alterou significativamente a conduta
terapêutica. As teorias clássicas (teoria osmótica, teoria das hemorragias repetidas e teoria
vascular), que se propunham a explicar o mecanismo de formação e manutenção das
coleções subdurais do lactente, foram abandonadas.
Admite-se atualmente que a coleção subdural, em virtude de ruptura de uma veia ponte,
acompanhe-se freqüentemente de perfuração aracnóide e alterações da dinâmica do LCR.
Estas alterações levariam ao desenvolvimento de uma hidrocefalia, sendo que o LCR
insuficientemente reabsorvido passa para o espaço subdural. A importância das
perturbações dinâmicas da circulação do LCR foi evidenciada durante as derivações
externas das coleções subdurais, que mostram que as características do líquido drenado se
aproximam progressivamente daquelas do LCR. Segundo Aicardi, as coleções subdurais do
lactente apresentam, no estágio inicial, as características do soro, mas, a partir do décimo
dia, ou um pouco mais tarde, elas se aproximam das características do LCR. As
constatações eletroforéticas sugerem que as alterações dinâmicas do LCR intervêm na
persistência da coleção subdural, e um dado adicional a esta hipótese é a presença freqüente
de uma dilatação ventricular evidenciada pela tomografia computadorizada. Assim, a
coleção é mantida pela passagem de liquor para o espaço subdural, através das perfurações
na aracnóide.
O quadro clínico consiste em vômito, anorexia, macrocefalia, tensão da fontanela e
hipotonia. Não sendo tratada precocemente, pode ocasionar o aparecimento de crises
convulsivas.
O diagnóstico é realizado por meio da tomografia computadorizada. Tendo em vista a
moderna concepção fisiopatológica, o objetivo do tratamento é drenar a coleção subdural
de forma progressiva e prolongada, devido à cronicidade e à tendência de a mesma se
reformar. Assim, o tratamento tradicional, por meio de punções subdurais repetidas,
drenagem através de trepanação e craniotomia com ressecção das membranas, foi
progressivamente abandonado, e atualmente a drenagem interna através de derivação
subduroperitoneal é o método terapêutico de escolha. Mais recentemente, a tomografia
computadorizada permitiu demonstrar a eficácia desta técnica terapêutica, através de
exames de controle que evidenciam progressiva redução da coleção subdural.
(3) Hematomas intracerebrais. Os hematomas intracerebrais puros, de origem traumática,
são aqueles que não estão em contato com a superfície do cérebro. São mais comuns nos
lobos frontal e temporal, podendo também ocorrer profundamente nos hemisférios
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cerebrais. Geralmente, eles são múltiplos. Sua patogenia ainda não foi estabelecida com
precisão.
(4) Explosão lobar. O termo explosão lobar descreve a coexistência de contusão cerebral,
sangue no espaço subdural, devido a hemorragia dos vasos corticais superficiais, e
hematoma no interior da substância branca, na profundidade da contusão. É devida à
aceleração-desaceleração e ao conseqüente movimento diferencial do encéfalo em relação
ao crânio. Ocorre tipicamente nos pólos frontal e temporal.
c. Hemorragia subaracnóidea. Graus variáveis de hemorragia subaracnóidea sempre
ocorrem nos TCE graves. Ela é conseqüente à lesão dos vasos no espaço subaracnóideo e à
contusão do córtex cerebral. Nos casos leves, ela não tem maior significação clínica. Nos
casos de acúmulo de sangue nas cisternas da base, pode ocorrer vasoespasmo cerebral com
piora do quadro clínico. O tratamento é clínico, devendo-se fazer um acompanhamento por
TC seriadas.
5. Lesão cerebral secundária à hipertensão intracraniana (HIC). Nas lesões expansivas
unilaterais, as estruturas da linha média são desviadas para o lado oposto. O septo
interventricular e o terceiro ventrículo são desviados, e o giro do cíngulo hernia sob a borda
livre da foice do cérebro (hérnia supracalosa ou subfalciforme ou do giro do cíngulo).
A hérnia tentorial apresenta-se sob duas formas mais importantes: a tentorial lateral ou
hérnia do uncus, e a central do tronco encefálico.
A hérnia tentorial lateral consiste na passagem parcial do uncus e da porção medial do giro
paraipocampal entre a borda da tenda e o mesencéfalo, que é comprimido no sentido lateral,
ocorrendo um alongamento no seu diâmetro ântero-posterior. Também poderá ocorrer uma
compressão do nervo oculomotor e da artéria cerebral posterior pelo cérebro herniado. Na
necropsia, também poderá ser evidenciado infarto do córtex occipital medial homolateral
conseqüente à oclusão da artéria cerebral posterior. O quadro clínico manifesta-se por: (1)
depressão do estado de consciência devida à possível desaferentação da porção superior do
SRAA; (2) hemiparesia contralateral, que pode progredir para rigidez em descerebração;
(3) midríase homolateral e paralisia dos músculos oculares extrínsecos inervados pelo
oculomotor. O infarto occipital não se manifesta clinicamente, pois o estado de consciência
do paciente não permite a avaliação do campo visual.
Na hérnia transtentorial central do tronco encefálico, ocorre um deslocamento para baixo de
todo o tronco encefálico. Foi demonstrada, durante este processo, a ocorrência de um
estiramento das artérias perfurantes do tronco encefálico provenientes da artéria basilar.
Isto acontece porque o tronco encefálico desloca-se para baixo, enquanto a artéria basilar
mantém-se relativamente fixa. Este estiramento produz isquemia e hemorragia. Quando a
compressão supratentorial continua agindo, o quadro de hérnia tentorial é seguido pela
hérnia das tonsilas cerebelares. Neste caso, as tonsilas passam através do forame magno,
obliterando a cisterna magna e comprimindo o bulbo. A conseqüência fisiopatológica é a
apnéia.
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6. Lesão axonal difusa (LAD). Strich (1956) definiu pela primeira vez, com precisão, a
degeneração difusa da substância branca cerebral em uma série de pacientes com demência
pós-traumática. Ela confirmou que a lesão da substância branca era determinada pela
ruptura das fibras nervosas (axônios) no momento da lesão. Os pacientes com quadro de
LAD apresentam inconsciência de duração variável no momento do trauma. Nos casos
graves, permanecem em coma profundo e estado vegetativo.
A LAD é a causa mais comum de estado vegetativo após TCE.
As anormalidades estruturais fundamentalmente encontradas nas formas graves de lesão
axonal difusa são: (1) lesão focal do corpo caloso; (2) lesão focal do quadrante dorsolateral
da face rostral do tronco cerebral, adjacente ao pedúnculo cerebelar superior; (3) lesão
difusa dos axônios. As duas primeiras podem ser identificadas macroscopicamente, desde
que o encéfalo tenha sido devidamente fixado antes dos cortes. A lesão difusa dos axônios
pode ser visualizada apenas através do exame microscópico. Nos casos de lesões menos
graves, pode ocorrer apenas uma ou duas das três alterações estruturais descritas.
7. Lesão cerebral hipóxica (LCH). Ela se apresenta fundamentalmente sob três formas: (1)
LCH nas zonas de transição de irrigação das grandes artérias cerebrais, principalmente
entre os territórios de irrigação da artéria cerebral anterior e da artéria cerebral média; (2)
LCH difusa do córtex de ambos os hemisférios cerebrais; (3) LCH nos territórios de
irrigação das artérias cerebrais anterior e média.
O mecanismo da LCH ainda não está devidamente elucidado, e são muitas as causas que
podem determinar uma redução da oxigenação geral e conseqüente LCH. Na série de
Graham, Adams e Doyle (1978), essa lesão ocorreu de forma significativamente mais
comum nos pacientes que apresentavam um quadro clínico de hipoxemia ou hipotensão.
Estas foram definidas como uma pressão sangüínea sistólica abaixo de 80 mmHg por, pelo
menos, 15 minutos ou uma PaO2 de 50 mmHg em algum momento após o trauma.
Entretanto, a evidência clínica de hipoxemia e hipotensão é sempre incompleta, porque é
geralmente desconhecido o que ocorreu antes de o paciente chegar ao hospital. A LCH foi
também mais comum nos encéfalos que apresentavam evidências patológicas de
hipertensão intracraniana (86%). A alta incidência de LCH nas áreas corticais de transição
arterial indica que a redução do FSC é também um fator importante.
8. Inchaço ou tumefação cerebral (IC). O IC congestivo (brain-swelling) é conseqüente ao
aumento do volume sangüíneo dos vasos cerebrais, devido a uma paralisia vasomotora
traumática. No paciente vítima de TCE, observam-se três tipos de IC: um adjacente a uma
contusão, um difuso de um hemisfério cerebral e outro difuso de ambos os hemisférios
cerebrais.
O IC da substância branca adjacente a uma contusão é de ocorrência comum. A área de
contusão é circundada por uma zona com alteração dos vasos e conseqüente aumento da
permeabilidade capilar e perda da regulação arteriolar normal.
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O IC de um hemisfério é observado mais freqüentemente em associação com um HSD
agudo homolateral; quando o hematoma é evacuado, ocorre uma expansão rápida do
cérebro, com ocupação do espaço criado pela sua retirada.
O IC de ambos os hemisférios ocorre principalmente em crianças e adolescentes.
9. TCE por agentes penetrantes. Resulta da penetração, no interior do crânio, de projéteis de
arma de fogo, resíduos secundários à explosão e armas brancas, sendo muito mais
importante a primeira, que é descrita a seguir.
O TCE por projétil de arma de fogo difere dos já relatados por ser sempre um TCE
chamado de aberto, com as complicações inerentes a este tipo de trauma, principalmente
em relação às infecções pós-operatórias, fístulas etc. Difere também na fisiopatologia, pois,
à medida que o projétil caminha no tecido cerebral, além de dilacerá-lo, dá origem a dois
fenômenos físicos imediatos: o primeiro é a chamada cavitação temporária, que pode ter
várias vezes o diâmetro do projétil, originando súbito aumento de pressão intracraniana; o
outro fenômeno é o da pressão de impacto, que origina ondas de elevada energia com alta
velocidade. Ao redor da cavidade final há um tecido contuso e lacerado que também
dependerá do calibre, pela hiperdistensão do tecido vizinho.
O quadro clínico é variável, sendo pior o caso do TCE por lesão transfixante.
O diagnóstico pode ser feito por meio dos raios X simples de crânio, mas o diagnóstico
definitivo é realizado pela TC.
O tratamento é sempre cirúrgico, por ser um TCE aberto, com intervenção precoce,
desbridamento da ferida, anti-sepsia rigorosa e plástica dural associada à antibioticoterapia.
Prognóstico: a maioria dos pacientes falece antes de alcançar um centro neurocirúrgico. A
mortalidade na fase aguda deve-se primordialmente à lesão encefálica grave. A transfixação
do projétil piora o prognóstico, em virtude de fenômenos hidrodinâmicos sobre a parede
ventricular, trauma cerebral etc.
10. Lesões a distância
a. Compressão da veia cava superior. Ocorre nos casos de esmagamentos torácicos, onde há
uma diminuição da drenagem venosa encefálica com aumento da pressão venosa
intracraniana, causando hemorragias, edema por anoxia e dificuldade de reabsorção
liquórica.
b. Embolia gordurosa. É conseqüente à fratura de ossos longos. Uma teoria que poderia
explicar este evento seria a da aspiração, através de vasos lesados, de gotículas de gordura
da medula óssea e dos tecidos vizinhos. Segundo outra teoria, a físico-química, seria um
distúrbio de emulsão da gordura do sangue, formando gotículas; isto ocorreria
independentemente das fraturas.
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Uma vez na circulação, os êmbolos gordurosos podem levar à obstrução no fluxo sangüíneo
pulmonar, causando uma hipertensão pulmonar seguida de hipoxia e hipotensão sistêmica.
A embolia gordurosa ocorre poucas horas após o acidente ou a manipulação cirúrgica; entre
24 e 72 horas, há reação inflamatória, piorando o quadro. Após a decomposição do êmbolo
gorduroso, surge inflamação nos capilares, com conseqüente congestão e hemorragia. O
pulmão é o órgão mais atingido, seguido pelo cérebro.
O quadro clínico é dado por alteração do estado de consciência, que pode chegar ao coma, e
pela presença de petéquias na conjuntiva (20% dos casos).
O tratamento consiste nos cuidados respiratórios (ventilação assistida por aparelhos
ciclados a volume) e corticosteróides.
IV. O Cuidado Imediato
A. Emergência. Quando nos defrontamos com pacientes com TCE grave, estamos diante de
uma das situações de maior emergência em medicina. As medidas iniciais de assistência a
este tipo de paciente subvertem as normas estabelecidas na assistência médica
convencional: a atuação da emergência precede qualquer tipo de procedimento
propedêutico. A responsabilidade da equipe médica é imensa diante de uma vida
gravemente ameaçada; aí não cabem vacilações, nem filigranas de raciocínio ou discussões
sobre condutas.
Os principais objetivos do tratamento são baseados no atendimento dos chamados
fenômenos primário e secundário do trauma cerebral: (1) antecipar e prevenir lesões
cerebrais adicionais resultantes de eventos anormais; (b) proporcionar ao paciente com
TCE as melhores condições de meio interno, para assegurar a recuperação completa das
células parcialmente lesadas.
Devem-se então verificar e controlar aquelas situações que representam risco imediato de
vida, resumidas em três condições: (1) obstáculo à ventilação e à expansibilidade pulmonar;
(2) sangramento abundante (externo ou interno); (3) tamponamento cardíaco ou outras
alterações hemodinâmicas graves.
Os cuidados respiratórios e hemodinâmicos foram discutidos no Cap. 6, Tratamento Inicial
do Politraumatizado. Deve ser lembrado que midríase e arreflexia não autorizam a
suspensão das medidas de ressuscitamento e que o TCE nunca é causa de hipovolemia ou
choque, devendo-se pensar sempre em hemorragia em outra área do organismo. Aí o TCE
não exclui a importância do problema abdominal ou torácico; se há hipovolemia, deve-se
corrigi-la para prevenir hipoxia, o que resultaria inexoravelmente em piora neurológica. Às
vezes, uma toracotomia ou laparotomia é necessária. Nesses pacientes com distúrbios do
estado de consciência, há dificuldade em se estabelecer um diagnóstico, porque eles não
respondem bem à dor, diminuindo significativamente a taxa de positividade à palpação.
B. Outros cuidados
1. Glicose hipertônica 40-80 ml, EV.
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2. Se, apesar da reposição volêmica, afastadas as causas respiratórias, persistir instabilidade
hemodinâmica, devem ser lembradas as seguintes situações: sangramento continuado,
tamponamento cardíaco, alterações metabólicas graves.
3. Colocação de sonda vesical de demora.
4. Colocação de sonda nasogástrica (para esvaziamento etc.).
5. Após o aparecimento de PA, pulso e fluxo urinário, se não melhorar o estado de
consciência, deve-se pensar em lesão cerebral grave; nesse caso, a avaliação neurológica
constante é imprescindível.
C. Considerações gerais
1. A remoção do paciente, mesmo para a sala de raios X, de observação ou bloco cirúrgico,
só pode ser feita após segurança absoluta de uma via aérea livre, evaziamento gástrico e
estabilidade hemodinâmica, para que sejam evitadas conseqüências drásticas.
2. O uso de drogas se resume àquelas de emprego comum em caso de reanimação
cardiorrespiratória e cerebral.
3. O tratamento de convulsões potenciais deve ser feito, inicialmente, por meio da injeção
de difenil-hidantoína (Hidantal® 50 mg/ml 3 ml EV a cada 12 horas). Caso não cesse a
crise, pode-se administrar a benzodiazepina (Diazepam® 10 mg EV) diluída, lentamente.
Tem o inconveniente de interferir no estado de consciência, prejudicando a observação.
4. Quanto ao problema da agitação, há uma tendência de atribuí-la ao TCE, mas este por si
só não leva à agitação. Se o paciente está inquieto, é prudente relacionar tal sinal à hipoxia
de origem respiratória ou hipovolêmica, ou à dor por fraturas múltiplas, distensão vesical,
ou à cefaléia por hematoma em evolução. Por isto, não se deve sedá-lo, e sim fazer o
tratamento da dor usando-se analgésicos comuns, até que a tomografia computadorizada
nos autorize uma sedação para não agravar a HIC, principalmente nos pacientes ventilados
mecanicamente.
5. O transporte para outro hospital deve ser feito em ambulância apropriadamente equipada,
dando ao médico que acompanha o paciente condições de prestar assistência adequada.
6. Com base no chamado politraumatizado em potencial, levando-se em consideração que
Gurdjian encontrou um índice de mortalidade de 7% em pacientes lúcidos à admissão, que
29,1% dos pacientes com TCE apresentaram fraturas, e por motivos legais, o paciente deve
ficar em observação hospitalar por um período variável de 6 a 24 horas, dependendo da
normalidade do exame, da idade do paciente etc. Estando normais as radiografias de crânio,
depois de decorrido o período de observação no hospital, o paciente pode ser encaminhado
à sua residência, onde a observação deve continuar até que se completem mais 24 horas, e
ser acordado de uma em uma hora; diante de qualquer anormalidade, o hospital deve ser
imediatamente procurado.
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D. Procedimentos contra-indicados nesta etapa do TCE
1. Punção lombar.
2. Transporte sem condições respiratórias, hemodinâmicas, com sinais de hemorragias ou
estômago cheio, mesmo para os raios X.
3. Hiperidratação e desidratação.
4. Uso de dilatadores pupilares.
5. Agasalhar excessivamente o paciente.
6. Administração de sedativos ou analgésicos potentes.
7. Manitol na suspeita de hematoma ou distúrbios hemodinâmicos.
V. Diagnóstico
A. Clínico. Cumpridas as medidas prioritárias contidas nos cuidados imediatos de
emergência, o exame neurológico e os procedimentos especiais constituem a etapa
seguinte.
No paciente alerta, o exame neurológico em nada difere do convencional.
O exame inicial de todo paciente com TCE grave deve satisfazer os seguintes objetivos: (1)
identificar todas as lesões do couro cabeludo e do crânio; (2) localizar o número, o tamanho
e a natureza dos traumatismos; (3) definir o mais rapidamente possível a presença de massa
ocupando espaço que requer tratamento cirúrgico antes de uma herniação; e (4) determinar
as funções intracranianas anormais, para guiar as operações apropriadas ou o tratamento
conservador.
A atenção é direcionada ao reconhecimento do dano intracraniano, se primário ou
secundário ao efeito compressor de um coágulo, ou decorrente de alterações
hemodinâmicas, respiratórias, hidroeletrolíticas etc. São importantes o tempo de
reconhecimento e o tratamento adequado, sendo grande a responsabilidade do médico em
fazer uma avaliação global em termos de anatomia patológica e fisiopatologia, para que os
distúrbios neurológicos permanentes sejam reduzidos ao mínimo.
A seguir, a sistematização do exame neurológico do paciente com distúrbios da
consciência:
1. Postura. Ao primeiro contato, às vezes mesmo antes de chegar à sala de emergência, já se
observa que a postura do paciente pode ser ativa ou passiva.
2. Estado mental
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a. Alerta. O paciente consciente tem conhecimento do que se passa com ele e no ambiente.
Tal consciência é dada pela interação das estruturas do tronco encefálico, representadas
pela substância reticular ativadora ascendente (SRAA) e pelas demais regiões do córtex
cerebral. A parte cognitiva é representada pelo conteúdo de consciência; o sistema de
despertar, pela SRAA.
No conteúdo, estudam-se: orientação quanto a dados pessoais, temporais e espaciais,
memórias recente e remota, atenção, estado psíquico (depressão, euforia, agitação, que
pode ser um sinal de coma iminente), colaboração com o examinador, capacidade de
julgamento, de cálculo, nonímia e comunicação (fala).
No sistema de despertar, analisa-se o paciente a partir do momento em que começa a
mostrar os primeiros sinais de alteração da vígilia.
b. Sonolência ou letargia. O paciente ainda apresenta diálogo, apesar de curto, voltando à
sonolência em seguida. Movimentação objetiva.
c. Torpor. O paciente não consegue dialogar; alguma movimentação espontânea objetiva
relacionada à defesa, às vezes com atitude de “deixe-me-em-paz” (Matzon).
d. Coma. Não apresenta diálogo, nem há movimentação espontânea objetiva, apenas reação
aos estímulos nociceptivos. Divide-se, quanto ao grau de profundidade, em: coma
superficial — reage aos estímulos de média intensidade; coma médio — reage aos
estímulos de grande intensidade; coma profundo — não reage aos estímulos dolorosos de
grande intensidade; às vezes o paciente tem movimentos vestigiais, sem propósitos, porém
os reflexos troncoencefálicos podem estar ativos; começam aí os distúrbios
neurovegetativos.
3. Estados especiais
a. Coma vigil. É o mutismo acinético (Cairns, 1941). O paciente parece acordado; não
responde ao comando, nem aos estímulos dolorosos, apropriadamente.
b. Locked-in sindrome (Plum e Posner). Resulta da interrupção das vias motoras na parte
anterior da ponte. Neste estado de mutismo tetraplégico, o paciente consegue comunicar-se
através de código, usando o piscar de olhos. Geralmente, há distúrbio respiratório devido a
problema motor, ou hipoxia, levando à inconsciência.
c. Torpor esquizofrênico catatônico
d. Trauma raquimedular. Às vezes, o paciente tetraplégico por um TRM pode passar por
coma profundo, devido à irresponsividade aos estímulos aplicados em regiões abaixo do
nível do forame magno.
e. Morte encefálica. É o estado em que se expressa uma completa falência de todas as
funções do encéfalo, inclusive do tronco encefálico, num paciente portador de uma doença
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estrutural ou metabólica conhecida de caráter indubitavelmente irreversível; devem ser
afastadas as possibilidades de intoxicação exógena recente, uso de depressores do SNC,
bloqueio neuromuscular e hipotermia primária; este quadro clínico deve persistir de
maneira invariável por mais de seis horas, e não se aplica a menores de 2 anos de idade. A
importância deste diagnóstico está ligada à possibilidade de um planejamento nas medidas
de suporte em UTI e inclusão num esquema de doação de órgãos, onde a morte mais uma
vez se engrandece em socorrer a vida.
4. Sinais respiratórios
a. Eupnéico. Este padrão não afasta a possibilidade de lesão neurológica.
b. Periódica de Cheyne-Stokes. Movimentos respiratórios alternados com apnéia; os ciclos
aumentam de amplitude até um máximo, e a partir daí decrescem até a apnéia. Ocorre nas
disfunções hemisféricas e diencefálicas bilaterais, correspondendo ao início de herniação
transtentorial ou lesão direta dos hemisférios.
c. Hiperpnéia neurogênica central. Denota acometimento do terço inferior do mesencéfalo e
da parte superior da ponte; pode ser provocada por hérnias transtentoriais ou por lesão
direta do tronco encefálico. Apresenta freqüência elevada; pode estar associada à
hipertonia, freqüentemente significando síndrome mesencefálica ou mesencéfalo-pontina
(hiperpnéia, hipertonia, midríase bilateral, hipertermia, hipertensão arterial, taquicardia,
sudorese). Tal síndrome deve ser combatida para não piorar a hipertensão intracraniana.
Após afastar uma causa metabólica e/ou estrutural, administra-se clorpromazina
(Amplictil® 5 mg/ml, 2-5 ml EV), até cessar a crise. Problemas metabólicos, como
hipoglicemia, podem desencadear este quadro; deve-se administrar glicose ao paciente. A
hiperpnéia central pode evoluir para apnéia sem significar piora central, e sim por
ressecamento de orofaringe, exaustão etc.
d. Respiração apnêustica. Acometimento dorsolateral do tegumento pontino. Aparece
raramente no trauma; é mais freqüente na hipoglicemia e na anoxia.
e. Respiração atáxica. Representa ruptura das inter-relações recíprocas das populações
neuronais inspiratórias e expiratórias do bulbo. É um padrão completamente irregular e
imprevisível de movimentos respiratórios. Pode ocorrer na compressão bulbar ou no estágio
de deterioração cefalocaudal do TCE grave.
f. Bradipnéia. Resulta de aumento rápido da pressão intracraniana, como na expansão de
hematomas.
g. Apnéia. Ocorre em grandes HIC, como hérnia transtentorial ou de amígdala cerebelar, ou
pela exaustão.
5. Sinais oculares
a. Reação pupilar. As fibras simpáticas com origem em regiões hipotalâmicas se dirigem
para o centro ciliospinal da medula cervicotorácica, atravessando o tronco encefálico. Do
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centro ciliospinal, elas seguem o trajeto geral das fibras simpáticas cervicais. As fibras
parassimpáticas originam-se, provavelmente, no hipotálamo, mas consegue-se traçá-las
com precisão apenas a partir do núcleo de Edinger-Westphal, no mesencéfalo, de onde se
projetam através do terceiro nervo para os gânglios ciliares. As alterações pupilares são de
extrema importância na semiologia dos TCE. Elas contribuem para o diagnóstico
diferencial entre os quadros metabólicos e os originados por lesões estruturais do sistema
nervoso, pois as vias neurais de controle pupilar são altamente resistentes a alterações
metabólicas. Devem ser pesquisados forma, reação à luz e reflexo ciliospinal, que é
constituído pela dilatação causada pela estimulação álgica da face e do pescoço. Nas lesões
hipotalâmicas ou na herniação central, aparece a síndrome de Horner central com miose
ipsilateral, fotorreatividade, semiptose, anidrose; nas lesões mesencefálicas, ocorre midríase
variável (hippus). Nas lesões mesencefálicas tegumentares ou nucleares, as pupilas são
semifixas, não reagem à luz e são irregulares. Nas lesões envolvendo fibras do terceiro
nervo, há completa paralisia ipsilateral da pupila e da motricidade extrínseca. A midríase
unilateral é sinal importantíssimo de hérnia transtentorial do uncus, podendo preceder
acometimento da consciência; ela sugere a existência de hematoma intracraniano, podendo
aparecer na compressão temporal. Tem alto valor localizatório, chegando a 79%
ipsilateralmente e 8% contralateralmente. Nas lesões pontinas, as pupilas são puntiformes,
devido à interrupção nas vias simpáticas.
b. Movimentos extra-oculares. No coma, os olhos permanecem fechados. A queda da
pálpebra não pode ser simulada pela histeria. Ausência unilateral de piscamento sugere
lesão do quinto ou sétimo nervo. Os desvios conjugados, estrabismos ou as paralisias
podem ser conseqüentes à lesão hemisférica ou do tronco; sua diferenciação depende do
exame da motricidade ocular, que, no paciente em coma, deve apoiar-se nas seguintes
manobras:
(1) Reflexo oculocefálico. A rotação súbita da cabeça determina, em caso de integridade do
tronco, posição ocular contrária ao movimento (r.o.c. horizontal). Já o r.o.c. vertical é
obtido pela flexão-extensão do pescoço.
(2) Reflexo oculovestibular. A irrigação labiríntica com água gelada acarreta o movimento
tônico em direção ao labirinto estimulado, quando há integridade do tronco (r.o.v.
horizontal). Esta manobra no paciente consciente leva a nistagmo; na lesão do tronco, há
paralisia desses movimentos nessas duas manobras. Para se obter o r.o.v. vertical, irrigamse os dois ouvidos ao mesmo tempo.
6. Sinais motores. Quando o paciente não apresenta movimentação espontânea, é preciso
imprimir-lhe um estímulo nociceptivo e observar a resposta. Ao se fazer isto, duas
situações podem ocorrer: o paciente reage ou não aos estímulos. Caso a reação seja
positiva, têm-se duas condições: reage de maneira apropriada ou de maneira inapropriada.
Reagindo apropriadamente, o paciente localiza os estímulos, tentando retirá-los, ou
simplesmente afasta-se num movimento de retirada. Reagindo de forma inapropriada, o
paciente pode apresentar reação em decorticação, onde há flexão dos membros superiores e
extensão dos inferiores; ou reação em descerebração, com extensão dos quatro membros e
pronação dos superiores. Tais reações podem ser uni ou bilaterais. A reação em
decorticação significa coma no nível diencefálico, e na descerebração, no nível
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mesencefálico. Esta reação acompanha-se freqüentemente de paralisia do terceiro nervo,
sinal de Babinski e dos outros sinais da síndrome mesencefálica. Quando o paciente não
reage, pode ser por coma profundo, TRM alto, alterações psíquicas, ou síndrome do
encarceramento.
7. Restante do exame neurológico
a. Fundoscopia.
b. Motricidade. Procuram-se dados relativos a tônus, trofismo, força muscular, reflexos
tendíneos, movimentos anormais.
c. Sensibilidade. Importante no paciente em coma, com risco de TRM.
d. Cabeça, pescoço e coluna. Inspeção, palpação e ausculta da cabeça, palpação da coluna e
dos vasos do pescoço. Pesquisa dos sinais meníngeos (rigidez de nuca, Lassègue,
Brudzinski).
8. Escala de coma de Glasgow-Liège (EGL). A mais consistente característica do dano
cerebral é a alteração da consciência. Em 1928, Symonds sugeriu que a duração da
inconsciência seria proporcional ao dano cerebral durante o TCE, o que foi confirmado
posteriormente. Repetidas medidas do estado de consciência formam a base da monitoração
do paciente com TCE. Alterações no grau de distúrbio de consciência são o melhor
indicador da função global do cérebro, seja na avaliação do tratamento, ou no
desenvolvimento de uma complicação intracraniana. A monitoração contínua para este
propósito depende largamente do pessoal de enfermagem e dos médicos, que se alternam
freqüentemente em regime de plantões. Por isso, há necessidade de um sistema consistente,
mesmo quando usado por diferentes observadores, podendo ficar registrado para estudo da
evolução.
Uma escala idealizada por Born e Hans, em 1982, em Liège, Bélgica, é abrangente, pois,
além dos três parâmetros (abertura ocular, resposta verbal e resposta motora) da Escala de
Coma de Glasgow (ECG), acrescenta-se um valor baseado no reflexo do tronco encefálico
mais rostral encontrado no indivíduo. Assim estabelecida, a Escala de Coma de GlasgowLiège (EGL) é preferida para avaliação dos pacientes com distúrbios graves da consciência
(Quadro 27-1), onde o nível pode ser quantificado de 3 a 20.
O reflexo oculocardíaco, último a desaparecer antes de ocorrer a morte encefálica, é
pesquisado aplicando-se uma pressão gradativa no globo ocular, havendo diminuição da
freqüência cardíaca.
B. Procedimentos especiais
1. Tomografia computadorizada do encéfalo (TC). No decurso da última década, a
neurotraumatologia tomou um outro rumo a partir do advento da tomografia
computadorizada; ela permite, juntamente com os outros meios de investigação — como o
registro da PIC, a medida dos débitos sangüíneos cerebrais, os estudos dos potenciais
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evocados e das dosagens enzimáticas —, melhor aproximação da fisiopatologia e dos
fatores de gravidade, representando uma verdadeira revolução em matéria de diagnóstico,
acompanhamento e prognóstico do TCE. Atualmente, não é possível uma abordagem
segura do paciente com TCE sem ter à disposição um tomógrafo computadorizado, que
deve funcionar dia e noite.
A TC permite avaliar as lesões traumáticas de maneira global, nas várias etapas do TCE:
a. Na fase aguda. A TC pode mostrar anormalidades nas seguintes condições: inchaço
cerebral difuso isolado (brain-swelling); lesões de cisalhamento da substância branca (lesão
axonal difusa); lesões encefálicas lobares focais; hemorragia subaracnóidea; hematoma
extra ou subdural; presença de ar intracraniano (pneumatocele); outras lesões da fossa
posterior; ferimentos craniocerebrais por projéteis de arma de fogo; lesões ósseas da base.
Os exames repetidos nesta fase poderão estudar o caráter evolutivo das lesões primárias e
secundárias, onde a evolução da imagem pode preceder o agravamento clínico,
principalmente nas situações em que a utilização de depressores do SNC impede uma
observação correta.
b. Na fase subaguda. Uma nova TC nesta fase pode evidenciar um hematoma subdural
subagudo, outras coleções, ou uma hidrocefalia, e, quando repetida em coronal, assim que
as condições permitirem, será a melhor incidência para um inventário completo de todo o
andar anterior da base do crânio.
c. Na fase crônica. A TC evidencia as seqüelas que persistirão, com base na intensidade das
alterações atróficas nesta fase, estabelecendo assim um prognóstico mais acurado.
2. Raios X de crânio. Ainda é habitual sua utilização para avaliação de uma fratura,
principalmente quando não é possível uma TC.
3. Arteriografia cerebral. Só se justifica na impossibilidade de se realizar uma TC, ou na
suspeita de uma anormalidade vascular pós-traumática, como um aneurisma ou uma fístula
arteriovenosa; mesmo assim, a técnica digitalizada é a preferida.
4. Monitoração da pressão intracraniana (PIC). Consiste na colocação de um cateter
intraventricular, subaracnóide ou epidural, sendo valiosa no diagnóstico, no
acompanhamento e no prognóstico da TCE. Os pacientes devem ser rotineiramente
seguidos por TC periódicas.
O problema de sua instituição está na exigência da colocação de um captor por um
neurocirurgião num bloco cirúrgico, e qualquer defeito técnico prejudicará a sua
confiabilidade. Além da possibilidade de infecção, a monitoração da PIC ainda sofre
interferência de algumas condições, como lesão da dura-máter, agitação etc., exigindo
freqüentes calibrações.
Protocolo de indicações para PIC: (a) ECG menor ou igual a 8, independente do achado
tomográfico; (b) pós-operatório de drenagem de contusões cerebrais, hematomas subdurais
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agudos, hemorragias intraparenquimatosas cerebrais; (c) pós-operatório de drenagem de
hematoma extradural agudo, se nas primeiras 24 horas não for observada melhora
neurológica do paciente; (d) ECG maior que 8 se: houver necessidade de anestesia para
tratamento de outras lesões do paciente; trauma sistêmico grave; trauma torácico com
necessidade de ventilação mecânica, principalmente em se tratando de ventilação mecânica
não-convencional; instabilidade hemodinâmica, com PA sistólica menor do que 90 mmHg
ou necessidade de droga vasoativa para manter PA.
5. Estudo dos potenciais evocados. É um método propedêutico valioso para o diagnóstico, a
avaliação prognóstica e a monitoração da evolução de pacientes em diversos tipos de lesões
traumáticas do sistema nervoso.
6. Dosagens bioquímicas. As taxas de determinadas substâncias que são liberadas no liquor
após um dano cerebral traumático refletem a importância das lesões, tendo assim um valor
prognóstico. A mais importante é a isoenzima BB creatinoquinase (CKBB), que é
específica do tecido cerebral, podendo ser considerada como um marcador enzimático
ideal.
7. Eletroencefalograma. Importante nas crises epilépticas, na observação durante certos
tratamentos com barbitúricos, no seguimento de comas prolongados e no diagnóstico da
morte encefálica.
8. Ressonância nuclear magnética (RNM). É o melhor exame para avaliação de
acometimentos como embolia gordurosa, lesões infratentoriais, evolução de hematomas
subdurais crônicos, osteomielites de crânio e das seqüelas; porém, na fase aguda, por
problemas técnicos, tornou-se quase impraticável na atualidade.
VI. Tratamento Clínico
A. Generalidades. Após a abordagem inicial e afastada uma cirurgia de urgência, passa-se à
observação contínua e ao tratamento clínico. Para isto, é necessária a internação numa
Unidade de Tratamento Intensivo (UTI); nenhuma estrutura fora desta Unidade é capaz de
assegurar uma sobrevida razoável desses pacientes. Isto é essencial, e só assim estaremos
alcançando os princípios fundamentais da abordagem do paciente com TCE grave:
proporcionar as melhores condições para assegurar a recuperação das células parcialmente
lesadas (fenômenos primários) e prevenir as lesões adicionais resultantes de eventos
anormais (fenômenos secundários).
Cotidianamente, médicos são levados a assumir pacientes fora do “universo confortável” de
um centro especializado; é preciso que eles decidam então, a partir unicamente de dados
clínicos, se há necessidade do encaminhamento a um centro neurocirúrgico, lembrando as
considerações quanto ao transporte medicalizado etc. nos cuidados imediatos referidos
anteriormente.
Aconselha-se ao médico, nesses casos, informar-se junto a um neurocirurgião de um Centro
Regional quanto a medidas suplementares, utilizando-se do telefone.
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A transferência para uma UTI tem como objetivos a prevenção, o reconhecimento e o
tratamento precoces das alterações clínicas e ainda a promoção das medidas de controle da
PIC, melhorando o prognóstico.
B. Cuidados médicos gerais
1. Observação neurológica contínua. Exame periódico do paciente, preenchimento da
escala de coma (ECG ou EGL) e descrição das alterações.
2. Cuidados respiratórios. Promovem-se aí as melhores condições para uma respiração
adequada, estudando-se as possíveis causas dos distúrbios representados pela hipoxia,
devido a problemas centrais, aspiração, pneumonia, pneumo ou hemotórax, embolia
pulmonar etc. As medidas vão desde a posição da cabeça (alguns autores advogam a
posição horizontal, pelo risco de a elevação da cabeça diminuir a Pressão de Perfusão
Cerebral [PPC]), vasodilatação e, conseqüentemente, uma onda de HIC, à colocação de
uma cânula orofaríngea e instalação de um cateter com oxigênio e, às vezes, instituição de
respiração artificial e hiperventilação, além de uso de anticoagulantes etc. A aspiração de
secreções deve ser feita com cuidado, devido ao risco de HIC. Neste caso, a fisioterapia
respiratória é imprescindível.
3. Função cardiovascular. Tratar toda alteração que possa repercurtir na hemodinâmica,
contribuindo para uma PPC inadequada.
A hipotensão arterial, por exemplo, produziria hiperemia cerebral com edema vasogênico,
enquanto uma hipotensão provocaria vasodilatação cerebral e ondas de HIC. Medidas
preventivas de tromboembolismo devem ser tomadas desde o primeiro dia, através de
mobilização, fisioterapia e enfaixamento dos membros inferiores, chegando ao uso de
anticoagulantes em alguns casos.
4. Equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico (EHAB). Tanto os processos fisiopatológicos
como as medidas terapêuticas podem levar a distúrbios do EHAB; logo, o seu controle
rigoroso é fundamental. Devem-se fazer regularmente o estudo dos gases arteriais e o
ionograma, uma vez ao dia.
Os distúrbios de osmolaridade podem provocar piora no quadro, às vezes simulando um
hematoma. Em adultos, mantém-se uma hidratação de 30 ml/kg/dia, acrescentando-se as
perdas através da solução fisiológica de 3:1, e solução glicosada isotônica. Acrescentar,
após o terceiro dia, K+.
A hiposmolaridade (Na+ ou secreção inapropriada do hormônio antidiurético) é
relativamente comum no TCE. O diagnóstico é feito pelo aumento do Na+ urinário acima
de 25 mEq/l/24 h. O tratamento consiste em restrição hídrica e administração de NaCl
hipertônico.
A hiperosmolaridade (Na+ elevado no plasma) ocorre se há restrição de água ou diabetes
insípido ou melito associado. O tratamento consiste na reposição hídrica de hora em hora, e
Pitressin, uma ampola IM, quando o volume urinário ultrapassar 200 ml/h, ou o Tanato de
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Pitressin, nos casos crônicos, de 3/3 dias, ou a associação de clorpropamida em doses
pequenas e/ou diuréticos tiazídicos (efeito paradoxal), ou a desmopressina (dDAVP).
5. Considerações hematológicas. Anemia ou coagulopatia é freqüente no paciente com TCE
grave, além de hemorragias em outro local do organismo. Estas alterações devem ser
tratadas prontamente, para que seja evitado o agravamento da situação.
6. Complicações gastrointestinais. Sabe-se que, devido às repostas neuroendócrinas
causadas pelo trauma, o paciente pode apresentar um estado catabólico, resultando em
rápida depleção metabólica de seus estoques de energia na forma de glicogênio e lipídios,
catabolizando mais de 2-3 g de proteínas por dia, daí uma hiperglicemia. Além disto, outras
complicações, como febre, infecção, postura anormal, agitação e crises convulsivas,
exacerbam estas alterações; isto, associado à imobilização que leva à proteólise muscular,
causará uma desnutrição no paciente.
Outro problema seria a possibilidade de hemorragia digestiva (úlcera de estresse), que às
vezes tem um diagnóstico difícil e está relacionada com a gravidade do TCE, sendo
encontrada principalmente naqueles com posturas anormais; a sua patogênese é associada a
lesões diencefálicas ou do tronco encefálico, causando estimulação vagal.
Um suporte nutricional adequado e precoce pode evitar tais complicações. Estudos nesse
sentido demonstram que a alimentação precoce e balanceada é uma arma para evitar e
resolver esses problemas, beneficiando os resultados dos pacientes, sem afetar os níveis de
PIC.
No segundo ou terceiro dia, deve-se reiniciar a alimentação. A mais simples, prática e
barata é a enteral, mas, se o paciente apresenta um obstáculo ao trato gastrointestinal, há
indicação para a alimentação parenteral, até que as condições permitam o início da enteral.
Cuidados têm de ser observados para que seja evitada uma hiperglicemia. No caso de
profilaxia de hemorragia digestiva, além de alimentação precoce, inicia-se cimetidina 300
mg a cada 8 horas EV.
Outro cuidado diz respeito ao funcionamento intestinal, sendo às vezes necessário o uso de
laxantes e/ou lavagem intestinal.
7. Epilepsia. A difenil-hidantoína é a droga de escolha, por não interferir no estado de
consciência. Devem-se manter 100 mg a cada oito horas pela SNG, e, se a epilepsia
persistir, devem-se utilizar outras drogas: diazepam, no status epilepticus, até cessar a crise,
e fenobarbital, no tratamento e na prevenção de novas crises. A convulsão é principalmente
comum nas primeiras horas que sucedem o TCE e deve ser tratada rigorosamente, para que
seja evitada piora da HIC. A profilaxia só deve ser efetuada em casos de alto risco, como
exteriorização de massa encefálica e esmagamento. (Ver Cap. 59, Crise Convulsiva.)
8. Infecção. Pacientes com TCE grave apresentam muitos aspectos relativos à resposta póstraumática à fase aguda, representados por uma síntese aumentada de proteína C reativa e
diminuída de albumina, leucocitose, febre, balanço negativo de nitrogênio e níveis minerais
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alterados (Cu, Fe, Zn), e isto constitui mais um fator de risco, principalmente quando se lhe
acrescenta uma infecção em qualquer outro local.
