Actas 12ECCoM 2015

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O Processo de Ressignificação na Construção do Arranjo
Musical
Antonio Carlos Alpino Bigonha
Universidade de Brasília
Resumo
Neste artigo, proponho a hipótese de que o arranjo na música popular pressupõe a ressignificação da obra
original. Este processo apresenta um indisfarçável viés hermenêutico e demanda processos cognitivos, uma
vez que consiste na atribuição de novos significados à ideia do compositor, os quais, por sua vez, devem ser
anteriormente percebidos e (re)conhecidos pelo arranjador. Nessa perspectiva, proponho que o arranjo
musical deve ser tomando em sua acepção mais genérica, antes de tudo, como uma forma de interpretação
musical e será tão mais original quanto o arranjador, na qualidade de intérprete, conseguir distanciar-se da
forma primeva elaborada pelo compositor. Afirmo que, no universo da música popular, a elaboração do
arranjo de uma canção é atividade eminentemente interpretativa e espera-se que o arranjador expresse
uma perspectiva estritamente pessoal da obra musical, por sua natureza, distinta da forma primitiva. Essa
proposição será iniciada com a definição de alguns conceitos como significação musical, interpretação e
ressignificação. A seguir exemplifica-se a proposta de ressignificação e conclui-se atestando a viabilidade
dessa hipótese.
Resumen
En este artículo, propongo la hipótesis de que el arreglo musical en la música popular requiere la
reinterpretación de la obra original. Este proceso presenta un sesgo indisimulada hermenéutica y la demanda
de los procesos cognitivos, ya que consiste en la asignación de nuevos significados a la idea del compositor,
que, a su vez, debe ser percibido con anterioridad y (re) conocido por arreglista. Desde esta perspectiva,
propongo que el arreglo musical debe tomar en su sentido más genérico, en primer lugar, como una forma
de interpretación musical y será mucho más único como el arreglista, intérprete en calidad, controlar la
forma primigenia preparado por compositor. Yo digo que en el mundo de la música popular, el desarrollo de
la disposición de una canción es eminentemente actividad interpretativa y se espera que el arreglista
expresar un punto de vista estrictamente personal de la obra musical, por su naturaleza, distinta de la forma
primitiva. Esta proposición se iniciará con la definición de conceptos como significado musical, interpretación
y reinterpretación. A continuación un ejemplo es la redefinición propuesta y concluir que acredite la
viabilidad de esta hipótesis.
Abstract
In this article, I propose the hypothesis that the arrangement in popular music requires the redefinition of
the original work. This process presents an hermeneutic undisguised bias and demands cognitive processes,
since it consists in assigning new meanings to the composer's idea, which, in turn, must be previously
perceived and (re) known by arranger. From this perspective, I propose that the musical arrangement
should be taken in its most generic sense, first of all, as a form of musical performance and will be as unique
as the arranger, performer in quality, get hold of the primal form prepared by the composer. I say that in
the world of popular music, the development of the arrangement of a song is eminently interpretive activity
and it is expected that the arranger express a strictly personal perspective of the musical work , by its
nature , distinct from the primitive form .This proposition will begin with the definition of concepts such as
musical meaning, interpretation and reframing. The following exemplifies up the proposal for reframing and
conclude confirming the feasibility of this hypothesis.
Actas de ECCoM. Vol. 2 Nº 1, “La Experiencia Musical: Cuerpo, Tiempo y Sonido en el Escenario de Nuestra Mente. 12º
ECCoM”. Isabel C. Martínez, Alejandro Pereira Ghiena, Mónica Valles y Matías Tanco (Editores). Buenos Aires: SACCoM.
pp. 65-70 | 2015 | ISSN 2346-8874
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Introdução
A interpretação tem, no campo da arte, um
papel importante e central pois a fruição da
obra de arte pressupõe sua interpretação.
Umberto Eco (1991), a esse respeito, afirma
que a história da estética poderia ser
redirecionada para uma história das teorias
interpretativas, para a investigação dos efeitos
que a obra de arte provoca em seu fruidor.
Luigi Pareyson (1984), mestre de Umberto Eco
em Estética, considera a principal característica
da interpretação a sua infinidade e, de fato,
toda atividade interpretativa está sujeita a
revisão, integração ou aprofundamento diante
de um novo contexto. Entendimento similar é
encontrado na hermenêutica de Gadamer
(1960), para quem a atualidade da obra de
arte consiste precisamente no fato de ela se
achar sempre aberta a novas interpretações. O
traço característico da linguagem da arte seria
o excesso de sentido sobre o qual repousaria
sua natureza inesgotável.
