VARIAÇÃO NO PROCESSO CONCORDÂNCIA NOMINAL: ESTUDO COMPARATIVO DAS DÉCADAS DE 70 E 90 João Carlos Tavares da Silva RESUMO: Esta pesquisa se acerca do comportamento da concordância entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal em falantes cultos cariocas das décadas de 70 e 90. Devido ao fato de a não-concordância ainda ser uma variante linguística muito estigmatizada, buscam-se, na pesquisa, resultados que possam apresentar, científica e empiricamente, os fatores condicionadores que levam à perda de marca de concordância nos elementos flexionáveis do SN. Entre os objetivos da pesquisa, destacam-se verificar: (a) uma tendência em direção à não-marcação da concordância em todos os elementos do SN no PB; (b) a variação no fenômeno da concordância entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal observáveis nesses vinte anos, indicando um possível processo de mudança de parâmetro da concordância no PB; e (c) se os resultados apresentados por Scherre (1988) se confirmam nessa pesquisa. Com os resultados, é possível propor que a marcação de plural no SN esteja deixando de ser feita pela estratégia de concordância entre os elementos do SN para ocorrer apenas na primeira posição do SN, independentemente da classe gramatical ou função dos elementos dentro do SN. Isso indica uma marcação que leva em consideração a posição do elemento no sintagma e não a função, como ocorre, por exemplo, no inglês, que marca apenas o núcleo do sintagma PALAVRAS-CHAVE: concordância; sintagma nominal; Sociolingüistica Variacionista ABSTRACT: This research discourses on the agreement among noun phrase inflective elements spoken by cultured carioca speakers from 70s until 90s. Due to the fact that non-agreement is still a strongly stigmatized linguistic variant, this research aims to seek results that are able to present scientifically and empirically the provocative factors to the loss of agreement traces in the NP inflective elements. Among the objectives, Mestrando em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro there can be stood out: (a) a tendency towards the non-agreement in all the NP elements; (b) the variability in the phenomenon of the agreement among the noun phrase inflective elements observed through the last twenty years, pointing a possible changing process in the parameter for agreement in Brazilian Portuguese; and (c) whether the results presented by Scherre (1988) are confirmed. The results suggest that the NP plural trace may occurs exclusively in the NP first position independently of the elements grammatical class and function in the NP, at the expense of the strategy of agreement among the NP elements. This indicates an agreement that prioritizes the element position in the phrase, instead of its function, as it occurs, for instance, in the English language, that presents an agreement only in the center of the phrase. KEYWORDS: concordance; noun phrases; sociolinguistic 1) Introdução Esta pesquisa se acerca do comportamento da concordância entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal em falantes cultos cariocas das décadas de 70 e 90. Buscam-se, na pesquisa, resultados que possam apresentar, científica e empiricamente, os fatores condicionadores que levam à perda ou à manutenção da marca de concordância nos elementos flexionáveis do SN. Entre os objetivos da pesquisa, destacam-se verificar: (a) a possível tendência em direção à não-marcação da concordância em todos os elementos do SN no PB; (b) a variação no fenômeno da concordância entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal observáveis nesses vinte anos, indicando um possível processo de mudança de parâmetro da concordância no PB; e (c) os resultados apresentados por Scherre (1988) comparados à presente pesquisa. Este trabalho se apoia, basicamente, nos resultados observados na tese de doutorado da Professora Doutora Maria Marta Pereira Scherre, entitulada Reanálise da concordância nominal em português, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no ano de 1988. Devido à não-concordância ainda ser alvo de forte estigma no português