1 CASAMENTO E PACTO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO QUADRO DE REFERÊNCIA CRIAÇÃO, QUEDA E REDENÇÃO AUTOR: JOSÉ ARISTIDES DOS SANTOS FILHO Um curso do Seminário Internacional de Miami Miami International Seminary 14401 Old Cutler Road Miami, FL 33158 E-mail: [email protected] Website: www.MINTS.edu Itaporanga D’ajuda - SE 2014 2 GUIA DO ESTUDANTE E DO FACILITADOR Sejam muito bem vindos ao curso Casamento e pacto: Uma análise a partir do Quadro de Referência: Criação, Queda e Redenção. Como vocês verão na introdução, esse curso não é um modelo de aconselhamento, embora possa servir para tal. Ele é um curso que visa dá base teológica para o aconselhamento de casais. Nele você encontrará (assim espero) o padrão bíblico para o casamento. Encontrará especialmente que o casamento foi criado para trazer glória ao nome de Deus e satisfação ao homem, porém o pecado estragou esse propósito e, como pecadores, sempre damos preferência a viver o casamento para nossa satisfação pessoal. Você verá que a obra de Cristo, traz redenção ao casamento também. MATERIAIS PARA O CURSO Um exemplar do livro: Reformando o Casamento: A Vida Conjugal Conforme o Evangelho. Recife: Centro de Literatura Reformada, 2013, de Douglas Wilson, para quem está cursando bacharelado. Para quem está cursando mestrado, além da leitura do primeiro livro deverá também adquirir o livro: A Graça que Vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, de Susan Hunt. Um caderno de trabalho onde escrever as tarefas Um grupo de estudo onde participar Estar inscrito em um dos programas teológicos da Instituição Cumprir com todos os requisitos acadêmicos. RESPONSABILIDADE DO ESTUDANTE Assistir as 8 horas de conferência que dão início a matéria e as 8 horas de aulas presenciais, em seu grupo de estudo. Ler as 8 lições do módulo, com seus respectivos anexos, questionários e tarefas. Para cada lição o aluno deve desenvolver em seu caderno, as tarefas respectivas e mostrá-las ao facilitador. Preparar e expor um tema de uma das lições em seu grupo de estudo, durante 20-30 minutos. Preparar e apresentar um trabalho escrito, considerando todas as normas para a apresentação de trabalhos do MINTS, sobre o pacto e o casamento. Deve ter como 3 base para este trabalho, a leitura do módulo e dos livros acima designados. Bacharelado: 5-7 páginas. Mestrado: 12-15 páginas. Apresentar um exame final escrito do conteúdo do curso. Elaborar uma ficha de leitura sobre um dos livros lidos conforme modelo do MINTS. AVALIAÇÃO DA MATÉRIA Assistir as 8 horas de conferência e as 8 horas de aulas presenciais (10%). Ler e desenvolver as 8 lições do livro com suas tarefas (20%). Todos os questionários devem ser desenvolvidos. Apresentação da ficha de leitura (10%). Cada semana o facilitador deverá revisar o cumprimento no desenvolvimento das tarefas. Preparação e exposição do tema de uma lição durante 30 minutos (10%). O facilitador nomeará cada estudante, expor o tema de uma lição. Análise escrita sobre o pacto e o casamento (30%). Cada estudante, no começo do curso, deve definir o tema a desenvolver em seu exame. Apresentar um exame final escrito dos conteúdos do curso (20%). Na quarta aula, o facilitador entregará ao estudante um exame escrito para desenvolvê-lo em 45 minutos. ESTRUTURA DO CURSO AULA 1 Capítulos 1 e 2 do módulo Para estudantes do bacharelado: leitura do livro Reformando o Casamento das páginas 1 a 54. Para estudantes do mestrado: leitura do livro Reformando o Casamento das páginas 1 a 54, e leitura do livro: A graça que vem do lar das páginas 1 a 57 (Introdução e capítulos 1 e 2). Questionários dos capítulos 1 e 2 do módulo respondido Exposições de 25% dos estudantes do grupo. AULA 2: Capítulos 3 e 4 do módulo 4 Para estudantes do bacharelado: leitura do livro Reformando o Casamento das páginas 55 a 103. Para estudantes do mestrado: leitura do livro Reformando o Casamento das páginas 55 a 103, e leitura do livro: A graça que vem do lar das páginas 58 a 114 (Capítulos 3 a 5). Questionários dos capítulos 3 e 4 do módulo respondido Exposições de mais 25% dos estudantes do grupo (Total 50%) AULA 3: Capítulos 5 e 6 do módulo Para estudantes do bacharelado: leitura do livro Reformando o Casamento das páginas 105 a 152. Para estudantes do mestrado: leitura do livro O que você esperava? Reformando o Casamento das páginas 105 a 152, e leitura do livro: A graça que vem do lar das páginas 115 a 164 (Capítulos 6 e 8). Questionários dos capítulos 5 e 6 do módulo respondido Exposições de mais 25% dos estudantes do grupo. (Total 75%). AULA 4: Capítulos 7 e 8 do módulo Para estudantes do bacharelado: confecção do trabalho escrito. Para estudantes do mestrado: leitura do livro: A graça que vem do lar das páginas 165 a 208 (Capítulos 9-10 e Conclusão) e confecção do trabalho escrito. Questionários dos capítulos 7 e 8 do módulo respondido Exposições de mais 25% dos estudantes do grupo. (Total 100%). Apresentação do exame final e entrega de trabalhos finais do curso. ESTRUTURA DA AULA Oração inicial e boas vindas (3 minutos) Chamada (2 minutos) Introdução ao tema da aula (20 minutos) Esclarecer dúvidas dos estudantes a respeito das leituras e tarefas (25 minutos) Apresentação de resumos da semana e exposição (50 minutos) 5 Assinalação para próxima aula (20 minutos) Oração e despedida (10 minutos). Dedicar um bom tempo para orar uns com os outros. NÃO ESQUEÇA Na quarta aula deve entregar seu trabalho final. Todos os estudantes devem entregar a ficha de leitura do livro designado. Os coordenadores são orientados a primar pelos acordos que fazem com os alunos. Os alunos que, por exemplo, não apresentarem os seus temas nos dias designados, podem ter as suas notas diminuídas pelo coordenador. Nenhum aluno pode ser aprovado no módulo se não fizer o exame e não entregar o trabalho escrito final. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08 Lição 1. A suficiência das Escrituras por um prato de lentilhas: a troca da Escritura pela psicologia no Aconselhamento de casais ..............................................................................13 1.1. Conceitos psicológicos ............................................................................................15 1.1.1. O problema desfocado – minimizando o pecado ..........................................17 1.1.2. Falsa Redenção ..............................................................................................21 1.1.3. Vitimização ....................................................................................................23 Lição 2. Conceitos bíblicos: abrangentes e teorreferentes – o que o conselheiro traz como pressuposto para o aconselhamento de casais? ...................................................................28 1.2.1. O homem na criação - Santidade e com responsabilidade ante Deus ...........29 1.2.2. Fonte de entendimento e ponto de partida para a redenção dos problemas humanos ..............................................................................................................................31 1.2.3. O problema humano e sua redenção ..............................................................32 Lição 3. O propósito de Deus para o casamento (CRIAÇÃO) ...........................................35 3.1. As Circunstâncias da Celebração ............................................................................39 3.1.1. Circunstâncias ambientais perfeitas ..............................................................39 3.1.2. Circunstâncias sociais perfeitas .....................................................................40 3.1.3. Circunstâncias morais perfeitas .....................................................................42 3.1.4. Circunstâncias espirituais perfeitas ...............................................................43 3.1.5. Obediência: A condição estabelecida ............................................................44 Lição 4. Casamento e pacto – o homem um ser pactual (teorreferência) .........................45 3.2.1. Expressar o amor e a bondade do Criador .....................................................47 3.2.2. Expressar comunhão com o Criador ..............................................................48 3.2.3. Expressar culto e adoração ao Criador ..........................................................49 3.2.4. Um Propósito mais abrangente: Glorificar a Deus ........................................51 Capítulo 5. Obstáculos ao propósito do casamento (QUEDA) ..........................................54 5.1. Pacto e Idolatria: circunstâncias, propósito e pacto revertidos ................................56 5.1.1. Propósito corrompido: começa a luta pelo poder ..........................................57 5.1.2. Autonomia e egorreferência - a incapacidade de servir aos propósitos de Deus..........................................................................................................................................59 5.1.3. Deus versus ídolos: a perda do referencial ....................................................62 Capítulo 6. Teorreferência negativa no..............................................................64 7 6.1. Estabelecendo nosso próprio reino – o engano do coração ..............................65 6.2. Reino e as circunstâncias: meu cônjuge existe para minha felicidade? ...........67 6.3. Reino e o merecimento do cônjuge ..................................................................69 Capítulo 7. Restaurando o propósito de Deus para o casamento (REDENÇÃO) ............73 7.1. Redenção em Cristo . ...............................................................................................74 4.1.1. A Justificação pela Fé e o Casamento ...........................................................77 4.1.2. Encontrando propósito do casamento em Cristo ...........................................78 Capítulo 8. A obra de Cristo Aplicada e o Casamento ..............................................81 8.1. Perdoados e perdoando .....................................................................................81 8.2. Somos pecadores, por isso, precisamos da graça e perdão de Deus .................87 8.3. O cônjuge também é pecador, por isso precisa da graça e perdão de Deus .....88 CONCLUSÃO ........................................................................................................................91 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................93 8 INTRODUÇÃO O governo brasileiro sancionou uma nova lei, em Julho de 2010, na verdade uma emenda constitucional, a 66, que desobriga os casais de entrarem com um processo de separação para depois solicitarem o processo de divórcio. O que era mais difícil, o divórcio, se tornou mais fácil. O principal responsável pela mudança que acelerou o pedido de divórcio é o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). Seu presidente, Rodrigo da Cunha Pereira, diz que as mudanças seguem uma tendência de menor intervenção do Estado na vida do cidadão, e que os contrários à aprovação adotam um discurso moralista “perigoso”. Para ele, a separação judicial é um instituto anacrônico, sustentado por um discurso religioso. O pleito do Instituto Brasileiro de Direito da Família, é que as pessoas possam se divorciar com mais facilidade. As alegadas razões para isso, diz um artigo na internet 1, são: a menor intervenção do Estado na vida do cidadão (individualismo) e, a economia que gerará para o governo (visto que não terão muitos processos). Registra-se uma troca da familia, instituida por Deus, pelo individualismo e pelo dinheiro, pela economia. Não é sem razão que o divórcio tem aumentado no Brasil. A razão é que as familias estão estabelecendo-se em princípios da psicologia ou da sociologia, meramente humanos como compatibilidade, finanças, e, talvez de forma mais especial, fundamentada na busca da felicidade pessoal. Fazendo desse último um projeto inalienável. Não é nada novo entretanto. O dr. Wadislau Gomes diz que “a crise da familia não é de hoje. Parece nova, mas a verdade é que o processo de distância entre homens e Deus se adapta ao tempo. Cada vez a distância é maior para o ser humano”.2 A pressão social sobre a familia é difícil de ser exagerada. O foco em carreiras profissionais; o materialismo; o movimento feminista com a sua forte depreciação da mulher; as constantes investidas do governo na promoção do homossexualismo e da familia alternativa; a promoção da imoralidade por parte da mídia, são algumas das investidas que tem trazido desorganização, falta de compromisso, pobreza de relacionamento e divórcio nas famílias. O perigo vem de vermos a familia como uma instituição meramente social. 1 2 http://www.conjur.com.br/2010-jul-17/lei-divorcio-acaba-possibilidade-separacao-judicial GOMES, Wadislau Martins. Força para a Família na Crise Moderna. Brasília: Refúgio, 1995, p. 13. 9 Por outro lado, temos um esforço para fazer a familia “funcionar”. Livros estão sendo escritos com o propósito de ajudar casais a manusearem suas dificuldades e sairem das frequentes crises que se impõem sobre o casamento. Como nada é feito desprovido de pressupostos subjacentes esses livros parecem trazer uma teologia defeituosa de que com o entendimento básico de algumas técnicas de comunicação, de resolução de conflitos, de troca de favores, de satisfação de necessidades3, entre outros tantos temas – teremos uma familia feliz e bem estruturada. O que temos por trás disso, em função da queda, é uma vida orientada para a idolatria, uma vida centrada no próprio eu rebelde, ao invés de uma existência para a glória de Deus e ainda, um defeituoso entendimento de doutrinas bíblicas essenciais ou, ainda pior, o total desconhecimento delas. Um entendimento de que podemos, por nós próprios, alcançar um padrão de felicidade. Assim, não temos necessidade de um Salvador, de um Redentor. Podemos conseguir dentro de nós próprios a força que precisamos para soerguermos casamentos e relacionamentos destruídos. Nesse caso, o nosso relacionamento é apenas no nível humano. Fomos criados por Deus para nos satisfazermos nele e só nele. Como pecadores, entretanto, temos uma tendência a buscar essa felicidade em outra fonte que não o Senhor. Fabiano Oliveira nos alerta para o fato de que “A queda do homem no pecado não anulou este estado de coisas (o fato de que fomos criados para nos relacionarmos com Deus), mas alterou o funcionamento da dinâmica interna do seu coração, imprimindo-lhe uma direção apóstata. Se antes da queda o coração humano era religiosamente qualificado pelo ser-para-Deus em amor e obediência, após a queda o coração passou a ser religiosamente qualificado pelo ser-para-Deus em apostasia e rebelião, o que pode ser dito de outra forma: ser-para-um-ídolo4. Assim, permanece a estrutura, mas a direção está mudada. Não pensamos em outra coisa, e essa tal felicidade, seja lá o que for isso, acaba sendo buscada num ídolo funcional. Esse curso do Seminário Internacional de Miami visa mostrar que precisamos corrigir a nossa visão sobre casamento e familia. O pensamento que domina esse trabalho é que Deus instituiu o casamento para a sua própria glória e secundariamente, enquanto cumprimos esse 3 Dois exemplos sobre esse assunto são os livros de Larry Crabb sobre família e os livros de CHAPMAN, Gary As Cinco Linguagens do Amor, Mundo Cristão, 1997. Esse último tem vários livros similares destinados a adolescentes, crianças, solteiros, etc. Os pressupostos básicos desses autores é que se eu fizer algo para suprir as necessidades do meu cônjuge, ele ou ela, fará algo para suprir as minhas. Assim, caminhamos em busca de satisfazer as nossas necessidades manipulando os outros. Não negamos entretanto, que os livros tenham pontos importantes e que precisam de fato ser assimilados e praticados pelas famílias. No entanto, os pressupostos onde eles constroem são defeituosos, e claro, todo o edifício se torna defeituoso. 4 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões críticas sobre Weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisões numa perspectiva teo-referente. Fides Reformata, v. XIII, n. 1, 2008. 10 primeiro propósito, sermos também felizes ao modo de Deus. Isso, como veremos mais adiante está no pacto da criação. O ensino bíblico acerca do pacto de Deus com o Seu povo nos mostra que essa verdade deve ser vivida em todos os âmbitos e aspectos da nossa vida. Ela não é apenas uma teoria relegada a admiração, mas que não tem implicações práticas. Esse curso, devemos ter em mente logo de início, não trata necessariamente de um método de aconselhamento, mas de pressupostos teológicos que devem nortear o nosso aconselhamento. As leituras assignadas para os estudantes mostrarão como usar o material para o tão necessário aconselhamento de casais. Assim esperamos. De onde vêm os nossos problemas? Por que marido e mulher têm conflitos, e mesmo com alguns esforços próprios não conseguem uma mudança que seja permanente? Por que não entendemos o agir de nosso cônjuge? E mais: Qual o propósito para o qual Deus criou o casamento? Para a nossa felicidade apenas? Ou para sua própria glória? Qual dos dois objetivos deve ser perseguido por nós primordialmente? Existe como conciliar os dois? Não devemos evitar a verdade de que Deus ao instituir o casamento, visava o bem e a felicidade do homem. Nem, muito menos, devemos colocar interrogações no fato de que a vontade do Criador é que suas criaturas se deleitem com a criação. Defenderemos que o Criador tinha um propósito para o casamento: a Sua própria glória, e que essa busca por parte dos portadores da sua imagem, irá redundar em sua própria felicidade e satisfação. Apenas buscando a glória de Deus no seu casamento, é que os homens poderão encontrar a verdadeira felicidade. Isso está posto na primeira pergunta e resposta do Breve Catecismo de Westminster. A pergunta: “Qual é o fim principal do homem?” A resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre. Assim, desenvolveremos um esboço para a concretização dessa empreitada. O primeiro capítulo contém uma análise bíblica de alguns segmentos da psicologia, das suas teorias e métodos de como encontrar a felicidade. Em alguns desses segmentos encontraremos “momentos de verdade”, mas também, encontraremos elementos negativos. Dado que vivemos numa sociedade psicologizada, faz-se necessário fazermos aqui um contraponto com a cosmovisão cristã. Não se trata de condenar tudo o que advogam as diversas escolas de psicologia, mas de analisarmos o que é incompatível com a fé cristã. No segundo capítulo teremos uma análise da visão cristã a respeito do homem. A antropologia cristã trará contrapontos e, em algumas ocasiões uma cosmovisão completamente diferente da esposada pela psicologia. 11 No terceiro capitulo, depois dos assuntos basilares e preliminares dos primeiros, discutiremos de forma mais específica o casamento dentro do pacto. Usaremos para esse fim o quadro de referência Criação-Queda-Redenção5. Assim nos capítulos três e quatro veremos o aspecto da criação. Veremos que Deus criou todas as coisas perfeitas. E, ao criar o homem fez um pacto com ele que atinge todas as gerações, porquanto Adão era o representante da raça humana. Nele, Deus expressa a vontade de que o homem ande com ele. O matrimônio é uma dádiva do Criador a todo gênero humano e não apenas aos crentes. Como um ser pactual, nos diz Susan Hunt, todas as esferas da vida humana devem ser enxergadas sob a ótica do relacionamento amoroso e misericordioso do Criador com as suas criaturas6. O propósito do casamento era a glória de Deus7. Era e continua sendo. Os quinto e sexto capítulos investigam como a desobediência do homem afeta esse propósito. Com a queda ficou subvertida a “nossa habilidade de entender o mundo sem a graça regeneradora de Deus”8. Obviamente isso se aplica ao casamento. A partir da queda nos tornamos idólatras. Perdemos o referencial. E começamos a desintegrar a família porque queremos estabelecer o nosso próprio reino. Começamos a idolatrar algumas coisas. A idolatria é quando estou tentando suprir uma necessidade que acho que não podem suprir. Gomes diz que escolhemos um ídolo, seja ele qual for, como forma de redenção sem Deus.9 Por fim, completando o quadro de referência, consideramos nos sétimo e oitavo capítulos, o aspecto da redenção. Assim, como em todas as áreas, abrangentemente a redenção está em Cristo. Nesse ponto somos instados a analisar o nosso casamento e família a partir da redenção em Cristo. “...nada nem ninguém, nem (nós mesmos) pode suprir as nossas necessidades, senão Deus”. Cristo é, segundo Paulo, em Efésios 5.21-33, o modelo do casamento. No último capítulo, mostramos como encontramos propósito para o casamento em Cristo, o segundo Adão, que cumpre o pacto integralmente. Com alguns exemplos práticos faremos uma breve aplicação de tudo o que é discutido nesse trabalho. Com isso, queremos mostrar que na Bíblia, encontramos os recursos que precisamos para um casamento para a glória de Deus. 5 Esse quadro de referência bíblico serve para mostrar que nada está fora das categorias bíblicas, bem como nos dá uma estrutura para pensarmos a vida em todos os seus compartimentos. Ele nos revela que Deus, como realidade última e auto-existente criou o mundo para a Sua glória. Deus criou tudo perfeito. Mas, a queda do homem em pecado danificou a criação de Deus. E esse dano, faz com que o homem absolutize algum aspecto da criação e o torne seu deus funcional. Apesar de todas as tentativas de redenção humana, apenas em Jesus Cristo somos redimidos. Esse quadro, como dito acima serve para nos orientar. 6 HUNT, Susan. A Graça que Vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, pg. 12. 7 PIPER, John. Casamento Temporário. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, pg. 22. 8 PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – Libertando o Cristianismo de seu Cativeiro Cultural, CPAD, Rio de Janeiro, 2006, pg. 50. 9 GOMES, Wadislau Martins. Força para a Família na Crise Moderna. Brasília: Refúgio, 1995, pg. 41. 12 Hunt nos diz que o casamento é, na realidade, uma questão de teologia10. Nele deve está refletida a glória do Criador. O que temos de decidir é se somos bons ou maus teólogos. Para a consecução desse trabalho, lançaremos mão do método da pesquisa bibliográfica analisando criticamente o que é esposado pelos autores. Um último detalhe: o aluno atento perceberá que as lições desse módulo foram escritas em pares. As duas primeiras lições nos apresentam o assunto do aconselhamento introdutoriamente. As lições 3 e 4 nos trabalham o propósito do casamento na criação. As lições 5 e 6 exploram como a queda afeta o casamento. E as lições 7 e 8 abordam a redenção do casamento em Cristo. Percebendo isso, o estudante estará em melhores condições de entender o material. Que o Deus do pacto, na sua misericórdia nos abençoe de forma que possamos ser fiéis em vivermos nossos casamentos para a Sua glória. 10 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 15. Ver também HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007. 13 LIÇÃO 1: A SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS POR UM PRATO DE LENTILHAS: A TROCA DA ESCRITURA PELA PSICOLOGIA NO ACONSELHAMENTO DE CASAIS INTRODUÇÃO: O uso da psicologia no aconselhamento é amplamente discutido no meio evangélico. A acirrada discussão é quanto ao uso ou não desse campo do conhecimento no aconselhamento pastoral. A grande maioria a abraça de forma servil. Crêem que pastores, família, amigos e a igreja têm um papel importante na vida das pessoas, mas se essas tiverem um problema psicológico “de verdade”, devem ser, sem demora, encaminhados a um especialista. Assim, Ruthe Reinhold conclui: Os cristãos procuram auxílio de médicos, para todo tipo de doença física e emocional. Eles se beneficiam dos conhecimentos científicos que não têm menção nenhuma na Bíblia. Sem grandes reflexões e questionamentos eles incorporam em seu dia-a-dia as descobertas da ciência e os avanços da tecnologia: aviões, imprensa, telecomunicações, etc. Por que só a Psicologia e a Psicoterapia são excluídas? Por que deveria ser inaceitável as descobertas nas áreas de Psicoterapia, Psicologia, Psiquiatria.11 Indo além os cristãos seriam, numa ilustração simples, como um grupo de apoio no meio de uma corrida. Se alguém está com sede, os cristãos entram em cena, distribuindo copos d’água e fazendo a sua parte. Mas se alguém quebra o braço, por exemplo, chame um ortopedista. Nesse caso oferecemos encorajamento, mas se o problema é mais sério então “um especialista altamente treinado, como um psicoterapeuta ou psiquiatra” 12 deve ser imediatamente acionado. Do outro lado da discussão temos os que desprezam completamente a psicologia e seus sistemas. Este grupo – acertadamente em algumas ocasiões, mas também equivocadamente em outras – denuncia os erros e os pressupostos incompatíveis com a fé cristã. Algumas vezes, “a retórica inflamatória vem disfarçada de intrépida denúncia do erro”13, algo que certamente devemos evitar, ainda que nos seja custoso. Porém, a denúncia deve sempre ser feita, a fim de que não incorramos numa síntese entre o pensamento bíblico e o pensamento da Psicologia, onde estes se mostrarem opostos. 11 REINHOLD, Ruthe. Prática do Aconselhamento Terapêutico. Curitiba: Luz e Vida, 2000, p.12. CRABB, Larry. ALLENDER, Dan. Esperança do Sofrimento. São Paulo: Sepal, 2ª. Ed., 2000, p. 111. 13 CRABB, Larry. Como Compreender as Pessoas: Fundamentos Bíblicos e Psicológicos para Desenvolver Relacionamentos Saudáveis. São Paulo: Vida, 2001, p. 13. 12 14 Devemos lembrar “...que pressupõe-se que exista uma ideologia no início de qualquer pensamento psicológico: a propósito, a história mostra que não há uma psicologia sem pressupostos”14. Nesse ponto é bom lembrar que o maior erro que cometemos é quando tentamos encontrar equivalentes bíblicos para expressões psicológicas 15, lendo as Escrituras com os óculos da psicologia. Ao contrário, para nos resguardarmos adequadamente, devemos ler a psicologia com os óculos das Escrituras. E levar em mente que “a Escritura é a única escrutinadora das observações e formuladora de ajuda. Ela não pretende ser terapêutica, ainda que num sentido abrangente, o seja; pretende sim, ser redentiva, promovendo não a solução dos problemas, mas o conhecimento de Deus que justifica e santifica com resultados de transformação e cura”16. Assim, a nossa crítica à psicologia deve ser biblicamente embasada e com a maior justiça possível. Lembrando que “as observações da psicologia podem ajudar muito no preparo do conselheiro e na condução do processo de aconselhamento, conquanto seja resguardada a soberania da fé revelada na Escritura...”17. Levando isso em conta, atentemos para o fato de que a psicologia tem problemas nas áreas da ontologia, ética, epistemologia e teleologia (e muito mais!). Para a psicologia (e outras ramos da ciência) o homem não é o ser criado à imagem e semelhança de Deus, mas um ser que se pretende autônomo. Não deve prestar contas a ninguém do que faz, porquanto é padrão para si mesmo. O conhecimento que deriva do homem exclui Deus também como aquele que revela na Sua Palavra quem é o homem que Ele criou. O conhecimento de quem é o homem da psicologia é derivado basicamente de revelações feitas pelo próprio homem e da observação do seu comportamento, ao invés de baseada na revelação de Deus sobre o homem. E, finalmente, teleologicamente a finalidade do homem, para a psicologia é a autorrealização. Assim, as psicologias têm visões diferentes e antagônicas às do cristianismo para cada assunto citado. E, como assinalado acima, sem referência a Deus. Acertam em algumas as observações, porém pecam nos seus pressupostos. O Dr. Davi Charles Gomes destaca que... A despeito de uma vasta gama de ênfases e paradigmas distintos no universo da psicologia moderna desde a época de Freud, o lastro comum a todos os seus construtos preserva, de uma forma ou de outra, pelo menos três pressupostos que, mesmo ostensivamente repudiados por alguns, permanecem centrais à sua superestrutura básica: (1) determinismo (quer metodológico, quer empírico ou mesmo metafísico), (2) materialismo 14 CENCINI, Amadeo. MANENTI, Alessandro. Psicologia e Formação: Estruturas e Dinamismo. São Paulo: Paulinas, 2ª. Ed., 1988. p. 129. 15 GOMES, Wadislau Martins. Nota de classe no Centro de Pós-graduação Andrew Jumper, Abril de 2011. 