No campo da música podemos situar muito
claramente esta questão quando se trata da
interpretação do repertório erudito de origem
europeia (doravante denominado simplesmente
música erudita). Desde o início do Século XX, a
principal diretriz da interpretação erudita tem
sido respeitar a intenção do compositor e o
contexto histórico em que a obra foi concebida,
a fim de revelar ao público, com a maior
fidelidade possível, a expressão mais fiel da
composição musical em sua origem.
Dart (1967) e Harnoncourt (1982), dois
destacados teóricos dessa corrente, cujas
obras são largamente adotadas nos cursos de
graduação em pós-graduação em música no
Brasil, defendem com veemência a busca de
uma performance autêntica pelos intérpretes
de música erudita, sobretudo os que se
debruçam sobre o repertório da música antiga.
Essa busca teria, para os autores, o mérito de
confrontar o mínimo possível a intervenção do
intérprete e a intenção do autor: “a única
pessoa que sabe como a sua música deve ser
interpretada é o compositor, seja ele do Século
XV ou da nossa época” (Dart, 1960; p.8).
Harnoncourt, por sua vez, afirma que “a
vontade do compositor é para nós a autoridade
suprema” (Harnoncourt, 1984; p. 18).
Os limites à interpretação musical nos círculos
eruditos são estritos e considera-se que os
exageros do executante, além de não guardarem fidelidade à vontade do compositor,
Bigonha
traduzem o esforço inútil de procurar melhorar
a obra musical. É preciso ter claro que, neste
caso, a obra de arte objeto da interpretação,
via de regra, a partitura musical, é considerada
produto de gênio. Seu autor, detentor dessa
genialidade, por um imperativo lógico, é o mais
legitimado a compreendê-la integralmente.
Pois a perspectiva hermenêutica do gênio,
como diz Gadamer, revela a genialidade da
compreensão. É a genialidade do autor, a um
só tempo, fonte de legitimação da obra de arte
e fonte de sua correta interpretação.
Embora já possa ser considerado um debate
antigo e ultrapassado a questão da precariedade da partitura como expressão positiva e
exaustiva da obra musical, percebe-se que
ainda persiste na comunidade acadêmica a
convicção de que a sobrevivência dessa
tradição está estritamente atrelada ao ânimo
de colocar-se o músico em um plano secundário no momento da performance, de modo a
revelar ao público uma sonoridade fiel ao
contexto histórico no qual a música foi composta, bem como investigar o que o seu autor
pretendeu, através dela, expressar, isto é, o
significado musical. É nesse sentido que
Kermann (1982) discorre sobre a imagem
pejorativa que se construiu na academia a
respeito do músico que não se submete a tais
limites, visto como o intérprete intelectualmente desacreditado, aquele que explora a
música como veículo para expressar apenas de
sua própria personalidade.
O Arranjo na Música Popular
No campo da música popular, a questão da
originalidade da interpretação revela-se de
maneira muito diferente da tradição erudita. O
que é para o músico erudito um ato de
fidelidade e reverência ao autor ou à partitura,
no caso da música popular afigura-se inviável
porque, na maioria das vezes, a notação
musical, no contexto da tradição oral, inexiste.
Quando existe, esses registros são muito
precários. É comum que, no caso da música
popular gravada, se busque no fonograma ou
em outro suporte de registro mecânico dados
sobre a interpretação emprestada pelo próprio
autor popular a uma obra sua. Tais informações, entretanto, representarão, no máximo,
um ponto de partida para o intérprete, não um
fim a ser alcançado.
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Essa distinção é importante para a conceituação do arranjo musical neste trabalho. É que,
adotando-se essa distinção entre a interpretação na música erudita e na música popular,
observa-se que a intervenção do arranjador em
uma peça erudita será considerada, em regra,
um gesto de indevido distanciamento em
relação à originalidade da obra, pois representará a introdução de alterações na concepção
primeira e genial do compositor. Uma intervénção que, como vimos, além de não ser
esperada é, em regra, evitada pois coloca em
xeque a própria genialidade do autor. Pode-se
legitimamente objetar, por exemplo, a razão
por que um arranjador tencionaria melhorar a
concepção de Beethoven em qualquer de suas
sinfonias, introduzindo novos elementos não
vislumbrados pelo genial compositor: será
factível o intento de melhorar uma obra-prima?
