Doença de Best - Casos clínicos

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Oftalmologia - Vol. 36
Oftalmologia
REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA
Publicação Trimestral | Vol. 36 | Outubro - Dezembro 2012
Editor
José Henriques
[email protected]
Conselho Redactorial
António Campos
Cristina Seabra
Isabel Lopes Cardoso
João de Deus
João Segurado
Marinho Santos
Olga Berens
Pedro Cruz
Ricardo Faria
Rui Proença
Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Comissão Central
Presidente
Manuela Carmona
Vice-Presidente
Paulo Torres
Tesoureiro
Augusto Magalhães
Vogais
Eduardo Silva
Rufino Silva
Conselho Fiscal
Manuel Vinagre
Luís Agrelos
João Filipe da Silva
Coordenadores das Secções da S.P.O.
Grupo Português de Retina-Vítreo
João Nascimento
Grupo Português de Inflamação Ocular
Ana Paula Sousa
Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo
Rita Dinis da Gama
Secretária-Geral Adjunto
Ana Amaral
Cirurgia Implanto-Refractiva de Portugal
Francisco Loureiro
Secretário-Geral
José Pedro Silva
Grupo Português de Contactologia
Miguel Amaro
Mesa da Assembleia Geral
Presidente
Jorge Breda
Vice-Presidente
Nuno Canas Mendes
Grupo Português de Glaucoma
Manuela Carvalho
Grupo Português de Neuroftalmologia
Ivone Cravo
Grupo Português de Patologia, Oncologia e Genética Ocular
João Cabral
1ª Secretária
Sandra Moniz
Grupo Português de Ergoftalmologia
Fernando Bivar
2° Secretário
Barros Madeira
Editor da página da S.P.O na Internet
Helena Filipe
SUBLINHADO Publicações e Publicidade Unipessoal - R. Prof. Vieira de Almeida, 38 - Lj. A - Bloco B - Piso 0 - 1600-371 LISBOA - Tel.: 21 757 81 35 | Depósito Legal 93 889/95 - ISSN 1646-6950
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
I
Oftalmologia - Vol. 36
Índice
Editorial
Manuela Carmona
V
Nota do Editor
VII
Artigos de Revisão
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas
Não Infecciosas
337
José Henriques
Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M.,
Menéres P.
Laser Fototérmico e sua Interacção com a
Retina Humana
José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira
Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
Artigos Originais
Implante Intravítreo de Dexametasona:
Os Nossos primeiros 100 casos
Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas,
Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
Phenotypical and Genetic Analysis of 12
Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro,
Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso,
Eduardo D. Silva
Multifocalidade - Seleccionar para Resultar
João Paulo Cunha, Arnaldo Santos, Joana Ferreira,
Duarte Amado, Margarida Marques
Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de
Maleato de Timolol em Doentes Medicados
com Prostaglandina nas Curvas de Pressão
Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial
nas 24 Horas
Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório,
Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira,
João Neves Martins
Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus
Iridotomia Laser
Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto,
Isabel Domingues, José Pedro Silva,
João Paulo Cunha, Maria Reina
Complicações Hemorrágicas após Injecções
Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou
Antiagregados – Estudo Retrospectivo
411
Disfunção Iridiana Traumática: Implantação
Secundária de Lente De Suspensão Escleral
com Íris Artificial
417
Espessura Foveal Central (EFC) da Retina
medida por Tomografia de Coerência Óptica
(OCT) por Time Domain (Stratus) e Spectral
Domain (Heidelberg)
425
Coriorretinopatia Serosa Central Crónica –
Uma Doença Idiopática?
433
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Doença de Best. Casos clínicos
439
Membrana Neovascular Bilateral Secundária
a Estrias Angióides com Pseudoxantoma
Elasticum – Caso Clínico
443
Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica
de Suporte Angular Acrysof Cachet® –
2 Anos de Follow-Up
447
Síndrome de Goldenhar – Caso Clínico e
Revisão da Literatura
455
Cláudia Loureiro, Ana Bastos Carvalho,
Joana Valadares, Joaquim Prates Canelas,
Manuel Monteiro Grillo
Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges,
Natália Ferreira, Angelina Meireles
353
365
377
387
Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha,
António Rodrigues, Fernanda Vaz
Marta Guedes, António Travassos,
Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro,
Júlia Veríssimo, Rui Proença
Juan E. Cedrún, Eva Chamorro, Carlos Orduna,
Mercedes Maza, Isabel Portero
Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida,
Margarida Santos, David Martins
393
Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira,
Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto
405
Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira,
Pedro Menéres, Maria Araújo
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
III
Termo de Consentimento Informado
para Cirurgia de Catarata
463
Caso Clínico Mistério
Resposta ao Caso do Número Anterior
467
Secção Histórica e Iconográfica - Histórias da
Oftalmologia Portuguesa
Orgulho e Preconceito
469
Indicações aos Autores e Normas de Publicação
471
Leonor Duarte Almeidao
Tânia Rocha, António Mendes Carvalho,
Mário Neves, João Filipe Silva,
António Roque Loureiro
João Segurado
IV
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Oftalmologia - Vol. 36
Editorial
Em final de mandato, fujo ao balanço que só o tempo deve fazer .
A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia contraria algumas tendências que fragilizam muitas das instituições que conhecemos. Em várias áreas existe um alheamento e afastamento entre os decisores e todos os outros. A SPO tem prestígio científico,
é uma instituição respeitada e, sobretudo, os seus sócios, na esmagadora maioria, identificam-se com a “sua sociedade”. A oftalmologia está mais interventiva, os jovens participam e interessam-se pelo destino da sociedade, existe uma participação em
actos eleitorais invejável. Em termos económicos está sólida, tem a sede totalmente paga e continua a ter resultados positivos
num contexto adverso.
O respeito e o tratamento equitativo dado a todos os sócios, a qualidade das reuniões científicas, a melhoria verificada na
revista, o trabalho de comunicação junto dos sócios, junto de outros intervenientes como a OM, sociedades científicas, decisores políticos e, através da comunicação social, esclarecendo e educando para a saúde a população, devem continuar a ser uma
prioridade.
Num tempo conturbado e de grande desespero de muitos, a independência e isenção da SPO em relação a interesses privados
ou de grupos é indispensável.
Temos oftalmologistas com qualidade e em número suficiente, aliás em número superior, à recomendação da OMS. Este
número tremendamente elevado de oftalmologistas, muitíssimo bem preparados e maioritariamente jovens, é sinal de vitalidade
mas não pode continuar a aumentar a este ritmo. A colaboração institucional e um bom relacionamento da SPO com o Colégio
de Oftalmologia é fundamental. Importa cuidar a formação e manter um número equilibrado de oftalmologistas.
Mas a SPO não é uma ilha. Hoje o conceito de oftalmologia global é uma realidade na qual as sociedades científicas se
devem posicionar. Abrem-se novos horizontes, surgem novas alianças também científicas. A SPO pode e deve ser a impulsionadora dum conceito de Oftalmologia de língua portuguesa. O português está a ter uma influência crescente a nível mundial
e essa “onda” deve também levar a Oftalmologia. Vemos com agrado a PAAO revitalizada acompanhando o dinamismo das
economias da América Latina. A SPO, sem esquecer o seu espaço europeu, pode e deve acarinhar esta ligação.
Constatamos que os problemas que hoje enfrentamos são transversais aos países desenvolvidos: a destruição do exercício da
medicina como profissão liberal tornando os médicos assalariados e transformando os doentes em clientes.
A descrição magistral desta realidade, feita pelo Dr. António Travassos no editorial anterior, é um grito de alerta.
Um grito de alerta deve ser ouvido e deve impor uma actuação.
O momento das palavras e dos lamentos está esgotado. É hora de actuar. A SPO por si nada pode, aliás este não é um problema da Oftalmologia mas de toda a medicina. Deve existir uma posição concertada de todas as Sociedades científicas e dos
vários colégios liderada pela Ordem dos Médicos. Estou certa que a OM e o Sr. Bastonário, com o apoio de todos, estão à altura
do desafio.
Tendo presente os vários desafios que enfrentamos importa melhorar os estatutos da SPO: colocá-los de acordo com a legislação em vigor e libertá-los de amarras datadas. A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia continuará assim a reflectir o sentir de
cada um dos seus sócios – os oftalmologistas portugueses.
Manuela Carmona
Presidente da SPO
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
V
Oftalmologia - Vol. 36
Nota do Editor
José Henriques
PRODUÇÃO & PUBLICAÇÃO CIENTÍFICAS EM OFTALMOLOGIA – balanço e novas oportunidades!
A produção científica faz parte da actividade normal de uma unidade de saúde, embora esta área não seja tida em conta
como indicador de produção nos contratos-programa das unidades públicas com a ACSS! Mas desde sempre, e à semelhança
do que se faz internacionalmente, deixar de estar subjugado exclusivamente à actividade assistencialista e produzir ciência é
uma boa prática. Incrementar o conhecimento técnico-científico ou de processo, auditar a actividade clínica através da análise
da casuística do serviço e seus resultados, comparar e melhorar a eficácia e a efectividade no sentido de menor variabilidade
e de aproximação dos padrões e resultados de outros grupos clínicos da mesma área de especialização ou sub-especialização,
são medidas de melhoria de qualidade, de maior eficiência e de busca da EXCELÊNCIA que cada unidade de saúde procura.
Mas tudo o que se fizer, se não se publicar, é quase como se não tivesse existido. Por isso é fundamental que se dediquem recursos, humanos e tempo para a actividade de planeamento da publicação em ciência, da produção clínica, da estatística das séries clínicas, dos estudos de efectividade e estudos de eficácia (ensaios clínicos) e da sua publicação efectiva.
Até aqui era difícil publicar pois todo o processo de revisão e selecção das revistas e critérios de admissão do manuscrito
impediam uma ampla actividade de publicação à escala nacional e pior ainda, à escala internacional. Hoje, fruto das plataformas de arquivo e publicação em acesso aberto da produção científica, como é caso do projecto RCAAP da Fundação para
a Ciência e Computação Nacional, e da criação dos repositórios científicos institucionais e das publicações científicas, essa
tarefa de publicação está mais facilitada.
Balanço do biénio 2010-2012
Para não correr o risco de omissão e de divulgar unicamente parte da actividade científica publicada no âmbito da oftalmologia nacional, refiro globalmente as publicações realizadas na Oftalmologia revista da SPO, revistas internacionais de
Oftalmologia pesquisáveis no web of science e medline e outras publicações (não é objectivo desta nota do editor fazer um
trabalho exaustivo sobre o tema, mas tão somente dar exemplo de boas práticas e desta forma estimular a sua replicação).
A OFTALMOLOGIA revista da SPO, publicou nestes últimos 2 anos em que esta equipa redactorial orientou a revista:
11 artigos de revisão, 75 artigos originais, 28 comunicações curtas e casos clínicos, 27 outros artigos no total de 142 publicações. No total foram publicadas 8 números e um suplemento.
De acordo com pesquisa na web of science, ou seja, em revistas com factor de impacto, nos anos de 2011 e 2012 foram
efectivadas 123 (2011=60; 2012=63) publicações na área da oftalmologia em revistas internacionais. No mesmo período de
tempo na medline encontram-se 67 referências que correspondem a trabalhos em que o primeiro autor é português. A soma
das citações foi de 176, a média das citações 1,43 e o índice-h igual a 6.
O GER – grupo de estudos de retina, fruto do trabalho de dezenas de colegas que escreveram capítulos individualmente
ou associados, alguns capítulos com a participação de colegas de outros países (como o AMDBOOK), fez nestes 2 anos as
seguintes publicações: 1) Guidelines da Retinopatia Diabética em Dez 2010, 2) AMDBOOK, AMD – Age - Related Macular
Degeneration, http://amdbook.org/ 3) 25 perguntas e 25 respostas sobre Membranas pré maculares, 4) 25 perguntas e 25 respostas sobre sobre Degenerescência Macular da Idade, 5) 25 perguntas e 25 respostas sobre sobre Buraco macular (a sair no
mês de Dezembro) 6) 25 perguntas e 25 respostas sobre Retinopatia Diabética – um novo paradigma de cuidados, que foi lançado no dia 14 de Novembro deste ano, dia Mundial da Diabetes (para download gratuito consultar: www.ger-portugal.com.
7) Uma brochura para os doentes sobre a Retinopatia Diabética 8) Guidelines sobre oclusões venosas, 9) Actualização da
Guidelines sobre DMI.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
VII
Em 2011 foi publicado o livro “Cirurgia do Glaucoma no adulto” coordenado pela Dra. Maria da Luz Freitas bem como
uma monografia e um atlas de segmento anterior do Dr. António Ramalho.
Vai ser lançado durante o congresso da SPO um livro sobre Glaucoma “Glaucoma: Perguntas Frequentes” da autoria da
Dra. Manuela Carvalho, Dra. Manuela Carmona e Prof. Falcão-Reis, um livro sobre Estrabismo “ Estrabismo para totós” da
autoria da Dra. Rita Gama, Prof. Eduardo Silva e Dra. Inês Soares Machado, bem como será apresentada uma Monografia
da SPO.
Publicar em “open access” e criar um repositório em “open access” da produção científica nacional – tarefa da
SPO
“O projecto RCAAP tem por missão promover, apoiar e facilitar a adopção do movimento de acesso aberto em Portugal. Tem por objectivos: aumentar a visibilidade, acessibilidade e difusão dos resultados da actividade académica e de
investigação científica portuguesa; facilitar a gestão e o acesso à informação sobre a produção científica nacional e integrar Portugal num conjunto de iniciativas internacionais. Publicar em open access, “Acesso Aberto” (ou “Acesso Livre”)
significa a disponibilização livre na Internet de cópias gratuitas, online, de artigos de revistas científicas revistos por pares
(peer-reviewed), comunicações em conferências, bem como relatórios técnicos, teses e documentos de trabalho”.
Faz sentido a SPO criar as condições para a publicação em “open access” e haver um repositório da oftalmologia nacional
promovido pela nossa sociedade. A nossa revista Oftalmologia está acessível em “open acess” através da plataforma Sherpa/
Romeu desde Agosto de 2012, como foi referido na nota do editor anterior, mas só após publicação dos artigos na Revista.
José Henriques
Editor da OFTALMOLOGIA
Colaboraram como revisores nos números 35 e 36 os seguintes oftalmologistas, membros da SPO: Pedro Cruz,
Paulo Torres, Marinho Santos, Cristina Seabra, Ricardo Faria, João de Deus, João Segurado, Rui Proença, Isabel
Lopes Cardoso, António Campos, Olga Berens, José Henriques, José Guilherme Monteiro, Fernando Vaz, Carlos
Marques Neves, Amandio Sousa, Maria Luz Freitas, Maria Araújo, Maria João Santos, Lurdes Vieira, João Paulo
Cunha, Rita Flores, Rita Dinis Gama, Luis Gonçalves, Joaquim Neto Murta, João Nascimento, Jorge Breda, Fernando Trancoso Vaz, Eduardo Silva, Rufino Silva, Salgado Borges, António Marinho, João Figueira, Manuela Cidade,
Isabel Garcia, Manuela Carvalho, João Cabral, Francisco Loureiro.
O editor agradece a colaboração e o empenho de todos.
VIII
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Oftalmologia - Vol. 36: pp.337-351
Artigo de Revisão
Agentes Biológicos nas Uveítes
Pediátricas Não Infecciosas
Miranda V. P.1, Maia S.1, Oliveira L.1, Guedes M.2, Menéres P.1
1
Serviço de Oftalmologia, Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto
2
Serviço de Pediatria, Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto
RESUMO
Objectivo: Revisão da literatura médica sobre a utilização de agentes biológicos no tratamento
das uveítes pediátricas não infecciosas.
Desenho do Estudo: Revisão bibliográfica.
Métodos: Pesquisa na Pubmed das palavras-chave “pediatric uveitis”, “biologics”, “anti-TNFα”,
“infliximab”, “adalimumab”, “etanercept”, “golimumab”, “certolizumab”, “interferon α”, “daclizumab”, “anakinra”, “basiliximab”, “abatacept”, e “rituximab”, com triagem e análise dos
artigos relevantes.
Resultados: Os agentes biológicos permanecem uma terapêutica não aprovada para o tratamento de uveítes pediátricas. Na última década têm sido publicados múltiplos estudos sobre a
sua utilização “off-label” em uveítes pediátricas refractárias a tratamento com corticoesteróides
e imunossupressores. Os anti-TNFα são os agentes biológicos com mais experiência clínica.
O etanercept não está actualmente recomendado, após se ter constatado uma baixa taxa de sucesso
assim como o aparecimento de episódios de uveíte de novo possivelmente associados à sua utilização. O infliximab e adalimumab têm apresentado taxas de sucesso terapêutico de 70-100% e
50-94% respectivamente, na literatura publicada, permitindo a redução e por vezes suspensão da
corticoterapia e imunossupressores, com poucos efeitos laterais graves reportados. Os restantes
agentes biológicos analisados têm sido utilizados geralmente como terapêutica de resgate quando
não há resposta com anti-TNFα. As análises retrospectivas ou casos clínicos descritos com estes
fármacos são escassos, revelando, no entanto, boa eficácia e perfis de segurança adequados.
Conclusões: O infliximab e adalimumab têm demonstrado ter um papel fundamental no tratamento dos casos refractários a terapêutica convencional máxima. Múltiplas outras terapêuticas
biológicas têm também sido testadas com sucesso terapêutico, embora com nível de evidência
muito inferior. Nenhuma está adequadamente validada em estudos controlados, permanecendo
terapêuticas “off-label”. Quando iniciar, qual agente escolher e durante quanto tempo, permanecem por determinar. Apesar da sua eficácia, o custo extremamente elevado destas terapêuticas
limita a sua utilização aos casos de mais difícil controlo.
Palavras-chave
Uveítes pediátricas, Agentes biológicos, Revisão.
ABSTRACT
Objective: Review of the medical literature on the treatment of non infecious pediatric uveitis
with biologics.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
337
Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.
Study Design: Bibliographic review
Methods: Pubmed search of the key-words “pediatric uveitis”, “biologics”, “anti-TNFα”,
“infliximab”, “adalimumab”, “etanercept”, “golimumab”, “certolizumab”, “interferon α”, “daclizumab”, “anakinra”, “basiliximab”, “abatacept”, e “rituximab”, followed by a triage and
analysis of the relevant articles
Results: Biologics remain an off-label treatment for non infectious pediatric uveitis. However, on the last decade, there have been multiple studies on their use for the treatment of pediatric uveitis refractory to high dose treatment with corticosteroids and immunossupressors.
Anti-TNFα agents have been the most used biologics in this clinical setting. Etanercept is no
longer recommended, due to a low efficacy and concerns over new onset uveitis episodes in
these patients. Infliximab and adalimumab have presented an efficacy of 70-100% and 50-94%
respectively in the published literature, allowing a dose reduction and sometimes withdrawal
of corticotherapy and immunossupressors, with a few to none severe adverse events reported.
Many other biologics have been used in these patients, usually when there is no response to antiTNFα therapy; the retrospective analysis and case reports published are sparse, but reveal a good
efficacy rate and few adverse events.
Conclusions: Infliximab and adalimumab have been shown to have an essential role in the treatment of non infecious pediatric uveitis refractory to high dose conventional treatment. Several
other biologics have been used with good efficacy, but the evidence level still remains anecdotal.
Non as of yet is approved for this clinical setting, as there is a lack of controlled studies on its
use in these uveitis patients. These studies will be crucial to determine when to initiate treatment,
which agent to choose and how long should the treatment last. Although highly successful in
lowering intra-ocular inflammation, the extremely high cost of these therapies prohibits its use
in all but the most refractory cases.
Key-words
Pediatric uveitis; Biologics; Review
1. Introdução
As uveítes pediátricas são patologias relativamente raras, apresentando uma incidência e prevalência que se estima 5 a 10 vezes inferior à dos adultos (incidência anual
de 4.3-6 / 100.000 crianças; prevalência de 30 / 100.000
crianças). Estas uveítes constituem apenas 5-10% de todos
os casos de uveíte observados no contexto de unidades de
saúde terciárias1,2. No entanto, a sua importância deriva das
sequelas oftalmológicas que podem provocar e do seu impacto no desenvolvimento da criança.
A avaliação e diagnóstico de uma uveíte pediátrica é
substancialmente diferente da uveite de um doente adulto.
Estas crianças são frequentemente subdiagnosticadas, uma
vez que geralmente não referem queixas, colaboram mal,
e os pais desconhecem ou não compreendem a doença. O
exame oftalmológico é mais difícil, pode demorar muito
tempo, e por vezes requer observação sob sedação no bloco
338
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
operatório. As terapêuticas instituídas têm que ser adaptadas à idade e peso da criança, podendo variar significativamente entre faixas etárias. O diagnóstico diferencial é
também consideravelmente diferente.
Dado o frequente diagnóstico tardio, 17% das crianças já apresentam diminuição significativa da acuidade visual na primeira observação oftalmológica. Com o evoluir
da patologia, 8-75% desenvolvem sinéquias posteriores,
13-58% desenvolvem catarata, 5-56% desenvolvem queratopatia em banda, 3-27% desenvolvem glaucoma e 10-38%
apresentam uma melhor acuidade visual corrigida inferior
a 1/103. Existe pouca literatura oftalmológica com nível de
evidência 2 ou 3 sobre uveítes pediátricas, pelo que a sua
interpretação é complexa. Contudo, historicamente, tem-se
verificado uma melhoria progressiva do prognóstico destes
doentes ao longo das últimas décadas. Não é claro se essa
melhoria será o resultado de um diagnóstico mais precoce,
um tratamento mais eficaz, ou ambos.
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas
Os corticoesteróides permanecem há décadas como
tratamento de primeira linha nas uveítes pediátricas não
infecciosas. Nos casos em que não é possível controlar a
inflamação apenas com corticoterapia, é necessário instituir terapêutica de segunda linha com imunossupressores.
Ao longo das últimas 3 décadas, tem-se verificado que o
uso de imunossupressores em crianças permite um controlo
eficaz da doença e minimiza os efeitos laterais da corticoterapia. Isto torna-se particularmente importante em uveítes
crónicas ou recidivantes.
À medida que se compreende melhor a patofisiologia
das uveítes, têm sido identificados novos alvos terapêuticos,
mais selectivos e com menos potenciais efeitos laterais. Na
última década, têm sido utilizados múltiplos agentes biológicos no tratamento de uveítes refractárias a tratamento
com corticóides e imunossupressores, com bons resultados
e perfil de segurança. Contudo, à data de elaboração deste
artigo, todos os agentes biológicos disponíveis permanecem
terapêuticas “off-label” para o tratamento de inflamação intra-ocular, tanto em adultos como em crianças.
O objectivo dos autores é rever e sintetizar a literatura
científica sobre as modalidades terapêuticas mais recentes disponíveis para uveítes pediátricas, analisando com
particular atenção as suas indicações, eficácia e perfil de
segurança.
2. Imunologia das uveítes não infecciosas
As uveítes não infecciosas resultam de uma disfunção
do sistema imune de auto-tolerância, com aparecimento de
respostas patogénicas dirigidas a antigénios presentes nos
tecidos intra-oculares. Pensa-se serem causadas por mecanismos de imunidade celular nos quais as células T parecem
ter um papel preponderante, constituindo assim o principal
alvo para imunomodulação. Os mecanismos de imunidade
humoral (anticorpos) podem agravar a doença, mas assume-se não serem capazes de iniciar o processo patológico, uma vez que não atravessam a barreira hemato-ocular
normo-funcionante.
Graças aos modelos animais experimentais de uveíte
(uveíte induzida por interleucina-1, uveíte experimental
autoimune (UEA), uveíte induzida por endotoxina (UIE),
etc4-7), tem sido posível identificar os diferentes mecanismos envolvidos na patogénese das uveítes. Embora nenhum modelo animal consiga reproduzir isoladamente todo
o espectro das uveítes humanas, o modelo da UEA parece
apresentar muitas das características e mecanismos mais
comuns nas uveítes humanas.
Têm assim sido identificados múltiplos alvos terapêuticos dirigidos aos pontos chave da patogénese da doença,
com desenvolvimento recente de terapêuticas mais selectivas que evitam outros efeitos indesejados sobre o sistema
imune. Caspi et al9 fez uma revisão extensa destes mecanismos e respectivos alvos terapêuticos.
Os corticoesteróides foram os primeiros fármacos utilizados com grande sucesso para o tratamento de uveítes,
dada a sua elevada potência anti-inflamatória e imunossupressora. Estes fármacos apresentam mecanismos de acção
genómicos, ligando-se directamente a receptores nucleares
onde induzem ou inibem a transcrição de determinados
genes, e mecanismos de acção não-genómicos, através da
ligação a diferentes receptores localizados na membrana
citoplasmática celular10. Dada a ubiquidade destes receptores, os corticoesteróides apresentam uma multiplicidade de
acções em diferentes tecidos e orgãos. Entre as acções desejáveis no contexto da inflamação intra-ocular incluem-se a
inibição de múltiplas citocinas pro-inflamatórias (IL-2, IL6, TNFα) e prostaglandinas, inibição da mielopoiese, redução de leucócitos circulantes, diminuição da permeabilidade vascular, inibição da expressão de moleculas de adesão
leucocitária e inibição da proliferação fibroblástica11. Entre
as acções indesejáveis incluem-se alterações dermatológicas (atrofia, telangiectasias, hiper-tricose, estrias, etc), musculo-esqueléticas (atrofia muscular, miopatia, osteoporose,
etc), oculares (catarata, glaucoma, coriorretinopatia central
serosa, etc), neurológicas (perturbações do humor, comportamento, memória e cognição), endócrinas (sindrome
de Cushing, Diabetes Mellitus, insuficiência suprarrenal,
hipogonadismo, atraso da puberdade, etc), cardiovasculares
(hipertensão arterial sistémica, dislipidemia), infecciosas
(aumento do risco infeccioso, reactivação de infecções latentes), gastrointestinais (úlcera péptica, hemorragias gastrointestinais, pancreatite, etc), entre outras12.
A introdução de imunossupressores como o Metotrexato, a Ciclosporina, a Azatioprina, o Micofenolato de Mofetil,
etc, veio aumentar a especificidade da abordagem terapêutica, reduzir o número de potenciais efeitos laterais e diminuir a dose necessária de corticoterapia. Apesar dos poucos
estudos controlados realizados nesse âmbito, a experiência
clínica acumulada tem demonstrado um bom perfil de segurança. O Metotrexato, é actualmente o imunossupressor
mais utilizado no tratamento de uveítes em crianças. Em
doses terapêuticas habituais, inibe a replicação de DNA e a
transcrição de RNA, actuando essencialmente sobre células
de divisão rápida como os linfócitos T e B. No âmbito das
uveítes pediátricas, é habitual o seu uso em baixas doses,
nas quais o efeito é mais anti-inflamatório ao inibir a activação e adesão dos linfócitos T, do que através da apoptose
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
339
Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.
destas células14. A Azatioprina e o Micofenolato de Mofetil,
através de diferentes mecanismos de acção, inibem também
a replicação de DNA, interferindo com a multiplicação de
linfócitos, particularmente de linfócitos T. A Ciclosporina e
o Tacrolimus são ambos inibidores da calcineurina, e comprometem a activação dos linfócitos T, principalmente através da inibição da síntese de IL-2 bem como da expressão
do seu receptor14.
As abordagens dirigidas especificamente a linfócitos activados ou a processos envolvidos na activação e/ou função
da resposta imunitária, como o bloqueio de certas citocinas
ou receptores de citocinas (uso de anti-TNF-α, anti-interleucinas, interferão-α, entre outros), são mais específicas
do que o mecanismo de acção dos corticoesteróides e imunossupressores clássicos, mas têm ainda o potencial para
comprometer a resposta de imunidade adaptativa contra
microorganismos patogénicos. Para explorar estes mecanismos têm sido desenvolvidos múltiplos agentes biológicos.
O seu uso em uveítes pediátricas tem sido geralmente restringido aos casos de uveítes refractárias ao tratamento convencional, bem como a casos em que o tratamento convencional se associa a efeitos laterais significativos. Isto resulta
não só de existir ainda pouca evidência relativa à eficácia
e segurança a médio e longo prazo da sua utilização, bem
como dos elevados custos associados. Há, contudo, autores
que sugerem a existência de benefícios na introdução destes
agentes numa fase mais precoce da evolução da doença15.
As abordagens dirigidas ao antigénio que está na origem
do processo auto-imune são, teoricamente, as mais selectivas, uma vez que afectam exclusivamente os linfócitos autoreactivos que estão na base do processo patológico, não afectando o restante sistema imunitário. Todavia, na maioria dos
casos, não é ainda possível identificar o antigénio causal do
processo auto-imune, ou este pode variar ao longo da evolução da doença. Espera-se que futuramente surjam tratamentos dirigidos especificamente para cada etiologia distinta.
3. Agentes Biológicos
3.1 Anti-TNFα
O TNFα é uma citocina proinflamatória que apresenta
um papel preponderante na patogénese de múltiplas patologias inflamatórias, incluindo nas uveítes não infecciosas.
Em experiências em modelos animais, tanto de UEI16 como
de UEA17,18, o TNFα foi detectado em elevadas quantidades, sendo implicado na sua patogénese. Esta citocina induz
a expressão de múltiplas quimiocinas, moléculas de adesão
e outras citocinas envolvidas no prolongamento e exacerbação do processo inflamatório. A inibição da actividade do
340 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
TNFα suprime a produção de todas estas citocinas, e subsequentemente reduz a actividade dos linfócitos Th1, inibe
a activação dos macrófagos e previne a destruição tecidular
na UEA19,20.
Actualmente existem 5 anti-TNFα disponíveis no mercado português: 4 anticorpos anti-TNFα (infliximab, adalimumab, certolizumab e golimumab) e 1 receptor solúvel de
TNFα (etanercept).
O infliximab é um anticorpo anti-TNFα IgG1 monoclonal quimérico (rato-humano). O adalimumab, certolizumab
e o golimumab são anticorpos (ou fragmentos de anticorpos) anti-TNFα IgG1 monoclonais humanizados. Todos
são capazes de capturar as formas solúveis e membranares
do TNFα, e são capazes de induzir apoptose mediada pelos
factores de complemento em células que expressem TNFα.
Contudo, tem sido demonstrado que em 15-40% dos doentes21 o seu uso leva à indução de anticorpos anti-quiméricos,
que reduzem a sua eficácia e aumentam a probabilidade de
reacções de hipersensibilidade22. A administração concomi-tante de um imunossupressor, como o metotrexato, reduz
significativamente o desenvolvimento destes anticorpos23.
O adalimumab, certolizumab e golimumab são teoricamente menos imunogénicos que o infliximab, mas também têm
sido identificados alguns pacientes que desenvolvem anticorpos anti-adalimumab24.
O etanercept é uma proteína solúvel que combina 2 receptores de TNFα p75 associados a um domínio Fc de uma IgG1.
É capaz de se ligar tanto ao TNFα como à linfotoxina-α25
mas não induz apoptose celular mediada pelos factores de
complemento. Adicionalmente, não está descrita a formação
de anticorpos anti-etanercept26. Ao contrário dos restantes
anti-TNFα, o etanercept forma ligações menos estáveis com
a variante transmembranar do TNFα27.
A evidência mostra que os diferentes anti-TNFα têm eficácias diferentes na mesma patologia e no mesmo doente,
pressupondo mecanismos de acção também diferentes, e
ainda mal esclarecidos. Num estudo experimental e modelo
de UEI, a neutralização do TNFα mediada pelo infliximab
ou adalimumab apresentou efeitos distintos: o adalimumab
revelou-se mais eficaz na supressão de mecanismos inflamatórios mediados por espécies reactivas de oxigénio e o infliximab revelou-se mais eficaz na redução das concentrações
das citocinas inflamatórias28. Outros estudos têm também reportado diferentes mecanismos de acção entre anti-TNFα29.
Isto suporta o conceito de “drug-switching” ou troca entre
anti-TNFα, quando ocorre falência terapêutica ou efeitos laterais intoleráveis. Tynjälä et al30 reportou que, quando ocorria falência terapêutica de um anti-TNFα no tratamento de
uma uveíte pediátrica, a troca para outro anti-TNFα permitia
resposta terapêutica em cerca de 1/3 dos casos.
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas
Em estudos humanos, os anti-TNFα têm demonstrado
eficácia no tratamento das uveítes pediátricas, estabilizando
a acuidade visual, melhorando o controlo da inflamação intra-ocular e reduzindo a necessidade de corticoterapia tópica. O anexo 1 resume os principais estudos realizados com
anti-TNFα em uveítes pediátricas. No entanto, a natureza
retrospectiva e não randomizada da maioria dos estudos,
associada a diferentes conceitos de sucesso terapêutico, torna a sua interpretação complexa e a generalização dos seus
resultados perigosa.
De notar que, embora os doentes em tratamento com
anti-TNFα tenham risco aumentado de desenvolver múltiplas infecções, existe um risco particularmente aumentado
de desenvolver tuberculose. A maioria dos casos são reactivações de tuberculose latente, que pode ser fatal54. Assim,
é prudente o rastreio e tratamento adequado de tuberculose
antes de iniciar terapêutica inibidora de TNFα.
3.1.1 Infliximab
O infliximab foi inicialmente aprovado para o tratamento de Doença de Crohn moderada a grave. O esquema
terapêutico aprovado para esta patologia inclui perfusões
intravenosas de 5 mg/kg às 0, 2 e 6 semanas, seguidas de
infusões de manutenção de 8/8 semanas. O seu uso “off-label” noutras patologias inflamatórias, nomeadamente
oftalmológicas, tem demonstrado elevadas taxas de sucesso, constituindo cada vez mais uma alternativa em doentes
refractários a terapêutica convencional. Em uveítes pediátricas, o infliximab tem demonstrado em múltiplos estudos
a sua eficácia no tratamento de uveítes anteriores, intermédias e posteriores não infecciosas (ver anexo 1).
Em todos os estudos, o infliximab foi administrado em
casos de uveítes pediátricas crónicas não infecciosas refractárias a tratamento com corticoterapia e pelo menos um
imunossupressor (mais frequentemente, o MTX). Excepcionalmente, o infliximab foi iniciado concomitantemente com
um fármaco imunossupressor, quando a gravidade do caso
sugeria a sua futura necessidade ou quando era necessária
uma rápida indução de remissão para realização de cirurgia39.
Ocorreu uma rápida melhoria da inflamação intra-ocular
(traduzida como indução de remissão ou como uma redução
em dois graus da inflamação intra-ocular, segundo a escala
do SUN Working Group) em 70-100% dos doentes, observável em 2 semanas a 19 meses após início da terapêutica34,38,40,41,43. Foi também possível, na maioria dos doentes,
reduzir ou suspender a corticoterapia oral e tópica e reduzir
para doses de manutenção o imunossupressor sistémico.
Simonini et al reportou em dois estudos prospectivos
uma perda de eficácia do infliximab ao longo do tempo, mesmo com a administração concomitante de MTX,
reportando em 2008 que apenas 7% dos doentes permaneciam sem recidiva após 16 meses de tratamento41 e em 2011
que apenas 19% dos doentes permaneciam sem recidiva
após 40 meses de tratamento43. Em estudos anteriores, foi
reportado igualmente a necessidade de aumentar a dose de
infliximab ao longo do tempo para manter a sua eficácia,
podendo atingir doses 4 vezes superiores à dose habitual.
Kahn et al40 usou em alguns pacientes doses de 10-20 mg/
kg por infusão e Rajaraman et al37 doses até 18 mg/kg. Ardoin et al39 reportou também a necessidade de aumentar
as doses de manutenção do infliximab ao longo do tempo,
atingindo uma dose mediana de 8.2 mg/kg ao longo de 26
meses de tratamento. Alternativamente, reduziram-se os intervalos entre infusões até 4 semanas, também com bons
resultados. As recidivas reportadas geralmente reponderam
bem a corticoterapia tópica sem deterioração significativa
da acuidade visual, e a percentagem de doentes ao fim do
seguimento sem inflamação ou com redução de pelo menos
2 graus da inflamação intraocular permaneceu elevada.
Tynjälä et al30 reportou que ao longo de 2 anos de seguimento, apesar do eficaz controlo da inflamação intra-ocular,
o número de complicações intra-oculares continuou a aumentar, especulando que será uma possível consequência
de uma uveíte crónica mal controlada já de longa duração
antes de ter sido iniciado o tratamento com infliximab.
Foram registados múltiplos efeitos laterais atribuídos ao
tratamento com infliximab, mas raramente foi necessário
suspender o tratamento. Tynjälä et al30 suspendeu o tratamento em 4 doentes: 3 por reacções de hipersensibilidade grave
durante as infusões e 1 por aumento marcado dos anticorpos
anti-nucleares e anti-dsDNA associado a alopécia. Simonini
et al41 suspendeu o tratamento num doente por reacção de
hipersensibilidade grave durante a infusão, ao 18º mês de
tratamento. Outros efeitos laterais incluem: prurido e rinorreia36, broncospasmo e hemovítreo37, abcesso periamigdalino
e pansinusite30, náuseas, leucopenia transitória e aumento das
transamínases40,41,43, herpes labial e zona42.
3.1.2 Adalimumab
O adalimumab foi inicialmente aprovado para artrite reumatóide e posteriormente para artrite psoriártrica e
Doença de Crohn. O esquema terapêutico inicialmente
aprovado para esta patologia inclui administrações subcutâneas de 40 mg de 2/2 semanas, com eventual redução do
intervalo de administração para 1/1 semana.
Tal como o infliximab, o seu uso “off-label” noutras
patologias inflamatórias tem apresentado elevadas taxas de
sucesso. Apesar de não estar aprovado para uso em crianças, o seu benefício tem vindo a ser demonstrado em uveítes pediátricas em vários estudos (ver anexo 1).