brasileiro, o trabalho de Marta Scherre (1988) é de fundamental relevância para mostrar a) a complexidade e a sistematicidade do fenômeno; b) a não-aleatoriedade do fenômeno, e c) os inúmeros fatores condicionadores. A autora faz dois tipos de análise dos dados: uma análise atomística, que toma como objeto de análise cada um dos constituintes flexionáveis do sintagma, e outra não-atomística, que toma todo o sintagma como objeto de análise. Assim, um sintagma do tipo “As três meninas mais bonitas” teria três objetos de análise numa visão atomística e apenas um objeto de análise – todo o sintagma – numa visão não-atomística, conforme esquema abaixo. Os parênteses limitam o elemento a ser analisado. 1a. (As) três (meninas) mais (bonitas) – atomística 1b. (As três meninas mais bonitas) – não-atomística Embora Scherre tenha demonstrado a extrema relevância da análise nãoatomística, o presente artigo se limita a uma análise atomística dos dados. Espera-se que a pesquisa contribua para um maior esclarecimento acerca do fenômeno da concordância, dando destaque aos condicionamentos estruturais que interferem na presença/ausência de marca de plural, convergindo para uma visão menos preconceituosa do fenômeno. 2) Metodologia O corpus analisado foi extraído do banco de dados do projeto VARPORTl i . Foram selecionadas treze entrevistas do tipo documentador-informante-documentador (DID), sendo seis da década de 70 e sete da década de 90, o que resultou um total de 401 dados analisados – 184 dados da década de 70 e 217, de 90. Utilizou-se o suporte teórico-metodológico da Sociolinguística de inspiração laboviana (LABOV, 1972), por pressupor a heterogeneidade ordenada dos fenômenos em variação, e, ainda, por proporcionar uma análise empírica sustentada por dados quantitativos que possibilitam a sistematização das variações e das possíveis mudanças em curso na língua. No que tange às variáveis hipotetizadas para o trabalho, consideraram-se: 1) tonicidade da palavra; 2) processo de formação de plural – marca regular (acréscimo de [s] à forma singular), plural duplo (acréscimo de [s] + metafonia), palavras com singular em /R/, em /S/, em /l/ e em -ão; 3) número de sílabas 4) classe gramatical; 5) posição do elemento no sintagma; 6) posição do elemento em relação ao núcleo (elemento nuclear, não-nuclear anteposto e não-nuclear posposto); 7) função sintática; e 8) década. 2.1) Variáveis independentes 2.1.1) Saliência fônica Este princípio consiste em estabelecer que as formas mais salientes, e por isso mais perceptíveis, são mais prováveis de serem marcadas do que as menos salientes. O pioneirismo da inclusão da saliência fônica para explicar aspectos do funcionamento sincrônico de uma língua se deve a Lemle & Naro, em estudos sobre o português do Brasil publicados em 1976 e em 1977 (cf. NARO & LEMLE, 1976: 259-68; LEMLE & NARO, 1977: 47; NARO & LEMLE, 1977: 259-68). Embora Lemle & Naro tenham focalizado o princípio da saliência fônica especialmente na concordância verbal, diversos autores o utilizaram para análises em concordância nominal como Braga (1977), Scherre (1978), Ponte (1979) e Carvalho Nina (1980). Scherre (1988) analisa três dimensões do eixo da saliência fônica: grau de diferenciação material fônica na relação singular/plural – denominada, por Scherre, processos; tonicidade da sílaba; e número de sílabas. Adotaram-se, aqui, as mesmas três dimensões da saliência fônica. 2.1.1.1) Processos Com relação ao eixo processos, espera-se que as formas com maior diferenciação na relação singular/plural (atenci[o]so - atenci[]sos, animal – animais, amor – amores) tendam a ser mais marcadas que formas com menor diferenciação entre singular/plural (carro – carros). Com isso, estabelece-se uma escala de que vai da maior à menor diferença singular/plural. Plural duplo > singular em ão > singular em /R/ > singular em /S/ > singular em /l/ > regular Cabe salientar que todas as palavras com singular em –ão, independente da saída final (-ãs, -ãos ou –ões), foram codificadas juntas. As palavras com marcação informal como (país – paisi, amor – amori) foram codificadas como aplicação