No campo da música popular, a intervenção do
arranjador, além de não ser repelida, é regra e
não, exceção. A partir do mesmo gesto de
distanciamento em relação à concepção
autoral, o arranjo original atribuirá novos
significados à obra musical, afastando-se
legitimamente do autor e do momento da
criação artística. O trabalho será tão mais
original quanto maior for a intervenção proposta pelo arranjador. Estabelece-se, assim,
um paradoxo entre duas acepções de ser
‘original’: ali, na música erudita, a originalidade
é alcançada pela fidelidade do intérprete ao
autor; aqui, na música popular, é obtida a
partir
da
criatividade
interpretativa
do
arranjador.
Aragão, ao discorrer sobre a gênese do arranjo
musical no Brasil, é sensível a essa
discrepância semântica e propõe-se a resolvêla lançando mão do conceito de instância de
representação do original. Para ele tal instância
registraria a maneira pela qual o compositor
apresenta suas intenções criativas. Na música
erudita, onde compositor e arranjador são a
mesma pessoa, essa instância coincidiria com a
notação musical exaurida na partitura; na
música popular, a representação do original
seria mais fluida, virtual, “que existe como
faculdade, porém sem efeito atual” (Aragão,
2010; p. 18). Em conclusão, essa fluidez
legitimaria e encorajaria a maior intervenção
do intérprete, pois toda obra popular
demandaria, mesmo na sua mais precária
execução, a elaboração de um arranjo, ainda
que diminuto; em suas palavras, um microp. 67 | 2015 | ISSN 2346-8874
arranjo, onde intérprete e arranjador se confundiriam.
Adota-se aqui, portanto, a convicção de que,
no universo da música popular, a elaboração
do arranjo de uma canção é atividade eminentemente interpretativa, no qual o arranjador
expressa uma perspectiva estritamente pessoal
da obra musical e, por sua natureza, distinta
da forma primitiva. A construção do arranjo
musical, nesse sentido, pressupõe o processo
de ressignificação musical abordado neste
trabalho, através do qual são atribuídos
significados musicais e extramusicais à canção
popular que, por vezes, vão muito além da
vontade do compositor.
Significado e ressignificação
musical
Pode-se afirmar que existe hoje uma sólida
literatura sobre a questão do significado
musical, tema que tem merecido atenção da
comunidade
acadêmica
sobre
múltiplos
aspectos. No trabalho Music, Language, and
Cognition: And Other Essays in the Aesthetics
of Music, por exemplo, Peter Kivy (2007)
aborda-o sob a perspectiva estética; Stephen
Davis (1994), em seu conceituado “Musical
Meaning and Expression”, debate a questão a
partir da filosofia; Candence Brower (2000),
em seu artigo A Cognitive Theory of Musical
Meaning, enfrenta o tema sob o viés da psicologia cognitiva.
Leonard Meyer, a partir das teorias da informação e da Gestalt, afirma que “o significado
musical surge quando uma situação antecedente, que requer a estimativa de prováveis
modos de padrões de continuação, produz
incerteza sobre a natureza temporal e tonal do
consequente esperado” (Meyer, 1994; p. 11).
É que, para Meyer, a significação em música
envolve um jogo permanente de redundância e
surpresa, criação e inibição de expectativas, o
que faz com que a mente do ouvinte atue de
forma probabilística, na busca por prever o
desfecho do discurso musical. Quando a relação entre o antecedente e o consequente é a
esperada, o grau de informação é baixo e há
pouca significação. Se o desfecho ocorre da
forma não esperada, há surpresa e alta
significação.
Corrêa (2014; p. 346) alerta, entretanto, que
deve haver um mínimo de redundância, pois o
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simples fato de haver baixo grau de
previsibilidade não garante, por si só, altos
níveis de informação. Isto se dá, segundo o
autor, porque para haver informação deve
haver expectativa, o que não se afigura viável
quando qualquer antecedente pode conduzir a
qualquer consequente, ou seja, tudo pode
acontecer. É que, como salienta Meyer, neste
caso, dos denominados sistemas equiprováveis, a mente não consegue atuar probabilisticamente e, embora haja uma abundância de
surpresas, o resultado é a diminuição da carga
informativa e, consequentemente, da significação musical.