O TCE proporciona possibilidades de infecção, tanto no SNC como em qualquer outro
local do organismo.
No SNC, quando há penetração de microrganismos por uma lesão de continuidade
meníngea, como no trauma de base, principalmente anterior, ou por projéteis de arma de
fogo, ou ainda por outras fraturas compostas, não há motivo para antibioticoterapia
profilática, exceto em situações muito especiais. Embora o uso de antibióticos seja guiado
pelas culturas, sabe-se que, nas fraturas de base anterior, em 72% dos casos a infecção é
causada por pneumococos, sensíveis à associação de penicilina cristalina (2 milhões de
unidades/2 h) + oxacilina (12-16 g/dia); na infecção por estafilococos ou gram-negativos,
comuns nas feridas de couro cabeludo infectadas, a utilização de oxacilina (12-16 g/dia) +
cefotaxima (12 g/dia) é o esquema preferido.
Já nos abscessos cerebrais, geralmente devidos a Staphylococcus aureus ou gram-negativos
aeróbios ou anaeróbios, a associação de penicilina cristalina (300.000 U/kg/dia) ao
cloranfenicol (100 mg/kg/dia) constitui o esquema de primeira linha; outros autores
sugerem o metronidazol (7,5 mg/kg a cada 8 h) associado à cefotaxima (12 g/dia) e
penicilina cristalina (2 milhões de unidades/2 h). Um acompanhamento pela TC dará a idéia
da evolução do quadro, havendo, em alguns casos, indicação cirúrgica para a retirada do
pus. Os antibióticos devem ser mantidos até duas semanas após a resolução tomográfica.
Infecções em outro local do organismo (pneumonia, infecção urinária etc.) devem ser
tratadas de maneira bastante eficaz, para que sejam evitadas complicações adicionais.
9. Pele, músculos e estruturas osteoarticulares. Devem-se proteger essas estruturas a partir
da mudança sistemática de decúbito e pela fisioterapia, que veio modificar
significativamente o prognóstico do TCE grave.
C. Medidas de controle da PIC
1. Generalidades. A HIC é comum no TCE grave, e as medidas de controle da PIC são
essencialmente clínicas. Na PIC com valores entre 20 e 40 mmHg, embora ela já seja
associada a um pobre prognóstico, pelo comprometimento da microcirculação, um
tratamento precoce e agressivo pode impedir um descontrole maior. Por não se saber qual
seria o limite de um nível seguro, qualquer aumento da PIC deve ser controlado. Embora
discutível, a sua monitoração auxilia a observação do paciente, conduzindo o tratamento e
predizendo o prognóstico. Acima de 50 mmHg praticamente não há perfusão cerebral.
2. Abordagem da HIC
a. Medidas iniciais. Elas começam na observância dos cuidados médicos gerais. Quando,
mesmo assim, persistem sinais de HIC, medidas agressivas tornam-se necessárias.
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b. Hiperventilação (HV). A HV forma a base do tratamento da HIC, reduzindo a PIC rápida
e significativamente pela vasoconstrição cerebral, reduzindo o volume sangüíneo cerebral e
levando, assim, a uma diminuição da PIC. A PaCO2 é usualmente reduzida a 25-30 mmHg,
devendo uma redução maior ser evitada, por induzir vasoconstrição suficiente para causar
isquemia cerebral.
O fato de as anormalidades respiratórias serem habituais no TCE grave e a hipoxia e a
hipercapnia serem altamente lesivas ao encéfalo não faz questionar nem mesmo submeterse à discussão a necessidade de se aplicar uma ventilação sempre que as determinações
tenham demonstrado a presença de anormalidades resistentes a outras medidas.
Desta maneira, é melhor intubar e ventilar todos os pacientes inconscientes, em vez de
esperar pelo desenvolvimento das anormalidades enquanto se aguarda a constatação da
necessidade de instituição de uma HV. Estudos têm confirmado os resultados negativos do
uso profilático da HV aleatória; só uma HV cuidadosamente balanceada pode ser um
instrumento de poder no tratamento da HIC. Antes de ser indicada uma HV, deve-se estar
consciente dos limites das anormalidades que possam ser tolerados sem a necessidade de
recorrer-se à ventilação controlada.
As vantagens de uma HV estão no controle e na limpeza mais segura das vias aéreas, na
facilidade da regulação da concentração de O2, no alívio do esforço respiratório, na
redução da atividade motora anormal e no risco de convulsão por estar o paciente sedado,
corrigindo-se e impedindo-se a hipoxia e a hipercapnia, melhorando a distribuição do FSC
e corrigindo-se a acidose cerebral e do LCR, diminuindo assim a HIC.
Antes de ser aplicado o sistema de HV, é preciso conhecer as suas desvantagens. Ele
interfere com a avaliação do paciente; as falhas técnicas no controle de HV são freqüentes,
havendo o risco de isquemia, devido à vasoconstrição maior e ao possível aumento dos
níveis de lactato, com aumento das anormalidades; esgotando o surfactante tensioativo
pulmonar, ele favorece o colapso alveolar, causando atelectasias, diminuindo a
complacência pulmonar; aumenta o espaço morto respiratório, além das complicações
relacionadas à intubação/traqueostomia e ao grande risco de infecção pulmonar,
contribuindo negativamente para o prognóstico; os cuidados de assepsia devem ser
comparáveis àqueles instituídos aos pacientes imunodeprimidos. A HV apresenta ainda
efeitos adversos sobre a função cardiovascular, diminuindo o volume-minuto cardíaco.
Antes de ser iniciada uma HV, é preciso saber se o paciente se encontra em uma ou mais
das seguintes condições: (a) alta de PaCO2 durante respiração espontânea mesmo com vias
aéreas livres; (b) baixa de O2 arterial; (c) lesões associadas que impedem a respiração
adequada sem possibilidade de exaustão; (d) inchaço cerebral (brain-swelling).
c. Drenagem de LCR. Quando a HIC não responde à HV e se tem em mãos uma
ventriculostomia, pode-se fazê-la drenando uma certa quantidade de liquor; o problema
torna-se difícil na ausência de ventriculostomia, pela dificuldade técnica da punção
ventricular em paciente com HIC, e uma drenagem excessiva deve ser evitada, para impedir
colabamento ventricular.
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d. Manitol. Tem a função de estabelecer um gradiente osmótico entre o plasma e o
encéfalo, retirando água intersticial para a circulação através de uma barreira
hematoencefálica (BHE) intacta. Alguns estudos indicam que ele pode influenciar a PIC,
aumentando transitoriamente o fluxo sangüíneo cerebral (FSC), expandindo o volume
plasmático e reduzindo a viscosidade do sangue; desta maneira, induz a vasoconstrição,
reduzindo o volume sangüíneo intracraniano.
A resposta ao manitol é rápida (30-60 min), e o efeito dura no máximo seis horas, o que, de
certa forma, é um inconveniente, pois, dissipando-se o gradiente osmótico, há aumento da
osmolaridade intracelular, e o cérebro se adapta à hiperosmolaridade plasmática, sendo que,
para se conseguir uma diminuição da PIC, quantidades cada vez maiores de manitol são
requeridas para aumentar a osmolaridade plasmática, o que pode acarretar graves efeitos
secundários (grande acidose sistêmica e insuficiência renal). A osmolaridade deve ser bem
acompanhada (310 a 320 moles/l).
Os efeitos do manitol dependem da presença de uma BHE intacta, e a água eliminada pode
proceder principalmente das partes relativamente normais do encéfalo, o qual faz com que
o manitol extravasado na área edematosa só possa aumentar o edema.
Pelo exposto, o uso contínuo de doses repetidas de manitol não tem muita utilidade. No
entanto, uma ou duas injeções (bolo) podem ser úteis, especialmente com o objetivo de se
ganhar tempo para a investigação e para o tratamento definitivo (p. ex., evacuação de um
hematoma), ou para minimizar os riscos de uma HIC durante procedimentos como
intubação.
A dosagem mais aceita é a de 1,0 g/kg, em questão de 10-15 min. Deve-se vigiar a
osmolaridade sérica para evitar níveis superiores a 320 moles/l. Durante a utilização de
manitol, deve ser feito rigoroso controle do EHAB.
e. Barbitúrico. Esta é uma opção terapêutica que pode ser usada em um pequeno grupo
selecionado de pacientes com inchaço cerebral pós-traumático e vasoplegia imediata, com
HIC refratária a todas e quaisquer outras medidas usuais, inclusive HV e manitol. Parece
ser útil a redução da HIC no dano cerebral anóxico, ao atuar sobre o tônus vasomotor
cerebral, levando a uma vasoconstrição com estabilização da PPC, redução do metabolismo
neuronal e proteção à microcirculação, ao reduzir a peroxidação de ácidos graxos livres. A
monitoração deve ser a mais completa possível, devido aos grandes riscos de instabilidade,
principalmente hemodinâmica, pela hipotensão arterial que o coma barbitúrico pode causar;
a TC periódica é imprescindível. A dosagem de Tiopental sódico é de 5 a 10 mg/kg como
dose inicial em 30 min, e depois 1 mg/kg/hora. O paciente em coma barbitúrico está
predisposto a todos os riscos da HV.
f. Outros agentes. Outras drogas podem ser usadas na intenção de diminuir a PIC, como a
furosemida, que tem o efeito de potencializar a ação do manitol, e o propofol que, na dose
de 3 mg/kg/h, leva a uma sedação satisfatória sem prejuízo importante da PPC e que tem
como vantagem a possibilidade de o exame neurológico ser obtido 14 minutos após
suspensão da perfusão.
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VII. Tratamento Cirúrgico
A. Fratura do crânio e TCE por agentes penetrantes. Discutidos anteriormente (ver III.B.2 e
III.B.9).
B. Hematoma intracraniano e explosão lobar. A craniectomia ou craniotomia estaria
indicada para o HED, enquanto a craniotomia está indicada para a explosão lobar e o HSD,
com exceção do HSD crônico, onde a trepanação seria o melhor método; detalhes quanto a
preparo, técnica e pós-operatório fogem ao objetivo deste capítulo.
A indicação cirúrgica depende do volume e da localização da lesão; ela será tanto mais
precisa e imediata quanto maior e mais próxima a lesão estiver da região temporal. Aqueles
pacientes que não preenchem os critérios de indicação operatória devem ser admitidos num
protocolo para observação acurada da evolução clínica (EGL, PIC) e imagenológica (TC),
enquanto o tratamento clínico é instituído; diante de qualquer piora, nova discussão deve
ser feita para reenquadramento da conduta.
Num paciente portador de massa ocupando espaço intracraniano com indicação de cirurgia,
a intervenção é imperativa antes que essa massa cause um dano encefálico secundário
irreversível, devido a uma herniação tentorial; para indicação precisa, utiliza-se:
1. Informação clínica
a. Piora progressiva do estado de consciência.
b. Deterioração cefalocaudal através de sinais neurológicos focais.
c. Aumento da PIC.
2. Informação radiológica (TC)
a. Massa extra ou intraparenquimatosa com desvio importante (+ de 4 mm), mesmo sem
evidência de coágulo.
b. Massa extra ou intraparenquimatosa bilateral, levando a uma diminuição do tamanho dos
ventrículos.
VIII. Complicações e Seqüelas.
As complicações do TCE são ligadas às seguintes situações:
A. Complicações referentes ao traumatismo de base de crânio
1. Infecciosas: meningites, abscessos cerebrais.
2. Síndrome de HIC causada pela pneumatocele.
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3. Fístula carotidocavernosa: comunicação entre a carótida e o seio cavernoso, devido à
fratura do esfenóide; determina exoftalmo pulsátil, congestão ocular, paralisias de III, IV e
VI nervos cranianos, frêmito e sopro periorbitário. Pode levar à amaurose, em virtude da
estase papilar prolongada (atrofia óptica), e úlcera de córnea. O tratamento é cirúrgico.
4. Lesões oftalmológicas, ORL e endócrinas.
B. Hidrocéfalo pós-traumático
1. Hidrocéfalo agudo obstrutivo associado ao trauma pode resultar de desvios cerebrais que
causam obstruções do aqueduto cerebral (de Sylvius) e das cisternas subaracnóides ou de
uma massa na fossa posterior que obstrui o quarto ventrículo. Hemorragia subaracnóidea ou
intraventricular pode causar um bloqueio agudo do fluxo do líquido cefalorraquidiano.
Nesta circunstância, pode haver necessidade de uma derivação ventriculoperitoneal (DVP),
ou drenagem ventricular externa (DVE).
2. Hidrocéfalo comunicante é mais comum e se manifesta no final do primeiro mês,
secundariamente à atrofia cerebral (hidrocéfalo ex-vácuo). Aí não há indicação de DVP.
C. Síndrome pós-traumática. Rica em sintomatologia, consiste principalmente em
problemas relacionados com o estado psíquico; tal sintomatologia melhora com o uso de
ansiolíticos, antidepressivos e psicoterapia. Apenas 18 meses após o trauma poderemos
saber se o problema é definitivo ou não. A maioria melhora antes deste prazo.
D. Seqüelas. Resultam de lesões dos nervos cranianos por fratura de base, ou do próprio
encéfalo: anosmia, paralisia facial, estrabismos, amaurose, labirintopatia, lesões do
trigêmeo, hemiparesias, tetraplegias espásticas, afasias, déficits psicológicos, distúrbios
comportamentais.
IX. Prognóstico.
Este é um tema muito importante, tanto para guiar o tratamento como para dar sustentação
às palavras de esperança ou resignação à família do paciente.
O prognóstico do paciente com TCE tem melhorado muito na última década, e isto é
atribuído ao conhecimento mais aprofundado da fisiopatologia e da anatomia patológica.
O advento da TC, a concepção da importância do tratamento desses pacientes numa UTI e a
utilização da fisioterapia (geral e respiratória) vieram de fato revolucionar a
neurotraumatologia.
Outros fatores que contribuíram para a melhor apreciação do prognóstico, e para com isto
orientar um tratamento mais adequado, foram a medida contínua da PIC, o estudo dos
potenciais evocados, as medidas do FSC e as dosagens enzimáticas.
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Tudo isto veio proporcionar uma observação e um tratamento mais adaptados das
anormalidades, prevenindo ou limitando a extensão das lesões secundárias.
A idade é o fator prognóstico independente que mais afeta os resultados. De fato, as
estatísticas mostram que a idade de 9-21 anos ocupa a faixa etária de melhor prognóstico,
enquanto o TCE no idoso é um evento bastante sombrio.
O exame neurológico à admissão vem em seguida na predição do futuro. Sabe-se que,
quanto mais elevado é o índice na ECG (ou na Escala de Coma de Glasgow-Liège), melhor
é o resultado.
A partir daí, a evolução do paciente nos dá a confiança de um prognóstico mais acurado,
pois as primeiras fases da situação são dinâmicas; aparecem novos fatores de hora em hora,
ou a cada dia que passa.
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Capítulo 28 - Traumatismo Cranioencefálico na Criança
Sebastião N. S. Gusmão
Márcio Melo Franco
Denise Marques de Assis
I. Introdução.
O estudo do traumatismo cranioencefálico (TCE) na criança apresenta a mesma
importância já referida em relação ao adulto, salientando-se a grande incidência do TCE
leve, devido às freqüentes quedas de pequena altura a que as crianças estão sujeitas. O TCE
em crianças, especialmente nos lactentes, apresenta características diferentes das
observadas no adulto. Estas diferenças são devidas à maior flexibilidade do crânio das
crianças, pela fusão incompleta dos ossos, às diferentes reações do encéfalo ao traumatismo
e, especialmente, à maior plasticidade do sistema nervoso da criança, que permite maior
recuperação da função cerebral em relação ao adulto.
Descrevem-se a seguir as lesões mais freqüentes, partindo-se da superfície para a
profundidade, procurando apenas salientar as particularidades observadas nesses pacientes.
II. Lesões do Couro Cabeludo
A. Contusão. É freqüente nas crianças, devido ao TCE leve. Como no adulto, o tratamento
é sintomático.
B. Laceração. É também bastante freqüente e apresenta como maiores complicações a
hemorragia e a infecção. O tratamento consiste na limpeza cuidadosa e sutura da ferida,
após retirada de corpos estranhos e desbridamentos dos tecidos contundidos.
C. Avulsão do couro cabeludo. É tratada com o emprego de retalhos da vizinhança, quando
se trata de avulsão parcial, e com enxertos de pele na avulsão total do couro cabeludo
(escalpo).
D. Hematoma subgaleal. Ocorre devido ao sangramento do tecido aureolar frouxo que
existe entre a gálea (tendão plano entre os dois corpos do músculo occipitofrontal) e o
pericrânio (periósteo dos ossos do crânio), por onde passam as veias emissárias e as
pequenas artérias que penetram no crânio. É um sangramento que não respeita suturas, o
que o difere do cefaloematoma propriamente dito.
E. Cefaloematoma subperiostal. Trata-se de uma coleção sangüínea entre o periósteo e a
calota craniana, geralmente associada a uma fratura. O cefaloematoma do lactente pode
simular, à palpação, um afundamento ósseo, devido ao fato de ser a área depressível em
relação à maior resistência nas bordas do hematoma. É comum sua calcificação.
O tratamento do cefaloematoma é conservador, e, uma vez presente, devem ser realizadas
radiografias para o diagnóstico de fratura e afundamento ósseo. Dependendo do grau de
deformidade, o tratamento pode ser cirúrgico.
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III. Lesões Ósseas
A. Fratura linear. A fratura linear da convexidade está geralmente associada ao
cefaloematoma e, nos lactentes, tem a tendência de atravessar um dos ossos da calota, indo
de uma sutura à outra.
Nas crianças, são comuns as disjunções traumáticas das suturas e a separação progressiva
das bordas da fratura, que pode estar na origem dos cistos leptomeníngeos (fraturas
diastáticas).
A maioria das fraturas lineares da criança não é acompanhada por lesão do encéfalo, sendo
necessária apenas observação clínica, principalmente quando a fratura cruza o trajeto da
artéria meníngea média ou dos seios durais, em virtude da possibilidade do
desenvolvimento de hematoma extradural.
O diagnóstico clínico é bem característico: o hematoma sobre a fratura é muito doloroso —
sinal patognomônico —, pois o periósteo é muito inervado e sua distensão provoca dor.
B. Afundamento. Define-se como afundamento a fratura cujas bordas estejam em desnível
de, pelo menos, a espessura da tábua óssea. Geralmente ele não está associado a graves
lesões cerebrais, porque a própria fratura absorve a energia do trauma.
O diagnóstico é feito a partir de raios X simples e palpação do crânio. Complementa-se a
extensão do afundamento pela tomografia computadorizada cerebral.
O afundamento “em bola de pingue-pongue” ocorre em crianças com menos de 2 anos,
sendo devido a traumatismo craniano no lactente, ou à compressão da cabeça fetal contra o
promontório do sacro materno, ou pelo fórceps. Grande parte dos autores indica o
tratamento cirúrgico, que consiste em incisão próxima ao limite da lesão, trepanação e
levantamento ósseo com um descolador da dura-máter, até que seja desfeito o desnível.
Hoje, a tendência é ser mais conservador. Tais fraturas têm resolução espontânea em cerca
de três meses. A posteriori, a correção cirúrgica passa a ser estética, pois este tipo de
afundamento não se acompanha de lesão cerebral.
IV. Lesões Meníngeas
A. Fístula liquórica. É ocasionada por fraturas frontobasais (fístula nasal) e do osso
temporal (otoliquorréia), acompanhadas por lesões da dura-máter e aracnóide.
O quadro clínico é dominado pela perda liquórica (rinoliquorréia ou otoliquorréia) e
cefaléia por hipotensão intracraniana.
O tratamento pode ser: (a) clínico: repouso em posição semi-sentada, antibioticoterapia
profilática (questionada por alguns autores) e punções lombares diárias; derivação lombar
externa por 48 horas; ou (b) cirúrgico: abordagem direta através de craniotomia bifrontal.
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B. Cisto leptomeníngeo. Consiste em uma coleção líquida entre a pia-máter e a aracnóide,
sendo uma complicação das fraturas diastáticas (fraturas que aumentam). Ocorre nas
crianças com menos de 6 anos.
Os fatores fundamentais desta entidade são a fratura com lesão da dura-máter e a
conseqüente formação de um cisto de aracnóide, para onde é drenado o líquido
cefalorraquidiano.
Ao exame físico, observa-se tumoração cística sob o couro cabeludo.
O diagnóstico é feito por radiografia simples e tomografia computadorizada.
O tratamento é cirúrgico: consiste na abertura do cisto e na correção das falhas dural e
óssea.
V. Lesões Intracranianas
A. Contusão cerebral. É a entidade anatomopatológica mais freqüente entre as decorrentes
do TCE, incluindo-se sob este título a concussão cerebral, a contusão cerebral propriamente
dita e a laceração cerebral.
A concussão cerebral é caracterizada por distúrbio temporário da função cerebral, de
instalação súbita, ocorrendo após o traumatismo craniano, não havendo lesão estrutural do
sistema nervoso. Esta é a entidade mais freqüentemente observada na criança, a qual
normalmente denominamos TCE leve. Ela pode estar associada a uma lesão do couro
cabeludo (contusão, laceração e cefaloematoma) e à fratura linear. A presença de vômitos é
particularmente freqüente nas crianças, observada mesmo nos traumatismos mínimos. Estes
não apresentam gravidade e geralmente estão associados a trauma labiríntico. Essas
crianças devem ser observadas. Como não é prático nem possível internar todas as crianças
com TCE leve, deve-se realizar observação domiciliar, desde que não existam sinais que
indiquem potencial para agravamento. Explicam-se aos familiares as possíveis
complicações e solicita-se que a criança seja despertada a períodos regulares, a cada três
horas, nas primeiras 24 horas após o traumatismo.
A contusão cerebral propriamente dita é definida como um distúrbio da função cerebral
associado à alteração estrutural do tecido encefálico. Quando ocorre a perda de
continuidade do tecido cerebral, a lesão é classificada como laceração cerebral, que pode
ser considerada como uma contusão cerebral em grau máximo. Estas duas entidades
anatomopatológicas estão, geralmente, associadas ao que classificamos como TCE grave e
que requer cuidados semelhantes aos tomados com os adultos. Os pacientes portadores
destas duas entidades são submetidos à radiografia de crânio e à tomografia cerebral
computadorizada.
B. Hematoma extradural. É mais raro do que no adulto, pela maior elasticidade dos vasos
na criança e ausência do sulco ósseo, que aloja a artéria meníngea média, tornando-a,
portanto, menos suscetível a lesões. Assim, o hematoma extradural na criança é geralmente
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ocasionado por sangramento venoso. Por este motivo, e também pelo fato de a dura-máter
estar aderida à calota, o quadro clínico pode ser mais crônico do que o observado no adulto.
O diagnóstico e o tratamento seguem as mesmas normas aplicadas no adulto.
C. Hematoma da fossa posterior. É raro nos TCE em geral, mas a maior parte dos
hematomas da fossa posterior foi observada em crianças.
São, em geral, extra e subdural. O diagnóstico é obtido a partir da tomografia
computadorizada. O tratamento cirúrgico consiste em craniectomia occipital; quando há
hidrocefalia aguda associada, instala-se uma derivação ventricular externa.
D. Hematoma subdural agudo. É raro na criança, acompanhando geralmente as grandes
contusões cerebrais. O tratamento, como no adulto, consiste em ampla craniotomia
descompressiva.
E. Coleção subdural do lactente. Trata-se de coleção líquida pericerebral que, segundo o
aspecto do líquido, os autores chamam de hematoma (líquido sanguinolento), ou higroma
(líquido xantocrômico), ou hidroma (líquido claro, semelhante ao liquor).
A tendência atual, em vista da moderna concepção fisiopatológica, é de se englobarem
todas as entidades com o nome genérico de coleção subdural do lactente, pois as três
denominações anteriores representavam, apenas, o aspecto evolutivo de um mesmo
processo. Embora esta patologia seja conhecida há bastante tempo — a primeira descrição
foi feita por Thomas Willis, em 1668 —, só recentemente ocorreu significativo avanço para
a compreensão de sua fisiopatologia. O novo enfoque fisiopatológico alterou
significativamente a conduta terapêutica.
As teorias clássicas (teoria osmótica, teoria das hemorragias repetidas e teoria vascular),
que se propunham a explicar o mecanismo de formação e manutenção das coleções
subdurais do lactente, foram abandonadas.
Admite-se atualmente que a coleção subdural, em virtude de ruptura de uma veia ponte,
acompanhe-se freqüentemente de perfuração aracnóidea e alterações da dinâmica do LCR.
Estas alterações levariam ao desenvolvimento de uma hidrocefalia, sendo que o LCR
insuficientemente reabsorvido passa para o espaço subdural. A importância das
perturbações dinâmicas da circulação do LCR foi evidenciada durante as derivações
externas das coleções subdurais, que mostraram que as características do líquido drenado se
aproximam progressivamente daquelas do LCR. Segundo Aicardi, as coleções subdurais do
lactente apresentam, no estágio inicial, as características do soro, mas a partir do décimo
dia, ou um pouco mais tarde, elas se aproximam das características do LCR. As
constatações eletroforéticas sugerem que as alterações dinâmicas do LCR intervêm na
persistência da coleção subdural, e um fato adicional a esta hipótese é a presença freqüente
de uma dilatação ventricular evidenciada pela tomografia computadorizada. Assim, a
coleção é mantida pela passagem de liquor para o espaço subdural, através das perfurações
na aracnóide.
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O quadro clínico compreende vômitos, anorexia, macrocefalia, tensão da fontanela e
hipotonia. Não sendo tratada precocemente, a coleção subdural do lactente pode ocasionar
o surgimento de crises convulsivas.
O diagnóstico é realizado por meio da tomografia computadorizada.
Tendo em vista a moderna concepção fisiopatológica, o objetivo do tratamento é drenar a
coleção subdural de forma progressiva e prolongada, devido à cronicidade e à tendência de
ela se reformar. Assim, o tratamento tradicional, por meio de punções subdurais repetidas,
drenagem através de trepanação e craniotomia com ressecção das membranas, foi
progressivamente abandonado e, atualmente, a drenagem interna através da derivação
subduroperitoneal tornou-se o método terapêutico de escolha. A tomografia
computadorizada vem demonstrando a eficácia desta técnica terapêutica a partir de exames
de controle que evidenciaram progressiva redução da coleção subdural.
F. Lesão Axonal Difusa (LAD). Esta importante entidade clínica é cada vez mais
diagnosticada, graças à facilidade de se realizar uma tomografia computadorizada cerebral
nos serviços de pronto-socorro.
Trata-se de uma lesão cerebral proveniente do mecanismo de aceleração-desaceleração, tão
comum nos acidentes automobilísticos. Por definição: perda da consciência imediata ao
trauma, seguida de coma por não menos de seis horas e recuperação variável após. Pode ser
graduada em: (a) LAD leve — coma de 6 a 24 horas; (b) LAD moderada — coma
traumático com mais de 24 horas, sem sinais de disfunção do tronco cerebral; (c) LAD
grave — coma com mais de 24 horas, mas com sinais de comprometimento de tronco
cerebral.
O diagnóstico é baseado na clínica, e a tomografia computadorizada de crânio é
fundamental para a sua confirmação, onde encontramos: pequenos pontos hemorrágicos no
corpo caloso, no pedúnculo cerebelar superior, gânglios da base ou região periventricular e
ausência de massas intracranianas traumáticas.
G. Brain Swelling (BS). Trata-se de um fenômeno que pode acompanhar qualquer trauma
craniano. Swelling não é sinônimo de edema cerebral: o primeiro se caracteriza pelo
aumento de sangue intravascular, ou seja, “hiperemia”; o segundo, pelo aumento de água
extravascular no cérebro.
Brain swelling é provocado por uma reação vascular induzida pelo trauma, levando a uma
vasodilatação dos vasos cerebrais e conseqüente aumento do volume sangüíneo cerebral. Se
esta reação persiste, pode levar a um edema cerebral verdadeiro.
O BS pode ser agudo ou tardio, focal ou generalizado. Quando em associação com um
hematoma subdural agudo, costuma ser hemisférico, e o BS passa a ser mais grave do que o
próprio hematoma.
O diagnóstico à tomografia cerebral se caracteriza pela ausência de sulcos cerebrais,
espaços subaracnóideos e de ventrículos cerebrais.
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H. Abuso infantil. Aqui está um assunto difícil de ser exposto em estatísticas, pois, na
maioria das vezes, passa despercebido pelos serviços de urgência ou é encoberta pelos
familiares a situação real da lesão da criança. Estima-se que cerca de 10% das lesões em
crianças abaixo de 5 anos de idade sejam de etiologia não-acidental.
A maioria das crianças agredidas com trauma craniano admitidas em hospitais tem menos
de 1 ano de idade. Chama-se a isto Shaken Baby Syndrome.
As lesões são causadas por mecanismo de aceleração-desaceleração, quando a criança é
literalmente “sacudida”. Então, devido ao precário desenvolvimento da musculatura
cervical, que não consegue sustentar a cabeça, a criança fica vulnerável a este mecanismo
acima descrito. Os sinais encontrados são: hemorragias retinianas e hematoma subdural.
A suspeita diagnóstica deve ocorrer principalmente em casos de traumas “banais” com
fratura de crânio em crianças de baixa idade.
I. Traumas penetrantes do crânio. A violência nas grandes cidades é cada vez mais
freqüente. Conseqüentemente, vemos crianças também agredidas pelo meio. Traumas
cranianos por projéteis de arma de fogo, agressões por arma branca ou outros instrumentos
contundentes e lesões decorrentes de acidentes automobilísticos já não são mais
exclusividade dos adultos.
O tratamento de tais injúrias vai depender de cada caso.
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Capítulo 29 - Traumatismos Raquimedulares
Odilon Braz Cardoso
I. Introdução.
Os traumatismos raquimedulares (TRM) consistem em lesões causadas por golpes sobre a
coluna vertebral com acometimento da medula espinhal e/ou de seus envoltórios.
As causas mais comuns são os acidentes de trânsito (cerca de 50%), seguindo-se as quedas
de alturas, os mergulhos em local raso e projéteis de arma de fogo.
Os TRM estão entre as causas mais comuns de morte e seqüelas sérias após traumatismo,
sendo às vezes agravados por não terem sido reconhecidos ou por conduta inadequada. Os
pacientes com paraplegia ou tetraplegia já instalada geralmente têm resultado precário,
sendo importantes as medidas preventivas, que devem ser iniciadas com o transporte do
paciente do local do acidente para o hospital. O paciente politraumatizado, ou aquele no
qual se suspeite de TRM, deve ser transportado em decúbito dorsal retilíneo ou com
pequena extensão da coluna. Para isto, sempre que possível, ele deve ser carregado sobre
uma tábua ou maca rígida, por várias pessoas, uma ou duas para cada um destes segmentos:
membros inferiores, quadril, tórax com membros superiores e cabeça com pescoço, na
maior imobilidade possível. Os que sustentam os membros inferiores e a cabeça devem
exercer alguma tração, como se estivessem “esticando” o paciente. Os movimentos de
flexão são os mais perigosos, devendo ser evitados (Figs. 29-1 e 29-2).
As lesões mais comuns são as da coluna cervical, seguindo-se as da coluna lombar, devido
à grande mobilidade destas regiões. As lesões da coluna torácica requerem força muito
intensa, devido à rigidez das estruturas ósseas deste segmento, e geralmente levam à
paralisia completa abaixo do nível da lesão. Nelas, as lesões ósseas são muitas vezes
múltiplas e associadas a fraturas de costelas.
O grande avanço surgido no tratamento deveu-se ao desenvolvimento de técnicas de tração
e fixação cirúrgicas, materiais para sustentação e coletes para imobilização temporária,
impedindo a progressão da lesão neural e permitindo a mobilização de um paciente cuja
coluna tornou-se instável (deslizamento na articulação) pelo trauma.
II. Fisiopatologia.
As lesões surgem quando a força que as produz ultrapassa a amplitude máxima de
movimento de cada segmento da coluna vertebral, levando a danos ligamentares e/ou
ósseos, cuja combinação determina o resultado da lesão. Os mecanismos são os de flexão,
extensão, compressão e rotação, que se correlacionam com as estruturas anatômicas e com
os vários níveis da coluna vertebral e da medula espinhal.
Aproximadamente 80% dos traumas da coluna cervical resultam da colisão do corpo em
movimento contra um objeto estacionário, com conseqüentes hiperflexão e hiperextensão
da coluna. O traumatismo direto sobre o vértice do crânio pode exercer pressão sobre as
massas laterais do atlas, sendo considerado o deslocamento lateral das massas laterais de
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mais de 7 mm indicativo de ruptura do ligamento transverso, com conseqüente
instabilidade da articulação neste nível.
As lesões ao nível da junção atlantoaxial geralmente não causam déficit neurológico,
devido à grande largura do canal espinhal neste local, ao contrário do que ocorre no nível
torácico, onde a medula ocupa quase todo o canal.
Na fratura C2-C3 (“fratura do enforcado”), um distanciamento superior a 3,5 mm entre os
lados póstero-inferior da vértebra superior e póstero-superior da vértebra inferior indica
ruptura ligamentar.
De C3 a T1, o deslocamento de duas vértebras adjacentes acima de 3,5 mm ou uma
angulação maior do que 11º indica ruptura ligamentar significativa. Este ângulo é
estabelecido estendendo-se as linhas horizontais das superfícies inferiores de quatro corpos
vertebrais, com os dois envolvidos no meio.
No nível da L2 termina a medula espinhal, com as raízes nervosas lombares e sacrais, que
são as referências anatômicas nos traumatismos neste nível. As fraturas sacrais são
geralmente estáveis com fixação externa (gesso).
Não existe relação direta entre o déficit neurológico e a lesão histopatológica da medula
espinhal traumatizada. Às vezes, em pacientes com lesão clínica completa, notam-se sinais
incompletos de contusão e hemorragia parenquimatosas, e ocorrem casos de pacientes com
síndrome clínica incompleta da porção anterior da medula, revelando medula espinhal
microscopicamente normal, o que sugere um mecanismo isquêmico. As arteríolas que
irrigam as colunas anteriores da medula (trato corticoespinhal) são terminais.
III. Diagnóstico.
Todos os pacientes politraumatizados devem ser examinados quanto às movimentações dos
membros superiores e inferiores. Caso haja fratura em algum destes, ou outro impedimento,
pede-se ao paciente para movimentar apenas os dedos das mãos e dos pés, testando-se
também os reflexos tendinosos e cutâneos. Suspeitando-se de algum déficit, esta região
deve ser testada quanto à sensibilidade, sendo estimulada com uma agulha, e o mesmo é
feito com uma região em nível superior, considerada normal, para comparação. Testam-se
também as regiões genital e perianal, cuja preservação (preservação sacral) indica lesão
medular incompleta. Os cordões posteriores serão avaliados pelo exame da propriocepção,
movimentando-se os dedos do paciente para cima e para baixo, sem que ele veja,
perguntando-lhe a direção tomada.
A compressão do trato espinotalâmico lateral, acima da região lombar, freqüentemente leva
à diminuição da dor e da temperatura nos segmentos sacral e lombar antes do torácico,
devido à distribuição das fibras neste trato, e assim pode levar a erro no diagnóstico do
nível de acometimento. Examinam-se o abdômen e a pelve, considerando que uma injúria
abdominal pode levar o paciente a evitar usar membros inferiores, simulando uma paresia
ou paralisia. Examinam-se também os pulsos arteriais periféricos, já que a obstrução de
uma artéria pode reduzir, ou praticamente abolir, a movimentação de um membro.
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Deve-se colher uma história cronológica do déficit (imediato, progressivo ou tardio). A
instalação imediata sugere contusão; as outras, compressão. Deve-se anotar o nível da lesão
com a maior precisão possível, para indicar o segmento a ser submetido a exame
complementar, e para observação da evolução clínica. A redução do nível de acometimento
sensitivo indica melhora correspondente. O nível da fúrcula esternal corresponde às raízes
de C4, o dos mamilos, a T4, o umbigo, a T10, e as regiões genital e perianal, às raízes
sacras. Para detalhes da inervação, recorre-se aos livros sobre exame neurológico.
A dor nas regiões cervical, torácica ou lombar pode ser a única manifestação de lesão
importante da coluna vertebral. Nos pacientes cujo trauma não parece justificar o grau do
déficit neurológico encontrado, lembrar a possibilidade de doença prévia não reconhecida,
associada (mieloma múltiplo, linfoma, tuberculose ou metástase vertebral, hipoplasia do
processo odontóide, espondilose, malformação da junção craniocervical etc.).
Nos casos de hemissecção medular lateral (síndrome de Brown-Sequard), verificam-se
paresia dos membros do lado da lesão (trato corticoespinhal cruzou-se na decussação das
pirâmides) e diminuição ou abolição das sensibilidades térmica e dolorosa do lado oposto
(cruzam-se na medula, próximo a cada nível). Este quadro é mais comum em lesões
penetrantes (projéteis ou faca).
IV. Radiologia.
Realizam-se radiografias em AP e lateral do segmento suspeito, acrescentando-se a
incidência transoral no caso da coluna cervical, para visualização do processo odontóide. Se
a lesão não for bem-visualizada, recorre-se ao recurso da tomografia axial computadorizada
(TC) ou à ressonância nuclear magnética (RM), para esclarecimento da existência, extensão
ou sugestão quanto à natureza da lesão.
Quando há lesão da coluna lombar ou torácica, freqüentemente torna-se desnivelado o
processo espinhoso correspondente, que pode, assim, ser visto e palpado.
Todos os politraumatizados em coma, nos quais não é possível verificar se há ou não déficit
neurológico, especialmente motor, devem ter sua coluna cervical radiografada, pelo menos
em lateral. A existência ou não de instabilidade (luxação com a movimentação) é verificada
pelo estudo dinâmico, que consiste em radiografias laterais com flexão e extensão
cuidadosas da coluna. Instabilidade indica lesão de ligamentos e/ou facetas articulares, que
são os elementos responsáveis pela estabilidade da coluna vertebral. A TC é indicada
especialmente para lesões envolvendo os elementos posteriores: fraturas dos pedículos,
lâminas e processos articulares, freqüentemente não visualizados nos exames de rotina,
principalmente na região cervical. As fraturas do processo odontóide têm margem irregular,
diferenciando-se da ausência congênita de sua fusão, porque nesta as margens são lisas. A
compressão da medula pelo processo odontóide fraturado pode ocorrer na posição de flexão
e desaparecer na extensão. Portanto, antes do estudo dinâmico, é preciso obter dados da
incidência transoral, para excluir tal possibilidade. Para visualização da porção inferior da
coluna cervical, a radiografia deve ser feita com um auxiliar puxando os membros
superiores em direção aos pés.
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Em pacientes musculosos ou obesos, emprega-se a “posição do nadador”, estendendo-se
um dos membros superiores abduzido a 180º, elevando-o acima da cabeça, colocando-se o
filme deste lado. Dirige-se em seguida o foco perpendicular à porção inferior da coluna
cervical do outro lado, puxando-se o membro deste lado para baixo. Às vezes, é necessária
a TC ou a RM para visualizar o início da coluna torácica.
A TC e a RM podem revelar fragmentos de disco e de cartilagem dentro do canal espinhal,
hematoma ou fragmentos ósseos, também visualizados pelo emprego de contraste
radiológico intratecal, mielotomografia, injetando-se 10 ml de Iopamirom® 200 mg três
horas antes do exame (especialmente indicado nos déficits parciais ou progressivos).
As radiografias devem ser iniciadas pela incidência lateral, com o paciente imobilizado,
principalmente quanto à coluna. As incidências oblíquas direita e esquerda são importantes
nos casos de lesões radiculares, para visualizar os forames de conjugação, as facetas
articulares e os pedículos vertebrais. A ampola do aparelho deve ser inclinada, e não o
paciente.
A presença de síndrome anterior da medula é indicação para TC ou RM (déficit motor com
preservação do tato e da propriocepção, que vão pelos cordões posteriores), bem como os
TRM com recuperação lenta ou pequena após uma ou duas semanas, principalmente nas
lesões dorsolombares.
A mielografia pode ser satisfatória para detectar engastamento no forame intervertebral,
avaliando a presença e a extensão da compressão radicular. A presença de sangue no liquor
torna este procedimento de risco, podendo causar aracnoidite, que é um processo
inflamatório reacional, geralmente irreversível, com manifestações equivalentes a uma
compressão ou secção da medula. A hérnia de disco pode ocorrer com ou sem fratura.
Usam-se 20 ml de IopamironØ 300 mg.
Uma piora espontânea do paciente nas primeiras horas ou dias pode ser devida à progressão
do edema.
A ruptura dos ligamentos posteriores é evidenciada nas radiografias na posição lateral pelo
alargamento do espaço entre os processos espinhosos, bem como pela fratura ou pelo
deslocamento da vértebra, ou de suas partes. Isto às vezes só é evidenciado quando é
aplicada uma tração longitudinal sobre a coluna, tornando a radiografia nesta condição
necessária para o diagnóstico seguro do estado do ligamento posterior. Quando a lesão da
coluna cervical inclui o deslocamento bilateral ou a subluxação entre os processos
articulares, a fratura do corpo vertebral usualmente causa ruptura dos ligamentos
posteriores e pode preservar o ligamento longitudinal anterior.
V. Tratamento.
Inicialmente, deve-se verificar o posicionamento do paciente, como já descrito, e, se
necessário, podem-se usar sacos de areia dos lados da cabeça, para imobilizá-la, ou colar
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cervical de Miami J ou Philadelphia, concomitantemente à verificação do estado geral e das
demais lesões existentes (arterial, venosa, traquéia, esôfago, faringe etc.).
Havendo déficit, inicia-se uso de Solumedrol®, se possível dentro das primeiras oito horas
do trauma. Dose de ataque = 30 mg/kg, EV, e manutenção 5,4 mg/kg de 1/1 hora nas
próximas 48 horas. Simultaneamente, administra-se uma ampola de cimetidina
(Tagamet®), diluída em 20 ml de água destilada, EV, de 8/8 horas. A eficácia clínica desta
medida é difícil de ser verificada.