da regra de concordância, levando-se em consideração que o que ocorre, nesses casos, é apenas um desgaste fonético de parte da marca de plural. Entende-se que, mesmo com a queda do [s], ainda há nítida oposição estrutural entre a forma singular e a plural. Fenômeno similar acontece na marcação de plural do artigo em espanhol. Os artigos masculinos do espanhol se opõem em singular/plural pelas formas el e los, ao passo que os femininos se opõem pelas formas la e las. O comportamento dos artigos em espanhol foi descrito por Camacho (in MUSSALIM & BENTES, 2003: 53) que afirma: Comparando com o singular “el niño”, a ausência de [s], mesmo no artigo “los”, mantém a integridade da informação de número no sintagma nominal pluralizado em “lo niño”. Não sendo possível contar com a oposição [s] x [], em função da erosão das consoantes finais na fala, o falante lança mão de outra oposição funcional com o mesmo sucesso: “el” x “lo”. Já no feminino, o fenômeno se iguala ao português como se pode observar a partir da oposição “la niña” x “las niñas”. Se o falante eliminar o segmento [s] do sintagma no plural, eliminará concomitantemente a marcação de número. (apud MUSSALIM & BENTES, 2003: 53) Fenômenos dessa natureza são comuns nas línguas naturais. Kiparsky (1972) explica tais ocorrências, postulando a existência de condições de natureza funcional, denominada por ele Condições de Distintividade. O autor explica que regras fonológicas ou morfológicas são bloqueadas quando sua aplicação torna formas em oposição indistinguíveis, mas se aplica livremente onde esta distinção é retida por uma diferença fônica. 2.1.1.2) Número de sílabas Com relação ao número de sílabas, espera-se que palavras com maior quantidade de sílabas, logo maior saliência fônica, favoreçam a aplicação da regra de pluralização. Scherre faz uma análise tríplice da variável número de sílabas: monossílabos, dissílabos e mais de duas sílabas. Nessa pesquisa, porém, optou-se por uma análise que levasse em consideração o número exato de sílabas das palavras. Sendo assim, a subdivisão dos dados ficou da seguinte forma: uma sílaba, duas sílabas, três sílabas, quatro sílabas e cinco sílabas. Não houve, no corpus analisado, palavras com mais de cinco sílabas. Fezse essa subdivisão na tentativa de verificar se poderia haver um continuum exato entre número de sílaba e aplicação da regra de concordância, ou seja, espera-se o continuum abaixo: 1 sílaba > 2 sílabas > 3 sílabas > 4 sílabas > 5 sílabas |....................................................................................| grau mínimo de concordância grau máximo de concordância 2.1.1.3) Tonicidade Com relação à Tonicidade, espera-se que os oxítonos e os monossílabos tônicos, por terem acento na sílaba em que se encontra o morfema de plural (pés, animais) favoreçam mais a aplicação da regra do que os paroxítonos e proparoxítonos, cuja sílaba final não é acentuada (castelos, rígidos). O trabalho de Scherre (1988), com o qual se quer sempre tecer comparações, analisa a tonicidade da forma singular, partindo do princípio de que o favorecimento da regra de concordância se dá pela adjunção do morfema a uma sílaba átona ou tônica, fazendo a oposição entre sílaba marcada e nãomarcada. Ao contrário, foi analisada aqui a tonicidade da forma plural, levando-se em consideração que: a) o desgaste fonético que gera a não-concordância se dá após a aplicação da regra de pluralização da palavra – o que se comprova em casos como país > paisi, amor > amori, n[o]vo > n[]vo; b) as oxítonas terminadas em R e S passam a paroxítonas após a adjunção do morfema de plural – imperador (oxítono) > imperadores (paroxítono), mês (monossílabo tônico) > meses (paroxítono). Entende-se que essa ressilabificação causa uma maior saliência fônica, ou seja, maior afastamento entre as formas singular e plural. Isso justificaria a tendência à manutenção de parte do morfema de plural – imperador > imperadori, mês > mesi. Em outras palavras, a relevância não está na tonicidade da sílaba que recebe o morfema de plural, mas na distância entre as formas singular e plural. Uma outra diferença entre a presente pesquisa e a de Scherre, em relação à quantificação dos monossílabos átonos e dos paroxítonos, é que, nesta pesquisa, essas duas variantes foram quantificadas separadamente, ao passo que Sherre opta por quantificar os monossílabos átonos e os paroxítonos como uma variante única. 