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INTERFACES ENTRE PSICOLOGIA E GENÉTICA: UMA LEITURA SOBRE O
TRANSTORNO BIPOLAR1
PENTEADO, Raquel de Vargas²; COLLARES, Lucas de Abreu³; PEREIRA, Lilian
Lopes4; COSTA, Maira Rafaela Röhrig da³, DIAS, Ana Cristina Garcia4
1
Trabalho de Revisão - UFSM
Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil
³ Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
4
Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected];
[email protected]
2
RESUMO
O Transtorno Bipolar é uma desordem psiquiátrica severa, caracterizada por variações de
humor, que oscilam de episódios como a mania e a hipomania à depressão. Embora, a etiologia
desse transtorno permaneça desconhecida, foram elucidados fatores de hereditariedade envolvidos.
Assim, considera-se que a bipolaridade apresenta complexas interações de padrão genético nãomendeliano entre os seus genes de vulnerabilidade, juntamente com variações em componentes
ambientais. Estima-se que estudos futuros possam elucidar sua etiopatogenia genética, a fim de que
se possa atuar sobre o transtorno de maneira preventiva, por meio da elaboração de genealogias de
famílias com potencial para o desenvolvimento do TB. Pretende-se através deste trabalho demonstrar
a relevância de fatores genéticos como possíveis contribuintes para a ocorrência de transtornos
mentais, corroborando com a construção de estratégias de manejo, tratamento e prevenção de
episódios a partir da psicoedução, valendo-se de um paradigma diferenciado sobre o TB à luz da
genética e da psicologia.
Palavras-chave: Transtorno Bipolar; Genética; Psicologia.
1. INTRODUÇÃO
O Transtorno Bipolar (TB) é classificado como um transtorno de humor, sendo humor
considerado como um estado afetivo abrangente e que não está vinculado a circunstâncias
específicas. O TB é uma doença crônica, sendo oficialmente subdividida em Transtorno
Bipolar I, Transtorno Bipolar II, Transtorno Ciclotímico e Transtorno Bipolar Sem Outra
Especificação. Esse distúrbio caracteriza-se por estados de alteração de humor, com
presença de Episódios Maníacos, Mistos e Hipomaníacos, acompanhados, geralmente, por
Episódios Depressivos Maiores (DSM-IV-TR, 2002), tais episódios costumam variar,
conforme o quadro clínico, em intensidade, duração e frequência.
A característica peculiar ao TB tipo I consiste em um curso clínico de ocorrência de
um ou mais Episódios Maníacos ou Episódios Mistos. Essa forma de apresentação do
transtorno tem uma prevalência na população geral entre 0,4 a 1,6 %. O TB tipo II tem seu
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curso clínico marcado pela ocorrência de um ou mais Episódios Depressivos Maiores,
acompanhados de Episódio Hipomaníaco, com prevalência na população geral de
aproximadamente 0,5%. Já o Transtorno Ciclotímico constitui-se por ser uma perturbação
crônica e flutuante do humor, com numerosos períodos de sintomas hipomaníacos e
depressivos. O indivíduo ainda não satisfaz critérios para a identificação de episódios
hipomaníacos e depressivos maiores, e apresenta ritmos circadianos que parecem ter um
papel importante nas súbitas mudanças de humor (BORGES-OSÓRIO, 2001). Já o TB Sem
Outra Especificação caracteriza-se como um transtorno com aspectos bipolares, mas que
não satisfazem critérios para os TB específicos citados anteriormente (DSM-IV-TR, 2002).
O TB está associado a suicídio consumado, com ocorrência de 10 a 15 % entre
portadores de TB I e TBII, a transtornos por uso de álcool e outras substâncias, a
transtornos alimentares, a transtornos do sono, ao transtorno de personalidade Borderline,
ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e ao transtorno de pânico e fobia social
(DSM-IV-TR, 2002). Além disso, associa-se a prejuízos laborais, fracasso escolar e
profissional, divórcio, comportamento antissocial psicótico e a prejuízos cognitivos (DSM-IVTR, 2002). Outro aspecto relevante dessa patologia é considerar seu padrão familial, pois
estudos apontam que parentes biológicos de primeiro grau de portadores de TB têm
elevados índices de TB I e II, de Transtorno Depressivo Maior e de Transtorno relacionado a
substâncias em comparação com a população geral (DSM-IV-TR, 2002). Assim, tanto de
uma
perspectiva
biológica
como
da
observação
de
aspectos
psicológicos
e
comportamentais tem-se que o TB está associado ao sofrimento psíquico e a queda na
qualidade de vida dos portadores, bem como na de seus familiares.
