Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 ASPECTOS RELACIONADOS AO CÂNCER ORAL DE INTERESSE NA PERIODONTIA Oral cancer related aspects of interest in periodontics Vanessa Tubero Euzebio Alves1, Henrique Aparecido Bueno Silva2, Marcelo Sirolli Ferreira2, Gilberto Kajihara3, Henrique Fukushima2, Fábio Sales de Oliveira3, Carina Domaneschi4, Fábio Daumas Nunes5, Marinella Holzhausen6 1 Doutoranda na Disciplina de Periodontia Departamento de Estomatologia - Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo 2 Mestrando na Disciplina de Periodontia Departamento de Estomatologia - Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo 3 Cirurgião-Dentista 4 Professora Doutora da Disciplina de Clínica Integrada do Departamento de Estomatologia - Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo 5 Professor Titular da Disciplina de Patologia Bucal do Departamento de Estomatologia - Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo 6 Professora Doutora da Disciplina de Periodontia do Departamento de Estomatologia - Faculdade de Odontologia Universidade de São Paulo Recebimento: 13/08/13 - Correção: 02/10/13 - Aceite: 18/11/13 RESUMO Dentre as doenças mais comuns que afetam a cavidade oral, o câncer é a terceira condição mais frequente, ficando logo após a cárie e a doença periodontal. A etiologia do câncer está associada principalmente a mutações genéticas que proporcionam mudanças nas funções celulares. Fatores comportamentais como uso do álcool e tabaco constituem os principais fatores de risco para o câncer da cavidade oral. A importância do conhecimento sobre os tipos e a etiopatogenia das neoplasias da cavidade oral implica principalmente no correto diagnóstico e na detecção de pacientes de alto risco, bem como na utilização de medidas preventivas no controle dessa doença. O planejamento e o tratamento odontológico prévio e posteriores às intervenções das neoplasias orais são de fundamental importância e nesse aspecto, a detecção de patologias, como a doença periodontal, que possam estar associadas direta ou indiretamente a essas lesões podem interferir na complexidade dessa doença e no seu tratamento. UNITERMOS: Câncer oral, periodontite. R Periodontia 2013; 23:31-37. INTRODUÇÃO De acordo com dados recentes da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), dos 12,7 milhões de novos casos de câncer até 2008, 7,6 milhões de mortes causadas pela doença em todo o mundo ocorreram em países industrializados (Ferlay et al., 2008). Hoje, o câncer ocupa o segundo lugar no ranking de casos de óbito, perdendo apenas para a doença cardiovascular. Esses resultados são atribuídos, pelos oncologistas, à exposição de supostos fatores de risco associados ao modo de vida moderno (Rook & Dalgleish, 2011). O câncer oral é altamente prevalente nas populações, sua incidência chega a 10 casos a cada cem mil pessoas na maioria dos países, sendo sua prevalência relativamente maior em homens, idosos e entre pessoas com baixo nível de educação e renda (WHO, 2012). O carcinoma espinocelular é o tumor maligno mais frequente associado à mortalidade An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 e morbidade chegando a 90% dos casos. O cirurgiãodentista desempenha um papel significativo no cuidado de pacientes com câncer oral. Isto inclui a detecção e o diagnóstico da lesão, o encaminhamento do paciente ao médico oncologista, o tratamento odontológico prévio e a conduta terapêutica direcionada às sequelas do tratamento do câncer. Nesse sentido, o conhecimento e as habilidades do profissional odontólogo são essenciais para o correto manejo de pacientes nessas condições, uma vez que a detecção precoce e o encaminhamento são fundamentais e podem influenciar no prognóstico do caso (Thakker & Hunter, 2011) O conhecimento sobre os fatores etiológicos associados ao câncer oral, torna possível a instituição de medidas preventivas no consultório odontológico, como estratégias de tratamento em lesões precursoras para evitar a malignização, bem como informações sobre a cessação do tabagismo e alcoolismo, podendo interferir de modo positivo 31 Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 - 