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
341
Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.
Nos estudos publicados, o adalimumab foi administrado
em casos de uveítes pediátricas crónicas não infecciosas refractárias a tratamento com corticoterapia e pelo menos um
imunossupressor como fármaco de terceira linha. A posologia variou entre os 20-40 mg/semana via subcutânea com
administrações 1/1 a 2/2 semanas.
Registou-se uma rápida melhoria da inflamação intra-ocular em 50-94% dos casos após 2-16 semanas de terapêutica44,45, sendo possível reduzir ou suspender a corticoterapia oral e tópica e reduzir o imunossupressor sistémico
para doses de manutenção na maioria dos doentes.
O estudo elaborado por Tynjälä et al30, ao contrário dos
restantes, passou pela administração de adalimumab a pacientes refractários a outro agente biológico (em 90% dos
doentes), o que provavalmente explica a taxa de sucesso
(35%) consideravelmente inferior.
Nos estudos efectuados não se verificou perda de eficácia significativa ao longo do tempo ou necessidade de
aumento da posologia dependente do tempo de evolução
da terapêutica, por oposição ao observado nos estudos com
infliximab. No entanto, todos os estudos apresentaram um
seguimento inferior a 2 anos, com excepção do estudo efectuado por Gallagher et al40, com uma mediana de 5.7 anos
de seguimento mas com apenas 6 doentes.
Foram registados múltiplos efeitos laterais atribuídos ao
tratamento com adalimumab, sendo o mais frequente a dor
no local da injecção subcutânea, por vezes associada a eritema e prurido. Outros efeitos laterais descritos incluem infecções do tracto respiratório superior, infecções herpéticas,
gastrite e menorragias. Trachana et al47 reportou a ocorrência
de uma sépsis fatal 2 meses após reinjecção de adalimumab.
3.1.3 Etanercept
O etanercept está actualmente aprovado para o tratamento de artrite reumatóide moderada a grave, AIJ poliarticular moderada a grave, artrite psoriática, espondilite anquilosante e psoríase em placas moderada a grave. Na AIJ
a dose inicialmente aprovada era a de 0.4 mg/kg 2x/sem até
um máximo de 25 mg/sem54, sendo actualmente utilizada
uma dose de 0.8 mg/kg 1x/sem até um máximo de 50 mg/
sem55-58. No entanto, todos os estudos efectuados em uveítes
pediátricas utilizaram a dose inicialmente aprovada de 0.4
mg/kg 2x/sem.
O etanercept foi o primeiro anti-TNFα a ser utilizado para
o tratamento de uveítes pediátricas refractárias a tratamento
convencional. O primeiro estudo publicado por Reiff et al31
em 2001, mostrou resultados promissores com uma melhoria da inflamação em 63% dos doentes. No entanto, estudos
subsequentes demostram taxas de redução da inflamação inferiores ou iguais a 50%. Smith et al33, num pequeno estudo
342
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
controlado demonstrou ausência de melhoria estatisticamente significativa quando comparado com placebo.
Schmeling et al32 realizou um questionário multicêntrico
onde se constatou a ocorrência de episódios inaugurais de
uveíte em doentes com AIJ sob tratamento com etanercept.
Recentemente foi publicada uma revisão de todos os casos
de uveítes inaugurais durante terapêutica com anti-TNFα
em França59, verificando-se 31 casos (5-70 anos de idade),
74% dos quais associados a etanercept. Nos casos de uveíte
inaugural sob tratamento com etanercept, está recomendada
a mudança de tratamento para adalimumab ou infliximab60.
Actualmente, o uso off-label de etanercept como agente
de terceira linha no tratamento de uveíte pediátrica refractária deve ser desaconselhado34.
3.1.4 Golimumab
O golimumab é um dos anti-TNFα mais recentes e está
actualmente aprovado, tanto nos EUA como na Europa,
em adultos para o tratamento de artrite reumatóide61, artrite
psoriática62 e espondilite anquilosante63.
William M et al64 publicou em 2012 um relato de 2 casos
de uveíte pediátrica associada a AIJ tratados com golimumab (50 mg de 4/4 semanas). Ambos eram refractários a terapêutica convencional e tinham desenvolvido previamente
efeitos laterais não toleráveis ao infliximab e um deles ao
adalimumab. Após iniciar golimumab, obteve-se remissão
em ambos ao fim de 1 e 2 meses, sendo possível reduzir
a dose de corticoterapia oral e realizar cirurgia de catarata
com melhoria da acuidade visual corrigida.
O golimumab não está ainda aprovado para uso em
doentes pediátricos, nem o seu perfil de segurança esclarecido nesta faixa etária. Assim, de momento, o seu uso
“off-label” no tratamento das uveítes pediátricas deve ser
considerado apenas quando os outros anti-TNFα falharem.
3.2 Anti-Interleucinas
Os modelos laboratoriais de UEA têm demonstrado o
papel da IL-1 e IL-2 na patofisiologia da uveíte posterior.
O antagonista do receptor da IL-1 (AR IL-1) é um
inibidor presente naturalmente no organismo humano.
O anakinra é uma versão recombinante do AR IL-1 humano. Em 2007 foi publicado um caso clínico em que o
anakinra foi utilizado com sucesso no tratamento de uma
uveíte associada a síndrome articular, cutâneo e neurológico infantil crónico (CINCA), previamente refractária a
tratamento com anti-TNFα65. Este síndrome resulta de mutações do gene CIAS1 que codifica a criopirina, resultando
numa diminuição da apoptose das células inflamatórias e
num aumento da produção da IL-166-68. Em 2012, Planck SR
et al demonstrou a importância do AR IL-1 na modulação
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas
da resposta inflamatória na UEI, suportando a sua potencial
utilização noutras causas de inflamação intra-ocular69.
O daclizumab é um anticorpo monoclonal humanizado
dirigido contra um epíteto da subunidade alfa do receptor
da IL-2 (CD25), que está localizado nas células T activadas
e outras células do sistema imune. O daclizumab foi inicialmente utilizado para o tratamento de episódios de rejeição
aguda de transplantes renais70,71, mas mais recentemente tem
também sido utilizado de forma eficaz em baixas doses para
o tratamento de uveíte posterior e intermédia em adultos72,73.
Em 2007, Gallagher et al40 descreveram retrospectivamente
o uso de daclizumab em baixas doses (1 mg/kg, a cada 2-8
semanas) em 5 casos de uveítes pediátricas, nenhum dos
quais com uveíte associada a AIJ. Nesse estudo, o daclizumab associou-se a melhoria da inflamação intra-ocular em
3 das 5 crianças, demorando 3.4 a 46.3 semanas a atingir remissão. Em 2009, Sen HN et al49 publicaram uma série de 6
casos de uveíte associada a AIJ refractária a tratamento com
corticoterapia e imunossupressão, nos quais foi administrado daclizumab. Três dos casos eram também refractários a
tratamento com infliximab. O daclizumab foi administrado
por via intravenosa com um esquema de indução às 0, 2 e
4 semanas, (8 mg/kg, 4 mg/kg e 2 mg/kg), seguido por um
esquema de manutenção com injecções de 4/4 semanas (2
mg/kg). Quatro dos 6 doentes obtiveram melhoria de pelo
menos 2 graus de inflamação ao fim do 3º mês de tratamento, e um 5º doente obteve melhoria após um novo esquema
de indução. Os efeitos laterais apresentados consistiram em
zona, palpitações e dermatite eczematosa.
O daclizumab foi retirado do mercado europeu por
motivos comerciais, apesar de permanecer em estudos de
fase III nos EUA para o tratamento de esclerose múltipla74.
O basiliximab, um anticorpo quimérico rato-humano anti-CD25 (subunidade alfa do receptor da IL-2), permanece
disponível mas só se encontra aprovado para o tratamento
de rejeição aguda de transplante renal. Não existem, à data
de realização desta revisão, estudos efectuados com este
agente biológico no tratamento da inflamação intra-ocular.
3.3 Interferão-α
O interferão-α (IFNα) é uma citocina fisiológica presente no organismo humano e que é produzida em resposta
a infecções víricas, principalmente por células dendríticas
plasmocitóides. De uma forma muito simplificada, o IFNα
pode ser considerado a principal citocina patogénica em
doenças autoimunes sistémicas (como por exemplo, o lúpus eritematoso sistémico), enquanto o TNFα pode ser considerado a principal citocina patogénica em doenças auto-imunes mais circunscritas a determinado órgão, tais como
as uveítes posteriores e artrite reumatóide75.
A maioria das publicações recentes sobre IFNα no tratamento de uveítes têm sido em pacientes com Doença de
Behçet (DB), onde o IFNα parece ser particularmente eficaz, por oposição a outras etiologias de uveíte76. Têm sido
publicados estudos sobre o seu efeito no tratamento de panuveíte idiopática, uveíte intermédia, coroidite serpiginosa, coriorretinopatia birdshot, doença de Vogt-Koyanagi-Harada e oftalmia simpática77-79. Infelizmente, o IFNα está
associado a múltiplos efeitos laterais potencialmente debilitantes que as terapêuticas com anti-TNFα não apresentam:
febre, mialgias, náuseas, fadiga, toxicidade hematologica,
aumento das transamínases, e distúrbios psiquiátricos80.
Até à data, a única publicação do seu uso em doentes
pediátricos limitou-se a um estudo com 7 crianças com DB
e uveíte cortico-resistente81. Neste grupo foi administrado
IFNα 1.5-3 milhões IU 3x/sem, sendo atingida remissão
e redução da dose de corticóide administrada em 5 das 7
crianças, 3 das quais mantiveram a remissão mesmo após
suspensão do INFα. Ocorreu uma normalização das acuidades visuais após uma média de 2.2 meses de tratamento,
tendo os doentes um seguimento médio de 14.6 meses.
3.4 Abatacept
O abatacept é uma proteína de fusão que consiste na
união de um segmento modificado Fc de uma imunoglobulina G1 (IgG1) com um domínio extracelular do antigénio
4 de um linfócito T citotóxico (CTLA4). Actua interferindo
na interacção da célula apresentadora de antigénio com o
linfócito T, impedindo a sua adequada estimulação. Liga-se avidamente ao CD80/CD86 nas células apresentadoras
de antigénio e bloqueia o sinal co-estimulador do CD28,
resultando na inactivação dos linfócitos T82.
Têm sido publicados múltiplos casos clínicos do uso de
abatacept em uveítes associadas a AIJ refractárias a corticoterapia, imunossupressores clássicos e outros agentes
biológicos (anti-TNFα e rituximab)83,84. Nestes doentes,
todos eles adolescentes, foram administradas perfusões
intra-venosas de 500 mg de abatacept com um esquema de
indução às 0, 2 e 4 semanas, seguido por um esquema de
manutenção de 4/4 semanas. Em dois deles ocorreu melhoria da inflamação intra-ocular após 2 meses de terapêutica.
Foi atingida remissão da uveíte em todos, com manutenção
até 18 meses após o início da terapêutica.
Zulian et al50, em 2010, publicou um estudo retrospectivo de 7 doentes pediátricos com uveíte associada a AIJ
tratada com abatacept. Todos os doentes mantinham inflamação intra-ocular activa apesar de tratamento com imunossupressores e pelo menos 2 anti-TNFα diferentes. Todos
os doentes demonstraram melhoria da inflamação 2 semanas a 6 meses após iniciar abatacept, tendo sido seguido o
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
343
Miranda V.P., Maia S., Oliveira L., Guedes M., Menéres P.
mesmo esquema terapêutico utilizando por Angeles-Han et
al; três deles entraram em remissão. Um dos doentes descontinuou terapêutica ao fim de 3 meses após aparecimento
de reacções cutâneas, candidíase oral e agravamento da artrite. O seguimento destes doentes foi relativamente curto
com uma média de 9.2 meses após início do abatacept.
3.5 Rituximab
O rituximab é um anticorpo monoclonal quimérico murino humanizado dirigido contra o marcador celular CD20,
presente nos linfócitos B maduros, induzindo a sua apoptose. Este marcador não está presente nas células estaminais
precursoras de linfócitos B nem nos plasmócitos presentes
na medula óssea, pelo que o rituximab não afecta estas células. Isto significa que a produção de anticorpos contra antigénios previamente encontrados não fica comprometida51.
O rituximab foi inicialmente aprovado nos EUA e na Europa para o tratamento de linfoma recidivado ou refractário,
sendo actualmente utilizado no tratamento de múltiplas patologias, nomeadamente artrite reumatóide.
A etiologia da uveíte associada a AIJ permanece mal
compreendida, mas será provavalmente multifactorial. Histopatologicamente, está descrita infiltração não granulomatosa de células inflamatórias na íris e corpo ciliar85. Apesar
de se encontrarem linfócitos T e monócitos, a infiltração é
dominada por linfócitos B e plasmócitos, com predomínio
marcado de células que expressam CD2086, justificando-se
assim a utilização de rituximab nesta patologia.
Em 2011, Miserocchi et al51 avaliou retrospectivamente
a eficácia de rituximab em 8 doentes com uveíte associada
a AIJ refractária a tratamento convencional e pelo menos 2
anti-TNFα. O rituximab foi administrado em perfusão intravenosa de 1 g no dia 1, 15 e ao fim de 1 ano, segundo
o protocolo aplicado no tratamento de artrite reumatóide.
O seguimento variou entre 4 e 22 meses, tendo-se constatado remissão clínica em 7 dos 8 pacientes, com redução da
corticoterapia tópica e sistémica, bem como da imunossupressão. A melhoria da inflamação intra-ocular começou a
verificar-se cerca de 4 meses após o início da terapêutica
com rituximab. Também em 2011, Heilingenhaus et al52,
em colaboração com Miserocchi, reportou retrospectivamente o uso de rituximab em 10 pacientes com uveíte associada a AIJ refractária a tratamento convencional e antiTNFα. Foram administradas duas doses de rituximab 375
mg/m2 separadas por 15 dias, sendo reportada melhoria da
inflamação em 7 dos 10 doentes, ao fim de uma média de
3.1 meses após início do tratamento, sendo possível reduzir
as doses da corticoterapia e do imunossupressor em curso.
Durante o seguimento de 7-18 meses, não foram reportados
efeitos laterais significativos.
344 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
4. Relação custo-benefício
Em Portugal, segundo a ACSS, o preço com IVA de infliximab é de 515.16 € / 100 mg e o de adalimumab é 497.67
€ / 40 mg. Um tratamento em dose de manutenção (cerca
de 5 mg/kg de 6/6 semanas) com infliximab custa 8242.56
€ / ano numa criança de 35 kg ou 12363.84 € / ano numa
criança de 55 kg. Um tratamento em dose de manutenção
com adalimumab (24 mg/m2 2/2 semanas) custa 12939.42 €
/ ano, independente-mente do peso da criança, dado o adalimumab só ser vendido em doses de 40 mg. Portanto, para
crianças mais jovens com menor peso, a terapêutica com
infliximab em doses standard é mais económica que a terapêutica com adalimumab. Para crianças com mais de 55 kg
ou que necessitem de posologias mais elevadas ou mais frequentes, o adalimumab torna-se a opção mais económica.
A diferença de preços entre a terapêutica dita standard e
a terapêutica biológica é tão marcada que nenhum serviço
nacional de saúde ou serviço privado de saúde seria sustentável com uma prescrição liberal dos mesmos. Para uma
análise comparativa das diferentes terapêuticas disponíveis
ver a tabela 1.
De notar que a patente para alguns destes agentes expira brevemente: a do etanercept em Outubro de 2012; a
do infliximab e rituximab em 2014; a do adalimumab só
em 2017. No entanto, é importante salientar que os agentes
biológicos não estão sujeitos às mesmas exigências e requesitos legais aplicáveis às formulações químicas. Nos EUA o
etanercept já obteve um prolongamento da patente por mais
16 anos, dado não ser actualmente permitida a criação de
biológicos genéricos nesse País. No entanto, a União Europeia permite a criação de genéricos bioequivalentes desde
que clinicamente testados e monitorizados, pelo que já múltiplas empresas se encontram a desenvolver genéricos para
estes fármacos, nomeadamente a Sandoz (grupo genérico
da Novartis) e a Teva. É assim possível que ocorra uma
redução significativa dos preços a curto-médio prazo que
permita a expansão das aplicações destes agentes.
5. Proposta de abordagem terapêutica
Dada a relativa raridade das uveítes pediátricas não
infecciosas, persiste uma ausência de estudos controlados
adequados para validar o uso das terapêuticas biológicas no
tratamento destas patologias. No entanto, tendo por base os
estudos aqui revistos e os excelentes resultados associados
a um bom perfil de segurança, pode-se considerar aceitável
o uso “off-label” de infliximab e adalimumab (anti-TNFα)
nestas uveítes.
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas
Tabela 1 | Principais tratamento disponíveis, posologias e custo anual estimado.
Fármaco
Dose
Tópicos
8/8h (por ex)
Acetato de
prednisolona 1%
2/2h (por ex)
Sistémicos
Prednisolona
1-2 mg/kg/d
Mecanismo de acção
Corticóides
Inibidor da síntese de citocinas (IL-2, IL-6,
TNFα), prostaglandinas e moléculas de
adesão leucocitária, inibidor da mielopoise,
diminuição da permeabilidade vascular
Metotrexato
15 mg/m 2/sem
Azatioprina
Micofenolato
Mofetil
Ciclosporina A
1-2 mg/kg/d
Imunossupressores
Inibidor da síntes de purinas e pirimidinas;
promotor da libertação celular de adenosina
Inibidor da síntese de purinas
600 mg/m 2/d
Inibidor da síntese de purinas
3-5 mg/kg/d
inibidor da calcineurina (inibe IL-2)
Biológicos
Infliximab
Adalimumab
Etanercept
Abatacept
Rituximab
5-15 mg/kg
(4-8 sem)
24 mg/m 2
(1-2 sem)
0.4 mg/kg
2x/sem
10 mg/kg
(4/4 sem)
375 mg/m 2
(0, 2 sem, 1/1A)
Custo anual estimado
41,40 €
82,80 €
86,76 €
(1 mg/kg/d)
25,40 €
(12.5 mg/sem)
60,17 €
339.62 €
188.68 €
599,52 €
(1 mg/kg/d; 35 kg)
(1.19 m2)
(1.74 m2)
(4 mg/kg/d; 35 kg)
inibidor do TNFα
8.242,56 €
(5.7 mg/kg; 6/6 sem; 35 kg)
inibidor do TNFα
12.939,42 €
(28.5 mg 2/2 sem; 1.19 m 2)
inibidor do TNFα
6.526,21 €
(25 mg/sem; 35 kg)
9.509,50 €
(35 kg)
3568.02 €
1784.01 €
(1.19 m2, 1º ano)
(1.19 m2, manutenção)
anti-CD80/CD86; bloqueador
da co-estimulação dos linfócitos T
anti-CD20 - indutor da apoptose
de células B
Área corporal estimada para uma criança do sexo masculitno que respeita percentil 50 de peso e altura (utilizada fórmula de DuBois: DuBois D, DuBois E.F. A formula to estimate the approximate
surface area if height and weight be known. Arch. Intern. Med. 17:862, 1916). Utilizadas curvas de crescimento da DGS publicadas na Circular Normativa Nº 05/DSMIA de 21/02/2006
Tendo por base os critérios de selecção para os estudos apresentados, serão candidatos a tratamento de 3ª linha
com anti-TNFα (infliximab e adalimumab) os doentes com
uveítes pediátricas não infecciosas com as seguintes circunstâncias: uveíte crónica persistente (células na câmara
anterior >1+ / vitrite / papilite / vasculite / edema macular)
refractária a tratamento combinado máximo com corticoterapia (tópica + sistémica) e imunosupressores (um ou dois
associados).
O seu uso em doentes sem uveíte crónica mas com elevado número de recidivas/ano (>3) e progressão das complicações intra-oculares, é apoiado por alguns autores com
o objectivo de minimizar as complicações resultantes tanto
da uveíte como da corticoterapia15.
Quando não se verifica resposta adequada após iniciar
terapêutica com infliximab ou adalimumab em dose standard, é possível aumentar a dose até 10-15 mg/kg (infliximab) ou 40 mg (adalimumab) e/ou diminuir a frequência
de administração até 4/4 semanas (infliximab) ou 1/1 semana (adalimumab). Quando não ocorre melhoria significativa da inflamação intra-ocular, ou surgem efeitos laterais
incompatíveis com a continuação da terapêutica, é possível
trocar o anti-TNFα, estando descrito sucesso com infliximab quando adalimumab não resultou e vice-versa.
É de salientar a propensão para diminuição da eficácia
do infliximab com o prolongar do tempo de terapêutica (>12 anos), presumivelmente devido ao aparecimento de anticorpos anti-infliximab. Estima-se que este problema seja
menos relevante no tratamento com adalimumab, embora
os estudos apresentados com adalimumab tenham um menor tempo médio de seguimento.
Não está ainda definido o melhor esquema de redução e
suspensão da terapêutica anti-TNFα após remissão da uveíte: não só não está determinado quanto tempo após remissão
inflamatória se pode iniciar a redução e eventual suspensão
terapêutica, como também se desconhece o quão lenta deve
ser essa redução, e se haverá menor risco de recidiva após
reduzir/suspender primeiro o imunossupressor e depois o
anti-TNFα ou vice-versa.
A experiência clínica com os restantes agentes biológicos é aínda demasiado reduzida para se poder considerar seguro o seu uso “off-label” nas uveítes pediátricas.
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No entanto, em doentes que não respondem a terapêutica
combinada com anti-TNFα, pode-se ponderar como terapêutica de resgate o abatacept ou o rituximab, que têm sido
utilizados para esse efeito com bons resultados (não devem
ser aplicados como agentes de 4ª linha mas sim em substituição do anti-TNFα). De igual forma, em doentes com
uveíte grave associada a DB pediátrica, que não responde a
terapêutica combinada com anti-TNFα, pode-se considerar
terapêutica de resgate com IFNα. É importante ter em conta,
no entanto, o espectro de efeitos laterais, alguns potencialmente graves, habitualmente associados a esta terapêutica.
Para uma revisão sobre os aspectos práticos da utilização de agentes biológicos recomendamos o guia publicado
em 2011 pelo Grupo de Estudos de Artrite Reumatóide da
Sociedade Portuguesa de Reumatologia87.
6. Discussão
Nas próximas décadas, o estado da arte da terapêutica
das uveítes não infecciosas vai mudar substancialmente
com a introdução de novos agentes biológicos, sendo expectável a sua utilização cada vez mais frequente nestas
patologias.
A fisiopatologia específica de cada uveíte tem vindo a
ser lentamente esclarecida, e as citocinas e outros mediadores pró-inflamatórios preponderantes em cada uma delas
têm vindo a ser identificados. Estão neste momento em estudo múltiplos agentes biológicos dirigidos à inibição da
acção destes mediadores pró-inflamatórios. Isto permitirá
uma terapêutica progressivamente mais individualizada
para cada etiologia, presumivelmente aumentando a sua eficácia, reduzindo o número de complicações e minimizando
os efeitos laterais iatrogénicos.
Existe também potencial na aplicação local das terapêuticas biológicas para minimizar os seus efeitos sistémicos.
Está em estudo um anti-TNFα de aplicação ocular tópica
(ESBA105)88 que revelou boa penetração intra-ocular em
modelos animais, tanto no segmento anterior como no segmento posterior89. Há também múltiplos estudos realizados
em modelos animais e humanos, que avaliam a eficácia do
infliximab intravítreo na redução de edema macular bem
como a sua toxicidade retiniana. Os resultados, no entanto,
são ainda escassos e contraditórios90-94 sendo necessários
estudos controlados para avaliar a segurança e eficácia desta abordagem terapêutica.
Os anti-TNFα (infliximab e adalimumab) têm-se revelado na última década uma terapêutica eficaz em uveítes
pediátricas não infecciosas. Apesar da falta de estudos controlados, o seu uso “off-label” em estudos prospectivos e
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retrospectivos tem mostrado elevadas taxas de sucesso e
bom perfil de segurança em uveítes refractárias a terapêutica convencional máxima. Contudo, os seus custos extremamente elevados limitam a sua utilização apenas aos casos
de mais difícil controlo.
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Am J Ophthalmol 2012 Sep; 154(3): 534-541.
93.Rassi AR, Rigueiro MP, Isaac DL, Dourado L, Abud
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94.Melo GB, Moraes Filho MN, Rodrigues EB, Regatieri
CV, Dreyfuss JL, Penha FM, Pinheiro MM, Coimbra
RC, Haapalainen EF, Farah ME. Toxicity and retinal
penetration of infliximab in primates. Retina 2012 Mar;
32(3): 606-12.
Nenhum dos Autores tem interesses comerciais nos medicamentos discutidos neste artigo.
CONTACTO
Vasco P. Miranda
Hospital de Santo António, Serviço de Oftalmologia
Largo Prof. Abel Salazar
4099-001 Porto
[email protected]
Agentes Biológicos nas Uveítes Pediátricas não Infecciosas
Anexo 1 | Estudos publicados sobre agentes biológicos no tratamento de uveítes pediátricas não infecciosas
Autores
Ano
Nacionalidade
Desenho
Nº
Doentes
Reiff et al31
2001
EUA
Aberto, prospectivo
10
Schmeling et al32
2005
Alemanha
Smith et al33
2005
EUA
Saurenmann et al34
2006
Canada
Retrospectivo
11
Tynjälä et al30
2007
Finlândia
Aberto, prospectivo
24
Foeldvari et al35
2007
Alemanha
Questionário
multicêntrico
34
Richards et al36
2005
Australia
Retrospectivo
6
Rajaraman et al37
2006
EUA
Retrospectivo
6
Saurenmann et al34
2006
Canada
Retrospectivo
21
Kahn et al38
2006
EUA
Retrospectivo
17
Tynjälä et al30
2007
Finlândia
Aberto, prospectivo
21
Ardoin et al39
2007
EUA
Retrospectivo
16
Foeldvari et al35
2007
Alemanha
Questionário
multicêntrico
25
Gallagher et al40
2007
EUA
Aberto, prospectivo
13
Simonini et al41
2008
Itália
Aberto, prospectivo
15
Tugal-Tutkun et al42
2008
Turquia
Retrospectivo
20
Simonini et al43
2011
Itália
Aberto, prospectivo
17
Vasquez-Cobian
et al44
2006
EUA
Aberto, prospectivo
14
Biester et al45
2007
Finlândia
Retrospectivo
18
Gallagher et al40
2007
EUA
Aberto, prospectivo
5
Tynjälä et al46
2008
Finlândia
Retrospectivo
20
Trachana et al47
2011
Grécia
Aberto, prospectivo
6
Kotaniemi et al48
2011
Finlândia
Retrospectivo
54
Simonini et al43
2011
Itália
Aberto, prospectivo
16
Gallagher et al40
2007
EUA
Aberto, prospectivo
5
Sen et al49
2009
EUA
Aberto, prospectivo
6
Zulian et al50
2010
Itália
Retrospectivo
7
Miserocchi et al51
2011
Itália
Retrospectivo
8
2011
Alemanha, Itália e
Finlândia
Retrospectivo,
multicêntrico
10
Heiligenhaus et al52
Questionário
multicêntrico
Randomizado
controlado
33
7
Indicação
(% de Doentes)
Dose
Melhoria da
inflamação
(%)
Etanercept 0.4 mg/kg
63
2x/sem
Etanercept 0.4 mg/kg
36
AIJ (100)
2x/sem
Etanercept 0.4 mg/kg sem melhoria
AIJ (100)
2x/sem
VS placebo
AIJ (55); Idiopática (27);
Etanercept 0.4 mg/kg
54
Behçet (18)
2x/sem
Etanercept 0.4 mg/kg
21
AIJ (100)
2x/sem
Etanercept 0.4 mg/kg
47
AIJ (100)
2x/sem
Infliximab 5-10 mg/kg
100
AIJ (100)
4-6 sem
AIJ (50); Idiopática (33); Infliximab 5-18 mg/kg
100
Pars Planitis (17)
4-6 sem
AIJ (59); Idiopática (29); Infliximab 3-10 mg/kg
92
Behçet (9); Sarcoidose (5)
4-6 sem
AIJ (59); Sarcoidose (12); Infliximab 10-20 mg/kg
100
VKH (12); Idiopática (18)
4-6 sem
Infliximab 3-6 mg/kg
43
AIJ (100)
4-6 sem
AIJ (25); Artrite
Infliximab 5-10 mg/kg
79
Psoriática (6); Idiopática
4-6 sem
(69)
Infliximab 3-10 mg/kg
70
AIJ (100)
4-6 sem
Infliximab 100-700 mg
77
AIJ (100)
4-8 sem
Infliximab 5 mg/kg
87
AIJ (100)
6-10 sem
AIJ (35); Idiopática (60);
Infliximab 5 mg/kg
80
Behçet (1)
4-8 sem
AIJ (59); Idiopática (29),
Infliximab 5 mg/kg
94
Sarcoidose (6), Behçet
6-8 sem
(6)
Adalimumab 20-40 mg
81
AIJ (64); Idiopática (36)
2/2 sem
Adalimumab 20-40 mg
89
AIJ (94); Idiopática (6)
2/2 sem
Adalimumab 40 mg
50
AIJ (80); Behçet (20)
2/2 sem
Adalimumab 20-40 mg
35
AIJ (100)
1-2 sem
Adalimumab 25 mg/m2
50
AIJ (100)
2/2 sem
Adalimumab 24 mg/m2
57
AIJ (100)
1-2 sem
2
AIJ (75); Idiopática (19), Adalimumab 24 mg/m
94
Behçet (6)
2/2 sem
Sarcoidose (40);
Daclizumab 1 mg/kg
80
Idiopática (60)
2-8 sem
Daclizumab 2 mg/kg
67
AIJ (100)
4/4 sem
Abatacept 10 mg/kg
100
AIJ (100)
4/4 sem
Rituximab 1g
88
AIJ (100)
(D1, D15, 12M e 21M)
Rituximab 375 mg/m2
AIJ (100)
70
(D1, D15)
AIJ (70); Idiopática (30)
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
351
Oftalmologia - Vol. 36: pp.353-364
Artigo de Revisão
Laser Fototérmico e sua Interacção
com a Retina Humana
José Henriques1,2,6, João Nascimento1,3,6, Paulo Caldeira Rosa1,2, Fernando Trancoso Vaz1,4,6, Miguel Amaro1,5,6
1
IRL – Instituto de Retina de Lisboa; 2IOGP – Instituto Oftalmologia Gama Pinto; 3HBA – Hospital Beatriz Ângelo; 4Hospital Doutor Fernando
da Fonseca, EPE; 5Hospital Vila Franca Xira; 6SPILM – Sociedade Portuguesa Interdisciplinar do Laser Médico
RESUMO
Há vários efeitos resultantes da interacção da luz laser com os tecidos biológicos que podemos
classificar em 5 tipos: efeito fotoquímico, fototérmico, fotoablativo, fotoablação induzida por
plasma e fotodisrupção. Estes efeitos biológicos são modelados pelas propriedades ópticas dos
tecidos: reflexão, absorção e dispersão e pelas características do feixe laser, nomeadamente o
seu comprimento de onda (cdo) que influência a absorção da energia pelos pigmentos biológicos, bem como pela energia do feixe e do tempo da interacção do laser com os tecidos.
Na retina humana usamos principalmente o laser de efeito fototérmico na banda do verde-amarelo (532nm), amarelo (577nm) ou díodo (810nm), obtidos actualmente a partir de um
laser de estado sólido (Nd:YAG-KTP) ou díodo e dispensado em modo contínuo ou micropulsado (µP).
Na retina humana pretende-se que o feixe laser atravesse os meios ópticos “transparentes “ ao
cdo do laser em utilização e a sua energia seja absorvida pelos dois pigmentos: melanina do
EPR e corio-capilar (CC) ou pela hemoglobina (microaneurismas). O calor gerado está dependente da energia do feixe por área do spot (fluência) e seu tempo de interacção com o EPR, do
modo de saída em onda contínua ou micropulsos. O aquecimento induzido ao complexo EPR-CC pode ficar confinado a um volume próximo do local do spot ou aumentar no sentido da
coroideia e muito mais no sentido da retina interna, lesando tecidos e células nobres da retina
causando lesão térmica com desnaturação proteica e do DNA – fotocoagulação.
Vários estudos realizados permitem-nos considerar os seguintes mecanismos de acção terapêutica do laser térmico: (i) Diminuição do consumo de O2 pelos fotorreceptores (FR) destruídos pelo laser. Tem-se considerado desde há muito como o único mecanismo de acção.
(ii) Aumento da oxigenação da retina – “pontes de O2” retinocoroideias (iii) Aumento da
produção de mediadores químicos pelas células do EPR (PEDF e outros mediadores com
expressão genética aumentada ou diminuída de determinados genes envolvidos no processo
de reparação dos organelos celulares) (iv) Activação da renovação celular e remodelação dos
tecidos retinianos (v) Diminuição das Metalo Proteinases da Matriz ( MMP’s) (vi) Aumento
das proteinas de shock térmico (HSP’s) (vii) Migração de células HSC da medula óssea com
efeito reparador.
O laser térmico na retina humana pode ser usado na área macular ou na retina periférica. No
primeiro caso a lesão deverá ser a menor possível de forma a preservar os tecidos e células
responsáveis pela função visual, sendo importante personalizar e combinar a terapêutica (corticóides e anti-VEGF). Podemos descrever 12 técnicas diferentes para abordar o edema macular diabético (EMD) com laser térmico, preferencialmente usando cdo amarelo 577nm e verde
532nm, podendo no entanto ser usado krypton 657nm ou díodo 810nm. Quando falamos em
laser temos que ter presente que podemos estar a referirmo-nos apenas a uma ou duas das técnicas descritas mas, o rigor científico, obriga-nos a conhecer as várias possibilidades técnicas
e a descrever com precisão aquilo a que nos estamos a referir.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
353
José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
Palavras-chave
Laser fototérmico, laser estado sólido, laser micropulsado, interacção laser-tecido, fotocoagulação laser, Nd:YAG-KTP, PEDF, VEGF, HSP, MMP, edema macular diabético, terapêutica
combinada
ABSTRACT
There are several effects resulting from the interaction of laser light with biological tissues
which can be classified into 5 types: photochemical, photothermal, photoablation, photoablation induced by plasma and photodisruption. These biological effects are modeled by the
optical properties of the tissues: reflection, absorption and dispersion, and the characteristics
of the laser beam, in particular its wavelength (cdo) that influences the absorption of energy
by organic pigments, as well as by the energy beam and the time for interaction of the laser
with the tissue.
In the human retina we mainly use laser photothermal effect in the green-yellow band (532nm),
yellow (577nm) or diode (810nm), currently obtained from a solid state laser (Nd: YAG-KTP)
or diode, and dispensed in a continuous or micropulsed (μP) mode.
In the human retina the laser beam is expected to cross the optical means which are “transparent” to the laser cdo used and its energy is absorbed by two pigments: melanin of EPR and
chorioretinal capillary (CC), and hemoglobin (microaneurysms). The heat generated depends
on the energy of the beam by spot area (fluence) and its time of interaction with the EPR, of
output mode in continuous wave or micropulse. Induced heating of the complex EPR-CC can
be confined to a volume near the site of the spot or increased towards the choroid or the inner
retina, damaging tissues and cells and causing protein denaturation and DNA - photocoagulation.
Several studies allow us to consider the following mechanisms of action of phototermic laser
in human retina: (i) the decrease of O2 consumption by photoreceptors (FR) destroyed by the
laser. It has long been regarded as the only mechanism of action. (ii) increasing the oxygenation of the retina - chorioretinals “ O2 bridges” (iii) Increased production of chemical mediators by RPE cells (PEDF and other mediators with gene expression increased or decreased in
certain genes involved in the repair of cellular organelles) (iv) Activation of cell renewal and
retinal tissue remodeling (v) Reduction of matrix metallo-proteinases (MMPs). (vi) Increase
of shock thermal proteins (HSPs ) (vii) migration of HSC cells from bone marrow with a reparative effect.
The laser heat in the human retina can be used in the macular area or the peripheral retina. In
the first case the lesion should be as small as possible in order to preserve tissues and cells
responsible for visual function and is important to customize and combine therapy (corticosteroids and anti-VEGF). We describe 12 different techniques to address diabetic macular edema
(DME) with thermal laser, preferably using cdo yellow 577nm and 532nm green, but krypton
657nm or 810nm diode may be used as well. When we talk about laser we usually refer to one
or two of the techniques described, but the scientific rigor, requires us to know the various
technical possibilities and accurately describe what they are referring to.
Key-words
Photothermal laser, solid-state laser, micropulse laser, laser-tissue interaction, laser photocoagulation, Nd:YAG-KTP, PEDF, VEGF, HSP, MMP, diabetic macula edema, combined
therapy
354
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana
Aspetos gerais da física do laser
Há vários efeitos resultantes da interacção da luz laser
com os tecidos biológicos. Múltiplos factores intervêm na
variabilidade destes efeitos. Referimo-nos, em primeiro lugar, às propriedades ópticas dos tecidos: reflexão, absorção
e dispersão. Outro factor de peso diz respeito às características da radiação luminosa, nomeadamente: comprimento
de onda (λ), tempo de exposição, densidade de potência ou
Irradiância (W/cm2 – relaciona a intensidade da luz com o
diâmetro do spot) e densidade de energia ou Fluência (J/cm2
– relaciona a energia com o diâmetro do spot).
Os fotões monocromáticos colimados e de elevada densidade de potência saem da cavidade laser e seguem uma
direcção determinada pela fibra óptica, espelhos e lentes terapêuticas. Se não fossem direccionados para o nosso alvo
terapêutico, seguiriam em conjunto uma direcção rectilínea
como a luz. O feixe além de colimado (todo compacto e
direccionado, sem desvio de fotões da sua trajectória) tem
elevada energia comparativamente à luz difusa.