Havendo luxação ou instabilidade da coluna cervical, instala-se tração transesquelética
biparietal com aparelho de Gardner sob anestesia local (Fig. 29-1). Inicia-se a tração com
10% do peso corporal do paciente, aumentando-se até um máximo de 20%. Diariamente
são feitas radiografias na posição lateral, para verificação da evolução do alinhamento da
coluna, aumentando-se gradativamente o peso da tração, conforme se fizer necessário. O
sentido da cordinha da tração, que sustenta o peso, será dirigido anterior ou posteriormente,
conforme a luxação seja posterior ou anterior, tendo por base fixa a porção caudal da
coluna. Podem-se usar 5 mg de Diazepam®, VO, de 8/8 horas, como miorrelaxante.
Após as cirurgias de fusão da coluna cervical, a tração parietal pode ser mantida com 2 kg
por mais uma semana, até a instalação da Halo-Colete de couro de carneiro, que é mantida
por três meses (Fig. 29-2).
Os pacientes tetraplégicos comumente não toleram o colete Halo-Colete, devido a
problemas respiratórios, de hipotensão e necrose de pele anestesiada. Nestes casos, deve-se
usar o colar cervical, que é muito inferior quanto à estabilidade que imprime.
A cirurgia de descompressão da medula edemaciada, na fase aguda, resulta em herniação
desta através da incisão da dura-máter, com aumento do dano, e por isto não é indicada.
Nos casos de lesão direta sobre o arco dorsal, com fragmentos ósseos ou discais
comprimindo a medula, estes devem ser retirados na admissão do paciente, até 24 horas
após o trauma.
Quando ocorrer fratura-luxação com lesão medular completa, a cirurgia de fixação será
realizada após cerca de quatro semanas, para estabilização do estado geral. Quando a lesão
medular cervical for parcial, com ruptura dos ligamentos posteriores e evidência de
compressão anterior, após a tração esquelética o paciente deverá ser submetido à artrodese
por via posterior, e em seguida à descompressão por via anterior, ou apenas à
descompressão via anterior, com artrodese e fixação com placa e parafusos. Havendo
preservação dos ligamentos posteriores, fazem-se apenas a descompressão e a artrodese por
via anterior.
No deslocamento unilateral da faceta articular cervical, geralmente há compressão da raiz
no forame intervertebral correspondente. É difícil a redução por tração, sendo requerida
foraminotomia seguida de artrodese por via posterior. O deslocamento de facetas
articulares, sem lesão óssea significativa, indica rompimento de ligamentos, e é mais bem
estabilizado com artrodese por via posterior, após ter sido reduzido pela tração parietal.
Atualmente, tem-se preferido apenas imobilização pelo Halo-Colete por três meses. Se a
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tração não reduzir o deslocamento em duas semanas, procede-se então à redução aberta,
cirúrgica, seguida de artrodese via posterior. Durante o ato cirúrgico, deve-se fazer
radiografia para confirmar o nível vertebral, pois o processo espinhoso de C7 pode ser
confundido com o de T1, e freqüentemente o processo espinhoso de C3 está completamente
sob o de C2.
Nos casos de contusão com síndrome central da medula (diminuição maior de força nos
membros superiores do que nos membros inferiores) ou fratura do processo laminar ou do
espinhoso, sem luxação ou instabilidade, indica-se apenas o uso de colar cervical, durante
dois meses. A fratura do arco de C1 (Jefferson) é tratada após alinhamento, com instalação
de Halo-Colete por 12 semanas. Até a colocação do halo o paciente será mantido em tração
com Gardner ou com a própria coroa do halo, com peso não superior a 2 kg. A fratura do
corpo do áxis é tratada da mesma maneira. As fraturas de C2-C3 (“fratura do enforcado”),
com fratura bilateral dos pedículos de C2 e subluxação anterior de C2 sobre C3, são
tratadas como a anterior, sendo desnecessário e perigoso aumentar a tração para desfazer a
luxação, devido à grande largura do canal espinhal e à proximidade do bulbo, neste nível. A
luxação C1-C2 sem fratura (lesão do ligamento cruzado) e as fraturas da base do processo
odontóide são submetidas à tração parietal por, no mínimo, uma semana, seguida de
cirurgia: amarilho entre as lâminas C1-C2 com fios de aço e artrodese interlaminar C1-C2
com fragmentos de osso ilíaco. O fio de aço se parte, após seis meses, aproximadamente, e
as pontes ósseas é que promovem a soldadura definitiva da articulação (artrodese).
Atualmente, tem-se indicado apenas Halo-Colete, após tração não superior a 2 kg de peso.
As fraturas do processo odontóide descobertas tardiamente, com compressão medular,
serão submetidas à remoção deste e à do arco da primeira vértebra cervical, por via
transoral e, após duas semanas, ou imediatamente, à fusão via posterior da primeira e
segunda vértebras cervicais. Nas fraturas da ponta do odontóide, indica-se o colar cervical,
e nas de seu corpo, Halo-Colete. Nestas, se o paciente tiver mais de 60 anos, fusão C1-C2
seguida da fixação pelo halo; mas tem sido usado apenas o halo.
Nas fraturas cervicais baixas, C3 a T1, sem lesão ou com pequeno dano medular, a cirurgia
deverá ser feita o mais brevemente possível, tão logo se obtenha o alinhamento da coluna
através da tração, ou, quando esta tentativa falha, nas luxações com imbricação das facetas,
redução cirúrgica via posterior com artrodese. Na subluxação sem evidência de fratura após
tração e redução, será instalado o Halo-Colete. Nas luxações de C3 a T1, tem-se usado
Halo-Colete por três meses, inclusive reposicionando-o até mais duas ou três vezes, se
reluxar, e apenas após falharem estas tentativas, fazer fusão cirúrgica via posterior. Quando
surge cifose, retira-se o Halo e faz-se artrodese via posterior.
As fraturas cominutivas do corpo vertebral maiores do que 50% são indicação para
ressecção deste por via anterior e encaixe de um retalho cortical da fíbula ou crista ilíaca,
estendendo-se de um nível vertebral acima a um nível vertebral abaixo do corpo vertebral
esmagado. Quando um ou mais corpos vertebrais são removidos, o defeito resultante deverá
ser preenchido com retalho ósseo ou um suporte de metilmetacrilato. A fíbula é o melhor
doador, de fácil acesso e de dimensões ideais. Nas fraturas do corpo menores do que 30%,
sem luxação, faz-se a prova funcional em flexão, e, estando estável, coloca-se o colar
cervical. Aquelas maiores do que 30% ou com instabilidade à prova funcional serão
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submetidas à artrodese anterior com fixação através de placa e parafusos nos corpos
vertebrais acima e abaixo da lesão, ou artrodese via posterior. Se houver evidência de
compressão da medula por esquírula óssea ou disco herniado, procede-se à discectomia
e/ou corpectomia anterior com artrodese pela técnica de Smith Robinson.
As artrodeses são feitas por via posterior, quando há rompimento do complexo ligamentar
posterior, e por via anterior intercorpo vertebral, quando há preservação desses ligamentos.
A fratura torácica por compressão-flexão da porção anterior do corpo vertebral é tratada
com órtese (gesso) em hiperextensão por quatro semanas. A fratura das porções anterior e
posterior do corpo vertebral leva à compressão medular e é instável, necessitando de
descompressão por via anterior e fusão por via posterior. As fraturas com deslocamento
lateral são instáveis e submetidas à redução cruenta com estabilização por técnicas de
fixação interna, artrodese por via posterior (instrumentação de Harrington Luque). Na
subluxação com deslocamento anterior do corpo vertebral, devem ser consideradas a
redução cirúrgica e a fixação interna.
As descompressões por lesões torácicas ou lombares do corpo vertebral devem ser feitas
por via anterior, exceto quando apenas um nível for acometido, quando a descompressão
poderá ser possível por costotransversectomia, sendo esta via de acesso muito limitada à
porção anterior do corpo vertebral, e sua vantagem é não trazer instabilidade, o que ocorre
com a laminectomia. T1 e T2 são abordados por via supraclavicular, e T3 e T4, por via
póstero-lateral (costotransversectomia). As fraturas toracolombares envolvendo menos de
50% da porção anterógrada do corpo vertebral são estáveis, exigindo apenas repouso no
leito por quatro semanas. Quando acometem também a porção posterior do corpo vertebral,
são potencialmente instáveis, necessitando de imobilização em hiperextensão, e, se lesam o
arco posterior, são muito instáveis, necessitando de fusão e fixação via posterior. Se a TC
mostrar fragmentos no canal espinhal, a descompressão deverá ser precoce, pois, se tardia,
o osso estará sólido e esclerótico.
A fratura lombar por flexão-distração (ou “do cinto de segurança”) resulta da expansão dos
elementos posteriores (processos espinhosos, lâminas, pedículos e porção posterior do
corpo vertebral) e é tratada por imobilização em extensão por quatro semanas, mas, se
houver maior rompimento de ligamentos (visto maior distanciamento nos raios X em flexão
e extensão em lateral), deverá ser feita a fusão posterior com instrumentação. Pacientes
com fraturas lateral ou póstero-lateral, com corpo vertebral praticamente preservado, e com
fragmentos no canal espinhal, são candidatos à descompressão póstero-lateral, com limitada
laminotomia e excisão do pedículo, podendo ser feita uni ou bilateralmente, e, se houver
instabilidade, fusão e instrumentação via posterior.
A laminectomia é de uso mais restrito, por aumentar a instabilidade da coluna. Está
indicada nos casos de hematoma epidural (raríssimo) e para corpo estranho no canal
espinhal ou lesão penetrante, se a lesão for incompleta e estiver progredindo a despeito de
redução e estabilização, e apenas se estas lesões forem intramedulares ou posteriores.
VI. Cuidados.
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Os pacientes tetra ou paraplégicos agudos devem manter sonda vesical de demora fechada,
abrindo-a de 4/4 horas por 15 minutos para treinamento do automatismo vesical, trocando-a
semanalmente. Não parecem ser auxiliares as medidas de lavagem vesical com solução
anti-séptica ou soro fisiológico, que podem inclusive levar à contaminação da bexiga
urinária.
A paralisia é inicialmente flácida, e posteriormente irá tornando-se espástica, com
tendências às posturas fixas em flexão. A atividade reflexa começa a desenvolver-se após
um mês, e, a partir daí, tenta-se o esvaziamento da bexiga com manobra de Credê
(massagem, compressão suprapúbica). O risco de infecção será diminuído com a
acidificação da urina, com uso de 1 g de vitamina C, VO, de 12/12 horas, desde o início. As
infecções devem ser tratadas logo que percebidas, com os antibióticos apropriados,
conforme a clínica, a urocultura e o antibiograma. O manuseio da sonda deve ser delicado,
para evitar lesão da uretra, pois, com as alterações tróficas da região paralítica, a
cicatrização fica prejudicada, e as fístulas são de difícil fechamento, para o que será
necessário cistostomia temporária. A bexiga infectada, muito flácida (lesão da cauda
eqüina) ou muito espástica não desenvolverá o esvaziamento automático. O sistema de
drenagem deverá ser sempre estéril. Não se pode lavar e reutilizar a sonda simplesmente.
Devem-se proteger (acolchoar) as proeminências ósseas (tornozelos, joelhos, sacro, cristas
ilíacas e cotovelos). O paciente deve ser mudado de decúbito, mesmo sob tração, de 2/2
horas. Os lençóis de algodão e claros devem ser mantidos secos e bem estendidos, para não
lesarem a pele. O colchão d’água deve ser usado apenas nos casos de escaras já instaladas e
de má evolução, já que leva, às vezes, à formação delas, devido à imobilidade à qual os
pacientes são submetidos. O paciente deve ser lavado e bem-secado, diariamente, podendose usar talco. Áreas de avermelhamento e de perda de epiderme são protegidas, sendo
cobertas com tintura de Benjoim ou similar. Os membros inferiores devem ficar estendidos
e, quando em decúbito lateral, com o de baixo fletido e com um travesseiro entre os
joelhos. Não deixar plástico em contato direto com a pele. Os pés deverão ser fixados em
ângulo reto, para evitar a retração do tendão-de-Aquiles. Pode-se evitar o peso das roupas
de cama sobre o paciente, com o uso de arcos. Se houver sudorese excessiva, administra-se
0,5 mg de atropina (Sulfato de Atropina®, tomar o líquido da ampola, VO) ou 15 mg de
propantelina (Pro-Banthine®), à noite.
A dieta deve ser rica em fibras vegetais, com uma colher de sopa de farelo de trigo
(Fibrapur®, sabor neutro, apenas, pois os demais se tornam enjoativos) após o almoço e o
jantar, e de 2-4 litros de líquido por dia. Pode ser necessário suplemento vitamínico ou
protéico. A quantidade de leite não deve ser muita, devido ao aumento do risco de cálculo
urinário. A perda de albumina poderá ser importante quando surgem escaras de decúbito.
Quando a perda protéica ou o emagrecimento forem acentuados, pode ser benéfico o uso de
anabolisantes. Os pacientes tetraplégicos devem ficar em jejum nos primeiro cinco dias
(íleo paralítico temporário). Após cinco dias de constipação intestinal, receita-se um
comprimido de Dulcolax® de 12/12 horas e, após 10 dias, lavagem intestinal com 5001.000 ml de solução glicerinada a 12%, morna. Em caso de estase gástrica, instala-se sonda
nasogástrica, que é deixada aberta, reiniciando-se a seguir a dieta, progressivamente. Se
persistir a estase, aplicar uma ampola de metoclopramida (PlasilØ), IM ou EV, de 8/8
horas.
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Freqüentemente, usa-se a retirada regular manual das fezes, com o uso de luvas de
borracha.
Em caso de dispnéia, eleva-se a cabeceira do paciente. Vaporização por 20 minutos de 3/3
horas, seguida de tapotagem e aspiração de secreções, se necessário. Deve-se evitar a
traqueostomia.
VII. Prognóstico.
Os pacientes cujo déficit neurológico não apresentou melhora alguma (p. ex., abaixamento
do nível de acometimento sensitivo) após as primeiras 24 horas não se recuperaram,
segundo várias séries publicadas. Apesar disso, é boa norma aguardar cinco semanas nos
casos de tetraplégicos e três semanas, nos de paraplégicos.
As lesões da cauda eqüina são mais passíveis de recuperação e, quando não divididas, são
capazes de regeneração.
VIII. Complicações.
As mais comuns devem-se às infecções urinárias, pneumonias e às escaras de decúbito. As
úlceras já instaladas devem ter o tecido necrótico removido, ser limpas com água e
Soapex® ou sabonete comum e depois revestidas com açúcar cristal e pomada de PVPI
(Povidine manipulado) ou Iruxol® tópico por alguns dias, trocando-se diariamente o
curativo. Só colar esparadrapo a uma certa distância da pele danificada. Eventualmente,
pode ser necessário retalho cutâneo.
A fisioterapia deve ser iniciada logo após a estabilização do quadro geral do paciente,
mesmo no leito, bem como os cuidados de posicionamento, visando à prevenção de
retrações tendíneas com fixação das articulações em posições viciosas.
As fístulas liquóricas que não estão regredindo devem ser tratadas cirurgicamente.
A falha no diagnóstico de uma instabilidade leva à lesão precoce ou tardia, já que os
ligamentos rompidos geralmente não se reconstituem. Alguns casos devem ter
acompanhamento após o traumatismo, para se diagnosticar uma instabilidade tardia.
A paralisia inicialmente flácida é substituída nos meses seguintes por paralisia espástica
definitiva, podendo ocorrer o fenômeno de contração involuntária e súbita (“contração em
massa”) dos membros inferiores o que incomoda o paciente, podendo despertá-lo durante o
sono. O tratamento consiste em fisioterapia por toda a vida; caso isto não seja suficiente,
recorre-se ao uso de medicação antiespasmódica de ação medular (Lioresal® ) e/ou
diazepam como miorrelaxante. Quando estas medidas não dão resultado satisfatório,
recorre-se à mielotomia longitudinal em T (de Bischof), às neurotomias periféricas, ou à
DREZtomia, em pacientes com secção medular clinicamente completa, realizando-se
avaliação urológica antes. A perda da ereção ou o esvaziamento reflexo da bexiga pode
trazer incômodos. A bexiga espástica pode ser melhorada pela secção seletiva das segunda
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e terceira raízes sacrais. A esfincterotomia pode melhorar os sintomas, devendo ser
realizada antes do procedimento neurocirúrgico. Podem ocorrer cálculo renal ou vesical,
hidronefrose e priapismo. Na retenção urinária crônica, usa-se o cateterismo intermitente a
cada oito horas, com a técnica mais asséptica possível. O uso contínuo da sonda é mais
propenso a infecções. Eventualmente, pode-se necessitar de cistostomia para tratar uma
infecção urinária. A manobra de Credê auxilia no esvaziamento vesical.
Já foi descrita uma degeneração cística progressiva da medula espinhal pós-trauma
(siringomielia traumática).
Podem ocorrer meningite, mielite, distúrbio da regulação térmica e hipotensão postural.
IX. Psicoterapia.
O reajustamento familiar pode ser necessário. O coito pode muitas vezes ser conseguido,
estimulando-se o pênis manualmente, com uma companheira cooperativa e instruída. No
caso de se desejar um filho, a ejaculação pode ocorrer após a injeção intratecal de pequenas
doses de neostigmina; o esperma será colhido, e a mulher, fecundada por inseminação
artificial.
A terapia ocupacional deverá ser iniciada o mais cedo possível, com o paciente aprendendo
a utilizar ao máximo as potencialidades que possuir.
X. Técnica da Tração Cervical.
Fazem-se botões anestésicos com Xylocaína® e com adrenalina, nas regiões parietais, num
plano que passa pelos meatos acústicos externos e pelos processos transversos das vértebras
cervicais (plano coronal), eqüidistantes do meato acústico externo, um de cada lado. Aí será
fixado (“aparafusado”) o aparelho-pinça de tração. O melhor é o de Gardner, que apresenta
uma ponta em cada local de fixação no crânio, devendo apenas ser muito bem aparafusado,
dispensando trepanação. Ele não deverá ser usado em crianças novas, pelo risco de
perfuração, atingindo a dura-máter e o cérebro. O aparelho de Crutchfield, mais antigo,
requer a trepanação da tábua óssea externa até a díploe, com broquinha da espessura dos
pinos de fixação do aparelho, o que deve ser precedido de tricotomia de cerca de 4 cm de
diâmetro, em volta do botão anestésico, e pequeno corte (aproximadamente 5 mm) com
lâmina pequena de bisturi, no ponto marcado. Nestes orifícios será fixado o aparelho-pinça.
A queixa do paciente de que o crânio está sendo apertado indica que o pino está fora do
orifício, devendo então ser recolocado, imediatamente. Com o pino no orifício, não existirá
esta sensação.
Em seguida, o paciente será colocado no leito, na horizontal, colocando-se a cordinha, que
sai do aparelho-pinça, passa por uma roldana fixa à cama e em cuja porção descendente
coloca-se o peso. A roldana dará a direção da tração, devendo ficar na horizontal, ou para
cima, ou para baixo, conforme a direção da luxação. Nos pontos de penetração da tábua
óssea externa, os pinos deverão ser envolvidos com gaze aberta, feito um cadarço, untada
com pomada de antibiótico. Outra gaze-cadarço será amarrada sobre esta, fixando-a.
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Referências
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1.939-2.102.
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Capítulo 30 - Abdômen Agudo
Henrique Jacob Sevaybricker Filho
I. Conceito.
Existem várias maneiras de se definir abdômen agudo. Na maioria das doenças abdominais
agudas, a dor é a principal queixa — e o sintoma mais importante. Conclui-se que o quadro
é constituído, basicamente, por dor abdominal, que por sua intensidade requer solução
urgente.
Não existe abdômen agudo sem dor.
Pode-se acreditar que a maioria das dores abdominais que acometem um paciente que
estava bem anteriormente e que dura mais de seis horas é causada por condições de
importância cirúrgica, na maioria das vezes.
A dor abdominal apresenta algumas características de sinal de alarme e mecanismo de
defesa ou proteção contra certas doenças ou lesões.
Para a compreensão dos mecanismos que, por múltiplas causas, provocam quadros
dolorosos abdominais, faz-se necessário recordar rapidamente aspectos anatômicos e
fisiológicos das vias nervosas do abdômen.
Os estímulos ou impulsos dolorosos provenientes da pele, das mucosas, do peritônio
parietal e mesentério são levados, através de fibras aferentes cerebroespinhais (calibrosas,
mielinizadas, com maior velocidade de condução), para os gânglios da raiz posterior da
medula, onde as células de todos os nervos sensitivos estão localizadas (primeiro neurônio).
Esses nervos penetram na massa cinzenta da região do corno posterior da medula, onde o
impulso alcança o segundo neurônio, que cruza para o lado oposto, subindo geralmente
pelo feixe espinotalâmico lateral e alcançando o tálamo, onde o terceiro neurônio o levará
para o córtex cerebral.
Os impulsos viscerais vão pelas fibras aferentes viscerais (desmielinizadas, menos
calibrosas, de menor velocidade de condução) que acompanham as fibras simpáticas dos
nervos esplâncnicos até a raiz posterior. Essas fibras viscerais vão juntar-se, no corpo
posterior da medula, aos neurônios somáticos, de tal modo que as vias nervosas de
condução são comuns aos estímulos somáticos e viscerais.
A diferenciação entre as possíveis causas de dor e a determinação exata da patologia
dependem de dados anatômicos. É importante o conhecimento anatômico dos músculos e
nervos cerebroespinhais localizados no abdômen.
II. Tipos de Dor Abdominal
A. Dor visceral verdadeira. O intestino é insensível ao toque e também à inflamação que
não afeta o peritônio parietal.
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Os estímulos que podem atingir as vísceras ocas são geralmente do tipo distensão ou
contração muscular. A transmissão dos impulsos dolorosos é feita pelas fibras viscerais
aferentes que acompanham o simpático (nervos esplâncnicos), sem participação de nervos
cerebroespinhais. Ela é mal-localizada, sugerindo mal-estar na linha média do abdômen.
Não leva à contratura da musculatura da parede abdominal. Este é o tipo de dor que ocorre
nos espasmos das vias biliares, do ureter, na oclusão intestinal, na fase da apendicite aguda.
Quando se tem irritação do peritônio visceral, sobrevém uma paralisia da musculatura lisa
adjacente das alças intestinais (lei de Stokes), levando a um quadro de íleo paralítico.
B. Dor somática (parietal). Aqui ocorre envolvimento simultâneo das fibras viscerais e
cerebroespinhais.
A dor é referida a áreas inervadas pelos nervos somáticos. Os neurônios são mais
numerosos, mais calibrosos e mais condicionados à transmissão do que as fibras viscerais.
A dor somática é aguda, bem-localizada, sendo que esta localização varia de acordo com o
órgão envolvido; pode-se encontrar contratura muscular.
Esta dor é devida a um processo inflamatório, e não a um distúrbio funcional.
É um exemplo a segunda fase da apendicite e da colecistite aguda.
A irritação do peritônio parietal é tanto mais intensa quanto mais ácido é o líquido
irritativo, levando à contratura da musculatura abdominal correspondente. Por exemplo, o
suco gástrico leva à intensa contratura da parede abdominal (“abdômen em tábua”),
imediatamente após entrar em contato com o peritônio, ao contrário do sangue e da bile,
que irritam pouco o peritônio parietal.
Outro exemplo de dor segmentar de grande importância é a referida no diafragma. Este
começa a se desenvolver na região do quarto segmento cervical, do qual obtém a maior
parte das suas fibras musculares. Posteriormente, o nervo frênico alonga-se para acomodar
a migração do músculo. Suspeita-se então de irrigação diafragmática, quando ocorre
hiperestesia na região de distribuição do quarto nervo cervical, por exemplo, no ombro.
Nem sempre os órgãos abdominais têm uma representação nos músculos da parede. Isto
ocorre com os órgãos pélvicos, as vísceras retroperitoneais e localizadas na parte central do
abdômen. Poderemos ter uma peritonite pélvica por doença inflamatória pélvica aguda ou
apendicite pélvica sem levar à rigidez da parede abdominal. O mesmo ocorre, por exemplo,
em patologias do duodeno retroperitoneal ou na apendicite retroileal. Estas patologias
podem levar a erros diagnósticos, assim como retardar o tratamento, levando a um aumento
da morbidade e da mortalidade desses pacientes.
A localização das lesões inflamatórias é facilitada pelo conhecimento da anatomia da
região, ao passo que a fisiologia é mais importante para o diagnóstico das lesões
obstrutivas.
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Como sabemos, as alças intestinais, cujas paredes são formadas principalmente por fibras
musculares lisas, não apresentam grande sensibilidade. É possível esmagar, cortar ou
dilacerar o intestino sem que o paciente experimente dor. Os estímulos para a dor intestinal
são o estiramento ou a distensão da alça ou as contrações excessivas. Uma cólica intensa
sempre indica obstrução.
A cólica do intestino delgado causa dor referida, principalmente, nas regiões epigástricas e
umbilical, enquanto as cólicas originadas do intestino grosso são referidas no hipogástrio.
Num paciente com paroxismo de dor seguido de agitação, é provável a existência de
alguma forma de obstrução, e não de peritonite, pois nesta última condição os movimentos
fazem a dor aumentar.
Devemos dar atenção especial aos pacientes idosos, debilitados, toxemiados e
imunossuprimidos, pois eles podem não apresentar contratura na musculatura da parede
abdominal, apesar de existirem patologias, às vezes graves, na cavidade abdominal.
III. Drogas e Doença Abdominal Aguda.
Em pacientes em uso de antibióticos, deve-se ter muita cautela quanto aos sintomas de uma
inflamação no abdômen.
Os antibióticos não fecham uma perfuração do apêndice, mas podem diminuir os sintomas
de peritonite subseqüente.
Também a terapia com corticosteróides mascara os sintomas produzidos pelas inflamações.
Assim, a avaliação de dor abdominal em indivíduos sob a ação de corticosteróides é muito
difícil, e pode haver a necessidade de indicar-se uma laparotomia nos casos duvidosos.
Os pacientes em tratamento com corticosteróides desenvolvem mais facilmente uma úlcera
péptica ou complicação em uma úlcera preexistente. Enquanto pelo menos não se faz um
diagnóstico provável, não devem ser administrados analgésicos ao paciente, pois eles
podem mascarar sintomas por algum tempo.
IV. Abdômen Agudo Durante a Gestação.
A apendicite é a emergência cirúrgica não-ginecológica mais comumente encontrada
durante a gestação. O diagnóstico é dificultado pela posição atípica ocupada pelo apêndice.
A presença de leucocitose não ajuda a fazer o diagnóstico, pois constitui um achado
laboratorial normal durante a gestação.
Várias outras patologias abdominais agudas podem surgir durante a gravidez. Devemos ter
certeza absoluta em relação ao diagnóstico, pois uma laparotomia exploradora sempre leva
ao risco de aborto, e, por isso, qualquer intervenção cirúrgica deve ter indicação segura.
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A complexidade do abdômen agudo, a não-realização de um exame clínico adequado e a
urgência do quadro nem sempre permitem um diagnóstico etiológico preciso. O importante
é definir se o caso realmente se trata de um abdômen agudo clínico ou cirúrgico.
Existindo dúvidas quanto ao diagnóstico, a paciente deve permanecer em observação e ser
examinada periodicamente, se possível pelo mesmo médico, até que o quadro se defina, ou
surjam sinais que possibilitem a indicação cirúrgica ou resolução clínica.
O diagnóstico no abdômen agudo baseia-se fundamentalmente na anamnese bem-feita e no
exame físico completo do paciente. Exames complementares, laboratoriais, radiológicos e
eventualmente o ultra-som podem ser de auxílio.
O índice de recuperação da doença abdominal aguda aumenta na razão direta da
precocidade em que foi feito o diagnóstico e iniciado o tratamento. Durante as últimas
décadas, houve uma redução considerável na mortalidade provocada por doença abdominal
aguda.
Além disso, devemos estar atentos para aquelas patologias clínicas que simulam um
abdômen agudo cirúrgico. Certas doenças podem ser agravadas por uma cirurgia
desnecessária. Em alguns casos, os sintomas se originam dentro do abdômen; em outros, a
dor parte de outro lugar do corpo, como o tórax ou a coluna.
V. Abordagem Clínica e Diagnóstico.
Como já foi dito, a dor abdominal é a queixa mais comum dos pacientes com doença
abdominal aguda. É fundamental a não-administração de analgésicos antes do diagnóstico
ou antes de se indicar a cirurgia.
Em um grande número de condições abdominais agudas, pode-se chegar a um diagnóstico
pela forma como começou a doença. Deve-se analisar cuidadosamente cada sintoma,
tentando colocá-lo em uma patologia comum.
A agudez do começo da doença pode levar à suspeita do grau de gravidade da lesão. Por
exemplo, uma úlcera perfurada ou a pancreatite aguda invariavelmente faz um homem
desmaiar. Nas mulheres, a gravidez tubária rota usualmente leva à perda da consciência. Já
numa obstrução intestinal, geralmente os sintomas começam de forma gradual, culminando
numa crise aguda. Constitui exceção, entretanto, o estrangulamento de uma alça.
VI. Análise da Dor Abdominal
A. Localização. Certas vísceras fornecem boa localização da dor que produzem, enquanto
outras fornecem pouca informação a este respeito.
No estômago e no duodeno, a dor encontra-se na região epigástrica, tanto à direita quanto à
esquerda da linha média. Na pancreatite aguda, a dor localiza-se também na parte superior
do abdômen. Outras regiões, como o intestino delgado, apresentam má localização da dor,
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podendo esta ser percebida em qualquer parte do abdômen, embora ocorra mais comumente
na região periumbilical.
B. Irradiação. O valor diagnóstico da irradiação da dor pode causar confusão. No trato
biliar, ela se irradia para o dorso e ângulo da escápula, enquanto na pancreatite irradia-se
para o dorso ou qualquer lado, ou na linha média. Na apendicite aguda, a dor se inicia no
epigástrio, migrando para FID, com exceção da apendicite retrocecal, onde a dor pode
originar-se diretamente no quadrante inferior direito.
A dor na apendicite aguda, iniciada na região epigástrica, é causada por espasmo reflexo do
piloro.
VII. Características e Duração da Dor.
Podemos ter duas formas de dor abdominal aguda: constante ou em cólica. A dor
abdominal constante é geralmente causada por lesão infamatória ou neoplásica de uma
víscera. Freqüentemente, aumenta e diminui, porém não é em cólica. A dor abdominal em
cólica é causada por uma obstrução de víscera oca, como, por exemplo, obstrução
intestinal, cálculo ureteral, ou por pressão intraluminar aumentada em víscera oca sem
obstrução, como, por exemplo, íleo paralítico pós-cirurgia.
VIII. Intensidade da Dor.
De modo geral, as patologias cirúrgicas causam dor mais intensa e forte. A úlcera péptica
perfurada apresenta dor bastante forte, pela irritação dos sucos duodenal e gástrico no
abdômen. Já na pancreatite aguda a dor não apresenta tanta intensidade quanto na úlcera
péptica perfurada, e é devida à liberação de enzimas retro e intraperitoneais.
IX. Vômitos Associados.
Em algumas doenças, os vômitos são freqüentes e persistentes, enquanto podem estar
ausentes em outras. São freqüentes na evolução dos sintomas em pacientes com irritação ou
inflamação do pâncreas e da via biliar. Tanto na pancreatite quanto na colecistite aguda, é
incomum a ausência de vômitos. Raramente, os vômitos coincidem com ou precedem a dor
na apendicite aguda.
Nas doenças abdominais agudas, com exceção da gastrite aguda, os vômitos são devidos à:
irritação dos nervos do peritônio ou mesentério, como, por exemplo, perfuração de uma
úlcera péptica; obstrução de um tubo de musculatura lisa, como, por exemplo, o ureter,
conduto biliar (cístico, colédoco), intestino; ação e absorção de toxinas sobre as centrais
medulares.
X. Outros Dados Diagnósticos.
A idade do paciente é de grande importância, visto que algumas doenças são limitadas a
certos grupos etários. A apendicite aguda é doença de jovem, raramente ocorrendo no
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idoso. A colecistite aguda é pouco comum em pessoas com idade abaixo de 30 anos. Já a
obstrução do cólon geralmente ocorre no paciente de uma faixa etária mais elevada.
A posição que o paciente assume para ter alívio da dor pode ser útil para o diagnóstico. Na
pancreatite, por exemplo, eles fletem o abdômen sobre joelhos e quadris, pois esta posição
relaxa o músculo psoas, que se encontra irritado pela liberação de enzimas pancreáticas no
retroperitônio.
O paciente com peritonite difusa prefere ficar imóvel, resistindo a qualquer movimento,
pela forte irritação do peritônio parietal.
XI. Exame Físico do Paciente.
Um exame físico cuidadoso do paciente com abdômen agudo é essencial para se chegar a
um diagnóstico correto.
Geralmente, o paciente com abdômen agudo tem um aspecto doentio, às vezes
apresentando-se apreensivo e irritável, ansioso pelo alívio da causa de sua dor.
A expressão do paciente pode orientar certas patologias e a gravidade de cada caso.
Palidez acentuada e sudorese fria podem levantar a suspeita de provável úlcera perfurada,
pancreatite ou gravidez tubária rota na mulher.
A posição do paciente também é importante, pois é provável que um paciente agitado, com
dor abdominal aguda, não tenha peritonite. Os movimentos fazem aumentar a dor; a
tendência do paciente, então, é ficar o mais imóvel possível.
No entanto, nas fases iniciais de patologias abdominais agudas, a atitude do paciente pouco
pode contribuir para o diagnóstico. Os dados vitais, como pulso, pressão arterial e
temperatura, devem ser anotados de maneira rotineira no exame físico do paciente com
abdômen agudo. A freqüência seriada do pulso tem maior valor do que a sua observação
inicial. Nos casos de hemorragias graves, normalmente encontramos pulso acelerado e fino,
como ocorre nas rupturas de vísceras maciças, como fígado e baço, nos traumas
abdominais. Um pulso filiforme é constatado nas fases tardias de peritonite, denotando mau
prognóstico.
A temperatura dos pacientes com doença abdominal aguda também é de grande valia e
deve ser mensurada pelas vias axilar e retal.
Nas fases iniciais da apendicite aguda, colecistite não-complicada, diverticulite e obstrução
intestinal, a temperatura inicial raramente passará de 38ºC. Entretanto, quando se tem
necrose apendicular e peritonite difusa, a temperatura aumentará para 39ºC, declinando
quando surgir o choque.
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No início de uma patologia abdominal aguda, com temperatura axilar acima de 39ºC, devese pensar em doença pélvica aguda ou infecção urinária. Febre elevada é um dado incomum
nas fases iniciais do abdômen agudo.
XII. Exame do Abdômen.
Inicialmente deve ser feita uma inspeção do abdômen, observando-se se o paciente
apresenta cicatriz cirúrgica, pois esta poderia levar à formação de bridas e oclusão
intestinal. Verificar se há distensão abdominal; observar os orifícios herniários, para poder
diagnosticar uma provável hérnia encarcerada.
A palpação deve ser iniciada na área distal ao local de dor máxima.
É importante examinar ambos os lados do abdômen com as duas mãos. O espasmo
unilateral do músculo reto é indicativo de processo inflamatório agudo sob este músculo,
pois o paciente é incapaz de contrair voluntariamente um reto em grau maior do que o
outro.
Contratura muscular (involuntária) intensa é sugestiva de peritonite difusa. A rigidez está
ausente nas lesões inflamatórias da pelve, o mesmo ocorrendo na obstrução intestinal nãocomplicada.
A ausculta abdominal deve ser feita nos quatro quadrantes do abdômen, por um período
mínimo de três minutos, para que se tenha certeza dos ruídos peristálticos normais ou
alterados.
O peristaltismo poderá estar aumentado nas obstruções intestinais sem necrose de alça, ou
diminuído nos casos de peritonite difusa.
XIII. Sinal de Blumberg.
Ao se comprimir profundamente a parede abdominal e, logo após, retirar subitamente a
mão, o paciente poderá acusar uma dor intensa no local. Quando a descompressão é
positiva, denotará um foco inflamatório intra-abdominal, adjacente à área comprimida.
XIV. Sinal de Rovsing.
É realizado palpando-se o lado esquerdo do abdômen; o paciente relatará dor no nível da
FID. Geralmente ele está presente na apendicite aguda, porque a onda gasosa é transmitida
pelo cólon até o ceco, que já se encontra distendido, edemaciado, com excesso de formação
de gases por proliferação bacteriana. Então, o paciente relatará dor neste nível.
XV. Sinal de Murphy.
A manobra consiste em, por meio da palpação, comprimir o ponto cístico, no hipocôndrio
direito, e pedir que o paciente inspire profundamente. Normalmente, a vesícula biliar
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inflamada em contato com o peritônio parietal leva à dor, e a inspiração é entrecortada.
Positivo nos casos de colecistite aguda.
XVI. Sinal de Jobert.
É realizado a partir da percussão ao nível da linha axilar média, sobre a área hepática,
surgindo timpanismo no local nos casos positivos. Este sinal sugere ar livre na cavidade
abdominal, por perfuração de uma víscera oca.
XVII. Exame Retovaginal.
A parte inferior do abdômen encontra-se escondida na pelve inferior por estruturas ósseas e
tecido mole, podendo ser avaliada pelo examinador por meio de toque retal digital ou
vaginal. Este é um exame pouco realizado, sendo a dor do peritônio pélvico de máxima
importância para o diagnóstico das patologias abdominais agudas. A saliência de um
abscesso pélvico na parede anterior do reto pode ser demonstrada por uma massa dolorosa
neste nível.
Também se pode evidenciar crepitação, devido à perfuração de víscera oca retroperitoneal,
através do toque retal.
Na mulher, podem ser palpadas massas dolorosas e indolores no fundo-de-saco de Douglas.
A consistência de dor no colo uterino e a presença de secreção purulenta, exteriorizando-se
pelos genitais externos, podem ser representativas de doença pélvica aguda.
Completando a propedêutica, o exame bimanual retoabdominal ou abdominal-vaginal deve
ser realizado rotineiramente.
XVIII. Exame Radiológico do Abdômen Agudo.
O exame radiológico do paciente com doença abdominal aguda deve ser considerado uma
extensão do exame físico. Para uma interpretação adequada, as radiografias devem ser
tecnicamente boas, e o examinador deve estar ciente dos achados clínicos do paciente.
Os raios X simples do abdômen devem ser sempre solicitados em duas incidências:
decúbito dorsal e ortostatismo. Caso o paciente não consiga ficar de pé, poderão ser
realizados os raios X do abdômen em decúbito dorsal com raios horizontais.
Normalmente não detectamos a presença de ar no intestino delgado, exceto nos recémnascidos, em pacientes submetidos à lavagem intestinal ou naqueles em uso de
antiespasmódicos.
Os raios X em ortostatismo servem para demonstrar a presença de níveis hidroaéreos, assim
como o desenho e a posição das alças intestinais.
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Sempre, na doença abdominal aguda em que for realizado estudo radiológico simples do
abdômen, deverão ser feitos raios X de tórax em PA e perfil, o que possibilitará uma
melhor visualização de ambas as cúpulas frênicas e as condições para detectarmos a
presença de pneumoperitônio na perfuração de uma víscera oca. Eles também servem para
excluir patologias pleuropulmonares basais na criança e para demonstrar uma hérnia
diafragmática.
Cerca de 90% dos cálculos do trato urinário são radiopacos e serão vistos aos raios X.
Inversamente, apenas 10-15% dos cálculos do trato biliar serão vistos. De grande
importância diagnóstica é a detecção de ar na via biliar, indicando uma colecistite
enfisematosa por bactérias anaeróbicas ou uma fístula biliodigestiva.
O apagamento da sombra do psoas ocorre nas patologias retroperitoneais, como
hematomas, ou em processo inflamatório adjacente a esse músculo.
Na apendicite aguda, podem ser visualizados sinais inespecíficos, como níveis hidroaéreos
no ceco e íleo terminal, apagamento da sombra do músculo psoas, escoliose antálgica,
fecalito na FID. Pode-se ainda evidenciar um pneumoperitônio por perfuração apendicular,
que é incomum (0,5-7%).
Na pancreatite aguda, os raios X de tórax podem demonstrar um derrame pleural. Na
radiografia de abdômen, encontramos um íleo segmentar (alça sentinela), sinal da
amputação do cólon transverso, apagamento da sombra do músculo psoas.
Em circunstâncias especiais, podemos realizar estudos radiológicos com uso de contraste,
como uma gastrografia, na suspeita de perfuração de uma úlcera péptica, ou uma biligrafia,
nos casos de colecistites agudas.
XIX. Ultra-som no Abdômen Agudo.
Atualmente, a ultra-sonografia tem-se tornado um exame amplamente empregado em
patologias abdominais. O exame pode ser realizado rapidamente, é incruento e independe
da função do órgão, não precisando de um preparo prévio.
Nas colecistites agudas, apresenta maior positividade do que os exames contrastados,
podendo, também, identificar um colédoco dilatado, obstruções extra-hepáticas, abscessos
subdiafragmáticos e hepáticos.
Na pancreatite aguda, todo o pâncreas está aumentado, podendo revelar também a presença
de um pseudocisto pancreático.
Os abscessos podem desenvolver-se em qualquer local do abdômen, sendo difícil a sua
detecção, apesar de exames complementares realizados. Muitos pacientes têm de se
submeter a uma laparotomia exploradora como último recurso. O exame ultra-sônico,
juntamente com a cintilografia, é o método de escolha para a localização desses abscessos.
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A ultra-sonografia tornou-se um exame importante e deve ser empregada em concomitância
com outros métodos tradicionais; o paciente é submetido a desconforto e risco mínimos.
XX. Tomografia Computadorizada (TC) no Abdômen Agudo.
Nas últimas décadas houve grande avanço tecnológico em relação aos exames
complementares, principalmente dos métodos de imagem (tomografia computadorizada,
ultra-som e ressonância magnética) que vieram somar-se à radiologia convencional. A TC,
apesar de não ser um exame de rotina nos pacientes com abdômen agudo, pode fornecer
informações superiores às de outros estudos convencionais.
Ela é uma investigação não-invasiva que, em muitos casos, é mais sensível para definir uma
doença intra-abdominal e retroperitoneal do que a radiografia convencional.
A TC tornou-se um método auxiliar importante na avaliação do paciente com traumatismo
abdominal fechado, proporcionando dados quantitativos sobre o hemoperitônio, bem como
informação qualitativa sobre a fonte desse hemoperitônio.