23(4):31-37 no controle da doença (Tezal et al., 2009a). Atualmente dispomos de forte evidência científica, que aponta o hábito de fumar como causa mais frequente de morte relacionada ao câncer, sendo também um fator de risco para malignização de lesões orais e periodontite (Lee et al., 2012). Diversos estudos avaliaram o efeito da saúde oral sobre o risco de câncer de cabeça e pescoço (Meyer et al., 2008). Alguns autores sugerem que a periodontite crônica seja um fator de risco independente para o carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço, podendo levar à pré-malignização de lesões orais e também ao câncer de língua (Tezal et al., 2009b). Existem evidências demonstrando que a carcinogênese é um processo de várias etapas, no qual o desequilíbrio de funções moleculares e alterações genéticas em células normais culminam em gerações celulares altamente malignas (Mantovani et al., 2008). O objetivo dessa revisão de literatura é abordar os principais aspectos relacionados ao câncer oral e fatores etiológicos em comum com a doença periodontal. Além disso, visa descrever quando deve ser efetuado o tratamento periodontal em pacientes com neoplasias orais. MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa da literatura foi realizada por meio do acesso a base de dados Medline-PUBMED. E também em sites relacionados ao tema para a obtenção de dados epidemiológicos (INCA e WHO). Foram selecionados artigos originais que incluíram revisões, revisões sistemáticas, estudos de cohort, estudos prospectivos e ensaios clínicos. As palavras chave utilizadas para a busca foram “oral cancer” e “periodontal disease”. Tipos de câncer oral Dentre todos os tipos de câncer que acometem a cavidade oral, o carcinoma espinocelular é o mais prevalente, atingindo mais de 90% do total e com maior incidência no Paquistão, Brasil, Índia e França (de Camargo et al., 2010). O carcinoma espinocelular é caracterizado pelo crescimento invasivo e perineural, com possível metástase em linfonodos regionais, recorrência locorregional sendo estes os principais fatores relacionados à sobrevivência do paciente (Kowalski et al., 2005). Outros tipos de lesões neoplásicas como o melanoma oral de mucosa (Hoffman et al., 1994), sarcoma de Kaposi (Reichart et al., 1993), sarcoma de Ewing (Solomon et al., 2008), condrossarcomas (Koch et al., 2000) e osteossarcomas (Jasnau et al., 2008) acometem os tecidos da cavidade oral, com menor frequência quando comparado ao carcinoma 32 espinocelular, mas também são de extrema importância no cenário de prevenção e diagnóstico odontológico. Principais opções de tratamento das neoplasias orais O tratamento das neoplasias da cavidade oral é complexo e seu sucesso está diretamente relacionado com o diagnóstico precoce, o qual envolve uma equipe multidisciplinar, em que o cirurgião-dentista fará a biópsia incisional e através da confirmação pelo exame anatomopatológico de neoplasia maligna, o paciente será encaminhado ao oncologista e esta equipe fará o planejamento e escolha do tipo de tratamento a ser seguido (Das & Nagpal, 2002). Com a determinação do estágio de evolução da doença (sistema de estadiamento tumor-metástase-linfonodo ou TMN) (Das & Nagpal, 2002), a equipe médica pode lançar mão de diversas opções de tratamento, como uso de cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Na quimioterapia, agentes quimioterápicos biologicamente ativos são usados no combate ao câncer oral e tem como objetivo a prevenção do aparecimento de novas lesões cancerígenas, já que o tratamento sistêmico preventivo para lesões cancerizáveis de boca ainda não está disponível (William, 2012). No carcinoma espinocelular de boca, a quimioterapia é geralmente usada antes da cirurgia, juntamente com a radioterapia após a cirurgia (quimioradioterapia) ou ambas (Deng et al., 2011). No tratamento com radioterapia o agente terapêutico que atua na lesão neoplásica é a radiação ionizante, a qual promove ionização do tecido alvo causando dano permanente ao DNA da célula ou criando radicais livres que também danificam o DNA. Essa radiação é normalmente usada sob certas condições, de forma a ser mais precisa e afetar