Desde a invenção dos lasers por Maiman em 1960, têm
sido investigados os possíveis efeitos da interacção dos lasers com os tecidos1. Podemos classificar em 5 tipos: efeito
fotoquímico, efeito fototérmico, efeito fotoablativo, efeito
fotoablativo induzido por plasma e efeito fotodisruptivo.
Fig. 1 | Um laser é constituído fundamentalmente por um meio
activo que permita a transmissão de luz no seu seio (Ex.:
Nd:YAG, Argon, Rubi, CO2), um sistema de espelhos
colocados nas extremidades do meio activo, habitualmente com forma cilíndrica, a fim de permitir construir
uma cavidade óptica ressonante, um sistema de fornecimento de energia ao meio activo ou seja um sistema de
bombagem laser ( Ex.: uma lâmpada de flash, um outro
laser, um díodo, um arco eléctrico) e um sistema de saída
com mecanismos de regulação da saída do feixe laser.
Convém referir que o espelho posterior é 100% reflector
e levemente côncavo e o anterior é menos do que 100%
reflector.
O laser que usamos na retina para obter efeito terapêutico é o laser com acção térmica (laser fototérmico). O laser
é produzido na cavidade laser e de acordo com o meio laser
podemos ter laser gasosos (Argon 514nm, Kripton 647nm,
CO2 10,6µm e Excimer193nm) e lasers de estado sólido
(Nd: YAG 1064nm, Nd:YVO4 1064nm - neodymium-doped yttrium orthovanadate, Nd:YAG-KT 532nm, Er:YAG
2940nm, Ho:YAG 2120nm) ou diodos.
Actualmente, o laser fototérmico mais comumente usado em Oftalmologia é o laser Nd:YAG-KTP (vulgarmente
chamado de laser KTP) que tem por base um laser Nd:YAG
1064nm, um “rod” de cristal incolor Y2Al5O12 (yttrium aluminum-garnet = YAG) onde 1% dos átomos de ítrio são
substituídos por iões de neodímio com carga eléctrica +3.
Os iões de neodímio são a fonte de luz laser (espécie lasante). O cristal sólido de YAG é o “host”, sendo o suporte
para as impurezas iónicas de neodímio2.
O laser Nd:YAG produz um feixe laser infra-vermelho
próximo, de 1064nm. Para se conseguir um feixe na faixa
do visível, verde-amarelo 532nm, é interposto um cristal
não linear de KTP (Potasium Titanil Fosfato). Este cristal
não linear diminui para metade o comprimento de onda passando o feixe laser de 1064nm, na faixa do infra vermelho
próximo, para 532nm na faixa do verde amarelo.
A maioria dos laser fototérmicos usados actualmente em
oftalmologia usam como meio de bombagem laser um díodo laser infra-vermelho ou um conjunto de díodos (array)
e são chamado de DPSS – díodo-pumped solid-state laser.
O laser é normalmente definido pela constituição do
meio laser, o seu modo de saída (contínuo, pulsado, micropulsado ou superpulsado) e o seu comprimento de onda
(cdo). O seu comprimento de onda (cor do laser) está dependente do meio laser. De acordo com o modo de saída:
continuo, pulsado ou superpulsado, assim varia a sua acção
nos tecidos. Contudo, interacção do laser nos tecidos está
dependente, em primeiro lugar, do comprimento de onda
que influencia a sua absorção pelos tecidos e que, por sua
vez, está relacionado com a profundidade de penetração nos
tecidos do feixe laser.
Profundidade de penetração nos tecidos e a absorção da energia laser
Esta capacidade de penetrar em profundidade nos tecidos está dependente da absorção da energia laser por
pigmentos biológicos endógenos (por ex. hemoglobina,
melanina, água) que fazem de ecran ao feixe laser. Assim,
tecidos ricos nestes pigmentos, absorvem a energia laser
se usarmos o comprimento de onda adequado, e o tecido
aquece. Assim para o laser verde ou amarelo, por exemplo,
os tecidos com hemoglobina ou melanina (vasos e EPR ou
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
355
José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
coróide) absorvem muito bem estes cdo. Já a córnea, o cristalino, o vítreo e a retina são “transparentes” a estes cdo tal
como ao espectro da luz visível. Mas se usarmos laser de
Er: Yag com cdo de 2940nm, a córnea ou outro tecido rico
em água, absorve toda a energia à sua superfície3.
Também podemos variar os efeitos laser variando a
densidade de potência e os tempos de exposição do feixe
laser. Tempos longos da ordem dos segundos a minutos e
baixa potência são típicos do laser de efeito fotoquímico, laser de potência intermédia e tempos da ordem dos segundos
a milissegundos são responsáveis pelo efeito fototérmico,
laser com potências elevadas e tempo de exposição da ordem dos milissegundos a micro segundos causam efeito fotoablativo, laser de potência muitíssimo elevadas da ordem
de MW e TW têm efeito fotodisruptor ou ablação induzida
por plasma, com tempos de acção da ordem nano, pico ou
fentosegundos. Ver a figura 2.
Fig. 2 | Relação entre a densidade de potência e o tempo de exposição ao efeito laser.
Modos de saída do laser fototérmico
O feixe laser poderá, no caso do laser fototérmico, ter
dois modos de saída:
a) CW ou onda contínua. O feixe laser exerce o seu
efeito continuamente desde que premido o mecanismo de activação do laser e o feixe é interrompido a
intervalos de tempo definidos (com efeito “on” durante 10, 20, 50, 100, 200, 500ms ou 1 segundo) ou
pode manter-se sempre em “on” enquanto estiver a
ser premido o mecanismo de activação.
b) pulsado ou micropulsado: no pulsado um sistema
electrónico faz com que, de cada vez que é feita a activação do laser no pedal, o sistema faz um período
356
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
“on”, de duração previamente definida pelo operador. Se seleccionado o modo repetitivo, enquanto o
pedal estiver a activar o laser, este faz períodos “on”
e períodos “off”, ambos modelados e previamente
seleccionados pelo operador. No laser µP (micropulsado) quando se activa o laser, este dispensa um
“envelope” laser de, por exemplo, 200ms composto
por períodos de 100microsegundos em que o laser
está “on” e 1900microsegundos em que o laser está
“off” correspondendo a 5% Duty Cicle, ou seja, em
200ms (=200 000µs) haverá 100 micropulsos de
100 microsegundos, intervalado por outras tantas
pausas da acção do laser de 1900µs, duração muito
maior para arrefecimento dos tecidos. (200000µs =
(100x100µs)+(100x1900µs)) Este é o chamado laser
micropulsado ou laser sublimiar porque atua abaixo
do limiar da lesão das estruturas nobres retinianas4.
Interação laser tecidos
No laser de onda contínua (CW) os fotões são absorvidos pelos “pigmentos endógenos”. Estes podem ser a melanina, a hemoglobina ou a água, como vimos. Para cada
comprimento de onda (cdo) varia a absorção da radiação,
varia a capacidade de captar os fotões pelos pigmentos endógenos. A melanina ou o sangue são “pigmentos endógenos” que absorvem muito bem a gama do verde ou amarelo,
têm o seu pico de absorção neste cdo. Desta forma, quando
usamos laser com cdo 532nm (verde) ou 577nm (amarelo)
ou com o díodo 810nm, a melanina do EPR e/ou coroideia
absorve os fotões e a sua energia é transmitida às moléculas
de melanina que aumentam a sua vibração. Ver figura 3.
Esta agitação molecular corresponde ao aumento da
temperatura. No local de impacto do feixe laser cria-se um
foco de tecido aquecido, foco de aquecimento primário
que se dissipa por difusão térmica adjacente e está dependente da condutividade térmica dos tecidos (maioritariamente água). Este aumento da temperatura, ou seja, o efeito
fototérmico, está também dependente do tempo de duração
da acção laser. Se o laser continuar a actuar (laser CW), o
aquecimento mantém-se, aumenta a temperatura no foco de
aquecimento primário (volume aquecido primário) mas
vai-se dissipando a temperatura, aumentando o volume de
tecido aquecido (volume aquecido final). Na retina este
aquecimento vai atingir a coroideia e a retina interna, tanto
mais quanto maior for a temperatura atingida no foco de
aquecimento primário e maior a duração do impulso laser.
Se o impulso foi muito curto não haverá tempo para a difusão térmica adjacente e o volume aquecido final, ou seja a
lesão no tecido, fica quase só limitada ao local de impacto
laser5. Ver figura 3.
Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana
Densidade de potência do feixe laser medida da sua
energia
Como vimos a densidade de potência está relacionada
com a área do feixe. Assim, se diminuir ou aumentar o
diâmetro do spot, aumentaremos ou diminuiremos exponencialmente a densidade de potência, de acordo com a
área do círculo. Assim, spots pequenos são susceptíveis
de provocarem mais facilmente rotura de M. Brüch (esta
ao romper faz um som de rebentar de pipoca e causa hemorragia) do que com diâmetros grandes. Isto acontece
frequentemente com a utilização dos laser tipo Pascal que
usam densidades de potência elevados e tempos de exposição curtos5.
Fig. 3 | O feixe laser é absorvido maioritariamente pelo EPR rico
em melanina. Durante o tempo de acção do impulso laser,
difunde o calor pelos tecidos adjacentes, atingindo um
volume aquecido final maior do que o volume primário
aquecido no início do impacto laser.
O EPR é aquecido no local de impacto. Se continuar a
actuar o feixe laser por maior duração de impulso, o calor
vai-se dissipando e um maior volume de tecido é aquecido. Assim a coagulação dos tecidos atinge mais e mais
as camadas internas da retina e também a coroideia, embora esta seja arrefecida pela circulação coroideia de alto
fluxo. Posteriormente haverá uma resposta de reparação
à lesão celular mas as células nobres da retina, fotoreceptores e camadas mais internas da retina ficam lesadas
definitivamente. Esta lesão à periferia não causa dano
funcional significativo mas na área macular será perdida
a função das áreas de cicatriz laser.
Podemos chegar ao ponto em que a duração do impulso seja inferior ao tempo que o tecido demora a difundir
o calor (tempo de relaxamento térmico) e então há confinamento térmico, ou seja, o calor permanece somente no
local de impacto laser, não sofre difusão adjacente. Precisando melhor, quando usamos CW a duração do impulso é
crucial para o efeito nos tecidos adjacentes. Dito de outra
forma, impulsos curtos limitam o efeito laser somente ao
local de impacto e de absorção da energia dos fotões. Convém não esquecer que, para além do tempo de exposição
ao laser (duração do impulso), temos que contar com outro
parâmetro do feixe laser, a sua densidade de potência, que
significa, a potência do feixe por unidade de área medida
em W/cm2. Quanto maior a densidade de potência maior
o efeito térmico. Se o tempo de duração do impulso for
suficientemente curto, uma elevada densidade de potência
poderá aquecer de tal forma o tecido que, sem tempo para
a difusão térmica, a água que o compõe, entra em ebulição
e há um efeito de vaporização. Maior densidade de potência chega a carbonizar os tecidos5.
Efeitos do laser na retina humana
Desde as primeiras observações empíricas de que os
doentes com coriorretinopatia miópica e diabetes não
apresentavam uma evolução tão rápida para RDP, se pensou em usar a luz para provocar uma cicatriz coriorretiniana. Começou-se então por usar, primeiro a luz solar
concentrada, e depois a fotocoagulação por arco de Xenon
(Gerd Meyer-Schwicherath 1956, oftalmologista alemão)
que provocava lesões extensas devido ao grande diâmetro
de spot, semelhante às lesões da crio. Com o advento do
laser de Rubi (Maiman 1960) passou-se a usar, de forma
mais controlada, a técnica da fotocoagulação. Mais tarde
o laser Argon Azul-Verde 488nm-514,5nm, equipamento
de grandes dimensões continuamente refrigerado a água
e com uma eficiência energética de 3%, passou a ser o
laser padrão em patologia retiniana até há cerca de uma
década atrás. Posteriormente surgiu o díodo 810nm de elevado eficiência energética, leve e compacto e finalmente
os lasers atuais de estado sólido Nd:YAG-KTP 532nm,
amarelo 577m, micropulsado ou de onda contínua (CW)
muito compactos, portáteis e de baixo consumo.
Diversas formas de interacção do laser com os tecidos
resultam em diferentes aplicações terapêuticas em oftalmologia. Para o tratamento da retinopatia diabética (RD)
e outras patologias vasculares da retina ou para realizar
retinopexia laser, usamos o efeito fototérmico. Qualquer
que seja o comprimento de onda utilizado, a interacção
com o tecido retiniano e coroideu resulta da absorção da
energia ao nível do epitélio pigmentado da retina (EPR),
rico em melanina, e ao nível do pigmento melânico da coriocapilar (CC). Os tecidos aquecem e sofrem hipertermia
ou desnaturação térmica (fotocoagulação), seguindo-se
um processo de reparação das células e tecidos lesados
termicamente5,6.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
Acção terapêutica do laser térmico
Vários estudos realizados permitem-nos considerar os
seguintes mecanismos de acção do laser:
I. Diminuição do consumo de O2 pelos fotorreceptores (FR) destruídos pelo laser. Tem-se considerado
desde há muito como o único mecanismo de acção.
II. Aumento da oxigenação da retina – “pontes de O2”
retinocoroideias7
III.Aumento da produção de mediadores químicos
pelas células do EPR (PEDF e outros mediadores
com expressão genética aumentada ou diminuída
de determinados genes envolvidos no processo de
reparação dos organelos celulares)8,9,10,11,12,13
IV.Activação da renovação celular e remodelação dos
tecidos retinianos14,15,16
V. Diminuição das Metalo Proteinases da Matriz
(MMPs)17
VI.Aumento das proteinas de shock térmico (HSPs)18,19
VII.Migração de células HSC da medula óssea com
efeito reparador20,21,22,23
I. Diminuição do consumo de O2 pelos dos fotoreceptores
Na realidade, a lesão dos foto-receptores e a consequente diminuição do consumo de O2 tem sido a principal
explicação para o efeito terapêutico do laser térmico e foi
a primeira teoria para justificar o efeito benéfico da acção
do laser na RDP.
II. Aumento da oxigenação da retina – “pontes de
O2” coroido-retinianas
Com efeito, E. Stefánsson (2006)7 defende que são
criadas “pontes de O2” nos locais da cicatriz laser que facilitam a difusão do O2 da coroideia para a retina interna. Na
realidade, após a realização de pan retino fotocoagulação
(PRP), verifica-se uma melhoria da oxigenação da retina
interna, objectivada pela oximetria dos vasos retinianos.
A explicação para essa melhoria da oxigenação passa pela
diminuição do consumo de oxigénio pelos foto-receptores
periféricos que foram destruídos mas também e, particularmente, pela difusão a partir da coroideia, exactamente
através das “pontes de oxigénio” que constituem as cicatrizes do laser. Esta ação explica a diminuição do VEGF
conseguida com a fotocoagulação laser mediada, entre outos mecanismos de ação, pela melhoria de oxigenação da
retina.
III. Produção de mediadores quimicos pelo laser
Em geral, tem sido considerado como tendo efeito
terapêutico a área de fotocoagulação do “spot” laser ou
358
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
seja, a lesão laser visível. Contudo, algumas observações
realizadas e estudos levados a cabo demonstraram ser um
pouco mais complexa a explicação para a acção do laser.
Em primeiro lugar, e como vimos anteriormente, num
spot laser há uma área central onde é maior a hipertermia.
Esta área fica esbranquiçada por ter sofrido fotocoagulação das proteínas das células das camadas externas da
retina. Mas há outra área envolvente ao local do impacto
do “spot” laser que sofreu hipertermia. Sofreu um aumento de temperatura que não causou fotocoagulação visível
mas lesou membranas celulares, organelos intracelulares
e DNA.
Estas microestruturas vão então sofrer um processo de
reparação do DNA e das proteínas desnaturadas ou deformadas pela acção térmica, com libertação de mediadores químicos locais, intracelulares e no meio intercelular.
Estes mediadores estão implicados no “signalling” intra e
intercelular que desencadeiam reacções inflamatórias, de
reparação celular e/ou tecidular, com particular destaque
para as células do EPR e as células endoteliais, responsáveis pela saúde dos capilares e sua permeabilidade luminal
e contenção transparietal10.
O PEDF – inibição activa da neovascularização (e do
edema?)
O PEDF é considerado como o mais provável responsável pela acção inibidora da neovascularização e o factor
que contrabalança a acção activadora das células endoteliais, no sentido da proliferação, migração e aumento de
permeabilidade, induzidos pelo VEGF25. Nos doentes com
RD e tanto mais quanto maior a gravidade da RD, o PEDF
encontra-se diminuído enquanto o VEGF se encontra aumentado24. Podemos dizer que se trata de um equilíbrio
entre PEDF e VEGF que permite a homeostasia da vascularização da retina e que, em caso de doença vascular
retiniana que leve a isquémia, o VEGF aumenta e surge
quer neovascularização quer edema, sendo a sua acção
contrariada pelo PEDF. Por seu turno, após o tratamento
com laser térmico, inicia-se uma expressão aumentada de
PEDF8, principalmente pelas células do EPR que sofreram
hipertermia e é reposto o equilíbrio homeostático.
Inicia-se assim um processo activo de apoptose das
células endoteliais induzido pelo PEDF com inibição da
neovascularização (ou efeito positivo na diminuição do
EMD)25,26,27,28.
O PEDF está diminuído quando está aumentado o
VEGF na RDP e no EMD e encontra-se aumentado a seguir à fotocoagulação29. Nas membranas fibrovasculares
da RDP encontra-se diminuído enquanto o VEGF se encontra aumentado35.
Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana
Os trabalhos de Aiello em 1994 revelaram que há uma
diminuição em 75% da concentração do VEGF no vítreo
após a fotocoagulação30.
Estudos do Perfil da Expressão Genética
Os estudos de análise “microarray” para avaliar a expressão genética desencadeada pela acção térmica subletal
do laser na célula do EPR têm sugerido que esta expressão
genética reflecte a proliferação das células do EPR, foto-receptores lesados e células da coroideia afectadas pela
acção térmica não letal do laser10.
De acordo com os trabalhos de Wilson, existem genes
que aumentam ou diminuem a sua expressão. Sabemos que
há uma alteração da microestrutura retiniana no local da lesão térmica com proliferação e hiperplasia das várias células lesadas, nomeadamente EPR, diminuição da expressão
genética de vários factores, entre eles o Agtr2 – Angiotensina II type 2 receptor, aumento da expressão genética do
CRLR, IL-1β, FGF-14 e FGF-16, PAI-2 e aumento muito
relevante do PEDF, como vimos.
Estes fatores funcionam no curto prazo.
No longo prazo, de acordo com o trabalho Binz14, existem alterações de proteínas estruturais que se mantém no
tempo e que serão, muito provavelmente, responsáveis
pela acção mantida do laser e pelo seu efeito de estabilizações da RD no longo prazo, ao contrários dos fármacos que
actuam enquanto o fármaco estiver presente.
IV. Acção de regeneração/renovação celular
Assistimos pois a uma acção de regeneração, renovação dos organelos intracelulares e de células lesadas mas
não mortas, com produção de HSPs e factores implicados
na homeostasia da angiogénese e da permeabilidade vascular, com destaque para o PEDF9.
Mas por sua vez, as áreas de fotocoagulação com necrose celular, vão sofrer renovação celular e remodelação do
tecido, reorganização da microarquitectura, alguma fibrose
e retracção e marcada migração pigmentar do EPR. Estes
processos de reparação celular e remodelação são mediados por genes que se expressam após a acção do laser10.
Os trabalhos de Nicolette Binz (2006)14 mostraram
existir em localizações específicas na microestrutura retiniana, após um período de 90 dias da acção laser, 5 cristalinas (CRYαA2 e CRYβB2), Keratin 1-12, Tsp1 – Trombospondina - factor anti-angiogénico, Tkt - transketolase
- uma enzima chave na via da pentose fosfato, TULP1
– o putativo factor de transcrição da tubby-like protein 1
específico da retina e cérebro14. Pensa-se que poderão ser
estas alterações estruturais as responsáveis pelo efeito de
manutenção a longo prazo da acção laser.
V. As metaloproteinases da matriz (MMPs)
Trabalhos recentes referem também uma acção do laser
ao nível do equilíbrio das MMP/TIMP (metaloproteinases
da matriz extracelular e inibidor tecidular das metaloproteinases) da membrana basal. O EPR produz MMPs após
terapêutica laser17. Após laser térmico em padrão PRP
detectaram-se MMP-2, MMP-3 e TIMP-1. Neste estudo, a
secreção de MMP-2 e MMP-3 aumentou o dobro em relação ao valor dos controlos. O TIMP diminuiu até dia 4 e
depois aumentou pelo dia 6. A capatação da Tritiated thymidine aumentou 2,5 vezes até dia 6 voltando ao valor baseline pelo 8º dia. Sugere-se que a eficácia da PRP se deva
também ao balanço entre as MMPs e as TIMPs e não só à
acção sobre o VEGF e outros factores relacionados com a
isquemia17.
VI. Proteínas de choque térmico
Outra ação interessante do laser é o aumento das proteínas de choque térmico (HSPs), nomeadamente a HSP27,
HSP70 e HSP4718. que deverão ter algum efeito na ação
laser, provavelmente relacionado com a termotolerância da
retina após a acção do laser e serem protectores da retina
numa segundo tratamento laser. É de todos conhecido o
efeito do laser menos visível com os mesmos parâmetros
num retratamento. É um campo para investigação.
VII. A activação das células STEM
Outro local de acção laser tem a ver com a estimulação
de células “stem” a partir da leão retinocoroideia que fazem
migrar da medula óssea células “stem” para repararem os
tecidos retinianos lesados, nomeadamente as células endoteliais. De acordo com Chag-Ling, estes estudos sugerem
que as HSCs (hematopoietic stem cells) possam servir como
fonte para a regeneração no longo prazo das células lesadas
da retina e coroideia20,21,22,23.
Em resumo a acção terapêutica do laser térmico pode ser
sumarizada da seguinte forma: (I) Diminuição consumo de
O2 pelos foto-receptores; (II) Aumento da oxigenação da retina – “pontes de O2” coroido-retinianas; (III) Aumento da
produção de mediadores químicos (PEDF); (IV) Activação da
renovação celular e remodelação dos tecidos retinianos, (V)
Diminui MMP (VI) Aumenta proteínas shock térmico; (VII)
Migração células HSC da medula óssea com efeito reparador.
Novas técnicas laser no tratamento do
EMD
Podemos descrever 12 técnicas diferentes para abordar o edema macular diabético (EMD) com laser térmico,
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
preferencialmente usando comprimento de onda amarelo 577nm e verde 532nm, podendo no entanto ser usado
krypton 657nm ou díodo 810nm. Quando falamos em laser
temos que ter presente que podemos estar a referirmo-nos
apenas a uma ou duas técnicas das atrás descritas mas, o
rigor científico, obriga-nos a conhecer as várias possibilidades técnicas e a descrever com precisão aquilo a que nos
estamos a referir32 (Ver tabela 1).
Tabela 1 | 12 técnicas diferentes para abordar o edema
macular diabético (EMD) com laser térmico
1.
Laser focal32
2.
Padrão de Grelha focal no interior de circinados,
IRMAS ou pequenas áreas de edema focal33
3.
Grelha clássica ETDRS 100-200ms34
4.
Grelha ETDRS modificada (mETRDS) – com
parâmetros um pouco mais suaves e spots de menor
dimensão até 200micra do centro da fóvea35,36,37
5.
Grelha ETDRS “mild” (MMG) – levemente visível,
spot 50micra mas de menor densidade.38,39
6.
Microgrelha 10ms (µETDRS) tipo PASCAL40
7.
µETDRS + focal nos microaneurismas
8.
Laser micropulsado (µPLT – micro pulse laser
treatment) com HD41,42
9.
µPLT em Sandwich (J. Augusto Cardillo) – utilizando
a grelha mETDRS até às 500µ e o µPLT deHD dentro
de 500µ.43
10.
µPLT em Sandwich associado a laser focal
11.
Laser 4+ (µETDRS + focal + µPLT HD fóvea + PRP à
periferia da retina)
12.
Terapêutica combinada com anti-VEGF e corticóides
de acção prolongada e laser minimamente lesivo
O que se pretende com a acção terapêutica do laser térmico na área macular
e na retina periférica
A técnica laser a usar deverá ser adequada ao local da
retina a tratar. Assim, a fotocoagulação capaz de induzir
pontes de O2 e melhorar a Pa O2 da retina7 está indicada
à periferia e média periferia no caso do tratamento da retinopatia diabética proliferativa (RDP). Já o laser suave,
poupador dos tecidos e capaz de induzir factores homeostáticos no microambiente retiniano, está indicado na área
macular, particularmente na área foveal e perifoveal para
tratar o EMD. Nesta última situação poderá ser necessário usar laser com parâmetros um pouco mais agressivos44
360 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
embora de forma “cirúrgica”, para ocluir os microaneurismas causadores de edema e, desta forma, inverter o processo de exsudação lipoproteica e difusão e/ou permitir a
fragmentação das placas lipídicas e sua mobilização pelos
macrófagos.
a. Principal Acção do Laser Térmico na Área Macular (Laser Estimulador Celular) - Lesão Subletal
das Células do EPR
Porque estamos a tratar a área macular, a fototerapia laser no EMD não pretende lesar irreversivelmente os FR45.
Temos como objectivo, causar hipertermia nas células do
EPR46 e, desta forma, estimulá-las a produzir mediadores
químicos que provoquem a resolução do EMD, nomeadamente o PEDF. Pretende-se obter, com o impacto do laser
térmico, um efeito local de ligeira alteração do EPR47, por
vezes difícil de observar na retinografia. Este efeito só é
objectivado na autofluorescência, retinografia por infra-vermelhos ou angiografia, ou mesmo invisível com estes
exames se for usado o laser micropulsado (µP)48,49,50,51,52,53.
A interacção térmica lesa as células do EPR ricas em melanina e por vezes os segmentos externos dos FR se a lesão
se tornar visível. Evitamos lesar os segmentos internos FR
e células da camada nuclear externa. Este objectivo é atingido com os 2 tipos de laser referidos:
a) Com µGrelha, usando baixas densidades de potência e um curto tempo de exposição (10milisegundos), de forma a evitar a difusão térmica adjacente a
partir do volume primário aquecido1.
b) Com laser µP, com impulsos da ordem dos 100
microsegundos e tempos de arrefecimento longos1.
Com a MMG a lesão térmica uma vez que é tenuemente visível, já atinge as camadas externas da retina (foto-receptores) que irão sofrer um processo de reparação que
não é total54.
Naturalmente, se forem usados outros parâmetros laser
que provoquem um maior aumento da temperatura, poderemos provocar cicatrizes retinocoroideias com lesão dos
FR e retina interna. Neste caso teremos escotomas centrais
ou paracentrais com degradação progressiva da função visual, tanto mais que essas lesões tendem a aumentar com
o tempo e a aproximarem-se da fóvea 55.
b. Maior Densidade de Potência (padrão PRP) fora
da Área Macular –“Pontes O2 , Morte e Renovação
Celular.
Efectivamente, o laser fototérmico, se actuar com
maior densidade de potência, provoca lesão do EPR com
morte celular que se pode estender à coroideia e à retina
Laser Fototérmico e sua Interacção com a Retina Humana
interna. Se a duração do impulso for maior, irá existir difusão térmica adjacente ao volume primário aquecido pela
acção directa do laser, e será ainda maior a área da lesão
provocada pelo laser e também maior o volume do tecido
lesado5.
Neste caso, o tecido retiniano lesado e morto vai sofrer
renovação e remodelação tecidular. Não será só renovação
dos organelos celulares, como acontece na hipertermia. O
tecido retiniano sofrerá uma alteração na sua composição
celular, controlada pela expressão genética dos mediadores de inflamação, da vascularização e inibição de neovascularização, da reparação e crescimento celular, com
especial destaque para a proliferação das células gliais e
do EPR. Estas sofrem algum processo de metaplasia com
migração pigmentar. Os FR verão o seu número diminuído no local da cicatriz com consequente diminuição do
consumo de O2.
CONCLUSÃO
Após a teoria unitária do Oxigénio na retina de Stefánsson7 diríamos que existem, efectivamente, dois principais mecanismos de acção pela qual o laser actua da RD57:
1. A melhoria da oxigenação da retina quer por provável diminuição do consumo de O2 pelos FR lesados na
fotocoagulação quer por abertura de “pontes de oxigénio”
entre a coroideia e a retina interna . Convém lembrar que
a lesão dos FR só é significativa no caso de PRP, não nos
afigurando importante para a diminuição do consumo de
O2 no caso da grelha macular, dado que, na mácula, não é
objectivo do tratamento lesar os FR, mas somente o EPR.
Muito menos se farão “pontes de O2”. Quando muito lesamos os segmentos externos dos FR.
2. Modificação da expressão genética e produção de
mediadores da homeostase da vascularização e de permeabilidade vascular, nomeadamente, aumento PEDF
e diminuição do VEGF, directamente ou induzido pelo
PEDF, metaplasia ou hiperplasia das células da retina
(glia, CE, EPR), com remodelação dos tecidos retinianos
envolvidos no processo de cicatrização da lesão térmica.
Associamos o aumento da MMPs, e das HSPs, a estimulação da migração das stem cells para a retina e a renovação celular e reestruturação da microarquitectura com
determinado número de proteínas estruturais. Estas serão,
muito provavelmente, também responsáveis pelo efeito de
longo prazo do efeito terapêutico do laser.
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Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.
CONTACTO
[email protected]
Abreviaturas:
PEDF - Pigment Epithelium Derived Factor
PRP - fototerapia laser térmico da retina com padrão de
fotocoagulação panretinia dispersa
RD - Retinopatia Diabética
RDP - Retinopatia Diabética Proliferativa
EPR - Epitélio Pigmentado da Retina
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363
José Henriques, João Nascimento, Paulo Caldeira Rosa, Fernando Trancoso Vaz, Miguel Amaro
Cdo - comprimento de onda
CW - onda contínua
CRLR - Calcitonin Receptor-like Receptor
IL-1b- Interleucina 1 beta
FGF-1 - Fibroblast Growth Factor 1
PAI -2 - Plasminogen Activator inhibitor-2
MMP-2 - Metaloproteinase da membrane -2
TIMP-1 - Tecidual Inibitor Metalo Proteinase-1
FR- foto-receptores
364 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Oftalmologia - Vol. 36: pp.365-374
Artigo Original
Implante Intravítreo de Dexametasona:
Os Nossos Primeiros 100 Casos
Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
Centro Cirúrgico de Coimbra
Resumo
Introdução: Uma formulação de libertação prolongada de dexametasona intravítrea surgiu recentemente, com indicação no tratamento do edema macular associado a oclusões venosas, mas
cujo uso poderá ser generalizado a outras causas de inflamação e edema macular.
Objectivos: Analisar a eficácia e eventuais complicações do tratamento do edema macular de
diferentes etiologias com implante intravítreo de dexametasona.
Materiais e Métodos: Estudo retrospectivo envolvendo 100 olhos (90 doentes), com edema
macular associado a diversas patologias e submetidos a injecção intravítrea de implante de dexametasona (700 microgramas). Foram realizados diversos exames complementares (retinografia,
angiografia fluoresceínica, autofluorescência, microperimetria, OCT e Optomap). Avaliou-se a
duração de acção do implante entre doentes não vitrectomizados e vitrectomizados.
Resultados: Foram estudados 90 doentes (100 olhos) com idade média de 62,4 ±12,2 anos
(var.16-85). As patologias associadas foram oclusões venosas (18 olhos), retinopatia diabética
(24 olhos), cirurgia intraocular (33 olhos), traumatismo ocular (7 olhos), uveíte (9 olhos), efusão uveal (2 olhos) e outras patologias (7 olhos). O tempo médio de seguimento foi de 5,0±2,0
meses. Verificou-se uma redução significativa do edema em 93% dos casos, com efeito mantido
durante 3,7 meses. Registou-se uma hipertensão intraocular transitória em 22 olhos, medicamente controlada, e uma “migração” do implante para a câmara anterior em 3 olhos, que exigiu a sua
recolocação na cavidade vítrea.
Conclusões: O implante intravítreo de dexametasona pode acelerar a resolução do edema macular em diferentes patologias, com baixa incidência de efeitos secundários. Um tempo de seguimento superior será necessário para se comprovar a eficácia, duração de acção e segurança a
longo prazo.
Palavras-chave
Implante intravítreo, dexametasona, eficácia, complicações.
Introdução
A obtenção de doses terapêuticas eficazes de fármacos
no vítreo e na retina, através da via tópica ou sistémica, é difícil respectivamente pela baixa penetrabilidade intravítrea
dos colírios e pela alta selectividade da barreira hemato-retiniana. A administração de drogas por via subconjuntival,
peribulbar ou intravítrea permite alcançar concentrações intraoculares mais elevadas mas, geralmente, face à baixa semivida dos fármacos1, são necessárias múltiplas injecções,
com vários riscos associados. Têm sido desenvolvidos diversos sistemas de libertação prolongada, sob a forma de
implantes ou de “partículas” injectáveis intravítreos, para
o tratamento de diversas doenças do segmento posterior.
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365
Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
Alguns implantes não biodegradáveis estão já disponíveis
para aplicação clínica ou encontram-se em fase de investigação clínica avançada. São exemplos o Vitrasert® Implant
(Bausch&Lomb), implante de ganciclovir, para tratamento
de retinite por citomegalovirus, o Retisert® (Bausch&Lomb)
e o Iluvien® (Alimera Sciences, Inc.), ambos implantes de
acetonide fluocinolona, respectivamente para o tratamento
de uveítes não infecciosas e edema macular diabético, e o
NT-501 (Neurotech’s), polímero com células epiteliais retinianas modificadas para segregar factor neurotrófico ciliar,
para uso na degenerescência macular da idade (não exsudativa), e na retinopatia pigmentar.
Recentemente surgiu um dispositivo de libertação prolongada de dexametasona, o Ozurdex® (Allergan, Irvine,
CA, USA), sob a forma de implante biodegradável. Este
implante é constituído por um copolímero de ácido láctico
e ácido glicólico (PLGA), que forma a estrutura da matrix
(Novadur® , Allergan Inc) e no qual se encontra dispersa
dexametasona sem conservantes. O polímero de PLGA é
conhecido há vários anos e tem sido usado na preparação
de nanopolímeros e micropartículas para distribuição de
fármacos. Estes sistemas de libertação foram já testados em
modelos animais e humanos2-6. A difusão de 700µg de dexametasona ocorre de modo bifásico neste dispositivo. O pico
de concentração no vítreo e retina é geralmente atingido aos
2 meses, seguido de um declínio rápido na concentração
até aos 3 meses e, posteriormente, verifica-se um segundo
“steady-state” até aos 6 meses, em olhos não vitrectomizados7. Os polímeros usados são biocompatíveis, sendo metabolizados em dióxido de carbono e água, pelo que não é
necessária a remoção cirúrgica do implante1,8. Nos estudos
preliminares o dispositivo era injectado na cavidade vítrea
através de uma incisão escleral via pars plana9,10. Posteriormente, foi desenvolvido um aplicador de modo a permitir a
injecção do implante via pars plana através de uma agulha
22G, sem necessidade de sutura11. Este novo sistema de libertação prolongada de corticóide tem um papel potencial
no tratamento de doenças do segmento posterior, particularmente de situações em que a triamcinolona já tenha demonstrado eficácia. A sua aplicação clínica foi já aprovada
pela FDA no tratamento do edema macular associado a
oclusões venosas centrais ou de ramo (CRVO e BRVO)11
e em uveítes intermédias e posteriores não infecciosas12.
No entanto, a sua utilização poderá ser generalizada a outras causas de inflamação e edema macular.
Objectivos
Analisar a eficácia do tratamento do edema macular de
366 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
diferentes etiologias com o implante intravítreo de dexametasona e descrever eventuais complicações associadas ao
uso deste dispositivo.
Materiais e Métodos
Estudo retrospectivo aberto, unicêntrico, realizado entre
Janeiro e Agosto de 2011, no Centro Cirúrgico de Coimbra,
e que envolveu 100 olhos de 90 doentes com diagnóstico de
edema macular associado a múltiplas patologias e submetidos a injecção intravítrea de implante de dexametasona.
Os doentes foram informados do uso “off-label” deste
dispositivo (nomeadamente nos casos em que o edema macular não estava associado a oclusões venosas ou uveítes,
indicações actualmente aprovadas pelo FDA e EMEA) e
esclarecidos quanto às vantagens possíveis da sua utilização. Todos doentes assinaram o consentimento informado.
Todos doentes foram submetidos a um exame oftalmológico completo e realizaram exames complementares
de diagnóstico: retinografia (Topcon TRC 50 IX, Japão e
Optomap, Optos, Escócia), angiografia fluoresceínica autofluorescência e tomografia de coerência óptica – OCT
(Spectralis, Heidelberg Engineering, Alemanha), e microperimetria (SLO Rodenstock, Alemanha), antes e após
injecção do implante de dexametasona, para estudo e documentação da evolução do edema macular. As avaliações
foram realizadas antes da injecção do implante, 1 semana
após a injecção e depois mensalmente até aos 6 meses.
Os parâmetro de avaliação primários foram a espessura
média da retina na área macular (avaliada pelo OCT) e a
melhor acuidade visual corrigida (MAVC), sendo a avaliação do edema angiográfico e restantes exames considerados parâmetros secundários. Foram também analisadas as
complicações decorrentes do uso do implante, bem como
os tratamentos que estas implicaram.