A ressonância magnética, embora de grande valor em neurologia, ainda não encontrou um
papel significativo no diagnóstico do abdômen agudo. No entanto, não deve ser omitido um
exame clínico bem-realizado do paciente, em detrimento de exames complementares mais
sofisticados.
XXI. Laparoscopia de Urgência.
De grande utilidade, a videolaparoscopia pode ser usada tanto no diagnóstico como no
tratamento de diversas afecções (ver Cap. 36, Laparoscopia na Emergência). A precisão
diagnóstica da laparoscopia é a mesma de uma laparotomia.
XXII. Exames Laboratoriais.
Conforme já salientado, o diagnóstico do abdômen agudo baseia-se fundamentalmente na
anamnese e no exame físico. Os exames complementares laboratoriais servem para reforçar
este diagnóstico.
Em patologias específicas, como na pancreatite aguda, a dosagem de amilase ou lipase
poderá ser útil no diagnóstico.
O leucograma orienta nos casos de abdômen agudo inflamatório e será analisado
posteriormente.
Referências
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Janeiro: Guanabara Koogan, 1979; 26: 288-306.
2. Bevilacqua. Fisiopatologia clínica. Clínicas Cirúrgicas América do Norte, 1983: 6.
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3. Condor Robert; Nyhus. Manual de Terapêutica Cirúrgica, 1976.
4. Cope Z. Diagnóstico Precoce do Abdômen Agudo, 1976.
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Surg Endosc 1998 Mar; 12(3): 219-22.
6. Dunphy. Exame Físico do Paciente Cirúrgico, 1978.
7. Martin RF, Rossi RL. The acute abdomen. An overview and algorithms. Surg Clin
North Am 1997 Dec; 77(6): 1.227-43.
8. Siewert B, Raptopoulos V, Mueller MF et al. Impact of CT on diagnosis and
management of acute abdomen in patients initially treated without surgery. AJR Am J
Roentgenol 1997 Jan; 168(1): 173-8.
Copyright © 2000 eHealth Latin America
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Capítulo 31 - Apendicite Aguda
Silvério Olímpio Couto
I. Considerações.
A apendicite aguda é a lesão inflamatória mais freqüente da cavidade abdominal.
É regra geral que todos os casos de apendicite aguda sejam operados tão rapidamente
quanto possível e, de preferência, nas primeiras 24 horas após o início da doença.
Comumente, seu diagnóstico é simples, mas existem casos que simulam outras lesões
abdominais, dificultando o diagnóstico.
É sempre bom lembrar que um quadro de apendicite aguda absolutamente típico, como
descrito na literatura, nem sempre é a regra. É importante, porém, que a apendicite aguda
seja diagnosticada antes que se instale um quadro de peritonite.
Quando tratada em tempo útil, geralmente ela evolui sem problemas. Se tardiamente, pode
apresentar complicações sérias. A apendicite aguda merece atenção especial de todo clínico
e cirurgião.
II. Etiopatogenia.
Não se conhece muito a respeito da etiopatogenia da apendicite aguda. Na maioria dos
casos, parece haver obstrução da luz apendicular, com infecção bacteriana distal.
Fecalitos, concreções, bridas, fibrose, tumores, parasitas e corpos estranhos parecem
constituir as causas mais comuns de obstrução. A válvula de Gerlach também pode agir
como fator obstrutivo.
Alguns autores acreditam que a apendicite aguda se inicia com ulceração da mucosa,
provocada por vírus e mantida secundariamente por infecção bacteriana.
Os agentes microbianos mais comuns na apendicite aguda são:
A. Anaeróbios não-esporulados: bacteróides.
B. Gram-negativos: E. coli, Klebsiella, Enterobacter.
C. Gram-positivos: Streptococcus faecalis.
III. Fisiopatologia.
O apêndice comunica-se com o ceco e, não havendo obstrução ou infecção, devolve ao
mesmo o conteúdo intestinal que nele penetra. Em caso de obstrução, forma-se uma alça
fechada. O apêndice tenta vencer o obstáculo, o que conduz a um aumento do peristaltismo.
O paciente sente dor em cólica — é a dor visceral.
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O peristaltismo e a obstrução estimulam a secreção de líquido; com isto, a cavidade
apendicular se enche, e há proliferação de bactérias.
A distensão comprime as terminações nervosas do simpático, e a dor referida à região
umbilical torna-se constante. Há obliteração de capilares e vênulas. O sangue arteriolar
continua a ser impelido, levando à congestão vascular, ao edema e ao início de diapedese.
Surgem náuseas, vômitos reflexos e dor forte ao nível da fossa ilíaca direita.
A inflamação aumenta. A anoxia e o aumento de pressão destroem as terminações nervosas
viscerais aferentes, e a dor visceral recrudesce.
Com a evolução do processo, aparecem a trombose e, posteriormente, zonas de infarto
atingindo a camada serosa do órgão. A dor passa a ser de origem peritoneal. Nessa fase, ao
exame clínico, encontram-se descompressão dolorosa e defesa muscular ao nível da parede
abdominal.
O sangue arterial continua a ser impelido para dentro do apêndice, provocando ruptura de
pequenos vasos e hemorragia. A parede apendicular, além da obstrução, se torna muito fina
e com a mucosa ulcerada, ocorrendo necrose e proliferação de germes. A absorção de
tecidos se manifesta por febre, taquicardia e leucocitose.
Se a obstrução persiste, pode haver perfuração com conseqüente peritonite, localizada ou
generalizada.
IV. Diagnóstico.
O apêndice ocupa posições diversas na cavidade abdominal, e os sinais e sintomas podem
variar em função de cada uma delas. Variam também conforme se trate de caso inicial ou já
com perfuração, abscessos ou peritonite. A sintomatologia adquire particularidades
especiais na criança, no idoso e na gestante. Contudo, em todos os casos suspeitos de
apendicite aguda, o diagnóstico é feito com base em três aspectos muito importantes:
história, exame físico e exames complementares.
A. História. É comum o relato de sintomas dispépticos, tais como flatulência ou mádigestão, alguns dias antes da crise. Alterações do hábito intestinal, como constipação ou
diarréia, são também relatadas (a última é mais comum em crianças).
1. Dor. De início periumbilical ou epigástrica, é em geral de pequena intensidade e pouco
definida. Cerca de seis horas após, irradia-se para a fossa ilíaca direita (FID), tornando-se
localizada. Caracteriza-se, então, por ser mais acentuada e contínua e por piorar com os
movimentos.
2. Náuseas. São freqüentes no início da crise. Vômitos surgem na fase de peritonite, em
conseqüência do íleo paralítico (vômitos de estase).
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3. Anorexia. É comum os pacientes relatarem anorexia precedendo o início do quadro
doloroso. Segundo Botsford e Wilson, quando pacientes com dor ao nível do abdômen
inferior começam a ter apetite novamente, a possibilidade de apendicite torna-se mais
remota.
4. Hábito intestinal. As alterações do funcionamento intestinal têm pouco valor diagnóstico.
Alguns pacientes se queixam de constipação. Pode ocorrer diarréia, principalmente em
crianças. Nos casos de apendicite retroileal, a irritação do íleo terminal estimula o
peristaltismo, provocando várias pequenas dejeções. Nos casos mais avançados, com
abscesso ou plastrão ao nível da FID, pode instalar-se, inclusive, quadro de obstrução
intestinal.
B. Exame físico. É bastante significativo para o diagnóstico. Os achados físicos
determinam o estágio da doença no momento do exame, assim como a posição do órgão
inflamado. Os sinais clássicos são encontrados em apêndice anterior não-perfurado.
Quando o paciente se encontra em fase de progressão ativa da doença, ele tem tendência a
se imobilizar, pois qualquer movimento pode provocar dor.
1. Aspecto geral
a. Febre. Geralmente é discreta, e pode não surgir no início da crise. Manifesta-se, porém,
antes de decorridas 24 horas, oscilando em torno de 37,5-38ºC.
Temperatura mais alta é rara, na ausência de perfuração. A diferença axilorretal, sugestiva
para o diagnóstico, é igual ou superior a 1ºC, nas apendicites pélvicas.
As crianças e os idosos podem apresentar oscilações de temperatura para mais ou para
menos, respectivamente.
b. Pulso. Levemente aumentado. Esperar que surja taquicardia significativa para indicar
uma intervenção cirúrgica (apendicectomia) é esperar por complicações.
2. Abdômen
a. Inspeção. Geralmente normal.
b. Percussão. A percussão superficial pode, sem provocar dor intensa, localizar o processo
inflamatório. O ponto mais doloroso à percussão corresponde, em geral, ao ponto de
McBurney. Tanto a hiper-ressonância localizada como a distensão abdominal por gases
podem ser demonstradas pela percussão.
c. Palpação. O grau de irritação peritoneal determina a intensidade do espasmo dos
músculos abdominais. Determina também a maior ou menor resposta à descompressão
abdominal, bem como sua distribuição.
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d. Hiperestesia cutânea. Localizada na pele da parede abdominal, principalmente ao nível
da FID, é um dado freqüente, mas inconstante na apendicite aguda não-perfurada. Segundo
Sheren, a hiperestesia depende muito do grau de distensão do apêndice.
e. Defesa na fossa ilíaca direita. Ausente no início da crise, quando as manifestações locais
são mascaradas por dores abdominais vagas. A defesa se manifesta ao exame clínico, após
a localização do processo inflamatório.
f. Contratura. Nem sempre presente nas fases iniciais, mas muito freqüente quando o
processo inflamatório se localiza. Existem vários graus de contratura muscular. Num grau
mínimo, ela é percebida quando o examinador pressiona profundamente a FID. Uma
contratura intensa geralmente significa peritonite. De um modo geral, pode-se dizer que,
mesmo em caso de contratura leve, mas persistente, há irritação do peritônio parietal. Na
apendicite sem peritonite, a contratura, com freqüência, está ausente.
g. Descompressão abdominal — sinal de Blumberg. A dor da descompressão abdominal,
direta ou referida, é importante para se determinar o grau de irritação peritoneal, bem como
a localização do ponto de maior dor.
h. Sinais do obturador e do psoas. Quando positivos, podem ser úteis na confirmação do
diagnóstico.
O sinal do obturador pode estar presente nos casos em que o processo inflamatório atinge a
parede pélvica (Fig. 31-1).
O sinal do psoas ocorre quando há irritação do músculo psoas pelo apêndice inflamado,
sendo mais comum nas apendicites retrocecais (Fig. 31-2).
i. Toques retal e vaginal. A sensibilidade de cada um destes exames depende da posição do
apêndice comprometido. São também importantes para o diagnóstico diferencial com
afecções geniturinárias.
j. Ausculta. É praticamente normal na ausência de peritonite. No processo localizado, os
sons intestinais estão presentes na porção do abdômen ainda não envolvida. Quando o
processo inflamatório se dissemina, os movimentos intestinais diminuem, até chegarem ao
silêncio abdominal do íleo paralítico.
C. Exames complementares. Sabe-se que no diagnóstico da apendicite aguda o mais
importante é o quadro clínico. Os exames laboratoriais são inespecíficos. Em locais onde os
resultados dos exames não são obtidos dentro de um tempo útil, é preferível dispensá-los,
pois a espera pode levar ao agravamento do processo. Quando possíveis, eles são de grande
valia. Os seguintes exames são os mais realizados:
1. Leucograma. Em presença de inflamação do apêndice, encontram-se leucócitos — entre
10.000 e 20.000/mm3; aumento de segmentados acima de 75%; aumento de células jovens
(bastonetes) acima de 5%. É bom lembrar que a contagem de leucócitos acima de
20.000/mm3 sugere complicações como perfuração e peritonite; mesmo na presença de
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apendicite aguda, existem certos casos em que se pode encontrar leucopenia: infecções
graves, uso de barbitúricos (fenobarbital), gravidez, raça negra, uso de corticóides e
pacientes idosos.
2. Hemossedimentação. Pode estar alterada em qualquer processo infeccioso e mesmo em
cerca de 20% dos casos normais. Tem valor no diagnóstico diferencial com casos de
pelviperitonites, onde está bastante aumentada (cerca de duas a três vezes o valor de
referência).
3. Urina de rotina. Importante para a exclusão de doenças do trato geniturinário. Importante
também nos casos de apendicite pélvica com irritação vesical por contigüidade, podendo
ocorrer piúria e hematúria discretas. O achado de mais de 20 hemácias e 20 piócitos por
campo leva à suspeita de afecções urinárias.
4. Raios X simples de abdômen. Podem fornecer dados importantes, com sinais diretos ou
indiretos de processo irritativo na fossa ilíaca direita. Podem-se encontrar: nível hidroaéreo
na região cecal; alça intestinal dilatada no quadrante inferior direito (alça sentinela);
apagamento segmentar ou total do músculo psoas direito; desaparecimento da gordura préperitoneal direita; escoliose antálgica; deformidades do ceco; pneumoperitônio (raro);
presença de fecalito (30% em crianças e 10% em adultos). As radiografias simples de
abdômen são ainda usadas no diagnóstico diferencial dos cálculos ureterais, obstrução
intestinal etc.
5. Enema opaco. Usado com mais freqüência nos casos atípicos e, principalmente, em
crianças. O procedimento é feito sem preparo do cólon, com pequena instilação de bário e
sem pressão externa. Podem-se encontrar: defeito de enchimento no ceco; não-visualização
do apêndice; amputação total ou parcial do apêndice; extravasamento de contraste.
6. Raios X de tórax. Empregados principalmente nas crianças, para afastar infecções
pleuropulmonares, que, com freqüência, simulam quadro de abdômen agudo.
7. Ultra-sonografia (US). Método indicado sempre que houver dúvida quanto ao
diagnóstico. A US é mais valiosa no diagnóstico da dor aguda do que da dor crônica. Na
apendicite aguda é preferível, portanto, que ela seja feita na vigência da crise e, de
preferência, com a bexiga cheia.
Achados comuns: estrutura tubular, de fundo cego, ligada ao ceco e com mais de 6 mm de
diâmetro; indeformável com a compressão; parede apendicular com mais de 3 mm.
Podem ainda ser encontrados: fecalito (apendicolito), espessamento de gordura
periapendicular e formação de abscesso.
Causas mais freqüentes de falso-negatividade: na perfuração do apêndice; nas apendicites
em que a ponta do órgão ocupa posições anômalas, como, por exemplo, na região
subepática; excesso de gases.
Diagnóstico diferencial: adenite mesentérica; cálculo ureteral; processos ginecológicos.
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A sensibilidade da US na apendicite aguda é de 80 a 90%. A especificidade é de mais de
90%.
8. Tomografia computadorizada. Tem sido indicada quando há distensão intestinal grande e
nos casos de obesidade excessiva. O diagnóstico de apendicite aguda tem sido possível com
bastante precisão. Contudo, uma limitação importante do método está na necessidade da
administração oral e venosa de contraste iodado para melhor delineamento das estruturas.
Isto contra-indica seu uso em pacientes alérgicos ao iodo. Atualmente, tem-se usado o
contraste não-iônico, que diminui os problemas relacionados à alergia.
9. Laparoscopia. Tem sido empregada em casos de dúvida, bem como em pacientes
imunodeprimidos, mulheres grávidas e, principalmente, crianças. Leape e Ramenofsky
mostraram em seu trabalho que, na criança, a laparotomia desnecessária pode, com a
laparoscopia, ser reduzida a 1%. A cirurgia laparoscópica freqüentemente é, nestes casos, o
método terapêutico de escolha.
10. Outros exames. São geralmente pouco utilizados: eritrograma, glicose, uréia, creatinina,
sódio, potássio, cloro e gasometria, nos casos de peritonite generalizada ou mau estado
geral.
V. Apendicite Aguda — Formas Especiais
A. Apendicite aguda perfurada. Neste caso, os sintomas e a evolução do processo são os
mesmos já descritos para a apendicite aguda, acrescidos dos sinais e sintomas devidos à
irritação peritoneal localizada ou generalizada.
O quadro, contudo, está muito relacionado com a posição do apêndice e a irritação
peritoneal.
B. Apendicite ilíaca
1. Dor súbita no abdômen inferior, intensa e difusa.
2. Taquicardia freqüente.
3. Febre alta, em geral de 39-40ºC.
4. Toxemia freqüente.
5. Leucócitos de 15.000-25.000/mm3.
6. Fundo-de-saco bastante sensível.
7. Peristaltismo ausente.
8. Descompressão: positiva em todo o abdômen.
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9. Contratura.
10. Pneumoperitônio: raro.
11. Sinais de psoas e do obturador freqüentes.
C. Apendicite pélvica. A perfuração pode originar poucos sinais e sintomas, passando, com
freqüência, despercebida.
1. Dor mais sentida na fossa ilíaca direita.
2. Contratura da parede abdominal quase não existe.
3. Disúria freqüente.
4. Diarréia ou tenesmo freqüente em virtude de irritação do reto.
5. Toque retal: freqüente o encontro de tumoração dolorosa.
6. Irritação freqüente do músculo obturador.
D. Apendicite hiperplástica. Quadro provável de apendicite aguda com evolução
prolongada, em torno de 9-10 dias, com tumor palpável na FID. Milloy e Fell fizeram
referência ao termo tumor inflamatório do apêndice, podendo evoluir para estágios
patológicos diversos.
1. Reação apendicular local menos intensa, com bloqueio do órgão inflamado pelo epíploon
e pelas alças intestinais. Constitui uma peritonite fibrinosa e pode responder
satisfatoriamente ao tratamento conservador.
2. Reação local mais grave, com presença de pus, sepse, e requerendo tratamento cirúrgico.
O diagnóstico diferencial da forma hiperplástica é feito principalmente com: neoplasia da
região ileocecal, afecções ginecológicas de natureza inflamatória e abscesso apendicular.
Alguns métodos de exames podem ser usados em momento oportuno, ajudando no
diagnóstico; como exame ginecológico, ultra-sonografia; tomografia computadorizada,
enema opaco e colonoscopia.
E. Apendicite na criança. A morbidade e a mortalidade da apendicite aguda no recémnascido e em crianças pequenas são bem maiores do que no adulto. As causas principais
são:
1. O diagnóstico é mais difícil. As crianças não descrevem seus sintomas, e o quadro
clínico é com freqüência atípico, inclusive com febre alta, vômitos e diarréia.
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2. Perfuração — ocorre em 30-50% das crianças de até 6 anos e em 85% dos recémnascidos.
3. Peritonite grave é freqüente. O grande epíploon, ainda incompleto, não consegue conter a
inflamação.
F. Apendicite aguda nos idosos. A apendicite aguda nos idosos tem, com freqüência, uma
apresentação clínica diferente, tornando o diagnóstico mais difícil.
1. Dor: pode ser pouco pronunciada.
2. Temperatura: pode ser normal ou baixa.
3. Leucócitos: contagem normal ou baixa.
4. Perfuração: ocorre, em média, em 42% dos casos.
5. Índice elevado de complicações sépticas.
Em suma, nos idosos os sintomas são menos pronunciados, de modo que os achados não
são proporcionais à severidade da doença.
G. Apendicite aguda na gravidez. É a emergência cirúrgica mais comum na gravidez.
Contudo, é fato comprovado que a gravidez não aumenta a incidência de apendicite. Às
vezes, o diagnóstico é difícil, por vários motivos:
1. Dor abdominal, náuseas e vômitos são comuns durante a gravidez.
2. O apêndice é deslocado pelo útero grávido e, assim, aos cinco meses de gestação ele está
ao nível da crista ilíaca; aos oito, ao nível da parte média da linha que vai da crista ilíaca às
últimas costelas. A dor, conseqüentemente, altera-se em relação à parede abdominal.
3. Leucocitose em torno de 15.000/mm3 já é um dado comum na grávida.
4. A laparoscopia tem sido usada com freqüência. A mortalidade fetal na apendicite é de
cerca de 8,5%. Contudo, na presença de peritonite generalizada, ela pode subir para 35%.
VI. Diagnóstico Diferencial.
Inclui numerosas doenças. Citam-se apenas as mais importantes e mais freqüentes.
A. Apendicite ascendente: colecistite; úlcera duodenal em atividade; abscesso perirrenal;
hidronefrose — pionefrose; infecção urinária; litíase renal.
B. Apendicite ilíaca: úlcera duodenal perfurada; doença de Crohn; carcinoma de ceco ou
íleo; tuberculose ileocecal; litíase ureteral; diverticulite de Meckel; abscesso do psoas;
tuberculose coxofemoral; ruptura do músculo reto do abdômen; tiflite.
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C. Apendicite pélvica: obstrução intestinal; diverticulite com abscesso.
D. Em mulheres: gravidez ectópica; torção de pedículo de cisto de ovário; salpingite;
abortamento; colite.
E. Em países tropicais: hepatite; ruptura de abscesso; tiflite; malária.
F. Em crianças: infecção intestinal; linfadenite mesentérica; pneumonia da base direita;
infecção urinária.
VII. Tratamento.
Há somente um tratamento efetivo para a apendicite aguda: apendicectomia. Tratar
apendicite aguda com antibióticos é, antes de tudo, ignorar a etiopatogenia obstrutiva do
processo.
Nos casos iniciais e com o paciente em bom estado geral, a cirurgia é imediata.
Naqueles casos em que o estado geral está comprometido, devem-se corrigir as alterações
hemodinâmicas, ácido-básicas e hidroeletrolíticas, antes da cirurgia.
Na forma hiperplástica, com plastrão no quadrante inferior direito, o tratamento é feito, de
início, com antibiótico, analgésico e terapia de suporte. Existem duas opções para o
tratamento definitivo:
Tratamento cirúrgico com apendicectomia. Tão logo o paciente venha a apresentar
condições gerais satisfatórias, a cirurgia será indicada. Os partidários da exérese do órgão
justificam a conduta principalmente por ela requerer um menor tempo de permanência
hospitalar (Fig. 31-3).
Tratamento conservador. Mantêm-se o uso de antibióticos e a cobertura do estado geral, a
fim de se esfriar o processo e operar eletivamente.
Não havendo melhora, ou no caso de dúvida diagnóstica em relação ao tumor inflamatório,
é indicada a cirurgia.
Os adeptos do tratamento conservador argumentam que ele evita a ocorrência de lesões
intestinais, fístulas, além de prevenir a disseminação do processo infeccioso para a cavidade
peritoneal restante.
A. Tática cirúrgica
1. Incisão de Babcock, usada com freqüência nos casos iniciais.
2. Laparotomia paramediana, pararretal interna direita, médio e infra-umbilical, deverá ser
indicada quando houver:
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a. Presença de abscesso-plastrão.
b. Peritonite generalizada.
c. Dúvida diagnóstica.
d. Paciente obeso.
3. Ao se abrir o peritônio, qualquer fluido deve ser colhido para cultura e antibiograma. Se
possível, devem-se pesquisar também anaeróbios.
4. Apendicectomia.
5. Ligadura e invaginação do coto apendicular através de uma sutura em bolsa.
6. Em caso de edema inflamatório do ceco, pode-se usar um método alternativo para
tratamento do coto apendicular: técnica de Parker-Kerr.
7. Em caso de peritonite generalizada, a cavidade deve ser lavada copiosamente com soro
fisiológico.
B. Drenos
1. Não usar drenos em apendicite aguda simples.
2. Colocar dreno apenas nas coleções (lojas) de pus localizadas. Usa-se o Penrose por
contra-abertura.
3. O maior problema da drenagem está nos casos de peritonite generalizada. Alguns
cirurgiões preconizam o uso de drenos (fossa apendicular, pelve, goteiras parietocólicas)
como sendo capazes de evitar a formação de abscessos. Outros são contrários à drenagem
da cavidade nas peritonites generalizadas, com as seguintes justificativas:
a. Os drenos, em geral, ficam praticamente obstruídos após 24 horas.
b. Não evitam a formação de abscessos.
c. Potencialmente perigosos, por favorecerem a formação de aderências ao seu redor.
d. Os drenos podem atuar nos dois sentidos, permitindo a penetração de bactérias na
cavidade abdominal.
Assim, desaconselhamos o uso de drenos nas peritonites generalizadas.
C. Fechamento da parede
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1. Se o apêndice não estiver gangrenado ou perfurado, a incisão é fechada primariamente.
2. Se o apêndice estiver gangrenado ou perfurado, a gordura subcutânea e a pele podem ser
deixadas abertas, apenas com curativo. É o fechamento retardado. Depende das condições
da ferida e da decisão do cirurgião.
Optando-se pelo fechamento retardado, aconselham-se os seguintes cuidados:
a. No terceiro dia de pós-operatório, trocar o curativo. Caso não haja sinais de infecção
(hiperemia, secreção purulenta, necrose do tecido gorduroso), fazer o fechamento.
b. Existindo infecção, deixar a ferida aberta, protegida por curativo, que deve ser trocado
pelo menos uma vez ao dia. Quando a ferida estiver limpa, sem sinais de infecção, será
submetida ao fechamento.
D. Antibióticos. Ainda não há consenso em relação ao uso de antibióticos na apendicite
aguda. De modo geral, eles são indicados quando ocorre a formação do abscesso ou a
perfuração livre.
Como as condições do apêndice e de suas estruturas circundantes não podem ser
corretamente avaliadas até o início da operação, é prudente o uso de antibióticos (uma
dose) no pré-operatório.
A continuação da terapêutica vai depender dos achados operatórios, ou seja:
1. Inflamação restrita ao apêndice: antibiótico somente no pré-operatório.
2. Inflamação com periapendicite, sem pus: antibiótico somente no pré-operatório.
3. Perfuração do apêndice, com abscesso localizado: recomendado o uso de antibióticos.
4. Apendicite aguda com peritonite generalizada: antibióticos, com esquema tríplice.
Vimos, em II, que a bacteriologia da apendicite aguda é representada por uma associação
de bactérias aeróbicas e anaeróbicas. Assim, a terapêutica com antibióticos deve ser
baseada no uso de medicamentos para aeróbios e anaeróbios.
As combinações podem ser variáveis entre as drogas: ampicilina, gentamicina, cefalotina,
cefaloridina, cefamandol, clindamicina, metronidazol, cloranfenicol, cefaxitina e imipenem.
Temos usado a associação de clindamicina com aminoglicosídeo.
E. Apendicectomia por cirurgia videolaparoscópica. Hoje é bastante empregada. Isto se
deve ao melhor treinamento com a conseqüente experiência adquirida pela equipe
cirúrgica; várias técnicas têm sido descritas e empregadas.
VIII. Complicações Pós-Operatórias.
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As complicações mais freqüentes após apendicectomia estão principalmente relacionadas
com o grau de inflamação apendicular. É importante levar em conta o tempo decorrido
entre o início do quadro e o momento da cirurgia.
As complicações mais freqüentes são: abscessos de parede, abscessos residuais, obstrução
intestinal, fístula fecal, evisceração, eventração, peritonites e hemorragia.
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Capítulo 32 - Úlceras Gastroduodenais Pépticas Perfuradas
Ronan Coelho Caldeira
Walter Antônio Pereira
I. Generalidades.
Cerca de 25 milhões de pessoas nos Estados Unidos da América apresentaram um quadro
de doença ulcerosa péptica em um determinado período de suas vidas. Uma alta proporção
dos quadros (pelo menos 90%) é causada pela infecção pelo Helicobacter pylori.
Entre as causas de abdômen agudo não-traumático, as perfurações gastroduodenais,
comumente conseqüentes a uma úlcera péptica perfurada, estão entre as mais freqüentes,
seguindo-se as apendicites e obstruções intestinais. Elas são observadas predominantemente
nos jovens, metade dos casos ocorrendo em pacientes de 20 a 40 anos. Apenas 20% dos
pacientes têm mais de 60 anos de idade.
As úlceras duodenais perfuram, de um modo geral, a parede anterior e a curvatura, sendo
que as da parede posterior penetram órgãos adjacentes. As úlceras gástricas perfuram,
usualmente, a parede anterior da região pré-pilórica, tendo diâmetro inferior a 1 cm; as da
parede posterior geralmente penetram órgãos vizinhos (o abscesso hepático é uma
complicação rara da perfuração), mas podem perfurar a retrocavidade dos epíploons,
quando ocasionam pequena sintomatologia, dificultando o diagnóstico.
A área mais acometida é a do duodeno, em proporção de 14:1 em relação ao estômago. A
mortalidade, porém, é proporcionalmente maior nas perfurações gástricas, em torno de
20%, talvez porque elas acometam pacientes mais idosos. A mortalidade por úlcera
duodenal perfurada é de 12%. Quando a perfuração está associada à hemorragia, há um
aumento de 10-15% no índice de mortalidade. Pacientes com mais de 70 anos de idade
apresentam mortalidade acima do dobro em relação aos pacientes com menos idade. Outros
fatores de risco nos portadores de perfuração são a presença de choque (pressão sistólica
menor do que 100 mmHg), doença clínica concomitante grave e evolução prolongada da
perfuração (maior do que 24 horas).
Os pacientes acometidos de úlcera perfurada podem ou não apresentar sintomas dispépticos
pregressos, sendo considerados como crônicos os que apresentam dispepsia há mais de três
meses e agudos os que a apresentam há menos de três meses ou que não a apresentam.
O uso de medicamentos ulcerogênicos é o único fator de risco bem-documentado para a
perfuração de uma úlcera péptica, mas representa apenas um quarto destes eventos. O
tabagismo também tem uma associação com a perfuração.
Cerca de 7% dos portadores de úlceras gástricas perfuradas têm, na verdade, carcinomas
perfurados.
O diagnóstico das úlceras perfuradas é fácil, porém o erro ou retardo na identificação da
doença implica prognóstico bastante sombrio, pois atrasa a instituição do tratamento
adequado.
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II. Diagnóstico.
O diagnóstico da perfuração gastroduodenal não é difícil, caso o paciente seja
adequadamente avaliado. Devido ao grande desconforto relatado pelo paciente, este procura
o Serviço de Urgência rapidamente, sendo possíveis o diagnóstico e o tratamento precoces.
A. Dor. É o sintoma mais importante e decorre da estimulação de terminações nervosas
peritoneais pelo suco gástrico, que inunda a cavidade peritoneal e persiste durante toda a
evolução da doença. É de início súbito, de localização epigástrica e rápida expansão para o
flanco e a fossa ilíaca direita e, posteriormente, para todo o abdômen.
Pode ocorrer dor em um ou em ambos os ombros, em decorrência da irritação frênica. O
peritônio pélvico é doloroso, o que pode ser evidenciado pelo toque retal ou vaginal.
Devido à piora da dor com a movimentação, o paciente procura manter-se imóvel e adota
posição antálgica, com pernas fletidas sobre o tronco. A respiração torna-se superficial,
pois a inspiração e a tosse ou o espirro fazem piorar a dor.
Pode haver uma melhora parcial da dor abdominal independentemente do uso de
analgésicos, mas esta melhora raramente é significativa; o paciente cursa com dor todo o
tempo, a menos que seja imediatamente tratado.
B. Contratura abdominal. É um sinal que persiste até a fase de toxemia, sendo indicativo de
grave doença intra-abdominal. Ao exame, encontramos músculos abdominais rígidos à
palpação e à respiração, sendo isto conhecido como abdômen em tábua. A tentativa de se
pressionar a musculatura abdominal exacerba a dor e pode provocar vômitos.
C. Vômitos. Nas fases iniciais da perfuração, os vômitos surgem devido à dor abdominal
intensa e à estimulação da inervação do peritônio. À medida que o processo evolui, eles
desaparecem, para voltarem mais freqüentemente quando se instala a toxemia, caso o
paciente não seja tratado adequadamente.
D. Timpanismo hepático. Deve ser pesquisado com percussão sobre a linha axilar média,
sendo a evidência de timpanismo até 4 cm ou mais da reborda costal indicativa de gás livre
na cavidade peritoneal.
E. Outros sinais. O paciente portador de perfuração gastroduodenal pode, ainda nas fases
iniciais, apresentar quadro sincopal, extremidades frias e hipotermia. Nas fases finais,
quando não tratado, ele apresenta quadro toxêmico grave.
F. Estudo radiológico. Sessenta a 75% dos pacientes apresentam pneumoperitônio ao
estudo radiológico convencional, ou seja, incidências de tórax em ortostatismo, abdômen
simples em ortostatismo ou decúbito lateral esquerdo com raios horizontais naqueles
pacientes que não conseguem sentar-se ou ficar de pé. É importante que, para as incidências
em ortostatismo, o paciente permaneça de pé ou sentado durante 10 minutos antes de
submeter-se ao exame. O pneumoperitônio ocorre cedo na evolução da perfuração; assim,
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caso ele não surja nas primeiras horas de evolução, proavelmente não aparecerá em
radiografias seqüenciais. A imagem radiográfica de pneumoperitônio é mais comum nos
pacientes mais idosos e não tem relação com a localização da perfuração no trato
gastrointestinal no que diz respeito à maior ou menor freqüência.
O exame contrastado do estômago e do duodeno, em geral, não é necessário para o
diagnóstico. Quando indicado, ele deve ser realizado com contraste hidrossolúvel,
mostrando o local da perfuração em torno de 60% dos casos. Quando não há vazamento de
contraste, isto significa que a lesão está tamponada por epíploon ou estruturas adjacentes,
ou que a causa da dor abdominal ou do pneumoperitônio não é decorrente da perfuração do
estômago ou do duodeno.
A tomografia computadorizada parece poder detectar ar livre na cavidade peritoneal
quando a radiografia simples falhou em mostrá-lo, podendo ser importante nos casos de
perfurações confinadas ou nas perfurações para a retrocavidade dos epíploons.
III. Tratamento.
O tratamento inicial é constituído pela avaliação clínica minuciosa com monitoração
freqüente de pressão arterial, pulso e diurese, através de cateter vesical de demora. Nos
pacientes com idade avançada, cardiopatas ou que necessitam de grande reposição hídrica,
o cateterismo de uma veia central para a medida da PVC é imperativo. Deve-se procurar
melhorar as condições gerais do paciente através da reposição hidroeletrolítica, aspiração
do conteúdo gástrico por sonda nasogástrica e antibioticoterapia de largo espectro de ação,
lembrando que as infecções mais encontradas são as associadas por estreptococos e E. coli.
O uso de analgésicos só deve ser instituído após estabelecido o diagnóstico correto ou, se
este não for possível, quando estiver formalmente indicada a cirurgia exploradora.
Não existe consenso quanto ao melhor tratamento após a melhoria das condições do estado
geral do paciente. A maioria dos Centros Médicos indica exploração cirúrgica, mas alguns
autores têm publicado séries de estudos de pacientes tratados de modo conservador com
resultados comparáveis aos da cirurgia, em relação à mortalidade. Mesmo entre os que
advogam a abordagem cirúrgica, não há consenso quanto à melhor técnica a ser empregada.
A. Tratamento conservador. Apesar de instituído por Taylor desde 1946, quando ele obteve
índice de mortalidade menor do que aqueles obtidos por exploração cirúrgica na época,
ainda é considerado como tratamento de exceção. Constitui-se em aspiração do conteúdo
gástrico, reposição hidroeletrolítica, antibioticoterapia sistêmica e analgésicos; deve ser
acompanhado por cirurgiões experientes, para que cirurgia não seja indicada tardiamente
em caso de insucesso no tratamento. De preferência, deve-se evidenciar tamponamento da
perfuração por exame contrastado com oposição hidrossolúvel e, após cinco a seis horas de
tratamento, pesquisar se houve melhora dos achados abdominais, se não ocorreu aumento
do pneumoperitônio e se os sinais vitais encontram-se estáveis. Caso o exame clínico
indique piora nestes parâmetros, a indicação da exploração cirúrgica será formalizada.
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O tratamento conservador está indicado em pacientes com grande risco cirúrgico, nos
pacientes idosos e em portadores de doenças graves; está contra-indicado em pacientes com
mais de 70 anos, pois o índice de insucesso é muito grande, e em úlceras gástricas
perfuradas, pelo risco de tratar-se de carcinoma perfurado.
B. Tratamento cirúrgico. É considerado como o tratamento de escolha. Apesar da discussão
acerca da melhor técnica cirúrgica a ser empregada, é absolutamente necessário o achado
da perfuração e a sua sutura.
Basicamente, dispomos de duas formas de tratamento, que são: (1) fechamento cirúrgico da
perfuração; (2) fechamento cirúrgico da perfuração associado a um procedimento
operatório para redução da secreção ácida.
A técnica de maior uso nas perfurações é a sutura simples, colocando-se alguns pontos
separados através da abertura, reforçados por uma mecha de epíploon (epiploplastia ou
remendo de Graham). Este é considerado um procedimento simples e seguro. Em caso de
perfurações de grandes dimensões ou em que a sutura não é possível devido a fatores
locais, pode-se fazer uma gastrostomia com sonda de Foley ou uma duodenostomia com
tubo em T de grosso calibre, levado até a parede abdominal em um túnel de epíploon.
Sempre que houver perfuração no estômago, deve-se efetuar biópsia das bordas da úlcera
ou ressecção cuneiforme para exame anatomopatológico e pesquisa de neoplasia.
O uso de procedimento redutor de ácido combinado com a sutura da lesão vem sendo cada
vez mais citado na abordagem dos portadores de úlceras duodenais perfuradas. Acredita-se
que a recorrência da doença ulcerosa diminua e que uma segunda cirurgia por qualquer
motivo relacionado à doença péptica também diminua em relação aos pacientes tratados
apenas com sutura. Sabe-se, no entanto, que 50% dos pacientes tidos como sintomáticos
crônicos de úlcera duodenal (dispepsia há mais de três meses) e 70% dos sintomáticos
agudos (dispepsia ausente ou há menos de três meses) permanecem livres de úlcera péptica
mesmo na ausência de procedimento redutor de ácido.
As técnicas empregadas para redução ácida combinada com a sutura são a vagotomia
troncular com piloroplastia, vagotomia troncular com antrectomia, vagotomia troncular
com hemigastrectomia e vagotomia super-seletiva ou proximal. Destas, a vagotomia superseletiva é tida como a mais vantajosa, pois aumenta o índice de cura em relação à sutura
simples e acarreta menores índices de complicações pós-operatórias (diarréia e dumping) e
mortalidade, quando comparada à gastrectomia e à vagotomia com drenagem.
No Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, de Belo Horizonte, mais de 90% dos casos
operados de úlcera perfurada gástrica ou duodenal são tratados com sutura simples e
limpeza exaustiva da cavidade peritoneal com solução fisiológica morna. A drenagem
peritoneal pode ser necessária nos pacientes com evolução tardia da perfuração, quando a
sutura não oferece segurança total, e naqueles que, por qualquer motivo, possam evoluir
para fístulas ou abscessos.
O papel da cirurgia videolaparoscópica para o reparo da úlcera péptica perfurada já foi
estabelecido. Entretanto, avaliar se o reparo videolaparoscópico é melhor do que o reparo
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cirúrgico direto ainda não se encontra bem-determinado. O reparo videolaparoscópico é
mais demorado do que a cirurgia direta, mas em geral, o pós-operatório é menos doloroso, e
o tempo de hospitalização parece ser menor.
A técnica usada por videolaparoscopia, na qual, em vez de se realizar uma sutura
laparoscópica da perfuração, introduz-se através dela uma porção do grande omento, tem,
aparentemente, vários benefícios (comprovados em modelo experimental animal): é mais
rápida, favorece a cicatrização da úlcera e inibe a sua recorrência.
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Capítulo 33 - Obstrução Intestinal
Norton Costa e Silva
Ronan Coelho Caldeira
I. Introdução.
As diversas formas de abdômen agudo conhecidas podem ser agrupadas em cinco grandes
grupos ou síndromes: síndrome inflamatória, síndrome perfurativa, síndrome hemorrágica,
síndrome isquêmica e síndrome obstrutiva.
A síndrome obstrutiva, objeto de nosso estudo, engloba, na verdade, todos aqueles
pacientes que apresentam, por um motivo ou outro, interrupção ou retardo no
funcionamento normal do tubo intestinal. Diferentemente das demais, esta síndrome não
cursa com irritação peritoneal. Quando se instala o quadro de irritação peritoneal,
seguramente o nosso diagnóstico está sendo feito tardiamente, com prognóstico reservado.
Muitas vezes é o paciente quem deixa para procurar o médico somente quando sua doença
está complicada. O que não é admissível é retardarmos o diagnóstico e o tratamento
daquele que nos procura em tempo hábil. É evidente que, quanto mais rapidamente o
paciente for tratado, menores serão as chances de que se instalem e desenvolvam as
principais complicações.
A. Estado catabólico. O paciente obstruído não se alimenta adequadamente e seus estoques
de glicogênio e gordura são depletados para fornecer calorias.
B. Distúrbio hidreletrolítico. Ocorrerá, além de perdas externas através de vômito e/ou
drenagem gástrica, seqüestração de líquidos e eletrólitos na luz intestinal e na cavidade
peritoneal.
C. Sofrimento de alças. O pedículo vascular do intestino pode ser de tal modo comprimido,
que o seu suprimento sangüíneo fica comprometido. Às vezes, a própria distensão da alça
comprime os vasos, isquemiando-a, favorecendo assim a instalação de perfuração. Isto é
particularmente verdadeiro nas obstruções de cólon, onde a vascularização é mais pobre do
que no intestino delgado.
II. Etiopatogenia.
A obstrução intestinal pode ser causada por um obstáculo mecânico, qundo é denominada
obstrução mecânica, ou por paralisia do músculo intestinal, chamado íleo paralítico.
Na abordagem inicial do paciente obstruído, é importante diferenciarmos estas duas
entidades, já que elas possuem causas e tratamentos distintos.
A. Íleo paralítico. Este é um transtorno comum, podendo ser causado por diversos fatores
neurogênicos, humorais e metabólicos. Ocorre em graus variáveis após toda cirurgia
abdominal. As principais causas de íleo paralítico são:
1. Reflexo
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a. Litíases biliar e urinária. Na distensão da via biliar ou do ureter surgem reflexos que
inibem a motilidade intestinal.
b. Pneumonia de base.
c. Fratura de costelas, coluna e hematoma retroperitoneal.
d. Infarto do miocárdio (região diafragmática).
e. Abscesso de parede.
f. Nas peritonites.
2. Vasculite. Pode ocorrer íleo paralítico no curso de algumas enfermidades, como na
panarterite nodosa, na esquistossomose (provocada pelo verme vivo), na sífilis, crise
drepanocítica, embolia e trombose venosa e/ou arterial.