minimamente os tecidos ao redor da neoplasia (Camporeale, 2008). A terapia cirúrgica, definida como terapia definitiva, tem como principal objetivo a remoção do tecido tumoral. A eleição da técnica cirúrgica e seu prognóstico se dão principalmente pelo sistema de classificação TMN (Palme et al., 2004). Principais complicações orais no tratamento das neoplasias orais O tratamento das neoplasias orais pode afetar direta ou indiretamente a cavidade oral. A quimioterapia e a radioterapia geram toxicidade em todas as células, não apenas nas tumorais. Isso se deve ao fato de agirem na fase de mitose celular, resultando em danos maiores nas regiões onde há uma grande atividade celular, como a mucosa gastrointestinal (incluindo a oral), pele e células hematopoiéticas (Krakoff, 1991). Esses tecidos orais afetados também ficam mais An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 - 23(4):31-37 expostos a traumas físicos, químicos, bacterianos, térmicos e virais (AAP, 1997). A mucosite, que pode ser definida como uma inflamação da mucosa (Specht, 2002), é um efeito colateral comum da quimioterapia e radioterapia que pode ser debilitante e comprometer a qualidade de vida do paciente a curto ou longo prazo (Rodríguez-Caballero et al., 2012). O tratamento pode interrompido, limitado ou postergado comprometendo a resposta do paciente ao tratamento. Quando há associação entre quimioterapia e o tratamento radioterápico, a mucosite pode se apresentar com maior intensidade, levando à necessidade do uso de analgésicos ou terapias alternativas como o laser durante o curso do tratamento (Gautam et al., 2012; Rodríguez-Caballero et al., 2012). A disgeusia, ou alteração do paladar, pode acometer 50 a 75% dos pacientes recebendo radioterapia, quimioterapia ou ambas. Pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço recebendo radioterapia usualmente apresentam essa alteração de forma mais intensa que na quimioterapia (Mosel et al., 2011). Pode surgir a partir da segunda ou terceira semana de radioterapia, durando várias semanas ou mesmo meses. A normalização dos sintomas ocorre aproximadamente em 60 a 120 dias após o término da terapia por radiação (Specht, 2002). Os pacientes irradiados tem maior tendência ao desenvolvimento de infecções bucais causadas por fungos e bactérias (Hancock et al., 2003) e estudos demonstram que pacientes que foram submetidos à radioterapia apresentam maior número de espécies microbianas, tais como Lactobacillus spp., Streptococcos aureus e Candida albicans (Jones & Rankin, 2012). A candidíase é uma infecção comum em pacientes que estão em tratamento de câncer oral, sendo que o risco para a proliferação fúngica pode ser aumentado devido à queda do fluxo salivar em consequência da radioterapia (Ramirez-Amador et al., 1997). Entre os pacientes irradiados na região de cabeça e pescoço, a xerostomia, caracterizada por diminuição do fluxo salivar ou ausência de saliva é uma das mais frequentes queixas (Guchelaar et al., 1997). Como consequência os indivíduos que foram irradiados são mais susceptíveis à doença periodontal, cáries rampantes (Michelet, 2012) e infecções bucais, fúngicas e bacterianas. A osteorradionecrose é a necrose isquêmica do osso, uma das consequências mais sérias da radioterapia, que resulta em dor bem como possíveis perdas substanciais da estrutura óssea (Thorn et al., 2000). Como consequência da radioterapia, as células ósseas e a vascularização do tecido ósseo podem sofrer lesões irreversíveis, causadas espontaneamente ou após trauma, normalmente por extrações dentárias (Silverman, An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 1999). A osteorradionecrose deve ser principalmente prevenida por medidas anteriores a radioterapia e seu tratamento inclui medidas como tratamentos tópicos com antissépticos, antibióticos e medidas cirúrgicas. Medidas terapêuticas como terapia hiperbárica, pentoxifilina e vitamina E são controversas. O tratamento dessa condição é melhor conduzido por uma equipe multidisciplinar (Epstein et al., 2012). Etiopatogenia do câncer oral e doença periodontal: fatores de risco em comum A doença periodontal é um exemplo altamente