Os doentes foram distribuídos por grupos de acordo com
as causas do edema macular (oclusões venosas, retinopatia
diabética, cirurgia intraocular, traumatismo ocular, uveítes,
efusão uveal associada a hipermetropia, e outras causas).
Foram igualmente avaliados os resultados em doentes vitrectomizados e não vitrectomizados.
Resultados
Foram estudados 100 olhos (90 doentes) com edema
macular de diferentes etiologias, e submetidos a injecção intravítrea de implante de dexametasona. Os doentes
apresentavam uma média de idades de 62,4 ±12,2 anos
Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos
(variando entre 16 e 85), dos quais 60 (66,7%) eram do sexo
masculino e 30 (33,3%) do sexo feminino. O tempo médio
de seguimento dos doentes foi de 5,0±2,0 meses (variando
entre 2 e 8 meses).
As patologias associadas ao edema macular foram as
oclusões venosas (centrais e de ramo) em 18 olhos, a retinopatia diabética em 24 olhos, a cirurgia intraocular (cirurgia
de catarata em 5, cirurgia de membrana epirretiniana em 15,
cirurgia a descolamento da retina em 12 e buraco macular
em 1) em 33 olhos, os traumatismos ocular em 7 olhos (2
dos quais com hipotonia), a uveíte posterior em 9 olhos, a
efusão uveal em 2 olhos, e outras patologias em 7 olhos
(schisis miópica com membrana epirretiniana em 3, DMI
em 2, edema macular idiopático em 1 e após queratoprótese
em 1). É de referir apenas que, no caso do buraco macular
inserido no grupo da cirurgia intraocular, o doente apresentava buraco macular e MER. Após a cirurgia o buraco
fechou, mas desenvolveu edema macular cistóide que motivou a injecção do implante de dexametasona. Dos olhos
estudados, 60 eram vitrectomizados (60%). A distribuição
das patologias associadas ao edema macular encontram-se
expressas no Quadro I.
Nos 100 casos, verificou-se uma redução significativa
do edema macular em 93 casos (93%), comprovada pela
angiografia fluoresceínica e objectivada pela redução da
espessura média da fóvea no OCT (Fig.1). Observaram-se
algumas diferenças na redução da espessura média da fóvea
entre olhos vitrectomizados e não vitrectomizados (Fig. 2).
A espessura média da fóvea, antes da injecção, era de
563,7 µm e de 414,5 µm, uma semana após (Quadro II).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura da
retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 3,7 meses (entre 2-4 meses), variando de acordo com as patologias
Fig. 1 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em todos os casos.
Fig. 2 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do
implante de dexametasona, em todos os casos (vitrectomizados e não vitrectomizados).
Quadro I | Patologias associadas ao edema macular (n=100 olhos).
Patologias
n/%
n (%) de olhos vitrectomizados
Oclusões venosas
18
6 (33,3%)
Retinopatia diabética
24
9 (37,5%)
Cirurgia intraocular
33
30 (90,9%)
Catarata (n=5); membrana epirretiniana (n=15);
descolamento da retina (n=12); buraco macular e
MER (n=1).
Traumatismo ocular
7
6 (85,7%)
Hipotonia ocular (n=2)
Uveíte
9
4 (44,4%)
Efusão uveal
2
0
Outras causas
7
5 (71,4%)
Veia central da retina (n=5); ramo venoso (n=13)
Schisis miópica associada a miopia (n=3); DMI
(n=2); Queratoprótese de Boston (n=1); edema macular idiopático (n=1)
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Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
Quadro II | Espessura média na mácula (µm) avaliada pelo OCT (n=100 olhos)
Pré
8 dias
1 Mês
2M
3M
4M
Oclusões venosas
499,2
(±202,3)
317,6
(±146,9)
273,9
(±106,5)
298,4
(±121,7)
336,3
(±133,1)
632,8
(±107,8)
Retinop. diabética
526,7
(±199,4)
310,8
(±107,4)
288,7
(±97,7)
264,1
(±61,2)
304,4
(±82,9)
612,5
(±78,5)
Cirurgia intraocular
419,6
(±139,9)
321,3
(±90,2)
309,7
(±110,5)
285,3
(±75,2)
295,5
(±101,4)
407,1
(±168,2)
Traumatismo ocular
448,4
(±221,7)
375,4
(±253,5)
352,0
(±303,0)
280,4
(±66,9)
373,7
(±203,6
-
Uveíte
449,0
(±330,4)
192,8
(±57,5)
191,0
(±44,5)
180,4
(±17,8)
176,3
(±17,8)
181,0
(±22,6)
Efusão uveal
602,0
(±357,8)
696,0
(±260,2)
376,0
(±55,2)
412,0
287,0
-
Outras causas
430,125
(±174,4)
274,857
(±137,4)
305,0
(±189,7)
262,5
(±91,2)
404,5
(±23,3)
-
associadas ao edema macular. Não se verificou uma redução
aparente do edema macular em 7 casos (7%): 1 caso com
retinopatia diabética, 2 casos de hipotonia ocular, 1 caso com
schisis miópica associado a membrana epirretiniana, 1 doente operado a MER, outro submetido a cirurgia de catarata e
finalmente 1 operado a descolamento de retina.
Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria dos
olhos (91%), variando substancialmente com a patologia
associada. Não se verificou melhoria da MAVC em 9 olhos
(9%):4 casos com oclusões venosas, 1 caso de retinopatia diabética, 1 caso de hipotonia ocular, 1 caso de uveíte
posterior e 2 casos submetidos a cirurgia de membrana epirretiniana. No entanto, observou-se melhoria do edema macular na angiografia e no OCT nestes doentes.
Fig. 3 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante, em casos de oclusão da veia central da retina, vitrectomizados (n=3) e não vitrectomizados, (n=2).
Fig. 4 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante, em casos de oclusão de ramo venoso retiniano,
vitrectomizados (n=3) e não vitrectomizados (n=10).
368 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Oclusões venosas
Neste grupo de doentes foram incluídos 5 casos de oclusão da veia central da retina e 13 de oclusão de ramo venoso
retiniano. Observou-se uma redução significativa do edema
macular em todos os casos, comprovado pela angiografia
fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média da fóvea no OCT (Fig. 3 e 4).
Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura da fóvea (considerado duração do efeito terapêutico) de
cerca de 2 a 3 meses. Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria dos olhos (78%). Não se verificou melhoria
da MAVC em 4 olhos (22%) apesar de se ter observado
melhoria do edema macular na angiografia e no OCT.
Retinopatia diabética
Neste grupo de doentes foram incluídos 24 casos e
observou-se uma redução significativa do edema macular
em 23 casos (95,8%), comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média da
fóvea no OCT (Fig. 5).
Fig. 6 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de edema macular
após cirurgia intraocular, vitrectomizados (n=30) e não
vitrectomizados (n=3).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de
cerca de 3 meses. Uma melhoria da MAVC foi observada
na maioria dos olhos (93,9%),. Não se verificou melhoria
da MAVC em 2 olhos operados a membrana epirretiniana
(6,1%), apesar de se ter observado melhoria do edema macular na angiografia e no OCT.
Fig. 5 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de retinopatia diabética , vitrectomizados (n=9) e não vitrectomizados (n=15).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura
da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 2
meses nos doentes não vitrectomizados e de 3 meses nos
vitrectomizados. Uma melhoria da MAVC foi observada na
maioria dos olhos (95,8%). Não se verificou melhoria da
MAVC em 1 olho (4,2%) apesar de se ter observado melhoria do edema macular na angiografia e no OCT.
Cirurgia intraocular
Neste grupo de doentes foram incluídos 33 casos: 5 casos de cirurgia catarata, 15 de cirurgia de membrana epirretiniana, 12 casos de descolamento da retina e 1 caso de
buraco macular e MER. Observou-se uma redução significativa do edema macular em 30 casos (90,9%), comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média da retina no OCT (Fig.6).
Traumatismo ocular
Neste grupo de doentes foram incluídos 7 casos, dos
quais resultaram 2 casos de hipotonia ocular. Observou-se
uma redução significativa do edema macular em 5 casos
(71,4%), comprovado pela angiografia fluoresceínica e
objectivado pela redução da espessura média da retina no
OCT (Fig.7).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura
da retina (considerado duração do efeito terapêutico) durante 1 mês nos doentes não vitrectomizados e pelo menos
3 meses nos vitrectomizados. Uma melhoria da MAVC foi
observada na maioria dos olhos (85,7%). Não se verificou
melhoria da MAVC em 1 olho (14,2%) apesar de se ter
observado melhoria do edema macular na angiografia e no
OCT.
Uveítes
Neste grupo de doentes foram incluídos 9 casos de uveítes posteriores de causa não infecciosa. Observou-se uma
redução significativa do edema macular em todos os casos,
comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado
pela redução da espessura média da retina no OCT (Fig.8).
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Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
edema macular nos 2 olhos em períodos diferentes comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela
redução da espessura média da retina no OCT (Fig.9), mas
com evolução bastante variável. Previamente ao implante,
o olho esquerdo deste doente (Nº2, Fig.9) foi submetido a
cirurgia escleral para descompressão das veias vorticosas,
sem sucesso. Só após a injecção de dexametasona se verificou uma redução significativa do edema.
Fig. 7 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de edema macular
após traumatismos oculares, vitrectomizados (n=6) e não
vitrectomizados (n=1).
Fig. 9 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de edema macular associado a efusão uveal, não vitrectomizados (n=2).
Fig. 8 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de edema macular
associados a uveíte, vitrectomizados (n=4) e não vitrectomizados (n=5).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura
da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de 4
meses. Uma melhoria da MAVC foi observada na maioria
dos olhos (88,9%). Não se verificou melhoria da MAVC
em 1 olho (11,1%) apesar de se ter observado melhoria do
edema macular na angiografia e no OCT.
Efusão uveal
Neste grupo foram incluídos 2 olhos com efusão uveal
de 1 doente. Observou-se uma redução significativa do
370
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Outras causas
Neste grupo de doentes foram incluídos 7 casos: 3 de
schisis miópica associada a MER, 2 de DMI, 1 de edema macular idiopático e 1 com queratoprótese de Boston.
Os casos com schisis associada a MER foram separados dos
outros casos de cirurgia ocular por se tratarem de situações
mais raras. A cirurgia destes doentes consistiu na extracção
da MER, máculorrexis da MLI e injecção do implante de
dexametasona, com melhoria significativa da schisis.
Observou-se uma redução significativa do edema macular em 6 casos (85,7%), comprovado pela angiografia fluoresceínica e objectivado pela redução da espessura média
da retina no OCT (Fig.10).
Observou-se um efeito mantido de redução da espessura da retina (considerado duração do efeito terapêutico) de
pelo menos 1 mês nos olhos vitrectomizados. Uma melhoria da MAVC foi observada em todos dos olhos.
Evolução e Complicações
Em 3 doentes (3%) houve necessidade de recorrer a outros tratamentos por perda da eficácia terapêutica do implante de dexametasona, tendo sido administrado triamcinolona
por via subtenoniana ou intravítrea. A partir do momento
Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos
estimado em função da espessura média da área macular no
OCT e da angiografia fluoresceínica.
Relativamente a complicações decorrentes do uso do
implante, verificou-se uma hipertensão intraocular transitória (considerando hipertensão valores de pressão intraoculares superiores a 22 mmHg) em 22 olhos, controlada
medicamente em todos. Observou-se, ainda, a passagem do
implante para a câmara anterior em 3 olhos (2 dos quais
com edema corneano), que exigiram a sua recolocação na
cavidade vítrea (Fig.11).
Fig. 10 | Espessura média da fóvea antes e após injecção do implante de dexametasona, em casos de edema macular
associado a outras causas, vitrectomizados (n=5) e não
vitrectomizados (n=2).
em que estes doentes foram injectados com o fármaco referido foram excluídos dos cálculos estatísticos. Foi realizado um segundo implante de dexametasona em 3 doentes
(1 caso de oclusão venosa de ramo, 1 caso de uveíte posterior e 1 caso após cirurgia de descolamento de retina) por
agravamento significativo do edema macular aos 4 meses
(entre os 3 e os 5 meses)
O tempo médio de duração da eficácia terapêutica do
implante de dexametasona foi de 3 meses (Quadro III),
Quadro III | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses)
Olhos não
vitrectomizados
Olhos
vitrectomizados
Oclusão VCR
3m
2m
Oclusão de ramo
da VCR
3m
3m
Retinopatia
diabética
2m
>3 m
Cirurgia
intraocular
3m
3m
Traumatismo
ocular
1m
>3 m
Uveíte
4m
>4 m
-
>1 m
Patologias
Outras causas
Fig. 11 | Passagem do implante de dexametasona para a câmara anterior em 2 casos clínicos de traumatismo ocular.
a) O implante passou através da ruptura da zónula e
do esfíncter da íris, com descompensação corneana B)
Fragmento de implante na câmara anterior com descompensação corneana marcada em doente pseudofáquica.
Discussão
O uso de corticosteróides em oftalmologia teve início
na década de 5013-14 e tornou-se uma opção terapêutica
muito atractiva face às suas propriedades anti-inflamatórias e anti-angiogénicas. O entusiasmo inicial do seu uso
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Isabel Pires, António Travassos, Rui Proença
generalizado deu lugar a uma apreciação mais criteriosa das
principais indicações terapêuticas15, especialmente após conhecimento dos efeitos secundários locais e sistémicos que
advieram do seu uso prolongado e da sua acção limitada
na causa responsável pela inflamação, principalmente em
situações crónicas13.
Uma das indicações para o uso deste grupo de fármacos é o tratamento do edema macular que, quando crónico,
pode ser de difícil resolução. A necessidade de obtenção de
doses terapêuticas eficazes no segmento posterior, com um
mínimo de efeitos sistémicos, tem sido uma preocupação
constante na utilização de corticóides. A injecção intravítrea
destes agentes farmacológico, nomeadamente de triamcinolona acetonide, permitiu atingir estes objectivos. Esta droga
foi proposta para o tratamento da vitreorretinopatia proliferativa16-17, mas a sua eficácia tem sido comprovada em diferentes entidades patológicas associadas a neovascularização, inflamação e edema, como o edema macular diabético,
o glaucoma neovascular, a hipotonia, a neovascularização
coroideia, as uveítes, as oclusões venosas e a inflamação residual associada a endoftalmite, a síndroma de Irvine-Gass,
ou como terapia adjuvante de DMI exsudativa1,8.
Apesar de existirem múltiplas publicações descrevendo
os resultados da sua utilização oftalmológica nos últimos
40 anos, continua a não existir uma formulação ocular de
triamcinolona, o que torna o seu uso “off-label”, com as
implicações técnicas e legais inerentes. Deste modo, torna-se necessário manipular o fármaco, não sendo conhecida
nem a dose nem o esquema de reinjecção apropriado. Além
disso, a própria administração de uma suspensão torna a dosagem do fármaco pouco precisa18, podendo a mesma variar
significativamente (um estudo da dose real do fármaco intravítreo injectado demonstrou que a administração de 0,1
ml de triamcinolona a 40 mg/dl, pode variar de 1,4 mg a
12,9 mg de fármaco19).
No caso de algumas formulações de triamcinolona,
como é o caso do Kenalog® (Bristol-Myers Squibb), a presença de cristais insolúveis, úteis no “atraso” da sua eliminação ocular, pode causar uma visão turva (se ficarem suspensos no vítreo e em frente ao eixo visual) e podem ainda
tornar difícil o diagnóstico diferencial com endoftalmite, se
originarem um pseudo-hipópion8. Os efeitos secundários
mais comuns descritos com a utilização intravítrea deste
fármaco foi o aumento da pressão intraocular e o aparecimento precoce de catarata20,21.
O desenvolvimento recente de um implante intravítreo
de libertação prolongada de dexametasona parece trazer
várias vantagens comparativamente à triamcinolona. A
formulação ocular dispensa o manuseamento do fármaco
e permite administrar uma dose intravítrea mais rigorosa.
372
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
A forma sólida do dispositivo não turva a visão, e o facto
de ser de libertação prolongada permite uma distribuição
ocular mais controlada do fármaco. Além disso, o facto da
dexametasona ser cinco vezes mais potente22 e mais hidrofílica que a triamcinolona acetonide, permite atingir maiores
concentrações intravítreas23, com uma redução do número
necessário de administrações e, consequentemente, um risco potencial mais baixo de efeitos secundários.
Este dispositivo foi aprovado pela FDA no tratamento
do edema macular associado às oclusões venosas centrais e
de ramo e, ainda, nas uveítes não-infecciosas.
Os estudos clínicos, realizados no edema macular associado às CVRO e BRVO, revelaram que a administração de
dexametasona (nas dosagens de 350 µg ou de 700 µg) melhorou a AV em 3 linhas em 29% dos olhos, até ao dia 60,
comparativamente aos 11% do grupo controlo. Esta diferença persistiu, pelo menos, até ao dia 90. Ao dia 180, 41%
dos olhos injectados com o implante de 700 µg atingiu, pelo
menos, um ganho de 3 linhas vs. 29% dos olhos do grupo
controlo. Também se verificou um aumento duplo do risco
de perda de AV>15 letras nos doentes do grupo controlo,
comparativamente aos doentes injectados com 700 µg de
dexametasona. Esse risco persistiu aos 12 meses, mesmo
após o grupo controlo ter sido injectado com o implante de
700 µg aos 6 meses. 21% dos doentes com oclusão venosa
de ramo e 17% com oclusão venosa central seguidos durante 1 ano necessitaram de apenas 1 tratamento8,11.
A eficácia do implante de dexametasona foi igualmente
avaliada no tratamento do edema macular diabético (EMD)
persistente (com duração superior a 90 dias) num trabalho
recente6. Neste estudo, um terço dos doentes tratados com
o implante de 700 µg de dexametasona melhoraram 10 ou
mais letras ETDRS, comparativamente aos 12,3% do grupo
sem terapêutica instituída. Verificou-se, ainda, uma melhoria significativa na redução do derrame angiográfico e na
redução da espessura da retina no OCT. No entanto, a diferença descrita entre os grupos não foi mantida até aos 3 meses (30% vs 23%), tal como se pode constatar neste estudo.
No que diz respeito ao edema macular associado a uveítes ou após cirurgia de catarata (síndroma de Irvine-Gass),
também um estudo recentemente publicado10 revelou um
ganho superior a 15 letras ETDRS em 53,8% dos doentes
tratados com 700 µg de dexametasona, comparativamente
aos 7,1% dos olhos do grupo controlo. A redução do derrame angiográfico também foi estudada observando-se que
58% dos olhos do grupo tratado melhoraram dois ou mais
níveis comparativamente aos 8% do grupo controlo.
Outro estudo que avaliou o uso do implante de dexametasona em uveítis intermédias e posteriores não infecciosas24, demonstrou que 33% dos olhos do grupo tratado com
Implante Intravítreo de Dexametasona: Os Nossos primeiros 100 casos
o implante de 700 µg de dexametasona melhorou 3 linhas
de letras ETDRS nas primeiras 3 semanas após injecção e
uma resolução do haze às 6 semanas em 90% dos grupos
tratados (350 µg e 700 µg de dexametasona) comparativamente aos não tratados. Relativamente aos olhos com EM
associado a uveítes ou a cirurgia de catarata, neste estudo,
observou-se igualmente uma melhoria significativa do edema, mas de duração inferior à esperada.
O uso do implante de dexametasona no edema macular
associado a outras cirurgias oculares, como a cirurgia de
descolamento de retina ou a extracção de membranas epirretinianas, foi também avaliado neste estudo, observando-se uma melhoria significativa e rápida do EM. No entanto,
a duração da eficácia terapêutica foi menos duradoura do
que o esperado. Para além do estudo da evolução do edema, será também relevante o facto do fármaco sofrer alterações farmacocinéticas nos olhos vitrectomizados, com uma
eliminação mais rápida do fármaco e, consequentemente,
uma redução do seu tempo de semi-vida. Este conceito foi
reforçado pelo estudo CHAMPLAIN25. Este estudo consistiu na avaliação da redução do edema em doentes vitrectomizados, com edema macular diabético, injectados com
dexametasona, com aparente pico de eficácia entre as 8 e as
13 semanas após injecção. No presente estudo a redução do
edema macular diabético parece ser relativamente rápida,
mas com uma perda de eficácia terapêutica nítida cerca das
12 semanas.
Relativamente às complicações decorrentes do uso do
implante de dexametasona, estas parecem ser relativamente raras. Neste estudo verificou-se hipertensão intraocular
transitória (valor considerado foi uma pressão intraocular
superior a 22 mmHg) em 22 olhos, mas controlada medicamente em todos. A passagem do implante para a câmara
anterior em 3 casos foi outra das complicações observadas.
Dois casos desenvolveram edema corneano, o que exigiu
a recolocação do implante na cavidade vítrea. O edema
corneano resolveu-se em todos os casos, sem sequelas aparentes. No entanto, um trabalho recente26 relatou um caso
clinico da migração de um implante de dexametasona para
o segmento anterior, numa doente de 68 anos, com descompensação endotelial difusa e que não resolveu após remoção
cirúrgica do implante. A doente necessitou de ser submetida a um transplante de córnea.
Conclusões
Apesar dos bons resultados preliminares na redução do
edema macular em diferentes patologias, é fundamental
um maior número de doentes e um tempo de seguimento
superior para que se confirmem as vantagens na utilização
deste implante. É igualmente necessário que se avaliem os
efeitos secundários decorrentes do seu uso a longo prazo.
Apesar da sua relativa rapidez de actuação e eficácia, os
resultados deste estudo apontam para uma duração de acção
mais curta do que o esperado.
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Aug 2011.
Prémio MSDChibret SPO 2011 exequo
Nenhum dos Autores tem interesses comerciais nos medicamentos discutidos neste artigo.
CONTACTO
Ana Travassos
Centro Cirúrgico de Coimbra
Coimbra, Portugal
936367170
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.377-386
Artigo Original
Phenotypical and Genetic Analysis of 12
Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
Inês R Gante2,3, Mariana Almeida1,3, Miguel Ribeiro1, Dalila Salomé Coelho1,
Lígia Gomes Cardoso1, Eduardo D. Silva1,2
1
Centro de Responsabilidade de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra
2
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
3
The authors contributed equally to this paper (first authorship)
Abstract
Introduction: Congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM) describes a group of
rare congenital non-progressive, restrictive ophthalmoplegia of the extraocular muscles with or
without ptosis. They are associated with abnormal development of all or part of the oculomotor
(III) and the trochlear (IV) nerves and resultant aberrant innervations of extraocular muscles and/
or levator.
Objective: To perform a complete phenotypical characterization of twelve affected Portuguese individual, a genetic evaluation searching for the “hotspot” CFEOM mutations in KIF21A
by direct sequencing (in nine patients of six independent families) and to establish a potential
genotype-phenotype correlations.
Methods: Clinical evaluation and mutation analyses of the KIF21A gene in twelve Portuguese
patients with CFEOM.
Results: Congenital fibrosis of the extraocular muscles was demonstrated in all cases. We identified ten patients with CFEOM type 1 and two patients with probable CFEOM type 3. All
patients have bilateral ptosis with a compensatory chin up head posture, 92% have amblyopia,
42% neural misdirection, 42% have associated systemic features (such as intellectual development delay in 25% and polydactyly in 8,3%). Most patients have ophthalmoplegia with the eyes
fixed in infraducted position (with the inability to elevate the eyes above the vertical midline),
horizontal strabismus with variable exotropia and jerky eye movements. Mutational analysis
results are pending.
Conclusions: We characterize, from a clinical and genetic standpoint, the first group of portuguese families with CFEOM. In-depth knowledge of this group of conditions is invaluable for
appropriate treatment and counseling of these patients.
Key-words
CFEOM, extraocular muscles, KIF21A gene, oculomotor nerve, ophthalmoplegia, ptosis, strabismus, trochlear nerve.
Resumo
Introdução: Fibrose congénita dos músculos extra-oculares (FCMEO) constitui um grupo raro
de patologias caracterizadas por oftalmoplegia congénita, não progressiva e restritiva dos músculos extra-oculares, com ou sem ptose palpebral. FCMEO está associada a desenvolvimento
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva
anormal da totalidade ou parte dos nervos óculo-motor (III) e troclear (IV) e da consequente
inervação aberrante dos músculos extra-oculares e/ou músculo elevador palpebral.
Objectivos: Realizar uma completa caracterização fenotípica de doze doentes Portugueses,
realizar um estudo genético para os “hotspot” das mutações da FCMEO no gene KIF21A por
sequenciação directa (em nove doentes de seis famílias independentes) e estabelecer potenciais
correlações genótipo-fenótipo.
Métodos: Avaliação clínica e análise mutacional do gene KIF21A em doze doentes portugueses
com FCMEO.
Resultados: Fibrose congénita dos músculos extra-oculares foi demonstrada em todos os casos. Identificamos dez doentes com FCMEO do tipo 1 e dois doentes com provável FCMEO
do tipo 3. Todos os doentes têm ptose bilateral com posição anómala da cabeça compensatória
com o queixo levantado, 92% têm ambliopia, 42% têm inervação aberrante, 42% têm patologias
sistémicas associadas (tais como atraso mental em 25% e polidactilia em 8,3%). A maioria dos
doentes avaliados apresentam oftalmoplegia com os olhos fixos em infradução (sendo incapazes
de elevar os olhos acima da linha média vertical), estrabismo horizontal com exotropia variável
e movimentos oculares bruscos. Os resultados da análise mutacional estão pendentes.
Conclusão: Caracterizamos, de um ponto de vista clínico e genético, o primeiro grupo de famílias portuguesas com FCMEO. Um conhecimento profundo deste grupo de patologias é inestimável para o adequado tratamento e aconselhamento destes doentes.
Introduction
Congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM)
is a rare congenital incomitant strabismus syndrome that is
included in the congenital cranial dysinnervation disorders
(CCDDs).
CCDDs are due to developmental abnormalities of the
cranial nerves and its nuclei. They are characterized by abnormal eye, eyelid, and/or facial movement and includes
CFEOM, Duane retraction syndrome, congenital ptosis,
horizontal gaze palsy with progressive scoliosis, Möebius
syndrome [Gutowski, 2003] and synergistic divergence2.
CFEOM includes four strabismus syndromes: Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles 1 (CFEOM
1), Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles 2
(CFEOM2), Congenital Fibrosis of the Extraocular Muscles 3 (CFEOM3) and Tukel Syndrome [Doherty et al 1999,
Nakano et al 2001, Yamada et al 2003, Aubourg et al 2005,
Tukel et al 2005].
Overall, CFEOM is characterized by congenital non-progressive, restrictive ophthalmoplegia of the extraocular
muscles with or without blepharoptosis [8. Andrews et al
2006]. In general, affected individuals have severe limitation of vertical gaze and variable limitation of horizontal
gaze. Individuals with CFEOM frequently compensate
for the ophthalmoplegia by maintaining abnormal head
378
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
positions and by moving their heads rather than their eyes
to track objects. [8. Andrews 2006].
CFEOM affects part or all of the oculomotor nucleus
and nerve (cranial nerve III) and its innervated muscles (superior, medial and inferior recti, inferior oblique and levator
palpabrae superioris) and/or the trochlear nucleus and nerve
(cranial nerve IV) and its innervated muscle (superior oblique). Magnetic resonance imaging suggests that the abducens nerve and innervated muscle (the lateral rectus) may
also be affected, as well as the optic nerve [Demer et al
2005]. Neuropathology, neuroimaging and genetic studies
nowadays have clarified that myopathic changes are secondary to aberrant innervation of the extraocular muscles. (10.
Engle 2006) Usually, CFEOM patients show normal cognitive and physical development; However, there are many
cases with delayed psycho-motor development and central
nervous system malformations [11. Moguel-Ancheita, 12.
Pieh et al 2003, 13.Harissi-Dagher et al 2004].
CFEOM1 is the “classic” and most common form of
CFEOM. It’s characterized by bilateral ptosis and ophthalmoplegia with the eyes fixed in an infraducted position and
with the inability to elevate the eyes above the horizontal
midline. [14. [Engle et al., 1997] Patients characteristically
assume a compensatory “chin up” head posture. (15. Heidary 2008). There is a heterogeneous involvement of the
horizontal extraocular muscles (16. (Reck et al., 1998)] and
Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
horizontal strabismus may be present with an increased incidence of exotropia [17-19 (Apt and Axelrod, 1978; Harley et al., 1978; Crawford, 1970). Strabismic and deprivational amblyopia are frequent consequences. [[17-19 (Apt
and Axelrod, 1978; Harley et al., 1978; Crawford, 1970)].
Aberrant eye movements are common (especially both eyes
turning inward on attempted upgaze and synkinetic eye
movements including synergistic divergence). [16. (Reck et
al., 1998)], 18. Harley, 19. Crawford, 20. Brodsky]. Marcus Gunn jaw-winking have been observed (21. Yamada et
al., 2005; 22. Yazdani and Traboulsi, 2004; 20. Brodsky,
1998; 18. Harley et al., 1978). Forced duction test is positive for restriction. Autopsy and MRI demonstrated: absent
or severely hypoplastic superior division of the oculomotor nerve; abnormality of the caudal alpha motor neurons
of the oculomotor nucleus; hypoplasia of the oculomotor
nerve as it exited in the brain stem and replacement of the
normal superior rectus muscle and levator palpebrae superioris with atrophic, fibrotic tissue. [14. Engle et al, 1997,
9. Demer et al. 2005] There are absent or hypoplastic motor
nerves to all of the extraocular muscles, further supporting
aberrant innervations as an underlying pathological process
in CFEOM (. [14. Engle et al, 1997, 9. Demer et al. 2005,
15. Heidary 2008]
CFEOM1 is inherited in an autosomal dominant manner with complete penetrance. A patient with CFEOM1
may have inherited the disease-causing mutation or have
a de novo gene mutation. The gene is on FEOM1 locus on
chromosome 12cen [23. Engle et al, 1994]. KIF21A mutations are associated with most familial cases of CFEOM1
that map to FEOM1 locus and with most simplex cases of
CFEOM1. (24. Yamada et al. 2003;25. Tiab et al 2004, 26.
Traboulsi & Engle 2004, 27. Lin et al 2005, 28. Shimizu
et al 2005, 21. Yamada et al 2005].] Direct sequencing of
exons 8, 20, and 21 of the KIF21A gene, which contain
all mutations identified to date, detects missense mutations
in 97% of individuals with the CFEOM1 phenotype. [8.
Andrews 2006] The KIF21A gene encodes a kinesin microtubule-associated motor protein that is associated with
anterograde organelle transport in neuronal cells. (29. Marszalek et al., 1999). Seven different heterozygous missense
mutations in three of the 38 exons of KIF21A have been
identified in individuals with CFEOM1. [23. Yamada et al
2003, Ali et al 2004, 25. Tiab et al 2004,27. Lin et al 2005,
28. Shimizu et al 2005] Mutations may affect structural
morphology of the protein, thereby limiting its function [10.
Engle,2006) It is suggested that KIF21A protein in humans
is essential for delivery of cargo necessary for oculomotor
axonal, extraocular muscle or neuromuscular junction development [24.Yamada et al 2003].
CFEOM2 is characterized by congenital non-progressive bilateral ptosis (of variable severity) and a partially or
completely fixed large angle exotropia (rarely fixed in an orthotropic position). Vertical and horizontal eye movements
are severely restricted. Patients characteristically undertake
compensatory strategies such as a “chin up” posture or manual lid elevation to fixate on objects. There is phenotypic
heterogeneity about the vertical misalignment (30. Bosley et
al 2006). Several patients had anomalous eye movements,
such as mild vertical movements of an eye during abduction,
convergence or blinking; abduction of an eye on attempted
down gaze; and globe retraction. (30. Bosley et al 2006). Often, pupils are small and pupillary light and near reflexes are
not presents; however, pupils are reactive to topical pharmacological stimulation (30. Bosley et al 2006, 31. Yazdani et
al 2003 ; 32. Wang 1998 ). Amblyopia from both deprivation
and strabismus are features of this disease. (31. Yazdani et
al 2003). Forced ductions test is positive for restriction. Autopsy, surgery and MRI demonstrated: anatomically absent
cranial nerves III and IV; extraocular muscles innervated
by both cranial nerve III (i.e. levator palpebrae superioris,
superior rectus, inferior rectus, medial rectus, inferior oblique) and cranial nerve IV (superior oblique) were atrophic,
tight and thin or absent (30. Bosley et al 2006). Associated
systemic abnormalities have not been reported in genetically
defined CFEOM2 patients. (30. Bosley et al 2006).
CFEOM2 is inherited in an autosomal recessive manner
with complete penetrance. CFEOM2 has been found, to date,
only in consanguineous pedigrees (1. Gutowksi et al., 2003).
The gene for CFEOM has been mapped to the FEOM2 locus
on chromosome 11q13 (32. Wang 1998). PHOX2A (ARIX)
is the only gene known to be associated with the CFEOM2
phenotype [4. Nakano et al 2001]. To date, four homozygous
mutations have been identified: two splice site mutations,
one missense mutation, and one nonsense mutation [4. Nakano et al 2001, 31. Yazdani et al 2003]. CFEOM2-causing
mutations in PHOX2A all likely result in complete loss of
function of paired mesoderm homeobox protein 2A. There
is no correlation between specific PHOX2A mutations and
the CFEOM2 phenotoype. [4. Nakano et al 2001,30. Bosley
et al 2006]. PHOX2A is a homeodomain transcription factor protein that plays a primary role in the oculomotor and
trochlear alpha motor neuron development (in mice and zebrafish) and is involved in the determination of the noradrenergic neuronal phenotype. [33. Pattyn et al 1997, 34. Guo et
al 1999]. The findings from animal models provide support
that CFEOM2 results from aberrant development of the oculomotor and trochlear alpha motor nuclei and absent innervation of the extraocular muscles by cranial nerves III and IV.
[4. Nakano et al 2001, 15. G. Heidary et al., 2008]
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379
Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva
CFEOM3 is characterized by a variable phenotypic presentation in which the individual does not meet the clinical
criteria for classic CFEOM1 or CFEOM2 (1. Gutowksi et
al., 2003). Affected individuals may have bilateral or unilateral disease. Congenital non-progressive unilateral or bilateral ptosis may be present. The vertical eye movements
have variable restriction with presence or absence of upgaze above the midline; the horizontal eye movements can be
normal to severely restricted. The patient may be orthotropic in primary position, and will adopt compensatory head
postures depending upon the severity of the clinical phenotype. (6. Aubourg et al., 2005; 35. Mackey et al., 2002; 3.
Doherty et al., 1999). Forced ductions test is positive for
restriction. Aberrant eye movements may be present and
the pupils are normal. (3. Doherty et al., 1999
CFEOM3 is inherited in an autosomal dominant manner with incomplete penetrance and variable expressivity.
According new researches the genetic basis of CFEOM
consists in two mutations: in the TUBB3 (gene encoding
component of microtubules, a neuronal specific tubulin)
(CFEOM3A) (36. Tischfield 2010) and rarely KIF21A
(CFEOM3B) (37. Yamada 2004). CFEOM due to TUBB3
mutations can be associated with intellectual and behavioral impairments, facial paralysis, and/or later-onset axonal sensorimotor polyneuropathy. (36. Tischfield 2010) A
CFEOM3C variant has been recognized in 3 generations of
a single family, where all affected members carry a chromosomal translocation t(2;13)(q37.3;q12.11). (6. Aubourg
et al., 2005).
Tukel syndrome (or CFEOM-U) is a congenital fibrosis
of extraocular muscles with ulnar hand anomalies (postaxial oligodactyly/oligosyndactyly of the hands). It affects
primarily the right eye and right hand. It appears to be very
rare (only in one large Turkish family). The inheritance is
autosomal recessive and the locus was mapped to a 1.5-Mb
region on the chromosome 21qter. (7. Tukel et al., 2005).
Methods
Patient and Pedigree Collection
All probands (fig. 1) were examined and met the diagnostic criteria for Congenital Fibrosis of the Extraocular
Muscles [8. Andrews et al 2006].
The probands and their family members were also clinically examined according to ophthalmological data collection form from Children’s Hospital Boston Center for
Strabismus Research (38). Thus they underwent complete
ophthalmic examination of visual acuity, refraction status
and general ocular examination, anomalous head posture,
380 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
lid position, ocular alignment, ocular motility and were evaluated for associated systemic features. [Table 1]
Table 1 | Clinical assessment protocol
1. Age
11. Alignment with abnormal
head posture
2. Preliminary diagnosis
12. Ocular motility
3. Cycloplegic refraction
13. Globe retraction
4. Best corrected visual
acuity
14. Aberrant movement
5. Pupils (size/shape and
reaction to light/near)
15. Nystagmus
6. Anterior segment exam
16. Quality of eye movement
(smooth/jerky)
7. Fundus exam
17. Bell’s phenomenon
8. Head Posture
18. Forced duction test
9. Ptosis measurements
19. Inheritance
10. Primary position
alignment
20. Other associated features
Blood samples were collected from nine representative
patients followed at University Hospital of Coimbra.
All affected individuals and family members gave written informed consent in accordance with institutional guidelines defined by the ethics committee of the University
Hospital of Coimbra. All research procedures were in accordance with the Declaration of Helsinki.
Mutation Analysis
Blood samples were collected from probands, and genomic DNA was extracted using an automated DNA extractor
(BioRobot EZ1, Qiagen, Hilden, Germany).
Mutation detection was conducted by PCR amplification
of exons 8, 20, and 21 of the KIF21A gene and flanking intron-exon boundaries from genomic DNA of each proband in the
six families (nine patients). The analysed exons of the KIF21A
gene were PCR-amplified using previously described primers
and conditions by the research group at Children’s Hospital
Boston Center for Strabismus Research Boston, USA.
