230 Resenha: LE BRETON, David, 2009. As Paixões Ordinárias: Antropologia das Emoções. Petrópolis, Vozes. 276pp. Resenha: LE BRETON, David, 2009. As Paixões Ordinárias: Antropologia das Emoções. Petrópolis, Vozes. 276pp. Michelle Gonçalves Rodrigues1 David Le Breton em seu livro As Paixões Ordinárias propõe uma abordagem subjetiva sobre as percepções sensoriais e a expressão das emoções. O aspecto subjetivo liga-se ao aspecto relacional na construção de seus significados. O autor rebate as abordagens fisiológicas e psicológicas sobre as emoções e os sentimentos, utilizando-se do argumento corpóreo para amparar suas críticas. Nesta obra temos a confluência entre a antropologia das emoções e a antropologia do corpo. O autor percorre várias pesquisas, de cunho naturalista, feitas ao longo dos anos para demonstrar o fracasso em se classificar as emoções sob o estigma do biologicismo. Seu argumento parte das construções sócio-culturais para se compreender as emoções e os sentimentos. A emoção como um encontro entre alheios é um processo lúdico de paixões experimentadas, expandidas, reinventadas e resignificadas. Um momento em que revivemos o passado no presente e que alargamos nossa sensibilidade sobre o ocorrido com o fim de dar sentido ao que vivemos. O encontro entre dois outros ou mais desses outros possibilita o nascer da emoção corporificada nos sujeitos. Símbolos culturais naturalizados compõem o jogo do sentir e do interpretar para a comunicação da vida cotidiana. Os sentimentos e as emoções são produtos de relações travadas no cotidiano dos sujeitos. É vida se fazendo corporificada nas ações e apreensões dos sujeitos. Uma visão que apenas observa o aspecto fisiológico dos músculos faciais para definir sentimentos de alegria, tristeza ou angústia, naturaliza o processo emotivo em níveis onde a subjetividade dos contextos e das relações não é percebida como lócus de diferenciação das emoções. Uma piscadela ou um sorriso podem indicar várias interpretações que dependem da situação e de toda interação ocorrida para essas ações. É o campo do vivido que o autor se ocupa em sua análise, é a vida cotidiana experimentada pelos sujeitos e as paixões ordinárias como produtos de construções sociais e culturais que Le Breton emoções. Em sua obra mostra como importantes para a antropologia As Paixões Ordinárias é a dimensão simbólica que nos CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012 das 231 Resenha: LE BRETON, David, 2009. As Paixões Ordinárias: Antropologia das Emoções. Petrópolis, Vozes. 276pp. guia na interpretação dos sentidos e dos variadas possibilidades de ser que os valores das emoções nas diversas formas sujeitos podem vivenciar. O autor relata culturais. casos de várias crianças retiradas de seus A linguagem é meios sociais originais e que passaram por evidenciada na emotividade. Não só a face processos de socialização díspares como nos diz sobre os sentimentos, mas toda a tentativa de argumentar sobre a construção corporeidade dos sujeitos traduz a emoção social dos corpos. As crianças “selvagens”, culturalmente A descritas por Le Breton, indicam a inteligibilidade de reconhecer o que o importância da observação sobre o outro outro sente, ou demonstra que sente, é nas relações estabelecidas. O “outro” é o possível através de um código simbólico espelho da construção social do corpo, compartilhado pelos somente nessa relação é estabelecido o sujeitos, daí é impossível a apreensão sentido das percepções sensoriais, dos somente gestos, das por do corpo compartilhada. culturalmente meios fisiológicos ou psíquicos. Embora o autor nos fale desse técnicas corporais e da linguagem. código simbólico ainda nos coloca o No segundo capítulo, “Corpo e problema da ambigüidade das emoções. comunicação”, o corpo é entendido como Como pensamentos em ação o aspecto um emotivo carrega em si não só o que é Compreender a comunicação diz respeito a corroborado socialmente, mas também o também compreender todo o aparato sistema de sentidos e valores próprios aos gestual inscrito no corpo. Os gestos são sujeitos. As histórias pessoais, os estilos de figuras de ação e compõem a esfera vida e as avaliações particulares sobre as simbólica das culturas, eles transmitem situações tecem as condutas emotivas em significados, entretanto seu sentido não é conjunto com a cultura emotiva das dado, mas compreendido. Nessa parte do sociedades. O acontecimento é assim posto livro numa conhecimento interpretação dos significados fica aparente culturalmente conhecida, entretanto torna- ao leitor quando defrontado com o sistema se um fato pessoal sob a experiência do simbólico e a possibilidade pessoal de sujeito único. apreensão do mundo. Ainda nesse capítulo atividade de instrumento a ambigüidade comunicativo. presente na David Le Breton divide sua obra temos a linguagem em dialogo com o em seis capítulos. “Corpo e simbolismo corpo. Ambos são indissociáveis durante social” nos leva a uma reflexão sobre as as relações, porém formam dois sistemas CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012 232 Resenha: LE BRETON, David, 2009. As Paixões Ordinárias: Antropologia das Emoções. Petrópolis, Vozes. 