prevalente e que pode interferir na qualidade de vida das pessoas em diversos aspectos além do físico, como na função mastigatória, na aparência e até nas relações interpessoais (Locker, 1988). A Periodontite é uma doença inflamatória crônica associada a bactérias anaeróbias Gram negativas presentes no biofilme dental que leva a uma destruição irreversível dos tecidos de suporte dos dentes, clinicamente detectável em forma de bolsas periodontais e perda de osso alveolar (Loesche & Grossman, 2001). Há algumas semelhanças epidemiológicas no padrão de pacientes acometidos pela doença periodontal em sua forma grave e neoplasias malignas em cabeça e pescoço quanto aos fatores de risco, como idade avançada, sexo masculino, tabagismo, baixas condições socioeconômicas e más condições de higiene oral (Susin et al., 2005). Sendo assim, podemos destacar fatores etiológicos em comum entre o câncer oral e a doença periodontal, visando à prevenção e o diagnóstico precoce dessas doenças e consequentemente a melhoria e o aumento da qualidade de vida dos indivíduos. 1. Tabagismo Os compostos químicos encontrados no tabaco c on t r i b u e m , d e m a n e i r a i n q u e s t i o n á v e l , p a r a o desenvolvimento de alterações celulares que podem resultar em células neoplásicas (Lee et al., 2012). Inúmeras toxinas presentes no tabaco, em especial a nicotina, podem agir como iniciadores de resposta inflamatória, através da geração de espécies reativas de oxigênio (ROS), da peroxidação de lipídios e do aumento de óxido nítrico. Além disso, radicais de óxido nítrico podem provocar danos endógenos contínuos ao DNA celular (Korde et al., 2012). O tabagismo tem influência negativa sobre a saúde periodontal, tendo efeitos sobre as respostas imunológicas, perda óssea alveolar, sobre a cicatrização de feridas e tratamento periodontal (Jacob et al., 2007). Pacientes que fumam exibem não somente um aumento na susceptibilidade à periodontite, como não respondem ao seu tratamento e apresentam maior exposição a outras doenças (Palmer et al., 2005). 33 Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 - 23(4):31-37 2. Dieta Muitos estudos associam nutrientes específicos com o desenvolvimento do câncer oral (Kellof et al., 2006) ou ainda com a doença periodontal (Meisel et al., 2010). Segundo Grobler e Blignaut (Grobler & Blignaut, 1989) as deficiências de vitamina C, fosfato e zinco aumentam a permeabilidade do sulco gengival, ampliando a suscetibilidade às doenças periodontais. A desnutrição, especialmente envolvendo deficiências de nutrientes antioxidantes, prejudica as defesas do hospedeiro e promove hipofunção salivar, havendo mudanças marcantes na ecologia microbiana. Além disso, a depleção de nutrientes antioxidantes promove imunossupressão, taxa de replicação de vírus acelerada e aumenta a progressão de doenças como o câncer oral. Por sua vez, a imunossupressão tem um impacto negativo sobre a progressão das doenças periodontais (Enwonwu et al., 2002). Os primeiros sinais de deficiência de alguns micronutrientes como as vitaminas B são vistos na cavidade oral (Moynihan & Lingström, 2005). Diversos estudos epidemiológicos tem mostrado que o risco de câncer oral diminui com o aumento da ingestão de frutas e vegetais (Morse et al., 1999). Uma dieta que é rica em frutas, legumes e alimentos ricos em amidos integrais e, pobre em açúcares livres e gordura, irão beneficiar muitos aspectos da saúde geral e bucal, incluindo a prevenção de cárie, doença periodontal, doenças infecciosas da cavidade oral e câncer oral (Moynihan & Lingström, 2005). 3. Má higiene bucal A má saúde bucal tem sido associada com uma variedade de doenças sistêmicas. Evidências mais recentes sugerem que a extensão e a gravidade da doença periodontal e perda dentária podem estar associadas com um risco aumentado de doença maligna (Seymour, 2010). Higiene bucal precária, bem como as doenças periodontais estão relacionadas com o aumento no crescimento da microbiota e grande aumento do número de bactérias e fungos do gênero Candida, e isto pode ser apontado como um fator de risco para câncer (Hooper et al., 2009). 