16 Idem. Coração e Sexualidade. Brasília: Refúgio, 1999, pp. 17 e 18. Ênfase do autor. 17 Idem. Aconselhamento Bíblico Redentivo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, pg. 9. 15 monista, e (3) confirmabilidade intersubjetiva. Essas três categorias pressuposicionais excluem de princípio a posição cristã18. Por essa razão, precisamos das Escrituras no aconselhamento de casais. Precisamos dela como guia, guardiã e bússola. Guia quando nos tem algo a dizer diretamente. Guardiã quando algum assunto não é claramente definido, nos advertindo sobre os maus e bons caminhos de qualquer assunto, incluso a psicologia. Bússola quando indica qual a direção a seguir19. Talvez seja importante assinalar aqui que não estamos falando de pessoas, de cada psicólogo ou psiquiatra individualmente, mas estamos falando do sistema – ou sistemas – de pensamentos, de pressupostos como assinalado acima. Estamos fazendo uma análise tendo como referencial as Escrituras Sagradas. Não cremos que todos os psicólogos são ateus, nem que vão, de forma consciente e proposital, prejudicar a fé cristã, mas percebemos que os seus pressupostos são, sim, negativamente teorreferentes. Assim, analisemos os conceitos psicológicos acerca do homem e conseqüentemente do casamento. 1.1. CONCEITOS PSICOLÓGICOS Todos os sistemas têm as suas crenças. Cada sistema de aconselhamento tem seu conjunto de crenças e valores que moldam o seu trabalho com os seus pacientes. É a partir desse conjunto que abordamos aqueles que nos procuram em busca de ajuda. Freud, por exemplo, influenciado pela ideia feuerbachiana de que Deus não passa da projeção de um desejo, cria que a religião era uma forma distorcida de neurose 20. A religião para Freud nada mais é “do que uma resposta imatura à consciência da impotência”21. O dr. Davi Charles Gomes analisando as raízes religiosas do movimento psicoterápico, nos mostra que Freud e Skinner, entre outros pensadores “teorizam quanto à psicologia humana como uma percepção aguçada da antítese intrínseca entre a fé cristã e os seus sistemas – tendo em comum a certeza de que a psicologia deveria finalmente, suplantar a 18 GOMES, Davi Charles. A metafísica Vantiliana: Uma incursão Preliminar. In: Fides Reformata XI, n°. 1 (2006), pg. 114. Nota de rodapé 3. 19 GOMES, Wadislau Martins. Aconselhamento Bíblico Redentivo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, pg. 10. 20 SCHULTZ, Duane P. SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia Moderna. Brasil: Cengage Leraning, 2ª. Edição, 2009, pp. 380-381. É bom lembrar que no início a psicanálise de Freud foi vista com maus olhos pela “psicologia acadêmica”. Além do fato de que os americanos viam os trabalhos dos alemães com maus olhos. Entretanto, com o passar do tempo, notadamente a partir da década de 50, a psicologia acabou incorporando os conceitos de Freud, sendo hoje parte da psicologia contemporânea. 21 MCGRATH, Alister. Apologética Cristã no Século XXI. São Paulo: Vida, 2008, p. 183. 16 religião 22 ”´. Freud, escreve Gomes, chega a afirmar, que a fé cristã é “tão patentemente infantil e tão estranha à realidade que, para qualquer pessoa que manifeste atitude amistosa em relação à humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar essa visão da vida23”. Assim, o que desejamos ressaltar é que devemos assegurar que não existe objetividade cientifica. Não existe nada como alguém neutro, analisando dados e chegando friamente a resultados24. Cada sistema tem as suas crenças, repito. E como cremos, todos esses ditos sistemas estão religiosamente orientados. Todos são teorreferentes. Positiva ou negativamente25. O termo teorreferente é um conceito empregado por D. C. Gomes para indicar que Deus é o ponto de referência último de toda existência tanto do homem regenerado, pelo poder do Espírito e da Palavra de Deus, quanto do homem não-regenerado... A teorreferência negativa, como é qualificada a existência do homem em constante apostasia, se dá sempre como forma de emancipação em relação a Deus e rebelião contra a sua Palavra. A teorreferência positiva indica a existência e a apreensão da realidade no interior de um contexto de significado redentivo ou biblicamente orientada. A teorreferência (negativa ou positiva) é a condição originária de todo horizonte de compreensão e interpretação humanas. Isso quer dizer que a vida-nomundo será sempre encarada no interior de um campo de significado de amor ou de rebelião contra Deus26. Deus é o ponto de referência para todos. Não se trata de uma repulsa a qualquer coisa que seja escrita por um não cristão. Trata-se antes, de lembrarmos que, no mundo, temos unicamente dois tipos cosmovisões: a do não-regenerado e a do regenerado27. O primeiro, ver o mundo a partir de uma cosmovisão em que a revelação de Deus, nas Escrituras, não é levada em conta. Define o homem e suas relações sem referência ao Criador, definindo-o a partir de si mesmo. O segundo tem como ponto de partida uma teorreferência positiva, biblicamente orientada como na citação acima. Obviamente, os pressupostos de cada teoria da psicologia e do aconselhamento têm repercussão sobre a forma de abordagem do homem e conseqüentemente dos problemas no casamento, já que temos aqui dois seres humanos unidos. 22 “O ponto de vista sobre a GOMES, Davi Charles. A metafísica Vantiliana: Uma incursão Preliminar. In: Fides Reformata XI, n°. 1 (2006), pg. 115. 23 Ibid., p. 114. 24 EDGAR, William. Razões do Coração: Reconquistando a Persuasão Cristã. Brasília: Refúgio, 2000, p. 93ss. 25 O termo teo-referente foi apresentado a mim pelo rev. Fabiano Almeida, professor do Centro de PósGraduação Andrew Jumper. 26 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões Críticas sobre Weltanschauung: Uma Análise do Processo de Formação e Compartilhamento de Cosmovisões numa Perspectiva Teo-Referente. Artigo distribuído em sala de aula, em Agosto de 2008. Nota de Rodapé nº. 1. 27 GOMES, Wadislau Martins. Nota de classe no Centro de Pós-graduação Andrew Jumper, Abril de 2011. 17 motivação humana estabelece cada detalhe das teorias e da prática”28. E, as teorias definem os vários problemas do ser humano, como sendo predisposição genética, impulsos reforçados por estímulos de recompensa, co-dependência, auto-estima ou sentimento de inferioridade, combinação astral desfavorável, demônios, etc. E, óbvio, para cada uma delas uma solução: tomar medicação, expulsão de demônios, se resguardar em dias astrais desfavoráveis, etc. Falando especificamente da psicologia, alguns dos mais conhecidos e propagados autores e suas teorias de aconselhamento estão negativamente voltados para Deus. Eles estão nos seus fundamentos religiosamente orientados. Nesse caso, numa teorreferência negativa. É importante falarmos sobre isso, porque os casais nos procuram com uma enorme carga psicológica, porquanto vivemos numa sociedade “psicologizada”. Não podemos ignorála nem atacá-la sem bases. Para construir um sistema de aconselhamento de casais, precisamos lidar com a psicologia. Na expectativa de ajudar as pessoas, precisamos entender como elas pensam para procurar ajudá-la, apresentando-lhes à verdade eterna de Deus, e à obra transformadora de Cristo. 1.1.1. O problema desfocado – minimizando o pecado Vale lembrar antes que “psicólogos incrédulos não puderam evitar a constatação de aspectos da glória divina plasmada no ser humano. Cada gênio da psicologia viu algo da luz de Deus refletida no homem, mas nenhum deles pode ver, do seu ponto de vista, a totalidade do homem em referência a Deus”29. O que, em última análise, caracteriza as psicologias como reducionistas. Conquanto, os psicólogos tenham ajudado a desvendar muitos “mistérios” da mente humana, e desenvolvido várias técnicas e explicações adequadas para os problemas humanos por meio da observação, suas soluções são uma indicação do quanto o homem natural é movido para viver sem Deus no mundo30. Há que haver um diálogo, mas não pode haver uma assimilação irrestrita de tudo quanto é ensinado pelas psicologias. Vejamos um resumo dos pressupostos de alguns dos mais famosos e celebrados homens da psicologia: 28 POWLISON, David. Perguntas Raio-X: Descobrindo os porquês e os motivos do comportamento humano. In: Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, vol. I, Atibaia: SBPV, 2004, p. 3. 29 GOMES, Wadislau Martins. Quem venceria uma luta entre o super-homem e o super-mouse? Acessado em: 30 No livro A árvore da Cura: Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995. 487 pp., Roger F. Hurding, faz uma análise histórica e metodológica, bem como uma avaliação de cada uma das correntes psicológicas bem como dos principais proponentes do aconselhamento cristão, incluindo nomes como os de Jay Adams, Larry Crabb e outros. Com justiça ele analisa todas essas correntes. 18 a) Sigmund Freud – Freud vê o homem como um animal com impulso e fala de dois impulsos básicos procurando satisfação: a) o impulso do prazer sexual e, b) o impulso para o poder e a destruição. Negá-los traz problemas emocionais. A cura para o problema é: descobri a motivação que há por trás de tudo; amolecer a consciência ao ponto em que o motivo de autogratificação se torne aceitável, e; promover autogratificação dentro dos limites da realidade e da aceitabilidade pessoal. Assim, retira-se o peso da consciência. Na solução proposta podemos claramente ver não há menção de Deus. Deus é extraído da vida humana por Freud. De forma que o pecado é minimizado. Sua cosmovisão era orientada negativamente em referência a Deus. A idéia de que temos de prestar contas a Deus não aparece na cadeia de conceitos freudianos, e, como veremos, nem em alguns outros ramos da psicologia. Freud insistia, também, que a consciência é basicamente a voz implicante dos pais na psique durante a infância31. Não negamos que isso seja influente na vida das pessoas, porém, o cristão “prefere acrescentar que Deus está também agindo, buscando desafiar e educar a consciência mediante seu Espírito” 32 , sem negar a responsabilidade da própria pessoa no processo. Não somos apenas vítimas, também somos agentes. Os freudianos entendem que o problema do homem é um problema apenas de ordem instintiva. Ele ver o homem como um animal. Atribuem os problemas humanos aos instintos sexuais básicos reprimidos. Para eles, o problema da pessoa está no seu passado e porque no seu ambiente ela se tornou vítima de outras pessoas. O que fazem os freudianos para solucionar os problemas das pessoas? A cura vem por meio de um processo longo, onde se descobre a motivação que há por trás de cada detalhe contado pelo paciente. Depois amolece-se a consciência do indivíduo de forma que ele possa autogratificar-se dentro de limites aceitáveis. Os problemas estão relacionados com restrições, com pessoas, etc. O homem é apenas uma vítima das circunstâncias e instintos. Ele, segundo essa teoria psicológica tem referência apenas a outros homens; um pai alcoólatra, cruel; ou a maligna sociedade, ou o que quer que seja. E a cura também está num homem, o especialista. O método que Freud usava – que ele chamou de psicanálise – envolvia três técnicas: associação livre (onde não há intervenção do psicanalista, nem mesmo sugestões da parte deste), análise dos sonhos e analise dos atos falhos (esquecimentos, lapsos de linguagem, etc). Especialmente no desenvolvimento da personalidade, Freud insistiu que os problemas tinham, na sua maioria, origem na infância da pessoa. Isso pode ser visto nos períodos Narcista, Edipiano, etc. Ver mais em BARROS, Célia Silva Guimarães Barros. Pontos de Psicologia Geral. São Paulo: Àtica, 2ª. Edição, 1985, pp. 57-71. 32 HURDING, Roger F. A árvore da Cura: Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 87. 31 19 b) Psicologia do Ego – Essa escola de abordagem vê o homem como tendo um embrião positivo à espera de desenvolvimento. Entende que uma pessoa com boa imagem e autoconfiança pode arranjar bem sua vida, sem ter sérios conflitos. Coloca o foco sobre as necessidades biológicas e estimula a auto-confiança. Fortaleça-se a auto-confiança e tudo estará resolvido. O que temos aqui? Um soberbo senso de independência sendo alimentado e celebrado. Mais uma vez, estamos sem Deus no mundo. A psicologia do Ego nos lança para dentro de nós mesmos como se tudo se resumisse à autoconfiança, como se tudo tivesse resposta dentro do homem, como se tudo dependesse de nós mesmos. Aqui está a ideia de que o homem é moralmente bom. Sem pecado. O que nos arruína é o meio. O mal está fora de nós, não dentro de nós. c) Carl Rogers – Para Rogers o homem também é bom. O problema do homem é o ambiente onde ele está. Esse ambiente impede a pessoa de ser ela mesma. Porque quando se impõe limite a uma pessoa ela deixa de ser ela mesma. Se ela for entregue a si mesma, escolherá o melhor curso de ação e terá satisfação pessoal e harmonia. Isso levaria, em última análise à autonomia porque desconhece ou desconsidera a pecaminosidade humana. Hurding diz: Podemos dizer que a afirmação de Rogers sobre o eu... afasta-se da auto-revelação de Deus acerca da natureza humana. Por trás dos conceitos rogerianos, encontra-se a perniciosa ideia da autonomia, de que homens e mulheres podem e devem ser completamente senhores de si mesmos no que diz respeito aos seus destinos... Em Romanos 1, Paulo retrata um quadro assustador da autonomia extremada, na qual a obstinação humana, ao desonrar e rejeitar o Criador, leva os homens a ser abandonados por Deus e os conduz à perda final da verdadeira natureza humana. Jesus, o homem perfeito, resistiu ao convite de ser autônomo em cada uma das três tentações do deserto, mostrando-nos definitivamente que somos as pessoas que devemos ser quando mais dependentes do Pai.” 33 Numa coisa, entretanto, Rogers estava certo. Para ele é de extrema importância que o homem reconheça tudo o que é. As Escrituras também nos chamam a uma auto-análise. Mas, não a partir de mim mesmo. É aqui que precisamos nos afastar de Rogers. Entretanto, é bom dizer que Rogers deu uma ênfase que os conselheiros bíblicos às vezes passam por alto. Rogers estudou a fundo as emoções e, resguardada as funções de guia, guardiã e bússola das Escrituras, acima citadas, podemos nos beneficiar de algumas das suas descobertas nessa área, sem carregar com elas os seus pressupostos. 33 HURDING, Roger F. A árvore da Cura: Modelos de Aconselhamento e de Psicoterapia. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 142. 20 d) Skinner – O homem é uma máquina! O homem é um nada, um imenso e vazio zero. O homem é um ser totalmente controlado incapaz de fazer escolhas e portanto, sem responsabilidade alguma. Assim, o homem não tem culpa de nada! O problema dele é o seu ambiente que o controla e determina seu pensamento, seus sentimentos e suas ações. Para mudar a pessoa precisa-se mudar o ambiente. A Bíblia diz que o homem é muito mais que uma máquina e que ele tem responsabilidade sobre os seus atos. Um animal não pode arrepender-se, ter responsabilidade, fé em Cristo, ser justificado, etc. Ele não precisa de um redentor. Numa coisa, Skinner tinha razão: o ambiente, (ainda que não controle, como cremos), influencia o comportamento das pessoas. Influencia mas não determina, que fique bem claro!34 Se o controlasse o homem poderia alegar ser uma vítima. Isso deve ser levado em consideração pelos conselheiros cristãos reformados. e) Existencialismo – O homem é fruto do acaso, é um acidente. O que deve fazer é escolher um alvo para viver (qualquer um!), afinal ele é fruto do acaso. O que temos aqui, como ponto de contato é a estrutura da criação numa direção oposta a Deus. O existencialismo ainda que lute contra isso, não consegue se alienar totalmente da estrutura que Deus criou35. Os psicólogos existencialistas lançam o homem em busca de um significado. A estrutura é reconhecida, a direção é que está errada. Deus criou o homem para que encontre significado em Cristo. Dito simplesmente, a concepção do homem para os existencialistas se distancia da fé cristã, porque esta assevera que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e não fruto do acaso. E só encontra significado, como dito acima, em Cristo. Crabb nos dá um bom resumo destas teorias apresentadas: Freud disse que o homem é egoísta e deve primeiro saber disso, depois aceitá-lo como certo. A Psicologia do Ego diz que o homem pode se fortalecer de modo que canalize seu egoísmo de modo bem sucedido em saídas pessoal e socialmente aceitáveis. Rogers nega qualquer medida interior e ensina que o homem está cheio de bondade e portanto, deve soltar-se e deixar tudo aparecer. Skinner entende que o homem não é nem bom nem mau, que é uma massa complicada de respostas que em termos de valor intrínseco somam um imenso zero. Como o homem pode ser controlado, deixe que os peritos (psicólogos skinnerianos) o controlem em direção aos fins desejados pelo controlador que é, ele mesmo controlado (um circulo vicioso ao acaso sem quebra de continuidade). Os existencialistas não sabem se o homem é mau (Freud), bom (Rogers), ambos (Psicologos do ego) ou nada 34 Isso, entretanto, não quer dizer que aceitamos os pressupostos de Skinner. Para Skinner, como dito o homem é uma máquina, a Bíblia o ver como imagem e semelhança de Deus. Que tem responsabilidade, portanto, perante Ele. 35 Na teologia reformada falamos de estrutura e direção. Cremos que a estrutura criada por Deus permanece a mesma, porém a direção por causa do pecado, foi mudada. Uma explicação mais ampla será dada mais adiante. 21 (Skinner). O homem é logicamente absurdo, mas precisa de algo além de falta de significado racional: portanto, deixe a racionalidade para trás e cegamente se agarre à esperança de que alguma experiência preencha o vazio 36. Assim, todas essas teorias começam e terminam no homem. E como vimos acima, com uma orientação teorreferente negativa, rebelde, autônoma. Essa é a fé das psicologias. A psicologia e o aconselhamento bíblico têm algumas coisas em comum. Uma delas, destacada nesse estudo é que os dois se ocupam do homem, como ele atua e como ele muda. Também é importante afirmar, que não há uma uniformidade quando falamos de psicologia. Cada uma pensa o homem com contornos diferentes. Unanimemente, porém, proclamam a autonomia humana. Na psicologia o homem não é teorreferente. É autônomo, ou ao menos, se pretende autônomo. Essa concepção, conforme assinalado acima, minimiza o pecado e intenta mudar o homem da mesma forma que o concebe, a saber, sem referência a Deus, Sua Palavra, a obra de Cristo e a pessoa do Espírito Santo. Crabb fala disso de forma brilhante: “Os psicólogos (e alguns teólogos e pastores) geralmente redefinem pecado como falta de auto-estima ou incapacidade de amar – tudo menos rebeldia moralmente maligna, culposa. Com as costas voltadas para um conceito radicalmente bíblico de como o pecado permeia cada fibra da personalidade humana, eles oferecem para os problemas das pessoas soluções que não exigem a obra expiatória de Cristo na cruz. Seus esforços de solucionar problemas sem Cristo podem ser revestidos de teorias impressionantes e apelos a pesquisas atuais que os planos de Deus sobre como resolver os mesmos problemas parecem irremediavelmente generalizantes e desesperadamente antiquados”37. 1.1.2. Falsa Redenção Falando um pouco mais de Freud, devemos falar algo de positivo dele. Segundo Ronald Clarck, um biográfo de Freud, que não era hostil em nenhum sentido à psicanálise escreve que “Freud... era um homem ansioso por aliviar algumas das misérias do mundo...” 38. Creio que isso pode ser dito de todas as outras escolas da psicologia. Todas as escolas fazem tentativas a fim de melhorar as mazelas humanas. Ed Welch afirma que os psicólogos são “clérigos seculares”. Ele escreve: “Embora a missão educacional da psicologia continue a ser o preparo de profissionais da ciência, o produto dos programas de formação de psicólogos tem mais a ver, de modo geral, com clérigos. Por exemplo, todos os profissionais psicólogos ministram uma 36 CRABB, Larry. Princípios de Aconselhamento Bíblico: Atendendo às necessidades de aconselhamento através da Igreja. Brasília:Refúgio, 2ª. Ed. 1998, p. 34 e 35. 37 CRABB, Larry. Como compreender as Pessoas. São Paulo: Vida, 1998, p. 19. 38 WEBSTER, Richard. Por que Freud Errou. São Paulo: Record, 1995, p. 276. 22 cosmovisão e um conjunto de crenças fundamentais sobre a natureza humana. As suas teorias estão repletas de pressuposições sobre quem somos, por que fazemos o que fazemos e para onde estamos indo. Este é o campo de atuação dos clérigos. Talvez uma descrição mais adequada para os psicólogos clínicos pudesse ser clérigos seculares que se apresentam como profissionais da ciência...”39 Mas, não é apenas Welch – que é psicólogo cristão – que enxerga a Psicologia como religião. Richard Webster também o assevera40. Isso implica, penso, que esse campo de estudo também oferece “salvação”. E, de acordo com o que vimos acima, podemos denominar os seus esforços como falsos redentores. Quando tratamos de estabelecer a solução para os problemas humanos, a primeira coisa a ser feita é estabelecer o problema. Se perguntarmos à psicologia qual o problema do homem teremos várias respostas. Dezenas e, talvez centenas delas. Algumas escolas dirão que os seres humanos são como animais controlados por seus impulsos, ou como uma máquina que precisa de ajustes. As respostas são muitas. Um exemplo: digamos que alguém procure ajuda para um problema com masturbação. Que respostas teríamos? As respostas poderiam variar entre afirmar que não há problema nenhum nisso, porque a pessoa está exercendo uma descoberta do seu próprio corpo; ou que precisa vasculhar o seu passado a fim de encontrar em qual tempo ele começou a fazer isso e porque, etc. Ora, tudo isso revela cosmovisões diferentes para um mesmo problema! De acordo com os nossos pressupostos, diagnosticaremos o problema, e obviamente, apontaremos a solução. O enfoque, como podemos ver no simples exemplo acima, é sempre no ser humano e nas circunstâncias que ele está atravessando. Obviamente não estamos contra a psicologia na sua totalidade. Entretanto, não podemos negar que, não se faz nenhuma menção ao homem como um ser religioso. Davi Charles Gomes nos alerta para o fato de que a psicologia pretende nos levar à absolutização do ser humano e dar a ele falsos redentores. Ele explica que ...quando o homem (supostamente) autônomo abraça a sua “maioridade” na modernidade pós-kantiana e progride numa cosmovisão que cada vez mais substitui a teoreferência de toda a realidade por construtos antropocêntricos, a psicologia secular se torna o substituto da soteriologia e da teologia propriamente dita: um meio de salvação da miséria humana, mas sem Cristo, e uma teoria da natureza e das dinâmicas do (suposto) supremo ponto de referência para predicação, nesse caso o próprio homem. A psicologia humana se 39 WELCH, Edward. Conversa entre Vizinhos: Um diálogo entre a psicologia secular e o aconselhamento bíblico. In: Revista Aconselhamento Bìblico, Volume 3, Atibaia: Palavra da Vida, p. 48. 40 Ver WEBSTER, Richard. Por que Freud Errou. São Paulo: Record, 1995, pp. 276-323. De forma interessante, ele menciona como Freud equivalia para alguns a um sacerdote a quem as pessoas faziam confissões. Essa é a posição de um psicólogo que faz asseverações que chegam a ser blasfemas acerca da pessoa de Cristo. Ver páginas citadas acima. 23 torna então a inevitável “teologia” do pensamento secular, e ao mesmo tempo o clímax e a conseqüência natural dos esforços do homem que se crê autônomo na reinterpretação da realidade à sua imagem e semelhança 41. Ora, concluímos que, se a psicologia aparece como religião e um substituto da soteriologia, ela apresenta, como dito acima um meio de salvação, porém, com falsos redentores. Conforme veremos no restante desse trabalho, uma teoria que tenta encontrar a redenção para o homem dentro do próprio homem, não é compatível nos seus pressupostos com a revelação de Deus. Sem compreender a profundidade do pecado, mencionada particularmente por Paulo em Romanos 1.18-3.20, mas encontrada em toda a Escritura “não se pode encontrar um remédio verdadeiro para a condição humana... ...A psicologia moderna não poderia ter nem o diagnóstico nem o remédio correto...”42 1.1.3. Vitimização Outra conseqüência da sociedade psicologizada é a vitimização. Temos rótulo de vítimas para todo tipo de situação. Um camarada, por exemplo, que deliberadamente sai de casa para se prostituir, ou um homem que abusa de crianças ou de sua mulher, uma mulher que é mentirosa “crônica”, um professor que agride seus alunos são vítimas do que, no passado, fizeram com eles. A psicologia lança a culpa na sociedade, na família. A psicanálise freudiana”, diz Adams, “acabou virando uma expedição arqueológica rumo ao passado em que se dá busca a outros sobre quem lançar a responsabilidade pelo comportamento do paciente. A idéia básica consiste em descobrir como é que os outros o danificaram. Procurando desculpar e transferir a culpa, a psicanálise é uma extensão do problema que tenciona resolver”43 Entretanto, é bom dizer – para não corrermos o risco de sermos injustos – que as psicologias acertam quando dizem que o ambiente, as circunstâncias, as pessoas ao nosso redor, etc. têm repercussão sobre nós e como criamos a nossa cosmovisão pecaminosa. Powlison afirma: “...as pessoas com problemas vêm de famílias ou casamentos ou subculturas onde as outras pessoas envolvidas também têm problemas. As pessoas sofrem e são vitimizadas e mal direcionadas pelas coisas destrutivas que outras pessoas pensam, querem, temem, valorizam, sentem e fazem. Estas podem se 41 GOMES, Davi Charles. A metafísica Vantiliana: Uma incursão Preliminar. In: Fides Reformata XI, n°. 1 (2006), p. 116. Ênfase minha. 42 Ibid. p. 123. 43 ADAMS, Jay. Conselheiro Capaz. São José dos Campos: Fiel, 2008, pg. 24. Grifo meu. 24 influências ambientais sutis: formação social via modelos de atitudes e coisas assim. Podem ser influências traumáticas: perda ou vitimização...” 44 Elas não são determinantes, entretanto. É bom que isso fique bem estabelecido. Em Mateus 7.15-20 e Lc 6.43-45, Jesus mostra que as ações humanas provêm do seu coração. As nossas reações revelam aquilo que está no nosso coração. Todo comportamento tem uma razão. As circunstâncias não ditam o que temos que fazer; cada um de nós reage de acordo com as inclinações do coração. Creio que elas podem nos ajudar a descobrir o que há por trás dos maus frutos. Entretanto, é bom dizer, que devemos cuidar para não colocar uma ênfase inapropriada sobre as circunstâncias. Elas são importantes, mas não são determinantes. Por que elas são importantes? Porque nos permitem ver mais a fundo os nossos pecados, ao mesmo tempo em que, pela Palavra, podemos ver como deveríamos está reagindo. Elas não põem o mau em nosso coração, ainda que nos pressionem, nos sufoquem. Assim, revelamos o que temos no coração. É como se as circunstâncias nos “chacoalhassem” e fizessem sair o que temos escondido45. E não são apenas as circunstâncias ruins. Até mesmo as coisas boas que nos acontecem podem servir para demonstrar o ídolo do meu coração. Imaginamos que se tivéssemos em certas condições, supriríamos as nossas “necessidades”. Imaginamos que se tivéssemos uma igreja mais envolvida com o trabalho de Deus, filhos mais obedientes, esposa mais atenciosa, um aumento no salário, um carro do ano, etc., seríamos crentes melhores também. Mas, circunstâncias melhores, não nos fazem pessoas melhores. As coisas que nos acontecem sejam boas ou más revelam o que temos no coração. Provérbios 30.7-9 nos fala disso. O autor diz ali que tanto uma circunstância boa (a riqueza) pode levá-lo a pecar (o pecado da presunção e a autonomia rebelde) quanto uma circunstância ruim (a pobreza) pode levá-lo ao pecado (nesse caso, ao roubo). Neemias 9.25 e 26 nos mostra que o povo de Israel pecou mais quando estava mais próspero. Há um caso típico no livro de Números que demonstra como as circunstâncias apenas revelam o que temos no coração. É o caso do relatório dos espias, relatado nos capítulos 13 e 14. Numa mesma situação, vemos o povo, que por conta do crer no coração, vê as circunstâncias de uma forma equivocada, e sua crença é - em consonância com o que eles têm no seu coração - a incredulidade com relação às promessas de Deus (14.3), o temor da morte, 44 45 POWLISON, David. Ídolos do Coração e Feira das Vaidades. Brasília: Refúgio, 1996. p. 34. Ver CARLEY, Natalie. La dinâmica del Cambio Bíblico. MINTS, 2008. 