Desse modo, considera-se oportuna e necessária a compreensão da etiologia
genética dessa psicopatologia, por psicólogos e profissionais da saúde mental, a fim de que
em conjunto possam promover atuações preventivas por meio do estudo de genealogias
familiares dos portadores do transtorno. Considera-se também que compreender como se
dão as relações entre os componentes genéticos e as manifestações psicológicas do
mesmo, um fator importante para se trabalhar. Intervenções psicoeducativas com
portadores e familiares sobre o TB podem auxiliar tanto o portador como a seus familiares,
na identificação de possíveis episódios da patologia, evitando a cronificação da mesma e
auxiliando no processo de adesão ao tratamento (FIGUEIREDO et al., 2009). Parte-se do
pressuposto de que a interdisciplinaridade é a melhor maneira para compreender e auxiliar
pacientes que se encontram em sofrimento psíquico, entende-se que a construção de um
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método de trabalho colaborativo de avaliação e intervenção, no qual uma área de
conhecimento presta suporte à outra, não por ser melhor, mas por ser complementar, pode
auxiliar mais efetivamente o portador de TB.
2. IMPLICAÇÕES ENTRE OS SABERES DA PSICOLOGIA E DA GENÉTICA
Atuar profissionalmente sob uma perspectiva interdisciplinar é uma tarefa difícil, visto
que pressupõe diálogo e correlações entre os multisaberes e há a necessidade do
desenvolvimento de diplomacia, pois a atuação está para além da adoção de uma simples
metodologia. Segundo Japiassu (1976), a metodologia interdisciplinar exige reflexão
profunda do conceito de saber, bem como construções e desconstruções do conhecimento.
O conhecimento, portanto, deve ser percebido não como algo estanque e cristalizado,
oriundo de uma única área do saber, mas como algo em constantes metamorfoses e
passível de ser compartilhado por diferentes fontes, atores e áreas.
No domínio da interdisciplinaridade encontramos o problema da complexidade da
prática desse conceito. Japiassu (1976) denomina esse problema como uma “patologia do
saber”. O referido autor observa que há uma fragmentação do conhecimento, em que se
sabe tudo sobre muito pouco. Para ele, o modelo interdisciplinar de prática profissional pode
ser percebido a partir de duas diferentes formas. Uma delas é de que esse modelo é reflexo
de um sintoma social, visto que denuncia a carência dos saberes pela fragmentação do
conhecimento. A outra forma de perceber a ação interdisciplinar é de que é impossível,
atualmente, diante de tantas informações, sermos detentores de todo o saber, assim, é
necessário que haja recortes, ou seja, especialidades para desenvolver o conhecimento.
A interdisciplinaridade vem agrupar tais recortes de modo que esses atuem em
conjunto objetivando um bem comum, a fim de romper estigmas e obter resultados mais
efetivos através de uma construção de conhecimento integrado. No presente trabalho
busca-se elucidar, em especial, aos profissionais da psicologia, como é importante
conhecermos as contribuições dos fatores genéticos para a ocorrência do TB.
3. VULNERABILIDADE GENÉTICA AO TB
A herança do TB é complexa, envolve vários genes. Estudos genéticos com gêmeos,
adotivos e famílias com múltiplos afetados demonstram a influência dos fatores genéticos e
ambientais na etiologia desse transtorno (ALDA, 1999; MICHELON; CORDEIRO; VALLADA,
2010; MOTTA, 2000). Os dados encontrados pelas pesquisas já realizadas sugerem a alta
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herdabilidade do TB, a qual se dá sob um modo de herança não-Mendeliano. Desta forma, o
surgimento dessa psicopatologia depende da presença de genes de vulnerabilidade e da
interação desses genes com componentes ambientais que os ativam.
Também é importante destacar que diferentes mecanismos podem estar envolvidos
com a etiopatogenia dessa doença, como: a heterogeneidade de alelos, a heterogeneidade
de locus gênico, a epistasia, o imprinting e a mutação de genes mitocondriais. Esses dois
últimos processos estão, possivelmente, envolvidos na transmissão materna do fenótipo do
transtorno (MICHELON; CORDEIRO; VALLADA, 2010; 2008). A heterogeneidade de alelos
refere-se a variações de genes alelos, ou seja, aqueles genes que ocupam a mesma
posição em cromossomos homólogos, os quais são iguais entre si e constituem um par. Já a
heterogeneidade de locus gênico corresponde às variações ocorridas no locus, local
ocupado pelo gene no cromossomo (NUSSBAUM; MCLNNES; WILLARD, 2008). A epistasia,
por sua vez, diz respeito à interação gênica em que a ação de um gene é modificada por um
ou mais genes que se associam independentemente. O imprinting é o padrão de herança
não-Mendeliano em que a transmissão do fenótipo depende da origem parental do alelo
associado à doença (MICHELON; CORDEIRO; VALLADA, 2010; 2008). Esses conceitos
permitem explicar como a transmissão genética do TB ocorre.
