Toxina botulínica no temporomandibular tratamento da disfunção Botulinum toxin on treatment of the temporomandibular disorders Marina de Barros Bicalho1 Fernanda Pereira Delgado2 Cynthia Bicalho Borini3 Resumo: A disfunção temporomandibular é o termo utilizado para alterações funcionais, que inclui os músculos da mastigação, a articulação temporomandibular e estruturas associadas. Como tratamento a toxina botulínica tipo A vem sendo utilizada em pacientes que sofrem com a disfunção, por ser uma alternativa pouco invasiva e que demonstra bons resultados terapêuticos. O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura quanto à utilização da toxina botulínica no tratamento da disfunção temporomandibular, visando descrever o modo de aplicação da toxina nos músculos envolvidos, seus benefícios e contra indicações da técnica. A metodologia aqui utilizada foi baseada em artigos das bibliotecas virtuais (SCIELO e PUBMED) e busca manual de periódicos odontológicos. Conclui-se que a toxina botulínica deve ser utilizada de forma complementar e interdisciplinar. Apresentou-se eficaz no tratamento da disfunção temporomandibular, mas embora alcance bons resultados este não pode ser o único tratamento, pois a disfunção apresenta uma etiologia multifatorial. Palavras Chave: Transtornos da Articulação Temporomandibular; Tratamento; Toxina Botulínica Tipo A. Abstract:The temporomandibular dysfunction is the term used for functional changes, which includes the muscles of mastication, the temporomandibular joint and associated structures. As treatment botulinum toxin type A has been used in patients who suffer from dysfunction, to be a minimally invasive alternative that shows high-quality therapeutic results. The objective of this study was to review the literature regarding the use of botulinum toxin in the treatment of temporomandibular dysfunction, aiming to describe the mode of application of the toxin into the muscles involved, its benefits and against the technical indications. The methodology used here was based on articles of virtual libraries (SCIELO AND PUBMED) and manual search of dental journals. Concludes that the botulinum toxin to be used in a complementary manner and interdisciplinary. It showed Graduanda em Odontologia pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais – FEAD. [email protected] 2 Graduanda em Odontologia pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais – FEAD. [email protected] 3 Doutora em Biologia Buco-Dental pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Professora de graduação da Faculdade de Ciências MÉdicas de Minas Gerais – FCMMG. [email protected] 1 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 153 to be effective in the treatment of dysfunction temporomandibular, although high-quality results but this range may not be the only treatment, because the dysfunction has a multifactorial etiology. Keywords:Temporomandibular Joint Disorders; Therapeutic; Botulinum Toxins; Type A. Introdução A Articulação Temporomandibular (ATM), localizada entre os ossos temporais e mandíbula, permite grande mobilidade em diferentes movimentos entre estes. Ambos os lados apresentam movimentos únicos, porém simultâneos25. A disfunção temporomandibular (DTM) está relacionada com alterações funcionais, que inclui os músculos da mastigação, a ATM e estruturas associadas. Quanto aos principais sintomas, encontram-se dores na face e cabeça, sensibilidade à palpação dos músculos mastigatórios e ATM, zumbidos e ruídos articulares durante os movimentos condilares, limitação dos movimentos mandibulares1 podendo ainda estar acompanhada de estresse psicológico e desajuste psicossocial10. A DTM é de difícil diagnóstico, já que existem manifestações patológicas com sintomas parecidos, por isso é importante o pedido de exames complementares3. Uma das formas de tratamento da DTM que vem ganhando reconhecimento na odontologia é a aplicação da Toxina botulínica tipo A, conhecida co- mumente como Botox®. Sua aplicação proporciona um alívio e conforto para os pacientes que relatam os sintomas dolorosos causados por esta disfunção. A administração da toxina é por via subcutânea, com eficácia entre 3 a 6 meses9. De origem bacteriana, a toxina botulínica é indicada no tratamento da DTM, por ser uma alternativa pouco invasiva e que demonstra bons resultados terapêuticos. Sua aplicação na odontologia, permitida no ano de 2011 pelo Conselho Federal de Odontologia presente no Art. 2, é recente. O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura quanto à utilização da toxina botulínica no tratamento da DTM, visando descrever o modo de aplicação da toxina nos músculos envolvidos, seus benefícios e contra indicações da técnica. Metodologia A construção do referencial teórico baseou-se em artigos das bibliotecas virtuais (SCIELO e PUBMED) e busca manual de periódicos odontológicos. A revisão de literatura foi realizada com artigos e livros de 1956 até 2015. 