25 o desejo da segurança do Egito (14.3), e o temor dos homens ao invés da confiança nos caminhos e no poder de Deus (14.3, 11). Os frutos, em clara concordância com o que ele crêem são a murmuração (v. 2 e 3), a tentativa de apedrejar Moisés (v. 10) e de levantar um novo líder que fizesse o que eles desejavam (v. 4). Em contrapartida, Josué e Calebe, têm uma reação completamente diferente. Eles demonstram confiança no Senhor, dizendo que Deus entregaria os gigantes nas suas mãos (14.8 e 9); temor a Deus ao invés de temor dos homens (v. 9). Aí está! As mesmas circunstâncias e respostas (frutos) diferentes à ela. Por que? Por causa da crença no coração. A psicologia comportamentista, em especial, coloca as circunstâncias como o elemento responsável pela atitude das pessoas, e a descrevem como vítimas delas. As Escrituras nos mostram que há uma interação entre circunstância e crença do coração, e que essa interação trará à luz o que temos no interior. Em Mateus 15.18ss o Redentor Jesus nos ensina também sobre isso. Numa sociedade psicologizada como a nossa, onde os assassinos são vítimas de genes defeituosos; os que se prostituem são mandados para clínicas para serem “tratados” dos seus vícios sexuais; os que comem compulsivamente são igualmente tratados e desculpados; onde ladrões e corruptos são desculpados porque seus ambientes trouxeram a eles uma série de problemas; onde se você perde o emprego pode processar a empresa porque perdeu a autoestima pela forma como foi demitido; onde se você estiver bêbado pode responsabilizar alguém porque não foi advertido a parar de beber; onde mocinhas que deliberadamente saem de casa e se entregam aos vícios da bebida e da prostituição vão parar em casas de recuperação pagas pelo governo; não há espaço para se falar de um Deus benevolente, santo e soberano. Concluindo podemos dizer, grosso modo, que a cosmovisão psicológica do homem é concebida apenas no aqui e agora. Ainda que veja o homem como ser relacional, 46 é uma cosmovisão que leva o homem a buscar em si mesmo a plena satisfação para seus anseios, ao invés de buscar em Deus. 46 Na teologia reformada falamos sobre estrutura e direção. Os homens, mesmo em pecado, não pode fugir do fato de que Deus criou estruturas que são mantidas mesmo depois da queda. No caso especifico que estamos tratando, a psicologia, acertadamente vê o homem como um ser relacional, mas que busca resolver seus problemas de forma egocêntrica, e até usando as outras pessoas para sua própria satisfação ao invés de servir às pessoas como é o propósito de Deus. Mantém-se a estrutura, porquanto fomos criados como seres relacionais, entretanto, muda-se a direção. O relacionamento torna-se um trampolim para satisfação própria ao invés de servir e satisfazer-se em Deus. 26 Na base, o que temos, é o homem como a medida de todas as coisas, seja analisando o homem a partir dos seus potenciais e conquistas, seja analisando-o a partir dos conflitos e indagações47. Assim, separa-o de Deus, observando todas as coisas a partir dele mesmo. É preciso dizer, em conclusão que os psicólogos querem o bem das pessoas, desejam encontrar o núcleo do problema para então apontarem uma solução. É uma atitude louvável, mas sem Deus, erram o alvo, embora desejem acertá-lo. 47 GOMES, Wadislau Martin. Coração e Sexualidade. Brasília: Refúgio, 1999, pg. 20. 27 QUESTIONÁRIO 1. Segundo o autor o uso da psicologia é apropriado para o aconselhamento bíblico? 2. Em quais áreas a psicologia apresenta problemas? 3. Quais são os três pressupostos básicos da psicologia? 4. O que o autor quer dizer quando diz que a Bíblia deve ser usada como guia, guardiã e bússola? 5. Qual a concepção de Freud sobre a fé cristã? 6. O que significa dizer que todos os sistemas são religiosamente orientados? 7. Defina teorreferência negativa e positiva. 8. Como as teorias moldam (definem) os tratamentos? 9. Você concorda que as psicologias são reducionistas? 10. Relacione: 1. Freud ( ) O homem é um embrião positivo à espera de desenvolvimento 2. Skinner ( ) O homem é um acidente 3. Carl Rogers ( ) O homem é um animal com inpulso 4. Psicologia do Ego ( ) O homem é bom, seu problema é o ambiente 5. Existencialismo ( ) O homem é uma mera máquina. 11. Como a psicologia minimiza o pecado? 12. Por que a psicologia é uma espécie de religião? 13. Como a psicologia oferece falsa redenção? 14. O ambiente determina ou apenas influencia a pessoa? Justifique. 28 LIÇÃO 2 – CONCEITOS BÍBLICOS: ABRANGENTES E TEORREFERENTES – O QUE O CONSELHEIRO TRAZ COMO PRESSUPOSTO PARA O ACONSELHAMENTO DE CASAIS? INTRODUÇÃO David Powlison examina a história de como a igreja vendeu a sua primogenitura por um prato de lentilhas à psicologia. Acertadamente, ele entende que em algum ponto a igreja falhou em considerar mais adequadamente os motivos subjacentes ao comportamento. E, conclui, a igreja estava fraca onde a psicologia era forte. Então, por conta disso, houve uma integração entre as duas, mas com um problema. Os psicoterapeutas cristãos procuraram corrigir a fraqueza da igreja com o auxílio das psicoterapias. Mas o processo de conversão tem seguido um caminho errado. Em vez de exibir a visão bíblica da pessoa, primeiro à igreja e depois, aos psicólogos, os integracionistas importaram a visão secular para dentro do cristianismo. Teoria de personalidade, psicopatologia, saúde e mudança terapêutica têm substituído a antropologia bíblica, pecado, graça, santidade e santificação. A autoridade cultural, social e pragmática da psicologia se provou muito forte. A verdade bíblica pareceu insuficientemente aplicável. 48 O sistema de aconselhamento cristão precisa levar em conta as Escrituras Sagradas e que o Deus por ela revelado, se relaciona com o homem na pessoa de Jesus Cristo. Para o conselheiro cristão, a Palavra de Deus deve ser mais que uma rede de opções interpretativas para a aceitação ou negação das declarações psicológicas; a Bíblia é o instrumento prático do qual o conselheiro deriva sua autoridade funcional e final, sendo aceito como a autoridade determinativa em antropologia. As Escrituras servem como a única fonte confiável para a terminologia do diagnóstico e do remédio usados pelo conselheiro cristão. A Palavra de Deus possui o sistema teórico exclusivo por meio do qual os problemas da alma podem ser apropriadamente interpretados e resolvidos. Mais importante ainda, ela declara possuir autoridade exclusiva em defender a significância e propósito para a vida do ser humano. Quando colocada em justaposição com o conselho do homem, a superioridade e abrangência da Palavra de Deus é inequívoca. O propósito de Deus para a vida do homem prevalecerá49. Entretanto, não basta dizer às pessoas que elas são pecadoras, porque isso seria apenas metade da verdade. Seria ir apenas até a metade do caminho. Isto pode conduzir ao legalismo e ao desespero (também temos nossa faceta de humanismo e de conduzir ao desespero e à vitimização!). “Tal atitude apresenta o cristianismo como opressivo em vez de libertador, um 48 POWLISON, David. Aconselhamento Bíblico no Século XX. In: Introdução ao Aconselhamento Bíblico. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 337. 49 MACARTHUR, John F.; MACK, Wayne A. Introdução ao Aconselhamento Bíblico: Um Guia de Princípios e Práticas de Aconselhamento. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 307. 29 sistema insensível de regras difíceis de obedecer”50. Antes, devemos informar às pessoas que elas, em Cristo, têm todos os recursos que precisam para vencer a sua situação e progredir na prática de vida. O conselheiro cristão reformado deve está alerta ao fato de que seu aconselhamento deve exalar da revelação especial de Deus, as Escrituras Sagradas. “...Aqueles que se aferram a algo menor que o Evangelho, a fim de acharem solução para os problemas da vida, não demoram a descobrir que se agarram a uma palha...”51 Na perspectiva bíblica olhamos para o mesmo problema da psicologia, mas com perspectiva diferente. Na verdade a concepção bíblica sobre qualquer assunto é uma concepção que enaltece a centralidade de Deus, e que reconhece que o problema humano é muito maior do que o que nos é apontado pelas psicologias. O homem é pecador e culpado perante Deus. E precisa responder por isso. Mas, também acrescente-se, pode ser redimido em Cristo, e ter uma nova vida nEle. “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela”.52 A Bíblia diz que o homem foi criado por Deus à sua imagem e semelhança. Que foi criado sem pecado, mas que pela sua própria desobediência (Gn 3) se tornou pecador e portanto, merecedor do castigo de Deus. E, ainda mais importante, não pode ser redimido dessa condição por nada menos que a obra de Cristo, a base da nossa justificação. E, a não ser que entendamos a grandeza da necessidade da justificação não estaremos aptos ao aconselhamento bíblico. A menos que compreendamos o nosso estado de pecaminosidade, de hostilidade, de rebeldia contra Deus, não compreenderemos a grande necessidade da vida e obra de Cristo, da justificação que Ele nos trouxe através do Seu sacrifício e da conseqüente libertação para uma vida que agrada a Deus53. 2.1. O homem na criação: criado em santidade e com responsabilidade ante Deus 50 CRABB. Princípios de Aconselhamento Bíblico: Atendendo às necessidades de aconselhamento através da Igreja. Brasília:Refúgio, 2ª. Ed. 1998, p. 12. 51 ADAMS, Jay E. O Manual do Conselheiro Cristão. São Paulo: Fiel, 6ª. Ed., 2006, p. 47. 52 CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Cap. I, Parág. VI. 53 O estudante fará bem em estudar o curso do MINTS : Antropologia Bíblica de autoria de Bruce McDowell, ou outro de mesmo nome da autoria de Natalie Carley. Enfatizamos a absoluta necessidade de conhecer com profundidade a Antropologia Bíblica para aplicá-la ao Aconselhamento Bíblico. O que aqui fazemos é uma comparação rápida entre a antropologia psicológica (conforme o capítulo anterior) e a antropologia bíblica. A ideia é demonstrar a diferença entre elas e como isso desemboca nos métodos e soluções propostos. 30 O aconselhamento bíblico coloca o homem frente a frente com Deus. Ele diz que o homem é teorreferente. Somos seres responsáveis perante o Deus que nos criou. E todos os nossos atos dizem respeito a Ele. Nas palavras do rev. Wadislau: “Deus é o ambiente do homem”54. Ele não pode viver de forma autônoma ou independente de Deus, embora busque isso. O fato de ser criado implica em dependência. Criados à imagem e semelhança de Deus, o homem é chamado à responsabilidade pelos seus atos. Isso contraria frontalmente a idéia da psicologia quando responsabiliza outras pessoas pelos seus pecados. Deus é o padrão, fora de nós, pelo qual precisamos nos analisar, ao passo que também é o juiz de nossas ações e motivações. No pacto que Deus faz com Adão e Eva está implicada a questão da responsabilidade. Os seres criados, nesse caso, devem dar contas das suas atitudes ao seu Criador. Poderíamos discorrer sobre várias outras verdades sobre essa relação do homem com Deus, mas por hora isso basta. O que queremos enfatizar nesse ponto é que o homem não está livre para fazer aquilo que deseja. Ele foi criado com responsabilidades. O Salvador Jesus disse que “de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão contas no dia do juízo”. (Mateus 12. 35). Ao ser criado em santidade e à imagem e semelhança de Deus, o homem foi colocado pelo próprio Deus nessa responsabilidade. “Por trás dessa incumbência ele nos deu o alto chamado de conhecê-lo e confiar nele”55. Quando as psicologias nos lança para longe de Deus, dizendo-nos que não temos responsabilidade, colocando-nos frente a frente apenas com nós mesmos e com o ambiente em que vivemos, nos deixam orfanados de conhecê-lo, amá-lo e confiar nele. “... Skinner nos faria por a culpa no ambiente. Freud apontaria o dedo acusador para a perturbação psíquica interna. Rogers empatizaria com uma pessoa reprimida à qual foi negado direito de autoexpressão. Em todos os casos a pessoa como agente responsável é perdida”.56 O rev. Wadislau disse que “...fomos criados pelo Senhor e só seremos felizes em sujeição à Sua justiça e ao Seu amor. Longe de Deus, no desejo de independência, só encontraremos solidão. Todos temos em nossas almas a luta pelo poder. Queremos ser deuses de nós mesmos para fugir de alguma dor já conhecida, mas não fomos feitos para a solidão, e ela nos machuca” 57. 54 GOMES, Wadislau Martins Gomes. Nota de classe no Centro de Pós-graduação Andrew Jumper, Abril de 2011. 55 EDGAR, William. Razões do Coração. Brasilia: Refúgio, 2000, p. 63. 56 CRABB, Larry. Aconselhamento Bíblico Efetivo: Um modelo para ajudar cristãos amorosos a tornarem-se conselheiros capazes. 2ª. Ed. Brasília: Refúgio, 1999. pg. 39. 57 GOMES, Wadislau, Força para a Familia na crise moderna. Brasília: Refúgio, 1995. pg. 62. 31 Assim, no aconselhamento bíblico, a responsabilidade pelo pecado é colocada sobre o pecador, não sobre o ambiente, circunstâncias ou o que quer que seja. Ele é criado à imagem e semelhança de Deus58 e, portanto, responsável ante Deus. Quando tratamos do aconselhamento de casais, é importante termos isso em mente, porque como veremos adiante, tendemos a colocar a culpa nos outros apenas. Claro que num casamento, o casal tem sua parcela de culpa nos problemas, isso porque os dois são pecadores. 2.2. A fonte do entendimento e ponto de partida para a redenção dos problemas humanos Não há ninguém que conheça melhor o ser humano do que Deus que o criou. E Deus se revela pelas Santas Escrituras acerca desse assunto. E precisamos reafirmar enfaticamente que a análise que Deus faz do homem é autoritativa. É nela que vamos encontrar a verdadeira e inquestionável concepção do homem. O salmo 19 e 2 Tm 3.15-16 nos ensina que precisamos das Escrituras para entender o homem e como habilitá-lo para viver para a glória de Deus. O salmo 19 trata de restauração da alma, admoestação, e alegria do coração. As Escrituras falam do homem de forma completa na sua relação com Deus. Ela é inspirada por Deus. É perfeita. É imutável, porquanto emana do caráter imutável daquele que a inspirou como diz Paulo a Timóteo. E nela encontramos o que precisamos para ser perfeitamente habilitado. A mudança que precisamos para nossas vidas encontramos nela. Assim, como Palavra de Deus, ela deve estabelecer as categorias do aconselhamento cristão. Ela deve determinar quem é o homem, quais são os seus problemas, e como esses problemas podem ser mudados. Quando nos deparamos com isso compreendemos que ainda que os “especialistas” das psicologias possam fazer observações até detalhadas do comportamento humano não podem interpretá-las corretamente porque lhes faltam o conhecimento da Palavra de Deus e a iluminação do Espírito de Cristo. Isso é uma questão de cosmovisão. Se procurarmos a solução num homem, teremos com certeza, algumas soluções esdrúxulas, como as propostas por Freud e Skinner. Se procuramos a redenção para o homem como sendo responsável diante de Deus vamos encontrá-la em Cristo como nos diz a 58 A imagem e semelhança de Deus no homem foram desfiguradas por conta do pecado, mas não destruídas. O homem ainda continua como responsável diante de Deus 32 Escritura. Só a Palavra de Deus vai onde a psicologia não pode ir: ao coração humano; vai no seu maior problema: o pecado; vai onde necessita ir; mostra a situação difícil em que se envolveu o homem; e somente ela, a Escritura, pode apontar a solução também para isso. Aqui enfatizamos que o aconselhamento bíblico é redentivo. Sim, ele aponta, ao contrário do que dizem as psicologias, para uma redenção. Não é determinista nesse aspecto, nem lança o homem ao desespero. A antropologia bíblica diz que Deus tem redenção para o ser humano. “...No evangelho de Jesus Cristo brilha grandiosa esperança de mudança...”59. 2.3. O problema humano e sua redenção Ao passo que as Escrituras falam em responsabilidade, ela também menciona esperança de mudança. O problema do homem, em todos os seus aspectos começou no Éden, quando ele desobedeceu à ordem de Deus. A ordem era para não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Esta ordem foi quebrada. E ordem quebrada implica em punição. A punição gera a morte. E esta morte não é simplesmente morte física do corpo, mas separação e condenação, algo que enche o coração do homem de temor. A queda do homem nos coloca frente a frente com uma realidade estarrecedora e terrível: o pecado, que passa a fazer parte da história humana e, a ira de Deus, uma santa reação de um Deus santo ante o mal. Devemos aqui ponderar acerca da natureza do pecado e da gravidade deste novo elemento que se coloca, se interpõe no relacionamento entre Deus e o homem. Usualmente as pessoas não encaram pecado como uma transgressão da Lei de Deus; não o encaram como rebeldia contra Deus. Entretanto, “se antes da queda o coração humano era religiosamente qualificado pelo ser-para-Deus em amor e obediência, após a queda o coração passou a ser religiosamente qualificado pelo ser-para-Deus em apostasia e rebelião, o que pode ser dito de outra forma: ser-para-um-ídolo”.60. O escritor John Stott define o pecado de forma magistral. Ele diz: A ênfase da Escritura é sobre a autocentralidade ímpia do pecado. Cada pecado é uma quebra do que Jesus chamou de o primeiro e grande mandamento, não apenas o 59 ADAMS, Jay E. O Manual do Conselheiro Eficaz. São Paulo: Fiel, 6ª. Ed., 2006. Pg. 136. OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões Críticas sobre Weltanschauung: Uma Análise do Processo de Formação e Compartilhamento de Cosmovisões numa Perspectiva Teo-Referente. Artigo distribuído em sala de aula, em Agosto de 2008. Pg. 10. 60 33 fracasso de amar a Deus com todo o nosso ser, mas também a recusa ativa de reconhecê-lo e obedecê-lo como nosso Criador e Senhor. Rejeitamos a posição de dependência que o fato de sermos criados envolve e procuramos ser independentes. Pior ainda, ousamos proclamar nossa autoindependência, nossa autonomia, o mesmo que reivindicar a posição que somente Deus pode ocupar. O pecado não é um lapso lamentável de padrões convencionais; a sua essência é hostilidade para com Deus, manifesta em rebeldia ativa contra Ele.61 Não há que se duvidar que o pecado seja um desafio à santidade de Deus e a Ele próprio; é arrogância e desejo de ser igual a Ele. Pecado é afastamento de Deus, uma ofensa a Ele. Calvino aponta o pecado como sendo uma desobediência. Ainda mais, Calvino referese à desobediência de Adão como sendo muito mais do que apostasia, e no seu costumeiro linguajar carregado de expressões fortes e contundentes ele diz que isto está associado “com vis impropérios contra Deus, por isso que Adão e Eva subscrevem as caluniosas insinuações de Satanás, com que acusa falsamente a Deus de mentira, e de inveja e de maldade”. 62 Assim, ele refere-se ao homem como alguém que se esqueceu de que tudo o que ele tinha vinha de Deus. Começou a exaltar-se contra Deus e acabou no estado de miserabilidade. Essa é a declaração de como a Bíblia ver o problema do homem. É claro que não deixamos de considerar que os problemas pessoais podem advir em parte do ambiente (condicionamento sociológico) e outros ídolos. Essas coisas trabalham juntas. Entretanto, tudo começa aqui. E, onde encontramos a solução? Em Cristo. Sim, para os problemas humanos há redenção em Cristo. Sim, há possibilidade de mudança em Cristo. Nele estão escondidos todos os tesouros (Cl 2.3). O que a psicologia propõe, como assinalamos acima é uma falsa redenção 63. Davi Charles Gomes diz que: A psicologia secular, que toma para si a tarefa de tratar da questão do pecado e ao mesmo tempo nega de início a sua existência, nunca conseguiria ir além de suas próprias contradições e terminaria por “desumanizar” o próprio homem ao qual busca “redimir” mediante o fortalecimento psicoterápico.64 61 STOTT, John R. W. A Cruz de Cristo. 6ª reimpressão. São Paulo: Vida, 1999, p. 80. CALVINO. Institutas, Vol. II, 5. 63 Ver GOMES, Davi Charles. A metapsicologia vantiliana: Uma incursão preliminar. In: FIDES REFORMATA XI, Nº 1, pp. 113-139. 64 Ibid. p. 121. 62 34 Deus enviou seu Filho por nós, para nos redimir, para nos libertar da culpa do pecado. Ele cumpre a Lei e morre em nosso lugar, para sermos declarados justos diante de Deus. Isso também se aplica ao casamento como veremos. Não precisamos fazer tentativas de colocar a culpa em outras pessoas, nas enfermidades, nos genes, no ambiente em que vivemos. Em Cristo temos os recursos que precisamos. Em Cristo todas as coisas podem ser redimidas. Em Cristo meu farisaísmo pode ser largado; não precisamos buscar álcool, pornografia, ou outro álibi para lançarmos a nossa culpa. Porque “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. (Romanos 8.1). O conselheiro cristão, lida com o pecado confrontando-o amorosamente. Mostrando a pessoa que Cristo pode justificá-lo diante de Deus. Falando-lhe da redenção que há em Cristo Jesus. Essa é a maravilhosa notícia da Justificação pela fé. O rev. Wadislau arremata: Nada mais oferece ao coração humano tanta esperança do que a confrontação com seu pecado. Nada é mais verdadeiro e mais real para alguém do que suas próprias faltas. E se negarmos o reconhecimento da gravidade das faltas do coração, negamolhe também a sua própria sanidade, a capacidade de discernir. Por isso, nos cabe levar ao homem em desespero a única esperança para o mal que nos assola, o pecado: o confronto da cruz.65 CONCLUSÃO Essa perspectiva do ser humano nos indica, como veremos nos próximo capítulos, que o homem foi criado para glorificar a Deus também nas suas relações humanas. E também que quando duas pessoas se unem, elas levam consigo um problema que a Bíblia chama de pecado. Elas carregam consigo uma carga de dificuldades. Uma das características da queda é a habilidade de lançar a culpa nas circunstâncias, no cônjuge, no passado histórico, no ambiente, etc. No aconselhamento de casais, entretanto, é mister que tenhamos como pressuposto pelo menos algumas realidades: 1. O aconselhamento bíblico deve começar em Deus e, assim, entender que o homem não é livre ou forçado pelo ambiente (embora esse exerça pressão sobre aquele), mas, é um ser religiosamente orientado. 2. O homem é responsável pelas suas atitudes perante Deus; 3. Em Cristo há redenção para os problemas humanos. Sobre isso tratarão os próximos capítulos. 65 GOMES, Wadislau Martins. Em Terra dos Brasis. Brasília: Refúgio, 1997, p. 20. 35 QUESTIONÁRIO 1. Por que houve uma integração entre psicologia e aconselhamento bíblico? 2. O que acontece quando substituímos a Bíblia pela psicologia no Aconselhamento? 3. Qual o principal instrumento no aconselhamento cristão? 4. Qual a concepção do homem que o conselheiro traz para o aconselhamento cristão? 5. Qual a diferença da antropologia bíblica e a psicológica? 6. Por que o autor diz que a psicologia não pode ir onde a Palavra de Deus vai: ao coração humano? 7. Qual é o maior problema humano? A psicologia pode tratar dele? 8. Qual a definição de pecado? 9. Você crer que podemos encontrar redenção para os problemas humanos? Onde? 10. Por que o autor diz que a psicologia propõe uma falsa redenção? 36 LIÇÃO 3: O PROPÓSITO DE DEUS PARA O CASAMENTO (CRIAÇÃO) INTRODUÇÃO: Ao falarmos sobre o propósito do matrimônio temos de partir da doutrina bíblica da criação. Assim o fez o Redentor quando, em Mateus 19, os fariseus perguntaram acerca do divórcio. O que Jesus menciona ali é que quando o casamento foi criado por Deus, foi criado com um propósito, e, obviamente, esse propósito é determinado pelo Criador. Para entendêlos precisamos nos voltar para o relato da criação. Quando Deus criou Adão e Eva deu-lhes três mandatos. Esses mandatos são conhecidos como mandato cultural, mandato espiritual e mandato social66 (Gênesis 1). Esses mandatos refletem a imagem de Deus no homem. Por meio do mandato cultural o homem deveria manter um relacionamento com o cosmos. Nesse aspecto Deus deu ao homem e à mulher a capacidade de subjugar a terra e ter domínio sobre tudo. O mandato cultural, segundo Hoekema era “a ordem de governar a terra para Deus e de desenvolver uma cultura que glorifique a Deus”67 e, continua ele “O homem é chamado por Deus para desenvolver todas as potencialidades encontradas na natureza... cabelhe desenvolver não apenas a agricultura, mas também a ciência, a tecnologia e a arte” 68. Outrossim, neste desenvolvimento o homem também deveria preservar a terra. No mandato espiritual “a humanidade real deveria continuar em comunhão com o soberano Criador e Senhor. O homem deveria viver sob o mandamento expresso de Deus (Gn 2.16, 17) e assim fazendo permanecer dentro da vontade do soberano Senhor...” 69. Com os seres humanos, criados à sua imagem e semelhança, Deus estabeleceu um vínculo de amor e de comunhão enquanto esses obedecessem ao seu mandamento de não comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva deveriam conhecer, amar, andar, obedecer e adorar a Deus a cada dia. No que diz respeito ao mandato social encontramos a família como a instituição onde este mandato é entendido, obedecido e desenvolvido 70 . Adão e Eva deveriam atuar como marido e mulher harmoniosamente e cumprir o mandato de frutificar e encher a terra. Esse mandato está claro em Gênesis 1.27-28: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à 66 GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação. O Reino, a Aliança e o Mediador, volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, pp. 90ss. 67 HOEKEMA, Anthony. Criados à Imagem de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 27. 68 Ibid. p. 95. 69 GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica no Velho Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 1995, pp. 97. 70 GRONINGEN, Gerard Van. A Família da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, pp. 192. 37 imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. O casamento é a mais importante esfera do mandato social. O casamento, não é, portanto, uma invenção cultural como querem alguns. Também não podemos aceitar que ele se desenvolve com o tempo. Vemos na luta dos homossexuais em constituir família uma tentativa de adequar sociologicamente um conceito constituído pelo imutável Deus como sendo um relacionamento entre um homem e uma mulher, macho e fêmea, com a finalidade de, entre outras coisas, procriarem. Isso obviamente exclui um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora os proponentes da nova família mantenham a estrutura, corrompem a direção. O casamento é, portanto, criação de Deus. Quando marido e mulher procriam, obedecendo ao mandato de Deus, eles dão à luz a homens e mulheres que possam refletir, igualmente, a imagem de Deus. Devemos lembrar, entretanto, que não existem divisões entre os mandatos e que eles estão estritamente relacionados. Deus deve ser honrado em todas as esferas da vida, porque tudo está relacionado com ele71. Nesse aspecto precisamos enfatizar Que é importante entender e crer que todos os aspectos da vida são estabelecidos por Deus e pertencem a Deus. Eles devem ser reconhecidos como partes do reino sobre o qual Cristo está atualmente reinando agora. Ele é o Senhor supremo de tudo. Ele está no cume de todas as coisas (Cl 1.15-20). Precisamos não somente conhecer o nosso Deus triúno pessoalmente e possuir o relacionamento eu-você, mas ser obedientes ao Senhor Jesus Cristo. Não podemos pensar que só por sermos obedientes espiritual e socialmente já teremos cumprido nosso serviço e obedecido ao Senhor. Nós não seremos se tivermos separado o cultural, criacional e natural, e feito menção a eles como secular como se não fizessem parte do reino de Deus e, portanto, sem espaço na vida religiosa de alguém 72. Podemos igualmente afirmar, ainda que redundantemente, que cumprir os mandatos cultural e espiritual, olvidando o social também não honra ao Senhor. Relembremos mais uma vez que esses mandatos faziam parte da ordem criacional. Esses três mandatos não foram excluídos quando o homem caiu em pecado. Deus manteve o mandato cultural, ainda que tenha inserido mudanças nele. O homem agora comeria com o suor do seu rosto (Gênesis 3.17), mas continuaria a cultivar a terra como antes. 71 72 GRONINGEN, Gerard Van. A Família da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 189. Ibid, p. 193. 