As colecções de paleontologia do Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra: acervo histórico, património singular e meio formativo para novas gerações The palaeontological collections housed in the Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra: historical specimens, heritage and teaching resources for new generations Pedro M. Callapez1,2, Júlio Fonseca Marques2, Ricardo Paredes1,2 1 Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra 2 [email protected]; [email protected] SUMÁRIO O Museu Mineralógico e Geológico (Secção do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra) possui um historial longo e notável de mais de dois séculos, enraizado na reforma pombalina da Universidade de Coimbra. As colecções de fósseis hoje expostas ou em reserva, para além do interesse científico-didáctico que despertam, constituem um testemunho excepcional do percurso histórico da investigação e do ensino da geologia estratigráfica e da paleontologia em Portugal, o qual importa preservar e divulgar. Palavras-chave: Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, colecções de paleontologia. SUMMARY The Museu Mineralógico e Geológico (Secção do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra) has a long and remarkable historical of more than two centuries, with early roots in the late XVIII century reformations of the University promoted by the Marquis of Pombal. The collections of fossils exhibited today are of highly scientific and didactic relevance, but also an exceptional testimony about the history of the stratigraphic geology and palaeontology in Portugal (researches and teaching), which should be preserved and diffused. Key-words: Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, palaeontological collections. Introdução As origens do Museu Mineralógico e Geológico e das suas colecções de paleontologia portuguesa remontam ao período pombalino e às importantes reformas que, ao tempo, se implementaram na Universidade de Coimbra, graças a esforços visionários empreendidos pelo gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, perante um país carente de desenvolvimento e afastado dos circuitos do Iluminismo Europeu. Os decénios que se seguiram à criação da Faculdade de Filosofia (1772) e à instalação do Gabinete-Museu de História Natural [1] [2] no antigo colégio jesuíta de Jesus ou das Onze Mil Virgens (fig. 1), após importantes obras de reconstrução (fig. 2) foram pautados pelo desenvolvimento crescente dos estudos de Ciências Naturais e pela compilação das primeiras colecções de produtos naturais, embrião do actual Museu de História Natural. Fig. 1 – Representação, em gravura setecentista, dos antigos colégios jesuítas da Universidade de Coimbra. O Colégio de Jesus, onde virá a funcionar o Gabinete de História Natural após a reforma pombalina de 1772, localiza-se por detrás do templo da Sé Nova de Coimbra. 825 As colecções de Paleontologia em exposição são, deste modo, uma herança moderna dos primeiros conjuntos de petrificados naturais que, pouco a pouco, se foram concentrando no antigo Gabinete de História Natural da Universidade de Coimbra, a par de muitas outras amostras de minerais e rochas de Portugal, do Brasil colonial e de diversos reinos da Europa Ocidental (figs. 4 e 5). Constituem, no seu todo, parte de um acervo composto por várias dezenas de milhares de exemplares, representativo de muitas das principais jazidas e faunas fósseis portuguesas. Fig. 2 – Reprodução da fachada do Museu de História Natural da Universidade de Coimbra, um dos primeiros a serem construídos de raiz para esse fim em todo o mundo. Destaca-se o conjunto central com um magnífico e elegante frontão apoiado sobre pilastras, contendo um baixo-relevo com uma alegoria à História Natural, outrora atribuído ao escultor Machado de Castro. Dessa época conturbada pela Revolução Francesa e pelo ressurgimento das ideias liberais, sobressaem nomes notáveis como os dos Doutores Domingos Vandelli, José Bonifácio d’Andrada e Silva e Manuel José Barjona de Freitas, entre outros, pelo papel que desempenharam na criação do núcleo museológico de que descendem os actuais espaços expositivos e colecções (fig. 3) [3] [4]. Fig. 4 – Panorâmica da galeria de paleontologia do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, há cerca de um século atrás, na