3. Na carcinomatose
4. Na esclerodermia
5. Nos distúrbios hidroeletrolíticos, particularmente a hipopotassemia, porque interfere nos
movimentos iônicos normais durante a contração do músculo liso.
6. Comprometimento ganglionar. Pode ocorrer na doença de Chagas, no diabetes
descompensado, devido a algumas toxinas (botulismo, aracnidismo, influenza, difteria,
febre tifóide, lepra), no uso de algumas drogas anticolinérgicas (atropina, escopolamina),
bloqueadores ganglionares etc.
7. Comprometimento nervoso. Ocorre nas chamadas polineuropatias, que podem ser
infecciosas (tifo, parotidite, difteria, herpes zoster), degenerativas (amiloidose, LES, artrite
reumatóide, sarcoidose, panarterite nodosa) e metabólicas (intoxicação pelo tálio, chumbo,
arsênio e fosfato) e ainda no diabetes, no etilismo, na porfiria e uremia.
8. Histerismo
B. Obstrução mecânica. A obstrução mecânica do tubo digestivo pode ser causada por
obstáculos que se situam em três sítios: extraluminal, na parede da alça e intraluminal.
1. Causas extraluminais. Formam o grupo mais importante. Incluem as aderências, hérnias,
o vólvulo, as neoplasias etc.
As principais causas de obstrução intestinal do adulto são as bridas e aderências, seguidas
de hérnias. As aderências pós-operatórias ocorrem após quase todas as cirurgias abdominais
e são a principal causa de obstrução intestinal, representando mais de 40% de todos os
casos, e de 60 a 70% dos casos que acometem o intestino delgado. As aderências podem ser
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também de origem inflamatória. O tipo de cirurgia que mais freqüentemente leva à
obstrução é a cirurgia colorretal (especialmente a retal), a apendicectomia e os
procedimentos ginecológicos. Cerca de 1% dos pacientes desenvolve obstrução por bridas
no primeiro ano após cirurgia abdominal, sendo que metade dos casos ocorre no primeiro
mês pós-operatório. Entretanto, a obstrução pode ocorrer a qualquer momento, e cerca de
20% dos casos surgem mais de 10 anos após a cirurgia original. Os índices de mortalidade
vão de 3%, para obstruções simples, até 30%, nos casos de perfuração ou necrose intestinal.
A obstrução intestinal por hérnia, que até pouco tempo ocupava o primeiro lugar em
importância, atualmente está em segundo, exatamente pelo grande número de cirurgias
abdominais realizadas, e que propiciam a ocorrência de quadros obstrutivos. As hérnias
podem ser externas ou internas. As hérnias externas constituem o grupo mais numeroso.
Elas podem ser inguinais (diretas ou indiretas), femorais, incisionais, umbilicais, lombares
etc. As hérnias internas, como aquelas que se fazem através do ligamento de Treitz, hérnias
do assoalho pélvico etc., formam um grupo menos numeroso, porém muito importante,
devido à dificuldade que existe em se firmar o diagnóstico.
O vólvulo é a torção de um segmento do tubo digestivo em torno de seu pedículo. Ele pode
ser devido à malformação ou à presença de meso longo ou anormalmente fixado. Constitui
importante causa de obstrução intestinal, mormente o vólvulo do sigmóide, devido à alta
incidência de doença de Chagas em nosso meio.
O vólvulo do intestino delgado pode ser causado por aderências, tumores, divertículos etc.
O do intestino médio ocorre quando o mesentério do intestino delgado é anormalmente
longo e aderente aos seus ligamentos, de modo que existe a possibilidade de ele rodar em
torno de si mesmo. Forma-se então obstrução em alça fechada, impossível de ser
descomprimida. Se ocorre infarto, a lesão é incompatível com a vida, dada a sua extensão.
O vólvulo do intestino grosso pode situar-se no ceco, no cólon transverso e no sigmóide. O
do ceco, pouco freqüente, ocorre quando existe grande mobilidade em decorrência de
fixação inadequada à parede abdominal. O vólvulo do cólon transverso pode decorrer de
um obstáculo distal, como neoplasia, fecaloma etc.; é raro. O do sigmóide, de importância
singular em nosso meio, devido à doença de Chagas, é o mais freqüente. Ele se deve
basicamente ao dolicomegacólon. Tumores metastáticos podem comprimir o intestino,
provocando obstrução. O local preferencial desta ocorrência situa-se ao nível da região
peritoneal ou fundo-de-saco de Douglas. Os tumores que determinam obstrução com mais
freqüência são o ovariano, o gástrico e o do colo uterino.
2. Obstrução devida à alteração da parede da alça intestinal. Esta é provocada por tumor
benigno, estenose inflamatória e tumor maligno. A obstrução intestinal mecânica ocorre,
em mais ou menos 80% dos casos, no intestino delgado e, em 20%, no grosso. As
neoplasias malignas que obstruem são muito mais freqüentes no cólon, principalmente o
esquerdo. Os tumores do intestino delgado, malignos ou benignos, podem provocar
obstrução intestinal, inclusive funcionar como cabeça de invaginação. Leiomiomas,
lipomas, adenomas, leiomiossarcomas, carcinomas e carcinóides são exemplos.
No cólon, os tumores malignos podem provocar obstrução mecânica, quando já circundam
quase que totalmente o intestino. O carcinoma do cólon direito raramente causa obstrução,
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pois esta região é mais distensível, e as fezes aí são mais líquidas. O que se observa
normalmente é sangramento, que pode levar à anemia.
Das obstruções do cólon causadas por câncer, 90% se localizam abaixo do ângulo
esplênico.
As estenoses inflamatórias, tipo granulomatosas, podem provocar obstrução da luz
intestinal. Como exemplo, podem ser citadas a doença de Crohn, a tuberculose intestinal, a
forma pseudotumoral de esquistossomose, a sarcoidose e a sífilis.
3. Obstrução por fator luminal. Neste grupo estão incluídos intussuscepção, íleo biliar,
obstrução por vermes volumosos, fecalomas etc.
A invaginação é uma causa importante de obstrução nas crianças até os 2 anos de idade.
Pode também ocorrer no adulto, embora raramente. Existem três tipos: ileoileal ou
enteroentérica, ileocecal e colocólica.
A forma ileocecal é a mais freqüente. Aqui, a válvula ileocecal funciona como a cabeça da
invaginação.
O íleo biliar é a obstrução intestinal que surge quando um grande cálculo biliar chega ao
duodeno através de uma fístula biliodigestiva, mais precisamente entre a vesícula e o
duodeno. Os pontos onde normalmente ocorre a impactação estão localizados ao nível do
ligamento de Treitz ou na válvula ileocecal.
Algumas vezes, o intestino delgado pode ser obstruído por uma massa de alimentos não
digeridos, como bagaço de laranja, couve, frutas secas, caqui etc. É o chamado fitobezoar.
Ele ocorre normalmente em pacientes já operados de doença cloridropéptica, onde a
vagotomia fez parte do tratamento. Nos pacientes psiquiátricos, a ingestão de cabelo pode
provocar obstrução. É o chamado tricobezoar.
A criança pode ter seu intestino delgado obstruído por um bolo de vermes volumosos,
como a Ascaris lumbricoides. Esta impactação também ocorre preferencialmente ao nível
da válvula ileocecal. A obstrução intestinal secundária à ascaridíase resulta de uma
infestação maciça pelo verme. Convém ressaltar, porém, que o fato de uma criança
obstruída vomitar um destes vermes não conclui o diagnóstico de obstrução por Ascaris.
O fecaloma em nosso meio, devido à alta incidência de doença de Chagas, é causa
freqüente de obstrução do intestino grosso. Geralmente há constipação intestinal crônica,
abdômen globoso e história de contato com triatomíneos.
III. Diagnóstico
A. Diagnóstico clínico. São cinco as indagações que o cirurgião deve ter em mente perante
um paciente suspeito de apresentar obstrução intestinal: (1) Existe obstrução mecânica? (2)
Qual o nível da obstrução? (3) Qual é a etiologia? (4) Há estrangulamento? (5) Qual é o
estado atual do paciente?
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1. É importante descartar o íleo paralítico logo na avaliação inicial do paciente. No íleo
paralítico, independentemente da causa básica, a cólica está ausente, há interrupção na
eliminação de gases e fezes, distensão abdominal e vômitos, sendo estes últimos menos
freqüentes do que na obstrução mecânica. Na ausculta abdominal inicial, não se evidenciam
ruídos peristálticos em pesquisa por 3-5 minutos.
A obstrução mecânica apresenta distensão a montante do local obstruído, a dor é em
paroxismos de cólicas a cada 4-5 minutos na obstrução mais proximal e menos freqüente
nas distais, mas podendo desaparecer após a distensão intestinal ter-se instalado.
Quando surge dor contínua, deve-se pensar em estrangulamento. Há interrupção na
eliminação de gazes e fezes, mas, nas obstruções altas, o paciente pode evacuar o conteúdo
distal. Os vômitos serão tanto mais intensos quanto mais alta for a obstrução; o vômito
fecalóide é devido à obstrução mecânica e não é patognomônico de obstrução baixa,
podendo, também, ocorrer nas obstruções altas, em decorrência da proliferação bacteriana.
Ao exame físico, o abdômen apresenta-se mais ou menos distendido, dependendo do nível
da obstrução, mas sem defesa abdominal.
Se surgir irritação peritoneal, esta será um sinal de sofrimento de alça. O peristaltismo na
obstrução mecânica é aumentado, podendo ser audível a intervalos maiores ou menores,
dependendo de o processo ser alto ou baixo, respectivamente. A intussuscepção é a única
situação em que pode haver necrose de alças e não surgir irritação peritoneal típica, já que o
segmento necrosado está protegido pela alça sã. Na invaginação, a massa mole, em forma
de salsicha, que é normalmente palpável no abdômen, se torna dura logo antes de a criança
relatar dor, podendo haver evacuação de muco e sangue. Na invaginação enterocólica, a
massa abdominal caminha em direção ao hipocôndrio direito, e ocorre o esvaziamento da
fossa ilíaca direita (sinal de Dance), devido à penetração do ceco no cólon ascendente.
O paciente deve ser examinado cuidadosamente para a pesquisa de hérnias encarceradas.
2. Os sintomas variam, dependendo do segmento ocluído. A obstrução pode ser classificada
como: do segmento delgado alto (duodeno ou jejuno proximal), do segmento delgado baixo
(jejuno distal e íleo) e do intestino grosso.
Para efeito prático, consideramos a obstrução como sendo alta (delgado) ou baixa (grosso).
A obstrução alta apresenta início súbito e curso rápido. O paciente relata dor tipo cólica a
pequenos intervalos e vômitos abundantes. Conseqüentemente, surgem precocemente
desidratação e choque hipovolêmico. A inspeção do abdômen evidencia pouca ou nenhuma
distensão. O que chama a atenção é o grande comprometimento do estado geral do
paciente, diferentemente da obstrução baixa, onde o estado geral é mantido, não obstante
haja acentuado comprometimento local, ou seja, da alça obstruída. O início da obstrução
baixa é geralmente insidioso e cursa lentamente. Os paroxismos dolorosos são espaçados, e
os vômitos, infreqüentes. Em contrapartida, a distensão é acentuada. Precisar o nível da
obstrução pode contribuir na elucidação da provável causa etiológica. Sabe-se que o
intestino delgado obstrui-se quatro vezes mais do que o grosso e que geralmente o faz por
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aderências e hérnias. No intestino grosso, devemos sempre considerar a possibilidade de
neoplasia maligna, principalmente se o paciente é idoso.
3. Estabelecer a etiologia da obstrução mecânica é muitas vezes desnecessário, porém
torna-se útil em algumas situações, já que a cirurgia pode ser evitada. Assim ocorre na
obstrução por Ascaris, em que o paciente pode apresentar uma massa comprimida ao nível
da fossa ilíaca direita. A radiografia simples de abdômen evidenciará uma área de aspecto
mosqueado, às vezes o próprio verme em contraste com o ar. A idade do paciente ajuda na
avaliação etiológica, pois, em geral, na maturidade predominam as lesões malignas do
intestino grosso, enquanto na primeira infância predomina a intussuscepção e, na
adolescência, as bridas e aderências, sendo que em nosso meio os bolos de Ascaris estão
presentes na infância.
4. O paciente com obstrução mecânica que passa a apresentar dor abdominal contínua,
defesa abdominal, febre e diminuição do peristaltismo está certamente desenvolvendo
sofrimento de alça; surge leucocitose com desvio para a esquerda, e a amilase pode elevarse. Instala-se, pois, íleo paralítico por peritonite sobre o quadro de obstrução mecânica. Esta
é uma situação de urgência, e a cirurgia não pode ser protelada.
5. Estado do paciente. O paciente obstruído deve ter seu estado geral minuciosamente
avaliado. É necessário detectar e corrigir os distúrbios hidroeletrolíticos que tão
freqüentemente estão presentes, além de rastrear possíveis comprometimentos cardíaco,
pulmonar e renal, principalmente no paciente idoso. Naqueles casos em que o diagnóstico
foi obtido precocemente, a cirurgia também pode ser logo realizada. Porém, quando o
diagnóstico é obtido tardiamente, deve-se retardar a cirurgia em algumas horas, para que
estes distúrbios sejam corrigidos. Exceção à regra, os pacientes com sinais de sofrimento de
alça não devem ter a cirurgia retardada.
B. Exames complementares. Devem-se avaliar os pacientes, em geral aqueles com
comprometimento local e sistêmico, laboratorialmente, quanto à presença de anemia,
septicemia e distúrbio hidroeletrolítico. Na ausência de causa inflamatória, a leucocitose
com desvio para a esquerda indica estrangulamento. O aumento da amilase também
acompanha o quadro. O hematócrito elevado indica perda de água extracelular.
O estudo radiológico é de grande importância. As radiografias não-contrastadas de
abdômen devem ser feitas com o paciente em decúbito dorsal, posição ótima para o estudo
da morfologia das alças, e em ortostatismo, que demonstra possíveis níveis hidroaéreos.
Quando o paciente não consegue permanecer de pé, podem-se visualizar os níveis
colocando-o em decúbito dorsal ou lateral e realizando o exame com raios horizontais. O
exame contrastado poderá ser realizado em algumas situações especiais, como na
elucidação de vólvulo de sigmóide, obstrução mecânica baixa de um modo geral e na
invaginação intestinal, sendo que, nesta última, a pressão hidrostática da coluna de bário
poderá reduzir a invaginação e, portanto, a obstrução. O enema baritado, porém, poderá ser
perigoso, como na diverticulite do cólon e na apendicite, em que ele poderá precipitar
perfurações, e na obstrução parcial do cólon, em que levaria à obstrução completa, em
decorrência da viscosidade do bário.
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A propedêutica radiológica contribui no diagnóstico diferencial entre íleo paralítico e
obstrução mecânica, caracteriza o nível obstruído, detecta algumas causas etiológicas e
evidencia sinais de sofrimento de alça.
Sabe-se que o intestino delgado normalmente não contém ar. Portanto, a presença de ar no
intestino delgado é patológica, até que se prove o contrário. Obstruído o tubo digestivo,
haverá acúmulo de ar, que é proveniente de três fontes, a saber:
1. CO2 resultante de reação química (ácido clorídrico e bicarbonato de sódio). Porém, este
gás é quase que totalmente absorvido pela mucosa intestinal.
2. Gases resultantes da ação bacteriana.
3. Ar deglutido. Esta é a fonte principal, pois o nitrogênio é o principal componente e é
pouco absorvido pelo intestino. O ar é um bom meio de contraste. Por meio de quatro
parâmetros, podemos estabelecer se uma alça é do intestino delgado ou do grosso. Os
parâmetros radiológicos são os seguintes: (a) diâmetro, (b) marcas transversais, (c)
localização e (d) disposição.
No íleo paralítico, há ar em todo o tubo intestinal de uma maneira mais ou menos uniforme.
Na obstrução mecânica, o ar está presente apenas no ponto obstruído. Falta, portanto, a
bolha na ampola retal, a não ser que tenha sido realizado exame proctológico prévio.
Na obstrução do intestino delgado evidencia-se uma alça de menor diâmetro, com marcas
transversais que vão de uma parede à outra, denominadas válvulas coniventes, que lembram
uma imagem de espinha de peixe, de localização central e disposição transversal. Na
obstrução do intestino grosso com válvula ileocecal competente, teremos uma alça de
grande diâmetro, com marca transversal que não chega a ir de uma parede à outra,
denominada haustração, localizada lateralmente e em posição vertical ou adotando a forma
de uma moldura. Quando a válvula ileocecal torna-se incompetente, o ar flui para o
intestino delgado, e radiologicamente o padrão é semelhante ao do íleo paralítico. Nesta
situação, o enema opaco, realizado delicadamente, é de grande utilidade, pois pode, além de
confirmar o diagnóstico de obstrução mecânica, estabelecer sua provável etiologia.
No íleo biliar, o exame radiológico simples demonstra ar na via biliar, além de poder, em
certas ocasiões, localizar o cálculo impactado.
São considerados sinais sugestivos de sofrimento da alça a presença de edema de parede, o
desaparecimento das marcas transversais, a presença de digitações e ar na parede da alça.
Observa-se ainda que a alça necrosada tende a adotar, à radiologia, uma posição fixa, quer
o exame seja feito com o paciente deitado ou de pé.
A retossigmoidoscopia é útil na propedêutica das obstruções mecânicas distais do intestino
grosso, além de propiciar a redução do vólvulo do sigmóide.
O vólvulo de ceco, entidade incomum, apresenta-se, classicamente, nas radiografias
simples de abdômen como uma alça de intestino grosso repleta de ar e em forma de feijão.
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A ultra-sonografia pode complementar um diagnóstico de obstrução intestinal — assim é
que, na obstrução por Ascaris pode ser observada uma imagem característica de “trilho de
estrada de ferro”.
A tomografia computadorizada é um indicador pré-operatório de sensibilidade (mas não é
completamente específico) da ocorrência de isquemia intestinal em pacientes com
obstrução do intestino delgado secundária a hérnias ou aderências.
IV. Tratamento.
Podemos dividir o tratamento da obstrução intestinal em três itens: a reposição
hidroeletrolítica, a descompressão intestinal e a remoção da causa da obstrução. Uma
avaliação clínica cuidadosa deve ser feita para que sejam detectadas outras doenças que
possam complicar o quadro clínico do paciente, como doenças renais, cardíacas e
pulmonares.
A reposição hídrica começa logo após a instituição do jejum absoluto. Quanto maior for o
tempo de duração da obstrução, maiores poderão ser a desidratação e as alterações dos
eletrólitos, necessitando, assim, de um maior tempo de reposição, caso seja necessário um
procedimento cirúrgico intra-abdominal. Inicia-se uma reposição com soluções
glicofisiológicas, enquanto são feitos os exames laboratoriais necessários para estimar as
perdas e calcular o volume a ser infundido. O volume urinário deve ser medido, devendo-se
instituir infusão de potássio somente após se conseguir um débito adequado. A medida da
pressão venosa central é importante nos casos de desidratação intensa, nos cardiopatas e
pneumopatas e nos pacientes chocados e com hemorragia concomitante. O
eletrocardiograma para a observação da onda T e do segmento S-T auxilia na avaliação da
eficácia da reposição, assim como a determinação do hematócrito estima a perda do líquido
extracelular. Estudos laboratoriais seriados indicam a melhora do paciente e o momento de
operá-lo. Não se deve, porém, aguardar a normalidade completa dos eletrólitos nos casos de
estrangulamento, pois esta é uma situação que exige emergência na sua resolução.
Enquanto o paciente é reanimado, adicionam-se antibióticos ao tratamento, principalmente
em casos de estrangulamento, dirigidos contra microrganismos anaeróbios e gramnegativos. Na obstrução por Ascaris, utiliza-se óleo mineral, sendo que, tão logo este seja
eliminado pelo ânus, utiliza-se a piperazina, que atua sobre a placa motora do verme,
paralisando-o e evitando que haja perfuração intestinal. Nos casos de obstrução por Ascaris
em que não exista resposta ao tratamento clínico e haja necessidade de cirurgia, observa-se
uma mortalidade alta (podendo chegar a 50% nos casos operados com perfuração
intestinal).
A descompressão intestinal é realizada com o uso de sonda nasogástrica, que melhora a
distensão e os vômitos, além de diminuir o risco de aspiração de conteúdo intestinal na
indução anestésica. Este é o tratamento definitivo apenas nos casos de íleo paralítico em
condições que respondem a tratamento medicamentoso.
O método cirúrgico empregado na remoção da causa da obstrução será ditado pela condição
patológica encontrada durante a laparotomia. A secção de aderências e bridas, a
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manipulação e redução de invaginações intestinais e vólvulos e a redução de hérnias
encarceradas com tratamento adequado não necessitam de abertura das alças. A
enterotomia será necessária no tratamento do íleo biliar e do bezoar. A excisão de uma
lesão obstrutiva com anastomose primária é utilizada com freqüência nos casos de
estrangulamento de alças e nos casos de tumores do ceco, praticando-se, nesta situação,
uma ileotransversostomia. O bypass ou curto-circuito intestinal pode ser necessário na
manipulação de obstrução tumoral do ceco em pacientes gravemente enfermos que
suportariam uma colectomia e nas obstruções ileais da doença de Crohn, como, por
exemplo, situações tratadas com ileotransversostomia. A confecção de uma fístula
enterocutânea é um método comumente utilizado no tratamento de obstruções do intestino
grosso, quando são realizadas colostomias devido às lesões obstrutivas.
Caso as alças intestinais precisem ser abertas para o tratamento da obstrução, pode-se fazer
a descompressão das mesmas retirando-se os líquidos de estase, tomando-se o cuidado para
não contaminar a cavidade peritoneal com conteúdo entérico. No entanto, não se devem
fazer descompressões de alças íntegras por punções ou enterotomias, pois estas aumentam
o risco de infecção pós-operatória e de fístulas intestinais.
A viabilidade das alças estranguladas deve ser pesquisada após liberação da obstrução. Para
isto, deixa-se a alça envolta em compressa úmida com soro fisiológico morno por 10-20
minutos e observa-se a presença de cor normal vermelha ou rósea, a presença de peristalse
e pulso nas artérias que irrigam o segmento intestinal. Métodos especiais de estudo da
viabilidade intestinal, como uso de fluoresceína, termometria da alça e pesquisa de fluxo
com fluxômetro a Doppler, não são empregados comumente em nosso meio.
Pacientes com vólvulo de sigmóide podem ser tratados com sigmoidoscopia e preparo
adequado para uma cirurgia corretiva definitiva; crianças com invaginação podem ser
controladas com enema baritado; obstrução intestinal pós-operatória imediata é tratada com
descompressão e hidratação adequada; pacientes com doença de Crohn e obstrução aguda
podem ser controlados com descompressão por sonda e hidratação, que poderá levar à
resolução do processo obstrutivo.
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Capítulo 34 - Gravidez Ectópica/Gravidez Ectópica Rota
Cláudia Machado Corradi Sander
Frederico Haueisen Sander
Ronan Coelho Caldeira
I. Introdução
A. Definição. Entende-se por gravidez ectópica toda gravidez localizada fora da cavidade
endometrial, ou seja, é a implantação do ovo fecundado fora da membrana que reveste a
cavidade uterina.
B. Locais de implantação ectópica do ovo fecundado. Tuba uterina (96% no lúmen,
principalmente na região ampular, seguida da localização ístmica, das fímbrias e 1,2% na
porção intersticial), ovário (0,9%), intraligamentar (0,5%), abdominal (0,5%), cervical
(0,2%) e outras localizações (0,7%). Ocorrem casos de gravidez ectópica associada à
gestação tópica e, muito raramente, gravidez ectópica bilateral simultânea (Fig. 34-1).
C. Generalidades. A gravidez ectópica (GE) está se tornando cada vez mais comum. Sua
incidência dobrou ou mesmo triplicou durante as duas últimas décadas em várias partes do
mundo, permanecendo como significativa causa de morbidade em mulheres jovens. Ocorre
em aproximadamente 1,6% de todas as gravidezes nos Estados Unidos, representando mais
de 100.000 mulheres afetadas anualmente naquele país. Isto se deve à incidência
progressivamente maior dos fatores de risco (principalmente a doença inflamatória pélvica
— DIP), assim como aos avanços tecnológicos nos métodos complementares,
possibilitando diagnósticos mais precoces e precisos (em 60-90% dos casos, antes da
ruptura tubária). Ademais, apesar de a taxa de mortalidade por gravidez ectópica ter
declinado dramaticamente durante os últimos 20 anos (até 90% em países desenvolvidos), a
GE ainda é a principal causa de óbito materno durante o primeiro trimestre da gravidez e a
segunda causa geral de morte materna nos Estados Unidos.
D. Etiopatogenia. Múltiplos fatores têm sido implicados no desenvolvimento da GE; no
entanto, os fatores conhecidos explicam apenas 60-65% dos casos.
Podemos dividir as causas da GE em ovulares e extra-ovulares. As ovulares, de difícil
comprovação, seriam de ordem genética, imunológica e/ou em decorrência do
amadurecimento precoce do ovo, com implantação do mesmo antes de atingir o local
normal de nidação, ou amadurecimento tardio, como ocorre nos casos raros e graves de
gravidez cervical. As causas extra-ovulares podem ser hormonais ou mecânicas, as quais
dificultam a movimentação normal do ovo, levando à implantação ectópica. Entre elas,
temos as inflamações sépticas (por clamídias, gonococos, tuberculose etc.) ou assépticas
(curativos ou tamponamentos intra-uterinos, anticoncepcionais), alterações morfológicas
das tubas uterinas, alterações estruturais destas em decorrência de tumores, cicatrizes,
aderências, endometriose e cirurgias pélvicas ou tubárias anteriores. Mais de 50% dos casos
de GE são atribuíveis aos fatores infecciosos e ao tabagismo, sugerindo que efeitos
dramáticos na diminuição da incidência seriam conseguidos com programas de prevenção
apropriados.
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A oclusão tubária por cicatrizes pós-salpingites é a condição mais comumente relacionada à
GE. A infecção pode causar sinéquias intraluminais e/ou das fímbrias, levando à obstrução
parcial da tuba uterina. As salpingotripsias, quando falhas, e as tentativas de recanalização
cirúrgica tubária nos tratamentos de infertilidade também são associadas à probabilidade
(20 a 50%) de GE subseqüentes.
O dispositivo intra-uterino (DIU), como método anticoncepcional, está também associado à
ocorrência de GE em aproximadamente 4% dos casos de falha do método. O uso do DIU
está relacionado a um maior número de implantações ovarianas (sugerindo proteção contra
implantação intra-uterina, mas não contra implantação extra-uterina).
O uso das progesteronas como anticoncepcionais está relacionado a um maior índice de
gravidez eutópica e ectópica, quando comparado aos preparados estrógeno-progesteronas.
O abortamento eletivo aumenta o risco de GE, provavelmente por causar endometrite
subclínica e posterior obstrução tubária.
Na gravidez tubária o trofoblasto desenvolve-se rapidamente, com crescimento dentro da
luz na maioria dos casos e, menos freqüentemente, o trofoblasto infiltra a mucosa e a
lâmina própria, invadindo a muscular e atingindo a região subserosa, onde se desenvolve. O
sangramento ocorre quando há erosão dos vasos, e a dor, quando a membrana serosa é
distendida. No ovário, a nidação pode ocorrer na superfície da glândula (periovariana ou
epiovariana) ou na profundidade, sendo cercada completamente pelo tecido glandular.
Durante a cirurgia pode ser diagnosticada como corpo amarelo hemorrágico, devido às suas
características macroscópicas. Na gravidez abdominal, a placenta está em geral aderida às
estruturas pélvicas, mas pode estar em locais distantes, como baço, fígado, cólon transverso
etc. A gravidez intraligamentar ocorre quando o blastocisto se implanta entre os folhetos do
ligamento largo. O sangramento pode ser tamponado pelo peritônio, com sobrevivência da
gravidez. A gravidez cervical (implantação no canal endocervical) é a forma mais rara.
Nela, a placenta encontra-se implantada abaixo da reflexão peritoneal anterior ou posterior,
ou abaixo da crossa dos vasos uterinos, em íntima relação com as glândulas cervicais. O
sangramento é tardio, devido à excelente irrigação, vindo a ocorrer quando há alargamento
do canal cervical. Devido à esta irrigação, a tentativa de extração do saco gestacional pode
levar à hemorragia intensa.
A ocorrência de uma gravidez ectópica predispõe, em 10-20% dos casos, à nova GE
subseqüente, quando comparada à ocorrência da mesma em mulheres que nunca tiveram
GE, e a possibilidade de gerar uma criança viva é menor do que 30%. Caso a ocorrência
seja na primeira gravidez, as possibilidades de reprodução são ainda piores.
A incidência da coexistência de GE e GIU é tradicionalmente calculada em 1:30.000
gestações. Mais recentemente, existem estimativas de que gestações heterotópicas
(ectópicas e eutópicas simultâneas) ocorrem em torno de 1:2.600 a 1:15.000. Em mulheres
submetidas à indução de ovulação, o risco sobe para 1:35 (2,9%).
II. Diagnóstico da Gravidez Ectópica.
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Apesar do aprimoramento dos métodos de diagnóstico, a realização do mesmo em fases
mais precoces ainda tem sido um problema, estimando-se que apenas 50% dos diagnósticos
são dados numa primeira visita ao médico. O diagnóstico precoce é importante para a
preservação da fertilidade materna.
Para um diagnóstico correto de GE, lançamos mão da avaliação do quadro clínico, testes
laboratoriais (hematológicos e urinários), métodos de diagnóstico por imagens e métodos
invasivos (videolaparoscopia, laparotomia exploradora). A seqüência apropriada na
avaliação requer experiência do profissional na suposição da entidade em questão. O uso do
sensível teste hematológico b-HCG, associado à avaliação ultra-sonográfica, na maioria dos
casos é suficiente para um diagnóstico correto, embora dependa das circunstâncias clínicas
da paciente.
A. Diagnóstico clínico. A GE é uma condição mórbida que ocorre primariamente no
primeiro trimestre da gravidez. As manifestações clínicas ocorrem principalmente no
decorrer das primeiras oito semanas da gestação. A ruptura com hemoperitônio pode
manifestar-se clinicamente por dor no ombro (resultante da irritação diafragmática),
lipotímia em ortostatismo, taquicardia, palidez cutânea e choque hipovolêmico.
Anteriormente à ruptura, surgem manifestações clínicas que, quando avaliadas
corretamente, tornam a GE uma entidade mais benigna, embora a distinção clínica entre GE
e gravidezes intra-uterinas normais ou anormais seja difícil nas fases iniciais das mesmas.
1. História.
a. Fatores de risco: história pregressa de infertilidade, DIP, DIU, cirurgia tubária, GE
anterior — 51 a 56% dos casos.
b. História “clássica”: amenorréia, seguida por dor abdominal, sangramento vaginal — 69%
(embora mais freqüentemente representem abortamento iminente ou ameaça de aborto).
c. Dor abdominal: 90-100%, de caráter, intensidade e localização variáveis. Ausência de
dor não indica ausência de ruptura tubária.
d. História menstrual.
(1) História menstrual normal: 15-30% ou mais.
(2) Amenorréia inferior a quatro semanas: 15%.
(3) Amenorréia superior a 12 semanas: 15%.
(4) Ruptura anterior à falha menstrual: 15%.
(5) Sangramento vaginal anormal: 50-80%. Normalmente discreto e escuro; sangramento
abundante sugere aborto.
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e. Sintomas de gravidez: enjôos matinais, “sentimento de estar grávida”, mamas túrgidas e
sensíveis.
Dor no ombro — infreqüente.
2. Exame físico
a. “Clássico”: choque e massa anexial: “raridade”.
b. Estado hemodinâmico: Choque — menos do que 5%.
Resposta parassimpática ao hemoperitônio: (bradicardia, paradoxalmente).
c. Exame do abdômen: Aumento da sensibilidade — 50%.
Sinais peritoneais: menos comuns.
d. Exame pélvico: Massa anexial: 25-33%.
Aumento da sensibilidade anexial/aumento da sensibilidade à mobilização cervical: 50%.
e. Volume uterino: Normal: 71%.
Compatível com seis a oito semanas: 26%.
Compatível com 9 a 12 semanas: 3%.
f. Exame pélvico normal: 10%.
B. Diagnóstico laboratorial. A primeira meta dos exames laboratoriais numa possível GE é
determinar se a paciente está grávida. O trofoblasto começa a produzir gonadotrofina
coriônica humana (HCG) muito cedo, durante as gestações normais e ectópicas. A detecção
do HCG é a chave para o estabelecimento do estado gravídico.
1. Teste de b-HCG qualitativo sérico. O b-HCG torna-se detectável, usualmente, 7 a 10 dias
depois da ovulação. Quando se dá o atraso menstrual (13-14 dias após a concepção), o
zigoto tem o tamanho inferior a 1 mm, e o nível de b-HCG é de 50-300 mUI/ml, tornando
todos os testes de b-HCG clinicamente usados para gravidez positivos em 95-100%. A
maioria dos testes de b-HCG por radioimunoensaio (RIE) tem sensibilidade maior ou igual
a 5 mUI/ml. Um b-HCG por RIE negativo pode descartar gravidez em virtualmente 100%
dos casos, quando associado aos dados clínicos.
2. Teste de b-HCG urinário. Os testes de b-HCG urinários por imunoensaio são sensíveis
para concentrações de 20-50 mUI/ml. Em decorrência das concentrações variáveis de bHCG na urina e da necessidade de maiores níveis para a detecção do mesmo, o desempenho
dos testes urinários é inferior ao dos testes de b-HCG séricos.
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3. Teste de b-HCG quantitativo sérico. Apesar de a tendência do b-HCG produzido na GE
ser menor do que na gravidez intra-uterina em idades gestacionais comparáveis, a extensão
e variação do b-HCG produzido em ambas (0-100.000 mUI/ml) fazem um único nível nãodiagnóstico. Níveis quantitativos de b-HCG podem ser baixos ou altos em ambas as
gravidezes.
Similarmente, níveis de b-HCG não são diagnósticos do estado tubário. Pacientes com GE
rotas e não-rotas têm níveis de b-HCG menores do que 100 e maiores do que 50.000
mUI/ml. Um único nível de b-HCG é um dado inespecífico do tamanho da GE e do risco da
ruptura tubária. Entretanto, valores quantitativos são úteis para comparações seriadas (bHCG dinâmico) e na interpretação dos resultados da ultra-sonografia. As concentrações
iniciais do b-HCG aumentam exponencialmente, refletindo a proliferação trofoblástica,
com os níveis dobrando em períodos de aproximadamente dois dias. Nas gravidezes
ectópicas e em outras gravidezes anormais, o crescimento trofoblástico pode estar
prejudicado, ocasionando aumentos subnormais do b-HCG em 85% dos casos. Níveis
declinantes de b-HCG indicam a inviabilidade da gravidez, quer seja intra ou extra-uterina.
4. Progesterona. Atualmente, testes de progesterona não são usados rotineiramente no
diagnóstico de GE.
C. Procedimentos diagnósticos
1. Dilatação do colo e curetagem. A curetagem uterina, nos casos onde encontramos níveis
seriados declinantes de b-HCG (que asseguram a inviabilidade da gravidez), pode ser útil
ao encontrar-se endométrio decidual (fenômeno de Arias-Stella) e ausência de saco
gestacional, reforçando o diagnóstico de GE.
2. Videolaparoscopia. Esta técnica fornece uma oportunidade para o diagnóstico definitivo
e o tratamento de uma GE. Devido aos avanços dos métodos diagnósticos não-invasivos
(principalmente a ultra-sonografia transvaginal) e dos métodos farmacológicos de
tratamento da GE, a laparoscopia tem sido menos utilizada. Entretanto, a laparoscopia
diagnóstica permanece o procedimento de escolha na paciente com um diagnóstico
indefinido, apesar de ocorrerem resultados falso-negativos em aproximadamente 3-4% dos
casos nas gestações iniciais e falso-positivos serem descritos em 5% dos casos.
3. Culdocentese. A punção do fundo-de-saco de Douglas é uma técnica simples para
identificação de um hemoperitônio, detectando quantidades mínimas de sangue
extravasado. Pode ser positiva mesmo em GE não-rotas, devido à perda de sangue através
do óstio tubário para a cavidade peritoneal. O procedimento é de fácil realização,
puncionando-se o fórnix posterior com agulha grossa, após tração uterina. Normalmente é
realizado por ginecologistas, devido à inexperiência de outros especialistas com o método.
4. Punção abdominal (paracentese). É utilizada na pesquisa de hemoperitônio, quando
outros métodos foram inconclusivos ou não estão acessíveis. A punção é geralmente
realizada na parede anterior do abdômen, sob anestesia local, sendo também um
procedimento simples.
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5. Laparotomia exploradora. Indicada em emergências, quando não se tem acesso a outros
métodos de diagnóstico ou os mesmos foram inconclusivos.
D. Diagnóstico por imagem — ultra-sonografia. Na paciente com suspeita de GE, os
exames e procedimentos citados anteriormente têm limitações, quer seja pela demora dos
resultados, quer pela invasividade ou mesmo pela inespecificidade do método. Portanto, o
próximo passo diagnóstico comumente usado após exame clínico e b-HCG é a ultrasonografia. O objetivo é detectar se a gravidez é intra-uterina (GIU) ou não. O pressuposto
é que, se existe uma GIU, uma GE é extremamente improvável. Um provável diagnóstico
definitivo de GE pode ser conseguido com o uso da ultra-sonografia endovaginal.
Comparativamente, a realização do ultra-som endovaginal é mais sensível para um
diagnóstico de gestação (ectópica ou intra-uterina) em relação ao ultra-som transabdominal.
1. Achados ultra-sonográficos
a. Gravidez intra-uterina:
(1) Reação decidual
(2) Saco gestacional
Ultra-som transvaginal
4,5-5 semanas
Ultra-som transabdominal
6 semanas
(3) Saco vitelínico
5-6 semanas
(4) Pólo fetal/atividade cardíaca fetal 5,5-7 semanas
b.Gravidez ectópica
(1) Útero
Reação decidual
Útero vazio ou presença de pseudo-saco 10-20%
(2) Pelve — fundo-de-saco
Líquido livre
24-63%
Ecogênico (sanguinolento)
20-26%
(3) Anexos
Massas
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Císticas ou complexas
60-90%
Anel tubário
26-68%
Corpo lúteo cístico
Atividade cardíaca fetal
US transabdominal
4-10%
US transvaginal
8-23%
III.Tratamento
A. Tratamento cirúrgico:
1. Gravidez ectópica rota. Geralmente, a paciente com GE rota chega ao hospital com
quadro de hipovolemia, caracterizado por freqüência de pulso aumentada, hipotensão
arterial, palidez cutaneomucosa, lipotímia e sinais de hemoperitônio, mas sem apresentar
sinais de sangramento ativo. Isto permite a reposição de volume com soluções
hidroeletrolítcas e sangue. Nas pacientes com história de distúrbios cardiovasculares ou
renais, podem ser úteis o cateterismo da veia subclávia e medições da pressão venosa
central (PVC) durante a reposição. Devem-se evitar a indução anestésica e a laparotomia
até que seja possível resgatar a volemia, para diminuir o risco de morte peroperatória.
Poucas pacientes necessitam de laparotomia imediata por sangramento ativo e importante,
que impossibilita uma reposição pré-operatória adequada. A cirurgia, quando há ruptura,
está voltada para o encontro do local do sangramento e da sua abordagem através de técnica
adequada, como salpingectomia, ooforectomia parcial ou total e histerectomia.
2. Gravidez ectópica não-rota
a. Laparotomia e cirurgia videolaparoscópica. A abordagem cirúrgica da GE por
laparotomia, em princípio, fica reservada para os casos de GE rota e nas situações em que
não se tem acesso à laparoscopia ou quando a mesma se torna tecnicamente difícil,
podendo em alguns casos recorrer-se à laparotomia após abordagem por laparoscopia. Na
abordagem laparoscópica ocorrem uma menor perda sangüínea, menor necessidade de
analgésicos e menor tempo de internação, com conseqüente redução dos custos
hospitalares.
Os tratamentos cirúrgicos conservadores incluem:
(1) Ordenha do ovo quando há implantação na região das fímbrias e da ampola.
(2) Incisão da trompa na região das fímbrias até o local de implantação do ovo, com a
retirada deste.
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(3) Salpingostomia e retirada do ovo, deixando aberta a incisão na tuba.
(a) Salpingotomia linear com retirada do ovo e fechamento com suturas seromusculares.
(b) Ressecção parcial da tuba no local de implantação do ovo com anastomose em primeiro
tempo ou em uma segunda cirurgia.
(c) Injeção local de prostaglandinas, solução hipertônica de glicose, cloreto de potássio, RU
486 ou metotrexato.
Nas situações onde se opta pela conduta conservadora, vale o bom discernimento do
profissional envolvido, com relação ao estado morfológico da tuba. Quando possível, a
paciente deve estar ciente dos riscos de uma nova GE subseqüente ou da possível
necessidade de uma reoperação, nos casos em que o tratamento químico durante a cirurgia
falhou em debelar a GE. Tais condutas estão primariamente indicadas nas situações em que
existe comprometimento da tuba e do ovário contralaterais e a paciente deseja ter filhos.
Os procedimentos radicais incluem:
(4) Ressecção tubária.
(5) Salpingectomia.
(6) Salpingo-ooforectomia.
(7) Ressecção do corno uterino em casos de gravidez intra-mural.
(8) Histerectomia.
Na gravidez abdominal, a tentativa de retirada da placenta pode levar a um sangramento
incontrolável, dependendo do local de sua implantação. O tratamento de escolha é a
retirada do concepto, deixando-se a placenta in situ e aguardando-se a sua reabsorção.
Na gravidez ovariana o tratamento consiste na ressecção cuneiforme do ovário,
conservando-se o máximo de tecido glandular; quando isto não é possível, faz-se
ooforectomia total. Naqueles casos em que a tuba homolateral encontra-se aderida ao
ovário, realiza-se também a salpingectomia associada.
Nas gestações intersticiais, em aproximadamente metade dos casos, é possível a ressecção
córnea e a reconstituição do defeito. Nos casos de gravidez mais avançada, com
deformidade importante do útero, pode ser necessária a histerectomia total ou parcial, sendo
preferível a segunda, devido aos menores riscos de sangramento operatório e de uma
ruptura uterina em gravidez posterior.