No que se refere ao significado musical é
também preciso estabelecer uma clara distinção entre os universos da música erudita e
música popular, sobre a qual se debruça este
trabalho. Na música erudita a questão do
significado musical coloca-se de maneira muito
mais complexa e não é minha pretensão neste
momento enveredar pelo profícuo debate sobre
o conceito de música absoluta que pressupõe
inexoravelmente tal reflexão. Oliveira (2010)
leciona que o conceito de música absoluta
decorre, entre outros aspectos, da adoção da
perspectiva positivista no campo erudito, com
o objetivo de compreender o fenômeno musical
associado à ideia de música como pura forma.
Trata-se neste artigo do arranjo elaborado para
a canção com letra, isto é, para a obra de arte
lítero-musical. Ora, a poética da letra de uma
música já configura, por si só, um programa
para sua estruturação quanto à melodia, ritmo
e harmonia. Mesmo quando ocorre apenas uma
execução instrumental de uma peça popular
dotada de letra, a metáfora proposta nos
versos cantados subsiste, ao que se agregam
os elementos poéticos contidos no próprio
título atribuído à música. Na música popular a
estrutura estritamente musical da obra de arte
restringe-se, via de regra, a uma melodia
harmonizada, à qual se atribui um título ou
nome.
Partindo-se de elementos tão fluídos, moldáveis e permissíveis a questão dos significados
extramusicais coloca-se de maneira muito mais
intensa em relação a uma canção popular do
que em relação à uma sonata clássica para
piano, por exemplo. No que se refere a esta,
pode-se legitimamente advogar a ideia de que
a música, enquanto forma pura, fala por si
mesma e, para decodifica-la, basta buscar as
respostas em sua própria estrutura. Em relação
Bigonha
à canção popular, ao contrário, sua estrutura
musical diz muito pouco em termos formais e
vem, na maioria dos casos, atrelada à poética
da letra ou do título que lhe foi atribuído pelo
autor, o que compõe um todo identitário.
Tome-se, por exemplo, o samba Aquarela do
Brasil de Ary Barroso para constatar como, ao
longo dos anos, múltiplos significados foram
atribuídos nas centenas de arranjos originais
elaborados para a canção, a partir da célebre
interpretação de Radamés Gnattali, para o
cantor Francisco Alves, datada de 1939.
No arranjo elaborado por Gnattali, há forte
apelo à natureza ufanista da letra composta
por Ary Barroso, o que é indissociável do
contexto histórico do Estado Novo, inserindo-se
perfeitamente
no
conceito
de
“sambaexaltação”, gênero que passou a ser identificado com os simpatizantes da ditadura imposta
por Getúlio Vargas. A interpretação de Dori
Caymmi para a mesma canção, no ano de
1993, embora com uma abordagem também
nacionalista, atribui significados diametralmente opostos ao conceito de Gnattali, pela adoção
de um caráter sombrio e lamentoso, o que
sugere uma tela menos exuberante e mais
intimista de brasilidade.
A versão de Caymmi foi elaborada nos Estados
Unidos da América, por encomenda do
produtor norte-americano Quincy Jones, no
início dos anos 1990, quando o arranjador
firmou residência em Los Angeles, Califórnia. O
caráter grave do arranjo pode ser contextualizado no escândalo de corrupção ocorrido no
Brasil nessa época, envolvendo a renúncia do
então presidente da República Fernando Collor,
o que causou grande abalo na sociedade brasileira. O contraste entre as duas interpretações,
de Gnattali e Caymmi, evidencia-se também na
instrumentação adotada. A orquestra sinfônica,
que fora utilizada por Gnattali em seu trabalho
para dela extrair uma sonoridade exuberante,
foi reduzida por Caymmi a apenas um pequeno
grupo de câmara, composto por vocalize,
violão, piano, contrabaixo e surdo. A letra do
samba aqui é praticamente omitida, dando-se
relevo apenas ao fragmento de um dos versos
Brasil pra mim, o que reforça a ideia de
ressignificação da obra musical, em uma
perspectiva de menos alegria e exaltação e de
mais protesto e intimismo.
A abundância de possibilidades de atribuição
de novos significados, musicais e extramusicais, no campo da música popular, aqui
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afirmada, amolda-se perfeitamente ao conceito
de significado musical proposto por Cook
(2001). Para ele, o significado musical não é
um fenômeno intrinsecamente musical, tampouco pode ser considerado completa-mente
independente da forma musical: “é equivocado
falar que a música tem significados particulares; ao contrário ela tem o potencial para
significados específicos emergirem sob certas
circunstâncias” (Cook, 2001; p. 180).