154 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 As palavras-chaves utilizadas foram: Transtornos da Articulação Temporomandibular, Tratamento e Toxina Botulínica Tipo A. A Articulação Temporomandibular A ATM responde a ação dos músculos mastigatórios sendo eles masseter, temporal, pterigóideo lateral e pterigóideo medial. O masseter tem ação de elevação e anteriorização da mandíbula, tendo sua origem na margem inferior do arco zigomático e sua inserção na face lateral do ramo da mandíbula. No músculo temporal as fibras verticais e oblíquas tem função de elevação da mandíbula, já as fibras oblíquas e horizontais são retrusoras. O pterigóideo lateral apresenta duas origens, sendo uma na face infra temporal do esfenoide e a outra na face lateral da lâmina lateral do processo pterigóide, e sua inserção na fóvea pterigoidea, com ação de protrusão da mandíbula 3,25. Sendo estes os músculos alvo para a aplicação da toxina botulínica4,13,14. A Disfunção Temporomandibular Em 1934, Costen considerou a má oclusão como o único fator determinante para a DTM7. Por muitos anos esta teoria prevaleceu e somente em 1956 Schwartz descreveu que existia a possibilidade de fatores psicológicos estarem associados com a DTM 26. A teoria de que a má oclusão poderia estar fortemente associada com a disfunção temporomandibular começou a ser questionada e estudos mostraram que a DTM e a oclusão não apresentam relações27. A associação da DTM com oclusão é limitada, é representada por apenas 5% a 30%, enquanto 70% e 95% esta relacionada com causas multifatoriais11. A DTM pode ser diferenciada de acordo com a sua origem, sendo ela classificada como: artrogênica, miogênica e mista. Os problemas articulares relacionados com DTM artrogênica podem ser causados por: doenças sistêmicas, infecciosas e inflamatórias. A DTM miogênica é causada por hábitos parafuncionais, tais como: bruxismo, principalmente durante o sono, onicofagia, apertamento e mordida profunda, podendo resultar em do r. A DTM mista é a classificação que faz a associação da artrogênica junto àmiogênica3. Não há um fator determinante único para a DTM, e o simples fato do paciente apresentar queixas não significa que este apresente a disfunção e necessite de tratamento, uma vez que estes sinais e sintomas são comuns. Desta maneira o tratamento deve ser direcionado para pacientes que apresentam comprometimento patológico, como dor, desconforto e limitação de movimento24. Os pacientes podem reagir de varias maneiras, assim o profissional deve estabelecer um tratamento que esteja dentro de suas expectativas, que seja individualizado e interdisciplinar, já que a etiologia é multifatorial. Associadas ao tratamento podem estar às áreas da fisioterapia, psicologia e fonoaudiologia16, 24 . O cirurgião dentista pode utilizar diferentes modalidades de tratamento, como fazer os ajustes oclusais necessários, confeccionar placas de mordi- Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 155 da, utilizar da famacoterapia, cirurgia2, , e além destes tratamentos, em 2000 Freund publicou uma pesquisa que a utilização da Toxina Botulínica também pode ser indicada. Freund e colaboradores avaliaram 46 pacientes do sexo masculino e feminino com idades ente 16 e 75 anos com disfunção temporomandibular que foram submetidos ao tratamento com a toxina botulínica tipo A, obtendo sucesso após a realização do tratamento12. 