Dados epidemiológicos apontam que o risco para o desenvolvimento da bipolaridade
entre parentes de primeiro grau de bipolares é de 4 a 9%, quando comparado a 0,2 a 0,5%
dos parentes de pessoas não portadoras do transtorno (MOTTA, 2000). Esses indivíduos
ainda apresentam uma probabilidade de 2 a 10 vezes de virem a desenvolver Transtorno
Depressivo Maior, quando comparados a grupos-controle. Além disso, a probabilidade de
ocorrência de transtornos de humor, na prole de bipolares é de 12% (BORGES-OSÓRIO,
2001).
Estudos com gêmeos monozigóticos apontam que a concordância no TB é de 70% a
80% (MICHELON, CORDEIRO, VALLADA, 2010; MOTTA, 2000; JORDE, 2004), enquanto
nos dizigóticos é de 26,3% (MOTTA, 2000; JORDE, 2004). Também tem sido verificado que
parentes biológicos em primeiro grau de portadores de TB tipo I possuem índices relevantes
para o TB tipo I, cuja incidência varia de 4 a 24 %, para o TB tipo II de 1 a 5% e para o
Transtorno Depressivo Maior, de 2 a 24%. Parentes primeiro grau de portadores de TB tipo
II também apresentam índices elevados de TB II, TB I e Transtorno Depressivo Maior. Tais
índices fornecem consideráveis evidências da influência genética para o TB (DSM-IV-TR,
2002).
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Outro modo de investigação genética que corrobora com a presença da etiologia
genética nessa patologia, são os estudos realizados com adotivos. Por meio dessa técnica é
possível investigar a frequência de transtornos psíquicos entre pais biológicos e pais
adotivos de indivíduos que vieram a desenvolver alguma psicopatologia. Ou ainda é
possível observar a incidência de tais transtornos em filhos biológicos que foram adotados
ao nascer de pais portadores do distúrbio, comparando-os com filhos biológicos adotados ao
nascer de pais não portadores (MICHELON; CORDEIRO; VALLADA, 2008). Com essa
estratégia busca-se verificar a influência da herança e do ambiente, ou seja, em que grau
um indivíduo assemelha-se aos seus genitores biológicos e em que grau assemelha-se aos
genitores adotivos (BORGES-OSÓRIO, 2001). Pesquisas que traçam uma frequência de
transtornos de humor entre pais biológicos e pais adotivos de indivíduos que desenvolveram
o TB demonstram que os genitores biológicos, de indivíduos adotivos portadores de TB, têm
frequência média de 30% de transtornos do humor, enquanto que a frequência do transtorno
em genitores adotivos de portadores de TB é de 9% (BORGES-OSÓRIO, 2001).
Estudiosos em suas pesquisas identificaram possíveis genes, cromossomos e
regiões cromossômicas de vulnerabilidade ao TB. Eles destacaram que os genes FAT
(ABOU et al., 2008), RORB (MCGRATH et al, 2009), ANK3 (SCHULZE et al., 2009), G72
(ZULIANI et al., 2009), hNP (IZUMI et al., 2008) e o gene XBP1, gene encontrado no
Retículo Endoplasmático das céluas (KAKIUCHI et al., 2003) podem estar associados ao
TB. Já os cromossomos associados ao TB são: 4q35 (BADENHOP et al., 2001), 4, 5, 8
(MATHEWS; REUS, 2003), 11 (BORGES-OSÓRIO, 2001), 12 (OSPINA-DUQUE et al.,
2001), 15 (BORGES-OSÓRIO, 2001) 18 (MACQUEEN; HAJEK; ALDA, 2005; MATHEWS;
REUS, 2003; OSPINA-DUQUE, 2001; ALDA, 1999), 20, 21 (MATHEWS; REUS, 2003;
OSPINA-DUQUE et al., 2001; (BORGES-OSÓRIO, 2001), 22 (BADENHOP et al., 2003) e X
(BORGES-OSÓRIO, 2001). As regiões cromossômicas que se encontram envolvidas no TB
são as seguintes: 4p (BLACKWOOD; VISSCHER; MUIR, 2001), 4q (VISCHEER et al., 2005;
BLACKWOOD; VISSCHER; MUIR, 2001), 5q31-33 (HONG et al., 2004), 10p, 12q,
(BLACKWOOD; VISSCHER; MUIR, 2001), 13q (MACQUEEN; HAJEK; ALDA, 2005), 12p,
14q, 15q (ALTHOFF et al, 2005), 16p, 18q, (BLACKWOOD; VISSCHER; MUIR, 2001),
18q22-23 (HONG et al., 2004), 19q13 (IZUMI et al., 2008), 21q (BLACKWOOD; VISSCHER;
MUIR, 2001), 22q (MACQUEEN; HAJEK; ALDA, 2005) e Xq (BLACKWOOD; VISSCHER;
MUIR, 2001).