Results
We identified three CFEOM1 pedigrees (families A, B
and E), three sporadic CFEOM1 individuals (from families
D, F and G) and two probable sporadic CFEOM3 individuals (from families C and H). (fig. 1)
Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
Fig. 1 | Pedigrees of families with congenital fibrosis of the extraocular muscles (CFEOM). Arrows indicate the proband in each family.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
381
Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva
The findings in families A, B, D, E, F, G (table II and
III) are consistent with CFEOM type 1 phenotype. All patients have bilateral ptosis with a compensatory chin up
head posture. And all patients have congenital non-progressive ophthalmoplegia with the eyes fixed in a infraducted position (except family B and patient E.IV.1 that
have an orthophoric primary position alignment) with the
inability to elevate the eyes above the vertical midline.
There is a heterogeneous involvement of the horizontal
extraocular muscles (most patients have horizontal eye
movements but patients A IV.3, A IV.6 and G II.1 have
involvement of the horizontal extraocular muscles). The
most patients have horizontal strabismus with variable
exotropia and jerky eye movements. All patients have
amblyopia (with a best corrected visual acuity varying
between OU: 0,4 and OU:0,9). Four patients (A IV.3, A
IV.6, D II.1 and G II.1) have aberrant eye movements.
Nystagmus is common (four in ten patients). No patient
have globe retraction. These patients’ inheritance is autosomal dominant (with complete penetrance) in the families A, B and E or unknown (de novo gene mutation?)
in the families D, F and G. It is expectable that mutation
analyses find mutations of the KIF21A gene (in the exons
8, 20 or 21).
The patients C II.1 and H IV.1 (table II and III) have an
unknown inheritance and due to their atypical phenotype,
they fit the criteria of CFEOM3.
Patient C II.1 has multiple systemic features, including
intellectual and motor development delay, low implantation
ears, polydactyly (of the right foot) and cryptorchidism. He
has a marked chin up, head tilt to the left shoulder posture, with marked and bilateral ptosis and severe amblyopia.
About the alignment, the right eye has variable exotropia
and the left eye has a hypotropic and exotropic position.
There is no elevation above vertical midline.
Patient H IV.1 has bilateral aberrant innervations of
the levator palpebrae superioris (jow-wink-like), moderated chin up and an orthophoric primary position alignment.
There is no amblyopia. There is no elevation above vertical
midline and adducts only to horizontal midline. There is synergistic divergence.
Five patients (42%) have associated systemic features.
Three patients (C II.1, D II.1 and F II.1) [25%] have intellectual development delay.
Mutational analysis of the KIF21A gene
The initial screening of exons 8, 20 and 21 of the KIF21A gene allowed the identification of two independent, previously reported, mutations in the well known
mutational hotspots of the KIF21A gene. Both mutations
382
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
derive from a nucleotide missense change (2860G>A and
2861C>T) affecting codon 954, and causing a non-conserved substitution of the arginine by another aminoacid, glutamine and tryptophan, respectively. This non-conserved
aminoacid change is known to structurally and functionally
affect the coiled-coil region, thus influencing the protein’s
normal function.
Discussion
CFEOM is a very rare, congenital and non progressive
disorder with multiple extra ocular muscles restrictions. The
diagnosis and classification of CFEOM is defined by clinical
characteristics and genetics. We have ten patients with the
diagnosis of CFEOM type 1 and two patients with the probable diagnosis of CFEOM type 3. Due to the overlap in the
clinical features between different CFEOM groups, genetic
evaluation is important to confirm the diagnosis.
Numerous ocular and systemic associations have been
described in patients with CFEOM: refractive errors and amblyopia, neural misdirection, optic nerve dysplasia or hypoplasia, chorioretinal coloboma, Marcus Gunn jaw-winking
phenomenon, other cranial nerve anormalies (V and VII),
facial dysmorphism and neurodevelopmental defects.
We found amblyopia in eleven patients (91,7%), neural
misdirection in five patients (41,7%) intellectual and motor
development delay in three patients (25%), blepharophimosis and epicantus in one patient (8,3%), polydactyly, low implantation of ears and unilateral cryptorchidism in one patient
(8,3%), dermoid cyst, left ventricular hypertrophy and anteroseptal myocardial ischemia in one patient (8,3%). Seven
patients (58,3%) have no systemic associated features.
In individuals with CFEOM1 seven different heterozygous missense mutations in three of the 38 exons of
the KIF21A gene have been identified; in individuals with
CFEOM2 four homozygous mutations of PHOX2A have
been identified. Individuals with CFEOM3 phenotype are
genetically heterogeneous: in individuals with CFEOM3A
eight different heterozygous mutations in the TUBB3 gene
have been identified, in individuals with CFEOM3B an
heterozygous mutation in the KIF21A gene, in individuals
with CFEOM3C a translocation t(2;13)(q37.3;q12.11).
The genetic evaluation always begins searching for the
“hotspot” CFEOM mutations in KIF21A by PCR amplification followed by direct sequencing of exons 8, 20, and 21
of the KIF21A gene and flanking intron-exon boundaries
from genomic DNA. However, recent studies reveal that although KIF21A is the only gene associated with CFEOM1
to date, up to 40% of sporadic CFEOM1 cases do not
Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
Table II | Clinical features and basic eye exam.
Patient
Age
Inheritance
Systemic features
BCVA
C. Refraction
Pupils
ASE
Fundus
A III.6
55
AD
FAP, glaucoma, arrhythmia
OU: 0,5
N.A.
(no spectacle
correction)
PERRLA
Amyloid
deposits
C/D 0,5 RE
C/D 1,0 LE
Droop out
NFL
A III.7
50
AD
None
OU: 06
N.A.
(no spectacle
correction)
PERRLA
Normal
Normal
A IV.3
9
AD
Renal cyst (in the right kidney);
Blepharophimosis and epicanthus
OU: 0,5
OD: +2,5 +0,5x90
OS: +1,25
PERRLA
Normal
Normal
A IV.6
22
AD
None
OU: 0,4
OD: 0,0
OS: 0,0
PERRLA
Normal
Normal
B II.2
32
AD
None
OU: 0,6
OD: 0,0
OS: 0,0
PERRLA
Normal
Normal
B III.1
7
AD
None
OU: 0,6
OD: +1,00
OS: + 1,00
PERRLA
Normal
Normal
OU: 0,1
N.A. (difficult
assessment due to
photophobia)
PERRLA
Normal
Normal
C II.1
6
Unknown
Intellectual and motor
development delay, low
implantation ears, polydactyly
of the right foot, cryptorchidism
(unilateral)
D II.1
5
Unknown
Intellectual development delay
OU: 0,5
OD: +1,5 x 100;
OS: +1,5x80
PERRLA
Normal
Normal
E IV.1
5
AD
None
OU: 0,5
OD: 0,0
OS: 0,0
PERRLA
Normal
Normal
OU: 0,5
OD: - 8,00 +1,00x80;
OS: -7,00 + 1,00x75
PERRLA
Normal
Normal
F II.1
14
Unknown
Intellectual development delay,
hyperactivity, dermoid cyst on
the eyebrow, left ventricular
hypertrophy and anteroseptal
myocardial ischemia
G II.1
10
Unknown
None
OU: 0,9
OD: +4,5
OS: +5,0
PERRLA
Normal
Normal
H IV.1
8
Unknown
None
OU: 1,0
N.A.
PERRLA
Normal
Normal
Legend: AD - Autosomal Dominant; AR – Autosomal Recessive; ASE - Anterior segment exam; BCVA – Best corrected visual acuity; C. Refraction – Cycloplegic refraction; FAP - Familial Amyloid Polyneuropathy; N.A. – Not available; NFL – Nerve fiber layer; OU – Both eyes; OD - Right eye; OS- Left eye; PERRLA - Pupils equal, round, reactive to light and accommodation.
have identifiable mutations in KIF21A (39) and a study of
CFEOM1 patients from consanguineous Saudi Arabian families confirmed the lack of KIF21A mutations, evidencing
a recessive form of CFEOM1 (40). These studies confirm
the genetic heterogeneity of the CFEOM1 clinical phenotype and how it is particularly useful for appropriate genetic
counseling of sporadic KIF21A-negative patients.
In the Portuguese patients, two previously reported KIF21A mutations (in the three “hotspots”) were identified.
However, due to the geographic isolation and genetic uniqueness of our population and the relatively high consanguinity level is possible that we will identify new mutations
and/or find KIF21A-negative patients.
The results of genetic evaluation are important for:
1. Confirmation of the diagnosis;
2. Clarification of genotype-phenotype correlations;
3. T
o assess the impact of different mutations in the
clinical severity;
4. To plan the best timing for surgical intervention;
5. Appropriate genetic counseling and prenatal
diagnosis.
The surgical correction of strabismus and ptosis in
CFEOM is challenging. Strabismus surgery is always attempted before ptosis correction. The expectations of strabismus surgery should be realistic and parents and patient
should be well informed about these expectations.
Presently, it is possible to provide genetic testing and
counseling for affected individuals. The recent findings
about physiopathology and genetics of CFEOM may lead
to improved care for affected individuals because the more
the specific disorders are understood, the easier it will be to
develop targeted therapies for these disorders.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
383
Inês R Gante, Mariana Almeida, Miguel Ribeiro, Dalila Salomé Coelho, Lígia Gomes Cardoso, Eduardo D. Silva
Table III | Ocular motility and eyelid functional assessment
Patient
Head
Posture
Ptosis
Primary
position
alignment
Alignment
with AHP
Ocular motility
GR
Aberrant
movement
Nystagmus
Quality
of eye
movement
A III.6
Marked
chin up
Bilateral and
marked
Hypotropic
position
(infraducted)
Exotropia
in downgaze
No elevation; unable
to reach vertical
midline. Horizontal
eye movements.
No
No
Yes
Jerky
A III.7
Marked
chin up
Bilateral and
marked
Hypotropic
position
(infraducted)
Exotropia in
downgaze
No elevation; unable
to reach vertical
midline. Horizontal
eye movements.
No
No
Yes
Jerky
A IV.3
Marked
chin up
Bilateral and
marked
Esotropic and
hypotropic
position
Esotropia
No elevation.
Abducts only to
horizontal midline
but not beyond.
No
Yes
(synergistic
convergence)
Yes
Jerky
Yes
No
Jerky
No
Smooth
(except on
attempted
elevation:
jerky)
A IV.6
Marked
chin up
Bilateral and
marked
B II.2
Moderated
chin up
Bilateral but
asymmetric;
moderated
B III.1
Moderated
chin up
Bilateral but
asymmetric;
moderated
C II.1
Marked
chin up,
head tilt
to the left
shoulder
Hypotropic
position
(infraducted)
No elevation,
neither adduction,
neither abduction. In
Hypotropic attempted downgaze large angle exotropia;
position;
No
In attempted
Alternate
supraduction –
fixation with
variable esotropia; In
OD/OS.
attempted levodextroversion – small
angle esotropia.
Orthophoric
No elevation above
vertical midline
Orthophoric
Orthophoric
No elevation above
vertical midline
No
No
No
Smooth
(except on
attempted
elevation:
jerky)
Bilateral and
marked
OD: Variable
exotropia
OS: hypotropic
and exotropic
position
OS:
hypotropic
position
(variable)
No elevation above
vertical midline
No
No
Yes
Jerky
D II.1
Small chin
up position
Bilateral,
moderated
OU: Variable
exotropia.
OD: Hypotropic
and exotropic
position
Orthophoric
– exotropia
variable
No elevation above
vertical midline
No
Yes
(synergistic
divergence)
No
Smooth
(rapid
saccades
induce jerk)
E IV.1
Marked
chin up
Bilateral and
marked
Orthophoric
– variable
exotropia,
intermittent
Orthophoric
No elevation above
vertical midline
No
No
No
Jerky
F II.1
Marked
chin up
Bilateral and
moderated
Hypotropic
position
Orthophoric
No elevation above
vertical midline
No
No
Yes
Jerky
Orthophoric
No elevation above
vertical midline. On
attempted adduction
– upshoot; on
attempted abduction
– downshoot
No
Upshoots and
downshoots
No
Jerky
Variable
exotropia
Adducts only to
horizontal midline
but not beyond. No
elevation above
vertical midline.
No
Yes
(synergistic
divergence)
No
Smooth;
occasionally
jerky
G II.1
H IV.1
Moderate
chin up
Bilateral but
asymmetric;
moderated
Moderated
chin up
Bilateral
aberrant
innervation
jaw-wink-like
Orthophoric
Hypotropic
position
Orthophoria
Legend: AHP – Abnormal Head Posture; GR – Globe retraction; OU – Both eyes; OD – Right eye; OS – Left eye.
384 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
No
No
Phenotypical and Genetic Analysis of 12 Portuguese Patients with CFEOM Syndrome
Table IV | Mutational analysis of the KIF21A gene
Patient
Clinical phenotype
Mode of inheritance
Sequence
Exon
Aminoacid
A III.6
A III.7
CFEOM1
AD
Pending
Pending
Pending
CFEOM1
AD
Pending
Pending
Pending
A IV.6
CFEOM1
AD
Pending
Pending
Pending
B II.2
CFEOM1
AD
2861G>A
21
R954Q
B III.1
CFEOM1
AD
2861G>A
21
R954Q
C II.1
CFEOM3
Unknown
Pending
Pending
Pending
D II.1
CFEOM1
Unknown
2860C>T
21
R954W
E IV.1
CFEOM1
AD
2860C>T
21
R954W
F II.1
CFEOM1
Unknown
Pending
Pending
Pending
KIF21A Mutational analysis: Preliminary results. Three previously reported mutations were identified in the tested patients.
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Prémio SPO 2011 de Oftalmologia Pediátrica
The authors have no financial or commercial interests to disclose.
CONTACT
Center for Hereditary Eye Diseases, Department of
Ophthalmology, University Hospital of Coimbra
Av. Bissaya Barreto
3000-075 Coimbra
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.387-392
Artigo Original
Multifocalidade - Seleccionar para Resultar
João Paulo Cunha1, Arnaldo Santos2, Joana Ferreira2, Duarte Amado3, Margarida Marques1
1
Assistente Hospitalar Graduado
Interno do Internato Complementar
3
Assistente Hospitalar
Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central
2
RESUMO
Introdução: Várias têm sido as tentativas de reduzir ao máximo a necessidade do uso de óculos sem prejudicar a qualidade visual. Foram propostas várias alternativas, desde a monovisão,
com lentes monofocais, ao “mix & match” com lentes multifocais. A lente intra-ocular (LIO)
TECNIS® Multifocal one foi desenvolvida para satisfazer as necessidades dos doentes com catarata e maior necessidade de visão ao perto do que visão intermédia, sem astigmatismos corneanos consideráveis.
Objectivo: Avaliar a eficácia da lente TECNIS® Multifocal one como uma opção na cirurgia de
catarata e identificar as causas da não total satisfação dos doentes implantados.
População/Métodos: Os autores realizaram um estudo prospectivo em 27 olhos de 15 doentes,
que foram submetidos a cirurgia de catarata (facoemulsificação com implante de LIO TECNIS®
Multifocal one). Avaliaram a acuidade visual para perto (30 cm), longe (5 metros), assim como
o grau de satisfação e as possíveis causas de insatisfação destes mesmos doentes.
Resultados: Os doentes apresentavam acuidades visuais para longe não corrigidas superiores a
20/30, nos 1º e 3º meses de pós-operatório, com um equivalente esférico entre 0 e 0,75 dioptrias,
e acuidades visuais para perto de J1 a J3. O grau de satisfação quanto à independência de óculos
foi estatisticamente significativo e as causas de não total satisfação identificadas foram astigmatismos finais de 1 dioptria e a não total independência de óculos para situações como leituras
prolongadas e visualização de ecrãs.
Conclusões: A LIO TECNIS® Multifocal one é mais uma excelente opção na cirurgia refractiva
de catarata, permitindo uma boa visão para longe e perto sem correcção óptica, traduzindo-se
num elevado grau de satisfação por parte dos doentes.
Palavras-chave
Lente intra-ocular, multifocal, facoemulsificação, selecção, satisfação.
ABSTRACT
Introduction: Several attempts have been made to minimize the need to wear glasses without
compromising visual quality. Several alternatives have been proposed like monovision with
monofocal lenses or “mix & match” and “custom and match” with multifocal lenses. The intraocular lens (IOL) TECNIS® Multifocal one was developed to meet the needs of patients with
cataracts and a greater need for near vision than intermediate vision, without significant corneal
astigmatism.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
387
João Paulo Cunha, Arnaldo Santos, Joana Ferreira, Duarte Amado, Margarida Marques
Objective: To evaluate the effectiveness of the TECNIS® Multifocal lens one as an option in cataract surgery to identify the causes of non-complete satisfaction in implanted patients.
Population/Methods: The authors conducted a prospective study of 27 eyes of 15 patients who
underwent cataract surgery (phacoemulsification with IOL implantation TECNIS® Multifocal one).
We evaluated the visual acuity for near (12 inches), for distance away (5 meters), stereopsis, the
degree of satisfaction and the possible causes of patient’s dissatisfaction.
Results: Patients had uncorrected visual acuity for distance of more than 20/30 in 1 and 3 months
postoperatively, with a spherical equivalent between 0 and 0.75 diopters. The visual acuity for near
was J1 to J3. Concerning the independence of glasses, the degree of satisfaction was statistically
significant and the identified causes of non-total satisfaction were final astigmatisms of 1 diopter and
incomplete independence of glasses for situations such as prolonged reading and viewing screens.
Conclusions: The TECNIS® Multifocal IOL one is another excellent option in refractive cataract
surgery, allowing a good vision for distance and near without corrective lenses, resulting in a high
degree of patients’ satisfaction.
Key-words
Intraocular lens, multifocal, phacoemulsification, selection, satisfaction.
INTRODUÇÃO
As lentes intraoculares (LIO) multifocais surgiram da
necessidade de satisfazer de forma mais ampla as exigências visuais dos doentes pseudofáquicos. Apesar das várias
opções de lentes multifocais o objectivo final é comum – a
maior independência de óculos para a realização das tarefas
visuais diárias de cada indivíduo.
Na tentativa de alcançar uma boa função visual para perto, para longe e para distância intermédia foram propostas
várias hipóteses, que pelo menos teoricamente, originariam
a visão plena (“full vision”). Assim, foram sendo propostas técnicas de implantação como: o “Mix & Match” (misturar -“mix”- dois tipos de lente no mesmo doente, num
olho uma lente refractiva e no outro uma lente difractiva);
o “Custom Match” (com implantação bilateral semelhante
privilegiando as principais necessidades de cada doente –
perto versus distância intermédia); a monovisão (com lentes monofocais, em que o olho dominante focaria para longe e o olho não-dominante focaria a distância intermédia).
A lente intra-ocular (LIO) TECNIS® Multifocal one
foi desenvolvida para satisfazer as necessidades dos doentes com catarata e maior necessidade de visão ao perto
do que visão intermédia, sem astigmatismos corneanos
consideráveis.
A satisfação subjectiva dos doentes nem sempre corresponde aos resultados objectivos, pelo que se torna cada vez
mais importante identificar as causas de insatisfação que
388 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
podem e devem ser incluídas nos factores de exclusão para
implantação deste tipo de lentes nesses doentes.
O nosso estudo pretende avaliar a eficácia da lente TECNIS® Multifocal one como uma opção na cirurgia de catarata e identificar as causas de ausência de plena satisfação
dos doentes implantados.
POPULAÇÃO E MÉTODOS
Os autores realizaram um estudo prospectivo, de Julho
de 2010 a Julho de 2011, em que incluíram 27 olhos de 15
doentes submetidos a cirurgia de catarata (facoemulsificação com implante de LIO multifocal difractiva asférica de
peça única - TECNIS® Multifocal one) em duas instituições
(Centro Hospitalar de Lisboa Central e Clínica de Santo
António).
Foram registados os seguintes dados: idade, sexo, queratometria, comprimento axial, potência das lentes implantadas, acuidades visuais e estereoacuidade para perto e para
longe, refracção manifesta, biomicroscopia, fundoscopia,
queixas subjectivas/ causas de insatisfação.
Metodologia pré-cirúrgica: Determinação da LIO
Para determinação da potência da LIO, realizou-se queratometria automática e refracção pré-operatória para avaliação de astigmatismo corneano. A biometria de contacto
foi o método disponibilizado para calcular o comprimento
Multifocalidade - Seleccionar para Resultar
axial do globo ocular. Para o cálculo da potência dióptrica da LIO (com fórmulas de cálculo de LIO de 3ª geração
- preferencialmente SRK-T) utilizaram-se os valores dos
dois meridianos corneanos, tendo em conta a localização da
incisão menos astigmatogénica ou mais correctora do astigmatismo que se pretende anular ou reduzir.
Metodologia cirúrgica:
Incisões e implantação das LIOs
As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião
(JPC) que, previamente a cada cirurgia, marcava os eixos
de 0º e 180º na lâmpada de fenda com o doente em posição
sentada (com caneta dermográfica), devido à ciclotorsão
ocular induzida pela posição de supino (figura 1).
Fig. 1 | Marcação de eixos em posição sentada com marcador.
Sob anestesia tópica, realizou incisão corneana de 2,75
mm, personalizada de acordo com o astigmatismo corneano pré-operatório de cada olho (sempre que possível realizou incisões temporais - 90º a 180º), capsulotomia circular
centrada de 5,5 mm (aproximadamente), facoemulsificação da catarata técnica de “divide and conquer fast-crack”
e colocação da LIO no saco capsular através do injector
“Platinun” e do “cartridge MPEC30”. Após a implantação
centrada da LIO, procedeu à aspiração do material viscoelástico, encerramento das feridas operatórias através da hidratação dos bordos das mesmas e injecção intracamerular
de antibiótico.
Metodologia pós-cirúrgica:
Determinação de acuidades visuais e identificação
de causas de insatisfação
Avaliaram a acuidade visual para perto (30 cm), longe
(5 metros), a estereopsia, assim como o grau de satisfação
e as possíveis causas de insatisfação destes mesmos doentes. As causas de insatisfação que pesquisámos incluíram as
queixas visuais subjectivas (visão desfocada/enevoada, disfotopsias, necessidade de correcção óptica), as ametropias
residuais (esfera e cilindro), a observação no biomicroscópio para identificar diâmetros pupilares aumentados, LIO
descentradas, opacidades capsulares, opacidades vítreas ou
olho seco.
Para o estudo da acuidade visual para perto utilizámos
a tabela de Jaegger. Pede-se ao doente que coloque o livro
posicionado entre 30 e 40 cm dos olhos, perpendicular ao
eixo visual com uma luminância de 400 lux. Os resultados
destas acuidades visuais são dadas em escala de Jaegger
e podem variar entre J1 e J10 e quanto menor for o valor
numérico, maior é a acuidade visual. Para a avaliação da
acuidade visual para longe (5 metros) foi utilizada a escala
de Snellen, com valores da acuidade visual (AV) em escala decimal. Estes valores foram convertidos para escala
logMAR para análise estatística dos resultados. Ambos os
testes foram realizados sem o emprego de qualquer tipo de
correcção óptica dado que a implantação de LIOs multifocais tem como objectivo a independência de óculos para
longe e para perto. Foi realizado também o estudo refractivo objectivo para cálculo de esfera e cilindro residual aos
1, 3 e 12 meses.
Para o estudo da estereopsia para perto utilizámos o
Titmus Stereo Test (Stereo Optical Co.), composto por um
livro de duas faces, com figuras projectadas em duplicidade
e com uma disparidade horizontal entre si. Com o uso de
óculos polarizados e o livro posicionado entre 30 e 40 cm
dos olhos, cada doente indicou as figuras que observou em
“relevo”, medindo a disparidade em segundos de arco (”),
que pode variar entre 3000” e 40” e quanto menor for o
valor numérico em segundos de arco, maior é a acuidade
estereoscópica. Para longe, considerámos a estereopsia positiva quando o indivíduo observava através de óculos polarizados duas imagens diferentes mas complementares como
uma imagem única, coerente e tridimensional, projectada a
6 metros pelo vectograf 9400 (figura 2).
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
389
João Paulo Cunha, Arnaldo Santos, Joana Ferreira, Duarte Amado, Margarida Marques
Fig. 2 | Titmus Stereo Test (estereopsia de perto), slide para projector vectográfico 9400.
Para a análise estatística foi utilizado o software GraphPad (Graphpad Prism® ver. 5.0; Graphpad Software Inc,
CA, Estados Unidos América). Os dados obtidos foram
analisados através do teste t Student, comparadas médias
e desvios padrão. Valores de p < 0,05 foram considerados
estatisticamente significativos.
RESULTADOS
Dos 27 olhos operados no referido período, 24 correspondem a implantações bilaterais de 12 doentes e os restantes 3 olhos aguardam implantação do 2º olho. A distribuição por género foi na razão de 3:12 (M:F) e a idade média
foi de 71,14 anos (idades mínima e máxima de 58 e 76 anos,
Tabela 1 | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses)
Variáveis
Idade
Valor
71,14 ± 5,80
Sexo
Masculino
12
Feminino
3
Comprimento axial (mm)
22,55 ± 0,59
Potência da LIO (D)
22,09 ± 1,92
AV para longe sem correcção
Máximo
20/20
Mínimo
20/30
Média
20/25
Insatisfação
4:15
Follow-up
4,6 (1-12) meses
390
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
respectivamente) com desvio padrão de 5,80. Os comprimentos axiais médios foram de 22,55 ± 0,59 mm e potência
dióptrica das lentes de 22,09 ± 1,92 dioptrias (D) (tabela 1).
Os doentes foram observados com um follow-up médio
de 4,6 meses (1-12 meses). Nas observações pós-operatórias registámos acuidades visuais para longe sem correcção
unilaterais superiores a 20/30, sendo a média de 20/25. As
acuidades visuais para perto foram de J1 a J3, sempre que
possível em binocularidade. A média da estereopsia para
perto, nos 12 doentes com implantação bilateral foi de 70”,
e para longe foi positiva em todos eles. Não realizámos o
estudo da estereopsia nos três doentes com implantação
unilateral.
Os estudos refractivos revelaram equivalentes esféricos
entre 0 e 0,75 dioptrias e o grau de satisfação quanto à independência de óculos foi estatisticamente significativo p <
0,05 (p = 0,016).
As causas de não total satisfação identificadas foram astigmatismos finais de 1 dioptria (3 olhos de 3 doentes) e a
não total independência de óculos para situações como leituras prolongadas e visualização de ecrãs (4 doentes). Em
nenhum caso os doentes referiram espontaneamente disfotopsias positivas (halos e glare) ou negativas (escotomas
temporais).
DISCUSSÃO
O principal objectivo das LIO multifocais é possibilitar
pelo menos 2 pontos de focagem com boa função visual
sem prejudicar algumas das suas características como a sensibilidade ao contraste ou o aparecimento de disfotópsias.
Ao longo da última década, a grande maioria dos estudos publicados demonstraram que as lentes multifocais
proporcionam melhor qualidade de vida que as LIO monofocais1-9. No entanto, outros referem várias causas de insatisfação como acuidade visual insatisfatória para determinadas distâncias10-11, maior frequência de disfotopsias em
comparação com as lentes monofocais12-13 e diminuição da
sensibilidade ao contraste14-15.
A tentativa de alcançar boas acuidades visuais nas diferentes distâncias como o “Mix & Match” pode originar disparidade dos estímulos visuais de cada olho e consequentemente rivalidade binocular, em vez de correspondência
ou fusão binocular. Por esta razão, e porque acreditamos
ser preferível para os olhos, e sobretudo para o cérebro, a
harmonia visual, não propomos “Mix & Match” como uma
boa solução para os nossos doentes16-17.
No nosso estudo, quando referimos 27 olhos de 15
doentes, significa que apenas 3 doentes ainda não foram
Multifocalidade - Seleccionar para Resultar
operados ao 2º olho, podendo estes melhorar a sua função
visual, sobretudo para perto após a segunda intervenção.
E apesar dos 12 doentes implantados bilateralmente terem
resultados entre J1 e J3, quatro referem que preferem ter
óculos para leituras prolongadas. A capacidade de leitura
depende não só de factores ópticos, mas também cerebrais,
pelo que existem estudos que mostram uma melhoria da capacidade de leitura com lentes multifocais, mas esta pode
diminuir quando o follow-up aumenta, sem qualquer relação com factores cirúrgicos18.
Não pudemos estudar os resultados relativamente a
aberrações de alta ordem que tambem poderiam estar na
origem de alguma insatisfação, porque só dispomos de métodos de estudo que analisam apenas as aberrações corneanas e não as oculares totais, mas consideramos não ser de
grande interesse dado os resultado de estudos em que não
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas
em qualquer valor aberrometrico entre pacientes com LIO
multifocais implantadas descentradas ou bem centradas19.
Os resultados objectivos do nosso estudo mostraram que
os doentes com lentes intra-oculares multifocais semelhantes implantadas bilateralmente obtiveram acuidades visuais
para perto e para longe com erros refractivos até 1 dioptria
de astigmatismo e 0,75 dioptrias de esfera. De acordo com
Hayashi e seus co-autores, as acuidades visuais diminuem
para todas as distâncias quando os astigmatismos residuais
são superiores a 1 dioptria, e diminuem tanto mais quanto
maior for o astigmatismo. Pelo que para astigmatismos corneanos superiores a 1,5 D preferimos a implantação de LIO
multifocais tóricas20.
Tanto o astigmatismo como o defeito esférico residual
constituem duas das principais causas de insatisfação ou
visão enevoada dos doentes com LIO multifocais. Outras
causas descritas incluem a opacificação da cápsula posterior, o diâmetro pupilar aumentado e o descentramento da
LIO21-22. Estes estudos mostraram também que a maioria
das causas de insatisfação pode ser tratada com sucesso e
que a necessidade de explantação é rara.
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Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.
CONTACTO
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.393-403
Artigo Original
Efeito da Aplicação Matinal vs.
Nocturna de Maleato de Timolol em
Doentes Medicados com Prostaglandina nas
Curvas de Pressão Intraoculares Diurnas
e de Pressão Arterial nas 24 Horas
Pedro Barros1, Gabriel Morgado1, Paula Tenedório1, Joana Martins1,
Josefina Serino1, Bruna Vieira1, João Neves Martins1
1
MD
Serviço Hospitalar onde foi realizada a investigação:
Hospital Pedro Hispano, Matosinhos
Resumo
Introdução: Avaliar influência da aplicação matinal Vs nocturna de maleato de timolol em
doentes medicados com prostaglandinas nas curvas de PIO dirunas e nos valores obtidos de
monitorizações ambulatórias da pressão arterial (MAPA)
Material e Métodos: Foram obtidas curvas de PIO (8:00 h às 20:00 h) e MAPA’s (24h) em 28
doentes com diagnóstico de GPAA medicados com combinação fixa de prostaglandina e maleato
de timolol (aplicação nocturna) e novamente, 60 dias após alteração do esquema terapêutico para
prostaglandina (aplicação nocturna) e maleato de timolol (aplicação matinal).
Resultados: As curvas de pressão intraocular (8:00 h às 20:00 h) não mostraram diferenças
estatisticamente singnificativas quando comparamos a aplicação matinal e nocturna de maleato
de timolol nestes 28 doentes. No entanto a aplicação matinal de maleato de timolol, quando
comparado com a sua aplicação nocturna, resultou num aumento dos valores médios nocturnos
de PA sistólica (4,23 ± 6,46 mmHg; p=0,003), PA diastólica (2,40 ± 2,75 mmHg; p=0,001) e
PA média (3,65 ± 3,79 mmHg; p<0,001), numa diminuição dos valores médios diurnos de PA
sistólica (2,08 ± 4,77 mmHg; p=0,036), não tendo influenciado os valores médios diurnos de PA
diastólica (0,31 ± 2,50 mmHg; p=0,535) e média (1,14 ± 2,99 mmHg; p=0,102). A alteração do
esquema terapêutico influenciou ainda com significado estatístico a PA diastólica mínima diurna
e nocturna, a frequência cardíaca mínima diurna e nocturna assim como as quedas nocturnas
da pressão arterial sistólica, diastólica e média com consequente influência na prevalência de
dippers e extreme-dippers.
Conclusão: Este estudo sugere que em doentes com GPAA o maleato de timolol aplicado à
noite quando comparado com a sua aplicação matinal não apresenta maior eficácia na redução da
pressão intra-ocular durante o dia e influencia de forma significativa os valores médios nocturnos
de PA sistólica, diastólica e média com implicações directas nas pressões de perfusão ocular. Em
doentes susceptíveis a sua aplicação nocturna pode por isso representar um factor de risco para
a progressão do GPAA.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
393
Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório, Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira, João Neves Martins
Introdução
O glaucoma é uma doença multifatorial que se caracteriza pela perda de células ganglionares da retina com consequente desenvolvimento de uma neuropatia óptica crónica e progressiva associada a alterações no campo visual. É
actualmente a segunda maior causa de cegueira no mundo
e afecta mais de 50 milhões de pessoas1,2. O mecanismo
fisiopatológico responsável pelo desenvolvimento de glaucoma de ângulo aberto (GPAA) continua por esclarecer.
Ainda assim, pressão intra-ocular (PIO) é considerada um
importante factor de risco para o seu desenvolvimento e
progressão, e a diminuição desta em doentes que sofrem de
GPAA mantém-se actualmente como o único alvo terapêutico disponível e comprovado de travar o desenvolvimento
e /ou progressão desta doença3,4,5.
Existe no entanto evidência científica suficiente que nos
permite afirmar que a PIO não constitui o único factor de
risco. Há estudos que demonstram que em alguns doentes
há progressão apesar de uma significativa redução da PIO6,7,
e outros que relatam que até metade dos doentes apresentam PIO’s dentro do valor considerado normal na altura do
diagnóstico8,9. Por outro lado, estudos epidemiológicos têm
demonstrado que a taxa de conversão de hipertensão ocular
para glaucoma é baixa10-13.
E se é conhecido há mais de quatro décadas que a PIO
varia ao longo do dia14, apenas recentemente se conseguiu
demonstrar que outros factores que influenciam o funcionamento ocular, tais como pressão arterial sistêmica15, pressão de perfusão ocular (PPO)16 e o fluxo sanguíneo ocular17
também acompanham padrões circadianos.
A actividade normal dos tecidos depende da manutenção de uma perfusão sanguínea adequada. Para isso é
fundamental a presença de uma pressão de perfusão (PP)
suficiente, definida como a diferença entre a pressão arterial
e a pressão venosa (no caso do olho a PIO é considerada
um substituto para a pressão venosa). Evidências recentes e
crescentes sugerem que factores vasculares desempenham
um papel importante na patogénese do GPAA6,18-21. Já vários estudos identificaram valores baixos de PP diastólica
ou sistólica como importantes factores de risco para a incidência, prevalência e progressão de glaucoma22-28 e alguns
acrescentaram as quedas nocturnas da pressão arterial como
factor de risco para a progressão de glaucoma29-31.
Em 1978 o maleato de timolol foi aprovado pela FDA
para o tratamento de glaucoma. Actua ao reduzir a produção de humor aquoso até metade32-34, com início de acção
cerca de 30 minutos após a instilação, atingindo o efeito máximo após 2 horas, que pode persistir por 12 horas
com manutenção da diminuição mensurável da PIO por 24
394
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
horas35. Após aplicação tópica de maleato de timolol a 0,5%
em adultos, os níveis séricos atingem valores entre 5,0-9,6
ng /mL36, que são significativamente inferiores aos alcançados após uma toma oral de 20mg (entre 50 e 103 ng / mL)37.
Ainda assim verifica-se uma diminuição estatisticamente
significativa da frequência cardíaca e da pressão arterial em
repouso após utilização tópica de maleato de timolol a 0,5%
em indivíduos saudáveis38,39.
Além do referido, há ainda estudos que sugerem que o
maleato de timolol apresenta maior eficácia quando aplicado de manhã em vez de à noite40,41 e que a sua aplicação
uma vez por dia apresenta eficácia semelhante à aplicação
de duas vezes por dia42-44. Este último argumento explica
a razão pela qual as formulações de combinação fixa de
análogo de prostaglandina e maleato de timolol terem ganho muita popularidade no tratamento do glaucoma, já que
oferecem ao paciente uma formulação mais cómoda, com
apenas uma aplicação diária, geralmente à noite.
Este estudo tem por objectivo avaliar o efeito da aplicação matinal vs nocturna de maleato de timolol na pressão
arterial e frequência cardíaca em doentes com GPAA medicados com análogo de prostaglandina, assim como determinar que influência estas duas formas de aplicação têm na
curva de PIO diurna.
Material e métodos
Este estudo longitudinal e prospectivo incluiu doentes
com GPAA medicados com combinação fixa de análogo
de prostaglandina (PG) e maleato de timolol a 0,5%, seguidos no Serviço de Oftalmologia do Hospital Pedro Hispano,
Matosinhos. O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do nosso Hospital e respeita os princípios
da Declaração de Helsínquia. Todos os pacientes assinaram
um consentimento informado antes de serem incluídos no
estudo.
Os critérios de inclusão foram: (1) idade> 45 anos de
idade, (2) diagnóstico de GPAA medicados com combinação fixa de PG e maleato de timolol, (3) valores de pressão
arterial inferiores a 140/90 mmHg e (4) ausência de medicação para hipertensão arterial
Foram excluídos pacientes que apresentassem: (1) história de cirurgia intra-ocular ou procedimento com LASER
(2) história de diabetes mellitus, (3) história de hipertensão
arterial (3) uso sistémico de beta-bloqueadores (4) história de uso crónico de corticóides (5) presença de condição
ocular que impedisse a realização fidedígna da tonometria
de aplanação, (6) diferença de PIO entre ambos os olhos ≥
4 mmHg.
Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de Maleato de Timolol em Doentes Medicados com Prostaglandina
nas Curvas de Pressão Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial nas 24 Horas
O protocolo a seguir descrito foi realizado nos doentes
medicados com aplicação tópica nocturna de combinação
fixa de análogo de PG e maleato de timolol (esquema 1).