23 A Toxína Botulínica Existem relatos sobre o botulismo desde 1817, feito por JustinusKerner, no qual ocorre comprometimento do sistema nervoso das pessoas e características clínicas. A bactéria que dá origem à toxina foi descoberta em 1895 e descrita por Emile Van Ermengen no ano de 1897. Em 1978 teve sua primeira utilização em humanos, destinado ao tratamento de estrabismo, esse estudo foi coordenado por Alan Scott6,20. A bactéria anaeróbica clostridiumbotulinum é responsável pela produção da toxina botulínica. Ela dá origem a diferentes tipos, sendo eles: A, B, C-alfa, C-beta, D, E, F e G, entretanto somente o tipo A é utilizado para fins terapêuticos na odontologia e cosméticos28. A toxina botulínica tipo A apresenta diferentes marcas comerciais, como por exemplo: Botox®, Dysport®, Xeomin®, Prosigne®22, PurTox® e RT001 ou ReVance28. Sendo que a marca Botox® é a mais conhecida e utilizada, por ser a primeira marca que teve aprovação para ser utilizada pelos profissionais22. As marcas Xeomin®, PurTox® e RT001 ou ReVance são as mais novas dentro mercados, sendo que a RT001 ou ReVance é tópica e destinada para uso médico28. Um componente comum presente dentre estas marcas é a albumina. O Dysport® possui na sua composição albuminahumana e lactose30 e o Botox® é composto por albumina humana e Cloreto de sódio29. A aplicação da toxina botulínica tipo A na região muscular em questão é para impedir a contração temporária desta. A toxina visa à inibição da liberação do neurotransmissor acetilcolina na junção neuro-neuromuscular, gerando alívio e conforto ao paciente, por tornar os músculos não funcionais22,28. Somando-se à inibição do neurotransmissor acetilcolina, a toxina botulínica impede a ação de neuropeptídeos: glutamato, CGRP e substância P. A inibição destes neuropeptídeos esta relacionada com o efeito analgésico da toxina botulínica , logo esta ação reduz a dor dos pacientes com disfunção temporomandibular6. Para realizar o tratamento com a toxina, é necessário fazer a anamnese durante a consulta clínica, coletar os dados do paciente, incluindo o histórico médico, cosmético e social, verificar as áreas de aplicação, explicar sobre como será o tratamento, visando discutir a quantidade que deve ser recomendada para a aplicação, seus benefícios, complicações e expectativas28. A toxina botulínica na odontologia somente deve ser aplicada por profissionais que possuam um treinamento específico. Para se obter sucesso no tratamento é indispensável que este apre- 156 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 sente domínio sobre anatomia, estética facial e o conhecimento da toxina, pois esta é a causa do envenenamento denominado botulismo, que compromete o sistema nervoso central e leva a óbito22. Técnicas A toxina botulínica é aplicada nos músculos responsáveis pela DTM, que são os músculos masseter e temporal 13, mas também pode ser aplicada no músculo pterigóideo lateral4. O manuseio e armazenamento da toxina botulínica dependem da orientação de cada fabricante, sendo o mais comum o transporte da toxina congelada em gelo seco. Deve ser armazenada a uma temperatura de 2 a 8°C por até 24-36 meses no refrigerador. Após sua reconstituição o cirurgião dentista deve seguir as recomendações do fabricante para o tempo de uso, evitando a perda de potência da toxina botulínica neste período. Geralmente não há necessidade de anestesiar o local da aplicação, mas se caso for preciso é indicado à utilização de gelo ou anestésico tópico como, por exemplo: benzocaína 20%, lidocaína 6% e tetracaína 4% em torno de 15 a 20 minutos antes das aplicações. É necessário identificar a região de aplicação, os músculos-alvo e os pontos de injeção da toxina botulínica. Aconselha-se iniciar a aplicação com doses conservadoras e para facilitar a técnica é interessante que o cirurgião dentista marque os pontos com um lápis delineador 28. As áreas de seleção para as aplicações são as que apresentam maiores volume a palpação13,14 e com maior hi- peratividade que são avaliadas através de controle eletromigráfico21. Nos músculos da mastigação cinco pontos devem ser selecionados bilateralmente de acordo com sua contração, sendo definido como protocolo 2 pontos em cada inserção e um no ventre muscular13,14. Aplicações realizadas nos músculos masseter e temporal, por Freundet. al. 2000, foram avaliadas a cada duas semanas, durante o período de oito semanas. Os resultados demonstram uma redução significativa dos sintomas e melhora das habilidades funcionais dos indivíduos que apresentavam DTM12. Se necessário, os retoques podem ser feitos duas semanas após o primeiro