4. Fatores genéticos Mecanismos biológicos de associação da doença periodontal e câncer permanecem desconhecidos, mas alguns autores propõem que ambas as condições tem fatores de risco genéticos comuns. No entanto, isso requer confirmação com estudos prospectivos. Se uma ligação genética entre a doença periodontal e câncer existe, a identificação dos polimorfismos genéticos específicos que estão ligados a ambas as condições podem ser relevantes na identificação de indivíduos em risco 34 e dessa forma desenvolver estratégias de prevenção (Arora et al., 2010). 5. Fatores psicossociais Estudos clínicos e experimentais indicam que fatores psicossociais como estresse e quadros depressivos podem aumentar a susceptibilidade a doenças auto-imunes, alergia, infecções como gengivite e periodontite, e ao câncer (Lutgendorf & Sood, 2011). Os principais mecanismos são: fisiológicos, estando associados com a alteração da função imunológica; e comportamentais, através dos quais estilos de vida podem potencializar e promover o desenvolvimento de doenças (Dumitrescu, 2006). Porém, fatores como heterogeneidade dos grupos estudados, capacidade do indivíduo em reagir e lidar com situações estressantes, diferentes subtipos de quadros depressivos, variação das características imunológicas estudadas e heterogeneidade dos fatores estressores são variáveis importantes e nem sempre consideradas nos estudos realizados. 6. Inflamação e infecção oral Muitos tipos de inflamação podem promover o desenvolvimento e progressão do câncer, especialmente àquelas induzidas por infecções bacterianas e virais. Assim como a infecção persistente pelo Helicobacter pylori está associada com o câncer no estômago, o Papiloma vírus humano (HPV), causa lesões tanto benignas quanto malignas, na pele e mucosa. A terceira principal infecção crônica associada ao câncer está relacionada à hepatite B e C, onde a infecção pelos vírus HBV e HCV pode aumentar o risco de carcinoma hepatocelular (de Martel & Franceschi, 2009). Infecções orais são frequentemente crônicas. Espécies bacterianas, bem como o biofilme, podem habitar a cavidade oral por anos e continuamente estimular de maneira silenciosa a regulação de citocinas pró-inflamatórias criando um meio ambiente inflamatório persistente (Meurman & BasconezMartinez, 2011), sendo a doença periodontal, em qualquer nível, o melhor exemplo dessa condição. Apesar de não ser reconhecida uma relação causal entre infecções de origem bucal e a oncogênese é importante entender que os mesmos mecanismos inflamatórios relacionados ao câncer em outros órgãos e sistemas, também acontecem na cavidade oral. Dessa maneira, a relação entre doenças periodontais e diferentes tipos de câncer deve ser investigada, em todos os aspectos. Quando iniciar o tratamento da doença periodontal em pacientes com neoplasias orais O cálculo dentário, placa bacteriana, polpa dental e An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 - 23(4):31-37 bolsas periodontais compreendem um reser vatório de agentes patogênicos e microrganismos oportunistas como bactérias e fungos que podem causar infecções sistêmicas durante os episódios de supressão imune resultantes do tratamento do câncer (Hong et al., 2010). Idealmente, a avaliação inicial e o tratamento odontológico do paciente com câncer devem ser realizados previamente ao tratamento oncológico. A cavidade oral, a dentição e o periodonto devem ser examinados minuciosamente, incluindo avaliações radiográficas, informações sobre a história médica, história dental, doenças presentes, nível atual de higiene e saúde bucal, e plano de tratamento (AAP, 1997). Se necessário, um adiamento na terapia mielossupressora deve ser considerado, a fim de tratar primeiro uma infecção sintomática dental (Epstein & Stevenson-Moore, 2001). A presença de problemas dentais, assim como periodontais, ou abscessos podem causar complicações significantes no cuidado ao paciente com câncer de cabeça e pescoço. Além disso, a radioterapia e a quimioterapia podem causar a exacerbação da periodontite. Dentes condenados ou inviáveis para restauração deverão ser removidos para minimizar o risco de qualquer complicação como abscessos odontogênicos e osteorradionecrose (Epstein et al., 2012). O tratamento periodontal prévio à radioterapia e a quimioterapia é importante para melhorar a saúde geral da cavidade bucal (Miller & Quinn, 2006), reduzir a severidade da mucosite e o potencial de septicemia a partir de fontes periodontais (Epstein & Stevenson-Moore, 2001). Além do tratamento mecânico de raspagem e alisamento radicular, a clorexidina pode ser utilizada como coadjuvante na diminuição da formação de placa e pode reduzir o risco de cárie e colonização oral por espécies de cândida em pacientes com câncer (Hong et al., 2010; Epstein & Stevenson-Moore, 2001; AAP, 1997). De acordo com os artigos revisados, é unânime a opinião de que é necessário um tratamento dental, periodontal e educação de higiene oral prévia ao tratamento de radio e quimioterapia, sendo indispensável o seu controle durante e depois de encerrado o tratamento oncológico. Dessa forma, torna-se imprescindível a atuação do cirurgião dentista no tratamento antineoplásico, tanto nas fases iniciais de diagnóstico, quanto durante a terapia, realizando avaliações estomatológicas e dando ao paciente condições de ser submetido às modalidades terapêuticas com as melhoras nas taxas de cura, prevenindo ou reduzindo os efeitos adversos (Mealey et al., 1994). CONCLUSÕES oral são a quimioterapia, a radioterapia e a terapia cirúrgica. Apesar da quimio e a radioterapia serem menos invasivas, são frequentemente associadas à terapia cirúrgica e podem levar a efeitos colaterais indesejáveis como a mucosite, a disgeusia, infecções virais, bacterianas e fúngicas, osteoradionecrose e xerostomia. 2. A fim de se evitar complicações intercorrentes, a avaliação inicial e o tratamento odontológico do paciente com câncer devem ser realizados previamente ao tratamento oncológico. 3. Assim como o tabagismo é um fator de risco para o câncer oral e a periodontite, outros indicadores etiológicos comuns como dieta, má higiene bucal, fatores genéticos e psicossociais participam em diferentes níveis de um quadro multifatorial associado à ocorrência dessas duas doenças. 4. O diagnóstico precoce pelo cirurgião dentista de doenças altamente prevalentes na cavidade oral, como o câncer oral e a periodontite, está relacionado ao prognóstico favorável. O conhecimento da etiopatogenia do câncer oral e da periodontite nos permite entender primeiramente, que muitos processos que envolvem essas patologias são semelhantes e podem estar conectados. Além disso, nos permite intervir de maneira preventiva no controle dessas doenças. ABSTRACT Within the most common diseases that occur in the oral cavity, cancer is the third most frequent condition, right after tooth decay and periodontal disease. The etiology of cancer is mainly associated with genetic mutations which provide changes in cellular functions. Behavioral factors such as alcohol and tobacco consumption are the major risk factors for oral cancer. The importance of knowledge about the types and pathogenesis of tumors of the oral cavity involves primarily the correct diagnosis and detection of patients at high risk, as well as the use of preventive measures for the control of this disease. The planning and dental treatment prior and subsequent to the therapeutic interventions of oral cancer are essential and in this respect, the detection of pathologies such as periodontal disease, which direct or indirectly interfere with the complexity of this disease and its treatment. UNITERMS: oral cancer, periodontitis Agradecimento: LINB - FOUSP (Liga Interdisciplinar das Neoplasias Bucais) 1. As principais opções de tratamento para o câncer An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 35 Braz J Periodontol - December 2013 - volume 23 - issue 04 - 23(4):31-37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Agência Internacional de Pesquisa sobre o câncer. Disponível: http:// www.iarc.fr/. W et al. National cancer database report on chondrosarcoma of the head and neck. Head Neck 2000; 22(4):408-425. 2- Ferlay J, Shin HR, Bray F, Forman D, Mathers C, Parkin DM. Estimates of worldwide burden of cancer in 2008: GLOBOCAN 2008. 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