Após realização do protocolo a medicação foi alterada para
aplicação tópica nocturna (20:00 horas) de análogo de PG
e matinal (08:00 horas) de maleato de timolol (esquema 2)
e o protocolo foi novamente repetido em todos os pacientes
aproximadamente 60 dias depois.
O protocolo realizado foi o seguinte: (1) foi obtida uma
curva diurna da PIO , usando sempre o mesmo tonómetro
de aplanação de Goldman, com valores medidos sempre
pela mesma pessoa, às 8:00 horas, 10:00 horas, 12:00 horas,
14:00 horas , 16:00 horas, 19:00 horas e 20:00 horas; (2)
realizou-se uma monitorização em ambulatório da pressão
arterial (MAPA), com início aproximado às 10:00 horas.
O doente foi autorizado a ter uma vida normal activa, na
medida do possível, sem realizar esforços excessivos ou
exercício físico. O monitor foi programado para avaliar a
pressão arterial sistólica, diastólica e média assim como a
frequência cardíaca a cada 10 minutos durante o dia (horas de vigília; 06:00-23:00) e a cada 20 minutos durante a
noite (horas de sono, 23:00-6:00). Pacientes com MAPA’s
insatisfatórios, que tivessem realizado actividade física excessiva ou que não tivessem dormido ou tivessem tido um
sono irregular durante a noite foram excluídos. Foram ainda
excluídos pacientes que reportaram a ocorrência de um “life
changing event” que pudesse influenciar seu estado psicológico (ex.: doença grave ou morte de familiar), e consequentemente alterar o seu perfil tensional habitual.
Os valores de PIO mencionados no estudo resultaram
das médias entre os dois olhos de cada paciente. Os seguintes parâmetros foram avaliados: (1) média da PIO, (2)
pressão arterial sistólica (PAS) média diurna e nocturna, (3)
pressão arterial diastólica (PAD) média diurna e nocturna,
(4) PAD mínima diurna e nocturna , (5) pressão arterial
(PA) média diurna e nocturna, (6) frequência cardíaca (FC)
média diurna e nocturna, (7) FC mínima diurna e nocturna e
(8) perfis arteriais sistólicos, diastólicos e médios.
Os perfis arteriais quantificam a redução nocturna das
pressões arteriais e foram calculados segundo a fórmula:
Dip (%)=(( PA média diurna - PA média nocturna) / PA
média diurna) × 100. Os pacientes foram classificados
como não-dippers (redução <10%), dippers (redução entre
10 e 20%), e dippers extremos (redução> 20%).
A análise estatística foi realizada usando o SPSS versão
17.0. Variáveis contínuas foram analisadas usando o teste
t de Student (bicaudal) ou o teste Mann-Whitney, ao passo
que as variáveis categóricas foram analisadas usando o Teste de McNemar Bowker. Valores p <0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Resultados
Foram incluídos neste estudo 28 doentes. Dezassete
doentes eram do sexo masculino e 11 do sexo feminino.
A média das idades foi de 67,32 ± 10,38 anos.
Os valores de PIO não mostraram diferença estatisticamente significativa entre doentes que aplicaram maleato de
timolol de manhã e PG à noite (esquema 1) e os doentes
que aplicaram maleato de timolol e PG à noite (esquema 2)
(tabela 1)
Tabela 1 | Tempo médio de eficácia terapêutica (meses)
Esquema 1
Esquema 2
p
08:00
14.88±2.59
14.46±2.46
>0,05
10:00
14.73±1.82
14.34±1.81
>0,05
12:00
14.69±1.86
14.59±1.85
>0,05
14:00
14.60±1.92
14.67±1.79
>0,05
16:00
14.24±2.01
14.18±1.92
>0,05
18:00
14.99±1.43
14.89±1.41
>0,05
20:00
14.97±1.52
14.91±1.49
>0,05
Os valores resultantes da monitorização da pressão arterial ambulatória a seguir descritos encontram-se na tabela 2.
As diferenças entre valores diurnos e nocturnos foram
sempre estatisticamente significativos em ambos os equemas (p<0,001), nomeadamente no que respeita a PAS
média, PAD média, PAD mínima, PAM, FC média e FC
mínima.
Quando o maleato de timolol passou a ser aplicado de
manhã registaram-se valores de PAS média diurna inferiores (129,12 ± 12,66 mmHg contra 131,19 ± 14,15 mmHg;
p=0,036 mmHg) e valores de PAS média nocturna superiores (115,58 ± 13,49 mmHg contra 111,35 ± 12,81 mmHg;
p=0,003). Com alteração do esquema terapêutico supramencionada observou-se uma variação superior na PAS
nocturna relativamente à diurna (subida média nocturna de
4,23 ± 6,46 mmHg e diminuição média diurna de 2,08 ±
4,77 mmHg). Porém a variação do valor médio de PAS durante as 24 horas não pode ser considerada estatisticamente
significativa (p=0,238).
Relativamente à PAD média verificamos valores nocturnos superiores (64,20 ± 6,76 mmHg contra 61,80 ± 8,02
mmHg; p=0,001) quando o maleato de timolol passou a ser
aplicado de manhã. A variação diurna não foi significativa (p=0,535). Analogamente à PAS média, a variação da
PAD foi maior durante a noite (diminuição média de 2,40 ±
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
395
Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório, Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira, João Neves Martins
Tabela 2 | Valores obtidos na monitorização da pressão arterial ambulatória em ambos os equemas
Aplicação Nocturna de Maleato
de Timolol (Esquema 1)
Aplicação Matinal de Maleato
de Timolol (Esquema 2)
Esquema 1 – Esquema 2
p
2,08 ± 4,77
0,036
-4,23 ± 6,46
0,003
0,77 ± 3,24
0,238
0,31 ± 2,50
0,535
-2,40 ± 2,75
0,001
-0,46 ± 2,52
0,359
2,38 ± 3,61
0,002
-3,65 ± 3,79
<0,001
1,14 ± 2,99
0,102
-4,80 ± 2,93
<0,001
0,08 ± 2,21
0,860
111,35 ± 12,81
24h
126,31 ± 12,83
129,12 ± 12,66
↑
115,58 ± 13,49
=
125,54 ± 12,97
=
77,58 ± 4,74
↑
64,20 ± 6,76
=
74,15 ± 5,32
↓
59,46 ± 5,49
↑
51,73 ± 4,35
=
95,42 ±7,50
↑
83,19 ± 7,77
=
91,81 ± 7,09
<0,0001
Noite
↓
<0,0001
131,19 ± 14,15
<0,0001
Dia
<0,0001
Pressão Arterial Sistólica Média (mmHg)
61,80 ± 8,02
24h
73,69 ± 5,51
Dia
61,85 ± 5,30
Noite
48,08 ± 5,90
Dia
96,46 ± 7,42
Noite
78,38 ± 8,36
24h
91,88 ± 7,03
<0,0001
Noite
<0,0001
77,88 ± 5,11
<0,0001
Dia
<0,0001
Pressão Arterial Diastólica Média (mmHg)
Perfil sistólico
15,83 ± 5,02
↓
11,12 ± 3,63
4,70 ± 3,77
<0,001
Perfil diastólico
22,47 ± 6,37
↓
15,91 ± 4,14
6,55 ± 4,48
<0,001
Perfil médio
20,84 ± 4,30
↓
14,95 ± 4,22
5,90 ± 4,64
<0,001
396
n
7 / 18 / 3
1 / 20 / 7
%
57,1 / 35,7 / 7,2
14,4 / 71,4 / 7,2
n
16 / 10 / 2
4 / 20 / 2
%
42,9 / 50,0 / 7,1
3,6 / 75,0 / 21,4
n
12 / 14 / 2
1 / 21 / 6
Dia
72,46 ± 5,28
Noite
67,00 ± 6,59
24h
70,54 ± 5,59
Dia
59,73 ± 4,63
Noite
52,23 ± 3,97
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
↓
70,76 ± 3,80
=
67,38 ± 6,82
=
69,35 ± 5,37
↓
57,04 ± 4,38
↑
53,85 ± 4,73
0,018
0,001
0,001
<0,0001
3,6 / 71,4 / 25,0
<0,0001
Médios
25,0 / 64,3 / 10,7
<0,0001
Diastólicos
%
<0,0001
Sistólicos
1,69 ± 2,96
0,007
-0,38 ± 2,70
0,474
1,19 ± 3,10
0,061
2,69 ± 5,50
0,019
-1,62 ± 3,98
0,044
Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de Maleato de Timolol em Doentes Medicados com Prostaglandina
nas Curvas de Pressão Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial nas 24 Horas
2,75 mmHg) do que durante o dia (subida média de 0,31 ±
2,50 mmHg). O valor médio da PAD durante as 24 horas foi
mais uma vez semelhante em ambos os equemas (p=0,359).
No que respeita à PAD mínima, verificamos valores
diurnos inferiores (59,46 ± 5,49 mmHg contra 61,85 ± 5,30
mmHg) e nocturnos superiores (51,73 ± 4,35 mmHg contra
48,08 ± 5,90 mmHg) quando o maleato de timolol foi aplicado de manhã. A variação dos valores mínimos da PAD
foi maior para os valores nocturnos (descida média de 3,65
± 3,79 mmHg, p<0,001) do que para valores diurnos (subida
média de 2,38 ± 3,61 mmHg; p=0,002).
Para PAM diurnas não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois esquemas (p=0,102),
apesar de os valores médios diurnos serem inferiores quando o maleato de timolol foi aplicado de manhã (95,42 ±7,50
mmHg contra 96,46 ± 7,42 mmHg). Já para PAM nocturnas
verificamos que houve diferença estatisticamente significativa (p<0,001) com valores arteriais médios nocturnos superiores com a aplicação matinal de maleato de timolol (83,19
± 7,77 mmHg contra 78,38 ± 8,36 mmHg). Os valores de
PAM nas 24 horas não registaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois esquemas (91,88 ± 7,03
mmHg e 91,81 ± 7,09 mmHg nos equemas 1 e 2 respectivamente; p=0,860).
Relativamente aos perfis arteriais (PAS, PAD e PAM)
verificamos que , com a aplicação matinal, houve diminuição muito significativa (p<0,001) das quedas nocturnas da
PA sistólica (15,83 ± 5,02 mmHg no esquema 1 e 11,12
± 3,63 mmHg no esquema 2), PA diastólica (22,47 ± 6,37
mmHg no esquema 1 e 15,91 ± 4,14 mmHg no esquema 2)
e PA média (20,84 ± 4,30 mmHg no esquema 1 e 14,95 ±
4,22 mmHg no esquema 2).
Avaliando o número de doentes que apresentaram
perfis dipper extremo, dipper fisiológico e não-dipper,
com a aplicação matinal do maleato de timolol observamos,
em termos percentuais e absolutos, uma redução de doentes
com perfil sistólico de dipper extremo [25% (n=7) no esquema 1 e 3,6% (n=1) no esquema 2] e aumento de doentes
com perfil sistólico de dipper fisiológico [64,3% (n=18) no
esquema 1 e 71,4% (n=20) no esquema 2] e aumento de
doente com perfil não-dipper [10,7% (n=3) no esquema 1 e
32,1% (n=9) no esquema 2]. Relativamente ao perfil diastólico verificamos uma redução dos doentes com perfil de
dipper extremo [57,1% (n=16) no esquema 1 e 14,4% (n=4)
no esquema 2], aumento dos doentes com perfil dipper fisiológico [35,7% (n=10) no esquema 1 e 71,4% (n=20) no
esquema 2] e manutenção do número de doentes com perfil
não-dipper [7,2% (n=2) em ambos os esquemas]. No que
respeita o perfil arterial médio verificamos uma diminuição
de doentes com perfil de dipper extremo [42,9% (n=12)
no esquema 1 e 3,6% (n=1) no esquema 2] e aumento de
doentes tipo dipper fisiológico [50,0% (n=14) no esquema
1 e 75,0% (n=21) no esquema 2] e aumento dos doentes
com perfil não-dipper [7,1% (n=2) no esquema 1 e 21,4%
(n=6) no esquema 2]. Avaliando os três tipos de perfil simultaneamente podemos verificar que o número de doentes
com perfil dipper fisiológico foi sempre superior no esquema 2 quando comparado com o esquema 1, com diferenças substanciais para valores diastólicos e médios [71,4%
(n=20) contra 64,3% (n=18) para valores sistólicos, 71,4%
(n=20) contra 35,7% (n=10) para valores diastólicos e
75,0% (n=21) contra 50,0% (n=14) para valores médios]. Já
o número de doentes com perfil de dipper extremo foi sempre inferior no esquema 2 [3,6% (n=1) contra 25,0% (n=7)
para valores sistólicos, 14,4% (n=4) contra 57,1% (n=16)
para valores diastólicos e 3,6% (n=1) contra 42,9% (n=12)
para valores médios] e o número de doentes com perfil de
não-dipper foi sempre superior (ou igual, no caso dos perfis
diastólicos) no esquema 2 [25,0% (n=7) contra 10,7% (n=3)
para valores sistólicos, 7,2% (n=2) em ambos os esquemas
para valores diastólicos e 21,4% (n=6) contra 7,1% (n=2)
para valores médios].
Finalmente, no que diz respeito à frequência cardíaca verificamos que os doentes do esquema 2 apresentaram
redução significativa dos valores diurnos da FC média em
1,69 ± 2,96 bpm (72,46 ± 5,28 bpm no equema 1 e 70,76 ±
3,80 bpm no equema 2; p=0,007) e da FC mínima em 2,69
± 5,50 bpm (59,73 ± 4,63 bpm no equema 1 e 57,04 ± 4,38
bpm no equema 2; p=0,019). Verificamos uma subida moderada, mas ainda assim estatisticamente significativa, da
FC mínima nocturna em 1,62 ± 3,98 bpm (52,23 ± 3,97 bpm
no esquema 1 e 53,85 ± 4,73 bpm no esquema 2; p=0,044)
sem alteração significativa no que diz respeito à FC média
nocturna (p=0,474) e nas 24 horas (p=0,061).
Discussão
São vários os parâmetros fisiológicos que variam ao longo do dia e alguns apresentam um ritmo circadiano. Foi já
demonstrado que quer a PIO quer a PA se incluem neste
equema. A PIO normalmente tende a aumentar durante a
noite, quando nos encontramos em posição supina45-48, possivelmente devido ao aumento da pressão venosa episcleral. Não nos foi possível avaliar o padrão circadiano da PIO
uma vez que não foram obtidos valores de PIO durante a
noite. Esta opção deveu-se ao facto de que a obtenção de
valores de PIO durante noite implicaria a necessidade de
despertar o doente com consequente desvirtuação dos valores da MAPA.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório, Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira, João Neves Martins
Já o padrão circadiano da PA, que é caracterizado por
uma diminuição dos valores sistólicos e diastólicos durante
o sono15,49, foi similar em ambos os esquemas, sempre com
valores nocturnos significativamente inferiores (p<0,001)
aos diurnos para valores de pressões sistólicas, diastólicas
e médias. No entanto, apesar de não se ter observado uma
diferença valorizável dos valores de PAS, PAD e PAM nas
24 horas (p=0,238, p=0,359 e p=0,860, respectivamente)
entre doentes que aplicavam o maleato de timolol de manhã
e aqueles que o aplicavam à noite, verificou-se uma diferença substancial dos valores de PAS, PAD e PAM com a
análise nocturna e diurna isoladamente. Quando o maleato
de timolol passou a ser aplicado de manhã verificou-se uma
subida significativa dos valores nocturnos da PAS e PAD
médias (p=0,03 e p=0,001, respectivamente), dos valores
mínimos de PAD registados (p<0,001), assim como dos valores nocturnos da PAM (p<0,001). Já os valores diurnos
da PAS média e PAS mínima registaram uma diminuição
significativa (p=0,036 e p=0,002, respectivamente) quando
o maleato de timolol passou a ser aplicado de manhã. Mas
nenhuma alteração significativa dos valores de PAD média
e PAM diurnos foram observados neste segundo esquema
(p=0,535 e p=0,102, respectivamente).
Estas alterações substanciais dos valores tensionais
acarretam consequentemente mudanças na PPO, identificada como factor de risco de desenvolvimento e progressão de
glaucoma em deiversos estudos50,51,52,53.
Sehi et al verificaram que em doentes com glaucoma a
PPO é mais baixa durante a noite, imediatamente antes do
acordar51. Este achado está de acordo com o conhecido aumento da PIO e diminuição da PA que ocorrem simultaneamente durante a noite. Choi et al observaram que em doentes com glaucoma as flutuações maiores na PPO estavam
directamente relacionadas não só com uma maior diminuição da PA nocturna bem como com piores índices de campo
visual52. Observaram ainda, noutro estudo, que a progressão
anatómica (espessura da camada de fibras nervosas da retina) e funcional (campo visual) foi significativamente superior em doentes com glaucoma que apresentaram uma maior
flutuação circadiana da PPO, tendo classificado a flutuação
circadiana da PPO como o factor de risco clínico mais consistente para o glaucoma grave53.
Assim sendo, uma vez que os aumentos da PPO têm
a capacidade de alterar favoravelmente o fluxo sanguíneo
para a cabeça do nervo óptico, faz sentido avaliar a medicação hipotensora ocular tendo em vista a sua capacidade de
influenciar a PPO e eventualmente minimizar as suas flutuações circadianas.
Nesse sentido este estudo fornece dados novos e pertinentes, ao demonstrar que a aplicação matinal do maleato
398
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
de timolol quando comparado com a sua aplicação nocturna, eleva os valores médios nocturnos da PA sistólica,
diastólica e PAM, reduzindo simultaneamente os valores
diurnos da PAS média e deixando do ponto de vista estatístico, inalterados os valores diurnos da PAD média e PAM.
Ainda assim, esta mudança de esquema terapêutico não
influencia a PA sistólica, diastólica e média nas 24 horas.
Estas alterações implicam um aumento significativo da PPO
sistólica, diastólica e média nocturnas (equivalentes a 4,23
± 6,46 mmHg, 2,40 ± 2,75 mmHg e 4,80 ± 2,93 mmHg,
respectivamente), uma diminuição da PPO sistólica diurna
(equivalente a 2,08 ± 4,77, um significado estatístico inferior às subidas nocturnas), deixando inalteradas as PPO’s
diastólica e média diurnas.
Como já foi referido, a ocorrência de uma diminuição da
pressão arterial durante o sono é conhecida desde há mais de
quatro décadas14 e tem sido demonstrada por muitos estudos
de monitorização ambulatória da pressão arterial desde então31,54-60. Aproximadamente dois terços da população geral
apresenta um perfil do tipo dipper (diminuição nocturna da
PA entre 10-20%), indicando a natureza fisiológica da diminuição nocturna da PA (dip)61-63. No entanto, doentes com
grandes descidas da PA durante a noite podem apresentar
um maior risco para a progressão do glaucoma quando comparados com doentes cujas descidas se apresentam dentro
de limites normais29,30,53,64-66. O dip nocturno da PA foi demonstrado estar aumentado em doentes com GPAA29,67,68
e glaucoma com PIO dentro dos limites considerados normais (glaucoma normotensional; GNT)57,59,69. Graham et al31
compararam 37 doentes com deterioração progressiva dos
campos visuais com 15 doentes que apresentavam campos
visuais estáveis e verificaram existir um dip nocturno significativamente maior da PA sistólica (p = 0,001), diastólica
(p = 0,060) e média (p = 0,016) nos doentes que apresentavam deterioração progressiva dos campos visuais. Relativamente à aplicação tópica de β-bloqueadores, Hayreh et
al70 observaram que doentes com GPAA medicados ,por via
tópica, com estes fármacos apresentaram uma maior diminuição nocturna da PA quando comparados com doentes
que não aplicaram β-bloqueadores tópicos70. Neste sentido,
os nossos resultados sugerem que com a aplicação matinal
em vez de nocturna de maleato de timolol os dips nocturnos das pressões arteriais sistólicas, diastólicas e médias são
reduzidos de forma muito significativa (p<0,001). A aplicação matinal de maleato de timolol pode, por isso, constituir
um factor protector para a progressão do glaucoma.
No entanto, diversos estudos identificaram que a presença de um dip nocturno muito baixo (inferior a 10%; não-dipper) pode constituir factor de risco para doença arterial
coronária71, danos nos orgãos-alvo72 e morbimortalidade
Efeito da Aplicação Matinal vs. Nocturna de Maleato de Timolol em Doentes Medicados com Prostaglandina
nas Curvas de Pressão Intraoculares Diurnas e de Pressão Arterial nas 24 Horas
cardiovascular72,73 em doentes normotensos, ainda que tradicionalmente este risco cardiovascular seja atribuído predominantemente a doentes hipertensos não-dipper73-83. Patologias como insuficiência cardíaca congestiva84, diabetes85
e apneia do sono86 foram também relacionadas com o perfil
arterial de não-dipper.
Também no glaucoma estes dips muito pequenos ou
ausência de dips nocturnos foram associados a progressão64,87,88. Tokunaga et al88 avaliaram prospectivamente a
relação entre a diminuição nocturna da PA e a progressão
do campo visual em 38 pacientes com GPAA (e GNT) seguidos durante um período mínimo de 4 anos. Os doentes
que apresentaram uma diminuição nocturna <10% foram
designados não-dippers, os que apresentaram uma diminuição entre 10-20% foram designados dippers fisiológicos e
aqueles com uma diminuição de> 20% foram designados
dippers extremos. Os não-dippers e os dippers extremos
foram classificados como não-fisiológicos. Os dippers não-fisiológicos tiveram uma incidência significativamente
maior na progressão do glaucoma quando comparados com
os dippers fisiológicos (p = 0,05). Nesse sentido, com este
estudo, é possível constatar que a aplicação matinal de maleato de timolol (quando comparada com a sua aplicação
nocturna) conduz a um aumento significativo do número de
doentes com perfil de dipper fisiológico, reduzindo substancialmente o número de doentes com perfil de dipper extremo, para valores sistólicos, diastólicas e médios. No entanto, também se verificou um aumento do número de doentes
com perfil de não-dipper sistólicos e médios. Será por isso
necessário avaliar até que ponto este aumento de incidência
dos perfis do tipo não-dipper pode levar ao desenvolvimento de factores de risco cardiovasculares ou de outras patologias sistémicas.
A frequência cardíaca é influenciada por antagonistas
beta, que inibindo a actividade simpática mediada pela epinefrina diminuem o cronotropismo e inotropismo, conduzindo a uma diminuição da frequência cardíaca e contractilidade do miocárdio.
Hayreh et al70 verificaram que doentes com glaucoma
medicados com maleato de timolol apresentaram frequências cardíaca mínimas nocturnas significativamente inferiores (p=0,002) a doentes não medicados com beta-bloquedor. Netland et al89 observaram que a aplicação de maleato
de timolol resultou em FC’s médias nocturnas significativamente inferiores às FC’s médias diurnas e a aplicação matinal resultou numa redução estatisticamente significativa
da FC média e mínima durante o dia (p=0,007 e p=0,019,
respectivamente) e num aumento da FC mínima nocturna
(p=0,044), sem afectar a FC média nocturna e nas 24 horas
Finalmente no que concerne às PIO’s, os resultados
obtidos neste estudo parecem indicar não existir diferença
nas PIO’s durante o dia entre a aplicação nocturna e matinal de maleato de timolol. Não encontramos na literatura estudos que tenham avaliado as diferenças que resultam
de uma aplicação nocturna e matinal de maleato de timolol
nas PIO’s durante a noite ou nas 24 horas. Encontramos no
entanto um estudo que analisou o fluxo do humor aquoso
nas 24 horas e que demonstrou que o maleato de timolol
reduz a produção de humor aquoso para níveis inferiores
aos níveis basais durante o dia, mas não durante a noite90.
E como já referimos previamente, diversos trabalhos realizados sugerem que a aplicação de maleato de timolol uma
vez por dia apresenta uma eficácia semelhante que se aplicado duas vezes por dia42-44,91,92. Aparentemente, apesar de
a semi-vida ser de apenas algumas horas, a sua disponibilidade parece ser prolongada devido à sua capacidade de
se ligar à melanina93,94, o que em parte explica o seu tempo
de “wash-out” de 2 a 4 semanas93. Um estudo conduzido
por Ong et al94 concluiu que na sua formulação em gel, a
aplicação de maleato de timolol de manhã apresenta eficácia
superior à sua aplicação nocturna.
Estamos cientes que este estudo apresenta limitações
importantes tais como o facto de apenas terem sido avaliados doentes normotensos e de a amostra de doentes ser relativamente pequena, o que pode limitar a generalização dos
resultados. Mais ainda, não foram avaliadas as PIO’s durante a noite, o que nos impede a avaliação das repercussões
da aplicação matinal vs nocturna de maleato de timolol na
PIO durante as horas de sono. No entanto, e como foi acima
referiso, não nos parece ser possível determinar de forma
fidedigna as PIO’s e PA’s no mesmo doente e na mesma
noite, uma vez que será sempre necessário acordar o doente
para avaliação das PIO’s o que consequentemente desvirtua
as valores reais da PA.
Trata-se no entanto, de acordo com a nossa pesquisa,
do primeiro estudo a avaliar os efeitos que a aplicação matinal de maleato de timolol induz nas pressões arteriais nas
24 horas quando comparado com a sua aplicação nocturna.
Também não encontramos nenhum estudo que compare os
efeitos na PIO nas 24 horas de uma aplicação nocturna e
matinal de maleato de timolol.
E, de acordo com os nossos resultados estas questões
parecem ser muito pertinentes, uma vez que as combinações
fixas, com consequente aplicação nocturna de maleato de timolol, representam uma grande fatia de doentes medicados
para o glaucoma. Integrando estes resultados com a literatura mencionada , o período do dia em que se faz a aplicação
de maleato de timolol pode alterar o perfil arterial do doente, com implicações na progressão do GPAA . Este pressuposto merece, da nossa perspectiva, investigação adicional.
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Pedro Barros, Gabriel Morgado, Paula Tenedório, Joana Martins, Josefina Serino, Bruna Vieira, João Neves Martins
Como já foi referido, é necessário avaliar a possibilidade
de ocorrências cardiovasculares, assim como o desenvolvimento de patologias que possam estar associados a um aumento de perfis não-dipper.
Em conclusão, a aplicação matinal de maleato de timolol parece ter vantagens em relação à aplicação nocturna.
Observamos diminuição da diferença entre a PA diurna e
nocturna, tendo para isto sido mais importante o aumento
da PA nocturna. Houve ainda aumento do número de doentes com perfil dipper fisiológico, principalmente à custa da
diminuição do perfil dipper extremo.
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Menção honrosa SPO Pfizer 2011
Nenhum dos Autores tem interesses comerciais nos medicamentos discutidos neste artigo.
CONTACTO
Pedro Barros
[email protected]
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
403
Oftalmologia - Vol. 36: pp.405-410
Artigo Original
Ângulo Estreito: Facoemulsificação
versus Iridotomia Laser
Joana Ferreira1, Luís Abegão Pinto1, Isabel Domingues2, José Pedro Silva3, João Paulo Cunha3, Maria Reina3
¹Interna do Internato Complementar
²Assistente Hospitalar Eventual
³Assistente Hospitalar Graduado
Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central
RESUMO
Objectivo: Comparar as alterações dos parâmetros da câmara anterior após facoemulsificação
versus iridotomia laser em doentes com glaucoma de ângulo fechado.
Métodos: Os autores realizaram um estudo prospectivo em 22 olhos com ângulo fechado, que
foram distribuídos aleatoriamente em 2 grupos: G1 – submetido a iridotomia laser, G2 – submetido a facoemulsificação com implante de lente intraocular (LIO). Em ambos os grupos foram
avaliadas, pré e pós-operatoriamente (1 e 3 meses), as alterações morfológicas da câmara anterior (volume, profundidade central e ângulo da câmara anterior) através do Pentacam Rotating
Scheimpflug Câmara.
Resultados: No grupo 1 verificou-se um aumento não estatisticamente significativo (p>0,01)
de todos os parâmetros da câmara anterior, enquanto que no grupo 2 este aumento foi estatisticamente significativo (p<0,0001). Três meses após facoemulsificação observou-se um aumento
de 91,19% do volume da câmara anterior, 72,32% do ângulo da câmara anterior e de 91,67% da
profundidade central da câmara anterior.
Conclusões: Nos doentes com glaucoma de ângulo fechado o volume, ângulo e profundidade
central da câmara anterior aumentam após facoemulsificação ou iridotomia laser. Contudo, a
facoemulsificação é mais eficaz no aumento referido. Futuros estudos serão necessários para ser
considera a facoemulsificação o tratamento de escolha na prevenção de crises agudas de encerramento do ângulo em casos seleccionados de glaucoma de ângulo fechado e catarata.
Palavras-chave
Facoemulsificação, iridotomia laser, glaucoma de ângulo fechado, glaucoma agudo, pentacam.
ABSTRACT
Purpose: To compare changes of the anterior chamber after phacoemulsification versus laser
iridotomy in patients with chronic angle closure glaucoma.
Methods: Prospective, non-randomized comparative study in 22 patients with narrow angle.
Two treatment groups: G1 - underwent laser iridotomy, G2 - underwent phacoemulsification
with implantation of intraocular lens (IOL). Morphological changes of anterior chamber (volume, depth and anterior chamber angle) through the Pentacam Rotating Scheimpflug Camera
were examined in each group pre and postoperatively (1 and 3 months).
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Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Isabel Domingues, José Pedro Silva, João Paulo Cunha, Maria Reina
Results: In group 1 the increase of all parameters of the anterior chamber was not statistically
significant (p> 0.01), whereas in group 2 this increase was statistically significant (p <0.0001).
Three months after phacoemulsification there was an increase of 91,19% of anterior chamber
volume, 72,32% of anterior chamber angle and 91,67% of anterior chamber depth.
Conclusions: In patients with chronic angle closure glaucoma the volume, angle and depth
anterior chamber increase after phacoemulsification and laser iridotomy. However, phacoemulsification is more effective in this increase. Future studies are needed to conclude that phacoemulsification is the treatment of choice in the prevention of acute glaucoma in selected cases of
chronic angle closure glaucoma.and cataract.
Key-words
Phacoemulsification, laser, iridotomy, chronic angle closure glaucoma, acute primary angle closure, pentacam.
Introdução
Os glaucomas de ângulo fechado (GAF) são classificados em primários e secundários. Dentro dos primários,
o encerramento do ângulo iridocorneano é muitas vezes
consequência de um bloqueio pupilar por contacto da pupila em semi-midríase e a face anterior do cristalino. A
passagem do humor aquoso para a câmara anterior é assim dificultada, criando um gradiente de pressão entre as
câmaras posterior e anterior. A raiz da íris é empurrada anteriormente encerrando o ângulo. Esta condição é mais frequente na população oriental, nos doentes hipermetropes,
no sexo feminino e nos idosos1,2. Com a idade, a profundidade e o volume da câmara anterior vão diminuindo devido
ao aumento do diâmetro antero-posterior do cristalino e à
deiscência zonular. O cristalino apresenta um volume de
162,9 mm3 aos 20 anos enquanto aos 50 é de 205 mm3 e de
213 mm3 aos 70 anos. Por outro lado, o diâmetro da pupila
também diminui com a idade. Assim, a prevalência de bloqueio pupilar aumenta com a idade atingindo um pico entre
os 55 e os 70 anos3.
A Biomicroscopia Ultrassónica (UBM), o Pentacam-Scheimpflug e a Tomografia de Coerência Óptica (OCT)
do segmento anterior têm sido utilizados para avaliar a morfologia dos parâmetros do segmento anterior e confirmar a
importância da aposição anterior do cristalino na patogénese do GAF4,5.
O tratamento tradicional do GAF inclui medicação tópica e/ou sistémica anti-hipertensora e redução do bloqueio
pupilar por iridotomia laser periférica.
O objectivo do nosso trabalho foi avaliar e comparar a eficácia da iridotomia laser periférica (ILP) e da
406 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
facoemulsificação com implante de lente intraocular de
câmara posterior (LIO CP) em doentes com glaucoma de
ângulo fechado e catarata, avaliando os parâmetros da câmara anterior (volume, profundidade e ângulo) através do
Pentacam e a pressão intraocular por tonómetro de aplanação de Goldmann.
Métodos
Estudo prospectivo onde foram incluídos 22 olhos com
glaucoma de ângulo fechado de 14 doentes observados na
consulta de oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa
Central no período de Janeiro a Junho de 2010. Foram excluídos doentes pseudofáquicos ou afáquicos, doentes com
outras patologias oftalmológicas para além de glaucoma e/
ou catarata, assim como doentes com glaucoma de ângulo
fechado tratados com outros meios para além de medicação
anti-glaucomatosa tópica e/ou sistémica.
Realizou-se pré e pós-operatoriamente uma observação
oftalmológica que incluiu a melhor acuidade visual (AV)
corrigida, biomicroscopia, tonometria de aplanação, fundoscopia, gonioscopia que identificou os ângulos fechados
de acordo com classificação de Shaffer e avaliação quantitativa dos parâmetros da câmara anterior (volume da câmara anterior, VCA, profundidade central da câmara anterior,
PCA e ângulo da câmara anterior, ACA) através de Câmara
Scheimpflug Pentacam.
Os doentes foram distribuídos de forma aleatória em 2
grupos: grupo 1, G1 – 11 olhos submetidos a ILP e grupo
2, G2 – 11 olhos submetidos a facoemulsificação com implante LIO CP.
Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser
As facoemulsificações com implante de LIO CP foram
realizadas nos blocos operatórios do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central (Hospital de
São José e Hospital de Santo António dos Capuchos). Foi
realizada uma preparação pré-operatória com manitol endovenoso. A técnica cirúrgica utilizada foi semelhante em
todos os casos com incisões corneanas de 2,65 mm, capsulorrexis circular contínua de cerca de 5,5 mm, “quick-chop”, irrigação/aspiração e implante de LIO no saco capsular (Acrysof® IQ). A técnica terminava com a aspiração
de material visco-elástico, hidratação do estroma corneano,
injecção de cefuroxime intracamarular e no pós-operatório
foram prescritos colírios de antibiótico e esteróides durante
2 semanas.
Iridotomia laser foi realizada sob anestesia tópica usando uma técnica sequencial de árgon e Nd:YAG laser. No
pós-operatório foi feita terapêutica com esteróides tópicos
durante 4 dias.
Foram comparadas as variáveis VCA, ACA, PCA e
pressão intraocular (PIO) pré e pos-operatoriamente (1º e
3º meses).
Para a análise estatística foi utilizado o software Graphpad Prism. Os dados obtidos foram analisados através
do teste t Student, comparadas médias e desvios padrão.
Valores de p < 0,01 foram considerados estatisticamente
significativos.
mês de pós-operatório. Em todos os parâmetros da câmara
anterior analisados não se verificaram diferenças estatisticamente significativas.
No grupo 2 verificaram-se diferenças estatisticamente
significativas em todos os parâmetros da câmara anterior
tanto no 1º como no 3º mês de follow-up, no entanto as
diferenças da PIO não revelaram a mesma significância.
A PIO pré-operatória foi de 17,55 ± 6,20 mmHg e de 16,27
± 3,41 e 14,64 ± 3,29 mmHg no 1º e 3º mês pós-operatório,
respectivamente. O VCA registou no pré-operatório valores
de 86,73 ± 10,09 mm3 enquanto no 1º e 3º mês de pós-operatório foi de 160,55 ± 18,42 e 165,82 ± 16,44 mm3, respectivamente. O ACA foi de 26,95 ± 4,13 º no pré-operatório
e de 44,18 ± 4,56 e 46,44 ± 4,58 º no 1º e 3º mês de pós-operatório, respectivamente. Em relação à PCA os valores
foram de 2,04 ± 0,3 mm no pré-operatório e de 3,95 ± 0,48
e 3,91 ± 0,45 mm no 1º e 3º mês de pós-operatório, respectivamente. (gráficos 1, 2, 3 e 4)
Aos 3 meses de follow-up verificou-se um aumento
de 91,19 % no volume da câmara anterior, de 72,32 % no
Resultados
O estudo incluiu 22 olhos com ângulo fechado de 14
doentes, divididos equitativamente e aleatoriamente em
dois grupos. G1 era constituído por 11 olhos de 7 doentes,
todos do sexo feminino e G2 era composto pelos restantes
11 olhos de 7 doentes, 4 do sexo feminino e 3 do sexo masculino. A idade média foi de 63,7 ± 8,7 anos para o grupo 1
e de 73,1 ± 6,85 anos para o grupo 2. O período de follow-up foi de 3 meses.
No grupo 1 os valores médios pré-operatórios da PIO
foram de 16,18 ± 2,23 mmHg e no 1º e 3º meses de pós-operatório foram de 14 ± 2,86 e 15,73 ± 2,8 mmHg, respectivamente. Não se verificaram diferenças estatisticamente
significativas entre estas medições. Em relação ao VCA no
pré-operatório foi de 81,36 ± 27,15 mm3, enquanto no 1º e
3º meses de pós-operatório foi de 102,36 ± 24,43 e 110,64
± 21,9 mm3, respectivamente. O ACA teve valores de 22,79
± 3,95 º no pré-operatório e de 22,62 ± 4,9º e 26,12 ± 7,04º
no 1º e 3º mês de pós-operatório, respectivamente. Em relação à PCA registaram-se valores de 1,95 ± 0,42 mm no
pré-operatório e de 2,03 ± 0,33 e 2,18 ± 0,50 mm no 1º e 3º
Gráf. 1 | Valores médios de PIO no pré-operatório e 1º e 3º mês
de pós-operatório em G1 e G2.
Gráf. 2 | Valores médios de VCA no pré-operatório e 1º e 3º mês
de pós-operatório em G1 e G2.
