FÓRUM SOCIAL MUNDIAL: A MARCA DA PLURALIDADE, DA DEMOCRACIA, DA BUSCA PELA IGUALDADE E PELA LIBERDADE. Elza Maria Campos1 A bela e tropical Belém do Pará, com seu povo solidário e corajoso, propiciaram muito calor natural e humano para receber os participantes do 9º. Fórum Social Mundial. Este "Fórum da Amazônia", como foi batizado, começou em 27 de janeiro, inundando a capital paraense com a vívida alegria de 70 mil pessoas na já tradicional Marcha de abertura. Um arco de cores e de bandeiras que sintetizam a reafirmação da democracia, a busca por mais liberdade, a diversidade, a luta contra qualquer tipo de opressão, a manifestação contra a guerra e a defesa da paz. Palavras de ordem expressavam-se em favor de um mundo plural e radicalmente democrático, sem exclusão social, economicamente justo e ambientalmente sustentável. Contrastando com o ambiente de velório (por causa da colossal crise do neoliberalismo) do Fórum Econômico Mundial, realizado simultaneamente na localidade suíça de Davos, deste lado do mundo, no Fórum de Belém, compareceram cerca de 100 mil inscritos, também preocupados com a crise mundial, mas claramente otimistas para achar a alternativa de um outro mundo, sem explorações nem desigualdades. Em Belém estiveram 5.860 organizações, vindas de mais de 150 países. A pluralidade e descentralização do FSM ficam explicitas no número de atividades: 2.400. Elas ocorreram em dois locais, as Universidades Federais do Pará (UFPA) e Rural do Pará (UFRA), onde diversas tendas abrigaram concorridos debates sobre grande diversidade de temas. Caminhando pelos 10 mil Km2 das Universidades, presenciamos outras 200 ações culturais realizadas no dia-a-dia do Fórum. Mais mil barracas alojaram estudantes. As roupas, os múltiplos sotaques e línguas, um espetáculo colorido representando a diversidade cultural humana, neste pedaço do mundo amazônico pleno de especial beleza, foi salutar e emocionante. A participação nas plenárias de debates propiciava a cada dia novas doses de conhecimento e cultura sobre aquela multidão de nações. Homens e Mulheres de diversos países registraram suas opiniões e denúncias contra manifestações de discriminação e de opressão, em particular da opressão político-econômica do imperialismo. Esse imenso congraçamento de pessoas indignadas com as injustiças do sistema capitalista mundial começou com o primeiro FSM, realizado em 2001 em Porto Alegre (RS), cujo fecho, ainda genérico, foi o slogan “Um outro mundo é possível”. Sob os efeitos socialmente devastadores da atual crise irradiada a partir do sistema financeiro dos EUA, o slogan foi ampliado para “Um outro mundo é possível, urgente e necessário”. O sonho de mudar o mundo é arrojado, mas, de tão necessário, humanista e sincero, encanta incontáveis multidões de pessoas preocupadas em lutar por um projeto civilizacional que salve o planeta da barbárie induzida pelas contradições do capitalismo. O Fórum Social Mundial é um espaço político, cultural, educacional, que reúne movimentos e povos dos mais diferentes e de várias partes do mundo há nove anos. É um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem à política e ideologia neoliberal Coordenadora do Curso de Serviço Social da Unibrasil. Participante no 9º Fórum Social Mundial representando o Conselho Regional de Serviço Social – CRESS/PR, da qual é vice-presidente. 1 e a qualquer forma de dominação imperialista. Surgiu propositalmente para servir de contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Pela brevidade deste relato, em meio às milhares de atividades, cabe destacar o debate que colocou juntos os presidentes de 5 países da América Latina que simbolizam resistência aos efeitos do neoliberalismo (Brasil, Venezuela, Paraguai, Equador e Bolívia). Falando para um público de mais de 20 mil pessoas, foram unânimes em destacar a necessidade da unidade do povo e a realização de ações estruturantes para superar históricas desigualdades sociais através de políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento da economia e garantam a soberania nacional. Os presidentes enfatizaram que a crise financeira internacional não deve ser paga pelos que vivem de salário. A luta por uma nova ordem econômica e social de justiça e desenvolvimento, que reforme os organismos internacionais e que paute o mundo por indicadores de distribuição de riqueza foi defendida pelo presidente Rafael Correa. O presidente equatoriano apontou como principal caminho para enfrentar a crise a aceleração da integração da América Latina; defende ainda o intercâmbio para a criação de políticas conjuntas de infra-estrutura energia, saúde, educação. O presidente do vizinho Paraguai, Fernando Lugo, com uma retórica mais poética e cheia de simbolismos, saudou os participantes do Fórum dizendo que via com muita alegria “esse espírito humanista e a solidariedade inteligente para enfrentar os nossos desafios com dureza e ternura”. Afirmou estarmos ensinando e dando exemplos da existência de uma alternativa de transformação do planeta. Comentou a eleição de Barack Obama, entendendo que “As mudanças já se vêem, já se respiram nos ares do Fórum Social Mundial”, e encerrou com o conhecido refrão do cantor Geraldo Vandré, conclamando a todos para que continuemos “caminhando e cantando e seguindo a canção – aprendendo e ensinando uma nova lição”. Já o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, destacou que a América Latina foi o laboratório do neoliberalismo desde os anos 1990, apoiando-se na obra do escritor uruguaio Eduardo Galeano para denunciar que as políticas desse ideário econômico capitalista arrasaram o continente. Contudo, asseverou Chávez, se neste continente foi intensa a penetração das políticas neoliberais, foi também na América Latina onde brotaram com mais força a resistência e as lutas que mudarão todo o planeta. Evo Morales, presidente boliviano, aplaudido em pé pelos milhares de índios de várias regiões da Pan-Amazônia, comemorou a vitória da democracia popular no plebiscito que aprovou a nova Constituição de seu país. Em uma frase sobre a crise atual, alertou que, se os povos do mundo não conseguirem sepultar o capitalismo, o capitalismo vai sepultar o mundo. Por fim, o presidente Lula reconheceu a gravidade da crise, mas afirmou sua confiança que os países em desenvolvimento encontram-se em melhores condições de enfrentá-la, ao passo que os grandes países são hoje o centro do furacão financeiro que já fez evaporar trilhões de dólares. Esta edição do FSM, ao realizar-se numa cidade amazônica, ressaltou como tema prioritário o enfrentamento dos problemas do meio ambiente. A região Pan-Amazônica (incluindo áreas de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa) é conhecida não apenas pela biodiversidade, mas também pela luta de resistência dos povos ali residentes por um outro modelo de desenvolvimento. Pelos caminhos do Fórum, via-se em toda sua plenitude os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, sua ligação com o território e natureza. Como não poderia ser diferente, o FSM contou com ampla participação do movimento de mulheres, unidas em várias atividades e manifestações. Dentre elas, debates sobre a crise, o direito ao trabalho, os diálogos sobre violência doméstica e a criminalização das mulheres pela prática do aborto, em articulação com a questão dos direitos humanos. Outro destaque neste Fórum foi a participação de Assistentes Sociais e de estudantes de Serviço Social que distribuídos em centenas de oficinas registram a diversidade de sua atuação e o compromisso ético-político com os segmentos populares. Esta foi mais uma experiência que marcou com especial afeto e alegria, pelo contato próximo com tantos aspectos e fragmentos das realidades expressas pelos diversos grupos de participantes. Volta-se de um encontro tão humano, verdadeiramente humano (com perdão da paródia de Nietzsche), como esse revigorada e com mais confiança no futuro, otimista pelas maiores possibilidades de se alcançar tempos novos plenos de igualdade e liberdade.