tratamento28. Bakke M e colaboradores realizaram um tratamento de DTM, na qual o paciente apresentava deslocamento anterior do disco articular. Foi proposta a aplicação da toxina botulínica no músculo pterigóideo lateral, que teve resultado satisfatório em relação à eliminação do estalido durante o movimento de abertura mandibular4. Após a aplicação da toxina botulínica é importante que algumas recomendações sejam seguidas, a fim de evitar migração da toxina botulínica: • Não fazer repouso deitado nas 4 horas seguintes à aplicação • Não manipular a área tratada • Evitar ingestão de álcool • Evitar prática de atividade física • Exposição ao sol Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 157 Uma compressa de gelo pode ser feita sobre o local afetado, por 10 a 15 minutos a cada 1-2 horas em caso de edemas28. Sucessos e complicações A toxina botulínica, além de apresentar resultados satisfatórios, é segura, eficaz e demonstra grande satisfação entre os pacientes que optam pelo tratamento. Entretanto, o procedimento é de curta ação e devem ser consideradas as possibilidades de complicações, que podem estar relacionadas com a aplicação ou com a própria toxina botulínica e são cessadas quando o efeito da toxina é diminuído. A seguir alguns resultados indesejáveis relacionados com a aplicação: • Dor • Eritema • Edema • Cefaleia • Sensibilidade • Infecção • Imobilidade por comprometimento do nervo Resultados indesejáveis relacionados com a própria toxina: • Queimadura • Anticorpos contra a toxina botulínica • Enfraquecimento muscular adjacente à área tratada • Disartria • Hipersensibilidade • Incompetência oral para falar, comer ou beber28. Em relação às contraindicações e precauções da toxina botulínica podemos incluir pacientes grávidas, em fase de amamentação, alterações musculares e neurológicas, indivíduos que fazem uso de medicamentos que podem interferir nos efeitos ou com hipersensibilidade a toxina22. Estudos desconhecem os efeitos de anomalias da toxina em pacientes grávidas17, assim como não apresentam relatados da excreção no leite materno, durante o período de amamentação. Mas os riscos do procedimento não devem ser eliminados e por isso mulheres grávidas ou na fase de amamentação não podem ser submetidas a aplicação da toxina5,18. Pacientes com alterações neuromusculares como, por exemplo, miastenia graves, síndrome de Eaton- Lambert e neuropatias periféricas também fazem parte das contraindicações do procedimento devido ao risco de agravamento da doença15, 19. Alguns medicamentos que atuam na junção neuromuscular como aminoglicosídeos, quinidina, bloqueadores de canal de cálcio22, e penicilamina17 são contraindicados em associação com a toxina, devido as interações medicamentosas que impedirão a sinalização 158 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 neuromuscular, e consequentemente, potencializando os efeitos da toxina botulínica28. Pacientes que apresentam alguma reação de hipersensibilidade a constituintes da toxina, principalmente alérgicos a albumina, também devem ser contraindicados ao tratamento, isso por que podem apresentar reações indesejáveis no organismo8. 3. Alvares N, Cândido PL. Anatomia para Conclusão A tendência da Odontologia está direcionada para tratamentos minimamente invasivos que oferecem recuperação rápida, sútil e com resultados satisfatórios. Devido a esta tendência, a aplicação da toxina botulínica tornou-se eficaz no tratamento da disfunção temporomandibular. Mas embora alcance bons resultados, este não pode ser o único tratamento para a doença, já que a DTM é classificada com uma doença multifatorial. Desta maneira a toxina botulínica deve ser utilizada de forma complementar e interdisciplinar. Radiol Endod. 2005 Dec; 100(6): 693- Referências o Cirurgião Dentista. 2ed. São Paulo: Editora Santos; 2013.. 4. Bakke M, Moller E, Werdelin LM, Dalager T, Kitai N, Kreiborg S. Treatment of severe temporomandibular joint clicking with botulinum toxin in the lateral pterygoid muscle in two cases of anterior disc displacement. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral 700 5. Carruthers A, Carruthers J. Cosmetic uses of botulinum A exotoxin. Adv Dermatol. 1997;12:325-47. 6. Colhado OCG, Boung M, Ortega LB. Toxina Botulínica no Tratamento da Dor. 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