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Joana Ferreira, Luís Abegão Pinto, Isabel Domingues, José Pedro Silva, João Paulo Cunha, Maria Reina
Gráf. 3 | Valores médios de ACA no pré-operatório e 1º e 3º mês
de pós-operatório em G1 e G2.
Gráf. 4 | Valores médios de PCA no pré-operatório e 1º e 3º mês
de pós-operatório em G1 e G2.
ângulo da câmara anterior e de 91,67 % na profundidade
central da câmara anterior, relativamente ao grupo submetido a facoemulsificação. Quanto ao grupo 1 foram registados valores percentuais de 35,99; 14,61 e 11,79 para o
volume, ângulo e profundidade central da câmara anterior,
respectivamente. A PIO diminuiu 2,91 mmHg no G2 e 0,45
mmHg no G1.
Discussão
Recentes estudos sugerem que o cristalino tem um papel
importante na configuração do ângulo. O cristalino estreita
o ângulo ao empurrar a íris periférica anteriormente e este
efeito é mais marcado na presença de catarata. A catarata
pode ser um importante factor adjuvante no encerramento
do ângulo. Apesar dos resultados visuais e refractivos pós
cirurgia de catarata estarem bem estudados, assim como a
diminuição da PIO no pós-operatório a longo prazo estar
408 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
reportada, as concomitantes alterações anatómicas e fisiológicas da câmara anterior permanecem pouco claras. Existe
pouca informação no que diz respeito à dinâmica do humor
aquoso após facoemulsificação.
O tratamento tradicional do GAF inclui medicação tópica e/ou sistémica anti-hipertensora e alívio do bloqueio
pupilar por iridotomia laser periférica. Contudo, 38 - 58%
destes doentes mantém PIO elevadas subsequentemente6,7.
Este facto pode ser devido ao encerramento aposicional
residual após ILP, como resultado de um posicionamento
anterior do corpo ciliar, ou devido à lesão do trabéculo e
desenvolvimento de sinéquias anteriores periféricas por
uma resposta inflamatória intensa ou um encerramento do
ângulo prolongado durante uma crise aguda.
Numerosos estudos têm mostrado que a PIO pode reduzir aproximadamente 2 mmHg um ano após extracção
extracapsular de catarata8-10 e mais recentemente, a facoemulsificação com implante de LIO CP veio confirmar estes
dados11-19. Poley e seus colaboradores realizaram um estudo
com 10 anos de follow-up onde verificaram que a diminuição da PIO após cirurgia de catarata era proporcional ao
valor de PIO baseline, isto é, quanto maior o valor de PIO
baseline maior a redução após facoemulsificação. Assim, a
redução da PIO em doentes com glaucoma de ângulo fechado tratados é limitada e de 1-2 mmHg15. Em adição, estudos
têm mostrado que a redução da PIO é mais significativa um
ano após cirurgia de catarata e que depois retorna aos valores baseline progressivamente20.
A cirurgia de catarata tem sido sugerida como alternativa à ILP no tratamento do glaucoma agudo primário18,21-23.
Keenan refere mesmo que a tendência para a diminuição da
prevalência de glaucomas agudos primários se deve ao facto do aumento do número de cirurgias de catarata realizado
nos últimos anos24. Euswas e Warrasak, em 2005, dividiram
os doentes com glaucoma de ângulo fechado em 2 grupos
de acordo com o grau de encerramento do ângulo: no grupo
1 foram incluídos doentes com menos que 180º de encerramento do ângulo enquanto no grupo 2 havia menos de
270º de sinéquias periféricas anteriores. Verificaram uma
redução de 2 mmHg no grupo 1 e de 5 mmHg no grupo 2
após facoemulsificação25.
Num estudo de Hayashi e colaboradores26 a redução da
PIO registada após a cirurgia de catarata foi superior a outras séries11,12, e foi mais importante nos olhos com glaucoma de ângulo aberto (GAA) que no glaucoma de ângulo
fechado (GAF). No entanto, apenas 19,1 % dos doentes
com GAA deixaram de necessitar de terapêutica anti-glaucomatosa contra 40,1 % de doentes com GAF, após cirurgia
de catarata. O aumento do ângulo e da profundidade da câmara anterior associado à redução da PIO sugerem que um
Ângulo Estreito: Facoemulsificação versus Iridotomia Laser
importante factor na fisiopatologia do glaucoma, o estreitamento/encerramento do ângulo é eliminado/reduzido com a
cirurgia de catarata por facoemulsificação de pequena incisão. Embora a iridotomia laser previna o bloqueio pupilar
relativo, a câmara anterior permanece igualmente estreita,
razão pela qual a extracção da catarata possa ser mais eficaz
no tratamento do glaucoma de ângulo fechado27.
Os nossos resultados demonstraram que a cirurgia de
catarata é mais eficaz não só na redução da PIO como no
aumento de todos os parâmetros da câmara anterior, nomeadamente no seu volume, ângulo e profundidade. Este
estudo apresenta algumas limitações como seja o tempo
curto de follow-up, o número reduzido da amostra e a avaliação dos parâmetros do segmento anterior ser feita através
do Pentacam uma vez que este aparelho, no que respeita ao
ângulo, não o avaliar com precisão. Futuros estudos, com
follow-up superior, serão realizados pelo grupo de trabalho para avaliar esta eficácia da cirurgia de catarata e poder
correlacioná-la com uma possível prevenção de crises de
glaucoma agudo nos olhos com ângulo estreito.
Conclusões
Em conclusão podemos considerar que a facoemulsificação é mais eficaz no aumento dos parâmetros da câmara
anterior em olhos com ângulos estreitos versus a iridotomia
laser. Contudo, no nosso entender, mais estudos com um
follow-up maior são necessários para avaliar a capacidade
de a facoemulsificação prevenir possíveis crises de glaucoma de ângulo fechado nestes olhos com ângulo estreito e
assim permitirem uma melhor orientação na nossa escolha
terapêutica.
A abordagem do doente com glaucoma e catarata continua a ser um desafio para os oftalmologistas. Não existem
recomendações uniformes e é importante considerar cada
caso em particular aquando da decisão cirúrgica, tendo em
conta vários factores como a idade do doente, o estadio da
doença, a compliance com o tratamento médico aliada à
PIO pretendida como alvo.
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Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar
CONTACTO
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.411-416
Artigo Original
Complicações Hemorrágicas após Injecções
Intravítreas em Doentes Anticoagulados e/ou
Antiagregados – Estudo Retrospectivo
Cláudia Loureiro1, Ana Bastos Carvalho2, Joana Valadares1, Joaquim Prates Canelas3, Manuel Monteiro Grillo4
1
Interno do Internato Complementar de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
2
Assistente Hospitalar Eventual de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte e
Assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa
3
Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia e Responsável pelo Departamento de Retina Médica
do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
4
Director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
e Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa
Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
Resumo
Objectivo: Avaliar a segurança de injecções intravítreas de anticorpos monoclonais anti-factor
de crescimento endotelial vascular (anti-VEGF), em doentes hipocoagulados e/ou antiagregados.
Materiais e Métodos: Estudo retrospectivo de uma série consecutiva de doentes de um único
centro, que receberam injecções intravítreas de anti-VEGF (ranibizumab e bevacizumab), num
período de 2 anos. Foram registados dados demográficos, doenças oftalmológicas, medicação e
complicações hemorrágicas oculares.
Resultados: O estudo incluiu 302 doentes que receberam 810 injecções intravítreas. Cento e
quarenta e nove (49%, 366 injecções) encontravam-se sob terapêutica anticoagulante ou antiagregante, e apenas 19 (13.7%) interromperam a medicação antes do procedimento. Registou-se apenas uma complicação hemorrágica (hemovítreo), num doente sob terapêutica combinada
(anticoagulante e antiagregante).
Conclusão: No presente estudo, o risco de complicações hemorrágicas foi extremamente baixo,
não se parecendo justificar a interrupção da medicação supracitada.
Palavras-chave
Injecção intravítrea, anti-VEGF, complicações hemorrágicas, anticoagulantes, antiagregantes.
Abstract
Objective: To determine the safety of anti-vascular endothelial growth factor (anti-VEGF) intravitreal injections in patients on anticoagulant and/or antiaggregant therapy.
Methods: A retrospective study was conducted on a consecutive series of patients of a single center who received anti-VEGF intravitreal injections (ranibizumab and bevacizumab), in
a 2-year period. Data on demographic parameters, ophthalmological diseases, medication and
hemorrhagic ocular complications were collected.
Results: The study included 302 patients who received 810 intravitreal injections. Among these,
149 (49%, 366 injections) were on anticoagulant or antiaggregant therapy, and only 19 (13,7%)
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Cláudia Loureiro, Ana Bastos Carvalho, Joana Valadares, Joaquim Prates Canelas, Manuel Monteiro Grillo
discontinued therapy before injection. There was only one hemorrhagic complication (vitreous
hemorrhage) which occurred in a patient on combined anti-coagulant and antiaggregant therapy.
Conclusion: In the present study, the risk of hemorrhagic complications was extremely low.
Therefore, discontinuation of the referred medication does not seem required.
Key-words
Intravitreal injection, anti-VEGF, hemorrhagic complications, anticoagulants, antiaggregants.
Introdução
As injecções intravítreas de anti-VEGF, Bevacizumab
(Avastin®) e Ranibizumab (Lucentis®), constituem actualmente uma opção de tratamento de primeira linha para uma
variedade de patologias vitreoretinianas. Tem sido demonstrado que complicações são raras quando o procedimento é
realizado segundo as normas estabelecidas para a boa prática de injecções intravítreas1,3,15,17,18,25.
Muitos doentes submetidos a injecções intravítreas
apresentam elevado risco de enfarte de miocárdio, acidente
vascular cerebral, trombose venosa profunda, ou embolia
pulmonar por doenças subjacentes que os predispõem a estas complicações10,28,34. Uma percentagem significativa destes doentes encontram-se medicados com anticoagulantes
e/ou antiagregantes plaquetários10,25,28.
A interrupção desta medicação, em doentes submetidos
a procedimentos vitreoretinianos invasivos, no sentido de
evitar complicações hemorrágicas oculares e consequentes
resultados, é uma prática comum10,17,25. Contudo, a descontinuação da medicação antiagregante e anticoagulante predispõe os doentes a um elevado risco de eventos tromboembólicos, que podem conduzir à morte10,12,16,25,27.
Não existe nenhum consenso geral definido na prática
clinica, quanto à abordagem perioperatória de doentes antiagregados e/ou hipocoagulados e que são submetidos a
injecções intravítreas repetidas12,27,33.
Com o uso terapêutico crescente das injecções intravítreas de anti-VEGF, torna-se importante avaliar o
risco hemorrágico associado a este procedimento, em
doentes sob terapêutica anticoagulante ou antiagregante
plaquetária12,17,25,28.
Na cirurgia de catarata a maioria dos estudos preconiza
a manutenção da terapêutica anticoagulante ou antiagregante plaquetária4-6,19-23. Já na cirurgia vitreoretiniana os
estudos são controversos, havendo autores que defendem
a manutenção da terapêutica anticoagulante, outros que falam na suspensão desta terapêutica em doentes com baixo risco tromboembólico, devido ao aumento do risco de
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
complicações hemorrágicas intra e pós operatórias,. A manutenção dos fármacos antiagregantes na cirurgia de vítreo
e retina é defendida na maioria da literatura8,9,11,13,14,26,29,30.
O objectivo deste estudo foi determinar a frequência de
complicações hemorrágicas após injecções intravítreas de
agentes anti-VEGF em doentes antiagregados e/ou hipocoagulados, através de um amplo estudo retrospectivo, de forma
a estabelecer uma melhor relação de risco/benefício na interrupção da medicação supracitada antes de uma injecção
intravítrea.
Materiais e Métodos
Foi realizado um estudo retrospectivo de uma série de
302 doentes consecutivos que receberam 810 injecções intravítreas de agentes anti-VEGF (bevacizumab e ranibizumab), de um centro de referência, num período de 2 anos
(entre Julho de 2008 e Julho de 2010).
Foram identificados todos os doentes que foram submetidos a injecções intra-vítreas de agentes anti-VEGF no
período de estudo estabelecido e seleccionados de acordo
com os critérios de inclusão e exclusão. Foram consultados
os respectivos processos clínicos e realizadas entrevistas telefónicas a todos os doentes incluídos.
Foram registados os dados demográficos, diagnósticos
oftalmológicos, medicação anticoagulante e antiagregante
e complicações hemorrágicas.
As complicações hemorrágicas foram definidas como:
hemovítreo, hemorragia retrohialóideia, aumento significativo de hemorragia intraretiniana ou submacular, hemorragia coroideia ou supracoróideia. As hemorragias subconjuntivais não foram consideradas.
Os doentes identificados entre Julho de 2008 e Julho
de 2010 que foram submetidos as injecções intravítreas de
bevacizumab e ranibizumab foram incluídos no presente
estudo. Foram excluídos doentes com hemovítreo prévio e
doentes nos quais a injecção intravítrea foi acompanhada de
outro procedimento cirúrgico.
Complicações Hemorrágicas após Injecções Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo
Os doentes foram divididos em três grupos consoante o
tipo de medicação: antiagregante, anticoagulante e um grupo
controlo (sem medicação antiagregante ou anticoagulante).
O procedimento cirúrgico foi realizado após instilação de anestesia tópica com cloridrato de oxibuprocaína
e desinfecção local com iodopovidona a 5% na conjuntiva bulbar e fundos de saco conjuntivais e a 10% na pele,
durante 2 minutos. A injecção intravítrea de bevacizumab
(1.25 mg/0.05 mL) ou ranibizumab (0.5 mg/0.05 mL) foi
administrada com uma agulha de 30 gauge adaptada numa
seringa de insulina, no quadrante inferotemporal da esclera,
a 3.5 ou 4 mm do limbo, dirigida ao pólo posterior.
Os doentes foram agendados para observação entre 1 a
4 semanas após a injecção, realizando uma avaliação oftalmológica completa.
Resultados
Foram incluídos 302 doentes consecutivos, e um total
de 810 injecções intravítreas (bevacizumab e ranibizumab).
A população estudada apresentou uma idade média de
70.5 anos (intervalo 15-99 anos), com discreto predomínio
do sexo feminino (n=158) em relação ao sexo masculino
(n=144) (Tabela 1).
Os diagnósticos etiológicos mais frequentes que condicionaram o tratamento com antiangiogénicos foram a
degenerescência macular ligada à idade, o edema macular
diabético e o edema macular por oclusão venosa retiniana.
As patologias oftalmológicas subjacentes encontram-se discriminadas no Gráfico 1.
A média do número de injecções por doente foi 2.7 (intervalo de 1-14 injecções).
Entre os doentes estudados, 149 (49%, 366 injecções)
encontravam-se sob terapêutica anticoagulante ou antiagregante e os restantes 153 doentes estudados (51%, 444
injecções) não se encontravam sob a terapêutica referida
(Gráfico 2). O grupo dos doentes antiagregados incluiu 141
doentes e o dos anticoagulados 8 doentes.
Especificamente o tipo de terapêutica realizada pelos
grupos sob terapêutica antiagregante e anticoagulante foi
a seguinte: ácido acetilsalicílico, 91 doentes (61.1%, 239
injecções); ticlopidina, 18 doentes (12.1%, 51 injecções);
clopidogrel, 14 doentes (9.4%, 26 injecções); triflusal, 6
doentes (4.0%, 15 injecções); varfarina, 7 doentes (4.6%,
Tabela 1 | Dados demográficos (n= 302)
Dados Demográficos
Idade Média (anos)
70,5
Idade Mínima (anos)
15
Idade Máxima (anos)
99
Sexo Masculino (n=)
144
Sexo Feminino (n=)
158
Gráf. 2 | Percentagem de doentes com ou sem terapêutica antiagregante e/ou anticoagulante (n=302).
Gráf. 1 | Distribuição dos diagnósticos etiológicos pelo número total de doentes (n=302) que condicionaram o tratamento com
antiangiogénicos.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Cláudia Loureiro, Ana Bastos Carvalho, Joana Valadares, Joaquim Prates Canelas, Manuel Monteiro Grillo
Gráf. 3 | Subgrupos de terapêutica antiagregante e anticoagulante (n=149) e número de injecções respectivos.
17 injecções); clopidogrel e ácido acetilsalicílico, 11 doentes (7.4%, 14 injecções); ticlopidina e ácido acetilsalicílico,
1 doente (0.7%, 1 injecção); e varfarina e ácido acetilsalicílico 1 doente (0.7%, 3 injecções) (Gráfico 3).
Neste grupo foram identificados 130 doentes (87.3%)
que não interromperam a medicação anticoagulante e/ou antiagregante pelo menos uma semana antes do procedimento.
Como complicação hemorrágica, registou-se apenas um
caso de hemovítreo, que ocorreu um mês após uma de três
injecções intravítreas. O doente encontrava-se sob terapêutica com varfarina e ácido acetilsalicílico, e tinha o diagnóstico de retinopatia diabética proliferativa de alto risco.
Não foram registadas outras complicações hemorrágicas
nos restantes doentes (n=301).
Discussão
O risco de complicações tromboembólicas versus hemorragia ocular envolvidos com a abordagem perioperatória em doentes antiagregados ou hipocoagulados continua
a ser um tópico de debate. Não há actualmente nenhuma
regra estabelecida de orientação em relação a esses doentes,
resultando numa variabilidade de decisões clínicas em toda
a comunidade oftalmológica2,4-7,8,9,11-15,17,19-25,26,27,29-32.
As hemorragias após injecções intravítreas podem estar relacionadas com o procedimento em si, com o fármaco
administrado ou com o estado hipocoagulado do doente27.
Alguns estudos têm demonstrado a segurança e ausência de complicações hemorrágicas em doentes sistemicamente hipocoagulados e antiagregados, submetidos a injecções intravítreas7,12,15,17,24,25,27,32. Horn et al, num estudo de
414
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57 doentes hipocoagulados e antiagregados, que receberam
injecções intravítreas consecutivas de ranibizumab, bevacizumab ou triamcinolona, sugeriram que este procedimento
pode ser realizado sem a interrupção da terapêutica referida17. Loukopoulos et al mostraram haver um baixo risco
de complicações em doentes que receberam injecções de
ranibizumab e medicados com anticoagulantes. Neste estudo foi contabilizado o índice internacional de normalização
(INR), cuja média e desvio padrão foi de 2.32±0.7924. Também Mason et al num estudo retrospectivo recente de 675
olhos que receberam 1306 injecções intravítreas, recomendam a continuação do regime terapêutico, sem interrupção
devido ao baixo risco de complicações em doentes sistemicamente hipocoagulados e antiagregados25.
No presente estudo cerca de metade (49%) dos doentes submetidos a injecções intravítreas estavam medicados
com antiagregantes ou anticoagulantes. Após 366 injecções
intravítreas em 149 doentes sob terapêutica antiagregante
ou anticoagulante, verificou-se um baixo risco de complicações hemorrágicas, registando-se apenas um evento hemorrágico num doente hipocoagulado e antiagregado. Este
baixo risco de hemorragia ocular contrapõe-se ao potencial
risco de eventos tromboembólicos sistémicos quando a medicação antiagregante ou anticoagulante é interrompida10.
A única complicação hemorrágica verificada, ocorreu
num doente cuja patologia oftalmológica de base (retinopatia diabética proliferativa), se encontra associada a um
elevado risco de hemorragia espontânea, colocando-a em
provável relação com este aspecto.
Todavia, este estudo apresenta algumas limitações.
Estas incluem o facto de ser um estudo retrospectivo,
não contemplar INR como medida objectiva do estado de
Complicações Hemorrágicas após Injecções Intravítreas em Doentes Hipocoagulados e/ou Antiagregados – Estudo Retrospectivo
anticoagulação pela varfarina e apresentar um n pequeno no
subgrupo de doentes hipocoagulados (n=8, 20 injecções),
não permitindo obter conclusões com segurança nesse
subgrupo de doentes.
Apesar destas limitações, os nossos resultados sugerem
que a taxa de complicações hemorrágicas em doentes sistemicamente antiagregados é extremamente baixa, e dado o
risco associado à interrupção desta medicação, não se parece justificar a interrupção da mesma. Estes dados corroboram as conclusões de outros estudos clínicos7,12,15,17,25,27,32.
De acordo com os resultados do nosso estudo e da literatura mais recente, os autores apoiam a manutenção desta
terapêutica, devido ao baixo risco de complicações hemorrágicas associadas a este procedimento. No entanto, deve
salientar-se que a continuação/interrupção desta medicação
continua a ser uma decisão clínica individualizada, na qual
o médico deve avaliar cuidadosamente a história clínica e
discutir os riscos e benefícios com os próprios doentes.
Estudos prospectivos adicionais poderão reforçar os dados encontrados, e estabelecer uma norma de actuação nos
casos de doentes antiagregados e/ou hipocoagulados, que
tenham indicação para administração de terapêutica por injecção intraocular.
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Apresentado sob a forma de Poster e Comunicação Oral
no XVIII Curso Panamericano – Estoril, Abril de 2011.
Apresentado sob a forma de Comunicação Oral no Congresso Mundial de Oftalmologia – Abu Dhabi, Emirados
Árabes Unidos, Fevereiro de 2012
Nenhum dos Autores tem interesses comerciais nos medicamentos discutidos neste artigo.
CONTACTO
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.417-424
Artigo Original
Disfunção Iridiana Traumática:
Implantação Secundária de Lente de
Suspensão Escleral com Íris Artificial
Mariana Seca1,4, Mafalda Macedo1,4, Pedro Borges1,4, Natália Ferreira2,4, Angelina Meireles3,4
Interno do Internato Complementar de Oftalmologia
2
Assistente Hospitalar de Oftalmologia
3
Chefe de Serviço de Oftalmologia
4
Serviço de Oftalmologia – Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
1
RESUMO
Objectivo: Avaliar os resultados anatomofuncionais e perfil de segurança da implantação secundária de lente em suspensão escleral (LSE) com íris artificial em doentes com disfunção iridiana
traumática.
Material e Métodos: Revisão de seis casos (média de idades de 51 anos) que sofreram traumatismo do globo ocular com consequente aniridia ou midríase fixa. Os doentes foram submetidos a
vitrectomia via pars plana (VPP) com implantação secundária de LSE com íris artificial (modelo
311 da Ophtec). Foram recolhidos dados demográficos e aspectos relevantes relacionados com
o traumatismo. Foi realizado um exame oftalmológico completo, registado o grau subjectivo
de incapacidade causado pelo glare e fotofobia e avaliadas as complicações pós-operatórias. O
seguimento médio foi de 19 meses.
Resultados: Quatro doentes apresentaram ruptura do globo ocular com aniridia e catarata traumática. Dois doentes sofreram contusão ocular com subluxação lenticular e midríase fixa. A
melhor acuidade visual corrigida (MAVC) após o traumatismo variou entre percepção luminosa
e conta dedos. No final do seguimento, a MAVC oscilou entre 20/60 e 20/25. O astigmatismo
corneano induzido pela cirurgia não foi estatisticamente significativo. A percepção subjectiva de
glare e fotofobia melhorou em todos os doentes que apresentavam estes sintomas. Como complicação pós-operatória foi verificado um caso de descolamento de retina.
Conclusão: O traumatismo do globo ocular está geralmente associado a um mau prognóstico.
No entanto, nos casos em que a retina permanece aplicada, a VPP combinada com a implantação
secundária de LSE com íris artificial para reparação da disfunção iridiana parece oferecer bons
resultados anatomofuncionais.
Palavras-chave
Traumatismo ocular, disfunção iridiana, aniridia traumática, midríase fixa traumática, LSE com
íris artificial.
ABSTRACT
Purpose: Report the anatomical and functional results and the safety of secondary implantation
of scleral fixation intraocular lens (IOL) with artificial iris in patients with severe traumatic dysfunction of the iris.
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Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles
Materials and Methods: Review of six cases (mean sample age was 51 years) of ocular trauma
with consequent traumatic aniridia or fixed mydriasis. Patients were submitted to pars plana
vitrectomy (PPV) and secondary implantation of scleral fixation IOL with artificial iris (Ophtec
model 311). Demographic data and relevant information regarding the ocular traumatism were
collected. It was performed a complete ophthalmologic examination, the subjective degree of
disability caused by glare and photophobia was registered, and postoperative complications were
evaluated. The mean follow-up was 19 months.
Results: Four patients presented with globe rupture and traumatic aniridia and cataract.
Two patients had an ocular contusion with subluxation of the lens and fixed dilated pupil. Post
trauma best-corrected visual acuity (BCVA) ranged between light perception and counting fingers. At the end of follow-up period, BCVA was between 20/63 and 20/25. The corneal astigmatism induced by LSE implantation was not statistically significant. The subjective perception of glare and photophobia improved in all patients who had experienced these symptoms.
As postoperative complication was observed one case of retinal detachment.
Conclusions: Ocular trauma is usually associated with bad prognosis. Nonetheless, in cases
where retina is attached, PPV combined with secondary implantation of an artificial iris IOL for
iridian dysfunction repair seems to offer good anatomical and functional results.
Key-words
Ocular trauma, iridian dysfunction, traumatic aniridia, traumatic fixed dilated pupil, scleral fixation IOL with artificial iris.
INTRODUÇÃO
A disfunção iridiana associada a trauma pode manifestar-se de duas formas: aniridia, isto é, ausência parcial
ou total do tecido da íris, ou midríase fixa, por lesão do
músculo esfíncter da íris. Os doentes que apresentam disfunção iridiana podem sofrer de diminuição da acuidade visual, sintomas subjectivos de glare e fotofobia, diminuição
da profundidade de campo, aberrações de alta ordem, bem
como apresentar um aspecto estético menos desejado1. Implantar uma lente intra-ocular (LIO) sem abordar a deficiência iridiana pode resultar em aberrações adicionais causadas
pelos raios de luz que atravessam a periferia da LIO2.
Ao longo dos anos, vários métodos têm sido usados para
minimizar as alterações oftalmológicas decorrentes da disfunção iridiana, nomeadamente, lentes de contacto de cor3,
tatuagem da córnea4,5 e implante com íris artificial6-11. Em
1994, Sundmacher et al. foram os primeiros a relatar o uso
de uma LIO de câmara posterior com íris preta artificial6.
Posteriormente, vários estudos relataram os resultados da
implantação destas lentes, incluindo modelos da Morcher
GmbH7,12,13 e da Ophtec BV14,15.
No nosso trabalho apresentamos seis casos de traumatismo do globo ocular com consequente disfunção iridiana
418
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traumática. O nosso objectivo é avaliar os resultados anatómicos e funcionais da implantação secundária de lente de
suspensão escleral (LSE) com íris artificial nestes doentes,
e avaliar a segurança e complicações destes implantes ao
longo do seguimento.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo retrospectivo, não-comparativo, de seis doentes
que sofreram trauma ocular que condicionou uma disfunção iridiana (aniridia ou midríase fixa traumáticas); estes
doentes foram submetidos a cirurgia primária em contexto
de urgência, seguido de vitrectomia via pars plana (VPP),
tamponamento com óleo de silicone ou gás quando necessário, e implantação secundária de LSE com íris artificial.
As cirurgias foram realizadas por dois cirurgiões da
secção de Vítreo-Retina, no bloco operatório do Serviço de
Oftalmologia do Centro Hospitalar do Porto, num período
de 33 meses, entre Setembro de 2007 e Julho de 2010.
Foram registados os dados demográficos e toda a informação obtida no exame oftalmológico completo: melhor
acuidade visual após o trauma, biomicroscopia e fundoscopia sob midríase farmacológica. O grau subjectivo de
Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial
incapacidade causado pelo glare e fotofobia também foram
registados.
Incluído na biomicroscopia estava um desenho do defeito funcional da íris, estimado em perda de tecido de <25%,
de 25-50%, de 50-75% ou de >75%; uma pupila fixa e midriática foi considerado um defeito funcional da íris.
Após a implantação da LSE, foram avaliados os seguintes dados: melhor acuidade visual corrigida (MAVC)
e o cilindro necessário para atingir esta AV, pressão intra-ocular por tonometria de aplanação de Goldmann, o grau
subjectivo de incapacidade causado pelo glare e fotofobia e
as complicações pós-operatórias.
O grau de incapacidade causado pelo glare e pela fotofobia foi avaliado através de um questionário realizado
ao doente que graduava este sintoma em ausente, ligeiro,
moderado e severo.
Os doentes foram observados antes e depois de cada
tempo cirúrgico, e no 1º, 3º, 6º e 12º mês após a implantação
da LSE com íris artificial.
A LSE usada no presente estudo (lente intra-ocular com
íris artificial, modelo 311 da Ophtec) (Figura 1) é um implante de peça única de polimetilmetacrilato (PMMA) com capacidade de absorção da radiação ultravioleta. A LIO apresenta
dupla funcionalidade permitindo corrigir distúrbios visuais
resultantes da disfunção da íris, bem como corrigir erros refractivos esféricos consequentes à afaquia cirúrgica frequentemente estabelecida após o trauma. A íris artificial da LIO
está disponível em 3 cores (castanho, azul e verde) e apresenta 9 mm de diâmetro. A óptica central pode ter um poder esférico entre +10,00 e +30,00 Dioptrias (D), com incrementos
de 0,50 D, e apresenta 4 mm de diâmetro. Em cada um dos
dois hápticos em “C” existe um orifício por onde passa o fio
de sutura que vai permitir a fixação à esclera. O comprimento
máximo desta lente é de 13,75 mm.
sutura com alça (nylon 10/00, polipropileno) através do orifício localizado no háptico e formação de um nó com esta
alça; passagem de cada agulha através da incisão corneana, contornando o rebordo pupilar e exteriorizando-se 1,5
mm posteriormente ao limbo, em posições diametralmente
opostas após abertura localizada da conjuntiva; introdução
da lente na câmara anterior, posicionando-a ao nível do
sulco irido-capsular e de forma a centrar o corpo da lente;
fixação da LIO à esclera com o fio de sutura nylon 10/00
através de uma sutura intra-escleral com 4 passagens em
zig-zag, sem recurso a nó; encerramento da incisão corneana com fio de sutura nylon 10/00 e por hidratação dos bordos e encerramento da conjuntiva (Figuras 2 a 4).
Fig. 2 | Introdução da LSE com íris artificial.
Fig. 1 | Lente intra-ocular com íris artificial modelo 311 da
Ophtec (disponível em castanho, verde e azul).
A técnica cirúrgica usada para implantar a LIO com íris
artificial resume-se nos seguintes passos: realização de uma
incisão corneana de 9,5 mm; passagem da agulha do fio de
Fig. 3 | Introdução da LSE com íris artificial.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles
RESULTADOS
Na amostra de 6 doentes, 5 eram homens e 1 era mulher.
A idade variou entre os 33 e 60 anos, com uma média de
idades de 51 anos. Nenhum dos doentes apresentava patologia oftalmológica prévia.
O diagnóstico à entrada no Serviço de Urgência variou
consoante apresentado na Tabela 1. Quatro dos 6 doentes
apresentavam um trauma aberto, com atingimento da zona
III. Funcionalmente, 3 dos 6 doentes apresentavam perdas
de tecido da íris igual ou superior a 50%; 2 doentes tinham
uma midríase fixa traumática.
Os doentes 1 a 4 foram submetidos em primeiro tempo
a uma reparação primária do globo ocular e, em segundo
tempo, a uma VPP com tamponamento com óleo de silicone ou gás endocular. Os doentes 5 e 6 foram submetidos em
Fig. 4 | Introdução da LSE com íris artificial.
Tabela 1 | Dados pós-trauma
Doente
1
2
3
Olho
OE
OE
OE
Sexo, idade Causa do Tipo e tamanho
(anos)
trauma
da ferida
♂, 33
♂, 56
♀, 52
madeira
arame
queda
na via
pública
Diagnóstico
Perda tecido
de íris
Sequência
cirúrgica
50 %
1ª: sutura corneo-escleral
2ª: vitrectomia + facofagia +
laser + silicone
3ª: extracção de silicone +
implantação de LSE com íris
artificial
< 25 %
1ª: sutura escleral
2ª: vitrectomia + laser + C3F8
3ª: facoemulsifação +
implantação de LSE com íris
artificial
4ª: vitrectomia + crioaplicação
+ SF6
50-75 %
1ª: sutura escleral
2ª: vitrectomia + facofagia +
laser + silicone
3ª: extracção silicone
4ª: implantação de LSE com
íris artificial
aberta, 8mm
ruptura corneoescleral, catarata e
aniridia traumáticas
aberta, 3mm
laceração escleral,
catarata e aniridia
traumáticas,
descolamento
de retina com
rasgadura gigante
aberta, 15mm
ruptura escleral,
luxação cristalino
com catarata e
aniridia traumáticas,
rasgadura retiniana
> 75 %
1ª: sutura escleral
2ª: vitrectomia + crioapliação
+ SF6
3ª: implantação de LSE com
íris artificial
4
OD
♂, 60
murro
aberta, 6mm
ruptura escleral,
catarata, aniridia
total, rasgadura
retiniana
5
OD
♂, 53
madeira
fechada
luxação cristalino,
midríase fixa
-
1ª: vitrectomia + facofagia
2ª: implantação de LSE com
íris artificial
6
OD
♂, 49
mola
fechada
cristalino
subluxado, midríase
fixa
-
1ª: vitrectomia + facofagia
2ª: implantação de LSE com
íris artificial
420 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial
primeiro tempo a uma VPP. Em todos os doentes foi realizada a implantação de uma LSE com íris artificial (modelo
311 da Ophtec), todas de cor castanha, e com poder esférico
entre +19,00 e +24,00 D.
Todos os doentes apresentavam acuidades visuais (AV)
pós-trauma entre percepção luminosa (PL) e conta dedos
(CD). Após a implantação da LSE com íris artificial houve
uma melhoria da AV para valores > 20/40 em cinco doentes
e para 20/60 num doente, na escala de Snellen (Tabela 2).
Relativamente à refracção, o cilindro médio pré-implantação de LIO era de 1,83 D e o cilindro médio pós-operatório
foi de 2,21 D, diferença estatisticamente não significativa.
Cinco dos 6 doentes referiram incapacidade moderada a
severa causada por glare e fotofobia. Todos os doentes que
referiram estes sintomas no período após o trauma melhoraram após a implantação da íris artificial (Tabela 3).
Constatou-se como única complicação cirúrgica um
descolamento de retina (DR), 2 meses após a cirurgia de
implantação da LIO com íris artificial (Tabelas 1 e 3 –
doente 2), que foi resolvido com sucesso com vitrectomia e
tamponamento com gás.
O seguimento médio foi de 19 meses (entre os 12 e 40
meses). No final deste, as lentes estavam centradas, verificando-se um pequeno desvio inferior num doente (doente
3). O bom resultado estético é corroborado pelas Figuras
2 a 7.
DISCUSSÃO
A íris regula a quantidade de luz que entra no olho, dependendo esta da superfície da pupila, calculada pela fórmula S = π x r2. Assim, um aumento no diâmetro da pupila resulta num aumento da quantidade de luz que entra no
olho16.
A disfunção iridiana é incapacitante para a maioria dos
doentes. A aniridia ou a midríase fixa permitem a entrada de
maior quantidade de luz, causando fotofobia e incapacidade
de abrir o olho normalmente. Além disso, estes doentes sofrem de degradação da imagem devido a um maior número
de aberrações de alta ordem e a uma diminuição da profundidade de campo1,14,16.
Tabela 2 | MAVC e refracção pós-trauma/pré-implantação de LSE e no final do seguimento
MAVC
Doente
Refracção
pré-LSE
final do seguimento
pós-trauma
final do
seguimento
cilindro
eixo
cilindro
Eixo
1
PL
20/30
2,25
150º
2,00
70º
2
CD
20/25
2,50
170º
0,50
180º
3
PL
20/60
2,50
130º
4,00
180º
4
CD
20/25
1,00
180º
3,00
155º
5
CD
20/25
1,50
70º
3,00
110º
6
CD
20/30
1,25
90º
0,75
180º
Tabela 3 | MAVC e refracção pós-trauma/pré-implantação de LSE e no final do seguimento
Doente
Glare
Fotofobia
Complicações
pre-LSE
pós-LSE
pre-LSE
pós-LSE
1
++
0
++
0
-
2
+++
0
+++
+
DR (2 meses após
implantação de LSE)
3
++
0
+++
0
-
4
+++
++
+++
++
-
5
0
0
0
0
-
6
++
0
++
0
-
+++ severo; ++ moderado; + ligeiro; 0 ausência
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
421
Mariana Seca, Mafalda Macedo, Pedro Borges, Natália Ferreira, Angelina Meireles
Fig. 5 | Doente 1: 33 anos, ♂, trauma ocular aberto (madeira); AV
inicial: PL; AV final: 20/30.
Fig. 8 | Doente 4: 60 anos, ♂, trauma ocular aberto (murro);
AV inicial: CD; AV final: 20/25.
Fig. 6 | Doente 2: 56 anos, ♂, trauma ocular aberto (arame);
AV inicial: CD; AV final: 20/25.
Fig. 9 | Doente 5: 53 anos, ♂, trauma ocular fechado (madeira);
AV inicial: CD; AV final: 20/25.
Fig. 7 | Doente 3: 52 anos, ♀, trauma ocular aberto (queda na via
pública); AV inicial: PL; AV final: 20/60.
Fig. 10 | Doente 6: 49 anos, ♂, trauma ocular fechado (mola);
AV inicial: CD; AV final: 20/30.
422 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Disfunção Iridiana Traumática: Implantação Secundária de Lente De Suspensão Escleral com Íris Artificial
Existem várias formas de corrigir disfunções iridianas.