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Observou-se ainda possíveis endofenótipos associados ao TB, entre eles o que
apresenta a variação genética do gene G72 que estaria associado com densidades
diminuídas no lóbulo temporal esquerdo e na massa cinzenta da amígdala direita. Tais
associações genéticas só foram achadas em pacientes com desordem bipolar (ZULIANI et
al., 2009). Uma variação do gene hNP que afeta aspectos da memória e da inteligência,
também foi identificado em alguns portadores de TB (IZUMI et al., 2008). A hiperativação do
lóbulo pré-frontal esquerdo durante a memória de trabalho também está associada a uma
expressão gênica do TB, representando um potencial neurobiológico para a doença. Além
disso, estudos apontam que portadores do transtorno podem ter déficits de memória de
trabalho mesmo durante períodos de eutimia (DRAPIER et al., 2008).
A base genética do TB envolve uma etiologia genética complexa, em que genes
múltiplos que interagem entre si (PAYNE; POTASH; DEPAULO, 2005). Estudos de adoção,
com família e gêmeos sugestionam uma etiologia genética para esse transtorno. Estudos
genéticos
moleculares
também
apóiam
um
componente
gênico.
Muitas
regiões
cromossômicas também foram implicadas, mas não foi identificado um gene único de
suscetibilidade, além disso, é importante lembrar que o fator ambiental exerce um papel
significativo para a etiopatogenia do TB (ARISOY; ORAL, 2009).
4. CONCLUSÃO
O TB apresenta complexas interações entre os genes de vulnerabilidade e os
componentes socioambientais. O mapeamento de genes de susceptibilidade ao TB busca
conhecer as interações sociais e ambientais que contribuem na expressão da predisposição
genética para o transtorno. Porém, estudos genéticos precisarão ser complementados por
uma variedade de estratégias, inclusive farmacogenômicas e neurobiológicas, assim como
por estudo de fatores ambientais (SCHULZE, 2010). As pesquisas precisam aprofundar e
ampliar as amostras utilizadas, com o intuito de compreender como se dá a herdabilidade do
transtorno, posto que a agregação da bipolaridade também pode ocorrer em decorrência de
fatores presentes em uma mesma exposição ambiental (MICHELON; CORDEIRO;
VALLADA, 2010).
Estima-se que a partir das considerações a respeito da influência genética no TB, se
possa buscar um melhor entendimento e tratamento para essa doença, de modo a atuar
sobre a mesma de maneira preventiva. Uma das estratégias a serem utilizadas é a
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elaboração de mapas genéticos ou genealogias de famílias consideradas com potencial
risco para o desenvolvimento da bipolaridade. Esses mapas podem permitir que se realize
um trabalho clínico que enfatize as modificações no estilo de vida dessas pessoas, de modo
a reduzir a influência do meio no desencadeamento da patologia.
Salienta-se que ter uma predisposição genotípica não significa ter, necessariamente,
uma manifestação fenotípica, prova disso é que a incidência da bipolaridade em gêmeos
monozigóticos não é de 100%. Logo, ter vulnerabilidade genética para o TB, não implica
que o indivíduo desenvolverá a patologia, como proporia um paradigma cartesiano e linear,
de relação causa e efeito. Portanto, dado a complexidade da psique humana, faz-se
necessário compreender o indivíduo de modo único e singular. Considera-se então,
fundamental o trabalho interdisciplinar dos profissionais da saúde, a fim de que intervenções
multiprofissionais possam promover atuações preventivas em relação ao TB.
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