2.1.2) Classe gramatical A variável classe gramatical foi dividida em seis itens: substantivos, adjetivos, artigos/ demonstrativos, quantificadores, possessivos e indefinidos. A motivação para a inclusão dessa variável na pesquisa foi verificar se alguma classe específica favorece a aplicação da concordância. 2.1.3) Posição do elemento no sintagma A inclusão dessa variável na pesquisa tem o fim de comparar os resultados obtidos com os de Scherre e com considerações feitas por outros autores, já que todos eles afirmam ser a primeira posição do sintagma a mais marcada, em oposição às outras posições. A variável posição, no trabalho de Scherre, é analisada de duas formas: linear e não-linear. No primeiro caso, cada elemento flexionável do sintagma possui um lugar específico dentro do SN, gerando as variantes posição 0 (zero), posição 1, posição 2, posição 3, posição 4 e posição 5. No segundo, leva-se em conta a posição do elemento flexionável do SN em relação ao núcleo. Foram feitos, aqui, os dois tipos de análise da posição do elemento dentro do sintagma. A linear assemelha-se à análise feita por Sherre, levando em consideração a posição de cada elemento dentro do sintagma. Com isso, obtiveram-se sete posições. Cabe ressaltar que as posições indicam o ponto exato do elemento flexionável do SN e que, para isso, não podem ser descartados os elementos não flexionáveis, ou seja, os elementos não flexionáveis importam para determinar a posição dos elementos flexionáveis, mas não são codificados. As meninas Posição 1 posição 2 mais bonitas posição 4 A análise não-linear leva em conta a posição do elemento flexionável do SN em relação ao núcleo. Sendo assim, essa variável possui três variantes: elemento nuclear, elemento anteposto ao núcleo e elemento posposto ao núcleo. 2.1.4) Função sintática A variável função sintática foi criada principalmente pela necessidade de se levar em consideração a concordância entre sujeito e predicativo, e a possibilidade de o plural não ser marcado no predicativo por já estar marcado no sujeito. A princípio, fez-se a seguinte subdivisão: sujeito, objeto direto, predicativo, Sprep e outros. A variante Sprep fez-se necessária pelo fato de não haver diferença estrutural entre as formas objeto indireto, adjunto adnominal, complemento nominal, adjunto adverbial e agente da passiva, já que são todas formas preposicionadas, tendo diferenças apenas funcionais e semânticas. A variante outros foi criada pelo fato de haver sintagmas nominais que não encontram nenhum tipo de classificação na tradição gramatical. Esses sintagmas foram separados no trabalho de Scherre em: SN de função resumitiva e SN de função abortada. O primeiro funciona como um resumo de idéias anteriores: “a gente brincava de bola (...) de soltar pipa... (...) além disso... tinha o pião... (...) a bola de gude... enfim essas brincadeiras...”. Já o segundo, são os casos em que ocorrem interrupções no discurso ou na sequência lógica do enunciado: “porque lá é assim... as pessoas... eu estava habituada lá na minha casa...”. Como os resultados dessas variantes se mostraram irrelevantes, resolveu-se amalgamar as variantes sujeito, objeto direto, Sprep e outros, criando-se as variantes SNs de plural independente – sujeito, objeto direto, sintagmas preposicionados – e SNs de plural dependente – predicativo. Com isso, espera-se que os elementos flexionáveis dentro de um SN predicativo do sujeito sejam menos marcados que os outros. 2.1.5) Década Esta variável é a de maior importância para o objetivo principal da pesquisa. Objetiva-se verificar a variação no fenômeno da concordância entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal observáveis nas décadas de 70 e 90. Com a comparação entre os dados dessas duas décadas, espera-se que a regra de aplicação da concordância nominal seja mais presente na fala dos informantes da década de 70, uma vez que se postula a hipótese de que se está perdendo gradativamente a marca de concordância /S/ no português brasileiro. 