38 O mandato social também perdura. A mulher ainda teria filhos, se relacionaria com seu marido e da semente dela viria Aquele que esmagaria a cabeça da serpente (Gênesis 3.16). No cumprimento do mandato social estava a esperança para a humanidade. Mais uma vez temos aqui algumas mudanças, a mulher daria à luz em meio ao sofrimento (Gênesis 3.16). Além disso, o relacionamento com o marido seria um relacionamento em que haveria um luta de poder73, ao invés de um relacionamento pleno. O mandato espiritual é claramente visto no que argumentamos acima. Visto que Deus criou todas as coisas, somos responsáveis perante Ele, já que somos definidos como seres humanos essencialmente na nossa relação com Deus, o que chamamos, repetimos, de Teorreferência. Nesse caso, com a entrada do pecado no mundo, pode ser ela positiva ou negativa. Voltemos então à questão do casamento. O casamento é uma dádiva de Deus para o ser humano. Ele faz parte da ordem da criação 74 . Desde o primeiro livro da Bíblia somos informados de que Deus instituiu o casamento para a sua glória e para a felicidade humana. Poderíamos pensar que com a queda, essa dádiva seria retirada por Deus, mas a verdade é que ela continua, embora exista uma pressão cultural para mudá-la, mesmo não se podendo fugir da estrutura. Quando vemos homossexuais reivindicando direitos como casais, e igualmente reivindicando o direito de adotar filhos para constituir família vemos que eles não conseguem fugir do padrão estabelecido pelo Senhor, o Soberano das nações, o Deus sobre todas as coisas. Não há como fugirmos do fato de que o casamento foi idealizado por Deus; que a estrutura do casamento foi estabelecida por Deus, mas que a direção está sendo mudada pelo homem por causa do pecado. Ainda assim essas escolhas feitas são limitadas pela administração soberana do nosso bondoso Deus. A Confissão de Fé de Westminster nos mostra alguns propósitos para o casamento. Lá encontramos que o casamento foi uma dádiva de Deus para a humanidade, para a felicidade humana. Assim afirma a CFW, capítulo XXIV, seção II, “O matrimônio foi ordenado para o 73 Falaremos sobre isso no terceiro capítulo. O. Palmer Robertson discute a questão do casamento dentro do que ele chama de aliança da criação (ele prefere essa terminologia à aliança das obras, embora a CFW utilize a expressão pacto das obras). Na aliança da criação, ele define, há um aspecto geral e um focal. No aspecto geral, encontramos três ordenanças: o sábado, o casamento e o trabalho. No aspecto focal temos a ordem de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. O que nos interessa aqui é afirmar o casamento como sendo ordenado por Deus. Ver ROBERTSON, o. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 2ª. Ed. 74 39 mútuo auxílio de marido e mulher, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima e da Igreja por uma semente santa, e para impedir a impureza”. Temos aqui algumas afirmações importantes: 1. Deus desenhou o matrimônio para auxílio mútuo entre marido e mulher. A mulher foi criada por Deus para que o homem pudesse cumprir o mandato cultural e social 75 como exposto no item 2, a seguir; 2. Deus desenhou o matrimônio para a propagação da raça humana, fato impossível de ser realizado entre casais homossexuais, visto que pessoas do mesmo sexo não podem procriar; 3. Deus desenhou o casamento para a propagação da igreja de Cristo por uma semente santa; 4. Também para impedir a impureza. O casamento pertence, repetimos, à ordem da criação. E não devem ser limitada ao âmbito da igreja apenas. O casamento é algo que, ordenado por Deus, pertence às estruturas humanas, como já vimos acima. Na tradição judaico-cristã, o casamento não é construído pelos humanos à medida que eles desenvolveram uma estrutura social. Antes, ele é algo dado. É uma coisa que foi constituída na própria natureza humana para fornecer o contexto básico no qual o cumprimento do propósito humano em edificar um lar e levantar uma posteridade fosse realizado. Ele é uma ordenança da criação, e como tal, tem um status ontológico que sobrepuja os desejos e os caprichos daqueles que desejariam moldá-lo à própria imagem deles. De fato, o casamento tem um caráter transcendental que ultrapassa todas as diferenças relativas que se levantam entre culturas diferentes76. Precisamos ainda assinalar, portanto, que mesmo homens e mulheres que não servem a Deus, por ter a norma de Deus entalhada na estrutura da família, podem experimentar casamentos bem sucedidos ainda que a direção esteja equivocada. Na ordem da criação, percebemos que a família consiste de pai mãe e filhos, e isso não é um mero ajuste ou determinação humanos, “...isto está arraigado no modo como o sábio Criador fez a natureza humana – arraigado na constituição familiar, emocional, social e moral dos homens e das mulheres”77 Todos os homens tem “...alguma consciência intuitiva dessa natureza ou estrutura...”78. Compreendidas as designações de Deus nos papéis de homem e mulher, um como líder e outra como ajudadora, como parte do plano do Criador, eles encontram “satisfação plena e a 75 Daniel Doriani, denomina essas duas facetas como lado a lado (para cumprir o mandato cultural) e face a face (para o cumprimento do mandato social). Ver DORIANI, Daniel. O Homem Segundo o Coração de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, pp. 45-73. 76 MYATT, Alan D. O que é casamento? www.monergismo.com. Acessado em 10.05.2013. 77 WOLTERS, Albert M. A Criação Restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, pp. 106. 78 Ibid., p. 107. 40 sabedoria de Deus na criação é inteiramente revelada e exaltada79”. Disso resultam os ajustes numa família que vive numa teorreferência negativa. Dito isto, vamos analisar rapidamente as circunstâncias em que foram criados Adão e Eva. 3.1. As Circunstâncias da Celebração Quando Adão e Eva foram unidos por Deus, formando o primeiro casal, eles tinham circunstâncias diferentes da nossa. Em Gênesis vemos como Deus livre e soberanamente criou todas as coisas. Tudo foi criado por Deus para a sua própria glória. Esse era o propósito supremo. Lá encontramos Deus criando o sol, a lua, as estrelas, etc., e mencionando com certos detalhes cada coisa que Deus trouxe à existência. Um detalhe importante é que sempre temos a repetição da satisfação de Deus na sua criação quando reiteradas vezes vemos a expressão “e viu que era bom”. Essa afirmação aparece em vários versos (4, 10, 12, 18, 21, 25 e 31). No versículo 31, do primeiro capítulo, destaca-se o fato de uma sutil mudança na linguagem e acrescentar um advérbio de intensidade: “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”. A completude da obra de Deus é vista por Ele mesmo como muito boa. Disso depreendemos que Deus não criou nada mal. Não havia mal físico ou moral e, portanto não havia nenhum tipo de experiência negativa entre Adão e Eva. Isso muda quando o pecado entra no mundo. Entendendo isso somos levados a perceber que as circunstâncias que Deus criou para o casamento de Adão e Eva eram perfeitas. Vamos analisá-las. 3.1.1. Circunstâncias ambientais perfeitas O lugar que Deus criou para celebrar o primeiro matrimônio era perfeito. A presença de Deus conferia àquele lugar segurança, paz, beleza e amor enchendo tudo de vida. O lugar onde o homem e a mulher vivem é um jardim repleto de árvores e bem regado: o jardim do Éden (Gn 2.16-17). “Há harmonia completa, desde as mais elevadas formas de vida até as mais inferiores. Embora haja tarefas a cumprir (v. 15), o homem não 79 KOSTENBERGER, Andreas J. Deus, Casamento e Familia. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 32. 41 precisa lutar para extrair o sustento de uma terra hostil... a vida no Éden é a ideal... no jardim não há mal... o pecado não existe.”80. No mandato cultural o homem explorava a terra ao mesmo tempo em que a preservava. O ambiente era perfeito. Não havia cardos, espinhos e abrolhos como haverá depois da entrada do pecado no mundo (Gênesis 3.17 e 18). Adão e Eva viviam num ambiente livre de germes, infecções, doenças transmissíveis, etc, bem como num ambiente limpo e saudável. Nenhuma parte da criação de Deus foi criada manchada pelo pecado81. O jardim do Éden era um lugar sem vestígios de medo, tristeza, pranto ou morte. “O Éden... era um lugar de vida. O vínculo de vida entre o homem e a mulher e entre Deus e os seres humanos deveria permanecer intacto. Não existiria separação e seus efeitos degenerativos. Resumindo, não existiria morte no Éden...”82. O que havia era uma imensa harmonia entre o primeiro casal e a criação. Os esforços de Adão e Eva eram coroados com o êxito. A relação de domínio com os animais era tranqüila e pacífica. O cultivo e a exploração da terra eram feitos sem qualquer depredação e com retorno certo e líquido. Não havia nenhuma influência maléfica na criação que pudesse desvirtuar o propósito do homem e da mulher de glorificar a Deus. Os problemas só vão aparecer tanto no aspecto físico como moral e espiritual (que discutiremos depois) quando o pecado entra no mundo. Somente quando Eva e Adão tomam do fruto e comem é que começam as deploráveis conseqüências desse ato. Adão e Eva foram agraciados com condições ambientais perfeitas. A presença de Deus fazia do Éden um santuário de graça. Era “...um local espiritual e social. Era o lugar onde o casamento e a vida familiar chegariam a uma expressão rica. De fato, era o cenário para uma vida pactual enriquecedora e completa”.83 3.1.2. Circunstâncias sociais perfeitas Na criação, conforme a vemos em Gênesis 1 e 2, não temos problemas de ordem social. A convivência entre Adão e Eva, que nesse momento formavam a sociedade de então, 80 LASOR, William. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 27. Ver VAN DIKE, Fred e outros. A Criação Redimida. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. 82 GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação. O Reino, a Aliança e o Mediador, volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, pp. 95. 83 Ibid., p. 117. 81 42 era perfeita, em atitudes, palavras e ações. O companheirismo era perfeito, como também o intercurso sexual. A criação da mulher revela que Deus não queria que o homem vivesse isolado mas, vivessem perfeitamente em comunidade, isso é revelado na expressão “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18), antes da mulher ser criada. O homem não exercia sua autoridade sobre a mulher de maneira autoritária, mas amorosa. Nunca efetivamente a rebaixava da sua dignidade, afinal era também fora criada à imagem e semelhança de Deus. Havia, cremos, da parte do homem sacrifício abnegado, compromisso amoroso e uma real proteção revelada em cuidados e valorização da esposa. E a mulher lhe era uma ajudadora idônea, submissa. E via a submissão como uma dádiva de Deus. “Homem e mulher, Adão e Eva, viviam em perfeita harmonia um com o outro. Não havia competição descabida, nem luta pelo poder, vingança ou recriminação. Não existiam conspirações secretas ou palavras ásperas, não havia medo, culpa, vergonha ou rebeldia contra a autoridade. Havia entendimento, comunicação e amor. Não existia luta de identidade, ansiedade, depressão ou vícios. Não existiam histórias pessoais doloridas a serem superadas. Não havia medo do que poderia acontecer a seguir, nem havia motivações ambíguas ou luta com desejos desordenados... 84. Na condição pura em que foram criados Adão e Eva eram dependentes de Deus e interpendentes em relação ao próximo. “Havia unidade de propósito... unidade de visão... unidade de valores e unidade física na relação sexual...”85. Não havia nas atitudes de Adão ou de Eva, algo que inspirasse desentendimento ou dificuldades. Não havia ciúmes, brigas, impaciência, stress, nada que abalasse, por mínimo que fosse, o relacionamento. Não havia críticas, vingança, malicia, avareza, maldade, calúnia, contenda, dolo, malignidade (Romanos 1). Não haviam metas egoístas, autorreferentes, algo como alguém saindo em busca de satisfazer as suas próprias necessidades sem considerar o outro. Não havia palavras ofensivas. Visto que estas foram um dom que Deus deu aos homens e a mais nenhuma outra criatura, as palavras são importantes. Por elas Deus se comunicou com Adão. E, o Criador deu aos homens a dádiva da fala. E a negou ao resto da criação. Tripp diz que “Deus elevou a fala a um lugar de altíssima importância como seu veiculo primário da verdade. Por intermédio de palavras, aprendemos as verdades mais 84 85 TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: Nutra, 2009, p. 18. GOMES, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade. Brasília: Refúgio, 1999, p. 88. 43 importantes a serem conhecidas – verdades que revelam a existência e a glória de Deus, que geram vida”86. Digamos, ainda que de passagem, que foi também por intermédio de palavras que o homem caiu. Quando Satanás redefiniu e reinterpretou o grande propósito de Deus, insinuando que Deus estava retirando deles algo indispensável e que ao comer eles seriam como Deus, o mal entrou no mundo. Satanás lança dúvida sobre o amor e a bondade de Deus quanto às suas criaturas e apresenta a ilusão de que seria melhor uma vida sem a ingerência de Deus. Porém, voltando ao início da criação, tudo o que era dito, refletia a glória de Deus. A linguagem não era usada para manipular, denegrir, ferir, ofender. Não havia gritos, xingamentos ou condenação. Não se percebia nas palavras qualquer egoísmo, ofensa, engano ou orgulho. As palavras trocadas entre Adão e Eva eram cheias de verdade, pureza, amabilidade, compreensão, e que visavam e refletiam a glória de Deus. Todas as coisas no relacionamento deles estavam em perfeita harmonia. Com o pecado, a unidade entre os dois se desfaz. Veremos mais sobre isso no capítulo três. 3.1.3. Circunstâncias morais perfeitas Do texto de Gênesis depreendemos que as condições morais também eram as ideais. Nos é dito no capítulo 2, versículo 25, que eles estavam nus, mas não se envergonhavam. Eles tinham uma relação perfeita, como mencionado acima, porque eram moralmente bons, ainda que com a possibilidade de pecar. Algo, é bom que se diga, derivado da bondade do próprio Deus, que criando o homem à sua imagem e semelhança lhe conferiu isso. “...Para Adão e Eva que não conheciam pecado ou culpa, nada vergonhoso os separa um do outro. A ideia de nudez sem vergonha, sugere a confiança perfeita, naturalidade e abertura deles”.87 Havia uma unidade perfeita como reflexo da unidade necessariamente perfeita que gozava a Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. O homem e a mulher foram criados para refletir essa unidade. 86 TRIPP, Paul. Guerra de Palavras. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 17. Nesse livro, Tripp faz uma longa análise da fala a partir do quadro de referência criação-queda-redenção. Ver também ADAMS, Jay A. Conselheiro Capaz. São José dos Campos: Fiel, 2008, capítulo xx. 87 DORIANI, Daniel. O Homem Segundo o Coração de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 56. 44 Não havia também, desvios morais tais como relações sexuais fora do casamento (até porque eles estavam sozinhos), promiscuidade, sexo com animais, pornografia, masturbação, homossexualidade ou qualquer outro tipo de atividade que envolvesse qualquer desvio do propósito de Deus no tocante ao relacionamento sexual marido e mulher. Somente com a entrada do pecado no mundo é que teremos problemas de ordem moral, tais como, as encontramos no decorrer do livro de Gênesis: o início da poligamia (4.19), o início da libertinagem (6.2), o início da sodomia (19.5), o início da relação sexual entre pai e filhas (19.30-38), o início do estupro (34.2), o início da relação sexual entre enteado e madrasta (35.22), o início da prostituição (38.12-19) e o início do desrespeito aos compromissos conjugais (39.7-20). Só não se menciona algum caso de bestialidade (prática sexual com animais), que, talvez, já tivesse acontecido, já que um dos mandamentos de Deus proíbe que alguém se deite com animais (Lv 18.23). Jesus Cristo engloba todas essas “novidades” na área do sexo como “relações sexuais ilícitas” (Mt 5.32) 88 . Acrescente-se ainda, assassinatos (Gn 4; Gn 34); ausência de bom caráter (conforme caracterizado por Rebeca, Jacó, Labão, entre outros), etc. Isso tudo só veio a se concretizar no seio da família depois da entrada do pecado no mundo. E aqui mais uma vez vemos que tudo está relacionado. Os aspectos moral, social e espiritual estão intimamente relacionados e o pecado mancha todos eles. 3.1.4. Circunstâncias espirituais perfeitas Os homens são objetos do cuidado especial de Deus. Segundo William Lasor “o relacionamento de Deus com a humanidade é pessoal e imediato. A humanidade recém-saída da mão do Criador é uma pictografia da “imagem de Deus”. A ênfase aqui, portanto, recai na fragilidade, mortalidade e total dependência da humanidade em relação a Deus”. 89 Dependência essa que deveria ser mantida por Adão e Eva em não comerem a árvore do conhecimento do bem e do mal. Aqui, antes da queda, Deus e Adão e Eva tinham uma perfeita comunhão. Nessa intimidade Deus os instruía pessoalmente, deu-lhes provisões, e falava com eles na viração do dia. Não havia tendência para adorar a criatura em lugar do Criador. 88 CÉSAR, Elber. Casamento e Família: Encantamento e Obrigações. Viçosa-MG: Ultimato, 2013. E-book, p. 8. 89 LASOR, William. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 26. 45 É importante observar que Deus manteve e mantém um relacionamento com toda a criação. Porém, com o ser humano esse relacionamento era impar. Gerard Van Gronigen diz que “Deus estabeleceu um vínculo um vínculo de vida e amor entre si mesmo e o homem... Esse vínculo é conhecido como sendo pactual”90. Nada atrapalhava esse relacionamento de Deus com o homem. Não havia desejos de autonomia, nem rebeldia. O homem vivia em completa dependência de Deus e para a glória de Deus. Adão e Eva viviam em perfeita consonância com a razão para o qual foram criados: amar e obedecer a Deus sobre todas as coisas. Esse relacionamento, apontaremos, é interrompido pelo pecado e será restaurado em Cristo. E, óbvio, teremos implicações dessa quebra de relacionamento também no casamento. 3.1.5. Obediência: A condição estabelecida Cercados por todas essas perfeições, Deus fez uma exigência a Adão e Eva. O que Deus exigia de Adão e Eva? Obediência! Assim diz o texto sagrado: “E o Senhor lhes deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres certamente morrerás.” (Gn 2. 16-17). Para manter o seu relacionamento com Deus Adão haveria de manter-se na condição em que fora criado; santo, sem pecado. A lei ou ordem que Deus lhe deu é a Sua exigência para manter este relacionamento. Se o nosso primeiro pai saísse deste estado haveria morte. Morte física. Morte espiritual. É natural que pensemos desta forma. Adão está num relacionamento com um Deus que é Santo, e para se relacionar com Ele é necessário também ser santo, precisa-se estar à altura dEle. O Rev. Moisés Bezerril explica isto: Ora como seria estabelecida uma relação de vida entre o Deus que é todo santidade e justiça, de natureza infinitamente superior ao homem, e o homem, uma criatura, com a possibilidade de queda, e infinitamente inferior ao seu Criador, se não fossem dadas as condições de serem satisfeitas as exigências divinas para esta relação? Estas condições resumem-se na exigência que Deus fez na sua Lei, para o relacionamento entre Deus e Suas criaturas, o que é nada mais nada menos do que a dispensação do Seu caráter e dos Seus atributos. Isto significa que para entrar numa relação com Deus, Ele mesmo exige condições de caráter igual ao Seu, o que está revelado em Sua Lei. Sem essas condições ninguém pode se relacionar com Deus. Se não forem cumpridas, o homem entrará numa relação penal com Deus por não ter atingido as suas exigências.91 90 GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação. O Reino, a Aliança e o Mediador, volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, pp. 84. 91 BEZERRIL. Moisés. A Dispensação do Pacto. Recife: Edição Própria, 1998, p. 9 e 10. 46 A exigência era uma só: não comer do fruto do conhecimento do bem e do mal. Se assim o fizesse Adão teria a vida. Mas tal coisa não acontece. Adão desobedeceu à Lei de Deus. Ele cedeu à tentação. Mesmo cercado de todas as dádivas mencionadas acima, Adão e Eva resolveram provar do fruto do conhecimento do bem e do mal. A partir daí tudo no mundo mudou. É o que veremos no próximo capítulo. 47 QUESTIONARIO 1. Quais são os três mandatos que encontramos na criação? 2. Sobre o que fala o mandato cultural? 3. Sobre o que fala o mandato espiritual? 4. Sobre o que fala o mandato social? onde este mandato é entendido, obedecido e desenvolvido? 5. Segundo a Confissão de Fé de Westminster para que Deus criou o casamento? 6. Uma pessoa não temente a Deus pode ter um casamento bem-sucedido? Explique. 7. As circunstâncias da celebração do matrimônio eram perfeitas. Quais eram? 8. Em que essas circunstâncias perfeitas influenciam no casamento de Adão e Eva? 9. Essas circunstâncias eram méritos deles ou dádivas do Criador? 10. Qual a responsabilidade de Adão e Eva, em meio a todas essas bênçãos que o Deus Pactual lhes deu? 48 LIÇÃO 4: CASAMENTO E PACTO – O HOMEM UM SER PACTUAL (TEORREFERÊNCIA) INTRODUÇÃO Um dos problemas que invariavelmente enfrentamos é quando partimos de pressupostos não-bíblicos para fazer uma análise do casamento. Há um bom número de livros que tratam a respeito do casamento. A maioria infelizmente trata-o numa relação meramente humana, enfatizando e supervalorizando necessidades, que nos são dadas por Deus, mas que nesse caso se tornam ídolos a serem satisfeitos92. Essa é uma constatação simples! Se começamos com uma visão humana, com a criatura em lugar do Criador como nos diz Paulo em Romanos capítulo 1, chegaremos a práticas e convicções humanistas, pragmáticas, sociológicas em lugar dos ensinos da Palavra de Deus. Isso, é claro, não implica em dizer que temos que descartar a sociologia, a psicologia e outros ramos da ciência. Mas, nenhum deles pode substituir a Palavra de Deus. Uma parte dos livros que lemos sobre o propósito do casamento nos ensina que o propósito de Deus para o casamento foi a solidão de Adão, conforme vemos em Gênesis 2.18: “Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. A partir desse texto, acreditamos que o casamento foi instituído por Deus para espantar a solidão, e assim sejamos mais felizes e realizados com a sensação de que pertencemos a alguém (outro ser humano); ou que estejamos seguros e nos sintamos importantes porque estamos sendo amados93. Obviamente não havemos de negar que o relacionamento humano é desenhado por Deus para a felicidade humana. Porém quando pensamos dessa forma, alçando as nossas 92 Um caso muito difundido no Brasil é o livro Casamento Blindado. Neste os autores tratam de vários assuntos sem fazer quase nenhuma referência ao fato de que o homem é um ser pactual criado por Deus. A premissa básica desse livro é que temos de aprender que o nosso maior problema é olhar para o outro com nossas próprias lentes de valores, experiências, etc. (p. 24). Entretanto, o que devemos aprender é olhar o outro com todo o seu histórico e desenvolver habilidades para encontrarmos um modo de ter um casamento perfeito (blindado). O referencial continua sendo o ser humano. Ver CARDOSO, Renato e Cristiane. Casamento Blindado – O seu casamento à prova do divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2012. Especialmente o capítulo 2: O problema é mais embaixo. 93 Nessa linha a quantidade de livros é exorbitante. Mesmo que cristãos, abordam o casamento com pressupostos culturais, mais que bíblicos. O número é tão grande que cito apenas uma amostra. CRABB, Larry. Como Construir um Casamento de Verdade. Belo Horizonte: Betânia, 1995. PURNELL, Dick. Como Construir um Relacionamento Duradouro. São Paulo: Candeia, 1997, 2ª. Ed. DRESCHER, John. Começar de Novo... São Paulo: Mundo Cristão, 1997. CLOUD, Henry. TOWSEND, John. Limites no Casamento. São Paulo: Vida, 1990. CHAPMAN, Gary. O Casamento que Você Sempre quis. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. LEMAN, Kevin. Transforme Seu Marido Até Sexta-Feira. São Paulo: Mundo Cristão, 2010. Embora acertem em muitas coisas, erram nos pressupostos, pois levam mais em consideração a imposição sociológica do que as diretrizes bíblicas. 49 necessidades e colocando a outra pessoa num patamar de “causador da nossa felicidade”, estamos fazendo do cônjuge um ídolo. Não são poucas as vezes que os conselheiros cristãos têm de lidar com casamentos destroçados porque simplesmente os pares “sentem” que suas necessidades não estão sendo supridas. Não são poucas as vezes que lidamos com problemas graves no casamento como adultério real e virtual, problemas com pornografia, porque o marido ou a mulher não está suprindo as “necessidades” e um ou outro “se sente” só e justificado em sua prática pecaminosa. Deus não fez a mulher porque Adão se sentia só como quer a nossa sociedade narcisista. A passagem não diz nada sobre os sentimentos de Adão. Deus criou a mulher não porque Adão sentia solidão, mas para ajudá-lo a cumprir os mandatos cultural e social dos quais falamos acima, a saber, crescer multiplicar, encher a terra e subjugá-la. E claro, ele não poderia fazer isso sozinho. Não era para satisfazer uma necessidade psicológica primeiramente, mas para cumprir o propósito da raça humana. Este propósito além de glorificar a Deus, também traz satisfação ao ser humano. Por isso, quando homem e mulher, mesmo não-crentes, entendem o propósito do casamento, tendo filhos e, sim, se deleitando um no outro, na relação sexual, no companheirismo e nas atividades conjuntas eles também gozam da felicidade do casamento. Então, quando casamos, temos filhos, subjugamos a terra, estamos construindo o reino de Deus. O que devemos fazer é buscar uma perspectiva teocêntrica do casamento. O homem é um ser pactual conforme vemos nas Escrituras. Deus fez um pacto com Adão e Eva. E a quebra desse pacto conforme veremos no capítulo 3 traz graves conseqüências para o casamento. Quando Deus criou Adão e Eva, fez com eles um pacto, já dissemos. Mas, o que é um pacto? Um pacto ou aliança é um contrato firmado entre duas pessoas. Estas duas pessoas podem ou não estar em pé de igualdade. Quando se trata de um pacto firmado entre seres humanos, este é bilateral, há igualdade de ambas as partes. Entretanto, quando se trata do pacto de Deus com os homens, não há igualdade de ambas as partes. O Dr. Mauro Meister, indica que este ato é chamado pelos teólogos da aliança de ‘unilateral’, de ‘monergista’ ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus termos 94 . Portanto, estamos falando de uma aliança que não envolve um acordo de duas partes, no qual não existe negociação de direitos e 94 Outro termo teológico que é usado é sinergismo, que basicamente significa que há um esforço das duas partes, de Deus e do homem. Esse terno não é usado na teologia reformada. 50 obrigações.95 “O pacto é uma expressão da vontade de Deus, não do homem, e o homem deve aceitar as condições que se propõem, confiar em Deus em que [estas condições] são santas, justas e boas, e ordenar sua vida em conseqüência disto”.96 Esse pacto consistia simplesmente em que o homem deveria cumprir perfeitamente o mandamento de Deus. Assim fazendo ele seria justificado, desta forma, Deus lhe concederia vida. O casamento também tem uma linguagem pactual na Bíblia. Em Malaquias 2.14 por exemplo, lemos que “...o SENHOR foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher da tua aliança”. Não se trata apenas de ir para uma bela cerimônia, trata-se dos votos, de um compromisso permanente e exclusivo de compartilhar as vidas um com o outro na presença de Deus. Vejamos os propósitos da instituição do casamento: 4.1. Expressar o amor e a bondade do Criador Criados à imagem e semelhança de Deus, homem e mulher deveria no seu próprio relacionamento expressar o amor e a bondade do Criador. O homem e a mulher relacionavam-se entre si, manifestando este amor e bondade. A autoridade que o homem demonstrava sobre ela, não era com autoritarismo, nem com motivos escusos. Em outras palavras, demonstrava amor e bondade. O homem refletia assim, a bondade e amor do Criador. De igual modo, a mulher demonstrava submissão sem desejo de controlar o marido. A esposa refletia a vontade de Deus auxiliando, apoiando, e ajudando o marido a desempenhar seu papel de como mordomo da criação, como Deus o havia colocado. Ambos demonstravam submissão à ordem da criação. Embora eles se relacionassem perfeitamente, o relacionamento deles não era um fim em si mesmo. Havia um alvo mais elevado. Eles foram criados para expressar o amor e a bondade de Deus (esse é o nosso ponto aqui). Na aceitação um do outro, no se dar um ao outro eles demonstravam que Deus havia criado os seres humanos em santidade e para se deleitarem com a presença um do outro, como Ele se relaciona consigo mesmo e agora também com toda a criação. Na aceitação um do outro eles expressavam que Deus bondosamente havia criado o matrimônio. Ficava claro que o casamento era uma dádiva de 95 MEISTER, Mauro Fernando. Artigo: Uma breve introdução ao estudo do Pacto. In Fides Reformata. Volume III, nº. 01. Janeiro a Junho de 1998. p. 117. 