O arranjo musical: interpretação ou
superinterpretação?
Tradicionalmente, o arranjador tem sido
vinculado ao ofício do compositor musical.
Todavia, sustento que o processo de ressignificação realizado pelo arranjador é um
autêntico fenômeno de ressignificação da obra
de arte, uma vez que consiste em decodificar o
significado originário e reestruturá-lo para a
performance. As circunstâncias a partir das
quais esses novos significados emergem
podem decorrer de múltiplas causas. O que se
busca aqui é despertar o interesse sobre como
este fenômeno ocorre, caso a caso. É preciso
responder a indagação sobre em que medida
procedimentos de natureza musical e extramusical influenciam o processo interpretativo
dos arranjadores, possibilitando que uma mesma canção popular seja arranjada sucessivas
vezes de maneiras, por vezes, tão díspares
sem afetar sua identidade ou infirmar sua
autoria.
Nesse sentido, Umberto Eco, em seu cultuado
livro Obra Aberta, cuja 1a. Edição data de
1958, afirma que “a obra de arte é uma
mensagem fundamentalmente ambígua, uma
pluralidade de significados que convivem num
só significante”. Esta pluralidade instaura, para
Eco (2013, p. 22) uma relação dialética entre
forma e abertura, isto é, de como definir
limites dentro dos quais uma obra de arte pode
lograr o máximo de ambiguidade sem contudo
deixar de ser obra. É que, para Eco, a
ambiguidade é inerente à mensagem artística
em qualquer obra e em qualquer tempo,
inclusive na música.
Na década de 1990, Eco faz uma ponderação
dessa abertura, isto é, um crítica do papel do
intérprete na leitura de textos, da tensão entre
direitos dos textos e direitos dos leitores, em
função de uma suposta exacerbação da
perspectiva do intérprete das décadas precep. 69 | 2015 | ISSN 2346-8874
dentes. A partir dessa revisão de seu
pensamento, Eco estabelece uma dicotomia
entre os conceitos de interpretação e superinterpretação, para a oposição de parâmetros a
uma semiótica ilimitada. Essas balizas existem,
nessa nova perspectiva de Eco, porque o fato
de a interpretação ser ilimitada não quer dizer
que não tenha objeto, que corra por conta
própria.
Abdo (2000), partindo do autocrítica de Eco,
afirma que o arranjo não é uma forma de
interpretação e sim de superinterpretação da
obra musical, pois nele o intérprete permitiria
que suas reações ou pontos de vista sobrepujassem o próprio objeto interpretado. Esta
visão, como vimos acima, é compartilhada por
boa parte dos teóricos ligados à tradição da
música erudita que enxergam no trabalho do
arranjador apenas o viés composicional em
detrimento
do
processo
interpretativo.
Adotando-se este ponto de vista, a ponderação
da abertura da obra de arte, lançada pelo
próprio Eco, com a introdução do conceito de
superinterpretação, amolda-se perfeitamente
às práticas interpretativas da música erudita.
Essa perspectiva afigura-se inviável quando se
trata do arranjo na música popular, dadas suas
peculiaridades, como vimos acima, pois a
transgressão da forma autoral não é vista
como exceção como ocorre na música erudita.
Ela é esperada e constitui o elemento surpresa,
o âmago da ressignificação musical proposta
pelo arranjador.
Conclusão
O arranjo na música popular pressupõe a
ressignificação da obra original. Este processo,
de indisfarçável viés hermenêutico, consiste na
atribuição de novos significados à ideia do
compositor, a partir do acréscimo de elementos
musicais e extramusicais. O arranjo musical,
nessa perspectiva, deve ser tomando em sua
acepção mais genérica, antes de tudo, como
uma forma de interpretação musical. Na
música popular, especificamente, arranjar uma
canção envolve intenso processo de ressignificação musical, oque pode compreender desde
a nova harmonização de uma melodia acompanhada, a adaptação dessa melodia para
execução de um grande grupo de instrumentos
ou a completa alteração da forma da canção.
Este processo não se confunde com o conceito
de superinterpretação aplicável à música
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erudita, pois o arranjo popular será tão mais
original quanto o arranjador, na qualidade de
intérprete, distanciar-se da forma primeva
elaborada pelo compositor. Um jogo de
distanciamento e aproximação simétrico às
categorias de surpresa e redundância propostas por Meyer.
Referências
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Bigonha
p. 70 | 2015 | ISSN 2346-8874
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