Nas situações em que a placenta está intimamente aderida às estruturas pélvicas, a gravidez
intraligamentar deve ser tratada como gravidez abdominal, deixando-se a placenta in situ. O
descolamento do peritônio posterior do útero e das paredes laterais pélvicas pode
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possibilitar a exérese total dos produtos da concepção, em casos de implantes confinados à
parede abdominal.
Na gravidez cervical, o maior problema é o sangramento local. Em casos iniciais, pode-se
tentar a remoção dos produtos da concepção por curetagem da endocérvice e do
endométrio, com tamponamento com gaze ou sonda de Foley. Caso haja sangramento
incontrolável, podem-se realizar amputação do colo uterino, ligadura transvaginal dos
ramos cervicais da artéria uterina, ligadura das artérias ilíacas internas (hipogástricas) ou
histerectomia.
B. Tratamento não-cirúrgico
1. Metotrexato. O metotrexato é um antimetabólito que interfere na síntese do DNA. A
segurança do uso do mesmo, em mulheres em idade reprodutiva, foi estabelecida em
estudos envolvendo o seu emprego no tratamento da doença trofoblástica gestacional. Não
houve, em tais casos, um incremento de episódios de abortamentos espontâneos e nem de
anomalias fetais em gestações posteriores ao seu emprego.
O metotrexato pode ser empregado tanto sistemicamente (EV, IM ou VO) quanto em
injeções locais, conforme já citado anteriormente. A taxa de sucesso nos tratamentos
sistêmicos EV tem sido mais consistente, quando comparada à da injeção local. O seu
emprego está restrito a um grupo seleto de pacientes devido à sua toxicidade. Pode levar a
alterações da função hepática, estomatites, gastroenterites e supressão medular (incidência
maior nos tratamentos sistêmicos).
O uso EV do metotrexato fica reservado para situações nas quais os níveis pós-operatórios
de b-HCG continuam elevados, quando não se visualizam massas extra-uterinas e se exclui
a possibilidade de GIU. Pode também ser utilizado quando os níveis de b-HCG continuam
positivos após injeção local do mesmo. Tais pacientes devem ser rigorosamente
acompanhadas.
A eficácia da via local ou intramuscular parece similar e superior a 90%. A vantagem da
via local está na diminuição do risco de efeitos colaterais sistêmicos. Tem sido empregada
nos casos de GE cervical, no intuito de se evitarem hemorragias com as tentativas de
extração do produto da concepção.
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Capítulo 35 - Doença Inflamatória Pélvica
Marcos Mendonça
Vânia Lúcia Magalhães
I. Introdução.
A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma entidade clínica muito freqüente e constitui a
complicação mais comum e grave das doenças sexualmente transmissíveis. Ela ocorre
como conseqüência da penetração e da multiplicação de microrganismos da vagina e do
colo uterino no endométrio, nas trompas, nos ovários, no peritônio e nas estruturas
contíguas. Trata-se, portanto, de infecção ascendente; pode variar desde uma doença pouco
sintomática até quadros graves que ameaçam a vida da paciente.
A DIP é uma doença que acomete principalmente as jovens. Segundo estudos recentes nos
EUA, a incidência anual entre mulheres de 15 a 39 anos foi estimada em 10 casos por
1.000, com um pico de incidência de 20 casos por 1.000 no grupo de maior risco (15-24
anos); é rara antes dos 15 anos e excepcional após a menopausa. Estudos epidemiológicos
mostram que apenas 2,1% dos casos de DIP ocorrem em pacientes entre 10 e 14 anos de
idade, e 4,8% após os 44 anos. Um episódio de doença inflamatória pélvica pode trazer
conseqüências desastrosas para a vida de uma mulher jovem, especialmente em relação à
sua capacidade reprodutiva: 40% das mulheres inférteis provavelmente tiveram uma
infecção pélvica anterior.
II. Etiologia.
Mais de 40 tipos de microrganismos têm sido implicados na etiologia da DIP, atuando ora
isoladamente, ora em sinergismo, como ocorre em muitos casos. Bactérias aeróbicas e
anaeróbicas são freqüentemente encontradas. A salpingite tuberculosa, entidade rara, não é
uma doença sexualmente transmissível e ocorre como conseqüência da disseminação
hematogênica do bacilo de Koch. Em 80% dos casos, a bactéria provém de focos
pulmonares. A DIP tuberculosa é uma infecção de caráter insidioso e não será discutida
neste capítulo. Entretanto, esta afecção não deve ser esquecida, principalmente naquelas
pacientes que não apresentam melhora clínica após a terapêutica convencional para a DIP.
A Neisseria gonorrhoeae é freqüentemente associada à DIP; 35-50% dos casos são
associados à gonorréia. Em razão disto, as mulheres com DIP não-tuberculosa eram
classificadas como portadoras de doenças gonocócicas e não-gonocócicas, com base apenas
na detecção de gonococos na endocérvice. Entretanto, a realização de culturas de líquido
peritoneal ou de exsudato das trompas, obtidos por meio de culdocentese e laparoscopia,
tem mostrado não somente uma menor correlação entre as bactérias encontradas no colo e
no abdômen, mas também a natureza polimicrobiana da infecção.
A Chlamydia trachomatis é responsável por um número crescente de casos de salpingite, e
freqüentemente está associada ao gonococo. A infecção geralmente se apresenta de maneira
menos aguda do que com a gonorréia. Sinais de febre e secreção cervical purulenta são
menos freqüentes na DIP causada pela C. trachomatis.
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Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum estão relacionados à DIP em apenas 4%
dos casos.
Actinomyces sp. raramente se relacionam à DIP, e os germes anaeróbicos podem ser
patógenos primários ou secundários à gonorréia ou a outra infecção que tenha provocado
dano tecidual.
III. Fatores Predisponentes.
Relacionam-se à idade, ao nível socioeconômico, à atividade sexual, ao uso e ao tipo de
contraceptivo e a um episódio prévio de DIP. Considerar:
A. Maior freqüência entre 15 e 39 anos — mulher jovem.
B. Baixa condição socioeconômica.
C. Promiscuidade — mulheres, em geral solteiras, com múltiplos parceiros sexuais são
quatro a seis vezes mais suscetíveis ao desenvolvimento da DIP do que as monogâmicas.
D. Métodos contraceptivos de barreira, como condom e diafragma, podem oferecer
proteção contra a infecção. Por outro lado, o DIU é um fator predisponente importante; as
usuárias de DIU mostram um risco 3-5 vezes maior de apresentarem DIP.
E. Anticoncepcionais orais podem proteger a mulher contra a DIP, por mecanismos que
ainda permanecem obscuros; provavelmente, por diminuírem a duração do fluxo menstrual
e tornar o muco cervical mais espesso, agindo como método de barreira contra os
microrganismos. Contudo, em relação às clamídias, a possibilidade de ocorrência com o
uso de pílulas anticoncepcionais é maior, pois estas podem levar a ectrópio cervical, um
possível fator predisponente à infecção por clamídia, pois o epitélio colunar é mais
facilmente infectado por esta.
F. Mulheres que tiveram episódios anteriores de DIP gonocócica são mais propensas a
apresentar recorrência. O mecanismo exato para este aumento da suscetibilidade ainda não
foi determinado.
IV. Medidas Diagnósticas
A. Anamnese. A sintomatologia nem sempre é evidente. Devem-se obter informações a
respeito do número de parceiros, hábitos sexuais, método anticoncepcional, história anterior
de DIP e tratamentos realizados.
A DIP era considerada como uma doença que não acometia mulheres esterilizadas
cirurgicamente, devido à interrupção da superfície de continuidade formada por colo,
endométrio, mucosa tubária e cavidade pélvica. Entretanto, trabalhos recentes descrevem a
ocorrência da DIP em mulheres previamente esterilizadas, diagnosticadas por meio de
laparoscopia. Deve ser lembrado que três em quatro mulheres acometidas de DIP têm 25
anos de idade, ou menos.
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B. Sinais e sintomas. Na fase inicial da DIP, o estado da paciente geralmente não se altera;
porém, à medida que a doença progride, pode-se observar queda evidente do mesmo, com
surgimento de mal-estar e desânimo, fácies de sofrimento e ansiedade. A disúria pode
ocorrer em 20% dos casos, principalmente se há uretrite. O corrimento genital purulento
está ausente em praticamente 100% dos casos, porém 50% das pacientes informam a sua
ocorrência. A febre pode manifestar-se em 40% dos casos.
A dor pélvica aguda é o sintoma principal e se exacerba quando são feitas manobras de
palpação do hipogástrio e/ou das fossas ilíacas; ao toque vaginal, a mobilização uterina se
mostra altamente dolorosa.
Com a evolução da doença, podem surgir sinais de irritação peritoneal, com exacerbação da
dor e ocorrência de náuseas e vômitos. Nesta fase, a palpação abdominal evidenciará sinais
de defesa em 90% e dor à descompressão em aproximadamente 70% dos casos. Massa
palpável nas fossas íliacas poderá ser encontrada em aproximadamente 50% dos casos
durante o toque vaginal. Os ruídos intestinais quase sempre estão presentes.
V. Investigação Complementar
A. Hemograma. Leucocitose em até 70%, sem desvio para a esquerda. A
hemossedimentação está elevada em até 75% dos casos e freqüentemente mantém valores
altos.
Resultados negativos não excluem o diagnóstico.
B. Ecografia. Pode revelar a ocorrência de líquido livre ou de coleções líquidas na pelve.
C. Culdocentese (Fig. 35-2). Tem como objetivo estudar o líquido, que, quase sempre, se
mostra presente no fundo-de-saco de Douglas. Realizar sempre a coloração de Gram.
A culdocentese também é importante no diagnóstico diferencial com gravidez ectópica rota.
D. Laparoscopia. Quando o diagnóstico é baseado apenas nos dados clínicos, o índice de
acerto é de aproximadamente 65%.
Realizando-se a laparoscopia, há aumento significativo do acerto diagnóstico.
Os critérios mínimos, à laparoscopia, para o diagnóstico de DIP aguda são hiperemia da
superfície tubária, edema da parede tubária e exsudato purulento cobrindo a superfície
tubária ou extravasando pela extremidade fimbriada, quando esta se encontra pérvia.
VI. Diagnóstico Diferencial.
O diagnóstico diferencial da DIP deve ser realizado nos casos de: gravidez ectópica,
apendicite aguda, torção e/ou ruptura de cistos ovarianos, infecção urinária aguda, psoítes e
linfadenite mesentérica.
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VII. Tratamento.
O tratamento depende do estadiamento clínico da doença, segundo orientação proposta pela
Universidade da Flórida.
A. Estádio I — Salpingite aguda sem peritonite. Tratamento em nível ambulatorial. Se a
paciente for usuária de dispositivo intra-uterino, justifica-se a internação.
A terapia é feita utilizando-se apenas uma droga: doxiciclina 200 mg VO, seguidos de 100
mg a cada 12 horas. Se o hemograma, realizado 48 horas após o início do tratamento,
mostrar sinais de normalização, a medicação será mantida em nível ambulatorial até se
completarem 10 dias.
B. Estádio II — Salpingite aguda com peritonite. Os sinais de peritonite justificam a
internação. A terapia deve ser dupla: doxiciclina, 200 mg VO como dose de ataque,
seguidos de 100 mg a cada 12 horas, mais cefoxitina, 2 g EV como dose de ataque,
seguidos de 1 g a cada seis horas.
Manter a paciente internada até a diminuição da dor e da hipertermia e até a normalização
dos exames laboratoriais. Alta hospitalar e manutenção do tratamento em nível
ambulatorial, utilizando-se doxiciclina, 100 mg VO a cada 12 horas, até se completarem 10
dias.
C. Estádio III — Salpingite aguda com sinais de oclusão tubária ou abscesso tubovariano.
A terapia deve ser tríplice: penicilina cristalina, 2 a 5 milhões de unidades EV a cada seis
horas, mais clindamicina, 600 mg EV a cada seis horas, mais gentamicina, 3 a 5 mg/kg/dia,
EV, a cada oito horas.
Alta hospitalar após ocorrer a melhora clínica e laboratorial, mantendo-se o tratamento em
nível ambulatorial e utilizando-se doxiciclina, 100 mg VO, a cada 12 horas, mais
metronidazol, 500 mg VO, a cada oito horas, até se completarem 10 dias.
D. Estádio IV — Sinais clínicos de ruptura de abscesso tubovariano. A terapia é empregada
para afastar complicações bacterianas sistêmicas. O tratamento definitivo envolve a
remoção cirúrgica do órgão acometido, sendo a extensão da cirurgia determinada pelos
achados durante a laparotomia.
Deve-se suspeitar de etiologia tuberculosa nos seguintes casos: (1) resposta inadequada ao
tratamento anterior; (2) doença inflamatória pélvica em virgens; (3) desproporção entre a
lesão anatômica e os escassos sintomas; (4) doença inflamatória pélvica associada à ascite;
(5) antecedentes pessoais ou familiares de tuberculose (pleurite, osteoartrite etc.); (6) febre
vespertina.
Referências
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Capítulo 36 - Laparoscopia na Emergência
Lincoln Lopes Ferreira
Flávio Lopes Ferreira
Roberto Carlos Oliveira e Silva
I.Introdução.
Há cerca de 90 anos foi realizada a primeira laparoscopia. Kelling, em Dresden, e Ott, em
Petrogrado, realizaram, independentemente, exame endoscópico intra-abdominal bemsucedido em cães. Alguns anos depois, Jacobeus, em Estocolmo, propôs o uso deste tipo de
procedimento em pacientes com ascite e para diagnóstico precoce de lesões malignas. Em
1933, Fervers recomendou a insuflação com dióxido de carbono e, em 1938, Veress sugeriu
que a agulha inicialmente usada para criar o pneumotórax poderia ser útil para a realização
do pneumoperitônio. Kalk, um gastroenterologista, desenvolveu o sistema de fibras ópticas
e propôs o uso de múltiplos trocartes; ele e Bruhl publicaram uma série de 2.000 casos,
incluindo biópsias hepáticas laparoscópicas sem mortalidade, em 1951. A laparoscopia era
realizada com anestesia local e sob sedação.
Nos Estados Unidos, em 1937, Ruddock, cirurgião geral, demonstrou a utilidade da
laparoscopia em 500 casos realizados sem mortalidade, cifra esta que foi duplicada em
1958 por Zoeckler. Os grupos de Cuschieri, na Europa, e de Berci, nos EUA, defenderam a
laparoscopia em várias ocasiões.
Apesar de a laparoscopia já constar como método propedêutico e terapêutico no arsenal
ginecológico há quase 30 anos, foi o desenvolvimento da videolaparoscopia e a
subseqüente explosão da colecistectomia videolaparoscópica (CVL) e da laparoscopia
terapêutica que embasaram a abordagem laparoscópica de emergência, hoje uma realidade.
O uso de laparoscopia no trauma foi proposto pelos grupos de Gazzaniga e Carnevale,
porém somente com os trabalhos de Semm ocorreu a verdadeira revolução na laparoscopia,
que passou a ser vista como algo além de um método diagnóstico. Deve ser ressaltado, no
entanto, que a possibilidade de incremento dos potenciais de morte e seqüelas em caso de
diagnósticos não efetuados ou achados mal interpretados diferencia o trauma de outras
patologias, para as quais a abordagem laparoscópica tornou-se preferida.
A natureza imprevisível da emergência força uma rápida necessidade diagnóstica e,
conseqüentemente, uma pronta e adequada terapêutica. Esta imprevisibilidade,
especialmente no trauma, exige a realização de procedimentos em momentos nos quais
eventualmente equipes treinadas em laparoscopia não estejam a postos e/ou o pessoal
disponível não esteja habituado aos equipamentos e procedimentos laparoscópicos. Estas
razões constituíram-se em obstáculos para o rápido desenvolvimento da laparoscopia no
campo da traumatologia. Apesar disto, o potencial de redução de laparotomias brancas ou
não-terapêuticas e o encurtamento do período de internação são bastante atrativos, assim
como o retorno mais rápido ao trabalho, particularmente porque os pacientes traumatizados
estão geralmente em idade economicamente ativa.
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Neste capítulo, analisaremos inicialmente os potenciais efeitos adversos da laparoscopia.
Examinaremos então, separadamente, as aplicações diagnósticas e terapêuticas da
laparoscopia nas emergências.
II. Fisiologia e Morbidade Potencial.
Uma vez que pacientes em situação de emergência apresentam graus variados de choque e
eventualmente condições fisiopatológicas preexistentes desconhecidas, é importante a
compreensão da fisiologia e dos efeitos colaterais potenciais do pneumoperitônio e da
laparoscopia. A inobservância dos problemas potenciais e a inaptidão para tomar as
medidas necessárias para a prevenção de complicações certamente redundarão em
experiências adversas.
São reconhecidos como potencialmente danosos vários aspectos importantes da
laparoscopia e do pneumoperitônio. A escassez de estudos meticulosos e de dados que
possam melhor elucidar esta questão nos obriga à busca de referências em observações
clínicas, experimentos com animais e extrapolações de princípios fisiológicos bemconhecidos e aceitos.
Desta forma, apresentam-se como candidatos à laparoscopia os pacientes
hemodinamicamente estáveis, mesmo que já tenham sofrido período de hipotensão, e nos
quais existam riscos significativos de lesões intra-abdominais ocultas, em se considerando
que até 25% do volume circulante poderão ser perdidos antes da queda dos níveis
pressóricos. Ainda que todos os pacientes devam sempre receber ressuscitação antes da
laparoscopia, não existe garantia para um dado paciente de que esta ressuscitação tenha
atingido um nível ótimo. O paciente pode ter permanecido com algum grau de choque e,
conseqüentemente, mais exposto a complicações provenientes de intervenções que causem
comprometimentos cardiovasculares e pulmonares adicionais.
Infelizmente, quatro aspectos da cirurgia laparoscópica podem contribuir para efeitos
cardiopulmonares adversos. Eles são: dióxido de carbono (CO2), pneumoperitônio com
pressão positiva, hipotermia de insuflação e posição em proclive.
Em virtude do seu baixo custo, da fácil disponibilidade, de não se sujeitar a abusos e da
rápida reabsorção pelo peritônio, o CO2 tem sido o agente mais amplamente utilizado para
o estabelecimento do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópica. No entanto, análises mais
acuradas demonstram que quantidades significativas de CO2 podem ser absorvidas pelo
peritônio, resultando em elevação da pCO2 arterial, acidose, diminuição do volume de
ejeção e elevação da pressão da artéria pulmonar, a qual parece ser causada pela insuflação
com CO2, uma vez que ela não ocorre quando o hélio é utilizado. Embora esta
hipercarboxemia seja usualmente bem-tolerada nos casos eletivos, pacientes que
apresentam hemorragia tendem a apresentar acidose de leve a moderada, apesar da correção
dos seus níveis pressóricos.
Vários autores recomendam ainda o uso de óxido nitroso para a laparoscopia com sedação.
Eles afirmam que o dióxido de carbono pode formar ácido carbônico e, assim, irritar o
peritônio, criando desconforto.
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Nos pacientes que respiram espontaneamente, o excesso de CO2 é normalmente expirado
através do aumento de seu volume-minuto ventilatório. Porém, sob anestesia geral e com
respiração controlada, eles não podem fazê-lo. Desta forma, o anestesista deverá estar
atento para elevações do CO2 arterial e para a acidose associada. O volume-minuto
ventilatório deverá ser aumentado durante a laparoscopia, e os gases arteriais acuradamente
monitorados. Caso a pCO2 se eleve acima de 60 ou o pH atinja níveis inferiores a 7,2, o
procedimento deverá ser interrompido, em favor da técnica aberta, evitando-se o
aparecimento de arritmias cardíacas de difícil controle, em função da acidose.
Pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) são tratados com medidas que
permitam a redução da pressão intracraniana. A hiperventilação, que reduz a pCO2, é uma
das mais efetivas medidas disponíveis, uma vez que o fluxo sangüíneo cerebral é
inversamente proporcional à pCO2, e qualquer elevação nesta, resultante do
pneumoperitônio, está formalmente contra-indicada nestes casos.
A insuflação pode resultar também em hipotermia, provavelmente devido à evaporação de
fluidos da superfície peritoneal, em combinação com o fato de o gás utilizado ser
usualmente frio. Apesar de nos procedimentos eletivos a hipotermia representar apenas um
inconveniente que prolonga a permanência do paciente na sala de recuperação ou provoca
neste tremores pós-operatórios, trata-se de um sério problema na emergência. Os pacientes
poderão já estar hipotérmicos em função de choque, temperatura ambiente e de soluções
frias empregadas para ressuscitação. A hipotermia significativa (temperatura central igual
ou inferior a 35ºC) pode contribuir para a instalação de coagulopatia ou arritmias
ventriculares. No trauma, a hipotermia contribui ainda para o aumento da mortalidade, a
qual atinge 100% naqueles pacientes com temperaturas centrais inferiores a 32ºC. Torna-se,
pois, crucial a monitoração da temperatura central, via reto ou esôfago, durante os
procedimentos na emergência, especialmente os laparoscópicos.
O pneumoperitônio com pressão de 10 a 15 mmHg é utilizado para a elevação da parede
abdominal anterior, permitindo a realização do exame laparoscópico. Em modelos
experimentais, tais níveis pressóricos causam queda de 10 a 20% no débito cardíaco. O
mecanismo é provavelmente a dificuldade no retorno venoso, semelhantemente ao que
ocorre na pressão expiratória positiva final (positive end-expiratory pressure — PEEP). De
fato, o pneumoperitônio com pressão positiva reverte parcialmente os efeitos negativos da
PEEP, ao igualar as pressões intratorácicas e intra-abdominais e restaurar o fluxo venoso. A
posição de Trendelenburg (cabeceira abaixada a 15º) tende a aumentar o retorno venoso
para o coração e compensa amplamente o efeito negativo do pneumoperitônio no débito
cardíaco, comprovado por muitos estudos efetuados durante procedimentos laparoscópicos
ginecológicos, realizados normalmente nesta posição. Em contraste, a laparoscopia para
exploração do trauma, assim como a CVL, requer uma posição reversa de Trendelenburg
(cabeceira elevada a 15º — proclive), exacerbando os efeitos negativos do pneumoperitônio
no débito cardíaco, propiciando queda de até 24% no mesmo. Observa-se ainda que os
efeitos da hemorragia e do hemoperitônio sobre o débito cardíaco são aditivos e apenas
parcialmente revertidos pelas medidas de ressuscitação com fluidos. As conseqüências
deletérias sobre o débito cardíaco de múltiplos fatores, tais como a hemorragia, a
hipotermia, o proclive, a hipercarbia, a acidose e o pneumoperitônio, nunca foram
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estudadas simultaneamente. Não obstante, mínimos decréscimos no débito cardíaco são
suficientes para descompensar pacientes com pequena reserva cardíaca ou que apresentem
um choque hipovolêmico não completamente corrigido.
Do que foi relatado, fica claro que a laparoscopia na emergência traz consigo alguns riscos
potenciais. A pressão do pneumoperitônio deverá ser minimizada (10 mmHg), e o
posicionamento deverá ser em Trendelenburg ou horizontal, sempre que o proclive não for
necessário. A monitoração dos gases arteriais e (se disponível) a monitoração contínua do
CO2 deverão ser utilizadas para todos os procedimentos que ultrapassarem 15 minutos de
duração. Pacientes deverão ser bem-ressuscitados, e a volemia deverá ser verificada e
monitorada com pelo menos um cateter venoso central. Quando possível, em pacientes
idosos e naqueles com comprometimento cardiorrespiratório conhecido, um cateter da
artéria pulmonar deverá ser inserido e utilizado para monitoração.
Pneumotórax hipertensivo como resultado da transmissão da pressão positiva à cavidade
pleural foi descrito em pacientes com ruptura do diafragma. Em conseqüência, todo o
equipamento necessário para a descompressão torácica de emergência deverá estar
acessível, e o tórax deverá ser preparado (anti-sepsia e campos cirúrgicos) no momento da
realização do exame laparoscópico em pacientes politraumatizados.
Finalmente, grandes lacerações do parênquima de órgãos sólidos, como o fígado ou o baço,
podem ocultar lesão venosa. Apesar da inexistência de relatos, teoricamente é possível que
a pressão positiva do pneumoperitônio possa levar a uma embolia gasosa maciça, sempre
que a pressão do pneumoperitônio exceder a pressão venosa. Desta forma, é aconselhável
cautela em face das lesões parenquimatosas de órgãos sólidos, mesmo na ausência de
sangramento.
III. Contra-Indicações Para o Exame Laparoscópico.
Pacientes com íleo, que apresentem abdômen distendido, timpanismo aumentado, ou exame
radiológico demonstrando alças distendidas com níveis hidroaéreos, devido ao risco
aumentado de perfuração pela punção com agulha ou trocarte, eram considerados contraindicação absoluta para o exame laparoscópico. Hoje, devido aos avanços da técnica e à
maior experiência com esta, tornaram-se contra-indicação relativa, devendo ser empregada
a técnica aberta para a introdução do trocarte inicial.
Coagulopatias não corrigidas também contra-indicam exame laparoscópico. Pacientes em
uso de aspirina ou drogaditos merecem atenção e cuidados especiais.
Pacientes muito obesos deverão ter a espessura da parede abdominal avaliada, pois algumas
vezes o tamanho do trocarte poderá mostrar-se insuficiente. Usualmente, esses pacientes
necessitam de pressões de insuflação maiores do que as habituais para elevar a parede
abdominal anterior, impossibilitando a realização de pneumoperitônio efetivo para o exame
laparoscópico, devido a alterações cardiovasculares. Além disso, eles apresentam omentos
espessos e redundantes, o que dificulta a avaliação intra-abdominal.
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Peritonites generalizadas clinicamente detectadas não constituem indicação para exame
laparoscópico. Peritonites localizadas, entretanto, não são contra-indicações, uma vez que o
exame pode auxiliar o cirurgião na escolha de um procedimento terapêutico mais adequado.
Pacientes com hérnia externa não-redutível são contra-indicações relativas, uma vez que o
aumento da pressão intraperitoneal eleva o risco de isquemia do conteúdo herniário.
Cuidado especial é recomendado também quando há história de cirurgia abdominal prévia.
O local da punção inicial deve ser avaliado com atenção, e deve ser considerada a técnica
aberta para colocação do trocarte.
Nos pacientes com comprometimento cardiovascular importante, defeitos de condução ou
infarto agudo do miocárdio recente, os riscos devem ser bem-avaliados, antes do exame
laparoscópico. Doença cardíaca compensada ou angina não são contra-indicações. Doença
pulmonar obstrutiva severa poderá levar à hipercarbia e acidose grave, se o CO2 for
utilizado.
Pacientes portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) não são
considerados contra-indicação para o exame laparoscópico, ainda que existam
preocupações e riscos potenciais, como a contaminação da sala de cirurgia na
descompressão do pneumoperitônio, o risco de inalação do DNA do vírus (já demonstrado
em debris de laser) e o custo aumentado resultante da utilização de material descartável,
devido ao risco teórico de contaminação cruzada pelo instrumental.
Não se prestam à avaliação ou terapêutica laparoscópica as vítimas de traumatismos
fechados ou penetrantes que apresentam hipotensão persistente, ou cujos níveis pressóricos
são mantidos pela constante infusão de sangue ou cristalóides. Esses pacientes apresentam
usualmente lesão significativa intra-abdominal, com volumosa perda de sangue. A presença
de hemoperitônio pode ser confirmada, entre três e cinco minutos, pela punção abdominal
com lavado peritoneal, sendo que, nesses casos, os pacientes deverão ser conduzidos
imediatamente ao bloco cirúrgico para laparotomia e controle da hemorragia.
IV. Laparoscopia Diagnóstica
A. Traumatismos fechados. As indicações para laparoscopia diagnóstica no trauma fechado
variam, mas a maioria dos autores seleciona um grupo de pacientes que são
hemodinamicamente estáveis, mas que têm sinais transitórios ou evocativos de lesão intraabdominal (sensibilidade abdominal, escoriações, hipotensão transitória etc.), ou um fator
que impede um exame clínico seriado adequado (como TCE, traumatismos raquimedulares,
ou anestesia prolongada e antecipada, para procedimentos extra-abdominais).
Uma fração significativa de pacientes traumatizados que sofreram grandes impactos não
apresentará, entretanto, sinais e sintomas cardiovasculares ou abdominais que justifiquem a
necessidade de outras avaliações. No outro extremo, pacientes com taquicardia e
hipotensão, e sinais clínicos óbvios de choque, têm hemorragia ativa que (excetuando-se
sangramentos intratorácicos e fraturas graves) requer laparotomia imediata para diagnóstico
e hemostasia simultâneos.
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O grupo intermediário remanescente necessita de informação diagnóstica adicional. As
escolhas disponíveis incluem o lavado peritoneal diagnóstico (LPD), a tomografia
computadorizada (TC) e a ultra-sonografia (US).
O lavado peritoneal é seguro, sensível e específico para traumas fechados maiores; tem uma
acurácia de 98%, com uma taxa mínima de complicação. Resultados falso-negativos ou
positivos ocorrem em cerca de 2% dos casos, e o LPD virtualmente eliminou os óbitos em
conseqüência do diagnóstico tardio de hemoperitônio. De seu uso rotineiro decorre, porém,
uma elevada taxa de laparotomias brancas ou não-terapêuticas, ou seja, laparotomias que
diagnosticam uma lesão (LPD positivo) que não precisa ser reparada (usualmente, lesão
hepática ou esplênica não-sangrante). Além disso, lesões retroperitoneais, como as renais
ou pancreáticas, não são detectadas, nem hematomas intraparenquimatosos de fígado ou
baço, assim como a hérnia diafragmática. Mesmo que o cirurgião possa decidir não operar
um paciente com LPD positivo, ele o fará sem nenhum conhecimento específico da
natureza da lesão.
A tomografia computadorizada é altamente sensível na avaliação do trauma intraabdominal e supre informações nas lesões retroperitoneais ou intraparenquimatosas dos
órgãos sólidos. As desvantagens da TC são numerosas, ainda que menos significativas: o
paciente geralmente precisa ser removido da sala de emergência para o setor de radiologia,
onde a monitoração e a ressuscitação são mais difíceis; é um método caro e consome mais
tempo do que o LPD; requer a presença de técnico e radiologista (ou cirurgião) competente
na interpretação dos dados; e, ainda, necessita de contraste intravenoso. A seu favor estão o
fato de muitos pacientes traumatizados requererem estudo tomográfico do crânio, a rapidez
da nova geração de aparelhos e a aptidão da maioria dos cirurgiões gerais para a leitura e a
interpretação dos resultados da TC.
O ultra-som, assim como a TC, pode prover informação anatômica, determinar a presença
de líquido intraperitoneal livre, e também quantificá-lo, sendo um método não-invasivo e
rápido, que pode ser realizado na sala de emergência, o que já é executado por alguns
cirurgiões. Nas mãos de um profissional treinado (radiologista ou cirurgião), o US poderá
ser tão confiável quanto o LPD na avaliação do trauma abdominal fechado, excluindo-se os
pacientes muito obesos ou portadores de distensão abdominal.
Em contraste, a maioria dos cirurgiões gerais de hoje tem um treinamento razoavelmente
bom em laparoscopia, e, uma vez que a interpretação baseia-se na inspeção visual direta, os
princípios são muitos similares aos aprendidos durante seu treinamento cirúrgico eletivo.
Vários estudos demonstraram que a laparoscopia pode ser realizada na sala de emergência,
com anestesia local, em vítimas de trauma. Os exames levam de 30 a 60 minutos, porém
este tempo é gasto na sala de emergência, com a presença do cirurgião, e por esta razão é
extremamente seguro. O pneumoperitônio pode ser reduzido para 8-10 mmHg,
minimizando os efeitos cardiovasculares da laparoscopia.
Não obstante serem incompletas as visões laparoscópicas do baço e dos intestinos, assim
como das estruturas retroperitoneais, deverá ser levado em consideração que pacientes
hemodinamicamente estáveis, com LPD positivo, seriam submetidos à laparotomia, a qual
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seria desnecessária em 30% dos casos. Os pacientes hemodinamicamente estáveis com
exames abdominais ambíguos e/ou fatores prejudiciais a um exame adequado devem ser
submetidos a US ou TC. Aqueles com hipotensão recorrente ou persistente deverão ser
submetidos ao LPD, e apenas aqueles com resultados positivos grosseiros (aspiração de 1020 cc de sangue) serão levados diretamente à laparotomia, sendo raros os casos nãoterapêuticos nesta situação. Estudos comparativos não demonstraram clara vantagem da
laparoscopia diagnóstica sobre o lavado peritoneal como método de avaliação primária do
trauma abdominal fechado, e ainda existem poucas referências na literatura comparando a
laparoscopia diagnóstica e o US ou a TC para a avaliação de trauma abdominal. A
laparoscopia certamente não poderá ser realizada por não-cirurgiões ou residentes em fase
inicial de treinamento. Em contraste, o LPD pode ser realizado pela maioria dos
profissionais que lidam com o trauma.
Embora a laparoscopia não tenha seu papel estabelecido para a exploração de rotina no
trauma abdominal, ela tem indicação para pacientes selecionados, particularmente aqueles
de evolução hospitalar arrastada. Os casos para os quais a terapia conservadora foi
indicada, especialmente para lesões esplênicas ou hepáticas, poderão desenvolver uma lenta
queda de hematócrito ou uma dor abdominal de início súbito, ou mesmo mudanças em seu
estado clínico. Estas são indicações coerentes para laparotomia e que resultam em
evacuações de hematomas ou coleções biliares com colocação de drenos. Estes
procedimentos são realizados com facilidade, e provavelmente de forma mais apropriada,
por via laparoscópica.
B. Traumatismos penetrantes. No trauma abdominal penetrante, a laparoscopia pode: (a)
excluir penetração na cavidade peritoneal e, deste modo, evitar laparotomia branca ou nãoterapêutica “mandatória”; (b) determinar se há presença de sangue ou conteúdo intestinal na
cavidade peritoneal e estimar sua quantidade; (c) diagnosticar lesões do diafragma; (d)
demonstrar a necessidade de laparotomia terapêutica; (e) colocar drenos; (f) prover acesso
para reparo laparoscópico de numerosas lesões, incluindo estômago, intestino delgado,
parede abdominal e diafragma.
De modo similar ao que ocorre no trauma fechado, pacientes com lesões penetrantes podem
apresentar sérias lesões ocultas intra-abdominais (ou dentro de outra cavidade corporal). Os
cirurgiões devem determinar se os pacientes apresentam tais lesões e tratá-las prontamente,
enquanto cuidam de prevenir lesões adicionais.
A determinação da penetração na cavidade peritoneal deverá ser pensada em termos de sua
exclusão. A comprovação de que ela não ocorreu indica que o paciente não apresenta, em
conseqüência, lesão interna. Provar que houve penetração é menos útil, na medida em que
isto não confirma a presença de lesão significativa (30-50% desses pacientes têm achados
normais durante a laparotomia). Mesmo não sendo um desastre, a laparotomia branca é sem
dúvida incapacitante (ao menos temporariamente) e não completamente desprovida de
morbimortalidade.
A comprovação da penetração na cavidade peritoneal poderá ser estabelecida pela
exploração da lesão, sob anestesia local, na sala de emergência. A ferida poderá ainda ser
lavada e suturada neste momento. Caso a exploração da ferida não possa afastar
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efetivamente a penetração intraperitoneal, o cirurgião deverá assumir que ela ocorreu,
devendo então decidir-se sobre o rumo a ser seguido. Em um centro de trauma com
residentes diuturnamente, indicamos o exame abdominal seriado para aqueles casos em que
não foi possível excluir penetração intraperitoneal. Esta opção mostra-se inviável para a
maioria dos cirurgiões. Eles não podem examinar de forma seriada o paciente ou operá-lo
mais tardiamente, quebrando uma rotina trabalhosa de procedimentos eletivos. Desta
forma, muitos cirurgiões ainda adotam a laparotomia “mandatória” nos casos de penetração
da cavidade, ou quando não se consegue excluí-la, obtendo as vantagens do diagnóstico
pronto e definitivo de lesão intraperitoneal e contrapondo-o a uma expectativa de 20 a 50%
de incidência de laparotomia não-terapêutica. Nestas situações, a laparoscopia diagnóstica
pode, com segurança, excluir a penetração, permitindo tranqüilidade ao paciente e ao
cirurgião. O paciente poderá receber alta após a laparoscopia em várias ocasiões.
Em inúmeros centros de trauma, a maioria dos pacientes com feridas penetrantes por arma
branca é admitida para observação e exames clínicos seriados. Em caso de alterações no
exame, a avaliação cirúrgica estará indicada. Nestes casos, também, a laparoscopia poderá
eliminar ocasionais laparotomias brancas ou não-terapêuticas.
Nos casos de ferimentos por arma de fogo, a avaliação tende para a exploração, em função
da elevada incidência (80-90%) de lesões intra-abdominais quando há penetração. Nestes
casos, também, a laparoscopia mostrou-se de valor para evitar laparotomias desnecessárias.
Em alguns pacientes, a trajetória do projétil é tangencial à cavidade peritoneal ou passa
através do terço inferior do tórax, sendo a lesão peritoneal fortemente suspeitada e sem
possibilidade de ser formalmente excluída. O papel da laparoscopia neste grupo tem sido
demonstrado como método seguro e eficaz na exclusão de penetração na cavidade
peritoneal.
Embora estudos demonstrem que a laparoscopia pode detectar a presença de sangue ou
conteúdo intestinal no abdômen, documentando a necessidade de laparotomia, um exame
diagnóstico completo poderá ser impossível, devido à dificuldade na avaliação das alças
intestinais, assim como a problemas para a visualização das estruturas posteriores e
retroperitoneais, como o duodeno ou a face posterior do baço.
C. Traumatismos diafragmáticos. A avaliação do diafragma, especialmente a cúpula
esquerda, é provavelmente a área onde a laparoscopia diagnóstica é de maior benefício. Em
alguns grupos, particularmente nos pacientes submetidos a traumas fechados violentos na
base torácica esquerda, a incidência de lacerações diafragmáticas é alta, podendo ocorrer
em 25 a 50% dos casos. Embora a maioria dessas lacerações seja assintomática, e muitas
vão provavelmente cicatrizar de forma espontânea, elas ocasionalmente resultam em
complicações tardias desastrosas, como a herniação, o estrangulamento e a perfuração de
alças de delgado ou mesmo do estômago dentro da cavidade torácica. Apesar de alguns
grupos terem optado pela laparotomia exploradora “mandatória” para pacientes com este
tipo de lesão, a laparoscopia se vem mostrando como uma técnica auxiliar efetiva para
avaliação da cúpula esquerda. Na realidade, já foram inclusive realizadas suturas de
lacerações diafragmáticas por essa via.
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Na avaliação de pacientes com risco de lesões diafragmáticas, é necessário extremo
cuidado, devido ao fato de poder ser criado um pneumotórax hipertensivo. A pressão de
insuflação deverá ser mantida baixa (menor do que 10 mmHg), e o tórax deverá estar
preparado para drenagem de emergência (Figs. 36-1 e 36-2).
D. Na emergência não-traumática. Patologias intra-abdominais significativas poderão
apresentar-se de forma pouco evidente, especialmente nos pacientes idosos, senis ou
imunocomprometidos, os quais apresentam geralmente história pobre e inconclusiva e
quadro clinicolaboratorial inespecífico. De maneira similar, pacientes alcoolizados, sob
efeito de drogas ou comatosos também podem apresentar-se com diagnóstico obscuro.
Nessas situações, o exame laparoscópico estará indicado, podendo diagnosticar a patologia
em questão, como eventuais processos inflamatórios (apendicite e doença inflamatória
pélvica), insuficiência vascular mesentérica, ou mesmo perfurações viscerais (úlcera
péptica, divertículos etc.) (Fig. 36-3).
A laparoscopia poderá ainda ser muito útil nos casos de mulheres jovens que apresentam
dor abdominal (principalmente quando o local da dor é o quadrante inferior direito),
realizando o diagnóstico diferencial entre gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica e
apendicite aguda, inclusive com possibilidade terapêutica (apendicectomia
videolaparoscópica).
Relatos isolados do incipiente uso da laparoscopia como opção para a intervenção de
second look são encontrados, principalmente em casos onde houve dúvida sobre a
viabilidade dos tecidos remanescentes (isquemia mesentérica, lesões extensas de órgãos
sólidos etc.), com a opção de já se deixar instalado o trocarte por ocasião da laparotomia,
evitando-se o risco de lesão por punção.
Outras indicações seriam a detecção de sangramento gastrointestinal em casos selecionados
onde se suspeita de neoplasia de intestino delgado ou de divertículo de Meckel;
reposicionamento de tubos de gastrostomia e cateteres peritoneais para diálise; diagnóstico
e avaliação de doença hepática, benigna ou maligna, primária ou metastática; avaliação de
massas intra-abdominais; investigação de ascite, febre ou dor abdominal crônica de origem
indeterminada; estadiamento de tumores; e outras, exercitadas mais freqüentemente de
maneira eletiva (porém com risco emergencial significativo).
V. Terapêutica Laparoscópica na Emergência.
O tratamento por via laparoscópica de patologias intra-abdominais é um campo promissor.
A instrumentação e a técnica já estão bem-estabelecidas para a ligadura de vasos, sutura de
alças, para os reparos de defeitos da fáscia e a colocação de drenos. Suturas de lacerações
gástricas e diafragmáticas, usando-se clipes colocados individualmente por via
laparoscópica, assim como apendicectomias, têm sido realizadas com sucesso.
Técnicas laparoscópicas avançadas, incluindo ressecções e anastomoses de alças, podem
obviamente ser utilizadas para reconstruções, ressecções ou anastomoses no trauma tão
facilmente como em situações eletivas. As três maiores restrições para as técnicas
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laparoscópicas de tratamento de patologias intra-abdominais são a hemorragia, o tempo e o
acesso aos órgãos intra-abdominais.
