Revista VEJA | Edição 2049 | 27 de fevereiro de 2008 Página 1 de 3 Comportamento O coquetel do dia seguinte Jovens que fazem sexo sem proteção agora recorrem ao uso profilático de remédios contra a aids Adriana Dias Lopes O economista Adriano Abramavicus, de 30 anos, só se deu conta da bobagem ao voltar para casa, com o dia amanhecendo. Movido a vodca com energético, ele acabara de fazer sexo sem proteção com uma total desconhecida, de quem nem lembra o nome. Os dois se atracaram numa festa rave, em São Paulo. "Fiquei preocupado por ter transado sem camisinha, mas não entrei em desespero: lembrei dos remédios e, no ato, senti um conforto na alma." Abramavicus já havia passado por situação semelhante e, como forma de prevenir a possível contaminação pelo vírus HIV, foi orientado por seu médico a tomar o coquetel antiaids. Depois da nova imprevidência, lá estava ele outra vez, tomando seis comprimidos diários e enfrentando os terríveis efeitos colaterais da medicação – depressão e dores no estômago, principalmente. Jovens como Abramavicus começam a aparecer com freqüência nos consultórios de infectologistas. Em sua maioria, são homens entre 20 e 30 anos. Eles vão para a balada, bebem demais e, quando caem em si, é tarde demais: fizeram sexo sem proteção. Aí correm em busca do coquetel anti-HIV, para evitar uma eventual infecção. A facilidade com que essas pessoas se expõem à aids é reflexo direto dos avanços no tratamento da doença. Em seus primórdios, no início dos anos 80, a contaminação pelo HIV representava uma sentença de morte. Entre o diagnóstico e a fase terminal, transcorriam apenas seis meses. Atualmente, com a detecção precoce do vírus e o uso correto de medicamentos potentes, a aids pode ser enfrentada como uma doença crônica. "Os jovens de hoje não testemunharam os estragos causados pelo HIV vinte anos atrás e, por esse motivo, não se assustam tanto com a doença", diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O uso profilático do coquetel antiaids remonta a meados dos anos 90. Inicialmente era destinado apenas a profissionais de saúde que entravam acidentalmente em contato com o vírus. Agora, tornou-se uma panacéia para marmanjos arrependidos de suas noitadas. A medida visa a impedir quanto antes a proliferação do HIV no organismo. Por esse motivo, o coquetel deve ser administrado até 72 horas depois da contaminação (veja o quadro abaixo). Ainda não se sabe o grau de eficácia do uso profilático do coquetel por quem se expôs sexualmente ao HIV. Não há nenhum estudo conclusivo sobre o assunto. O que existe são pesquisas um tanto limitadas com mulheres vítimas de estupro. Em todas elas, as participantes que receberam a medicação não desenvolveram a doença. O problema é que é muito difícil saber se o agressor era portador ou não do vírus da aids. Os trabalhos mais rigorosos são os que envolvem os profissionais de saúde. Nesses casos, as taxas de sucesso chegam a 80%. Alguns médicos não se sentem confortáveis para prescrever o coquetel profilático. "A garotada já não usa a camisinha como deveria, e tenho muito receio de que a popularização dessa terapia se transforme numa opção ao sexo seguro", diz o infectologista David Uip, do Hospital SírioLibanês, em São Paulo. Há de se levar em conta, também, que recorrer aos remédios antiaids não é tão simples quanto tomar um comprimido http://veja.abril.com.br/270208/p_100.shtml 21/10/2008 Revista VEJA | Edição 2049 | 27 de fevereiro de 2008 Página 2 de 3 para dor de cabeça. A profilaxia prevê de dois a seis comprimidos diários, ao longo de um mês, com efeitos colaterais geralmente devastadores. "Este não é, em definitivo, o momento de deixar o preservativo de lado", escreveu o médico americano Dan Bowers, num artigo sobre as conseqüências da profilaxia com remédios anti-HIV. É melhor, portanto, não esquecer a camisinha na carteira. http://veja.abril.com.br/270208/p_100.shtml 21/10/2008 Revista VEJA | Edição 2049 | 27 de fevereiro de 2008 Página 3 de 3 NIBSC/SPL http://veja.abril.com.br/270208/p_100.shtml 21/10/2008