276pp. de sinais que concorrem para a transmissão O quarto capítulo, “Antropologia de sentido. Enquanto a linguagem está das emoções 2 – Crítica da razão amparada por regras gramaticais que naturalista”, uma discussão sobre como as interferem dos ciências sociais e as ciências naturalistas significados, o corpo é o conhecimento e o concebem o homem e seu corpo é a tônica. sentido prático da experiência do estar no Várias pesquisas são descritas pelo autor mundo, e seus signos são, por isso, menos para demonstrar o fracasso da visão precisos e mais polissêmicos. naturalista sobre o corpo e as emoções. Seu na compreensão “Antropologia das emoções 1”, argumento parte de uma crítica em que a terceiro capítulo, aborda a emoção como metáfora de uma máscara muscular toma o um pensamento em ação. A afetividade é lugar da expressão facial dos sujeitos. O um pensamento em movimento. Razão e homem é tido então como uma espécie e emoção não se separam na vivencia dos não como uma condição de possibilidade sujeitos, se sócio-cultural. A abordagem fisiológica combinam nas apreensões sobre o mundo. das paixões tentou enquadrar as variadas Le expressões mas Breton faz se influenciam uma e distinção entre emocionais em formas sentimento e emoção. “O sentimento é a musculares e ligações cerebrais capazes de tonalidade afetiva aplicada sobre um serem encontradas em todos os indivíduos objeto, a qual é marcada por sua duração e independente do contexto e lugar em que homogênea em seu conteúdo senão em sua são vislumbradas. Assim, um sorriso forma. O sentimento manifesta “uma dentro de uma compreensão ocidental combinação de sensações corporais, de sobre o sorriso seria uma determinada gestos manifestação e de significados culturais há em nessa qualquer apreendidos por intermédio das relações cultura. sociais.” A emoção é a própria propagação naturalista espaço para desvios culturais de de um acontecimento passado, presente ou significado. A interpretação enquanto um vindouro, real ou imaginário, na relação do significado vivo, corporificado, é uma indivíduo com o mundo” (Le Breton, interpretação congelada na abordagem 2009:113). É a emoção que traduz aos fisiológica das paixões. olhos dos outros a afetividade presente no Não muscular abordagem O olhar é tratado no quinto íntimo, capítulo, “Ver o outro – Olhar e interação”. sentimento, é também um aprendizado Nessa parte Le Breton se ocupa em mostrar acontecimento, embora seja social identificado com e pelos outros. ao leitor como o olhar é concebido pelas CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012 233 Resenha: LE BRETON, David, 2009. As Paixões Ordinárias: Antropologia das Emoções. Petrópolis, Vozes. 276pp. sociedades. Suas variadas formas e ele é o elo da comunhão. O ator interpreta interpretações são dispostas para afirmar seu personagem por inteiro, todo seu corpo que o olhar indica uma interação e também é envolvido durante a trama, e o espectador como o tipo do olhar influi na relação também o observa por inteiro. Todo o estabelecida. Quanto mais próximos os corpo comunica a ação. sujeitos menor os contatos visuais e quanto As paixões ordinárias é uma obra maior a distância corpórea, maior a síntese necessidade do olhar como um suporte de antropologia do corpo e das emoções. Sua comunicação. O olhar confere valor à abordagem, de fácil entendimento, dialoga relação, é uma experiência emocional de com filósofos da fenomenologia como reconhecimento ou não reconhecimento Maurice entre as partes. É assim que damos valor ao como Charles Darwin, passando por ator teatral e é pelo olhar que percebemos a sociólogos como George Simmel e teóricos sua teatrais como Constantin Stanislavski e corporeidade feita comunicação, para os interessados Merleau-Ponty e em naturalistas assunto presente no último capítulo, “O Bertolt paradoxo do ator – Esboço de uma originais sobre a ambigüidade das emoções antropologia do corpo em cena”. trata-se de uma obra que transita entre Brecht. Com interpretações Sentimentos e emoções, para Le diversos campos do saber sobre o homem, Breton, inscrevem-se no corpo, em seu demonstrando que as paixões ordinárias gestual e no olhar sobre o outro. Somos são construtos sócio-culturais apreendidos capazes de ler sensações não sentidas em em contextos e relações especificas entre nosso corpo através do conhecimento sobre atores sociais, mas, que, além disso, são os contextos em que aquelas sensações são também percepções pessoais sobre o expressas, como é o caso do teatro. Os aspecto atores são capazes de interpretar emoções individual. próprias aos seus personagens sob o consentimento dos espectadores que valorativo da experiência 1 Doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco apenas o observam. A construção dos papéis envolve todo o conhecimento de vida corporificado pelos sujeitos/atores. A comunicação estabelecida entre ator e espectador constitui-se pelo olhar de ambos, embora o tipo de olhar seja diverso, CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012