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Veículo: Folha de S. Paulo Data: 17/02/2016 Pág: Online
Está inaugurada a novíssima era da astronomia de ondas gravitacionais
Em 1916, Albert Einstein previu, a partir da sua teoria da relatividade geral, a existência
de uma radiação produzida pela aceleração de massas. Ele batizou esta radiação de
“ondas gravitacionais”. Ele mesmo, porém, achou naquela época que talvez essas
ondas nunca fossem detectadas, pois os seus cálculos indicavam uma amplitude
absurdamente pequena se elas fossem produzidas em laboratório.
A perspectiva só melhorou com os avanços da tecnologia e com a possibilidade de
detecção das ondas gravitacionais produzidas por eventos catastróficos no Universo,
tais como a explosão supernova de estrelas, choque de estrelas de nêutrons e/ou de
buracos negros, os quais poderiam gerar ondas gravitacionais muito mais fortes. E foi
justamente o que aconteceu.
Em 14 de setembro de 2015, às seis horas e aproximadamente 51 minutos da manhã
(horário de Brasília), os observatórios Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por
Interferômetro de Laser) localizados nos Estados americanos da Louisiana e
Washington, detectaram quase simultaneamente um sinal de ondas gravitacionais de
cerca de 0,2 segundos de duração. A frente de onda chegou primeiro no observatório da
Louisiana e 7,3 milissegundos depois no de Washington.
Ao analisar os dados registrados em ambos observatórios, concluiu-se que se tratava do
sinal dos últimos dois décimos de segundos de órbita de dois buracos negros com
massas aproximadamente iguais a 29 e 36 vezes a massa do Sol, seguida da colisão e
formação de um único buraco negro de massa igual a 62 vezes a massa do Sol.
A diferença em relação à massa total (65) foi irradiada na forma de ondas gravitacionais,
segundo a famosa formula E=mc², da teoria da relatividade especial de Einstein,
resultando em aproximadamente 6,3 x 10
ergs de energia, o que equivale a mais do
que 10 mil vezes a energia total emitida pelo Sol até hoje, desde o seu nascimento, 5
bilhões de anos trás.
Os dados indicam uma maior probabilidade para que este evento tenha ocorrido em
uma grande região do céu do hemisfério sul, a uma distância aproximada de 1,3 bilhão
de anos-luz da Terra (um ano-luz é a distancia que a luz percorre em um ano, com a
velocidade de 300 mil km/s).
A chance de haver engano nas conclusões é de aproximadamente uma parte em 5
milhões. Dizendo de outra forma, precisaríamos de aproximadamente 200 mil anos para
o ruído produzir ao acaso este mesmo sinal em ambos observatórios. Portanto, é quase
certo que as conclusões estejam corretas.
PROVA DIRETA
Com a descoberta, fica confirmada por detecção direta a existência de ondas
gravitacionais, a existência de buracos negros e a coalescência deles em sistemas
binários (formados por dois deles). A prova observacional indireta da existência das
ondas gravitacionais já havia ocorrido com a descoberta e estudo do sistema binário de
estrelas de nêutrons PSR1913+16 (em que uma delas emite pulsos de rádio) feita pelos
americanos Joseph Taylor e Russell Hulse, o que lhes deu o prêmio Nobel de física de
1993. Esse sistema binário está continuamente perdendo energia de rotação por
emissão de ondas gravitacionais.
Essa perda de energia é comprovada pela diminuição continua do período orbital do
sistema, observada pela variação do intervalo entre os pulsos de rádio que são emitidos
por uma das estrelas de nêutrons e que, na época, foram detectados pelo
radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico. Desta vez, porém, elas foram confirmadas
pela observação/detecção direta das próprias ondas gravitacionais, agora nos
observatórios Ligo.
Cada um deles tem um feixe de laser que se divide em dois feixes horizontais e
perpendiculares entre si, e cada um desses feixes percorre mais de 100 km em
repetidas reflexões em espelhos dentro de tubos de 4 km de extensão e alto vácuo. No
final esses feixes são reunidos e suas fases comparadas. Uma onda gravitacional ao
passar pelos observatórios causa uma variação nas distâncias entre os espelhos o que,
por sua vez, causa uma variação relativa nas fases dos feixes.