época do Doutor Gonçalves Guimarães. Fig. 3 – José Bonifácio d’Andrada e Silva, enquanto patrono da independência do Brasil, representado em estátua de São Paulo [5]. Fig. 5 – Panorâmica actual da galeria de mineralogia do Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, secção da unidade orgânica Museu de História Natural da Universidade de Coimbra, criada em 1991. Desse núcleo original, inspirado pelo Iluminismo setecentista e por doutrinas de espíritos ilustres como Buffon, Werner e Hauy, muito se perdeu durante períodos menos favoráveis à preservação de acervos museológicos de inegável valor histórico, científico e formativo. O percurso histórico de Portugal é fértil em episódios conturbados, desfavoráveis ao perpetuar dos objectos e colecções, cuja eternização é o sonho quimérico de qualquer Conservador, na sua passagem fugaz pelas instituições. Mais do que um simples repositório da estratigrafia e da paleontologia das formações sedimentares do Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico de Portugal, os espécimes expostos formam um mosaico histórico da própria evolução do pensamento geológico e do 826 h) As colecções do Cretácico e Jurássico do Baixo Mondego e regiões limítrofes, efectuadas por docentes e investigadores do Museu Mineralógico e Geológico e do Departamento de Ciências da Terra, desde finais da década de 50. desenvolvimento das Ciências da Terra no nosso país. Parte das colecções de onde foram retirados são contemporâneas dos primeiros passos da Geologia, enquanto ciência, pelas terras lusitanas, produto do esforço hercúleo de Daniel Sharpe, Carlos Ribeiro, Nery Delgado, Paul Choffat e tantos outros, nos primeiros reconhecimentos geológicos e mineiros do território. Referências Bibliográficas [1] Aguiar, C. 1972. Breve memória histórica da Faculdade de Ciências no segundo centenário da reforma pombalina. Rev. Fac. Ciências da Univ. Coimbra, 47: pp. 1-32. Entre as principais colecções do acervo de paleontologia portuguesa do Museu Mineralógico e Geológico salientam-se: [2] Ricardo Jorge, A. 1943. Museus de História Natural. Iº Congr. Nac. Ciências Naturais, Relatório. Arquivos do Museu Bocage, 12: pp. 1-37. a) O núcleo primitivo de fósseis e petrificados, com espécimes do Gabinete Pombalino, a par de outros, adquiridos antes de 1850 (Moluscos bivalves e cefalópodes, corais, troncos silicificados, etc); [] Ferraz de Carvalho, A. 1941. José Bonifácio de andrada e Silva, Mineralogista. Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, 13: pp. 1-14. [4] Portugal Ferreira, M. 1990. O Museu de História Natural da Universidade de Coimbra (Secção de Mineralogia e Geologia) desde a Reforma Pombalina (1772) até à República (1910), Memórias e Notícias, Publicação do Mus. Lab. Mineral. Geol., Univ. Coimbra 110: pp. 53-76. b) A colecção estratigráfica da Comissão Geológica de Portugal. Importante acervo de duplicados, entre os quais se encontram: (1) espécimes colados sobre cartão colorido, ao estilo de Daniel Sharpe e outros com etiquetas da época de D. Pedro V(recolhas da Iª e IIª Comissões Geológicas do Reino); (2) espécimes dos primórdios da 3ª Comissão Geológica e de recolhas efectuadas por Carlos Ribeiro antes de 1880; (3) fósseis paleozóicos dos afloramentos estudados por Nery Delgado até 1906; [5] Manoel de Macedo, J. 1989. José Bonifácio, cientista: exposição comemorativa. Maity Comunicação ed., 2ª edição. Rio de Janeiro, 75 p. c) A colecção de fósseis mesozóicos da Comissão Geológica de Portugal, com classificações manuscritas em francês por Paul Choffat ou colaboradores; d) Os fósseis do Buçaco e da região de Coimbra recolhidos pelos Professores António Gonsalves Guimarães, Anselmo Ferraz de Carvalho e colaboradores, entre 1880 e os anos 30; e) O acervo de fetos fósseis do Carbónico do sinclinal de Valongo, pertencente ao Professor Júlio Henriques e datado de 1916; f) A colecção de fósseis pliocénicos de São Pedro de Moel recolhida, em inícios da década de 30, pelo Professor José Custódio de Morais e classificada por Reginald Cox, do Museu de História Natural de Londres; g) A colecção Raul de Miranda (anos 40 e 50) e outros acervos de coleccionadores da época, hoje depositados no Museu; g) As colecções de fósseis neogénicos de Porto Santo, estudadas por Gumerzindo Henriques da Silva e António Ferreira Soares; 827