3) Análise dos resultados 3.1) Percentuais Com base na observação dos percentuais, será feito um breve comentário do que ocorreu em cada variável elaborada para a análise da concordância nominal. Os resultados das variáveis relacionadas à saliência fônica – tonicidade e processos – evidenciaram o comportamento categórico (knockout) de algumas de suas variantes. No eixo tonicidade, as variantes categoricamente marcadas foram oxítonos/monossílabos tônicos (27/27) – como locais e graus – e proparoxítonos (4/4) – rígidos. Estes dados foram excluídos para a análise estatístico-probabilística. O eixo processos apresentou cinco das seis variantes categoricamente marcadas – plural duplo (2/2) – atenci[]sos – palavras com singular em /R/ (10/10) – lugares – em /S/ (3/3) – paises - em /l/ (5/5) – animais – e em -ão (8/8) - impressões. Houve variação na regra de concordância apenas na variante marca regular – carros – gerando um grupo único (singleton group), motivo pelo qual se eliminou esse grupo de fatores. Fazendo-se uma análise qualitativa dos dados categóricos relacionados à saliência fônica, observa-se que, como se esperava, os oxítonos/monossílabos tônicos favorecem a aplicação da regra de concordância. Ao contrário, os proparoxítonos quebraram as expectativas iniciais; porém, pode-se propor que os vocábulos proparoxítonos são, em termos funcionalistas, categorias marcadas na língua. Martellotta (2005) afirma que “as formas marcadas tendem a ser menos automatizadas, a ter baixa frequência de uso e a ser mais complexas em sua forma e seu sentido”. Levando-se em conta o baixo número de palavras proparoxítonas na língua, o que consequentemente acarretaria uma baixa frequência de uso, pode-se considerar tais vocábulos marcados e, por isso, cognitivamente mais salientes. Além disso, deve-se atentar para o baixo número de dados no corpus (quatro no total). Com relação ao eixo processos, vê-se a nítida oposição entre o item menos saliente (marca regular) e os demais, corroborando a relevância da saliência fônica para a aplicação da regra de concordância. A variável classe gramatical apresentou comportamento categórico de concordância, quando o elemento sob enfoque era pronomes possessivos (9/9) e pronomes indefinidos (20/20). É muito provável que a aplicação categórica nesses casos esteja relacionada à posição desses vocábulos dentro da cadeia sintagmática e não à classe gramatical em si. Dos 20 casos de pronomes indefinidos, 11 encontram-se na primeira posição (vários personagens); 4 pertencem a Sprep, em que a preposição foi codificada como o primeiro elemento do sintagma. Sendo assim, o pronome é o segundo elemento do sintagma, porém o primeiro elemento flexionável (sem muitas dificuldades); 4 pertencem a estruturas com dois determinantes (as outras formas de diversão) e um caso mais específico de pronome indefinido substituindo parte de um numeral (...beirando uns quarenta e poucos anos). Esse último é o único caso de pronome indefinido mais afastado da posição inicial do SN. O mesmo acontece com os pronomes possessivos, em que, dos 9 dados, 5 aparecem na primeira posição (nossas cabanas); 4 dados aparecem em estruturas com dois determinantes (dos nossos avós), sendo um deles dentro de um Sprep na primeira posição (durante as minhas viagens). Das sete posições da análise linear da posição do elemento no SN, as posições 5 (um quatro mil e quinhentos metros quadrados), 6 (todas as ruas e estradas completamente limpas) e 7 (esses pacotinhos de filé de pescada congelados) apresentaram knockout. Essas posições apresentaram apenas um dado cada uma, ou seja, apenas os sintagmas exemplificados acima, motivo pelo qual foram excluídos da análise. A fim de possibilitar uma análise mais confiável e em função da quantidade de dados, no grupo de fatores função sintática, amalgamaram-se artigos/determinantes, quantificadores, pronomes possessivos e pronomes indefinidos em uma nova variante denominada determinantes. Feitas essas considerações, passa-se à apresentação dos resultados da análise multivariacional. 