96 MACHEN. J. Gresham. Visión Cristiana del Hombre. 1 ed. (Barcelona: El Estandarte de la Verdade, 1996), p. 153. Tradução Própria. 51 um Deus amoroso e bondoso ao homem e à mulher. Foi com a entrada do pecado no mundo que Adão e Eva reverteram esse pensamento. Entretanto, mesmo depois da queda, e o conseqüente enfraquecimento dessa expressão, ainda somos chamados a expressar o amor e a bondade do Criador. E a revelamos quando nos aceitamos um ao outro, num modelo relacional fundamento em importantes aspectos teológicos como a doutrina da justificação, por exemplo. Nela somos aceitos não pelo que fazemos, não pelas nossas obras (Ef 2.8-10), mas somos aceitos por causa dos méritos do nosso Redentor. “Por mais sério que fosse o pecado humano, a vida do Deushomem era tão boa, tão exaltada e tão preciosa que o seu oferecimento na morte pesa mais que o número e a grandeza de todos os pecados, e a reparação devida foi feita à honra ofendida de Deus”.97 Assim, devemos expressar nos nossos relacionamentos marido e mulher, o amor e a bondade de Deus hoje, mesmo como seres caídos. “Ele nos aceitou como seus filhos e nos aceita em sua família, não por causa do nosso desempenho, mas por causa de sua graça. São essas as razões pelas quais nós aceitamos e amamos uns aos outros”.98 Quando assim agimos estamos revelando o amor e a bondade do Senhor e refletindo a glória do Deus Trino que na criação do homem mostrou esse relacionamento consigo mesmo, quando disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. 4.2. Expressar comunhão com o Criador Essa comunhão com o Criador é algo estabelecido desde o início, quando Deus disse a Adão e Eva que não deveriam comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Essa comunhão expressa não apenas por Adão, mas pelos dois, Adão e Eva, deveria ser a demonstração de um relacionamento íntimo e perfeito com Deus, uma relação de obediência, de dependência e responsabilidade. Essa comunhão era demonstrada no fato de que eles falavam com Deus na viração do dia. Essa comunhão, ressaltamos, é estabelecida por Deus, visto que Deus os trouxe à existência. “Deus estabeleceu um vínculo de vida e amor entre si próprio e o homem... Assim como Deus deseja e ama, assim também o portador da sua imagem, o homem. E esse vínculo de vida e amor funciona mutuamente, dinamicamente, significativamente e é frutífero...”99. 97 STOTT, John R. W. A Cruz de Cristo. 6ª reimpressão. São Paulo: Vida, 1999, p. 108. HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 28. 99 GRONINGEN, Gerard. Criação e Consumação. O Reino, a Aliança e o Mediador, volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, pp. 84. 98 52 Essa comunhão não poderia ser estabelecida por Adão, visto que é unilateral e amorosamente imposta pelo soberano Deus. Como vimos, esse mandato espiritual é o relacionamento mais importante do homem. O relacionamento com a criação e entre eles dependia diretamente desse. “Deus sabia que apesar de Adão e Eva serem pessoas perfeitas, vivendo em um relacionamento perfeito com Ele, sozinhos não podiam entender a vida. Fomos criados para sermos dependentes. Deus teve de explicar a eles o que eram e o que deveriam fazer de suas vidas. Eles não precisavam de Deus porque eram pecadores. Precisavam da ajuda de Deus por serem humanos”.100 Quando Adão e Eva obedeciam o mandato social dentro dos padrões estabelecidos por Deus, também expressam essa comunhão com o Criador. Isso é absolutamente importante porque vivemos numa sociedade que tenta dar significado a uma pessoa por meio de títulos, poder, posição e posses. Só encontramos significado em Deus e somente nele. Ele nos criou assim, para sermos dependentes dele. Num casamento, homem e mulher, não são primeiramente dependentes um do outro, mas são criados para serem dependentes do próprio Deus, e expressam por meio da comunhão um com o outro a comunhão que tem com o Criador. O homem foi criado para a glória de Deus, pois “...o casamento é uma aliança estabelecida por Deus, e vivida diante de Deus, para expressar simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real. O casamento humano expressa todos os dias simbolicamente a Aliança de Deus conosco...”101. Ainda que nunca houvesse pecado o homem e sua mulher continuariam dependentes de Deus, como dito acima. Porém, mesmo com o pecado, os homens devem manifestar a sua comunhão com Deus por meio do relacionamento conjugal. Quando os dois vivem dentro dos padrões de Deus, como Adão e Eva viviam, eles testemunham que foram criados para ter comunhão com o Criador. Tudo o que o homem faz está relacionado a Deus. 4.3. Expressar culto e adoração ao Criador Em Romanos 1.19 em diante Paulo mostra que o homem é um ser inerentemente adorador. Em qualquer situação, em qualquer lugar, sob qualquer circunstância o homem é um adorador. Lloyd-Jones diz que 100 101 TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: Nutra, 2009, p. 69. GRONINGEN, Gerard. A Família da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997. 53 “Os antropólogos e outros pesquisadores que têm investigado esse problema produziram... importantíssima prova: as tribos mais primitivas entre os pigmeus, no coração da África, tribos como os aborígines da Austrália e de certas partes do noroeste do continente americano, onde quer que se encontre o povo mais primitivo que se possa imaginar, mesmo ali se acha este senso de um Ser Supremo. É universal na natureza humana”102. Paulo continua explicando que, por causa da queda, o homem no seu raciocínio falho, acaba adorando a criatura no lugar do Criador. “Os seres humanos são criaturas inerentemente religiosas. Não podemos viver sem um Deus, mesmo que ele seja fabricado por nós. Precisamos de um centro, de um foco supremo, de um ponto de orientação para nossa vida. Temos de fato duas alternativas. Ou servimos ao Senhor e obedecemos à sua vontade, ou praticamos idolatria em desobediência.103 Quando foi criado, Adão expressa em todas as suas relações essa adoração a Deus, no cumprimento daquilo que Deus o havia ordenado. No casamento isso é também verdadeiro e esperado. Quando Deus criou o homem e a mulher para a sua glória, eles deveriam expressar seu culto a Deus por intermédio da sua relação marido e mulher. Eles deveriam glorificá-los nas palavras pronunciadas um ao outro, nas atitudes e até no ato sexual. Ainda depois do pecado, conforme citado acima isso continua como estrutura. Não há grupo de pessoas que adora e outro que não adora. Todos adoram a Deus ou a alguma coisa, um ídolo.104 Tripp nos explica o quanto isso é abrangente nas nossas vidas, ele escreve: Lloyd-Jones. Martin. Romanos 1 – O Evangelho de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 477. 103 WALSH, Brian J. MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora – Moldando uma Cosmovisão Cristã. São Paulo, Cultura Cristã, 2010, p. 55. Essa também é a ideia de João Calvino. No primeiro livro das suas Institutas da Religião Cristã, ele afirma que “no espírito humano há, por inclinação natural, certo senso da Divindade... Ora, como os próprios pagãos a confessam, não existe nação tão bárbara, nenhum povo tão selvagem que não tenha impressa no coração a existência de algum Deus. E, por outro lado, aqueles que parecem não diferir quase nada dos animais irracionais, não obstante sempre conservam uma semente da religião, de tal modo esta concepção universal arraigou-se em todos os espíritos e se fixou em todos os corações. Portanto, visto que desde o princípio do mundo não há região nem cidade nem mesmo casa alguma que não tenha nada de religião, nesse fato nós temos uma confissão tácita de que há um senso da Divindade gravado no coração de todos os seres humanos. Até a idolatria nos serve de grande argumento em favor desta idéia. Porque sabemos quanto o homem se tem humilhado, contra si mesmo, e em seu detrimento tem prestado honra a outras criaturas. Pois lhe parece melhor cultuar a madeira e a pedra do que ter fama de que não tem nenhum deus, o que mostra quão forte é este sentimento nele impresso da Majestade divina, impressão de tal modo difícil de apagar do espírito humano que seria mais fácil eliminar os seus afetos naturais. Como certamente estes são eliminados quando, da sua elevação e da sua presunção, o homem se rebaixa voluntariamente e se coloca abaixo das criaturas menos nobres da terra a fim de prestar honra a Deus. CALVINO, João. Institutas, I.iii.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 56. Ênfase acrescentada. 104 TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: Nutra, 2009, p. 74. 102 54 “O objetivo de Deus era que a adoração fosse a essência da motivação das nossas vidas. Adão e Eva foram criados para que tudo em suas vidas ganhasse sentido e propósito a partir da pessoa, presença e propósito de Deus. Chamamos isso de referência baseada na pessoa de Deus. Por causa disso, tudo que um ser humano faz expressa adoração. O que você faz e a maneira pela qual faz expressa seu desejo de servir a alguma coisa...” 105 No caso de nossos primeiros pais, não havia nenhuma distorção. Eles adoravam a Deus e o cultuavam no seu relacionamento, pois como já discutimos anteriormente não havia pecado no mundo. Entretanto, apesar da queda, continuamos com a estrutura, porém com a direção corrompida. 4.4. Um Propósito mais abrangente: Glorificar a Deus. Esse aspecto está ligado a tudo quanto dissemos anteriormente. E Adão e Eva obtiveram êxito ao fazer isso. Eles glorificavam a Deus enquanto não haviam caído em pecado. Esse propósito supremo era evidenciado no relacionamento perfeito que eles viviam. Abraham Kuyper nos ensina que “se tudo o que é existe por causa de Deus, então se segue que a criação toda deve dar glória a Deus. O sol, a lua e as estrelas no firmamento, os pássaros do céu, toda a natureza ao nosso redor, mas, acima de tudo, o próprio homem que, como sacerdote, deve fazer convergir para Deus toda a criação e toda a vida que se desenvolve nela. E embora o pecado tenha insensibilizado grande parte da criação para a glória de Deus, a exigência – o ideal, permanece imutável, que cada criatura deve ser submergida no rio da religião e terminar por colocar-se como uma oferta religiosa sobre o altar do Todo-Poderoso”106. Kuyper continua explicando que o quer que o homem faça, onde quer que ele vá, ele está diante da face de Deus e deve objetivar a glória de Deus. A religião está entranhada no ser humano. A humanidade é possessão de Deus. “Pois Deus não apenas criou todos os homens, ele não apenas é tudo para os homens, mas sua graça também estende-se não somente como uma graça especial ao eleito, mas também como graça comum (gratia communis) a toda humanidade”107. O propósito de que fomos criados para adorar a Deus é expresso no próprio fato da criação. O salmo 19 diz: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”. 105 Id. Ibid. KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 62. 107 Ibid. p. 63. 106 55 Mas, cremos que não apenas na criação, incluindo homem e mulher na aliança do casamento (Ml 2.14), mas também na consumação, Deus será glorificado, porque esse é o objetivo maior. Isso podemos ver claramente no livro de Apocalipse quando toda a igreja, anjos, enfim toda a criação representada glorifica a Deus pelo que Ele é, e pelos seus feitos. Paulo também sumariza isso com grande clareza: “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. Glória pois a ele eternamente amém”. (Rm 11.36). Também em Colossenses 2.16, aparece quase a mesma expressão. Em Apocalipse 4. 11 lemos: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas”. Nossa Confissão de Fé diz que “Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis”. (Capítulo IV, seção 1, grifo meu). O comentarista da Confissão de Fé, A. A. Hodge, diz que “...Nossa confissão, mui explicitamente, assume a posição de que o fim principal de Deus, em seus eternos propósitos, e em sua execução temporal da criação e providência, é a manifestação da sua própria glória”108. E acrescenta que a manifestação dessa glória tem também a maior medida possível de bem à criatura. Um comentário bem ao modo da primeira pergunta do Breve Catecismo: “O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Glorificar a Deus era o grande propósito da criação do primeiro casal e deve ser o nosso grande propósito, mesmo quando as coisas não vão bem, quando a realidade é dura, e quando o amor vacila109. É buscando não a nossa própria glória, mas nos submetendo ao que Deus exige de nós que o atingimos o propósito de glorificá-lo. Esse propósito passa por submeter o casamento e decisões ao critério da Palavra de Deus, a autoridade sobre o casamento. Desejamos ressaltar que cada aspecto do casamento tem referência a Deus. Ele o institui na ordem da criação. “O casamento... é um vinculo sagrado entre um homem e uma mulher, instituido por Deus e firmado diante dele (ainda que o casal não reconheça isso), consumado normalmente pela relação sexual”.110 108 HODGE, A. A. Confissão de Fé de Westminster Comentada. São Paulo: Puritanos, 1999, p. 121. HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 74. 110 KOSTENBERGER, Andreas J. Deus, Casamento e Familia. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 82. 109 56 Essa ênfase ao propósito do casamento, bem como de todas as coisas existentes, a saber, trazer glória ao nome de Deus, deve ser posta para o bem da própria família, por razões expostas acima. No casamento não estamos apenas frente a frente com o cônjuge. No casamento estamos primeira e primordialmente frente a frente com Deus. E, “numa época em que o matrimônio, mesmo entre os crentes, está ficando cada vez mais frágil e instável... em que a maioria das crianças cresce ignorando, segundo os moldes pagãos, tanto a Deus quanto às suas leis...”111 precisamos ensinar que o propósito principal, e por outro lado o que também trará unidade ao casamento de dois pecadores, homem e mulher, “é a paixão singular pela glória de Deus”.112 Sabemos que Adão e Eva não se submeterem ao propósito de Deus em revelar o amor e a bondade, refletir a sua imagem, em suma, em glorificar a Deus. E, como veremos mais à frente, mesmo tenhamos claro em nossa mente que o casamento deve almejar a glória de Deus, não significa que os problemas acabarão. Os conflitos sempre existirão, até que Cristo nos restaure completamente, porque somos pecadores casados com pecadores. Com a queda o homem tende a olhar para dentro de si mesmo, ao invés de para fora. Torna a si mesmo o referencial. Ele se assume como centro do universo ao invés de aceitar que Deus é o criador e Sustentador de todas as coisas e, conseqüentemente o centro de todas as coisas113. PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus –Uma visão Puritana da Vida Cristã. São Bernardo dos Campos: Fiel, 1996, p. 280. 112 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 91. 113 SCHAEFFER, Francis A. Verdadeira Espiritualidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 189. 111 57 QUESTIONÁRIO 1. Qual o problema dos livros que não tratam o livro dentro do arcabouço do pacto? 2. Do ponto de vista do autor, para que o casamento foi dado por Deus aos homens? Você concorda com ele? Explique. 3. Por que o pacto de Deus com o homem não pode ser considerado sinergista, mas monergista? 4. Qual o primeiro propósito da instituição do casamento? 5. Como, nos seus papéis, homem e mulher expressam o amor e a bondade de Deus? 6. Qual o segundo propósito da instituição do casamento? 7. Como homem e mulher expressam por meio do casamento a comunhão com e a dependência de Deus? 8. Qual o terceiro propósito da instituição do casamento? 9. Qual o quarto propósito da instituição do casamento? 10. Por que glorificar a Deus é o propósito mais abrangente da instituição do casamento? 58 LIÇÃO 5: OBSTÁCULOS AO PROPÓSITO DO CASAMENTO (QUEDA) INTRODUÇÃO: A Confissão de Fé de Westminster faz menção ao pacto das Obras (Capítulo VII, seção II) dizendo: “O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal”. É importante, entretanto, salientarmos que Deus não tinha obrigação nenhuma de dá vida ao homem, mesmo o homem cumprindo a sua parte. Deus como criador poderia exigir isto do homem como um direito que Lhe cabia. Deus concederia vida ao homem como dádiva e não como obrigação. J. Gresham Machen afirma: “...[Deus] não tinha obrigação nenhuma de fazê-lo (de conceder vida), exceto no sentido em que todas as ações de Deus estão vinculadas necessariamente à bondade infinita do seu próprio ser”.114 Esta é uma das razões pelas quais os teólogos não gostam de falar de “Pacto das Obras”.115 Assim, pois, este pacto das obras que Deus fez com o homem foi algo gracioso, gratuito. Ele continha uma possibilidade de morte, mas também uma promessa de vida eterna. Se passasse pela tentação haveria vida; caso contrário haveria morte. Assim diz o texto sagrado: “E o Senhor lhes deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres certamente morrerás.” (Gn 2. 16-17). Adão e Eva, entretanto, escolheram a alternativa errada. Tomaram o caminho errado. Ao pecar saíram do estado em que foram criados; escolheram o caminho da morte. A serpente tentou a Eva dizendo que Deus dera aquela ordem porque sabia que quando eles comessem seriam como Ele, seriam conhecedores do bem e do mal (Gn 3. 5). E o próprio texto narra o que aconteceu a partir de então. “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu” (vs. 6). Em outras palavras quebraram o pacto que Deus havia feito. Como resultado desta decisão e da perda do estado em que havia sido criado, o homem perde a comunhão com Deus. 114 MACHEN. J. Gresham. Visión Cristiana del Hombre. Barcelona: El Estandarte de la Verdade, 1996, p. 154. Tradução Própria. 115 Ver HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 137-139. Ver também ROBERTSON, o. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 2ª. Ed. 59 Vemos que Deus dá uma ordem para não comerem da árvore que estava no meio do jardim. E eles quebraram essa ordem, acendendo assim a ira de Deus, que é tão puro de olhos que não pode ver o mal (Hb 1.12). Porém falar em pecado em nossos dias e mesmo defini-lo não é tarefa fácil. O homem moderno costuma ver o pecado como uma espécie de doença ou instabilidade. A cura pode, naturalmente, ser encontrada com a terapia individual, a catarse, e não com o arrependimento tendo como base um sacrifício. Pecado é até definido na atualidade como uma invenção da igreja para levar as pessoas à igreja e ao arrependimento. Pecado, entretanto, “é deixar-se de se conformar à lei moral de Deus, seja em ato, seja em atitude, seja em natureza. O pecado é definido em relação a Deus e sua lei moral. Inclui não só atos individuais, como roubar, mentir ou cometer homicídio, mas também atitudes contrárias àquilo que Deus exige de nós”.116 Quando o homem peca é uma declaração silenciosa de que não quer estar na condição de criatura, não quer ser dependente de ninguém em sentido algum. Quando o homem peca está querendo a sua liberdade, a sua autonomia, a sua libertação de todas as ordens, todos os mandamentos que Deus colocou sobre ele. Desta perspectiva pecado é uma revolta contra Deus, contra as Suas leis; é hostilidade; é vontade sutil de estar no lugar de Deus. Não há que se duvidar que o pecado é um desafio à santidade de Deus e a Ele próprio; é arrogância e desejo de ser igual a Ele. Pecado é afastamento de Deus, uma ofensa a Ele. Esta é também a posição de Agostinho com relação ao pecado. Ele via Adão como um homem que possuía dotes intelectuais inigualáveis, que se encontrava num estado de justificação, iluminação e bem-aventurança. Agostinho fala também da liberdade do homem, não no sentido de incapacidade de pecar, mas de capacidade de não pecar. A vontade do homem dedicava-se a cumprir os mandamentos de Deus, sendo, portanto, sua vontade boa. Quando o homem cai, Agostinho aponta, o erro é inteiramente humano, enfatizando que Deus não poderia ser, em hipótese alguma, o autor do pecado, visto que Ele cercou o homem de todas as vantagens possíveis dando-lhe apenas uma proibição. Agostinho asseverava que toda a culpa deve recair sobre o homem, e o fundamento do seu ato pecaminoso foi o orgulho, o desejo de romper com Seu mestre natural, Deus, e de ser seu próprio mestre; tomar as rédeas da sua vida; viver independente; o anseio de substituir Deus pelo seu próprio ego.117 116 117 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 403. KELLY. J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 273-274. 60 O pecado de Adão e Eva tem implicações para tudo quanto mencionamos no capítulo 2. Tudo o que era perfeito foi afetado pelo pecado humano. 5.1. Pacto e Idolatria: circunstâncias, propósito e pacto revertidos Apesar de Deus ter cercado Adão e Eva das circunstâncias ambientais perfeitas; circunstâncias sociais perfeitas; circunstâncias morais perfeitas e das circunstâncias espirituais perfeitas, eles acabaram, como vimos acima, quebrando o mandamento de Deus e se fazendo reprováveis. Adão e Eva, mediante a astúcia e tentação de Satanás deixaram de obedecer a Deus. A partir de então, o relacionamento com Deus já não era mais perfeito. “Eles se esconderam de Deus. Eles estavam temerosos. Não existia mais um amor verdadeiro, espontâneo no relacionamento eu-você. A humanidade havia se desviado, homem e mulher haviam caído. Eles quebraram o mandamento espiritual de Deus...”.118 O termo para esse acontecimento na teologia é queda. Quando no capítulo 2 falamos a respeito dos mandatos espiritual, social e cultural mencionamos que esses mandatos estão entrelaçados. O homem é essencialmente ligado a Deus119 e, assim, na quebra da relação com Deus, as outras relações mencionadas nos mandatos também ficam prejudicadas. O relacionamento homem-Deus foi quebrado. O relacionamento homem-homem foi quebrado. O relacionamento homem-cosmos também foi quebrado. Com a queda, os laços familiares se dissolvem no ácido da autonomia pessoal120. A autoridade do homem não é mais benéfica nem voltada para a proteção feminina. Mas é voltada para si mesmo. E a submissão feminina é voltada para a luta de poder. “O pecado que prende nosso coração faz tudo mais difícil. Ele transforma o amor em desejo egoísta. Tira a segurança do lar, que é ordenada por Deus, e transforma o lar num lugar onde as dores humanas mais profundas podem acontecer”121. Essa temática é vista logo no início da Queda, quando Deus pronuncia o seu julgamento sobre o pecado humano. 5.1.1. Propósito corrompido: começa a luta pelo poder. 118 GRONINGEN, Gerard Van. A Familia da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, pp. 194. OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões Críticas sobre Weltanschauung: Uma Análise do Processo de Formação e Compartilhamento de Cosmovisões numa Perspectiva Teo-Referente. Artigo distribuído em sala de aula, em Agosto de 2008, p. 11. 120 PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta – Libertando o Cristianismo do Seu Cativeiro Espiritual. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 150. 121 TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: Nutra, 2009, p. 23. 119 61 Quando Adão e Eva pecaram, lançando mão da árvore do conhecimento do bem e do mal, quebrando o pacto com Deus houve uma mudança na direção. Ao invés da busca da glorificação do nome de Deus, estabelece-se a busca pela própria glória, uma tentativa de estabelecimento do próprio reino. A queda corrompe todo o propósito de Deus para o casamento. Corrompe, mas não anula, precisamos ressaltar. Em Gênesis 3.16, vemos uma das maldições pronunciadas por Deus. Essa diz respeito ao relacionamento marido e mulher. Aqui começa a luta pelo poder no casamento. Aqui começa o governo autoritário do marido sobre a esposa e a tentativa constante da esposa de liderar o relacionamento. Eva quereria usurpar o direito de Adão de governá-la e Adão forçaria esse direito até à maneira do autoritarismo. A maldição pronunciada por Deus por causa do pecado humano atinge em cheio o relacionamento perfeito que mencionamos anteriormente. Vale lembrar, entretanto, que a extensão da queda não é apenas no casamento, mas estende-se a toda a criação. Vemos isso configurado na arte, nos negócios, na política, na exploração da criação, na forma como a lei é aplicada, na música, etc. Porém o que nos toca nesse trabalho é que o pecado trouxe problemas ao casamento e ao seu propósito. Ao invés de um relacionamento pacífico, amoroso, sem egoísmo, ofensa ou engano; ao invés de um relacionamento harmonioso e cheio de significado, porquanto cumpria o propósito de glorificar a Deus, por meio da ajuda mútua; o relacionamento humano se tornou um campo de batalhas. Os dois estão lutando por poder. Os dois estão lutando para terem os seus desejos satisfeitos. É o preço do pecado. O desejo de governar a si mesmo, tanto no homem como na mulher é apresentado logo em seguida à queda. “Adão e Eva escolheram o autogoverno em lugar do governo de Deus. A Queda separou Adão e Eva de Deus, e, portanto, de sua razão de existir. Não puderam mais refletir a glória de Deus. Refletiam culpa e vergonha... Quando Deus entrou no jardim, em vez de correr para saudá-lo, esconderam-se. Quando o Senhor os interrogou começaram o jogo de culpar um ao outro”122. Vamos dar uma olhada no texto de Gênesis 3.16-17 para analisarmos mais de perto como a queda afeta a Aliança da Criação123. Aqui, embora toquemos nos aspectos do mandato cultural e espiritual, naturalmente nos interessa mais o mandato social que está diretamente ligado ao casamento. 122 123 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 68. Também chamado de Pacto das Obras. 62 Albert Wolters diz que No nosso mundo, não é difícil encontrar exemplos desses efeitos difundidos da queda; A sociedade está repleta desses exemplos. A instituição criacional do casamento está sob ataque especial no Ocidente contemporâneo – o divórcio e a monogamia (sic) em série são exemplos da perversão e da violação do bom desígnio de Deus para a vida da criatura124. Porém, esses efeitos já começaram a ser sentidos imediatamente após a queda. Em Gênesis 3.16, Deus falou com a mulher depois de pronunciar sua maldição à serpente. O texto diz: “E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará”. Pelo menos dois aspectos se sobressaem aqui: 1. A gestação e o ato de dar à luz filhos da mulher seriam em meio às dores. 2. A sua relação com o marido também seria, a partir de agora com mais sofrimentos. Ele diz: “o teu desejo será para o teu marido e ele te governará”. Algumas vezes estas palavras são interpretadas como sendo uma sujeição forçada e completa ao marido, crendo que isso não existia antes125; ou que o desejo do qual fala o texto tem a ver com o desejo sexual, como se o marido a fosse subordinar sexualmente. Porém cremos que nenhuma das alternativas faz jus ao texto. Em Gênesis 4, a palavra “desejo” aparece outra vez, referindo-se aos desejos pecaminosos de Caim. Temos nesse texto “a estrutura quiasmática da frase de termos pares “desejo” e “domínio”, pressupondo que seu desejo (da mulher) será dominar”126. O desejo da mulher seria de dominar o seu marido, portanto. O. Palmer Robertson concorda. “A mulher “desejará” seu marido”, escreve ele, “não no sentido de dependência excessiva, mas no sentido de determinação excessiva de dominar. Seu desejo será possuí-lo, dominá-lo... o desejo será dirigido no sentido de domínio do seu marido”127. Nessa luta, Deus diz algo também acerca do homem na palavra que é dita à mulher. “ele te dominará” (conforme ARC). A mulher por causa da queda tentará exercer indevidamente o papel de liderança e em contra partida o marido reage a essa tentativa exagerando a sua autoridade, tendendo ao autoritarismo. 