Essa variação modifica a intensidade da luz que chega a um fotodetector instalado em
cada um deles, pelo processo chamado de interferometria, acusando a passagem da
onda. Em 14 de setembro de 2015, a onda gravitacional produzida pela coalescência
daqueles buracos negros deixou registrada nos dois observatórios interferométricos Ligo
a sua passagem pela Terra.
Outros observatórios não estavam ligados naquele dia, não estavam em modo de
observação, ou não tinham a sensibilidade suficiente, pois apesar de ter sido detectada
muito claramente nos dois observatórios Ligo, com uma amplitude 24 vezes acima do
nível de ruído deles, ela modificou os 4 km de distancia entre os espelhos em apenas
1/250 do diâmetro de um próton (partícula presente no núcleo de átomos)!
O detector de ondas gravitacionais nacional, a antena Mário Schenberg, não estava
ligada no dia do evento. A sua operação em 2015 ocorreu em maio e outubro-novembro.
De qualquer forma, sua faixa de operação vai de 3150 Hz a 3250 Hz, fora da faixa do
sinal desta fusão de buracos negros (entre 35 Hz e 250 Hz) e a sua sensibilidade não
chegou à incrível sensibilidade que o Ligo já alcançou. Mas vamos continuar
aperfeiçoando-a.
NOVA ERA
A façanha de detectar as ondas gravitacionais inaugurou uma nova janela para a
observação do Universo: a astronomia de ondas gravitacionais. Com elas, é possível
“ver” eventos que não poderiam ser observados no espectro eletromagnético ou pela
detecção de partículas (raios cósmicos ou neutrinos), como foi no caso dessa
coalescência de dois buracos negros. Essa nova astronomia deverá causar, muito
provavelmente, ao longo do tempo, uma revolução no conhecimento que temos do
Universo e de suas leis físicas.
Além disso, fica reconhecida a técnica de interferometria laser como capaz de realizar
observações. Em breve, começarão a operar o Virgo Avançado (Itália) e o Kagra
japonês. Este último inaugura uma nova fase desses interferômetros: a dos
subterrâneos e de espelhos resfriados, para diminuição simultânea dos ruídos sísmicos
e térmicos. Ao mesmo tempo, projetos de novos interferômetros estão sendo estudados
na Europa (Einstein Telescope ou ET), Índia (Ligo-Índia or Indigo) e na Austrália (Aigo),
e conversas já foram iniciadas entre cientistas do Brasil, Argentina e México, para a
construção de um interferômetro subterrâneo e com espelhos refrigerados na América
do Sul, que entraria em funcionamento entre 2030 e 2040.
O que exatamente vamos descobrir ouvindo o Universo no “canal” ondas gravitacionais?
Fazer astronomia somente com ondas eletromagnéticas é como assistir a um filme sem
legendas e sem som. Vemos as imagens, mas não entendemos completamente o que
está acontecendo. O som ou as legendas são essenciais para o entendimento completo
de toda a história. Em alguns casos, como o detectado recentemente (colisão de
buracos negros, que não emitem luz) a coisa ainda é pior. Não vemos imagem
nenhuma. Nesses casos, “ouvir” já vai fazer toda a diferença.
Por exemplo, no caso de duas estrelas de nêutrons se chocando, ou de uma estrela de
nêutrons se chocando com um buraco negro, vamos “escutar” as estrelas de nêutrons
serem espremidas e retorcidas, descobrindo quanto tempo isto leva e como ocorre.
Vamos descobrir as leis que regem a matéria feita de nêutrons e a relação entre as
forças nucleares fortes, a força eletromagnética e a gravitacional, escutando o
esmagamento e vendo os raios gama emitidos (onda eletromagnética), o que é
chamado de burst de raios gama.
A Astronomia de Ondas Gravitacionais vai permitir que “ouçamos” o Universo e daí
possamos entender a sua história completa.
ODYLIO DENYS AGUIAR é pesquisador titular do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) e líder do grupo de pesquisa da colaboração Ligo no Brasil e um dos autores
do estudo que descreveu, pela primeira vez, a detecção de ondas gravitacionais.
Os outros pesquisadores do Brasil envolvidos são RICCARDO STURANI, CÉSAR
COSTA, MARCOS OKADA, MÁRCIO CONSTANCIO JR., ELVIS FERREIRA e ALLAN
SILVA.
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