3.2) Variáveis selecionadas A análise computacional selecionou apenas três variáveis como relevantes para o fenômeno da concordância: posição do elemento em relação ao núcleo, década e tonicidade, respectivamente, com nível de significância 0.009. As demais variáveis não se mostraram relevantes para aplicação do fenômeno da concordância nominal. Segue abaixo a análise dos resultados. 3.2.1) Posição do elemento no SN Essa variável foi a primeira a ser selecionada e é a que apresenta maior relevância para a aplicação do fenômeno da concordância nominal. TABELA 1 POSIÇÃO DO ELEMENTO FEXIONÁVEL DO SN EM RELAÇÃO AO NÚCLEO Posição do elemento no sintagma em Aplicação/total = % Prob. relação ao núcleo Elemento anteposto ao núcleo 157/159 = 98% 0.82 Elemento nuclear 178/207 = 85% 0.26 Elemento posposto ao núcleo 30/35 = 85% 0.26 Vê-se claramente a oposição entre os elementos antepostos ao núcleo, favorecendo a regra de concordância (0.82) e os elementos nucleares e pospostos ao núcleo, desfavorecendo a aplicação da regra (0.26). A princípio, seria possível concluir que o simples fato de o elemento flexionável estar antes do núcleo é condição suficiente para favorecer a regra da concordância. Porém, é preciso atentar para as seguintes considerações: a) todos os casos antepostos são de determinantes, com exceção de um caso de adjetivo – “mas eu só tive boas impressões da Austrália”; b) dos 158 dados de determinantes, 135 estão na primeira posição do SN (as pessoas), 22 na segunda (os seus amigos) e 1 na terceira (quase todos os pratos); c) os casos de determinantes na segunda e terceira posições são de sintagmas com mais de um determinante: “as outras brincadeiras”, “as mesmas pessoas”, “quase todos os pratos”; d) apenas cinco casos de elementos da primeira posição não foram marcados, dentre eles, três de predicativos do sujeito, o que possibilita a não marcação pelo fato de o plural já vir marcado no sujeito (essas duas referências são importante); um caso de marca de plural apenas no segundo elemento (a galinhas), e um caso com dois determinantes em que o primeiro não foi marcado (todo os dois gostam...). Pode-se concluir que o primeiro elemento flexionável do sintagma é categoricamente marcado – salvo aqueles pertencentes a SNs de plural dependentes (predicativos do sujeito) – em oposição às demais posições do sintagma que sofrem variação. Com isso, chega-se às mesmas conclusões de Scherre, que afirma: não é simplesmente a primeira posição do SN que determina o índice de marcas plurais, mas sim a colocação da classe não nuclear em relação ao núcleo e o núcleo em relação à posição que ele ocupa no SN. São, então, mais marcados todos os elementos não nucleares antepostos e menos marcados todos os elementos nucleares e os pospostos ao núcleo. (SCHERRE, 1988: 476) As considerações feitas pela autora confirmam a hipótese levantada pela pesquisa acerca dessa variante. Scherre, porém, analisa o índice de marcas de plural, opondo apenas os mais marcados (antepostos ao núcleo) dos menos marcados (pospostos ao núcleo). A presente pesquisa tenta ir um pouco além e mostra que, embora a anteposição dos elementos flexionáveis em relação ao núcleo favoreça a marca de plural, o primeiro elemento flexionável do sintagma é categoricamente marcado em oposição aos demais elementos, que sofrem variação, comprovando que a primeira posição é condição ótima para aplicação da marca de plural no SN. 3.2.2) Década Esta análise em tempo real de curta duração (análise em que se comparam corpora diferentes coletados em períodos relativamente curtos, como décadas, por exemplo) possibilitou verificar uma maior tendência à não marcação dos elementos flexionáveis do SN na década de 90. A tabela abaixo apresenta os resultados dessa variável social. TABELA 2 DÉCADA: COMPARAÇÃO DAS DÉCADAS DE 70 E 90 Década Aplicação/total = % Prob. 70 177/182 = 98% 0.73 90 188/219 = 85% 0.30 Vê-se que a diferença probabilística entre as duas variantes é grande (0.43), demonstrando