124 WOLTERS, Albert. Criação Restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 63. DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1983. 126 WALTKE, Bruce K. Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.112. 127 ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 88. 125 63 Homem e mulher deixam de desfrutar a presença um do outro e passam a um conflito porque a ordem criada estava agora sob maldição. Apesar de Deus os ter criado para espelhar o caráter de Deus e serem felizes, eles agora, por causa do pecado, tinham um referencial em si mesmo. Daí a luta pelo poder. As palavras agora são de acusação. A expectativa é de se desculpar com Deus. Cada um livrando a si mesmo. “...a mulher que tu me deste...”. Cada um tentando se justificar. E para isso acusando o outro. “Por causa da queda em pecado, a relação harmoniosa entre marido e mulher se corrompeu. Ao invés daquele relacionamento peculiar em que, ainda que o marido seja o cabeça da mulher e que ele ocupe um papel de liderança no casamento, sua mulher, não obstante, permanece ao seu lado numa posição de igualdade, como “uma auxiliadora idônea” (Gn 2.20), a mulher agora estará subordinada ao seu marido numa condição de servidão e subserviência. Por causa do pecado, o governo do marido sobre a esposa tenderá a se tornar tirânico e dominador”128 A harmonia foi perdida. As relações maritais sofrem sobre o efeito do pecado. O mundo perfeito e as relações perfeitas ficaram para trás. O matrimônio deixou de ser um lugar de unidade e cooperação mútua. 5.1.2. Autonomia e egorreferência - a incapacidade de servir aos propósitos de Deus A teologia reformada considera a queda humana como um ato de autonomia e rebelião contra a pessoa de Deus porque a partir da queda o desejo humano é sempre voltado para si mesmo. Os homens tendem a olhar para si mesmos como o referencial para todas as coisas, como veremos abaixo. Marido e mulher “batem cabeça” por conta dessa autonomia e egorreferência, porquanto “...só existem dois modos de vida: a vida de pecado... voltada para o próprio eu, e a vida de santidade, que se volta para Deus e para o mandamento divino”129. Por essa razão, tentar aconselhar casais nessa condição tendo como pressupostos a bondade inerente ao homem, neutralidade moral ou considerando que o seu principal problema é o ambiente não tocará no real problema130. Lembremos que quando Deus criou Adão e Eva eles eram perfeitos. Porém quando pecou contra Deus eles tornaram-se escravos do pecado. Há vários textos bíblicos que demonstram a verdadeira condição do homem. 128 HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 154. ADAMS, Jay E. Manual do Conselheiro Cristão. São Bernardo do Campo: Fiel, 6ª. Ed. 2006, p. 118. 130 GOMES, Wadislau Martins. Aconselhamento Redentivo. São Paulo: Cultura Cristã, p. 15. 129 64 Paulo diz, por exemplo, que o homem nada entende nem busca a Deus (Romanos 3.11); diz também que os homens não podem entender as coisas espirituais porque estas lhes são loucura (1 Co 2.14); diz que o homem está morto nos seus delitos e pecados (Ef 2.1); que ele é inimigo de Deus (Rm 8.7) e que Satanás os cegou (2 Co 4.4). E Paulo também afirma que os homens sem Cristo são escravizados por Satanás (Ef 2.3 e Cl 1.13 – o homem sem Cristo está no “império das trevas”). O que se nos apresenta claramente é que com a queda de Adão todos os homens foram afetados; o pecado tornou-se universal (ver também Rm 5.10ss). Como diz o Salmo 51 depois da queda de Adão todos os homens nascidos de mulher são nascidos em pecado, com uma natureza pecaminosa, com exceção, naturalmente, do Senhor Jesus Cristo. Davi diz: “Eu nasci em iniqüidade e em pecado me concebeu minha mãe”. A Confissão de Fé de Westminster declara que depois de cair do seu estado original os nossos primeiros pais transmitiram o seu pecado a toda humanidade. Isto é assim expresso: Sendo eles [Adão e Eva] o tronco de toda a humanidade, o delito de seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária. Desta corrupção original, pela qual ficamos totalmente indispostos, incapazes e adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais.131 O Catecismo de Heidelberg também expressa isto nas perguntas 6 e 7, mostrando que o pecado de Adão atingiu a toda humanidade: P. 6 – Criou Deus o homem assim mau e perverso? R – Não. Ao contrário Deus criou o homem bem e à sua imagem, isto é, em verdadeira justiça e santidade, a fim de que ele conhecesse corretamente a Deus como seu Criador, o amasse de todo o coração e vivesse com ele em eterna bem-aventurança. P. 7 – De onde vem esta corrupção da natureza humana? R – Da queda e da desobediência dos nossos primeiros pais, Adão e Eva, no jardim do Éden; pelo que a nossa vida humana foi de tal modo envenenada que todos nós somos concebidos e nascidos em pecados”.132 O ser humano, por conta da Queda, só pensa em si e em como se agradar; não pensa em como agradar a Deus e tributar-lhe o seu amor. Só pode mudar de atitude mediante a ação do Espírito Santo de Deus. Os homens estão assim numa relação de inimizade contra Deus. A 131 CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Sobre a Queda. Parag. III e IV. 3 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1997. 132 LIVRO DE CONFISSÕES. Catecismo de Heidelberg. São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969. 65 nossa condição é uma condição da mais completa incapacidade de nos achegarmos a Deus a não ser por meio de Cristo. Somos rebeldes a Ele, hostis, queremos o Seu lugar, queremos nos tornar senhores de nós mesmos, queremos destituir Deus da Sua condição de Criador. Porém esse desejo de autonomia esbarra no fato de que Deus é soberano sobre todas as coisas. E o homem jamais deixará de viver Coram Deo. Apesar disso, não nos apresentamos ante o tribunal de Deus como culpados. Sempre achamos que a culpa dos nossos problemas estão nas outras pessoas. Damos um brado de indignação quando achamos que o nosso cônjuge fez algo errado contra nós. Obviamente isso também é fruto da egorreferência. É a conseqüência natural de nos colocarmos no lugar de Deus. “O inimigo dessa união é o orgulho. Foi o orgulho que entrou sorrateiro no coração de Eva e fez com que ela declarasse a sua independência. Autonomia nunca produz unidade...”133 No casamento estamos sempre pensando: “o que é melhor para mim?”. “Como posso satisfazer minhas necessidades nessa situação?”. “O que ganho se eu fizer isso?” Quando Adão e Eva pecaram, acreditaram na mentira de Satanás de que a autonomia era melhor do que a dependência absoluta de Deus; desafortunadamente creram que poderiam alcançar plena felicidade sem Deus. Criaram o próprio reino. Deixaram o lugar de vida e inauguraram um lugar de morte. “[Adão] ...abandonou a glória transcendente para a qual foi criado e escolheu uma glória substituta: a de tomar para si a glória que só Deus deveria ter. [Criou um mundo] que não tem o oxigênio do relacionamento com Deus. Não é um lugar de vida. É um lugar de morte. ...A palavra para isso é autonomia”134. Na autonomia (o desejo de ser livre, sem referência a Deus) e egorreferência (o eu como referencial ao invés de Deus) substituímos a soberania e controle de Deus sobre as nossas vidas pelo desejo de que nosso cônjuge (e todas as coisas) se submeta ao nosso controle. Caímos no engodo de que não dependemos de ninguém. Nos justificamos apontando para “o bem” que fazemos ao nosso cônjuge. Nesse aspecto sempre nos esforçamos para mostrar ao cônjuge o quanto ele é pecador, e nos magoa e não nos considera importante. Deixamos de examinar o nosso próprio coração e, inexoravelmente nos tornamos críticos quanto aos outros na mesma medida em que temos uma visão bem amistosa com relação a nós mesmos. Assim, o resultado é que deixamos de amar a Deus e ao próximo, e passamos a 133 134 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 80. TRIPP, Paul David. Em Busca de Algo Maior. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 43. 66 amar apenas a nós mesmos e abusarmos das pessoas em busca daquilo que acreditamos trará a nossa felicidade135. Essa é a forma como o pecado afeta o nosso casamento. 5.1.3. Deus versus ídolos: a perda do referencial O homem foi criado bom, se rebelou e, mudou o referencial de Deus para si mesmo (egorreferência). Nessa rebelião ao invés de orientado para Deus, é orientado para um ídolo. O relacionamento estabelecido com Deus é quebrado, os seus planos e caminhos rejeitados e outro plano é colocado no lugar do de Deus. Essa perda do referencial acarreta na predisposição em colocar ídolos no lugar de Deus. Nessa troca, como conseqüência da tentativa de ocultar os nossos pecados e nos justificar a nós mesmos, batizamos os nossos ídolos com os nomes mais rebuscados possíveis para dar uma áurea de significado. Não esqueçamos do que já dissemos anteriormente: que o ser humano é fundamentalmente uma criatura adoradora. Adão e Eva criados para adorar a Deus, revertem esse essencial aspecto mudando-lhe a direção. “Deus criou todas as coisas boas para a sua glória... Logo, a finalidade e a realização de todas as coisas é convergir para esse propósito (a glória de Deus). O homem só pode se realizar vivendo de conformidade com este propósito”136. David Powlison faz uma acurada e sucinta análise da condição da idólatra do ser humano. A citação é longa, mas vale a pena citá-la, visto que ele nos mostra que o apelo às necessidades é uma forma travestida de idolatria. ...Pessoas não têm “necessidades”. Temos mestres, senhores, deuses, sejam eles nós mesmos, outras pessoas, objetos, Satanás... Quando as estruturas fundamentais da psicologia são “batizadas” por cristãos, continua perdido o fundamental “ao invés de Deus” que permeia as motivações humanas. Por exemplo, muitos conselheiros cristãos tornam absoluta a necessidade ou anseio por amor. Como seres humanos observadores, percebem acuradamente que pessoas caídas e sob maldição são impulsionadas a procurar estabilidade, amor, aceitação e afirmação, e que nos voltamos aos ídolos vazios à procura dessas bênçãos. Como cristãos comprometidos, freqüentemente queremos levar pessoas a confiar em Jesus Cristo em vez de confiar em ídolos. Mas, acabam introduzindo uma necessidade relacional a priori e unitária, como um anseio 135 TRIPP, Paul David. Relacionamentos: Uma confusão que vale a pena. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, pp 38-45. 136 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. As Etapas Constitutivas de Nossa Cosmovisão Cristã.: Texto não publicado, entregue em sala de aula. 67 embutido ou um tanque vazio de amor como arcabouço subseqüente divisão que o coração faz entre fé e idolatria. Batizam essa “necessidade” descrevendo-a como criação de Deus. A idolatria torna-se um meio impróprio de preencher uma necessidade legítima, e nosso fracasso em amar os outros torna-se produto de necessidades não realizadas. O Evangelho de Jesus Cristo redefine-se como um meio de preencher necessidades legítimas. Em tal teoria a idolatria é secundária, instrumento para a satisfação de necessidades. Essa satisfação é construída de forma a ser o conteúdo principal das boas novas de Deus em Cristo. Biblicamente, contudo, a idolatria é o principal fator motivacional. Falhamos em amar as pessoas porque somos idólatras que não amam a Deus nem ao próximo. Tornamo-nos objetivamente inseguros porque vivemos sob a maldição de Deus e porque os outros estão na mesma condição egocêntrica que nós. Criamos e experimentamos afastamento de Deus e dos outros. O amor a Deus nos ensina arrependimento da “necessidade de ser amados”, vendo isto como um desejo descontrolado, aprendendo assim a amar em vez de sermos consumidos pela luta por conseguir amor.137 Na continuação, Powlison mostra que esses padrões de pensamentos ou de comportamento têm um aspecto adorador. A motivação por trás disso é a idolatria. Um deus além de Deus, o Soberano e Criador de todas as coisas. Citando o exemplo de psicólogos humanistas e existencialistas, pregadores singulares da “necessidade de segurança” que permeia todo o ser humano, o autor mostra que por trás disso existe um comportamento religioso. Assim, ele afirma que quando nos movemos nessa direção somos idólatras porque esperamos aprovação das pessoas. E arremata: “Não sou “motivado por um desejo incontrolável por segurança”. Sou “motivado por um desejo incontrolável de segurança ao invés de ser controlado por Deus”138. Calvino também diz que todos somos culpados de idolatria. Nas Institutas, livro I ele afirma: “Quando narra ele [Moisés] que Raquel havia furtado os ídolos do Pai [Gn 31.19], não fala de outra forma senão de um vício generalizado. Do quê é lícito concluir que a imaginação do homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos”139. Todos têm ídolos no coração embora quase sempre pensemos em ídolos como imagens de escultura pregadas na parede. Porém, “um ídolo é qualquer coisa além de Deus da qual dependemos para sermos felizes, realizados ou seguros”.140. É, em outras palavras algo em que colocamos o nosso coração, que nos motiva, domina ou controla. “Em suma, é algo que amamos e seguimos em lugar de Deus”141. 137 POWLISON, David. Ídolos do Coração e Feira das vaidades: Vida cristã, motivação individual e condicionamento sociológico. Brasilia: Refúgio, 1996. p. 40, 44-45. 138 Ibid., p. 43. 139 CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, I.xi.8, p. 123. 140 SANDE, Ken. Os conflitos no lar e as Escolhas do pacificador. São Bernardo do Campo: Nutra Publicações, 2011, p. 38 141 Ib. Ibid. 68 Esses ídolos assumiram o lugar de Deus no Éden, quando, repito a direção da adoração foi mudada por causa da queda. Adão e Eva passaram a viver sob pensamentos, anseios, expectativas falsas em lugar do verdadeiro Deus. Os ídolos nos levam a ignorar o verdadeiro Deus e buscar o que pensamos serem nossas necessidades142. Walsh define a idolatria como sendo “...essencialmente, uma declaração de autonomia e independência de nosso Criador, nossa rejeição de seu reino legítimo”.143 Fabiano de Oliveira trabalha num tom mais bíblico-filosófico a questão da idolatria. Ela afirma que “mesmo as coisas mais comuns e triviais da vida humana são religiosamente qualificadas, pois também têm em Deus seu ponto de referência último”144. Estruturalmente, o homem é religiosamente orientado para Deus em dependência absoluta. Confiar nele e em sua Palavra dependia a sua realização. 145 Porém este estado de coisas, por causa da queda, dá lugar à idolatria. “A partir do relato da Queda em Gênesis 3, é possível afirmar que o amor último do homem a Deus e sua fé na Palavra divina sofreram um deslocamento radical após capitular diante dos ardis da serpente, ao sucumbir à tentação de ser como Deus e de desconfiar da fidelidade de sua Palavra (Gn 3.4-6).146. No casamento, essa idolatria toma forma na sexualidade, no controle do outro, no divórcio por incompatibilidade de gênios e coisas semelhantes, no estabelecimento do próprio reino. Qualquer casamento, desafortunadamente, representa em variadas formas o quanto o pecado desfigurou a nossa relação com Deus e com o próximo. 142 FITZPRATICK, Elyse. Ídolos do Coração. São Paulo: ABCB: Associação Brasileira de Conselheiros Cristãos, 2009, p. 25. 143 WALSH, Brian J. MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora – Moldando uma Cosmovisão Cristã. São Paulo, Cultura Cristã, 2010, p. 56. 144 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Diagnosticando os Sintomas do Nosso Tempo: Parte 1 – Um ensaio Crítico Sobre os Ídolos da Modernidade. Fides Reformata XVI, nº 2 (2011), p. 54. 145 Ibid, p. 56. 146 Ib. Ibid. 69 QUESTIONÁRIO 1. O que é o pacto das obras? Por que alguns teólogos não gostam do termo? 2. O que quer dizer o termo teológico queda? 3. Qual é a definição de pecado do texto? Você concorda com ela? 4. Como o pecado torna o casamento um campo de batalha? 5. Como ele afeta especificamente os papéis de autoridade e submissão? 6. O que é autonomia e egorreferência? 7. De forma prática como a autonomia e a egorreferência afetam o casamento? 8. Por que o homem, por causa do pecado, está sempre em busca de ídolos? 9. Por que Calvino diz que a imaginação do homem é uma perpétua fábrica de ídolos? 10. Por que os ídolos são proibidos? Que conseqüências ele tem para o casamento? 70 LIÇÃO 6: TEORREFERÊNCIA NEGATIVA NO CASAMENTO A teorreferência pode ser positiva ou negativa conforme já explicamos no capítulo 1. A teorreferência, dito de forma simples, é o conceito de que o homem não pode fugir da realidade de que Deus é o seu ponto de referência para todas as coisas. Ela se revela na tentativa de emancipação de Deus e na constante rebelião contra sua Palavra. No caso do homem caído, ele precisa da ação do Espírito de Deus operando pela Palavra para livrar-se dessa rebelião147. Nessa parte do capítulo, trataremos como a teorreferência negativa concorre para tornar o casamento uma associação de desentendimento, brigas e dificuldades entre marido e mulher, onde cada um tenta estabelecer o seu próprio reino manipulando, acusando, questionando, numa tentativa de colocar a si mesmo como ponto de referência. O cristão sabe pelas Escrituras e por experiência que ainda existe um mal dentro de si (Rm 7). 6.1. Estabelecendo nosso próprio reino – o engano do coração Nesse ponto devemos lembrar que o homem foi criado por Deus como sua imagem e semelhança. Ele deveria refletir a glória de Deus em cuidar do jardim, desenvolver a cultura, bem como cumprir o mandato social. Sabemos, entretanto, que o pecado, como dito acima lançou isso por terra. A terra foi amaldiçoada e o homem e a mulher começaram a ter problemas de relacionamentos. Quando um homem e uma mulher se casam eles levam para os seus casamentos todos esses problemas elencados acima. É a união de dois pecadores, que, obviamente manchados pelo pecado são amantes de si mesmos, rebeldes, desejam autonomia e tem como referência a si mesmos. Aqueles que lidam com o pastoreio de casais sabem o quanto essa egorreferência atinge os casais. Somos procurados porque “acho que meu marido (minha esposa) não me considera importante”, ou “meu marido (minha esposa) não me dá a devida atenção”. E para consegui essa atenção passam a manipular e controlar o outro a fim de ser feliz. A nossa estrutura religiosamente orientada se manifesta na forma como o casal lida com os problemas do cotidiano. “Se manifesta no vocabulário: “Decepcionada”. Revela-se nos pontos 147 OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões Críticas sobre Weltanschauung: Uma Análise do Processo de Formação e Compartilhamento de Cosmovisões numa Perspectiva Teo-Referente. Artigo distribuído em sala de aula, em Agosto de 2008. 71 de referência: “O que eu preciso”. Manifesta-se nas suposições subjacentes: “Sou assim mesmo”148. Esse estabelecimento do próprio reino tem contornos também na forma como abrimos mão das ordenanças de Deus nos papéis estabelecidos de liderança e submissão em busca de maior comodidade e melhores condições. E, mesmo quando nos divorciamos porque as nossas necessidades não estão sendo satisfeitas. Uma das realidades mais claras que vemos nos casamentos é que homens e mulheres tentam encontrar sentido, realização, propósito e significado em seus cônjuges. Desgraçadamente o pecado nos lança em busca da pessoa, mas também nos lança para longe dessa pessoa. Mudando o referencial de Deus para nós mesmos o que vamos encontrar é um ciclo vicioso. Queremos que satisfaçam as nossas necessidades. “A pessoa precisa de poder sobre o outro para autenticar-se e ao mesmo tempo deriva valor da apreciação do outro”149. O homem e a mulher passam a uma tentativa de manipular os outros para que possam ter satisfeitas as suas exigências. A pessoa assume o lugar de Deus, elege-se como centro do universo e reclama que outros o adorem, fazendo a sua vontade. O resultado que se colhe disso é o afastamento. Mas, a explicação para cada uma das dificuldades é que temos necessidades legítimas e que elas precisam ser cumpridas pelo marido ou pela mulher. Entretanto, enquanto não mudamos o referencial não temos mudança, só temos o atrito seco de engrenagens que não se encaixam, só se chocam. A mudança só ocorre quando mudamos o referencial. Quando entendemos que apenas com o referencial em Deus podemos interpretar o mundo, a nós mesmos e as pessoas adequadamente. E que os ídolos “são senhores de escravos que alimentam os seus com promessas falsas. São incontroláveis. E insaciáveis!... Ídolos não satisfazem!” 150 . Infelizmente o pecado nos cega para os nossos próprios pecados à semelhança do que aconteceu com Davi na confrontação de Natã e cremos piamente na mentira de que o nosso maior problema é o outro, portanto fora de nós, e não o nosso pecado, dentro de nós. Esse problema o sábio Salomão nos diz repousa em nossos corações. Em Provérbios 4. 23, lemos: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida”. 148 HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007, p. 19. GOMES, Wadislau Martins. Força para a Família na crise Moderna. Brasília: Refúgio, 1995, p. 18. 150 Ibid. p. 55. 149 72 Quando as Escrituras falam ao coração é num sentido metafórico. Não se refere ao coração que bombeia o sangue (embora possa servir de análise), mas ao nosso homem interior, ao que somos espiritualmente. Onde reside o nosso entendimento, onde reside nossa vontade, nossos afetos, também151. É do coração que procedem as fontes da vida. É do coração que surgem as nossas decisões, nossas ações, nossos pensamentos, nossos sentimentos. Por isso somos instados a guardar o nosso coração. Somos instados a colocar nessa tarefa todo o nosso empenho. Isso porque é a partir dessas crenças do coração que tomamos as nossas decisões e encontramos apoio para nossas ações dentro do casamento. Tripp mostra o quanto os nossos corações estão orientados para o nosso reino em vez de está orientado para o reino de Deus. “Trabalhamos para que pensem que estamos certos, para sermos vistos como atraentes, para ganhar a discussão, para obter a promoção. Nós nos esforçamos para ser o primeiro, o melhor, o centro, o mais poderoso, o mais conhecido, o mais amado. Nós realmente nos amamos e temos um plano maravilhoso para nossas próprias vidas”152. É a vida ao redor e em prol de si mesmo, o estabelecimento do próprio reino que traz grandes conseqüências aos casamentos. Porém casamentos que glorificam a Deus e que trazem felicidades aos cônjuges são casamentos onde todas as coisas são submetidas a Cristo, o Senhor. Casamento onde o marido e a mulher não vivem para si mesmo, mas são chamados à obediência ao reino de Cristo. “Cristo chama cada um de seus filhos para... a morte à prioridade do eu, morte à autorrealização em nossa vida e morte à busca do nosso próprio plano pessoal”153. Aqui fica estabelecido que o maior problema do casamento está dentro de cada um e não fora dele. É “o pecado que habita em mim”. E nessa morte do “eu” é que encontramos significado, propósito e direção. Marido e mulher deixam seus pequenos reinos de lado e juntos, de mãos dadas, avançam em obediência, vivendo o propósito de glorificar a Deus e desfrutarem um do outro no decorrer desse processo. 6.2. Reino e as circunstâncias: meu cônjuge existe para minha felicidade? 151 FITZPRATICK, Elyse. Ídolos do Coração. São Paulo: ABCB: Associação Brasileira de Conselheiros Cristãos, 2009, p. 104ss. 152 TRIPP, Paul David. Em Busca de Algo Maior. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 115. 153 Ibid, p. 118. 73 A queda afetou também a forma como olhamos para as circunstâncias. O homem caído agarra-se ao egoísmo de ter circunstâncias perfeitas para si para alcançar a felicidade no casamento. Ora idealiza-se as circunstâncias, ora utiliza-se dela para se desculpar dos seus pecados. Olha-se para aparência, aceitação, posses, posição, e outras coisas dessa natureza como sendo o grande vilão ou o grande Redentor para o casamento. Vilão se as coisas não são como queremos. Redentor porque imaginamos situações em que tudo será restaurado e trará a paz. Vezes sem fim colocamos a culpa do que fazemos em outros e nas circunstâncias. “Se o meu marido fosse mais amoroso”; “se a minha esposa me respeitasse mais”; “se eu tivesse um pouco mais de dinheiro”. Assim, o fizeram Adão e Eva. “...a mulher que tu me deste...”. “A serpente me enganou e eu comi”. Estamos sempre procurando subterfúgios e, geralmente isso se resume a eventos e pessoas. Porém não somos prisioneiros das circunstâncias. Já demonstramos no capítulo 1 que as circunstâncias são importantes mas não são determinantes. Elas não determinam o que eu faço. Elas são apenas os eventos que me fazem mostrar o meu interior. O rev. Wadislau nos alerta para o fato de que “...a situação não é culpada de nossa reação. A situação é a história. E a história é a vontade de Deus trabalhando em nossas decisões e comportamentos. Nossos comportamentos são resultados do que cremos”154. O cristão precisa ver as circunstâncias como sendo os meios que Deus está movendo para cumprir a sua obra: nos tornar semelhantes à pessoa de Jesus Cristo. Mesmo quando essas circunstâncias é um cônjuge que peca contra mim. As circunstâncias da vida acabam revelando o que temos no nosso coração. Elas não determinam o que está lá dentro, nem coloca nada lá. Elas apenas expõem. Reagimos às circunstâncias pecaminosamente porque somos pecadores e os nossos corações nos dirigem nessa direção. “Por que Jesus não fica irritado, amargurado ou hostil? A resposta simples, mas espantosa é esta: quando o seu coração era aquecido pelas circunstâncias, manifestava-se o que havia ali: amor, misericórdia, compaixão, bondade. Cristo não reagia pecaminosamente às circunstâncias de sua vida – até mesmo uma morte atormentadora, imerecida e humilhante porque o seu coração era puro. O que estava em seu coração transbordava. Era amor!”155 As circunstâncias num casamento dizem muito a respeito do que eu espero do meu cônjuge também e, são geralmente, detalhes que estão fora do nosso controle direto. São assuntos como as palavras ditas ou que não foram ditas, sejam elas agradáveis ou 154 155 GOMES, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade. Brasília: Refúgio, 1999, p. 82. HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007, p. 64. 74 desagradáveis – “se ao mesmo meu marido demonstrasse o seu amor seria uma esposa melhor”; “seria um marido mais amável se ela não fosse tão rude comigo”; o respeito tão almejado – “Se ela quisesse ter um marido mais agradável, ela me trataria melhor”; o carinho e a atenção ao final de um dia extenuante de trabalho – “minha vida seria melhor se tivesse uma esposa que entendesse que tudo que faço é para ela mesma”; o reconhecimento do trabalho doméstico realizado – “me sentiria melhor se me marido não me tratasse como uma escrava do lar”. A lista é bem longa. Apegamo-nos à mudança das circunstâncias. Achamos que temos de mudar as nossas circunstâncias. Pensamos que os nossos cônjuges existem para a nossa felicidade. Entretanto, precisamos ressaltar que as circunstâncias são importantes. Por que? Porque elas mostram o que tenho alimentado no meu coração; elas revelam pecados ocultos, que encontram ocasião para manifestarem-se somente quando a circunstância favorável (ou desfavorável) se apresenta. Entretanto, devemos igualmente ressaltar as circunstâncias não colocam o mal no nosso coração. É bom percebermos que as circunstâncias estão ligadas ao nosso cônjuge. Pensamos que tudo o que ele (a) faz deve ser para a nossa felicidade. Porém, ao colocarmos nossa felicidade no outro, fazemo-lo um ídolo e nos ressentiremos de tudo quanto não satisfizer os nossos planos, desejos e anseios. Não poucas vezes temos a expectativa de que a nossa vida deveria ser mais fácil e ficamos surpresos com as provas e dificuldades. Porém desde o pecado de Adão e Eva vivemos num mundo caído e a Bíblia sempre nos ensina que devemos esperar por dificuldades. Sim, circunstâncias adversas fazem parte desse mundo onde o pecado estragou a criação de Deus (ver Gn 3; Jo 16.33; Rm 8.20-23). Porém, em Romanos 5.3ss e Romanos 8.28, somos lembrados de que não há circunstâncias que estejam fora do plano amoroso e soberano de Deus, que está trabalhando não para nos escudar das dificuldades, mas para nos tornar semelhantes a Jesus Cristo, assim poderemos viver de forma que Ele seja glorificado. 