Apesar de existir uma variedade de técnicas laparoscópicas para ligadura de vasos, o
controle de uma hemorragia pode ser difícil mesmo quando a fonte do sangramento é um
único vaso. Quando existem vários vasos sangrando ou quando a hemorragia iniciou-se
antes da realização da laparoscopia, o seu controle poderá ser virtualmente impossível. De
fato, a hemorragia é uma indicação bem-aceita para a conversão de um procedimento
laparoscópico em cirurgia convencional. Não existe, e provavelmente nunca existirá, um
substituto da laparotomia para o controle adequado de uma hemorragia significativa, com a
rápida aplicação manual de pinças hemostáticas e de vários métodos simultâneos de sucção.
Em operações eletivas, um tempo operatório adicional é aceitável porque existe pouco ou
nenhum risco para o paciente, podendo inclusive significar muitas vezes uma diminuição
na duração de sua hospitalização. Em contraste, na emergência, um aumento do tempo
operatório pode levar a uma hemorragia prolongada ou à contaminação de todo o abdômen
e atraso nos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos. Os pacientes traumatizados
poderão, ainda, apresentar paralelamente outras lesões que exigirão observação hospitalar,
mesmo no caso de o procedimento abdominal permitir uma alta precoce.
Embora a visão laparoscópica do abdômen seja excelente, e provavelmente melhore com a
nova geração de afastadores e pinças, ainda é difícil o acesso à face posterior do baço, à
raiz do mesentério e ao retroperitônio, particularmente em pacientes obesos. Fabian e cols.,
assim como Salvino, demonstraram que, mesmo com atuação agressiva, lesões intraabdominais podem passar despercebidas, especialmente em traumas penetrantes. O mesmo
problema de acesso pode obviamente impedir o tratamento de lesões nessas áreas.
VI. Técnicas Laparoscópicas Para a Emergência
A. Localização. A maioria das laparoscopias é realizada no centro cirúrgico. Com
preparação própria, porém, a laparoscopia pode ser realizada com sucesso na sala de
emergência ou na Unidade de Tratamento Intensivo. Considerações logísticas favorecem a
sala de cirurgia, porque o equipamento complexo é caro, e o pessoal especialmente treinado
para mantê-lo e operá-lo está usualmente presente no centro cirúrgico. Além disso, o
ambiente tumultuado de uma sala de emergência pode ser insatisfatório para um
procedimento estéril. A mesa cirúrgica é especificamente projetada para posicionar e
mobilizar o paciente, o que é necessário para a avaliação dos vários quadrantes do
abdômen, incluindo as superfícies superiores do fígado e do baço e as cúpulas frênicas.
Pacientes confusos, intoxicados ou agitados são mais facilmente controlados com a
assistência de um anestesista (com ou sem anestesia geral). Além disso, medidas
terapêuticas podem ser necessárias, incluindo o reparo de lesões e o tratamento de
complicações como o pneumotórax. Todos esses eventos são resolvidos mais facilmente
numa sala cirúrgica.
Entretanto, certas instituições podem achar mais conveniente realizar a laparoscopia na sala
de emergência, devido à ocorrência de um centro cirúrgico sobrecarregado.
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Alternativamente, algumas salas podem ser perfeitamente adequadas para a realização de
procedimentos invasivos, já tendo sido demonstrado que, com anestesia local e sedação, foi
possível realizar a maioria das laparoscopias diagnósticas na sala de emergência.
B. Equipamento. A laparoscopia diagnóstica para a emergência pode ser realizada sem
equipamento adicional, isto é, com os mesmos equipamentos usados para laparoscopia
diagnóstica eletiva ou para CVL. Entretanto, dependendo das indicações e dos objetivos,
instrumentos adicionais e outros equipamentos podem ser úteis. Duas pinças atraumáticas
são necessárias para a avaliação de alças intestinais e para que se descartem lesões de
vísceras ocas. A óptica convencional de 10 mm pode ser usada, especialmente se a
laparoscopia é realizada em centro cirúrgico e sob anestesia geral, enquanto a óptica de 30º
pode ser útil na inspeção da superfície superior do fígado ou do baço.
Foi proposto por Berci o uso de óptica de 4 mm para a realização de uma
“minilaparoscopia” sob anestesia local na sala de emergência. Uma unidade móvel
laparoscópica foi desenvolvida e inclui uma bandeja simplificada de instrumentos: trocartes
de 4-5 mm, aspirador/irrigador, cilindro de gás e uma fonte de luz. Câmera e sistema de
vídeo não são necessários, porém o uso de um monitor pequeno (13 polegadas) pode tornar
o vídeo portátil.
Além disso, relembramos que, devido ao risco potencial de lesão diafragmática não
diagnosticada, podendo levar a um pneumotórax hipertensivo, o equipamento necessário
para a drenagem torácica de urgência deve estar acessível. Apenas cirurgiões que estejam
familiarizados com técnicas de drenagem torácica deverão realizar laparoscopia em
pacientes traumatizados.
Tratando-se de laparoscopia terapêutica, uma variedade de instrumentos pode ser
necessária (pinças tipo Babcock, porta-agulhas etc.) Clipadores comumente usados no
tratamento de hérnias podem ser usados para suturas de diafragma e vísceras ocas.
C. Técnica nas feridas por armas de fogo. Em geral, a laparoscopia nos casos de ferimento
por arma de fogo somente é realizada em pacientes estáveis e com trajetória tangencial.
Uma vez mais, o objetivo é determinar se ocorreu penetração peritoneal. Um simples
trocarte para laparoscopia pode ser suficiente para se avaliar o peritônio adjacente à lesão.
Eventualmente, uma haste rígida pode ser passada pelo trajeto da lesão, no intuito de se
identificar a área onde a ferida se aproxima do peritônio. Numa ferida anterior, o uso da
óptica de 30º ou de trocarte introduzido mais lateralmente pode ser útil.
Se a ferida tangencial tem direção póstero-lateral, existem possibilidades de lesão de cólon
retroperitoneal (posterior à linha de Toldt). A exploração pode requerer um trocarte de 5
mm colocado lateralmente à lesão, para facilitar a reflexão medial do cólon.
Geralmente, a penetração peritoneal é indicação de laparotomia, uma vez que mais de 90%
dos pacientes afetados apresentarão lesões intra-abdominais significativas. Além da
penetração do peritônio, outras evidências que poderiam indicar a laparotomia incluem a
detecção de sangue, bile ou conteúdo intestinal livres na cavidade peritoneal. Se nada disso
é localizado, a despeito de visão adequada da cavidade e da área em questão, a laparoscopia
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pode ser finalizada, e o paciente pode retornar para a unidade de tratamento intensivo ou
enfermaria, para observação.
D. Técnica nas feridas penetrantes. A conduta para a laparoscopia em traumatismos
penetrantes é similar àquela descrita nos traumatismos por arma de fogo. A ausência de
penetração peritoneal é a prova de que o paciente não necessita de laparotomia. Entretanto,
a simples presença de penetração peritoneal não é indicação absoluta de laparotomia. De
fato, muitos desses pacientes não terão lesões intra-abdominais severas o bastante para
necessitarem de tratamento cirúrgico. Por isso, pode ser vantajoso inspecionar a cavidade
peritoneal em busca de evidências de lesões. É óbvio que uma grande lesão de fáscia
necessitará de reparo. Entretanto, lesões intra-abdominais podem ser descartadas, e o
tratamento das lesões da fáscia pode ser feito localmente, com abordagem via anterior sem
necessidade de laparotomia.
Se há sangue presente, associado a uma ferida em quadrante superior, seja à direita ou à
esquerda, a origem pode ser uma lesão hepática ou esplênica. Freqüentemente, a
hemorragia já terá cessado e não necessitará de terapia específica. O sangue deve ser
aspirado, e a área, irrigada e observada no intuito de verificar se o sangue se reacumula. Se
a origem do sangramento não pode ser determinada, se o sangue se reacumula ou se a bile
ou o conteúdo entérico são detectados, é indicada a laparotomia. Adicionalmente, se uma
grande quantidade de sangue é encontrada na observação inicial ou se são detectadas alças
intestinais flutuando em grande quantidade de sangue, a laparotomia imediata está indicada.
Em casos selecionados, o tratamento de lesões isoladas de vísceras ocas, órgãos sólidos ou
do diafragma pode ser realizado, particularmente se o restante da cavidade foi bem visto e
se o cirurgião está familiarizado com técnicas avançadas de sutura laparoscópica. Uma
sutura gástrica pode ser realizada com colocação de trocartes na linha média, nos
quadrantes superiores direito e esquerdo, para o afastamento do lobo esquerdo do fígado,
superiormente. A parede gástrica anterior é pinçada e elevada, afastando-se da parede
posterior. O fechamento pode ser realizado com suturas e clipes (Fig. 36-4).
De maneira similar, o reparo do diafragma com clipes já foi realizado. Deve ser notado que,
no caso de lesão diafragmática, cuidado especial deve ser tomado no sentido de se evitar
um pneumotórax hipertensivo. A pressão de insuflação deve ser mantida abaixo de 10
mmHg, e o paciente deve ser monitorado quanto a sinais clínicos de pneumotórax
hipertensivo. As suturas de vísceras ocas devem ser testadas, quando possível. No caso da
sutura gástrica, ela é testada inflando-se o estômago com ar na cavidade repleta de soro
fisiológico.
Os trabalhos mais recentes mostram uma redução em até 68% dos casos de laparotomias
“obrigatórias” quando a laparoscopia é utilizada nos casos de traumas penetrantes. Uma
especificidade de 100%, associada a uma sensibilidade de 85%, é encontrada, porém ainda
existe grande preocupação com relação às lesões intestinais.
E. Técnica nos traumatismos fechados. No traumatismo fechado, a laparoscopia pode ser
útil na determinação da presença e da origem de hemoperitônio e para se afastar a
possibilidade de lesão de víscera oca. Lacerações diafragmáticas no trauma fechado são
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geralmente extensas e identificáveis por exames radiológicos do tórax. Berci e cols.
identificaram quatro grupos de pacientes nas suas séries de laparoscopia para trauma
abdominal fechado:
1. Hemoperitônio mínimo. Pequena quantidade de sangue nas goteiras laterais, até 5 mm,
ou lagos de sangue entre as alças. Não havendo aumento do seu volume durante a
realização do exame, o paciente pode ser observado, ainda que a origem do sangramento
possa permanecer obscura.
2. Hemoperitônio moderado. Presença de volume de sangue nas goteiras parietocólicas, não
excedendo 10 mm de altura. O sangue deve ser aspirado, e realizada a busca da origem do
sangramento. No caso de a fonte ser encontrada e a hemorragia haver cessado, o paciente
poderá ser observado cuidadosamente. Caso o sangue preencha novamente as goteiras, ou
se for detectada lesão que necessite de reparo, estará indicada a laparotomia.
3. Hemoperitônio severo. O sangue é aspirado pela agulha de Veress ou escapa pela
abertura inicial para a laparoscopia, ou ainda a visão inicial laparoscópica demonstra alças
intestinais sobrenadando em sangue. Neste caso a laparotomia está formalmente indicada,
devendo ser realizada imediatamente. Este achado é raro em pacientes estáveis.
4. Perfuração de órgãos. O conteúdo intestinal é localizado nas goteiras, ou uma lesão
intestinal é observada. A laparotomia para o tratamento do órgão lesado é indicada. Alguns
se sentem inclinados a tentar uma rafia laparoscópica das lesões intestinais por traumas
fechados. Porém, essas feridas são geralmente mais severas e menos bem-localizadas do
que aquelas ocorridas nos traumatismos penetrantes, podendo ainda estar associadas a
lacerações do mesentério, fraturas lombares etc. Desta forma, consideramos a laparotomia
como forma de tratamento mais adequada para tais casos.
Vários autores descreveram técnicas para hemostasia laparoscópica que incluem aplicação
de agentes hemostáticos, como celulose ou esponjas de colágeno. A injeção de cola de
fibrina via laparoscópica para o tratamento de hemorragia de órgãos sólidos também já foi
descrita em modelos animais.
F. Traumatismo devido à laparoscopia. Muitas séries de procedimentos laparoscópicos
incluem lesões intestinais dentre suas complicações. Apesar de a incidência ter diminuído,
após a introdução da técnica sob visão direta, isto ainda pode ocorrer. O tipo de lesão mais
comum é a laceração do intestino delgado. Se ela for adequadamente detectada e o
cirurgião for hábil em técnicas laparoscópicas, a lesão poderá ser tratada por via
laparoscópica, através de suturas. Se a visão ou a habilidade do cirurgião forem
insuficientes, será indicado o procedimento convencional para a rafia da lesão.
Lesões mais severas, incluindo lacerações do baço devidas à tração no hilo e dos vasos
gástricos curtos, podem ocorrer quando o cirurgião traciona o estômago ou o cólon. Isto
pode levar à conversão ao procedimento aberto com esplenorrafia ou esplenectomia, apesar
de ser possível a aplicação laparoscópica de agentes hemostáticos (descrita anteriormente).
A lesão laparoscópica mais temida é a lesão de grande vaso com a agulha de Veress ou
trocarte, seja na aorta abdominal ou nas artérias ilíacas, na veia cava ou nas veias ilíacas.
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Vários óbitos já foram relatados. A identificação ou suspeita dessa lesão deve resultar em
imediata conversão para a cirurgia aberta, com adequada visão para o tratamento das
lesões.
A lesão mais comum que ocorre na colecistectomia videolaparoscópica é a lesão dos dutos
biliares, que está além dos objetivos deste capítulo.
VII. Sumário.
O papel da laparoscopia na emergência deve ser individualizado para o paciente, para o
cirurgião e para a instituição. Existe menos espaço para novas técnicas na emergência do
que nos procedimentos eletivos, uma vez que o paciente freqüentemente apresenta-se em
condições precárias e com sua evolução clínica incerta.
A laparoscopia parece ser de valor limitado para a exploração de rotina em vítimas de
trauma fechado. Para pacientes instáveis, ela é contra-indicada.
Para alguns pacientes estáveis, em locais onde a laparoscopia já está bem-estabelecida e
quando o cirurgião já está familiarizado com o procedimento, a laparoscopia pode ser
bastante útil. A prova laparoscópica de que um trauma penetrante ou um trauma por arma
de fogo não atingiu a cavidade abdominal poderá evitar uma laparotomia branca ou nãoterapêutica (desnecessária). A demonstração laparoscópica de lacerações diafragmáticas
permite um reparo precoce e evita complicações tardias. Um diagnóstico bem-estabelecido
pode reduzir a morbimortalidade em emergências abdominais, indicando precocemente o
tratamento mais adequado. Finalmente, o tratamento laparoscópico de algumas lesões é
possível hoje e, provavelmente, será realizado com maior freqüência no futuro.
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Capítulo 37 - Traumatismos da Mão
Arlindo G. Pardini Júnior
I. Introdução.
A principal meta no tratamento dos traumatismos da mão é a restauração da função, acima
de qualquer outro objetivo, daí a grande importância do atendimento inicial. Infelizmente, a
maioria dos traumatismos da mão, principalmente os aparentemente mais simples, recebe
os primeiros socorros por elementos menos experientes da equipe de emergência, gerando
seqüelas irreversíveis e comprometimento grave da função.
Os traumatismos da mão constituem cerca de 5% de todos os atendimentos de um prontosocorro geral, porém representam cerca de 35% de todos os casos nos ambulatórios de
acidentes de trabalho. Esta alta incidência de lesões de mão constitui hoje um grande
problema socioeconômico, principalmente quando se leva em consideração não somente o
tempo de afastamento do trabalho, como também pensões e indenizações pagas pelos
cofres públicos. A melhor forma de evitar estes problemas é por meio de campanhas
profiláticas, que já vêm sendo realizadas nas indústrias e que têm sido responsáveis pela
queda na incidência de acidentes de trabalho.
Para tratar cirurgicamente qualquer lesão de mão, é imprescindível um conhecimento
adequado de sua anatomia estática e funcional, pois a cirurgia de mão é o exemplo mais
elegante de pura anatomia aplicada. Recomenda-se ao leitor o estudo deste tema na
literatura especializada.
Vários fatores contribuem para um mau resultado nos traumatismos da mão, e o principal
deles é a infecção, seguida de diagnósticos incompletos, técnica operatória muito
traumática, incisões incorretas e imobilizações em posição não-funcional. A infecção pode
espalhar-se, principalmente através de bainhas tendinosas, e provocar cicatrizes retráteis
que reduzem o suprimento sangüíneo, comprometem o suprimento nervoso e resultam em
contraturas permanentes dos tecidos.
O objetivo imediato do cirurgião que atende um caso de traumatismo aberto de mão é obter
uma cura primária da ferida, sem infecção, pois em um segundo tempo poder-se-á fazer a
síntese de ossos, tendões e nervos com melhores condições técnicas. Caso o cirurgião tenha
treinamento e experiência, aliados a condições técnicas, boas condições da ferida e do
paciente, o ideal é que todas as lesões, da pele ao osso, sejam tratadas de imediato.
Do ponto de vista cirúrgico nas lesões de mão, a ordem das prioridades do cirurgião deve
ser: (a) tratamento das lesões vasculares (se possível), quando a viabilidade do segmento
estiver comprometida (arteriorrafia); (b) prevenção de infecção; (c) estabilização do
esqueleto; (d) cobertura com pele (fechamento da ferida); (e) prevenção de deformidades
(imobilização em posição funcional); (f) sutura de nervos e tendões.
Quando se atende um paciente com traumatismo da mão, deve-se estabelecer a rotina
descrita a seguir:
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II. Diagnóstico.
O diagnóstico deve ser feito antes de qualquer sedação. Todas as informações pertinentes
ao paciente e ao acidente devem ser anotadas em fichas próprias. Isto facilitará a consulta a
estas informações sempre que for necessário. Não se deve esquecer que muitas vezes os
traumatismos da mão envolvem procedimentos médico-legais e que muitos problemas
podem ser esclarecidos com uma ficha bem-documentada.
A melhor compreensão possível, pelo cirurgião, do tipo de paciente e de sua lesão é de
suma importância na indicação do tratamento. A idade é um fator importante, pois, em
pacientes mais idosos, certas lesões complexas de um dedo, envolvendo vários tecidos (p.
ex., osso, pele e tendão), podem ser mais bem tratadas com amputação, para não
comprometer a função de outros dedos. Este princípio não se aplica ao polegar. Ao
contrário, quanto mais jovem o paciente, maiores as possibilidades de remodelação e de
recuperação funcional. O sexo algumas vezes indica ou modifica algum tratamento, pois
devem-se evitar, quando possível, certas cicatrizes em mulheres (como na escolha de áreas
doadoras de enxerto de pele).
A profissão é um dado de que o cirurgião deve sempre estar ciente, pois nem sempre a
indicação de determinada cirurgia é a mesma para um trabalhador braçal e para um técnico
em eletrônica (como nas artrodeses, artroplastias ou lesões tendinosas). A mão dominante
deve ser tratada sempre com o pensamento na restauração de sua função de pinça ou no seu
posicionamento no caso de lesões dos dois membros superiores. A personalidade e o nível
cultural podem interferir na indicação de cirurgias mais elaboradas, que necessitam de
maior colaboração do paciente no pós-operatório. Pacientes negativistas ou de baixo nível
intelectual que não entendam a finalidade da cirurgia não são bons candidatos a certos
procedimentos (policização, transferência tendinosa, artroplastias).
A anamnese, por intermédio de um interrogatório bem conduzido, é fundamental no
diagnóstico e no tratamento dos traumatismos da mão. Há quanto tempo ocorreu a lesão?
Feridas com mais de seis horas são consideradas infectadas, independentemente do grau de
contaminação, e neste caso o uso de antibiótico é mandatório. Houve algum tratamento
prévio? Qual, e por quem? Qual o agente causador ou qual o local do acidente? Lesões por
faca ou lâminas produzem feridas menos graves do que as provocadas por serra circular.
Lesões por vidro podem ser mais graves do que a ferida da pele sugere. Máquinas como
cilindro podem provocar síndromes de compartimentos da mão e levar a retrações graves
(“Volkmann de mão”). O local onde ocorreu a lesão pode predispor a certos tipos de
infecção (tétano, gangrena). Lesões obtidas na terra são mais sujeitas a infecção. Qual a
posição da mão no momento da lesão? Esta pergunta é muito importante no caso da lesão
de tendões flexores, pois, se os dedos estiverem fletidos (em posição de empunhadura),
como alguém que segura fortemente na lâmina de uma faca, os tendões lesados podem
retrair-se vários centímetros; isto servirá de orientação para o cirurgião ampliar a incisão.
O exame da mão traumatizada começa pela inspeção. Ele nos fornece informações
importantes, como o tipo de lesão (cortante, cortocontusa, contusa, perfurante, por explosão
etc.). A postura dos dedos nos informa se há lesão de tendões ou fraturas. A coloração nos
dá informações quanto ao estado vascular das extremidades. A palpação mostra
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temperatura baixa nos casos onde há lesão arterial. Também informações como pulso
digital e crepitação podem ser sentidas pela palpação. A pesquisa dos movimentos e da
sensibilidade pode sempre ser feita, independentemente da gravidade da lesão. Por mais
grave que seja o traumatismo, o paciente pode executar algum tipo de movimento ou
informar quanto à sensibilidade (com um alfinete), por meio de um exame cuidadoso,
delicado e minucioso. O diagnóstico de fraturas ou luxações pode ser feito pela inspeção
(deformidade) e palpação (dor localizada, incapacidade funcional, movimentos anormais), e
confirmado por radiografias. Raramente se utilizam outros exames na fase aguda da mão
traumatizada.
Evidentemente, em crianças de baixa idade, devido à dor e à imaturidade, o diagnóstico não
pode ser feito com a mesma precisão que em adultos.
Feito o diagnóstico, o paciente é encaminhado ao bloco cirúrgico, para o tratamento
operatório.
III. Anestesia.
Somente após o diagnóstico, que incluiu o exame detalhado da lesão, deverá ser feita a
anestesia. Exceção a este princípio é o caso de lesão em crianças muito novas ou em
pacientes que não têm condições de fornecer informações adequadas.
Nenhuma lesão aberta da mão pode ser submetida a um tratamento cirúrgico seguro sem
uma anestesia adequada.
Em geral, os pacientes com traumatismos agudos da mão chegam ao pronto-socorro com o
estômago cheio, sendo este um dos motivos pelos quais se priorizam as anestesias locais e
locorregionais. A anestesia geral é indicada para casos em que se necessita operar em outra
área concomitantemente, como no caso de retalhos a distância. Também em crianças ou em
pacientes psiquiátricos, a indicação é de anestesia geral.
A anestesia local está indicada nas pequenas lesões que atingem somente a pele. Não se
deve injetar o anestésico no interior da ferida, mas na sua periferia, para não aumentar a
agressão ao tecido lesado. O bloqueio digital pode ser feito quando a lesão se localiza em
um dedo. O anestésico deve ser injetado na base do dedo, na palma da mão, na projeção
intermetacarpal, onde o nervo digital se bifurca (Fig. 37-1). Deve-se evitar injetar o
anestésico no dedo, devido ao risco de aumentar o volume do mesmo (“tubo digital”) e
provocar espasmo arterial, de conseqüências danosas. Recomenda-se a lidocaína ou
xilocaína a 1% como anestésico de escolha. A associação do anestésico local com um
vasoconstritor nos bloqueios digitais continua a ser contestada por pesquisadores atuais.
Lesões localizadas no território específico dos nervos mediano, ulnar e radial podem ser
anestesiadas por bloqueios seletivos destes nervos no processo estilóide do rádio (nervo
radial), ulnarmente ao tendão flexor radial do carpo (nervo mediano) ou radialmente ao
tendão do flexor ulnar do carpo (nervo ulnar) no punho (Fig. 37-2).
A desvantagem maior dos bloqueios citados até aqui é a impossibilidade de se usar um
garrote pneumático por tempo superior a 20 minutos. Quando isto é necessário, ou se as
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lesões são mais extensas, a anestesia indicada é o bloqueio do plexo braquial. A técnica de
escolha é a interescalênica, pois a técnica supraclavicular de Kulenkampf é sujeita a muitas
complicações, sendo a principal delas a perfuração da pleura, com conseqüente instalação
de pneumotórax (Fig. 37-3). Outra técnica usada é a perivascular axilar. O anestésico é
injetado na axila, entre a artéria axilar e o músculo peitoral maior. O bloqueio deve ser
complementado com infiltração subcutânea do anestésico na área do nervo
intercostobraquial, quando se vai usar torniquete.
Em todos estes bloqueios, recomenda-se o uso da lidocaína (Xylocaína®), para cirurgias de
até duas horas de duração, e bupivacaína (Marcaína®), nas cirurgias mais demoradas.
IV. Cuidados Com a Ferida e Preparo do Campo Cirúrgico.
A pele é muito contaminada, e geralmente nas feridas abertas é comum se encontrarem
corpos estranhos como capim, restos de asfalto, vidro etc. A melhor profilaxia contra
infecção é uma lavagem exaustiva não só da ferida como de sua periferia e de todo o
membro, até o local do torniquete. A ferida deve ser protegida com uma compressa
enquanto se escova toda a pele, usando-se água e sabão durante 10 minutos. Deve-se tomar
cuidado com as soluções iodadas, pois estas causam descamação epitelial, o que predispõe
à infecção secundária. Não escovar nem usar sabões detergentes no interior da ferida.
Recomenda-se aqui o uso abundante de soro fisiológico, utilizando-se uma seringa para
fazer a lavagem da lesão com o soro sob pressão. Todo material contaminado e os corpos
estranhos devem ser removidos. Após esta lavagem mecânica, a pele (e somente ela) é
tratada com solução de álcool, éter e álcool iodado bem diluído. Não se recomendam
substâncias coloridas, que poderão dificultar o exame pós-operatório das pontas dos dedos
na avaliação de sua patência vascular.
Nesta fase do tratamento, caso algum vaso mais calibroso esteja sangrando, ele poderá ser
pinçado e ligado. Caso o serviço tenha malha tubular (estoquinete) esterilizada, esta é
colocada e o membro é elevado, para se proceder à instalação do torniquete. O uso de um
torniquete de pressão controlada na raiz do membro é de importância fundamental na
cirurgia de mão. Ele permite que o procedimento seja executado em menor espaço de
tempo, sob condições ideais de dissecção dos planos cirúrgicos. Devido às várias
complicações do uso da faixa de Esmarch sem controle de pressão, ela deve ser abolida. A
pior complicação de seu uso é a paralisia total do membro superior (“paralisia de
torniquete”), devido a uma pressão exagerada sobre os nervos. O torniquete pneumático
permite o controle da pressão, que deve ficar entre 150 e 200 mmHg em crianças e entre
250 e 300 mmHg em adultos. Convencionalmente usa-se uma pressão de 100 mmHg acima
da pressão sistólica do paciente. Antes de insuflar o torniquete, faz-se a exanguinação pela
elevação do membro por três minutos e espreme-se da parte distal para a proximal. O
tempo enquanto o torniquete permanece insuflado deve ser constantemente observado pelo
cirurgião. É permitido o período de até duas horas de uso contínuo do torniquete. Se após
este tempo não se tiver terminado a cirurgia, o torniquete deverá ser desinsuflado e o
membro deverá ser elevado, protegendo-se a ferida com uma compressa. Após 10 minutos
de circulação sangüínea no membro, o torniquete poderá ser novamente insuflado. Da
segunda vez o torniquete não deverá permanecer por mais de 90 minutos insuflado. O
torniquete digital, usando-se um dreno de Penrose na raiz do dedo, pode ser usado com
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cautela, evitando-se grande pressão e usando-se um dreno mais largo, para que sejam
evitadas complicações vasculares graves.
V. Técnica Operatória.
Na cirurgia da mão devem-se seguir os mais rígidos princípios da técnica atraumática. Os
tecidos devem ser manipulados com delicadeza, pois os menores traumatismos causam a
formação de tecido colágeno e aderências ou retrações, que são causa de maus resultados
do tratamento.
Todas as ramificações da ferida devem ser visualizadas e exploradas, e um desbridamento
econômico deve ser realizado, limitado à remoção de 1-2 mm de largura das bordas.
Tecidos desvitalizados devem também ser removidos.
O material cirúrgico deve ser delicado, para evitar maior traumatismo aos tecidos, e o
cirurgião deve ter à mão instrumental óptico para magnificação, pelo menos uma lupa
cirúrgica.
A hemostasia deve ser feita com cautério, e vasos mais calibrosos devem ser ligados. Na
fase palmar, evita-se o uso de categute devido à excessiva produção de tecido reacional por
ele provocada. O melhor fio de sutura para a mão é o náilon monofilamentar (na maioria
das vezes o número 5-0), que é resistente e inerte e pode ser usado para tendões e pele. As
desvantagens do seu uso em tendões são sua pouca maleabilidade e dureza e o fato de o nó
soltar-se com facilidade. Fios de poliéster ou polipropileno revestidos de silicone são de
melhor manipulação e dão também boa resistência.
VI. Cobertura da Ferida.
Para uma cura primária e rápida, e para evitar infecção, deve-se obter uma boa cobertura de
pele nas feridas. Deve-se evitar, sempre que possível, a cicatrização por segunda intenção,
pois o tecido de granulação que se forma é precursor de fibrose e de retração. Portanto, uma
ferida na mão deve ser fechada se ela já é (ou se pode ser transformada em) uma ferida
limpa.
Existem três métodos para se fechar uma ferida na mão: por aproximação das bordas
(sutura), por enxerto de pele livre e por retalho de pele.
Não entraremos em detalhes técnicos, pois esta não é a finalidade deste capítulo.
Relataremos apenas as indicações e os princípios gerais de cada método.
A. Por aproximação das bordas (sutura). Este é o método ideal para o tratamento primário
de uma ferida, para se obter cura no menor tempo possível e com o mínimo de formação de
tecido de granulação. Alguns princípios básicos devem ser seguidos: (a) a justaposição das
bordas deve ser bem acurada; (b) não deve restar espaço morto, pois este é preenchido por
hematoma, que se transforma em tecido de granulação; (c) não deve haver tensão exagerada
da sutura, o que causa isquemia e conseqüente necrose; (d) não fazer sutura em bordas
desvitalizadas; por isso, estas devem ser regularizadas; (e) a técnica deve ser rigorosamente
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atraumática, com material cirúrgico delicado, agulhas finas, curtas e cortantes, e fios de
sutura finos (5-0 ou 6-0) (Fig. 37-4).
B. Por enxerto de pele. A principal indicação para o fechamento de uma ferida com enxerto
de pele na mão se dá nos casos de perdas de substâncias mais superficiais. É contraindicada a colocação de enxerto de pele em regiões com leito pouco vascularizado, como
sobre cartilagem, osso cortical ou tendão desprovido de paratendão. O enxerto de pele total
(Wolfe) oferece os melhores resultados funcionais, principalmente na face palmar da mão e
no dorso das articulações, porque não se retrai (ou se retrai pouco) e é mais maleável
(elástico). O leito receptor deve ser bem vascularizado. Na região palmar deve-se usar
enxerto da mesma qualidade, para evitar áreas pigmentadas, principalmente em pacientes
da raça negra. Portanto, para estas áreas, o melhor enxerto de pele total é obtido do bordo
ulnar da mão e da região do arco plantar.
Para o dorso da mão as áreas doadoras preferidas são a face anterior do punho, a dobra do
cotovelo e a região inguinal, dependendo do tamanho do enxerto. As áreas doadoras devem
ser suturadas primariamente com aproximação das bordas após descolamento subcutâneo.
Os enxertos de pele parcial têm a vantagem de pegar mais facilmente, porque a sua
revascularização é mais rápida, mas têm mais tendência à retração. Eles não devem ser
utilizados na palma da mão, por não terem resistência à pressão ou à fricção. As áreas
doadoras devem situar-se em locais pouco visíveis, pois cicatrizam por segunda intenção e
deixam uma área de descoloração permanente.
C. Por retalhos de pele. Quando existe exposição de estruturas nobres, ou em áreas pouco
vascularizadas em que não é possível fechar a ferida por aproximação das bordas ou por
enxerto de pele, está indicada a cobertura com retalho de pele. Este pode ser retalho livre,
quando é removido de uma área com seu pedículo vascular (usando-se ou não outras
estruturas, como músculo, nervo e osso), que é anastomosado no pedículo próximo ao leito
receptor. É necessária técnica microcirúrgica para a utilização deste retalho. Os retalhos
também podem ser pediculados locais (quando retirados da própria mão) ou a distância.
Os retalhos locais mais freqüentemente usados na mão são: (a) cross-finger; (b) retalhos de
deslizamentos (por rotação ou por avanço); (c) retalhos neurovasculares (“ilha
neurovascular”); (d) retalho “em filé” de dedo; (e) retalhos vasculares; (f) retalhos para a
ponta de dedos.
Os retalhos a distância são, principalmente: (a) retalho inguinal; (b) retalho abdominal; (c)
retalho torácico.
Cada retalho mencionado acima tem suas indicações e técnicas próprias, que não serão
relatadas neste capítulo.
VII. Lesões Tendinosas.
A finalidade dos tendões é mover as articulações. Para isto é essencial o seu deslizamento,
seja dentro de bainhas ou em leitos regulares e lisos. A reparação dos tendões é, portanto,
condição fundamental para a restauração funcional da mão traumatizada. A cirurgia
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tendinosa é uma cirurgia difícil e que requer o conhecimento profundo de anatomia e
fisiologia, além de uma técnica cirúrgica impecável. É, portanto, inadmissível que estas
lesões sejam tratadas por um cirurgião sem experiência, no ambulatório, sob condições
duvidosas de assepsia, sem instrumental apropriado e sem uma anestesia adequada.
Caso estes requisitos sejam todos preenchidos, a indicação deve ser a sutura imediata dos
tendões, desde que as condições da ferida o permitam. Caso um destes itens não seja
possível, deve-se tratar da ferida conforme os princípios expostos e realizar o reparo
tendinoso em um segundo tempo. Deve-se sempre ter em mente que os tendões são
estruturas vascularizadas e que reagem aos menores traumatismos; portanto, para uma bemsucedida tenorrafia, não deve haver grandes descolamentos nem pequenos traumas, que
provocam aderências e comprometem o deslizamento.
A. Técnica da sutura tendinosa. A sutura dos tendões deve sempre obedecer aos seguintes
princípios: (a) deverá ser suficientemente forte (mas sem tensão), podendo até permitir
imobilização passiva cuidadosa; (b) deve-se evitar lesão à vascularização do tendão; (c) a
superfície de deslizamento deve permanecer lisa; (d) as estruturas anatômicas vizinhas
devem ser preservadas (bainhas, polias); (e) a técnica deverá ser rigorosamente atraumática;
(f) o material cirúrgico e os fios de sutura devem ser apropriados (recomendamos fios de
polipropileno, prolene ou mersilene 4-0 ou náilon monofilamentado 4-0 e, para a sutura
contínua periférica, náilon monofilamentado 6-0).
As técnicas mais usadas atualmente são as de Bunnell modificada e a de Kessler-MasonAllen para os tendões flexores, que são arredondados. As Figs. 37-5 e 37-6 demonstram
estes métodos. Para os tendões extensores, que são mais achatados, usam-se pontos em U
ou pontos simples.
B. Princípios gerais de tratamento da lesão de tendões flexores conforme a zona anatômica
(Fig. 37-7)
1. Zona 1. Vai desde a inserção do flexor profundo, na base da falange distal, até a inserção
do flexor superficial, na diáfise da falange média. Ela compreende apenas um tendão. A
conduta é a sutura dos cotos ou a reinserção (“avanço”) do tendão ao osso (Fig. 37-8).
Nesta zona pode ocorrer a ruptura fechada (arrancamento) do flexor profundo da base da
falange distal, ocasionada por uma extensão forçada contra resistência. Ela ocorre
geralmente em pessoas jovens, na prática de esportes, e freqüentemente passa despercebida.
O diagnóstico é feito quando o paciente demonstra incapacidade de flexão da falange distal.
O tratamento é cirúrgico e consiste na inserção do tendão ao osso.
2. Zona 2. Vai da inserção do flexor superficial à cabeça dos metacárpicos (polia A1). É a
área crítica, de tratamento mais difícil e mais sujeita a complicações, porque é a zona que
corresponde ao túnel osteofibroso. No passado, devido à grande controvérsia no tratamento
das lesões tendinosas neste nível, esta zona foi chamada por Bunnell de “terra de ninguém”.
Com o surgimento do especialista em cirurgia de mão, o tratamento evoluiu para a sutura
primária dos dois tendões e o reparo do túnel ou da bainha osteofibrosa, sempre que as
condições da ferida permitam. Caso as condições da pele não sejam boas ou existam lesões
complexas, como fratura cominutiva da falange, ou ainda se faltam condições técnicas e
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materiais, cuida-se do ferimento da pele e imobiliza-se a mão com tala gessada em posição
funcional. O reparo secundário dos tendões pode ser realizado dentro das próximas duas
semanas. Se for absolutamente necessário, as polias podem ser removidas, exceto as polias
A2 e A4, que são essenciais para restauração da flexão do dedo.
3. Zona 3. Corresponde à palma da mão e vai da polia A1 à parte distal do túnel do carpo. É
a área da origem dos músculos lumbricais nos tendões flexores profundos. Nesta zona o
tratamento é a sutura primária dos dois tendões, com o cuidado de não se lesar o lumbrical.
Este não deve ser suturado sobre o foco da tenorrafia, para não provocar contraturas.
Devido à frouxidão dos tecidos vizinhos, caso haja aderências, estas não influirão na
amplitude de movimentos articulares.
4. Zona 4. Corresponde à área do túnel do carpo por onde passam, apertados, os nove
tendões flexores dos dedos e o nervo mediano. Por isto, quase sempre este nervo também é
lesado. Em condições favoráveis, o tratamento são a tenorrafia e a neurorrafia. Sendo uma
zona crítica, devido ao estreitamento do túnel e à grande incidência de aderências, alguns
autores recomendam suturar apenas os tendões flexores profundos e apenas o flexor
superficial do indicador.
5. Zona 5. É a zona proximal ao túnel do carpo. As lesões nesta área afetam múltiplas
estruturas, como flexores dos dedos, flexores do punho, nervos ulnar e mediano e artérias
ulnar e radial. A sutura de todos os tendões, nervos e artérias é o tratamento de escolha. Os
cuidados pós-operatórios são os mesmos da tenorrafia ao nível dos dedos, porém a
recuperação é mais lenta, devido às lesões associadas. Como na Zona 3, as aderências que
ocorrem são mais flexíveis e, portanto, limitam menos os movimentos dos dedos. O
tratamento fisioterápico pós-operatório pode levar vários meses.
C. Princípios gerais de tratamento da lesão de tendões extensores conforme a zona
anatômica (Fig. 37-9)
1. Zona 1. É a área no dorso da articulação interfalângica distal, correspondente à parte
terminal do mecanismo extensor. O achado clínico é uma “queda” da falange distal. Esta
deformidade é chamada de “dedo em martelo”. A lesão tendinosa pode ser aberta ou
fechada e, neste caso, é uma ruptura do tendão, a lesão tendinosa mais comum nos
membros superiores. O tratamento das lesões abertas é a tenorrafia, conforme os princípios
básicos já mencionados. Nos traumatismos fechados, quando a deformidade em flexão é
inferior a 30º, o tratamento é a imobilização com uma tala metálica que mantenha a
articulação interfalângica distal hiperestendida por seis semanas. Se a deformidade é
superior a 30º, isto significa que a lesão foi mais extensa; nestes casos a imobilização deve
ser mais rígida, por meio da fixação percutânea com o fio de Kirschner, mantendo-se a
hiperextensão da interfalângica por seis semanas (Fig. 37-10).
2. Zona 2. É a área sobre a falange média. As lesões neste nível são sempre abertas, e a
lesão do tendão é em geral parcial, devido ao formato cilíndrico da falange. O grau de
queda da falange distal é pequeno. O tratamento é a tenorrafia primária ou primária
retardada. A articulação interfalângica distal deve ser fixada percutaneamente com um fio
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de Kirschner em extensão, por seis semanas. Nesta área existe grande possibilidade de
aderências, e a fisioterapia após a remoção do fio é essencial.
3. Zona 3. É a área sobre a articulação interfalângica proximal. Também nesta zona a lesão
pode ser fechada, ocorrendo uma ruptura da banda central do tendão devido a uma flexão
forçada contra resistência. Neste caso, nem sempre o diagnóstico precoce é feito, pois a
extensão ainda é possível devido às bandas laterais, porém, com o tempo, estas bandas vão
migrando para os lados da articulação interfalângica proximal. Quando estas bandas
ocupam uma posição volar ao eixo da articulação, elas passam a funcionar como flexores
da interfalângica proximal e extensoras da distal, deformidade conhecida como
“deformidade em botoeira”, pela semelhança com um botão preso na sua casa. As lesões
abertas não oferecem dificuldades para o diagnóstico. À inspeção da ferida já se nota a
lesão do ramo central do tendão extensor. Quanto ao tratamento, nas lesões fechadas, se o
diagnóstico é feito nos primeiros 15 dias, faz-se a fixação percutânea da articulação
interfalângica proximal em extensão, com um fio de Kirschner por seis semanas. Na
“deformidade em botoeira” já estabelecida, o tratamento é a reparação cirúrgica da banda
central do tendão extensor. Nas lesões abertas, o tratamento é a tenorrafia, seguida de
fixação da articulação em extensão, com um fio de Kirschner por seis semanas.
4. Zona 4. É a área no dorso da falange proximal. À semelhança das lesões na Zona 2, ela é
sempre aberta, e o tendão é parcialmente seccionado no dorso, devido ao formato convexo
do mecanismo extensor neste nível. O tratamento é a sutura tendinosa primária. É comum a
associação desta lesão com fratura da falange, que deve ser fixada. É também freqüente
ocorrerem aderências do tendão ao periósteo, as quais podem vir a requerer uma tenólise no
futuro.
5. Zona 5. Esta é a zona localizada no dorso da articulação metacarpofalângica. As lesões
nesta zona são sempre abertas e freqüentemente ocasionadas por dente humano em alguma
contenda. Se este é o caso, a ferida é considerada infectada e deve ser tratada com lavagem
extensa, desbridamento e antibioticoterapia, e a sutura deve ser realizada dois ou três dias
após, caso não existam sinais de infecção. Nas feridas abertas limpas, o reparo primário ou
primário retardado é o tratamento de eleição. O tendão é suturado com pontos em “U” com
fio inabsorvível 4-0. É freqüente também a lesão da retinácula do tendão (lateral), que do
mesmo modo deve ser cuidadosamente suturada. Após a cirurgia a mão deve ser
imobilizada com o punho em extensão de 40º, estando as metacarpofalângicas em
semiflexão e as interfalângicas em extensão. As articulações metacarpofalângicas não
devem ser imobilizadas em extensão, pelo risco de posterior limitação da flexão. O tempo
de imobilização pós-operatório deve ser de quatro semanas.