claramente que a concordância se mostrava mais marcada na década de 70. Os resultados acima confirmam as expectativas iniciais da pesquisa, pois mostram que falantes da década de 70 aplicavam mais a regra de concordância nominal que os falantes da década de 90, apresentando um aumento de 13% de não-concordância (2% de não-concordância para a década de 70 e 15% de não-concordância para a década de 90) nesse intervalo de vinte anos. 3.2.3) Tonicidade A tabela 3 abaixo apresenta os resultados finais dessa variável TABELA 3 TONICIDADE DOS MONOSSILABOS ÁTONOS E DOS PAROXÍTONOS Tonicidade Aplicação/total = % Prob. Monossílabos átonos 89/90 = 98% 0.56 Paroxítonos 245/280 = 87% 0.48 A análise quantitativa dos dados feita acima mostrou que os itens mais salientes – oxítonos e monossílabos tônicos, assim como os proparoxítonos, são categoricamente marcados. Os resultados que levaram em conta apenas os monossílabos átonos e os paroxítonos revelam um comportamento próximo à neutralidade (0.56 e 0.48). Cabe ressaltar, no entanto, que a tendência à marcação da concordância nos monossílabos átonos (0.56), se dá pelo fato destes ocuparem principalmente a primeira posição do sintagma. São 79 casos de monossílabos átonos em primeira posição de um total de 90 dados. Além disso, os outros 11 dados aparecem na estrutura todos(as) os(as)... (todas as facilidades) – caso em que o sintagma apresenta dois determinantes. Com isso, confirma-se a tese de que a primeira posição é a posição ótima para a marcação do plural no sintagma nominal no PB. 4) Conclusão Dos resultados alcançados neste estudo, observa-se que a marca de concordância de número se manifesta antes no elemento que está anteposto ao núcleo do SN do que no elemento nuclear ou pós-nuclear. Assim, parece se comprovar a tendência ao plural apresentar-se no primeiro elemento do SN, cancelando-se nos demais. Quanto à variável não-estrutural década, os resultados enunciam uma tendência do português brasileiro ao cancelamento da marca de concordância, tendo em vista que a análise em tempo real demonstra que os falantes da década de 70 apresentam maior aplicação da regra do que os de 90. Gradativamente, parece haver encaminhamento para a marcação apenas no primeiro elemento flexionável do SN. Em relação à variável que controlou saliência (tonicidade), os monossílabos mostram maior tendência à marca de plural, chegando-se à conclusão de que se trata de determinantes. Portanto, em posição pré-nuclear e, na maior parte dos casos, ocupando a primeira posição. Em comparação aos resultados de Scherre, das variáveis em comum às duas pesquisas, foram selecionadas em ambas a tonicidade e a posição dos elementos em relação ao núcleo (análise não-linear). A posição do elemento no SN (análise linear) e a variável processos foram selecionadas apenas na pesquisa de Scherre. As demais variáveis não se mostraram relevantes para a aplicação da regra de concordância nominal. Todas essas considerações aproximam esta pesquisa das análises expostas por Scherre (1988: 163) que afirma que a primeira posição do SN é percentualmente a mais marcada, independente da classe gramatical. Entretanto, a natureza preliminar da pesquisa e o recorte temporal feito (décadas de 70 e 90) impossibilitam inferências mais ousadas acerca da concordância nominal entre os falantes cultos cariocas atualmente e dos possíveis rumos desse fenômeno. Diante disso, pretende-se dar continuidade ao trabalho, fazendo análise de corpus atual para se comparar com os dados de 70 e 90, obtendo, assim, dois intervalos de vinte anos – de 70 a 90 e de 90 a 2010. 5) Referências bibliográficas CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolinguística: parte II. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2003. BRAGA, Maria Luiza. A Concordância de número no sintagma nominal no triângulo mineiro. Dissertação de Mestrado, PUC: Rio de Janeiro, 1977. CARVALHO NINA, Terezinha de Jesus. Concordância nominal/verbal do analfabeto na micro-região de Bragantina. Dissertação de Mestrado, PUC: Rio Grande do Sul, 1980. 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