6.3. Reino e o merecimento do cônjuge Mais uma vez reiteremos a questão de que o propósito do meu casamento não deve ser a minha felicidade primeiramente. Porque quando faço isso me coloco como o referencial do casamento. Se tudo que me importa é a minha felicidade, e por alguma razão o meu cônjuge não se inclina em adoração aos meus desejos vou tratá-lo com frieza, com indiferença, com 75 gritos que demonstram a minha indignação e raiva, até que se cumpra a minha vontade. Quando tudo isso irrompe no casamento, demonstra-se que trato o meu cônjuge de acordo como seu merecimento. Porém a Bíblia não nega que outras pessoas podem pecar contra nós. No livro de Gênesis vemos isso claramente. Abel pecou contra Caim (Gn 4.8); Lameque diz que matou um homem porque o feriu e um rapaz porque o pisou (Gn 4.23); Lameque também tinha “esposas”, etc. Então, além dos efeitos dos nossos próprios pecados temos os efeitos dos pecados dos outros sobre nós que podem gerar amargura, ressentimento, etc.156. Certamente o lugar onde vamos encontrar os mais fortes efeitos do pecado nesse aspecto que estamos tratando, é o relacionamento marido e mulher. Dois pecadores que casam, que passam a conviver, observam com mais acuidade os defeitos um do outro. O pecado torna-se mais nítido. E, com o passar dos anos ele tende a ter um efeito amplificador. Cada vez que o mesmo pecado se repete aumentam a ira e os desentendimentos. Não muito tempo depois, por conta da referência negativa que temos passamos a tratar o nosso cônjuge de acordo com o seu merecimento. No nosso precioso reino, “...nos tornamos defensivos e acusadores porque queremos evitar o sofrimento de uma dor já conhecida”157. O maior de todos os problemas aqui é que acreditamos em duas mentiras que já foram apresentadas acima. A primeira é que o nosso maior problema é externo a nós. Acreditamos e temos elementos sociológicos condicionadores para isso, que o nosso problema ou é o ambiente (porque não temos circunstâncias que consideramos ideais) ou o nosso problema trata-se apenas do nosso cônjuge que não satisfaz a nossa necessidade. A segunda é que passamos a dar ao nosso cônjuge o tratamento que achamos que ele “merece”. Se ele nos trata bem, então, vamos tratá-lo bem, e vice-versa158. 156 É bom lembrar entretanto, que a forma como respondemos ao pecados dos outros contra nós, bem como às circunstâncias em que estamos envolvidos é responsabilidade nossa e não dos outros. Eles responderão pelo que fazem e nós respondemos pela forma como agimos. Respondemos a essas realidades de acordo com a crença do nosso coração. E, Paulo nos ensina que “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1 Co 10.13). 157 GOMES, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade. Brasília: Refúgio, 1999, p. 85. 158 Livros como o de Gary Chapman, citado no início, levam os casais a pensar dessa forma com pouca variação. Creio que seja justo com o autor dizer que ele crer que um pouco de técnica de comunicação e boa educação fará com que um casamento se torne bem ajustado e dinâmico. Embora no livro “As Cinco Linguagens do Amor”, não tenhamos exigências sendo feitas abertamente, somos ensinados a deixar as nossas exigências e necessidades nas entrelinhas, a fim de que o cônjuge, ao perceber que estamos nos esforçando em satisfazer a necessidade dele, também queira satisfazer as nossas. Não nego que deve haver uma troca entre os casais, afinal Deus na Aliança da Criação, os fez homem e mulher, não apenas fazendo referência a gênero, mas também à questão de complementarem um ao outro. Porém, nesse caso, não precisa de um Redentor. Eu causo o problema e eu mesmo posso consertar. 76 Temos uma tendência a considerar o pecado do outro como o maior dos absurdos. “Quando se trata dos pecados que outros cometem contra nós, a nossa tendência é falar sobre eles de maneira destrutiva...” Porém, “mesmo quando nosso coração for terrivelmente ferido pelos pecados de outra pessoa, precisamos protegê-lo para que não sejamos dominados pela força destruidora do pecado. Quando sofremos os efeitos do pecado de alguém nossa tendência é pecar”.159 Devemos registrar, entretanto, que não devemos ser passivos, devemos reagir, porém, do jeito que Deus quer que reajamos, para não nos encontrarmos pervertendo a justiça de Deus que tanto procuramos160. O casal deve levar consigo a lembrança de que vive um casamento num mundo caído e que o outro também é um ser caído. Não há nada que não esteja influenciado pela queda no seu lar (veremos mais adiante de que não precisamos nos curvar a isso, pois Cristo veio a este mundo, enfrentou a cruz do Calvário para que nós pudéssemos ter a certeza de que nunca seremos abandonados). Com a realidade da entrada do pecado no mundo não podemos negar o fato de que ninguém é perfeito. Ninguém consegue atingir as expectativas dos outros. E, que inversamente proporcial, somos tentados a nos movermos em direção ao outro levando em consideração apenas o seu “merecimento”. Tripp, falando de forma mais pessoal diz que “muitas pessoas se casam com expectativas falsas sobre a pessoa com quem estão casando. O ponto é este: ambos trazem algo para o casamento que afeta de modo destrutivo aquilo que um casamento precisa e deve fazer; Essa coisa se chama pecado. A maioria dos problemas que enfrentamos no casamento não é intencional nem pessoal. Na maioria das situações matrimoniais, você não e confrontado com dificuldades porque seu cônjuge tem a intenção de dificultar a sua vida... o que realmente está acontecendo é que sua vida está sendo afetada pelos pecados, fraquezas e falhas da pessoa com que você está vivendo” 161 Essa luta e essa postura em considerar o outro a partir do seu merecimento é próprio do nosso pecado e do pecado também do cônjuge. Saber porquê estamos casados e devemos continuar casados é essencial. Quando a nossa perspectiva é centrada em nós mesmos, a permanência do casamento só acontecerá se as nossas necessidades, desejos e propósitos forem satisfeitos. Porém, se ao contrário – como veremos no capítulo seguinte – com a ajuda do Espírito de Deus, refreando 159 TRIPP, David Paul. LANE, Timothy. Relacionamentos:Uma Confusão que Vale a Pena. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 45. 160 Ib. Ibid. 161 TRIPP, David P. O Que você Esperava?São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 17-18. 77 essa perspectiva egoísta e antropocêntrica, seguirmos aferradamente uma perspectiva teocêntrica, certamente preservaremos nossos casamentos vivendo-o para com o propósito bendito de trazer glória ao Bendito Criador. De fato, isso serve para corrigir o nosso rumo e corrigir-nos quando sairmos das veredas demarcadas pelo Criador e Redentor. O que é dito acima, ajuda-nos a colocar o casamento na perspectiva correta, apesar do nosso pecado. O casamento tem de ser vivido para a glória de Deus. Isto nos dá uma motivação diferente. “O primeiro propósito do casamento - além da felicidade, da expressão sexual, de criar filhos, do companheirismo, do cuidado mútuo – ou qualquer outra coisa – é agradar a Deus”. As outras coisas nos serão acrescentadas. Ressaltamos mais uma vez que não estamos insinuando de que a felicidade do casal e as demais coisas mencionadas não têm importância. É claro que tem. Elas nos foram dadas por Deus. Mas, temos um propósito principal: A glória de Deus em todas as coisas. A glória de Deus na nossa felicidade, na expressão sexual, no companheirismo, no compartilhar do dia, na criação dos filhos, no cuidado mútuo, etc., porquanto tudo isso está dentro do Pacto da Criação. O problema com tudo isso é o nosso foco no “eu”. Nas próximas lições veremos como em Cristo o casamento pode ser restaurado. 78 QUESTIONÁRIO 1. Qual a definição de teorreferência? Por que dizemos que ela pode ser negativa ou positiva? 2. O que acontece quando mudamos o referencial de Deus para o nosso cônjuge? 3. Qual a definição bíblica de coração? 4. Quais as características de que estamos tentando estabelecer os nossos próprios reinos no casamento? 5. Como podemos ter casamentos que glorificam a Deus e trazem felicidade aos cônjuges? 6. Como o nosso “eu” é revelado por meio das circunstâncias? Segundo o dr. Wadislau como as circunstâncias devem ser encaradas? 7. Qual o maior propósito das dificuldades que passamos segundo o texto de Romanos 8.28, conforme explicado pelo autor? 8. Quais são as duas mentiras em que sempre acreditamos quando não temos as circunstâncias que consideramos essenciais? 9. Que lembrança deve o casal levar para o seu casamento? 10. Qual o primeiro propósito do casamento? 79 LIÇÃO 7: RESTAURANDO O PROPÓSITO DE DEUS PARA O CASAMENTO (REDENÇÃO) INTRODUÇÃO: Do ponto de vista da psicologia tudo o que dissemos até aqui não faz nenhum sentido. E, naturalmente, o que diremos daqui para frente fará menos sentido ainda. Se o conceito do problema humano está equivocado, certamente a solução também estará, conforme já mencionamos. As diferentes psicologias presumem a cura do homem (e, portanto, do casamento) a partir de princípios humanistas, das idéias da bondade completa do homem ou de sua maldade por definição, ou ainda, de sua neutralidade moral e da circunstância natural do problema (psicológico, mental ou ambiental), oferecendo a possibilidade da solução dos problemas à parte de Deus162. O aconselhamento bíblico de linha reformada, parte dos pressupostos descritos nos três capítulos anteriores. O homem foi criado bom e como tal refletia a imagem de Deus, porém com a queda o homem se afasta do ideal de Deus, numa pretensa autonomia, inclinando o seu coração a ídolos. Essa é a realidade baseada nas Sagradas Escrituras, a revelação especial de Deus. Falando mais especificamente, Deus criou o casamento (capítulo 1). Criou o primeiro casal em condições perfeitas, santas. Porém o homem se rebelou contra os propósitos de Deus. Para que possa ter esse propósito restaurado Deus enviou seu Filho ao mundo. A restauração que Cristo promove não é apenas para o casamento, mas para todas as coisas, é uma restauração cósmica163. Agora ele está nos livrando do mal do pecado pouco a pouco, e na consumação nos livrará do mal do pecado definitiva e totalmente164. Desde o princípio Deus desejou que o relacionamento humano (isso inclui o casamento) manifestasse a verdadeira e sublime comunhão que ele mesmo apresenta na Trindade. 162 GOMES, Wadislau Martins. Aconselhamento Redentivo. São Paulo: Cultura Cristã, p. 14. WOLTERS, Albert. Criação Restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 79. Ver também WALSH, Brian J. MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora – Moldando uma Cosmovisão Cristã. São Paulo, Cultura Cristã, 2010, pp. 65-78. 164 EDGAR, William. Razões do Coração: Reconquistando a Persuasão Cristã. Brasília: Refúgio, 2000, pp. 118121. Walsh também fala dessa restauração completa usando a expressão intervenção cataclísmica, quando o reino de Deus virá em toda a sua plenitude. WALSH, Brian J. MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora – Moldando uma Cosmovisão Cristã. São Paulo, Cultura Cristã, 2010, p. 72. 163 80 Porém, como vimos, o pecado estragou esse grande propósito. O nosso pecado é uma desonra contra Deus e acende a Sua ira. Surge aqui uma pergunta perturbadora: Como podemos nos livrar desta ira de Deus? Que pode nos livrar da ira vindoura? Dos estragos que o pecado causa? Nós próprios? Não podemos! Somos incapazes de fazer qualquer coisa que apazigue a ira de Deus. A nossa obediência e as nossas boas obras são, como diz Isaías, como “trapos de imundícia” diante de Deus. Não podemos redimir a nós mesmos, nem outro ser humano o pode, porque um pecador não pode justificar outro pecador. Aqui estamos no dilema que foi muito bem descrito por Anselmo, bispo da Cantuária, teólogo do século XI: “O homem pecador deve a Deus por causa do pecado, o que não pode pagar, e a menos que pague não pode ser salvo”.165 Analisando estas questões vemos a necessidade da justificação. O homem não pode justificar-se. Nos apercebemos, portanto, que só Deus pode fazer alguma coisa por nós, só Ele pode nos livrar da Sua ira. A partir de então podemos entender mais acuradamente o propósito da encarnação, vida e obra do Filho de Deus. “Não há Ninguém que pode trazer satisfação [pelo pecado] a não ser o próprio Deus. Mas ninguém deve fazê-lo a não ser o homem; de outra forma o homem não oferece satisfação. É necessário que alguém que seja Deus e homem o faça”. (Anselmo da Cantuária). 7.1. Redenção em Cristo Ao considerarmos a seriedade da queda do homem, lembramo-nos que isto faz do homem um devedor. O homem deve a Deus. Se deseja ser perdoado deve acertar as suas contas com Ele. Mas, o homem é incapaz de fazê-lo. Incapaz porque ao pecar caiu da posição em que fora criado por Deus, com potencialidade para não pecar. Agora o homem não pode deixar de pecar. Ao pecar assumiu uma natureza pecaminosa, tendente ao pecado, tendente ao mal (depravação total). Deus não pode simplesmente “fazer vista grossa” ao pecado. A Sua santidade exige que ele puna o pecado. Há que se haver uma paga, uma satisfação pelo pecado. Desta maneira o homem agora depara-se com dois problemas seriíssimos para que possa ser justificado: “além de ter de cumprir a exigência da Lei que não foi cumprida (aquela obediência exigida de Adão), o homem tem que ser penalizado para que haja satisfação ou quitação da falta cometida”.166 165 166 Citado por STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1999, p. 107. BEZERRIL. Moisés. A Dispensação do Pacto, Recife: Edição Própria, 1998, p. 16. 81 Quem poderia cumprir a Lei e ser penalizado para trazer satisfação? Tinha que ser um homem sem pecado, puro! Quem seria o escolhido para realizar tamanha obra? Adão? Naturalmente que não! Ele já havia pecado e não poderia mais cumpri-la perfeitamente. Se ele no seu estado original não conseguiu cumpri-la, muito menos o conseguiria agora maculado pelo pecado! Quem seria então? Não há outro homem que possa cumprir a lei e receber a penalidade porque em Adão todos os homens pecaram, é o argumento bíblico (Is 59; Rm 3 e 5). Só um homem poderia fazer isto! Só um homem que fosse Deus e homem ao mesmo tempo poderia fazer isto. E, somente assim vamos entender o propósito da encarnação do Filho de Deus, da Segunda Pessoa da Trindade. A incapacidade do homem levou Deus a agir em seu favor. Deus elege um novo representante para a raça humana; Alguém com quem Ele fará um novo pacto: o da Graça. No cristianismo a mensagem central é que Deus vem em busca do homem na pessoa do Redentor Jesus. É o plano de Deus para salvar o homem. A Confissão de Fé de Westminster declara a este respeito: Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio deste pacto [o das obras], o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto, geralmente chamado o pacto da graça; neste pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação através de Jesus Cristo, exigindo deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o Seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.167 Só Cristo é quem preenche os requisitos de Deus. Só Ele estava habilitado a cumprir cabalmente a Lei de Deus e receber a penalidade pelos pecados, só Ele poderia trazer satisfação à Deus. Cristo obedeceu à Lei de Deus e entregou-se à morte, não como uma dívida porque era sem pecado, e portanto, sem nenhuma obrigação de morrer, mas espontaneamente. Aquilo que o homem estava incapacitado para fazer por causa do pecado, o Deushomem o fez. A Segunda Pessoa da Trindade encarnou-se para nos trazer a salvação. E, mais uma vez encaramos a seriedade do pecado ao analisarmos que Deus teve que entregar Seu próprio Filho para reparar o dano do pecado. Mas, “por mais sério que fosse o pecado humano, a vida do Deus-homem era tão boa, tão exaltada e tão preciosa que o seu oferecimento na morte pesa mais que o número e a grandeza de todos os pecados, e a reparação devida foi feita à honra ofendida de Deus”.168 167 168 CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Sobre o Pacto, parágrafo III, 43. STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1999, p. 108. 82 Assim, devemos nos lembrar que não somos aceitos com base nos nossos méritos ou desempenho, mas com base na justiça perfeita de Cristo, que, para fins didáticos chamados de: sua obediência ativa (Cristo cumprindo perfeitamente a Lei de Deus durante a Sua vida) e sua obediência passiva (Cristo levando a penalidade do pecado pelo Seu sacrifício perfeito na Sua morte). Somente com Cristo assumindo o nosso lugar é que podemos ser declarados justos, baseados nos Seus méritos. Na obediência ativa a obra de Cristo consistia em cumprir toda a justiça a fim de merecer as recompensas da aliança não apenas para Ele mesmo, mas também para aqueles a quem Ele representava. Paulo coloca isto, manifestando que Cristo, era um segundo representante da humanidade, assim como Adão foi o primeiro. Adão colocou toda a humanidade num estado de pecadores, Cristo pela Sua obra colocou os eleitos na condição de justificados. Paulo expressa as suas idéias quanto a isto em Romanos 8. 12-19. R C Sproul, comenta este texto afirmando que “aqui Paulo contrasta a derrota de Adão com a vitória de Cristo, o novo Adão. Os dois, Adão e Jesus, serviram como representantes de alianças universais”.169 A diferença é que Cristo, ao contrário de Adão, cumpriu aquilo que lhe foi proposto, não somente fazendo expiação, mas cumprindo toda a Lei. “A obra de Cristo envolveu mais do que oferecer uma expiação para pagar pelos pecados do Seu povo. Ele também teve que cumprir toda a justiça a fim de merecer as recompensas da aliança para Si mesmo e para aqueles a quem representou. Para Cristo ser nosso Salvador Ele não só teve de morrer por nossos pecados, como teve também de viver uma vida de obediência para que pudesse ser nossa justiça”. 170 “Cristo, o Filho de Deus, que por direito era isento de toda e qualquer sujeição, fez-se sujeito à lei. Um homem livre redimiu um escravo, ao constituir-se fiador; Cristo decidiu tornar-se obrigado a cumprir a lei para poder obter isenção para nós...”.171 No aspecto da obediência passiva devemos lembrar isso não quer dizer que Cristo foi “passivo” no sentido de ter sido como uma vítima involuntária de uma obediência que foi arbitrariamente imposta sobre Ele. Ele mesmo afirmou que entregava a sua vida espontaneamente (João 10.18). Esta obediência refere-se a Jesus como aquele que recebeu todas as penalidades da lei por causa da transgressão do Seu povo. A obediência passiva 169 SPROUL, R C. A Glória de Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 65. Ib. Ibid. 171 CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura: Exposição de Gálatas. São Paulo: Paracletos, 1998, p. 123. 170 83 refere-se, portanto, aos sofrimentos de Cristo, à Sua morte judicial (sofrendo as penalidades da lei) na cruz do Calvário. Essa é a base da nossa justificação: a justiça de Cristo. “...Justificação é a justiça perfeita de Cristo contabilizada para nós, cobrindo as imperfeições restantes em nossa vida com um manto de santidade sem manchas...”172 Por essa obra Cristo restaura o relacionamento dos seus eleitos com Deus (Romanos 5.1ss). 7.1.1. A Justificação pela Fé e o Casamento Mais abaixo veremos três aspectos de como a obra de Cristo abarca vários conceitos e como isso tem implicações para a redenção do casamento. São três aspectos escolhidos dentre os escritos paulinos, especialmente Romanos, que ilustram o assunto e nos ajudam a entendermos a justificação pela fé. O relacionamento de Cristo com a sua igreja, justificando-a, com base não no seu desempenho, deve ser demonstrada pelo marido no relacionamento com a sua mulher, e a submissão da igreja deve ser demonstrada pela mulher na submissão dela para com o marido. Esse é um quadro que nenhuma ciência social poderia jamais captar. Não tem a ver com os merecimentos. Não tem a ver com o objeto do nosso amor, mas tem a ver com a forma como Deus organizou o casamento para ser na Aliança da Criação. É porque não nos baseamos nessas verdades e procuramos orientar o nosso relacionamento para o que o outro nos faz, ou em outras palavras no seu desempenho, é que muitos casamentos, desafortunadamente, naufragam quando passam por um período de grande turbulência. Claro que isso não quer dizer que não devemos apreciar os nossos cônjuges. As qualidades de um e outro agregam valores ao casamento, mas não devem ser a base dele. O mandamento de Deus sim! É claro que não devemos minimizar o fato de que marido e mulher devem ter companheirismo, prazer e alegria um na presença do outro. Mas, não com base nos merecimentos, mas com base na redenção que há em Cristo. Quando entendemos a graça com a qual fomos tratados por Deus, especialmente na pessoa de Jesus Cristo então passamos a tratar o nosso cônjuge com graça. “A humildade substituirá a arrogância e começaremos a servir em vez de esperar se servido... Nossos 172 LOVELACE, Richard. Teologia da Vida Cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 66. 84 casamentos começarão a refletir a magnificência em lugar da mediocridade do egoísmo”173. É dentro dessa esfera do Novo Pacto que o casamento deve ser celebrado. “Cristo é o ponto de referência para todas as nossas atitudes no casamento”. 174 As atitudes das esposas com relações aos seus maridos é a submissão “como ao Senhor” e a atitude amorosa, de entrega e cuidado por parte marido para com a esposa deve encontrar modelo em Cristo que “amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”. Cônjuges devem depender da graça de Deus. “...pela graça, o marido reflete a graça de Deus à sua esposa mediante a entrega, e a esposa reflete ao marido, pela fé, a submissão que devemos ao Senhor”175. Os cristãos devem lembrar que a obra de Cristo não somente atinge o homem no que diz respeito à salvação, ela diz respeito a tudo na vida humana, isto inclui, obviamente, o casamento. O casamento, podemos depreender de Efésios 5, foi planejado por Deus para ser uma parábola, uma ilustração do relacionamento entre Cristo e sua Igreja. “...O casamento é maravilhoso não porque traz alegria às pessoas, ou porque proporciona um ambiente para a criação de filhos, ou porque estabiliza a sociedade (embora o casamento faça todas essas coisas). O casamento é maravilhoso por Deus o projetou para manifestar a sua glória”176. O casamento deve ser a encarnação da verdade de que eu sirvo a Cristo; e mais, deve demonstrar o relacionamento entre Cristo e a Igreja. Creio que essa é a glória do casamento. Ele representa essa relação amorosa de Cristo com a sua igreja. Ele representa o Novo Pacto. Ele manifesta o amor de Deus para com aqueles que Ele escolheu. Na cruz Cristo enfrentou as trevas para o Seu povo pudesse experimentar a graça de Deus. Na cruz Cristo suportou o abandono de Deus para que marido e mulher pudesse encontrar todos os recursos, todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento para viver um casamento que o glorifique (Colossenses 2.3). 7.1.2. Encontrando o propósito do casamento em Cristo Por tudo que temos dito até aqui, é uma implicação clara dizer que não devemos amar o nosso cônjuge baseados no merecimento ou não dele. Amar o nosso cônjuge é um mandamento do Senhor. E, ao cumpri-lo, voltamos ao que era no principio: o casamento encontra, outra vez, seu propósito maior: glorificar a Deus. 173 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 89. HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007, p. 23. 175 GOMES, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade. Brasilia: Refúgio, 1999, p. 77. 176 HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007, p. 25. 174 85 Talvez a melhor forma de vermos como essa verdade é melhor explicada seja olharmos para Efésios 5.22-33. Nesse texto Paulo fala do relacionamento marido e mulher, comparando-o ao relacionamento de Cristo com a igreja. Ali aprendemos que Cristo amou a sua igreja sacrificialmente. Amou-a entregando-se por ela. Aqui a doutrina da depravação total nos ajuda e verificarmos o impacto disso no nosso relacionamento. “...uma vez que a nova aliança de Cristo com a sua igreja seja criada e sustentada pela graça comprada com sangue, assim também os casamentos humanos visam a manifestar essa nova aliança”. Quando falamos de Cristo e da sua igreja certamente devemos ter em mente que a aceitação da igreja não tem caráter meritório. Marido e mulher manifestam que no “...casamento, vive cada hora na alegre dependência do perdão e da justificação da graça de Deus, assim como na sua prometida graça futura, e... aplica[-a] ao seu cônjuge a todo instante – como uma extensão do perdão e da justificação de Deus e do seu auxílio prometido”177. Marido e mulher deve ser aperceber que “fomos criados pelo Senhor e só seremos felizes em sujeição à Sua justiça e ao Seu amor. Longe de Deus, no desejo de independência, só encontramos solidão...”178 Devemos lembrar que o contexto anterior imediato desse texto nos lembra que devemos viver em sujeição uns aos outros no temor de Cristo (Ef 5. 21). Ali Paulo menciona que os cristãos devem viver cheios do Espírito Santo, e as conseqüências dessa plenitude do Espírito que se revelará, entre outras coisas, nos relacionamentos. Você se sujeitou a Cristo; o outro cônjuge também. E ambos... são governados por uma lealdade superior, pela lealdade Àquele que não levou em conta os Seus direitos e prerrogativas, mas só levou em conta vocês e sua desesperada e aterradora necessidade. Ele se humilhou a Si mesmo, pôs de lado os Seus direitos e prerrogativas, assumiu a forma de servo, e enfrentou a morte, sim a morte de Cruz. Olhando para Ele, e vendo como Ele veio, não somente para livrá-los do inferno, mas para dar-lhes vida, vida mais abundante, e encheu plenamente o seu entendimento para a Sua glória...179 Essa lealdade mencionada acima lembra-nos do que falamos sobre a Aliança da criação. Paulo diz que no relacionamento marido e mulher estavam submissos a Deus e que há papéis que foram definidos por Deus na criação. No princípio o homem foi criado para ser o cabeça do lar, bem como a mulher para ser auxiliadora. Vimos também que o pecado afeta 177 PIPER, John. Casamento Temporário: Uma parábola de Permanência. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 40. 178 GOMES, Wadislau Martins. Força Para a Familia na Crise Moderna. Brasília: Refúgio, 1995, p. 62. 179 Ib. Ibid. 86 esse estado de coisas e a mulher passa a tentar, sucessivas vezes, se apoderar da liderança do marido e o homem a liderar a mulher de forma autoritária. Mas, conforme dissemos, a estrutura que Deus estabeleceu permanece ainda que corrompida pelo pecado. Em Cristo, na restauração, Paulo menciona mais uma vez como Deus planejou tudo na criação e como entre os cristãos isso era restaurado em Cristo. A mulher, ele diz, deve ser submissa ao marido como ao Senhor, fazendo alusão ao fato de que isso agrada a Cristo e por isso, a mulher deve agir submissamente apesar da queda. O marido, por sua vez, lidera a esposa, com cuidado, com amor sacrificial e abnegado, a fim de que a sua esposa seja como a igreja que Cristo apresenta sem mácula nem ruga. É uma liderança não com autoritarismo, mas, com benevolência e auto-sacrifício. O que percebemos aqui? Quem é a pessoa central no casamento? Cristo. A mulher se submete ao marido, como a Igreja ao Senhor (Cristo) e o marido ama a esposa como Cristo ama a Igreja. A redenção em Cristo, como dissemos, abarca todas as coisas. Abarca, de forma clara, o casamento. Nele, o casamento é redimido. Isso restaura a ordem da criação. Como vemos, nada há novo, o que temos é que “a redenção não é uma questão de acrescentar uma dimensão sobrenatural ou espiritual à vida humana; antes é uma questão de dar nova vida e vitalidade ao que já estava lá o tempo todo”180. Onde o pecado estragou o casamento Cristo o redime por sua obra na Cruz e ressurreição. É possível um casamento harmonioso? É possível viver um casamento cheio da graça de Deus onde os conflitos são vistos como parte do processo de santificação que tem começou? Sim, é possível. Possível porque Cristo veio a esse mundo para restaurar todas as coisas. Cristo veio a esse mundo caído para redimir pecadores e redimir nele todas as relações humanas. De forma bastante apropriada Paul David Tripp ensina-nos como Cristo restaura todas as coisas. Ele escreve: A mudança é possível! Você pode estar no meio das mais duras realidades do pecado e ter esperança de que Ele nunca irá desapontá-lo (Rm 5.1-5). O casamento pode mudar. O adolescente pode mudar. A igreja pode mudar. A amizade pode mudar. A amargura pode ser aniquilada. A compulsão pode ser quebrada. O medo pode ser derrotado. O coração de pedra pode ser tornar generoso, e palavras doces podem vir de uma língua antes ferina. Um cuidado amoroso para com alguém pode vir de uma pessoa que antes era totalmente voltada para si... O lar pode ser o lugar de segurança, amor e cura. A mudança é possível porque o Rei já veio!181 180 181 WOLTERS, Albert. Criação Restaurada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 81. TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: Nutra, 2009, p. 24. 