6. Zona 6. É a área localizada no dorso da mão. O quadro clínico é semelhante ao das
lesões na Zona 5, isto é, atitude de flexão da falange proximal; porém, se a lesão for mais
proximal, a extensão poderá estar presente, devido às junturas tendinosas com os tendões
vizinhos. As lesões de tendões extensores nesta zona são sempre abertas, e o diagnóstico é
fácil devido à postura do dedo e à inspeção da ferida. O tratamento ideal é a tenorrafia
primária, desde que haja condições favoráveis, através do ponto em “U”, que pode ser
complementado com pontos isolados. A imobilização com tala gessada, mantendo o punho
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em extensão, metacarpofalângicas em semiflexão e interfalângicas em extensão, deve ser
mantida por quatro semanas.
7. Zona 7. Esta é a zona localizada no dorso do punho, correspondendo à retinácula dorsal
dos extensores e a seus seis canais osteofibrosos. Devido a estas características anatômicas,
as lesões dos tendões extensores neste nível são mais problemáticas. São lesões que levam
freqüentemente à aderência e à limitação da excursão dos tendões. Quando a lesão é
localizada do lado ulnar, podem também estar lesados o tendão do extensor ulnar do carpo
e o ramo sensitivo dorsal do nervo ulnar. Se a lesão é do lado radial, também os tendões dos
dois extensores radiais do carpo, os extensores e o abdutor longo do polegar, além do ramo
sensitivo do nervo radial, podem estar lesados. Caso seja uma lesão complexa, a melhor
indicação poderá ser o tratamento da ferida e a sutura da pele, com reparo dos tendões uma
a duas semanas após. Nos ferimentos limpos cortantes, a sutura primária pelas técnicas já
descritas é o método de escolha. A imobilização deve ser mantida por quatro semanas, com
o punho em extensão e as metacarpofalângicas em semiflexão. A retinácula pode ser
parcialmente ressecada para permitir maior excursão dos tendões, mas não deve ser
ressecada totalmente nem ser deixada aberta.
8. Zona 8. Esta é a área correspondente ao dorso da metade distal do antebraço e inclui os
tendões extensores dos dedos, o polegar e o punho. O nível mais freqüente de lesão nesta
zona é na junção musculotendinosa, e a tenorrafia não oferece grandes dificuldades. Como
os tendões aí são mais calibrosos, a técnica da tenorrafia é a mesma utilizada para os
tendões flexores. A fáscia antebraquial pode ser removida para evitar bloqueios. O tempo
de imobilização é de quatro semanas, em posição semelhante àquela encontrada nas zonas
5, 6 e 7.
VIII. Lesões Nervosas.
A lesão dos nervos periféricos é sempre problemática, devido à sua complexa
anatomofisiologia, à lentidão da recuperação nervosa e às dificuldades técnicas no seu
reparo cirúrgico. Anatomicamente, o nervo é constituído do epineuro (externo e interno),
perineuro e do endoneuro que reveste a fibra nervosa. O fascículo é um conjunto de fibras
nervosas (Fig. 37-11). Infelizmente, o diagnóstico da lesão dos nervos na mão passa
freqüentemente despercebido, por falta de um exame adequado. Por mais grave que seja a
lesão, desde um corte regular até o mais grave esmagamento, é sempre possível a avaliação
das condições nervosas. Se há dúvida no diagnóstico, a exploração minuciosa da ferida
após o exame físico pode mostrar a lesão.
A. Princípios gerais de tratamento das lesões nervosas. Existem vários fatores que influem
na decisão de se reparar cirurgicamente um nervo lesado, por ocasião do primeiro
atendimento ou na emergência. Os principais são as condições gerais do paciente, as
condições da ferida e as lesões associadas. A sutura do nervo é uma cirurgia muito
delicada, que requer condições materiais ideais e também um paciente em boas condições.
Uma pessoa com más condições clínicas, que não permita um estudo pré-operatório
adequado ou uma anestesia apropriada, não é candidata à neurorrafia primária. A condição
da ferida é outro fator a ser considerado. Perda cutânea, insuficiência vascular e
instabilidade do esqueleto são as lesões que devem ser primeiramente tratadas.
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Quanto mais precoce a neurorrafia, melhores serão os resultados; por isso, sempre que
possível, a sutura nervosa deve ser feita imediatamente após a lesão. No entanto, a
neurorrafia secundária, feita em condições ideais, possibilita melhores resultados do que
uma neurorrafia primária feita em condições desfavoráveis. Se o cirurgião optar pelo
tratamento secundário, os cotos do nervo deverão ser aproximados com um ponto de sutura,
para evitar retração, e a neurorrafia deverá ser realizada cerca de duas semanas após.
B. Técnicas da sutura nervosa. A sutura dos nervos periféricos deve ser feita em condições
ideais, inclusive com algum aumento, seja pelo microscópio, seja por lupas, e o material
cirúrgico deve ser o mais delicado possível. Certos princípios básicos são fundamentais,
como:
1. A sutura não deve ser feita sob tensão. É permitido algum deslocamento proximal e
distal do nervo e uma flexão de 30º do punho e dos dedos, e de 90º do cotovelo para melhor
aproximação dos cotos. Caso não seja possível, a indicação será de enxerto de nervo. Esta é
uma técnica especializada, que foge ao espírito deste capítulo.
2. A orientação dos cotos deve ser correta, se possível aproximando-se os fascículos
correspondentes do nervo.
3. A hemostasia deve ser feita.
4. A técnica, como em toda cirurgia de mão, deve ser a mais atraumática possível. O
material de sutura aconselhado é o náilon 8-0.
Existem três tipos de sutura: a sutura interfascicular é a que sutura os fascículos entre si e
penetra no perineuro (é a mais utilizada nos enxertos de nervos); a sutura epiperineural, que
foi a mais recomendada até alguns anos atrás, é a que inclui o epineuro e o perineuro; e a
sutura epineural, que inclui apenas o epineuro, devendo o fio penetrar no epineuro externo e
interno. Esta sutura pode ser usada nos cortes limpos e regulares, e é a mais simples das
técnicas (Fig. 37-12). Após a neurorrafia, o membro ou o segmento deve ser imobilizado
por três semanas. O paciente deve ser prevenido de que a recuperação do nervo é lenta. O
crescimento do axônio dentro da bainha é, em média, de 2 mm por dia.
IX. Fraturas da Mão.
O esqueleto da mão é arranjado em arcos longitudinais e transversais de concavidade
anterior, e a manutenção destes arcos é de importância fundamental para uma boa função.
Portanto, um dos princípios fundamentais de tratamento das fraturas da mão é a
imobilização em posição funcional. Esta é a que mantém o punho em 30º de extensão,
metacarpofalângicas e interfalângicas em semiflexão (30º), polegar em abdução palmar e
em oposição (Fig. 37-13). A imobilização em um suporte plano (reto) de qualquer dedo
colaba os arcos e destrói a função da mão. Portanto, talas como abaixadores de língua são
contra-indicadas. A imobilização tipo em luva de boxe também é contra-indicada. O tempo
de consolidação das fraturas da mão é, em geral, de três semanas (excetuando-se fraturas
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dos ossos do carpo). O diagnóstico de consolidação é clínico (ausência de dor no foco da
fratura), pois em três semanas radiografias raramente mostram calo ósseo.
A. Fratura exposta. Por ocasião do tratamento da ferida, conforme os princípios relatados, o
foco da fratura é exaustivamente lavado com soro fisiológico em abundância. O ideal é a
redução imediata da fratura, mas, se isto não for possível, pode-se aguardar até uma semana
após a lesão. É imprescindível a cobertura antibiótica, dando-se preferência às
cefalosporinas. Somente fragmentos ósseos totalmente soltos devem ser removidos
(seqüestros em potencial). Aqueles fragmentos presos a qualquer tecido mole devem ser
preservados. Se ao exame direto a fratura mostra que a redução não se mantém, deve-se
indicar a fixação com fios de Kirschner. Tratamento por meio de tração contínua deve ser
evitado, devido às complicações freqüentes deste método.
B. Fraturas de metacarpos
1. Fraturas da base. Com exceção das fraturas da base do primeiro metacárpico, estas
fraturas são de fácil tratamento. A redução é simples e estável. As fraturas de base do
primeiro metacárpico envolvem a articulação carpometacárpica e são muito difíceis de
serem tratadas. Freqüentemente, além da fratura, existe também luxação, e a redução é
muito instável. Esta deve ser anatômica, para evitar futura artrose. A redução é feita com
tração longitudinal e fixação da fratura com dois ou mais fios de Kirschner. A direção
destes fios não importa, desde que a redução seja satisfatória. Uma tala de gesso que vai da
primeira falange do polegar ao terço proximal do antebraço deve ser usada por três
semanas, quando a consolidação deverá ter ocorrido.
2. Fraturas da diáfise. As fraturas da diáfise dos metacarpos centrais (terceiro/quarto) em
geral são mantidas no seu comprimento pelo suporte do metacárpico lateral (do segundo) e
medial (do quinto) íntegros. Fraturas da diáfise do segundo e quinto metacarpos são mais
sujeitas a cavalgamentos e desvios de difícil manutenção após a redução. Neste caso, ou
quando vários metacarpos estão fraturados, a redução cirúrgica e a fixação das fraturas com
fios de Kirschner são o tratamento clássico.
3. Fraturas do colo. Em geral, estas fraturas ocorrem por traumatismo direto, longitudinal,
na cabeça do metacárpico, com dedos fletidos, como ao dar um soco (“fratura de boxer”).
Há uma angulação de ápice dorsal, e a cabeça se salienta na palma da mão. A redução se
faz fletindo a metacarpofalângica a 90º e aplicando-se força através da primeira falange. A
base desta empurra a cabeça dorsalmente, reduzindo a fratura. A imobilização deve ser em
posição funcional com tala gessada volar. Caso a redução seja instável, a fratura deverá ser
fixada com um ou dois fios de Kirschner, fixando-se do quinto ao quarto metacárpico e
evitando-se passá-los pela articulação.
C. Fraturas de falanges. Estas fraturas são muito comuns, e, se uma redução adequada não é
feita, deformidade e comprometimento da função podem ocorrer. A redução na maioria das
vezes é conseguida com tração e manipulação em flexão. A imobilização deve ser feita com
uma tala gessada em semiflexão. O tempo de imobilização é de três semanas, exceto para
as fraturas transversais do terço médio da falange, que requerem quatro semanas de
imobilização. Às vezes estas fraturas são muito instáveis e precisam ser fixadas com fios de
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Kirschner. Também as fraturas intra-articulares dos côndilos devem ser tratadas com
redução cirúrgica e osteossíntese com fio de Kirschner.
X. Princípios Básicos de Tratamento dos Traumatismos dos Dedos.
Pelo exposto, podemos resumir assim todos os princípios de tratamento: (a) o dedo lesado
deve ser imobilizado; (b) o dedo lesado deve ser imobilizado em flexão; (c) imobilizar
apenas o dedo lesado; (d) exercitar ativamente os dedos não-imobilizados; (e) não se devem
fazer exercícios passivos forçados com os dedos; (f) tratar o edema mantendo o membro
superior elevado; (g) as fraturas das falanges devem ser reduzidas anatomicamente; (h)
saber reconhecer quando houve uma luxação ou subluxação momentânea interfalângica; (i)
as fraturas expostas de falanges devem ser tratadas imediatamente, e seguindo-se
rigorosamente os preceitos de tratamento deste tipo de lesão; (j) saber a ocasião oportuna
para amputação do dedo, no intuito de salvar a função global da mão; (l) evitar a todo custo
amputar o polegar.
Referências
1. Jupiter J. Hand Surgery. (Flynn), 4 ed., Williams e Wilkins, 1991.
2. Pardini AG. Traumatismos da Mão. 2 ed., MEDSI, 1992.
3. Pardini AG. Cirurgia da Mão. MEDSI, 1990.
4. Surgery of Repair as Applied to Hand Injuries. Churchill Livingstone, 1973.
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Capítulo 38 - Fraturas Expostas Princípios de Tratamento
Júlio César Boynard Santiago
I. Introdução.
A fratura exposta ocorre quando uma extremidade óssea passa para o lado externo da pele,
constituindo uma lesão que provoca diferentes intensidades de danos aos tecidos moles.
Inicialmente, quatro fatores essenciais devem ser reconhecidos, servindo como orientação
no tratamento:
A. Trinta por cento dos pacientes com fraturas expostas são politraumatizados. Um
politraumatizado tem dois ou mais sistemas lesados: cabeça, tórax, abdômen, pelve,
extremidades etc.
Insuficiências respiratória e cardíaca, traumas craniano e medular, lesões arteriais e fraturas
(incluindo as expostas) são, pela ordem, relacionados quanto à gravidade, colocando em
risco a vida do paciente. Uma equipe médica comandada por um cirurgião experiente em
trauma, composta por especialistas de diversas áreas, torna-se necessária para o perfeito
atendimento ao paciente. Outra participação importante é a do anestesiologista, o qual deve
ter profundo conhecimento da fisiopatologia do trauma e experiência para manter um
paciente durante o longo período requerido para os procedimentos de emergência.
Sempre que o paciente está sob anestesia para tratar uma lesão cervical, torácica ou
abdominal, a fratura exposta pode ser tratada simultaneamente pelo ortopedista.
Assim, nunca devemos nos preocupar apenas com o quadro da fratura exposta — esta pode
aguardar até oito horas para seu tratamento. Devemos, sim, sempre identificar inicialmente
as situações que colocam em risco a vida do paciente e resolvê-las (traumas torácicos,
hemoperitônio, trauma craniano etc.).
B. Outro fator essencial são os vários graus de lesão dos tecidos moles e da gravidade do
envolvimento ósseo. A classificação das fraturas expostas é baseada na extensão das lesões
das partes moles e ósseas, além da gravidade do trauma, que são fatores importantes para
determinar o início do tratamento, os parâmetros a serem seguidos e o curso dos eventos
subseqüentes. Permitem também, quase sempre, um eventual prognóstico do caso.
C. Uma fratura exposta é considerada uma ferida contaminada. Estudos mostram uma
incidência de 60-70% de crescimento bacteriano em fraturas expostas por ocasião da
entrada do paciente no hospital.
Uma fratura exposta exige tratamento de emergência. Por ser considerada uma ferida
contaminada, se não tratada após um período de seis horas, ela se transformará em ferida
infectada.
II. Classificação das Fraturas Expostas.
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As fraturas expostas são classificadas de acordo com o mecanismo de lesão,
comprometimento dos tecidos moles e grau de acometimento ósseo.
Tipo I — Ferida punctiforme, de 1 cm ou menos de diâmetro, e relativamente limpa.
Comumente é provocada por uma espícula óssea que perfura a pele de dentro para fora,
sem contusão muscular ou outro envolvimento de tecidos moles e sem componente de
esmagamento. A fratura é usualmente transversa ou oblíqua curta, com mínimo grau de
cominuição (fragmentação).
Tipo II — Ferida menor do que 1 cm , moderado grau de contaminação e de lesão das
partes moles, pequena cominuição.
Tipo III a — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, grave esmagamento
das partes moles e normalmente cominutiva.
Tipo III b — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, grave lesão das partes
moles e perda de cobertura cutânea, comprometendo a cobertura óssea. Requer
reconstrução de partes moles.
Tipo III c — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, lesão vascular que
exige reparo, grave lesão das partes moles, comprometendo a cobertura óssea e requerendo
reconstrução das partes moles.
Exemplos: (a) fratura exposta segmentar, sem relação com o tamanho da ferida, indicando
lesão de alta velocidade, comumente causada por acidente que envolve veículo
(atropelamento, colisão etc.); (b) lesões ocorridas no campo ou contaminadas com terra,
sem relação com o tamanho da ferida; (c) lesões por arma de fogo (são de alta velocidade e
provocam destruição extensa de partes moles); (d) fratura exposta com lesão neurovascular;
(e) amputação traumática; (f) fratura exposta ocorrida há mais de oito horas; (g) lesões por
traumatismo de guerra (minas, granadas etc.).
O tipo da fratura exposta influencia consideravelmente o plano de tratamento e a evolução
dos eventos, além do prognóstico para a lesão.
III. Princípios Gerais de Tratamento
A. Todas as fraturas expostas devem ser tratadas como emergência.
B. Afastar lesões associadas.
C. Antibioticoterapia e irrigação apropriadas.
D. Estabilização da fratura.
E. Fechamento da ferida.
F. Enxerto ósseo esponjoso precoce.
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G. Reabilitação da extremidade envolvida.
H. Reabilitação global do paciente.
Os três objetivos primários no tratamento das fraturas expostas visam a prevenir a infecção,
obter consolidação da fratura e restaurar a função normal da extremidade lesada. Tecidos
desvitalizados proporcionam excelente meio de cultura para o crescimento bacteriano.
Cerca de 90% das lesões ósseas com exposição são causados por acidentes que envolvem
veículos, incluindo as motocicletas; 30% dos pacientes com fratura exposta apresentam
ainda outras lesões associadas.
A administração de antibióticos deve ser iniciada imediatamente após avaliação geral do
paciente. O antibiótico de escolha, no momento, é a cefalosporina, na dose de 2 g, EV,
seguida durante três dias por 1-2 g EV, a cada quatro a seis horas.
A cefalosporina é ativa contra todas as bactérias gram-positivas e muitas gram-negativas,
exceto as Pseudomonas.
Nos casos envolvendo feridas contaminadas por terra, devemos acrescentar 10-20 milhões
de unidades de penicilina cristalina por dia, e gentamicina, na dose de 3-5 mg/kg de peso
corporal/dia, em doses divididas.
Todos os antibióticos devem ser mantidos por três dias, a menos que a ferida demonstre
infecção. Nesse caso, a bactéria é resistente ao antibiótico, e torna-se necessário fazer uma
cultura e estudos de sensibilidade para a substituição correta do agente antimicrobiano. O
Quadro 38-1 sintetiza o uso de antibióticos nas fraturas expostas.
O desbridamento correto é a mais importante forma de tratamento de fratura exposta. Após
lavagem e limpeza do membro afetado, com escova e sabão (Soapex®), obedecemos a
todos os princípios técnicos para uma cirurgia asséptica.
A lavagem do membro lesado deve ser precedida de cuidadosa tricotomia.
Em seguida, lavamos o membro com água e sabão, usando escova macia.
Os campos cirúrgicos devem ser trocados a partir de uma limpeza inicial, e em seguida
repetimos o procedimento, até que o membro lesado se encontre razoavelmente limpo.
Procedemos então à lavagem direta da ferida e trocamos novamente os campos, visando a
transformar a cirurgia de um campo séptico em asséptico. Iniciamos a seguir o
desbridamento, o qual deve ser sistemático, completo, meticuloso e repetido. Devemos
remover todos os tecidos não-viáveis e desvitalizados. Para que o procedimento seja
correto, o cirurgião não deve hesitar em aumentar a extensão da ferida, ou dar um traçado
elíptico à mesma, visando a remover pele desvitalizada, músculo muito lesado e corpos
estranhos.
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O passo a seguir é a estabilização dos fragmentos ósseos. A estabilização visa a: (a)
preservar a integridade dos tecidos, músculos e das estruturas neurovasculares; (b) facilitar
os cuidados com a ferida e com o próprio paciente; (c) preservar o alinhamento da fratura;
(d) uma boa estabilização contribui muito para a profilaxia das infecções; (e) conforto para
o paciente e facilidade para sua mobilização e transporte, principalmente nos
politraumatizados; (f) permitir exercícios precoces com o membro lesado e mobilização das
articulações (ativa e passivamente).
A tração esquelética está indicada nas seguintes condições: (a) fraturas abertas tipos I e II
da diáfise do fêmur, sem que outros sistemas estejam lesados; (b) fraturas abertas tipo III de
ossos longos (fêmur, tíbias, extremidade distal do úmero), com ferida gravemente
contaminada; (c) fratura exposta isolada com lesão arterial concomitante, principalmente se
ela ocorreu há mais de seis horas, (p. ex., fratura supracondiliana do fêmur com lesão da
artéria poplítea; fratura exposta do terço proximal do fêmur com lesão de artéria femoral;
fratura exposta do úmero com lesão da artéria braquial ou axilar); (d) fratura exposta
isolada tipos II e III com grave comprometimento intra-articular e cominuição (p. ex.,
fratura do tornozelo; fraturas expostas da pelve ou do acetábulo).
A sutura primária da ferida no tratamento das fraturas expostas é muito controvertida. Aos
cirurgiões que ocasionalmente se encontram diante de fratura exposta, recomendamos que
deixem a ferida aberta, principalmente quando persiste a dúvida de o desbridamento e a
lavagem realizados não terem sido satisfatórios. Em todos os tipos de fratura em que se
realiza fixação interna para promover estabilização (especialmente nos pacientes
politraumatizados), a ferida deve ser deixada aberta.
As indicações para o fechamento primário são: (a) fratura tipo I após lavagem e
desbridamento adequados; (b) quando se consegue suturar a ferida sem nenhuma tensão; (c)
sem evidências de corpo estranho, contaminação por terra ou graxa; (d) ausência de sinais
de esmagamento; (e) quando a fratura exposta ocorreu há menos de seis horas, exceto
quando dos tipos II e III.
IV. Prognóstico e Evolução.
O resultado final é influenciado por muitos fatores, tais como o comprometimento das
partes moles, desbridamento adequado, a antibioticoterapia etc.
A evolução e o conseqüente prognóstico para a recuperação de um paciente que sofreu
fratura exposta estão diretamente relacionados ao atendimento inicial realizado, bem como
à correta execução dos princípios básicos de tratamento.
Referências
1. Compeere EI. Fratura: Atlas y Tratamiento, 1976.
2. Gustilo RB. Management of Open Fractures and Their Complications, vol. 4. Saunders
Monographs of Clinical Orthopaedics, 1982.
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Capítulo 39 - Urgências Otorrinolaringológicas
Jaôr Werner Menezes
Elizabeth Nigri dos Santos
Celso Gonçalves Becker
Ouvidos
Há quatro principais sintomas otorrinolaringológicos que fazem o paciente procurar um
Serviço Médico de Urgência: dor, sangramento, surdez súbita e corpos estranhos.
I. Dor (Otalgia)
A. Causas primárias de dor
1. Otite externa furunculosa. A dor pode ser muito intensa, devido ao espaço limitado para
a expansão do edema, nesta região. Os germes responsáveis são o S. aureus (mais comum)
ou o S. albus.
A furunculose começa num folículo pilossebáceo e se desenvolve até formar um abscesso,
que pode ser pontiagudo, quando então deve ser feita a drenagem por meio de agulha.
O tratamento, em geral, é feito por meio de medicação tópica (neomicina ou cloromicetina),
calor local e analgésicos.
2. Otite externa difusa. Também aqui a dor é intensa, associada a outros sinais e sintomas, a
saber: sensibilidade do trago; edema de quase toda a extensão do canal; otorréia escassa;
audição normal ou ligeiramente diminuída; ausência de partículas evidentes de fungos;
possível presença de adenopatia dolorosa.
São germes responsáveis: Pseudomonas aeruginosa (principal), Staphylococcus albus,
Escherichia coli e Enterobacter aerogenes.
Lagos, oceanos e piscinas particulares são fontes potenciais desse tipo de infecção, que
também é chamada de ouvido de nadador.
Algumas vezes, a causa da otite externa difusa é uma otite média crônica ou aguda. O
tratamento, em geral, é apenas tópico, usando-se preparados que contenham sulfato de
colistina ou polimixina B, neomicina e corticosteróides. Nos casos mais graves, podem ser
usados medicamentos sistêmicos; atenção aos diabéticos nos quais o quadro é maligno,
podendo haver êxito letal.
3. Oto-hematoma (otematoma). Trata-se de uma coleção sangüínea localizada no pavilhão,
entre o pericôndrio e a cartilagem. A pele geralmente está rubra e, à pressão, a dor é
violenta. É freqüente nos boxeadores e ocorre nos traumatismos em geral, inclusive nos
acidentes automobilísticos.
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O tratamento imediato consiste em curativo compressivo, para evitar sua expansão.
Posteriormente, o sangue será reabsorvido ou evoluirá para uma de suas complicações, que
são a pericondrite e o abscesso de pavilhão.
4. Pericondrite. A dor é intensa e geralmente surge após um oto-hematoma ou uma
inflamação; ocasionalmente, pode surgir após um simples traumatismo sem hematoma ou
um furúnculo maltratado.
O diagnóstico é simples: parte da orelha comprometida incha, torna-se vermelha, quente e
sensível à palpação.
O tratamento indicado é antibioticoterapia parenteral, sendo a droga de escolha aquela
obtida através de cultura do material, além de analgésicos. Ele deve ser feito por
especialista, devido aos riscos de necrose e deformidade total e permanente da orelha.
5. Abscesso de pavilhão. É, como já ressaltado, uma das complicações do oto-hematoma.
Dependendo do estágio do abscesso, a dor pode variar de branda a intensa. Há os sinais
clássicos da inflamação: calor, rubor, tumor e dor. A conduta adotada inclui aplicação de
calor úmido no local, para facilitar a drenagem (espontânea ou cirúrgica). Alguns autores
preconizam a antibioticoterapia concomitante.
É importante cuidado para que, no momento da drenagem, o material drenado não escoe
para dentro do conduto auditivo externo, o que dissemina a infecção.
6. Traumatismos. Em geral, há dor e também sangramento passageiro, fazendo com que o
paciente procure o médico. As lacerações mais comuns são causadas pela inserção, no
ouvido, do dedo ou de objetos, como grampos de cabelo, tampas ou até mesmo uma caneta,
agulhas de tricô, cabos de pentes finos ou cotonetes.
Normalmente, a lesão é apenas do conduto, não havendo perfuração da membrana do
tímpano. Nestes casos, costuma-se prescrever uma medicação tópica, cuja finalidade é
evitar uma infecção da área traumatizada, podendo mesmo ser utilizada a solução de
merthiolate. Havendo perfuração timpânica, aconselha-se o mínimo de manipulação, para
evitar que microrganismos sejam levados do ouvido externo para o ouvido médio. Em
seguida, o paciente deve ser encaminhado ao especialista.
Um tratamento com antibióticos deve ser feito quando há contaminação da ferida ou
exposição da cartilagem.
7. Cerúmen obstruinte (cera impactada). O acúmulo excessivo de cerúmen não é doença.
Apenas algumas pessoas produzem quantidade muito grande de cerúmen, da mesma forma
que outras transpiram facilmente. Em certos casos, o cerúmen pode solidificar-se e formar
um tampão sólido. O paciente poderá ter uma sensação de bloqueio ou de pressão. Quando
um tampão sólido se umedece (p. ex., após o banho), ele pode aumentar de volume e causar
desconforto.
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A cera do ouvido é produto das glândulas sebáceas e ceruminosas, que se localizam na
porção cartilaginosa do conduto auditivo externo.
A remoção do cerúmen pode ser feita por dois métodos: (a) remoção com cureta, sob
visualização direta, utilizando-se para tanto um espelho frontal e um espéculo; (b) através
de irrigação com água à temperatura corporal, seguindo-se os procedimentos de tração do
pavilhão auditivo para cima e para trás, retificando o conduto, e injetando-se a água na
direção póstero-superior, para permitir que esta passe entre a massa de cerúmen e a parede
posterior do conduto.
Se a membrana timpânica já foi perfurada anteriormente, a irrigação deve ser evitada.
Ocasionalmente, o paciente vai para casa com instruções para pingar uma medicação
apropriada no ouvido durante certo tempo.
Em geral, recomenda-se a secagem do conduto com algodão montado em estilete e, em
seguida, um curativo com solução de merthiolate.
8. Otomicose. Algumas espécies de fungos podem causar reações inflamatórias no conduto
auditivo externo e, conseqüentemente, otalgia. Os dois mais comuns são Pityrosporum e
Aspergillus (A. niger, A. flavus, A. albus). Eles podem causar apenas uma descamação
superficial semelhante à caspa do couro cabeludo, estar associados a uma dermatite
seborréica inflamatória, ou podem criar um campo própicio para outras infecções mais
incômodas.
São encontrados, às vezes, no conduto, sem apresentar outro sintoma que não seja a
sensação de bloqueio, ou apresentam-se complicados com um processo inflamatório, com
todo o seu cortejo de sintomas.
Ao exame físico (especular), observa-se o seguinte: Pityrosporum — descamação do
epitélio do conduto, às vezes com secreção serosa; Aspergillus — colônias de fungos, com
hifas e esporos, que podem ser negras (A. niger), amareladas (A. flavus) ou brancas (A.
albus).
Podem ser encontradas ainda colônias de Candida albicans, com aspecto grumoso e
aderente, como nata de leite. Em caso de dúvida, o uso de uma lente de aumento é de
grande valor.
O tratamento consiste em remoção mecânica das colônias, usando-se algodão montado em
estilete e, posteriormente, curativos sucessivos com solução de ácido bórico.
Se houver outras patologias do ouvido associadas, elas devem ser tratadas
simultaneamente.
9. Dermatite eczematosa. Em geral, o paciente queixa-se de prurido e/ou exsudação aquosa,
acompanhada de dor. O exame físico revela comprometimento do conduto auditivo externo
e partes adjacentes, caracterizado por hiperemia, edema, exsudação aquosa e, às vezes,
crostas. A distinção entre dermatose primária e infecção pode ser difícil, visto que uma
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dermatite seborréica ou reação da pele relacionada à sensibilidade à neomicina pode
apresentar-se desse modo. Devem-se sempre procurar outras lesões no corpo, uma vez que
as do conduto fazem parte de um todo.
Se a fase aguda for controlada, alterações crônicas caracterizadas por espessamento da pele
e até mesmo estenose do conduto podem ocorrer com períodos de prurido intermitentes.
No tratamento são utilizadas pomadas de corticóide, visando a diminuir o edema, o prurido
e os sintomas inflamatórios. Naturalmente, se houver suspeita de infecção, poderá ser
necessário o uso tópico de antibióticos.
10. Tumores. Exsudação crônica, geralmente serossanguinolenta, sangramento espontâneo,
dor ou edema do conduto auditivo externo são manifestações que, isoladamente ou em
conjunto, fazem pensar na possibilidade de um tumor. Poucos são típicos dessa região
anatômica. Podemos citar:
a. Osteoma. Tumor benigno da parede óssea do conduto, de consistência dura, arredondado,
preso por pequeno pedículo no terço médio do conduto.
b. Exostose. Também benigno, consiste em simples hipertrofia do osso, formando nódulos
redondos, não-pediculados, na parede do conduto. Esses tumores surgem mais comumente
em pessoas que nadam muito em água fria.
c. Pólipos. São benignos, e quando vêm do ouvido médio podem surgir no conduto auditivo
externo.
O tratamento do osteoma e dos pólipos é, em geral, cirúrgico. A exostose não requer
tratamento, exceto quando obstrui parcial ou totalmente o conduto auditivo externo.
11. Frostbite (congelamento do pavilhão). Não é rara em climas frios, ou mesmo em
pessoas que trabalham em ambientes refrigerados (p. ex., câmaras frigoríficas).
O tratamento imediato consiste no aquecimento do pavilhão, o mais rapidamente possível,
usando água morna. Podem formar-se vesículas que se abrem com facilidade, devendo ser
considerada a administração de antibióticos, após a ruptura. Um curativo esterilizado, nãocompressivo, deve ser aplicado, além da medicação antibiótica tópica, tal como bacitracina.
a. Sinais e sintomas. Após um período de exposição prolongada, em que há insensibilidade
do pavilhão, há intensa vasoconstrição com necrose isquêmica da área. Retornando a
temperaturas mais elevadas, vasos ainda funcionantes promovem a dilatação, com
conseqüente hiperemia, edema e dor.
São complicações: pericondrite e necrose do pavilhão.
b. Profilaxia. Cuidados de proteção durante exposição a ambientes refrigerados.
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12. Miringite aguda e miringite bolhosa. A miringite é uma inflamação da membrana
timpânica que pode estar presente na otite externa ou na otite média; entretanto, queremos
nos referir aqui à inflamação na qual a membrana timpânica está envolvida primariamente.
Considera-se que o agente etiológico seja o vírus Influenza. Seja ela hemorrágica ou
bolhosa, a principal característica da miringite é a formação de bolhas (vesículas) na
membrana timpânica e na parede do conduto, de conteúdo fluido (seroso, sanguinolento ou
serossanguinolento), de coloração vermelho-arroxeada. É uma das otalgias de início mais
súbito e de maior intensidade. O diagnóstico diferencial deve ser feito com otite externa e
herpes zóster ótico.
O tratamento inclui abertura das bolhas com agulha fina ou bisturi de meringotomia, para
alívio da dor, além de medicação tópica (antibióticos e esteróides). A miringite hemorrágica
é autolimitante.
13. Herpes simples e herpes zóster ótico (síndrome de Ramsay Hunt). A otalgia pode ser
branda; a erupção vesicular da pele pode limitar-se ao conduto externo ou pode estender-se
ao pavilhão auditivo. Podem surgir outras combinações de sistemas, tais como o
estabelecimento de paralisia facial e/ou nevralgia no lado afetado, devido ao
comprometimento das fibras nervosas do V e VIII pares cranianos; pode também não
apresentar mais lesões quando o paciente é atendido.
O tratamento é sobretudo sintomático, embora muitas vezes sejam receitados esteróides
para a paralisia facial, dependendo dos resultados dos testes das funções do nervo
(eletromiografia).
14. Miíase. Quando há otite média crônica, a secreção é, via de regra, fétida. Atraídas por
esse cheiro, as moscas varejeiras introduzem-se no meato e dão origem à miíase.
Entretanto, não só as otites médias crônicas são capazes de atrair as moscas; os maus
hábitos higiênicos e a promiscuidade, também.
Além da dor aguda, em agulhadas, de que o paciente se queixa, é típica a secreção, mais
sanguinolenta do que purulenta, a escoar-se continuamente do canal. Ao exame especular,
percebe-se ao fundo uma massa escura, onde podem ser notados movimentos ativos.
O tratamento baseia-se no uso de calomelano em pó ou em remoção com pinças ou, ainda,
na aspiração das larvas. Estas são manobras de competência exclusiva do especialista, para
evitar lesões maiores.
15. Otite média aguda. A obstrução ou o mau funcionamento da tuba auditiva é uma das
principais causas de otite média aguda, e outros fatores causais incluem a hipertrofia das
adenóides e adenoidite crônica, fissura palatina, tumores da nasofaringe, barotrauma,
inflamações associadas, tais como sinusite ou rinite, radioterapia e deficiências
imunológicas ou metabólicas. A alergia freqüentemente desempenha um papel coadjuvante
nas efusões do ouvido médio. A maioria dos otites médias agudas é causada por bactérias
piogênicas, sendo o H. influenzae, os pneumococos e os estreptococos beta-hemolíticos os
mais comuns.
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A sintomatologia varia, de acordo com o tipo da otite. Para simplificar, nós a
classificaremos aqui como supurativa e não-supurativa.
a. Supurativa. Há queixas de dor, mal-estar, às vezes dor de cabeça, anorexia (mais comum
nas crianças), náuseas e vômitos.
b. Não-supurativa. As queixas são, em geral, de dor e sensação de ouvido tampado, ao lado
de diminuição da acuidade auditiva e, às vezes, zumbido. É mais acentuada no adulto do
que na criança.
Objetivamente, a partir do exame especular, podemos verificar os seguintes quadros: na
supurativa, a membrana timpânica apresenta-se perfurada, deixando drenar material que
pode ser seroso, serossanguinolento ou mucopurulento. Em geral, a mucosa da caixa do
tímpano (ouvido médio) está hiperemiada e edemaciada. A dor não é tão intensa quanto na
forma não-supurativa, e cede mais facilmente. Na não-supurativa, como em geral, há
líquidos no ouvido médio, o tímpano estará abaulado, com alterações ou desaparecimento
do triângulo luminoso e modificações da posição do cabo do martelo. A membrana do
tímpano pode apresentar-se opaca (otite média secretora), âmbar ou amarelada (otite média
serosa), azulada ou arroxeada (otite média hemorrágica), ocasionalmente com níveis
hidroaéreos ou bolhas de ar no ouvido médio (otite média serosa).
O tratamento clínico inclui antibióticos (penicilina, ampicilina ou sulfa; eritromicina com
substitutivo), anti-histamínicos, descongestionantes, manobras para ventilação da tuba
auditiva (Valsalva) e dessensibilização alérgica (a posteriori). Além disso, aplicação de
calor seco e analgésicos ajudam a aliviar a dor. Alguns autores recomendam o uso de gotas
otológicas. Após este procedimento inicial, o paciente deve ser encaminhado ao especialista
o mais rapidamente possível, visto que, se num prazo de dois a três dias após o início do
tratamento não houver evidência de solução, ele deverá ser submetido à miringotomia
(abertura cirúrgica de membrana timpânica), para alívio dos sintomas e para evitar as
possibilidades de complicações.
c. Complicações. A otite média aguda pode estender-se ao ouvido interno, determinando
hipoacusia neurossensorial; também o nervo facial pode ser diretamente atingido pela
disseminação da infecção no canal de Falópio, levando à paralisia. Por disseminação da
infecção ao ouvido interno, advêm outras complicações, entre as quais: fístula labiríntica,
com vertigem; labirintite supurativa. Neurológicas: tromboflebite do seio lateral; meningite;
abscessos cerebrais; hidrocefalia otogênica.
16. Mastoidite aguda. Esta poderia ser definida como uma complicação da otite média
aguda supurada. A necrose óssea da apófise mastóide e a ruptura das estruturas ósseas
intracelulares aparecem entre a segunda e a terceira semanas. Quando isto ocorre, há
evidência de secreção contínua proveniente do ouvido médio, dor à pressão sobre a apófise
mastóide, manifestações sépticas sistêmicas (febre, cefaléia) e evidências radiológicas de
destruição óssea.
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Desde que passamos a contar com o tratamento da otite média aguda, a mastoidite aguda
raras vezes é vista. Entretanto, algumas vezes se instala e pode encaminhar-se para um
abscesso de mastóide (com todos os sinais clássicos de um abscesso), que deve ser
submetido ao especialista, a fim de que seja drenado cirurgicamente.
As complicações são as mesmas já citadas para a otite média aguda.
17. Barotrauma. Surge quando o paciente é exposto a uma perda rápida de altitude (durante
viagem aérea ou em mergulho subaquático) e consiste na impossibilidade de a tuba auditiva
se abrir.
Quando a pressão diferencial excede 90 mmHg, a atividade muscular normal não consegue
abrir a tuba. Um decréscimo relativo da pressão cria um vácuo no espaço aéreo do ouvido
médio, e a membrana timpânica se retrai na parte mediana, enquanto os capilares da
mucosa do ouvido médio se dilatam. Há transudação de fluidos desses vasos e ruptura, com
derrame de sangue no ouvido médio e nos espaços mastóides.
O paciente geralmente queixa-se de dor aguda, diminuição da audição no(s) ouvido(s)
afetado(s) e, às vezes, autofonia, sensação de fluido, zumbido e vertigem.
O tratamento visa a recuperar a ventilação do ouvido médio, utilizando-se, para tanto,
descongestionantes das mucosas nasal e nasofaríngea, exercício da tuba auditiva (manobra
de Valsalva, desde que não haja infecções das vias aéreas superiores) e um
descongestionante anti-histamínico sistêmico.
A miringotomia poderá ser necessária, caso persista a presença de sangue ou fluido no
ouvido médio.
18. Obstrução aguda da tuba auditiva. Uma das principais causas é o barotrauma. Outras
causas podem ser inflamações, como nasofaringite ou adenoidite agudas, que obstruem por
edema ou hipertrofia o óstio faríngeo da tuba auditiva. A obstrução pode também ser
causada por corpos estranhos, tal como um tamponamento posterior feito por
otorrinolaringologista para conter uma epistaxe.
Em geral, a obstrução é secundária a uma dessas patologias, sendo a sintomatologia e o
tratamento dirigidos à causa primária, além das medidas de suporte citadas no tópico
anterior.
19. Tumores malignos e benignos do ouvido médio e da apófise mastóide. Dos tumores
primários, o mais importante e o mais comum é o glomo jugular ou glomo timpânico: é um
tumor vascular e pode apresentar-se como massa protuberante avermelhada, no assoalho do
ouvido médio, podendo ser vista através da membrana timpânica semitransparente. Sua
expansão pode levar à perda auditiva, sensação de plenitude no ouvido e dor progressiva.
Cabe salientar aqui o risco de uma miringotomia por profissional não experiente, pois os
sintomas podem confundir-se com os de uma otite média aguda.
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Não nos deteremos neste tópico, visto não se tratar de processo agudo que faça o paciente
procurar um serviço médico de urgência. Apenas a título elucidativo, ele foi aqui incluído
para lembrar que não só os tumores primários do ouvido, mas também os metastáticos,
podem levar à otalgia.
B. Causas secundárias de dor. Em geral, quando ela é branda, não se consegue identificar a
localização da dor: sabe-se apenas que é a área do ouvido externo ou uma área um pouco
mais profunda. Portanto, quando não houver evidência de inflamação aguda no ouvido
médio ou de doença do ouvido externo, será importante determinar quais as lesões que
podem estar presentes na distribuição das fibras sensoriais dos vários nervos cranianos que
inervam estes aparelhos, mas que têm ramificações para áreas mais distantes. Na maioria
dos casos de otalgia secundária referente ou reflexa, não se pode determinar a que nervo a
dor se refere, até que a lesão seja encontrada. As lesões mais importantes, que exigem
identificação precoce, são, naturalmente, as malignas. Um paciente com lesão nas bordas da
laringe, no seio piriforme ou na epiglote pode queixar-se de otalgia homolateral. A
irradiação se faz através do ramo laríngeo superior do nervo simpático. Uma das amígdalas
linguais pode causar otalgia através do nervo glossofaríngeo, da mesma forma que a otalgia
pós-amigdalectomia.
Problemas dentários, tais como impactação molar e infecções, levam à otalgia através de
um ramo do nervo trigêmeo.
A artralgia da articulação temporomandi
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