87 Sim! Louvado seja Deus! Encontramos o propósito e a redenção do casamento em Cristo. A boa notícia é que o Rei veio a esse mundo para transformar os relacionamentos. A razão pela qual o propósito do casamento pode ser restaurado é porque Cristo, e somente Ele, pode transformar e restaurar o coração humano. Ele é a esperança. Ele promete “...perdoar, justificar e glorificar todos quantos se voltam para ele, deixando o pecado e recebem a Cristo como Salvador, Senhor e tesouro supremo da vida. O casamento entre o homem e a mulher foi planejado desde o princípio para ser reflexo e manifestação desse relacionamento pactual consumado em sangue”182. Esse reflexo, podemos afirmar é o fato de que eles dependem da obra de Cristo para terem um casamento que glorifica a Deus. Devemos nos aperceber disso porque temos um incrível e maligno senso de justiça própria. Desde a queda quando Adão e Eva tentaram cobrir a sua própria nudez e vergonha, carregamos conosco esse desejo de nos autojustificarmos. “A justiça própria é um senso de superioridade moral que nos revela como acusador da pecaminosidade de outras pessoas. Nos relacionamos com as outras pessoas como se fossemos incapaz de cometer os mesmos pecados que elas cometem...”183. Nos momentos em que o pecado e a fraqueza do cônjuge se apresentam somos tentados a manifestarmos a justiça própria. Somos tentados a esquecer e negar com atitudes o sacrifício precioso de Cristo e como ele muda o nosso modo de ver a vida. Paulo diz em Colossenses 3.12-13 que devemos agir da mesma forma como Deus agir conosco. John Piper chama isso de “Justificação aplicada para fora”184. Sempre e, sem titubear nem por um momento, devemos viver em nosso casamento a centralidade e singularidade da morte de Cristo e aplicá-la ao nosso dia a dia. 182 PIPER, John. Casamento Temporário: Uma parábola de Permanência. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 28. Ênfase acrescentada. 183 HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2011, p. 82-83 184 PIPER, John. Casamento Temporário: Uma parábola de Permanência. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 43. 88 QUESTIONÁRIO 1. Quais as pressuposições que a psicologia traz acerca do homem? 2. Por que Deus teve que se tornar homem? 3. O que quer dizer a obediência ativa e passiva de Cristo? 4. Por que o autor afirma que a concepção de casamento não pode ser captada por nenhuma ciência social? 5. Você concorda com o autor que é por causa do desconhecimento da doutrina bíblica que muitos casamentos naufragam? 6. Faça uma relação entre justificação pela fé e casamento? Como podemos aplicar a justificação no casamento? 7. Qual é a glória do casamento? 8. Como marido e mulher podem encontrar o propósito do casamento em Cristo? 9. Como os papéis do marido e mulher cumprem o mandato social? Na sua opinião esse aspecto continua depois da queda ou não? Justifique. 10. Estude a citação final da página 86 e diga em suas próprias palavras como a obra de Cristo na cruz pode mudar a realidade do casamento. 89 LIÇÃO 8: A OBRA DE CRISTO APLICADA E O CASAMENTO INTRODUÇÃO É importante enfatizarmos que temos dito até aqui que homens e mulheres estão casados com pecadores e vivendo em um mundo caído. Temos a garantia plena de que seremos atingidos e atingiremos o cônjuge com os pecados; é o poder do pecado que ainda permanece em nós. Certamente o nosso cônjuge pecará contra nós, nos decepcionará e terá atitudes que certamente desconheceremos. Porém Cristo não apenas nos livrou da culpa do pecado, mas também nos livrou do poder do pecado185 8.1. Perdoados e perdoando Aqui, devemos lembrar de algumas nuances da obra de Cristo e dos resultados que eles promovem àqueles que, casados com outros pecadores, são redimidos pela obra eficaz dele na Cruz do Calvário. Esses aspectos são mencionados por Paulo em Romanos. Lembremos: o homem deveria morrer – Cristo morreu em sacrifício no seu lugar. Com esse sacrifício temos: a ira de Deus é apaziguada, isto é visto na propiciação; a nossa escravidão ao pecado é resolvida na Redenção; e, o nosso afastamento de Deus é resolvido pelo que os escritores do Novo Testamento chamam de reconciliação. Todas estas imagens estão ligadas ao sacrifício de Cristo. Analisemos cada uma: a) Propiciação A palavra propiciação aparece em Rm 3. 25; Hb 2. 17; 1 Jo 2. 2 e 4. 10. Todas as referências referem-se ao fato de Jesus ter sido a nossa propiciação. Propiciação pode ser descrita como o ato que anula a ira de Deus contra nós ocultando nossos pecados da sua vista. Isto é o que Paulo ensina no livro de Romanos quando ele diz que todos pecaram e que todos acumulam contra si mesmos ira para “o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus...” (2. 5). Paulo no capítulo cinco conclui que só podemos nos livrar da ira mediante o sangue de Jesus Cristo; só seremos justificados pelo Seu sangue. 185 Ver SCHAEFFER, Francis. Verdadeira Espiritualidade. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, pp. 110-112. 90 “Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (vs. 9). A ira de Deus, a Sua santa indignação, que não poderia ter sido apaziguada pelos homens, foi apaziguada pelo sangue de Cristo. “É o próprio Deus que, em ira santa, necessita ser propiciado, o próprio Deus que, em amor, resolveu fazer a propiciação, e o próprio Deus que, na pessoa do Seu Filho, morreu pela propiciação dos pecados. Assim Deus tomou a Sua própria iniciativa amorosa de apaziguar a Sua própria ira justa... no Seu próprio Filho ao tomar o nosso lugar e morrer por nós”.186 Cristo apazigua a ira de Deus e nosso pecado é coberto. A ira de Deus não precisa mais ser temida, em Cristo estamos cobertos da ira. O pecado requer uma punição por causa da ira e esta recaiu sobre Cristo. Como já visto acima e veremos abaixo isso tem implicações sobre o nosso casamento e a forma como vivemo-lo no dia a dia. b) Redenção Outro aspecto da obra de Cristo é a Redenção que pode ser definido como “o preço pago para resgatar algo que estava em penhor, o dinheiro pago para resgatar prisioneiros de guerra e o dinheiro pago para comprar a liberdade de um escravo”.187 O texto de Marcos 10. 45 fala a este respeito: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Cristo deu a Sua vida em resgate, Ele com a Sua morte pagou o preço; Cristo obteve a nossa libertação da escravidão do pecado, da morte e do diabo. A mesma idéia de redenção vamos encontrar em Rm 3. 24; 1 Co 6. 20; 7. 22, 23; 1 Tm 2. 6; Ef 1. 7; 1 Pe 1. 18; Ap 5. 9; 14. 3, 4. Nestes últimos textos a idéia é a de assegurar a libertação através do pagamento de um preço, que está ligada diretamente ao derramamento do sangue de Cristo. O texto de Hebreus 9. 12 e 15 nos mostra de forma particularmente clara que a Redenção envolve a libertação da culpa do pecado. “...Não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção... Por isso mesmo ele é o Mediador da nova aliança a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sobre a primeira aliança, receberam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados”. O preço pago 186 187 STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1999, p. 156. LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985, p. 405. 91 substitutivamente nos redime da penalidade da transgressão. O pecador é liberto do domínio do pecado. Entretanto, o eleito não é somente liberto do poder do pecado, mas também dos efeitos poluentes do pecado. Fomos limpos, purificados de toda iniqüidade (Tt 2. 14). A redenção também nos livra do domínio de Satanás e do poder da morte. Paulo afirma que Cristo “cancelou o escrito da dívida que era contra nós e despojou os principados e potestades triunfando deles na cruz” (Cl 2. 13-15). “Ele nos libertou do império das trevas” (Cl 1. 13). Cristo rompeu as cadeias que amarram o pecador ao diabo. É dessa forma que os cristãos devem pensar e agir nos seus casamentos. Eles e seus cônjuges foram redimidos por Cristo do pecado e da sua penalidade e efeitos poluentes, e igualmente redimidos do poder de Satanás. Os efeitos do pecado e as ações de Satanás com o propósito de destruir o casamento (o mesmo propósito maligno que aparece no Éden), devem ser enfrentados pelo cristão com a graça que há em Cristo Jesus. Em Hebreus 2. 14-15 vemos que a obra de Cristo além de destruir Satanás, destruiu também aquilo que estava sob o seu poder: a morte. O diabo tinha o poder da morte nas mãos, mas Cristo arrancou dele este poder. Por causa do poder da morte, os homens viviam temendo a morte, sendo escravizados por este temor. Mas os homens por quem Cristo morreu, deixaram de ter medo da escravidão da morte, assim como a morte passou a não ter o efeito de penalidade. A morte para o cristão é agora a libertação dos sofrimentos desta vida. Não mais penalidade pelos pecados, porque quando Cristo morreu, Ele pagou a morte como pena em nosso lugar. Esta idéia de resgate aparece claramente também no texto de Isaías 59. Todo o contexto fala da separação dos homens de Deus por causa do pecado; não havia quem pudesse tirá-los daquela situação visto que o texto diz que Deis “viu que não havia ajudador algum e maravilhou-se de que não houvesse um intercessor” (vs. 16). O texto continua dizendo que, por causa disto – porque o homem não podia fazer nada em seu próprio favor – Deus mesmo “lhe trouxe a salvação e o seu próprio o susteve”. No verso 20 Isaías fala acerca de um “Redentor que virá de Sião”. Interessantemente o termo hebraico usado é goel que pode ser traduzido também por Resgatador ou Redentor como está na Bíblia Atualizada. Esta palavra é usada no Velho Testamento com a idéia de “que o goel era o protetor, o parente mais próximo cujo dever era, em determinadas circunstâncias como, por exemplo, em situações de necessidade, agir como remidor”.188 188 ATKINSON, David. A Mensagem de Rute. São Paulo: ABU, 1991, p. 94. 92 A figura do resgatador está intimamente relacionada com tirar da servidão, como Deus tirou o povo de Israel da servidão. Retomando o texto de Isaías 59, fica claro no texto que não havia como o povo voltar para Deus. O pecado do povo o deixou “pobres”, por assim dizer. Eles tinha de ser redimido. Cristo é este remidor. O próprio Isaías diz no capítulo 53: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados; cada um se desvia pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (vs. 5-6). Ele pagou o preço para nos redimir; foi o nosso Resgatador; o nosso Redentor. Livrou-nos do pecado, do poder do diabo e do poder da morte. Ele pagou o preço requerido por Deus. É por isto que Paulo não só fala do sacrifício em termos da propiciação, mas também fala em termos da “redenção que há em cristo Jesus” (Rm 3. 24-25). c) Reconciliação Com a Sua morte Cristo também nos reconcilia com Deus. Cristo na Cruz também nos tira do estado de inimizade com Deus. O homem por causa do pecado está alienado, afastado, inimigo de Deus. Cristo restaura este relacionamento. A própria idéia de reconciliação sugere alienação. A reconciliação é necessária, entre duas partes, quando ocorreu algo que causou o rompimento... O pecado alienou o homem de Deus. Ele quebrou o relacionamento e tornou-se uma barreira”.189 Reconciliação não é um termo usado na Bíblia no sentido de “encontrar paz consigo mesmo”, embora ele insista em que somente através da perda de nós mesmos em amor a Deus e ao próximo é que verdadeiramente nos encontramos. Em 2 Co 5. 18-21 Paulo insiste que deve ser anunciado que Deus não tem nada contra os homens, que a inimizade já foi tirada e que Ele agora olha com favor para os homens por causa do sacrifício de Cristo. Estas imagens que colocamos nos mostra que a perfeita justiça de Cristo satisfez a todas as exigências de Deus. A Lei que fora quebrada por Adão fora cumprida perfeitamente por Cristo. A ira de Deus por causa do pecado foi apaziguada pelo sacrifício propiciatório. “A quem Deus propôs no Seu sangue como propiciação” (Rm 3. 25); Fomos redimidos pelo seu sangue: “no qual temos a redenção” (Rm 3. 24); e, saímos do nosso estado de alienação, de 189 LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985, p. 420. 93 inimizade também pelo Seu sacrifício: “Porque nós quando inimigos fomos reconciliados com Deus, mediante a morte do Seu Filho” (Rm 5. 10). Assim é como se nunca tivéssemos pecado e como se sempre tivesse guardado perfeitamente a lei de Deus. Era absolutamente necessário que o Redentor fosse um membro da raça humana para poder exercer a tarefa da expiação de pecados. Se Cristo não pertencesse ao tronco da raça humana, ele não poderia fazer o papel de substituto dos homens. Somente o igual pode substituir o igual. Esta perfeita justiça de Cristo é imputada aos eleitos. Isto significa que nos vestimos da justiça de Cristo. Podemos dizer que a nossa injustiça, os nossos pecados e sua penalidade recaiu sobre Cristo; e a Sua perfeita justiça recaiu sobre nós. Paulo diz: “Para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5. 21). Ou seja, Cristo foi feito pecado por nós. Embora, fosse sem pecado sofreu o que devíamos ter sofrido. Dizer que Deus imputa esta justiça de Cristo aos crentes é dizer que Deus considera a justiça dEle como pertencente aos crentes. Romanos 4. 5 diz: “Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé é atribuída como justiça”. Não é nossa própria justiça, mas a justiça de Cristo que nos justifica. Subentende-se então que recebemos esta justiça pela fé visto que somos justificados pela fé, mas deve ficar claro que a fé não é meritória porque ela também é dom de Deus (Ef. 2.8). Se Ele foi feito pecado por nós como afirma Paulo, é mais do que óbvio afirmar que a justiça de Cristo é imputada àqueles por quem Ele morreu. Assim, podemos afirmar peremptoriamente que somos justificados, declarados justos diante de Deus “Agora, pois, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8. 1). Assim pensemos, por maior que seja o pecado contra mim, ele já foi perdoado por Deus. É importante dizer nesse ponto, que sim, sofremos e muito com o pecado do cônjuge, mas à semelhança do perdão de Deus, somos chamados por ele a perdoar e a buscar a reconciliação190. Quando reconheço que Cristo me perdoou, apaziguou a ira de Deus, me redimiu e me reconciliou com Deus, entendo que no meu casamento sou um agente comissionado por Deus para a reconciliação. Quando reconheço, da mesma forma, que o meu pecado é uma estrondosa afronta contra Deus, e que Ele mesmo trabalhou para que eu tivesse o meu pecado 190 TRIPP, David P. O Que você Esperava?São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 48-51. 94 perdoado, então os pecados do cônjuge contra mim se tornam menos graves em comparação ao quanto os meus são ofensivos a Deus. E, portanto, perdôo e busco reconciliação. Na primeira Epístola de Pedro, vemos a aplicação desse princípio. No capítulo 2, verso 23 em diante Pedro diz que o sofrimento dele, serve-nos de modelo para sofrermos também afronta. É claro que Pedro está falando do sofrimento da perseguição, mas pensando em aplicação para os nossos tempos podemos, de forma legítima, aplicar esse princípio ao casamento. Ele diz: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca; pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente...”. Somos chamados a não devolver mal por mal. Ele finaliza dizendo que devemos nos entregar àquele que julga retamente. Como Cristo, então, devemos rogar a Deus, por santificação nossa e de nosso cônjuge. “Pai perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”. Os efeitos do pecado de outros sobre nós só podem ser cobertos pelo sangue de Cristo. Assim, em Cristo buscamos redenção para o nosso casamento. Em Cristo buscamos reconciliação. Em Cristo podemos tratar os pecados do nosso cônjuge sem manipulação e sem crítica, mas com a firme resolução de sermos mais unidos em Cristo. Isso é possível por causa da pessoa de Cristo que está trabalhando em nós por intermédio do Seu Santo Espírito. As implicações de tudo isso é que o casal deve viver não pensando em sua felicidade pessoal, mas na pureza de coração que Cristo proporcionou com a sua obra. Na justificação Cristo sabe o pior a nosso respeito e mesmo assim nos amou a ponto de morrer na cruz (João 13.1), e continua nos amando sabendo quem nós somos. É sempre impactante repetir isso: não depende de nós é graça. E também não depende de nós, Ele continua nos dando graça. Esse relacionamento com Cristo satisfaz perfeitamente as debilidades que temos como pecadores. Éramos culpados, carecendo da glória de Deus, mas Ele, nos justificou assumindo o nosso lugar. O justo pelos injustos. Éramos como aqueles que Paulo diz que andavam segundo a vontade da carne e segundo o príncipe da potestade do ar que atua nos filhos da desobediência (Efésios 2.1-3). 4.2.2. Somos pecadores, por isso, precisamos da graça e perdão de Deus. 95 A obra de Cristo nos faz lembrar também o que somos. Enquanto não voltarmos a nossa atenção para o fato de que somos pecadores e suspeitarmos de nós mesmos e até da nossa boa vontade, estaremos longe de ter um casamento para a glória de Deus. Paulo falou acerca de si mesmo como “o maior dos pecadores” (1 Tm 1.15). Paulo procurava entender o seu próprio coração pecaminoso. Ele procurava fazer uma auto-análise. E declarou-se como o principal dos pecadores. Por causa disso, “nos conflitos cotidianos, eu deveria suspeitar primeira e regularmente de mim mesmo! Suspeitar de meu próprio coração e reconhecer duas coisas: meu coração tem um papel central em meu comportamento e uma tendência permanente de opor-se aos caminhos de Deus”191. Muitos problemas do casamento encontram solução aqui, quando eu me reconheço pecador e dependente da graça de Deus. É sempre bom lembrarmos o que Jesus disse em Mateus 7.1-5. O dr. Lloyd-Jones faz uma precisa análise desse texto. Ele assevera que a atitude de crítica para com a outra pessoa está manchada pelo nosso próprio pecado e pela tentativa absurda de escondê-la, tão absurda como alguém tentando esconder uma trave enquanto tira o cisco do olho de outra pessoa192. John Stott caminha nessa mesma direção, estabelecendo alguns princípios importantes desse texto que devemos aplicar ao matrimônio. Ele diz que não devemos nos tornar juízes, nem hipócritas193. É importante frisarmos isso, pois “temos uma tendência fatal de exagerar as faltas dos outros e diminuir a gravidade das nossas”. Porém “temos uma visão rósea de nós mesmos e uma deformada dos outros. Na verdade o que geralmente acontece é que vemos nossas faltas nos outros e nos julgamos vicariamente”.194 Somos pecadores perdoados. Ainda pecamos. E esse pecado sempre trará problemas ao casamento. Reconhecer que somos pecadores e necessitados da graça de Deus para nos livrar do poder do pecado é imprescindível no propósito de glorificar a Deus no casamento. Antes de olharmos para os erros do nosso cônjuge, precisamos humildemente reconhecer que também somos pecadores. Pecadores que ainda necessitam de graça. Pecadores que ainda necessitam de perdão. Com esse entendimento e prática podemos continuar firmes em um casamento cujo propósito principal é a glória de Deus. Essa é uma ajuda que vem de fora de nós. Essa postura nos conduzirá à pessoa de Cristo e à necessidade da sua obra para justificação. 191 HARVEY, Dave. Quando Pecadores Dizem Sim. São Bernardo do Campo: Fiel, 2007, p. 58. LLOYD-JONES, David Martyn. Estudos no Sermão do Monte. São Bernardo do Campo: Fiel, 2009, p. 459. 193 STOTT, John R. W. A Mensagem do Sermão do Monte. São Paulo: Aliança Bíblia universitária, 1989, pp. 182-189. 194 Ib. Ibid. 192 96 4.2.3. O cônjuge também é pecador, por isso precisa da graça e perdão de Deus. É porque Cristo cumpriu a Lei de Deus e morreu na cruz do Calvário em lugar dos eleitos que podemos descansar. Enquanto estamos nesse mundo estamos num campo de batalhas. O casamento está inserido aí também. As lutas, as brigas, os desentendimentos, as palavras ofensivas, enfim todo o fruto do nosso agir pecaminoso, repetimos, é fruto de que ainda somos pecadores. Porém não somos apenas pecadores. Somos pecadores perdoados. Somos justificados em Cristo. Somos um com Ele. Essa compreensão nos dá uma nova ótica sobre o casamento e o cônjuge. Primeiro, o meu cônjuge não é o meu grande problema nem eu o dela. O grande problema é o pecado. Dele(a) e meu! Mas, em segundo lugar, o fato de ser um pecador perdoado me coloca numa posição de que o meu casamento pode ser maravilhoso. Está em Cristo significa que não há causas perdas ou conflitos desesperadores. Cada dia é um dia de nova misericórdia e poder para confessar e amar perdoar e restaurar. Melhor ainda as batalhas do casamento deixam de ser apenas situações contra as quais lutamos para avançar na jornada, esperando chegar até ao fim do relacionamento intacto. Em vez disso, até os nossos conflitos têm possibilidades redentoras, porque a guerra contra o pecado é vencida em Cristo, pela graça e poder de nosso Soberano Deus 195. Mais uma vez lembramos que a justificação traz benefícios para o casamento também. “A justificação traz paz com Deus verticalmente, apesar de nosso pecado. E quando vivenciado horizontalmente, o casamento cria a paz livre de vergonha entre um homem imperfeito e uma mulher imperfeita...” 196 . O relacionamento com Cristo deve lembrar da graça de Deus aos cônjuges. O fato de termos recebido perdão e graça da parte de Deus deve nos lembrar de que como imagem e semelhança de Deus devemos manifestar isso também ao nosso cônjuge. Dessa forma, ao invés da egorreferência característica de todos os pecadores passamos a refletir a glória de Deus. Deixamos de lado o egoísmo, o estabelecimento do próprio reino e criamos no nosso casamento um ambiente de graça, de amor, de manifestação da glória de Deus. “Ao contemplar a glória de Deus, somos transformados à semelhança dele, e nos tornamos cada vez mais compassivos, graciosos, tardios em nos irar, amorosos, fiéis e perdoadores. Nossos lares são transformados em lugares da graça onde a glória da bondade 195 TRIPP, Paul David. TRIPP, David P. O Que você Esperava?São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 26. PIPER, John. Casamento Temporário: Uma parábola de Permanência. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 30. 196 97 dele se irradia dos que habitam ali. E não nos enganemos isso não tem nada a ver com esforço próprio. É vida na região da graça”197. Para se construir um casamento assim, não há que duvidarmos, precisamos da graça de Deus. Só ela nos possibilita a vivermos refletindo a glória de Deus no nosso casamento. Só porque Cristo veio é que podemos vivenciar assim o Evangelho. Paulo diz que “...Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Assim, o amor que o marido demonstra pela esposa não deve depender de quão merecedora ela seja, ou do fato de ela está se comportando adequadamente, ou se ela agrada ao seu marido. Deus – louvado seja o Seu nome – não nos ama e não envia as suas bênçãos com base no nosso merecimento. Da mesma forma os maridos são chamados a amarem as suas esposas. Da mesma sorte as mulheres são chamadas a serem graciosas com seus esposos não os respeitando a partir do seu merecimento; julgando aos seus próprios olhos, se ele merece o seu respeito e submissão ou não. 197 HUNT, Susan. A Graça que vem do Lar. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 51. Ênfase acrescentada. 98 QUESTIONÁRIO 1. O que é propiciação? 2. O que é Redenção? 3. Do que nos livra a redenção de Cristo? 4. O que é reconciliação? 5. Como você poderia relacionar esses conceitos com o casamento? 6. Qual é o maior problema do casamento? 7. Como a justificação pode ser vivida horizontalmente? 8. O reconhecimento de que somos pecadores nos ajuda a viver um casamento para a gloria de Deus? Justifique. 9. O autor afirma que o fato de sermos pecadores perdoados nos dá uma nova ótica sobre o casamento. Você concorda? Justifique. 10. Leia a citação de Paul Tripp na página 96 e faça seu próprio comentário sobre ela. 99 CONCLUSÃO É interessante ver que o livro de Apocalipse termina com a ideia de Deus como noivo e a sua igreja como a noiva (Apocalipse 21 e 22). Nesse texto somos levados a ver a noiva. A Cidade Santa é a Noiva, a esposa de Cristo (21.9). A Nova Jerusalém é a noiva do Cordeiro.198 Ali, a comunhão entre Deus e seus filhos é tanto a mais íntima e permanente relação de amor quanto a coisa mais gloriosa e bela do universo, é simbolizada por essa figura do casamento. Ao compararmos essa forma como a Bíblia trata o casamento e a forma como o governo e outras instituições têm investido contra a família, podemos perceber o ataque de Satanás contra o plano de Deus! Essas investidas, de fato, reforçam e tornam mais fácil a degradação e desintegração do casamento. Entretanto, concluímos, temos um problema interno, gritante e que não pode ser compreendido sem as categorias das Escrituras. Não se trata de um problema de educação, de diplomas, de posses. Trata-se da nossa pecaminosidade. Trata-se da nossa idolatria. Trata-se do problema de que, por conta do pecado, nos vemos como o centro de tudo. Perdemos o referencial verdadeiramente único e infinito. Nos apegamos ao nossos desejos que rapidamente se transformam em tiranos que nos guiam em todos os aspectos da vida. Queremos o que desejamos e queremos agora. Isso reforçado pelos estímulos externos do mundo caído, forma uma cadeia quase inexpugnável, ou melhor dizendo, realmente inexpugnável do ponto de vista humano. Quando aprendemos isso, reconhecemos que estamos absolutizando algo. Adorando algo ao invés de Deus, porque somos criaturas pactuais, essencialmente adoradoras. Mas, somos chamados por Deus a termos relacionamentos no casamento que glorifiquem a Ele. A partir desses pressupostos teológicos de casamento e pacto, seremos capazes de, com a sabedoria que Deus nos deu, buscarmos aplicá-los ao nosso casamento, fazendo da glória de Deus o nosso objetivo e como resultado dessa busca gozarmos de felicidade e alegria nos nossos relacionamentos. O Deus que enviou Jesus Cristo para redenção nos convoca a olharmos o casamento e tudo o mais a partir do quadro de referência proposto pelas Escrituras. Que Ele nos livre de estabelecer o nosso próprio reino em detrimento do dEle. 198 Ver KISTEMAKER, Simon. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 706ss. Ver também VIEIRA, Samuel. Tudo Sobre Controle. Goiânia: Logos, 2006, p. 375ss. 100 E, oremos para anelar com mais e mais força e fervor que o reino de Deus se concretize. E que os nossos corações sejam dele e somente dele. Que a nossa adoração seja somente para Ele. Oremos para que o nosso casamento seja para a glória dele. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Romanos 11.36) Este tipo casamento, o que glorifica a Deus, lida seriamente com os seus pecados num ambiente de perdão baseado nos méritos de Cristo na cruz do Calvário e que é por tudo isso pleno da graça de Deus, é um testemunho enérgico e vívido de que Deus criou o casamento no pacto da Criação. A Ele pois seja toda glória! 101 REFERÊNCIAS ADAMS, Jay E. O Manual do Conselheiro Capaz. São José dos Campos - SP: Fiel: 6ª. Ed., 2006. ______________. Conselheiro Capaz. São José dos Campos - SP: Fiel, 2008. ATKINSON, David. A Mensagem de Rute. São Paulo: ABU, 1991. BARROS, Célia Silva Guimarães Barros. Pontos de Psicologia Geral. São Paulo: Ática, 2ª. Edição, 1985. BEZERRIL, Moisés Cavalcante. A Dispensação do Pacto. Recife: Edição Própria, 1998. CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Vol 1, 2 ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. _______________. Comentário à Sagrada Escritura: Exposição de Gálatas. 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