A pupiloplastia é um tratamento cirúrgico possível no caso
da aniridia parcial, quando ainda está presente tecido da íris
suficiente. As lentes de contacto coloridas são outro tratamento proposto, no entanto, são muitas vezes mal toleradas
a longo prazo. A tatuagem da córnea é um método antigo
que segundo Hirbsen et al.17 é uma cirurgia simples, eficiente e com poucas complicações.
Na literatura6-11, as lentes mais nomeadas são as do laboratório Morcher® (aniridia IOL Type 67F, aniridia IOL
Type 67G, aniridia ring Type 50C e coloboma diaphragm
Type 96G) e do laboratório Ophtec® (modelo 311). Relativamente ao local de suporte da lente, esta pode ser introduzida no sulco ciliar, pode ser realizada uma sutura
transescleral de forma a suspendê-la à esclera ou pode ser
introduzida no saco capsular. Esta última técnica (endocapsular) apresenta vantagens sobre as duas primeiras uma vez
que reduz a incidência de glaucoma e permite uma maior
estabilidade da lente11.
Por terem sido sujeitos a um trauma, todos os doentes
do nosso estudo apresentavam instabilidade do complexo
irido-zonulo-capsular, com consequente comprometimento
do suporte capsular. Assim, a escolha da nossa equipa cirúrgica foi a lente de suspensão escleral do laboratório Ophtec®
311. Esta lente proporciona uma pupila fixa de 4mm, o que
limita a entrada de luz no olho, aumenta a profundidade de
campo e minimiza as aberrações de alta ordem associadas a
pupilas de maior tamanho. Tal como escreveu Price et al.14,
este diâmetro de 4mm parece-nos ser um compromisso entre o tamanho da pupila em condições escotópicas e fotópicas, permitindo um exame adequado da retina periférica.
No estudo de 10 olhos submetidos à implantação da lente Ophtec, Price et al.14 mostrou que a AV e distúrbios visuais como fotofobia e glare melhoraram. No nosso estudo,
a AV melhorou em 100% dos doentes. O grau subjectivo
de incapacidade provocado pelo glare e fotofobia também
melhorou em 100% dos doentes que apresentavam estes
sintomas antes da implantação da LIO com íris artificial.
Considerando a grande incisão corneana (9,5 mm) necessária para a introdução da lente, um astigmatismo pós-operatório é uma complicação que deve ser minimizada14,16.
Na nossa amostra verificou-se um aumento no astigmatismo corneano, com aumento do cilindro necessário para a
sua correcção, mas esta diferença não foi significativa.
Por último, a carga psicossocial é também um componente importante a considerar. A lente Ophtec® modelo 311
permite a escolha da cor da íris de forma a aproximar-se do
olho adelfo e oferecer um melhor resultado estético. Vários
autores têm demonstrado subjectivamente um grau elevado
de satisfação dos doentes8,9,14,15. No nosso estudo, os doentes
afirmaram estar satisfeitos com a melhoria na aparência estética depois da implantação da LIO com íris artificial.
O descolamento de retina, endoftalmite, hemovítreo e
instabilidade do implante são alguns riscos pós-operatórios
associados às LIO com íris artificial20,21. No nosso estudo
verificou-se um DR num doente, que resolveu com vitrectomia e re-aplicação da retina com tamponamento com gás.
A hipertensão intraocular (HTO), normalmente transitória, tem sido relatada por vários autores7,18,19. No nosso estudo não se verificou nenhum caso de HTO pós-implantação
de LSE.
Concluindo, em caso de aniridia traumática, associada
a afaquia, recomendamos a implantação de uma LSE com
íris artificial Ophtec® 311. Estes implantes, que parecem ser
seguros, permitem uma reconstrução estética e funcional
bastante satisfatória.
Contudo, a evolução tecnológica dos implantes com íris
artificial (por exemplo, diferentes cores, maior variedade
dos diâmetros pupilares, fabrico em diferentes materiais),
juntamente com uma maior experiência no seu uso, parece ser necessário para uma melhoria global dos resultados
cirúrgicos.
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Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar
CONTACTO
Mariana Seca
HSA-CHP, Largo Prof. Abel Salazar Edifício Neoclássico
4099-001 Porto
+351916930417
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.425-431
Artigo Original
Espessura Foveal Central (EFC) da
Retina medida por Tomografia de Coerência
Óptica (OCT) por Time Domain (Stratus)
e Spectral Domain (Heidelberg)
Maria Picoto1, José Galveia1, Joana Portelinha1, António Rodrigues2, Fernanda Vaz 3
Interno do Internato Complementar de Oftalmologia
2
Director de Serviço de Oftalmologia
3
Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia
Serviço de Oftalmologia - Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
1
Resumo
Objectivo: Comparar os valores de EFC (espessura média nos 1000 μm de diâmetro centrais)
obtidos através dos protocolos de mapeamento macular da tomografia de coerência óptica em
“Time Domain” (TD, Stratus) e “Spectral Domain” (SD, Heidelberg).
Métodos: Estudo prospectivo de 74 olhos, 31 saudáveis e 43 com patologia vítreo-retiniana (vr).
As tomografias de coerência óptica foram obtidas nos dois aparelhos, na mesma consulta, por
um único operador experiente. Comparou-se a relação entre os valores das EFC medidas pelos
dois sistemas. Avaliou-se a reprodutibilidade e a correlação dessas medições. Estabeleceu-se
uma fórmula preditiva para obtenção de valores de EFC no Heidelberg (SD) a partir dos valores
obtidos no Stratus (TD).
Resultados: A correlação entre as ECR medidas pelos dois sistemas de OCT foi de 0,71 em
olhos saudáveis (p<0,001) e 0,53 em olhos com patologia vr (p<0,001). A EFC média na amostra
global de pacientes foi de 261,05 ± 92,12 nm no TD e 319,82 ± 104,12 no SD. A diferença média
de EFC entre os dois sistemas foi de 88,67 +/- 16,68 nm em olhos com patologia vr (p<0,001) e
71,7+/-4,23 nm em olhos saudáveis (p<0,001). O Coeficiente de Reprodutibilidade (COR) foi de
1,95 x 4,23 em olhos saudáveis (p< 0,001) e 1,95 x 16,68 em olhos com patologia vr (p<0,001).
Conclusões: Existe uma correlação directa entre as medições de EFC obtidas pelos dois sistemas, sendo mais forte para os olhos saudáveis. Estas discrepâncias relacionam-se com diferenças
nos algoritmos de segmentação usados pelos dois sistemas e devem ser tidas em consideração
na prática clínica.
Palavras-chave
Espessura Central da Retina, Tomografia de Coerência Óptica, Patologia da interface vítreo-retiniana, Correlação, Fórmula Preditiva.
Abstract
Purpose: To compare central retinal thickness (CRT) values of fast macular thickness map obtained by Time domain (TD, Stratus) and Spectral Domain (SD, Heidelberg) OCT
Methods: Prospective study of 74 eyes, 31 healthy and 43 with vitreoretinal (vr) pathology.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
425
Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz
A single trained operator using Stratus OCT and Spectralis OCT at the same visit imaged the
macula. The CRT measured by TD and SD OCT was compared. The relationship between CRT
measurements of both OCTs was evaluated using a Pearson correlation analysis (r) and the coefficient of reproducibility (COR) was determined. A predictive formula to obtain CRT values
from SD by TD measurements was estimated.
Results: The correlation between CRT measured by both OCT systems was 0,71 (p<0,001) in
healthy eyes and 0,53 (p<0,001) in eyes with vr pathology. The average CRT in all the eyes was
261,05 ± 92,12 μm in TD and 319,82 ± 104,12 μm in SD. The difference of CRT between the
two systems was 88,67 +/- 16,68 nm in eyes with vr pathology (p<0,001) and 71,7+/-4,23 μm in
healthy eyes (p<0,001). The COR was 1,95 x 4,23 in healthy eyes (p< 0,001) and 1,95 x 16,68
in eyes with vr pathology (p<0,001).
Conclusions: There is a direct correlation of CRT measurements between the two OCT systems.
The correlation is stronger in healthy participants. These discrepancies are probably based on
differences in retinal segmentation algorithms used by each OCT systems.
Key-words
Central Retinal Thickness, Optical Coherence Tomography, Vitreoretinal pathology, Coefficient
of correlation, Predictive formula.
Introdução
O diagnóstico, decisão terapêutica e follow-up de doentes com patologias da retina, assim como o número crescente de ensaios clínicos que avaliam novas terapias farmacológicas para estas doenças, exigem um método reprodutível
e fiável de estudo tomográfico da retina, nomeadamente no
que se refere à sua EFC1. A angiografia fluoresceínica, apesar de ter um papel muito relevante nesta área, não providencia uma avaliação quantitativa da EFC, ao contrário do
OCT. Acresce ainda o facto de ser um método não invasivo,
de não contacto e que fornece imagens de alta resolução de
cortes transversais da retina2. A determinação da EFC tem
valor, na medida em que é amplamente utilizada na prática
clínica e em ensaios clínicos, sendo muitas vezes enquadrada como indicador dos objectivos primários do estudo ou
no processo de tomada de decisões terapêuticas2,3,4.
A Tomografia de Coerência Óptica tem como princípio
a interferometria de Michelson. Nesta, a luz passa através
do olho, originando diferentes reflexos consoante as estruturas. O padrão de interferência resultante tem como base a
combinação do sinal reflectido com o sinal de referencia5.
O TD OCT está disponível desde 2002, tendo sido considerado o state of art até 20073. A aquisição de imagens é
efectuada de forma sequencial (um pixel por segundo, 512
scans por 1,28 s), com 10-15 μm de resolução7.
Em 2005 foi introduzido o SD, com vantagens relativamente aos sistemas anteriores, nomeadamente a velocidade
426
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
de aquisição, resolução (5 μm), fiabilidade e reprodutibilidade superiores8.
A tecnologia do SD OCT utiliza a interferometria de
baixa coerência na detecção de ecos de luz, através de um
espectrómetro e de uma câmara de alta velocidade. Tem
como base a premissa matemática de transformação de
Fourier9,10,11. A aplicação desta fórmula resulta na medição
de todos os ecos de luz simultaneamente, em comparação
à aquisição sequencial do TD. Esta capacidade permite
adquirir um maior número de dados por sessão, resultando numa diminuição dos artefactos de movimento e num
aumento da razão sinal/ruído. A menor interpolação entre
scans permite uma análise volumétrica e a construção de
imagens de forma tridimensional.6,8
Na nossa prática clínica, o TD OCT (Stratus, Carl Zeiss
Meditec, Inc) tem sido o aparelho mais utilizado. Recentemente foi introduzido o SD OCT (Spectralis TM HRA+OCT, Heidelberg Engineering, Inc.). Quando se pretende a utilização de
ambos ou a substituição de um pelo outro, a concordância entre os dois sistemas deve ser alvo de avaliação. Para tal, a correlação entre os valores obtidos com os 2 aparelhos deve ser
analisada. Comprovando-se a existência de uma correlação,
os dois métodos podem ser utilizados de forma permutável.
Com a premissa de responder às questões mencionadas
no parágrafo anterior, executámos o nosso estudo com o
objectivo primário de comparar os valores de EFC obtidos
pelo TD e SD OCT através do fast macular thickness map
no primeiro sistema e com o volume scan pattern HS com
Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT)
por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)
25 linhas nos 20x20º centrais no 2º sistema. Os objectivos
secundários foram avaliar a reprodutibilidade e correlação
entre as medições obtidas pelos dois aparelhos e, por último, estabelecer uma fórmula preditiva para obtenção de
valores de EFC esperadas para o SD OCT determinadas a
partir do valor de EFC medido por TD.
Métodos
Estudo prospectivo de 74 olhos, de 40 doentes seguidos
em consulta de oftalmologia no HEM. No estudo foram incluídos dois grupos de doentes. O primeiro grupo sem patologia (O.S.) seguido em consulta geral e outro grupo com
patologia vr (O.P.) seguido em consulta de retina. Os critérios de inclusão para o primeiro grupo foram os seguintes:
idade ≥ 18 anos, equivalente esférico (EE) ≤ 3D, retina sem
alterações patológicas sem história de patologia sistémica
ou oftalmológica relevante, e melhor acuidade visual corrigida (MAVC) de 1,0. No segundo grupo foram incluídos
doentes que cumprissem os seguintes critérios: idade ≥ 18
anos, EE ≤ 3D, patologia vr (Membranas Epirretinianas,
Edema Macular Diabético e Degenerescência Macular Ligada à Idade exsudativa e atrófica), e ausência de doença
sistémica relevante.
Os participantes no estudo foram submetidos previamente a uma avaliação oftalmológica completa da qual fez
parte a recolha detalhada da história oftalmológica, determinação da MAVC, utilizando a escala de Snellen, e Oftalmoscopia Binocular.
A EFC (espessura média nos 1000 μm de diâmetro centrais) foi determinada utilizando dois aparelhos TD OCT
(Stratus, Carl Zeiss Meditec, Inc) e o SD OCT (SpectralisTM HRA+OCT, Heidelberg Engineering).
Cada um dos participantes realizou OCT, sequencialmente em ambos os aparelhos, no mesmo dia e por um
único operador experiente. Apenas os scans com qualidade suficiente foram aceites (força de sinal ≥ 8, cortes sem
áreas com sinal ausente ou diminuído, cortes centrados na
mácula e limites de segmentação correctos). Os protocolos
de aquisição utilizados para cada um dos aparelhos foram
os seguintes (tabela I):
Os participantes encontravam-se em midríase iatrogénica (diâmetro pupilar ≥ 6 mm) utilizando Tropicamida 0,5%
e Fenilefrina 2,5%.
Os participantes foram instruídos a fixar um alvo de fixação interna. Após efectuado o ajuste de focagem e adquirida uma boa fixação central, o processo foi iniciado.
Os mapas de espessura foram calculados a partir do software de análise de cada um dos aparelhos.
Tabela 1 | Protocolos de Aquisição utilizados com os dois
sistemas de OCT.
Instrumento
Protocolo de Aquisição
Stratus TM OCT
Fast macular thickness 6 scans radiais (6 linhas; 128
scans A/linha)
Área do scan: 6 mm 2
Tempo/aquisição por scan: 1,5 s
Spectralis TM
HRA+OCT
Fast volume scan - 20x202 - HS
Tempo/aquisição por scan: 5,0 s
Para a análise de resultados foram determinados
1. Os valores médios e desvio padrão das EFC medidas pelos dois aparelhos;
2. As diferenças dos valores médios e desvios padrão da EFC obtidos pelos dois aparelhos. O teste
T Student para amostras emparelhadas foi utilizado para comparação destas diferenças;
3. A correlação entre as EFC medidas pelos dois
aparelhos foi determinada pelo Coeficiente de
Correlação de Pearson;
4. Determinou-se o COR para cada aparelho;
5. Foi formulada um equação que estima o valor de
EFC que seria obtido no TD OCT, a partir de um
valor medido no SD OCT.
Resultados
Amostra de 74 olhos de 40 doentes, 23 do sexo feminino, 31 sem patologia e 43 com patologia vr. A medição da
EFC foi possível nos 74 olhos.
A EFC média calculada por cada um dos aparelhos, foi
para a amostra global (A.G.) e para os dois grupos de participantes (gráfico 1):
Gráf. 1 | EFC medida pelos dois sistemas de OCT.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz
1. A
.G. : 319,8 ± 104,1 nm (SD) e 239 ± 78,1 nm
(TD);
2. Grupo O.S. : 275,8 ± 28,3 nm (SD) e 203,7± 31,6
nm (TD);
3. Grupo O.P. : 350,7 ± 125,2 nm (SD) e 261,1 ±
92,1 nm (TD).
A diferença média de EFC calculada entre os dois aparelhos, foi para a A.G., O.S e O.P. (gráfico 2):
1. A.G. : 82,4 ± 9,98 μm;
2. Grupo O.S. : 88,7± 16,7 μm;
3. Grupo O.P. : 71,7± 4,2 μm.
Gráf. 2 | Diferenças de EFC obtidas para a A.G., O.S., e O.P..
Gráf. 4 | Correlação entre medidas de EFC para A.G. nos 2 aparelhos.
Gráf. 5 | Correlação entre medidas de EFC para o grupo O.P.
As diferenças acima mencionadas apresentaram significado estatístico (p< 0,0001), determinado pelo teste T
pares.
As medições dos dois aparelhos foram correlacionadas
de acordo com o coeficiente de Correlação de Pearson (ρ).
Encontram-se descriminadas nos gráficos 3, 4, 5 e 6.
O COR determinado para a amostra global e para os
dois grupos foi o seguinte (tabela 2).
Gráf. 6 | Correlação entre medidas de EFC para o grupo O.S.
Tabela 2 | Coeficiente de Reprodutibilidade para a amostra
global, O.P. e O.S..
Gráf. 3 | ρ da A. G, O.S. e O.P..
428 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Diferença de
EFC m
P value
COR
Global
82,39 ± 9,98
<0,001
1,95 x 9,98
O.P.
88,67 ± 16,68
<0,001
1,95 x 16,68
O.S.
71,7 ± 4,23
<0,001
1,95 x 4,23
Espessura Foveal Central (EFC) da Retina medida por Tomografia de Coerência Óptica (OCT)
por Time Domain (Stratus) e Spectral Domain (Heidelberg)
A fórmula preditiva de cálculo do valor de ECR esperado no SD, a partir do valor determinado no TD, foi obtida
por análise de regressão linear, para a A.G., grupo O.S. e
O.P. (tabela 3).
Tabela 3 | Formula preditiva para cálculo da EFC que seria
obtida pelo SD, a partir de um valor medido no
TD.
Tipos de
Olhos
ECR no Spectralis
P
r2
Global
128,37 + 0,76 x ECR Stratus
<0,001
0,47
O.P.
163,38 + 0,72 x ECR Sratus
<0,001
0,39
O.S.
148.08 + 0,63 x ECR Stratus
<0,001
0,73
Discussão de Resultados
Neste estudo comparámos os valores de EFC medidas
nos aparelhos Stratus e Spectralis e em dois grupos de participantes, grupo O.S. e grupo O.P.
Os 4 principais resultados a merecerem discussão são:
1. A EFC calculada foi superior para o SD na amostra global;
2. A EFC foi superior para O.P.;
3. O coeficiente de correlação foi superior para
O.S.;
4. O COR foi inferior para O.S.
Dos dados obtidos, verifica-se que os valores médios de
ECR e da diferença de ECR estão de acordo com a literatura
revista (tabela 4).
Tabela 4 |
EFC obtidas pelos dois sistemas de OCT,
para olhos saudáveis, publicados em diferentes
estudos.
Estudos
ECRm G1
(nm) TD
ECRm G1
(nm) SD
O.S. (H.E.M.)
203,7 ± 31,58
275,77 ± 28,25
Wolf-Schnurrbusch et al
213 ± 19
a 212 ± 20
288 ± 16
a 290 ± 15
Grover et al 2009
-
270,2 ± 22,5
Pierro et al 2010
202,88
273,19
Durbin et al 2007
-
198,10 ± 17,3
O valor de EFC medido apresentou para os dois grupos de
olhos e para a A.G. um valor numericamente superior no SD.
De acordo com a literatura, as medições de EFC podem
ser subdivididas em 3 grupos. O OCT StratusTM produz os
valores mais baixos, o Copernicus SOCT, Spectral OCT/
SLO, e RTVue-100 produzem valores medianos, enquanto
o SpectralisTM HRA+OCT e o CirrusTM HD-OCT produzem os valores mais altos12.
Os dois sistemas de OCT estudados apresentam diferenças de software, nomeadamente, diferentes métodos de
aquisição de scans, de segmentação das camadas da retina,
e, provavelmente, diferentes estimativas dos índices ópticos
da retina, além de importantes diferenças nos algoritmos de
alinhamento e registo dos scans.
Os protocolos de aquisição diferem substancialmente
entre os dois instrumentos. O StratusTM OCT produz um
mapa de espessura com 6 mm de diâmetro através da medição de 6 linhas radiais com um total de 768 scans do tipo
A. Apenas as medições na área central correspondente aos
1000 μm de diâmetro são utilizadas, por serem apenas estas que apresentam um número suficiente de scans A (128
scans A), visto que a densidade dos pontos medidos depende da distância relativamente ao centro. O SpectralisTM
HRA+OCT, tal como outros aparelhos mais actuais, utiliza
um padrão de scan rectangular, resultando numa densidade
de scans uniforme dentro da área analisada. O número de
scans por mm2 obtido com este instrumento é de 524 scansA/mm2. Esta diferença pode influenciar a medição da EFC,
assim como o coeficiente de correlação e o COR. Contudo,
a influência deste factor nestas 3 variáveis, apenas poderia ser avaliada através de medições repetidas utilizando o
mesmo instrumento com diferentes densidades de scans, o
que não foi efectuado neste estudo. O tempo de aquisição
dos scans de volume é de 1.5 s no TD OCT e 5.0 s no SD
OCT. Este último valor deve-se a uma aquisição em tempo
real característica do sistema, contudo, ao estar associada
ao “real-time tracking system for eye movements”, não tem
influência na repetibilidade13,14.
O software de segmentação dos dois aparelhos identifica diferentes estruturas hiperreflectivas em cada linha
do scan. A segmentação da camada interna da retina não
apresenta diferenças entre os dois aparelhos, uma vez que
ambos identificam a interface vítreo-retiniana como a
camada mais interna da retina. É na segmentação da camada externa da retina que encontramos diferenças significativas entre os dois aparelhos. O sistema StratusTM
OCT identifica na camada externa (complexo EPR-fotorreceptores) duas bandas hiperreflectivas, utilizando
a banda interna como limite externo. O sistema Spectral
OCT detecta na camada externa quatro bandas hiperreflectivas. A mais interna por apresentar menor reflectividade, não é visualizada com o primeiro sistema de OCT.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
429
Maria Picoto, José Galveia, Joana Portelinha, António Rodrigues, Fernanda Vaz
Fig. 1 | Limites externos do TD OCT, à esquerda e SD OCT, à direita.
Esta banda correspondente à Membrana Limitante Externa, resulta da confluência linear dos complexos de
junção entre as células de Muller e os Fotorreceptores15.
A segunda banda é atribuída à junção dos segmentos internos e externos dos fotorreceptores16. A terceira banda
é referida como a extremidade dos segmentos externos
dos fotorreceptores17 ou como a membrana Verhoeff18.
A quarta banda representa o EPR, a membrana de Bruch,
e possivelmente a coriocapilar19. De acordo com Spaide
et al 20 as atribuições aplicadas à segunda e terceira banda podem não estar correctas, assim como as elementos
que contribuem para a quarta banda além do EPR. Estes
autores postulam que a segunda banda esteja alinhada
com a porção elipsóide dos segmentos internos dos fotorreceptores e que a terceira banda corresponda a uma
estrutura denominada de cilindro de contacto. O SpectralisTM HRA+OCT identifica a banda mais externa
(complexo EPR/Bruch) como limite externo (Figura 1).
Assim, o StratusTM produz valores de EFC inferiores ao
SpectralisTMRA+OCT6,12,21.
Neste estudo determinámos também o coeficiente de
correlação e de reprodutibilidade para os 2 grupos de olhos.
Verificámos que a correlação é mais forte e a reprodutibilidade é inferior em O.S.. Estes resultados podem ser explicados com base na melhor fixação e menores erros na
segmentação em olhos saudáveis, comparativamente a
olhos com patologia da retina, cujas medições da EFC estão
sujeitas a maior variabilidade.
Por último, determinámos uma fórmula preditiva para
obtenção de valores de EFC no SD, a partir de valores medidos no TD. Verificámos que estas equações apresentaram
significado estatístico para a A.G. e para os dois grupos de
doentes, contudo, o r2 foi 0,73 em olhos sem patologia, 0,39
em olhos com patologia da retina e 0,43 para a amostra global. Desta forma, apenas para olhos sem patologia poderíamos postular a utilização permutável destes dois sistemas.
430
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Conclusão
Com este estudo, concluímos que os dois sistemas de
OCT providenciam valores diferentes de EFC e que essas
diferenças são superiores em olhos com patologia. As medições mais baixas foram as obtidas no StratusTM OCT.
Estas discrepâncias têm como base provável as diferenças
nos algoritmos de segmentação usados pelos dois sistemas.
Existe, contudo, uma correlação moderada directa entre os
valores determinados pelos dois aparelhos, a qual é superior
para a população normal. O COR é menor também para este
grupo de doentes. Estes resultados implicam a não utilização de forma permutável destes dois sistemas, sobretudo
para a população com patologia retiniana.
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Director de Serviço de Oftalmologia do H.E.M., C.H.L.O.Dr. António Rodrigues.
Trabalho apresentado no 54º Congresso da Sociedade
Portuguesa de Oftalmologia.
Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar
CONTACTO
[email protected]
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
431
Oftalmologia - Vol. 36: pp.433-438
Artigo Original
Coriorretinopatia Serosa Central Crónica –
Uma Doença Idiopática?
Marta Guedes1, António Travassos2, Ricardo Oliveira3, Miguel Ribeiro3, Júlia Veríssimo4, Rui Proença5
1
Interna do internato complementar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
2
Assistente Hospitalar Graduado, Centro Cirúrgico de Coimbra
3
Interno do internato complementar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra
4
Assistente Hospitalar, Serviço Universitário de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra
5
Professor de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Coimbra, Serviço Universitário de Oftalmologia,
Hospitais da Universidade de Coimbra e Centro Cirúrgico de Coimbra
Resumo
Introdução: A coriorretinopatia serosa central (CRSC) crónica, também conhecida como epiteliopatia pigmentar retiniana difusa, caracteriza-se pela presença de alterações difusas do epitélio pigmentar da retina (EPR) associadas a graus variáveis de descolamento neurossensorial
na região macular. Em circunstâncias normais, o EPR tem um papel fundamental na aderência
retiniana ao bombear activamente líquido do espaço subretiniano para o espaço coroideu. Será
lícito pensar que uma lesão inflamatória primária localizada a este nível possa causar uma perturbação na barreira hemato-retinana externa, com saída de líquido para o espaço subretiniano e
descolamento neurossensorial subsequente. A associação de CRSC com epitelite pigmentar retiniana aguda foi já descrita por vários autores. Deste modo, poderá haver casos de CRSC crónica
causada por inflamação ao nível do EPR? Estando os corticóides contraindicados no tratamento
da CRSC, o tratamento destes casos poderá ser feito com outro tipo de imunossupressores como
a azatioprina, o metotrexato, ou a ciclosporina A?
Objectivo: Avaliar a eficácia de fármacos imunossupressores por via sistémica no tratamento de
doentes com o diagnóstico de CRSC crónica.
Material e Métodos: Estudo prospectivo de 27 doentes consecutivos com o diagnóstico prévio de CRSC crónica, com mais de 6 meses de duração de sintomas, sem melhoria, e que não
efectuavam nenhum tratamento. Todos os doentes foram submetidos a exame oftalmológico
completo, com determinação da melhor acuidade visual corrigida (MAVC), e a exames complementares de diagnóstico - retinografia, angiografia fluoresceínica, angiografia com verde de
indocianina e tomografia de coerência óptica. A terapêutica utilizada foi a azatioprina (100mg/
dia), o metotrexato (5 a 10 mg/semana) e a ciclosporina A (<5 mg/Kg/dia). As doses iniciais
foram progressivamente reduzidas de acordo com a evolução clínica. Foi avaliada a MAVC
final, a duração do tratamento, as recaídas após suspensão e os efeitos secundários da medicação.
Resultados: Foram incluídos 39 olhos de 27 doentes com o diagnóstico prévio de CRSC crónica, sendo 19 do género masculino (70,4%) e 8 do feminino (29,6%), com uma média de idades
de 52,49±13,56 anos (entre 25 e 76). Em 15 casos a doença era unilateral (55,6%). A terapêutica
utilizada foi a azatioprina em 21 casos (77,8%), o metotrexato em 5 (18,5%) e a ciclosporina A
em 1 (3,7%). A diminuição progressiva da dose e suspensão variou com o curso clínico individual da doença, sendo a duração média do tratamento de 10,0±6,8 meses. Não foram registados
efeitos secundários clinicamente significativos em nenhum doente. A MAVC inicial média foi
de 0,47±0,29 e a final foi de 0,83±0,25.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
433
Marta Guedes, António Travassos, Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Júlia Veríssimo, Rui Proença
Conclusão: Os imunossupressores, como a azatioprina, o metotrexato ou a ciclosporina A, podem ser uma arma terapêutica eficaz e bem tolerada em doentes com CRSC crónica por lesão
primária inflamatória do EPR.
Palavras-chave
Coriorretinopatia serosa central crónica, epitilite pigmentar retiniana aguda, imunossupressores.
Chronic central serous chorioretinopathy - An idiopathic disease?
Abstract
Introduction: Chronic central serous chorioretinopathy (CSC), also known as diffuse retinal
pigment epitheliopathy, is characterized by diffuse lesions of the retinal pigment epithelium
(RPE) associated with variable degrees of macular serous detachment. Under normal circumstances, the RPE has a key role in retinal adhesion since it actively pumps fluid from the
subretinal space to the choroid. It is possible then that a RPE inflammatory lesion could cause
a disturbance in the blood-retina barrier with fluid leakage to the subretinal space and serous
detachment. Moreover, the association between CSC and acute retinal pigment epitheliitis
was already described by several authors. Can there be cases of chronic CSC caused by RPE
inflammatory lesions? Since corticosteroid treatment is contraindicated in CSC, these cases
can be best treated with other immunossupressants like azathioprine, methotrexate or cyclos-porin A.
Purpose: To evaluate the efficacy of oral immunossupressants in the treatment of chronic CSC.
Methods: Prospective study of 27 consecutive patients with a previous diagnosis of chronic
CSC, with over 6 months duration, without any treatment or symptomatic relieve. A complete
ophthalmologic assessment was conducted as well as fundus photography, fluorescein and indocyanine green angiography and optical chorence tomography. Patients were treated with azathioprine (100 mg daily), methotrexate (5 to 10 mg weekly) and cyclosporin A (<5 mg/Kg/day).
Therapeutic withdrawal variated according to clinical outcome. The final best corrected visual
acuity (BCVA) was evaluated as well as treatment duration, relapse after treatment suspension
and adverse effects.
Results: 39 eyes of 27 patients with the previous diagnosis of chronic CSC were evaluated.
19 patients were male (70,4%) and 8 were female (29,6%) with a mean age of 52,49±13,56
years (between 25 and 76). The disease was unilateral in 15 patients (55,6%). Azathioprine was
the treatment of choice in 21 cases (77,8%), methotrexate in 5 (18,5%) and cyclosporin A in 1
(3,7%). Therapeutic withdrawal variated according to clinical outcome and the mean duration of
treatment was 10,0±6,8 months. There were no significant adverse effects in any patients. The
initial mean BCVA was 0,47±0,29 and the final was 0,83±0,25.
Conclusions: Oral immussupressants like azathioprine, methotrexate or cyclosporin A can
be a safe and effective treatment in patients with chronic CSC caused by a RPE inflammatory
lesion.
Key-words
chronic central serous chorioretinopathy, acute retinal pigment epitheliitis, imunossupressants.
434
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Uma Doença Idiopática?
Introdução
A coriorretinopatia serosa central (CRSC) denomina-se crónica quando as lesões anatómicas da retina e/ou os
sintomas da doença persistem por mais de 6 meses1. É também conhecida como epiteliopatia pigmentar retiniana difusa e caracteriza-se pela presença de alterações difusas do
epitélio pigmentar da retina (EPR) associadas a graus variáveis de descolamento neurossensorial frequentemente
da região macular2-5. É, na maior parte dos casos, bilateral,
com alterações do EPR visíveis na angiografia fluoresceínica (AF) embora a distribuição destas lesões possa ser assimétrica. Relativamente à recuperação da função visual, a
CRSC idiopática aguda tem um bom prognóstico a longo
prazo6 podendo ocorrer resolução espontânea numa percentagem significativa dos casos. Na CRSC crónica, pode
haver perda irreversível da função visual embora esteja
também descrita uma recuperação lenta da acuidade visual
após reaposição retiniana7.
A fisiopatologia da CRSC continua a ser um tema controverso e o mecanismo pelo qual se dá a acumulação de
fluido subretiniano é ainda pouco claro. As forças que contribuem para a aderência retiniana são a pressão hidrostática (relacionada com a pressão intraocular), o alto gradiente
osmótico da coróide relativamente ao retiniano e o transporte activo de fluido através do EPR do espaço subretiniano para a coróide. Assim, o papel do EPR é fundamental
para que seja mantida a normal aderência retiniana sendo
que alguns autores propõem que seja este o local de lesão
primária na etiopatogenia da CRSC8-10. Uma lesão inflamatória localizada a este nível poderia então levar a uma
disrupção na barreira hemato-retiniana externa conduzindo às alterações anatómicas típicas observadas na CRSC.
No diagnóstico diferencial da CRSC incluem-se diversas patologias oculares que podem também cursar com
descolamento neurossensorial da região macular entre as
quais se encontram doenças inflamatórias auto-imunes
como é o caso da coroidite multifocal11. O diagnóstico definitivo de CRSC idiopática baseia-se na história clínica,
exame objectivo e em exames complementares de diagnóstico como a AF, angiografia com verde indocianina
(AVI) e tomografia de coerência óptica (OCT). Se na fase
aguda da doença este diagnóstico diferencial pode ser relativamente simples, o mesmo não acontece na fase crónica
onde as alterações retinianas encontradas, como as lesões
multifocais difusas do EPR acompanhadas de descolamento seroso crónico da região macular, são muito menos específicas, sendo o diagnóstico de CRSC crónica idiopática,
na maior parte das vezes, de presunção. Por outro lado,
também a epitilite pigmentar retiniana aguda, ou doença
de Krill, foi associada ao desenvolvimento de CRSC12-14
sendo que alguns autores sugerem que a perturbação inflamatória do EPR pode resultar num descolamento seroso
subsequente, propondo que a epitilite pigmentar retiniana
aguda possa ter um papel na fisiopatologia da CRSC.
Pode então pensar-se que por um lado existem formas
de CRSC idiopáticas para as quais contribuem diversos
factores genéticos, ambientais e comportamentais15 e em
que a hiperpermeabilidade coroideia conduz a um descolamento seroso do EPR e por outro, podem existir formas
de CRSC em que estarão envolvidos essencialmente mecanismos inflamatórios autoimunes. Isto explicaria porque
é que alguns doentes com CRSC aguda têm uma recuperação espontânea sem necessidade de qualquer intervenção
terapêutica, enquanto outros manifestam a forma crónica
da doença. Nestes últimos, a agressão inflamatória continuada do EPR pode ser uma das causas de cronicidade,
sendo necessária uma intervenção terapêutica com fármacos imunossupressores. Tal como foi já descrito em
publicações anteriores, os corticóides sistémicos podem
exacerbar o curso da CRSC16 possivelmente também com
um risco aumentado de desenvolvimento de CRSC crónica17. Assim, a corticoterapia sistémica ou local não parece ser uma alternativa viável sendo preferível recorrer a
outro tipo de fármacos imunossupressores entre os quais
se incluem agentes antimetabolitos como a azatioprina e o
metotrexato ou inibidores de calcineurina como a ciclosporina A.
O objectivo deste estudo é avaliar a eficácia de fármacos imunossupressores por via sistémica no tratamento de
doentes com o diagnóstico de CRSC crónica.
Material e Métodos
Estudo prospectivo de 27 doentes consecutivos com
o diagnóstico prévio de CRSC crónica, com mais de 6
meses de duração da sintomatologia, sem melhoria e que
não foram submetidos a qualquer terapêutica prévia. Todos os doentes realizaram exame oftalmológico completo, com determinação da melhor acuidade visual corrigida
(MAVC), e a exames complementares de diagnóstico - retinografia, AF, AVI e OCT. Todos os doentes foram submetidos a terapêutica imunossupressora com azatioprina
(100mg/dia), metotrexato (5 a 10 mg/semana) ou ciclosporina A (<5 mg/Kg/dia). As doses iniciais foram progressivamente reduzidas de acordo com a evolução clínica. Foi
avaliada a MAVC inicial e final bem como a duração do
tratamento, as recaídas após suspensão e os efeitos secundários da medicação.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Marta Guedes, António Travassos, Ricardo Oliveira, Miguel Ribeiro, Júlia Veríssimo, Rui Proença
Resultados
Foram incluídos 39 olhos de 27 doentes com o diagnóstico prévio de CRSC crónica, sendo 19 do género masculino (70,4%) e 8 do feminino (29,6%), com uma média de
idades de 52,49±13,56 anos (entre 25 e 76). Em 15 casos a
doença era unilateral (55,6%).
A terapêutica utilizada foi a azatioprina em 21 casos
(77,8%), o metotrexato em 5 (18,5%) e a Ciclosporina A
em 1 (3,7%). A diminuição progressiva da dose e suspensão variou com o curso clínico individual da doença, sendo a duração média do tratamento de 10,0±6,8 meses. Não
foram registados efeitos secundários clinicamente significativos em nenhum doente. A MAVC inicial média foi de
0,47±0,29 e a final foi de 0,83±0,25.
Houve melhoria anatómica na maior parte dos doentes
tratados traduzida por diminuição marcada ou mesmo resolução completa do descolamento da retina neurossensorial
na região macular, avaliado por OCT. São exemplos os seguintes casos clínicos:
Caso clínico 1:
Doente sexo masculino, 44 anos, com queixas de diminuição da acuidade visual (AV) OD. A MAVC OD antes de
iniciar terapêutica era 0,5 e apresentava um descolamento
da retina neurossensorial macular do mesmo olho visível
no OCT (Figura 1). Cumpriu terapêutica com azatioprina
(100 mg/dia) durante 7 meses. Após 5 meses, houve melhoria evidente do descolamento de retina (Figura 1) com uma
MAVC OD de 0,8.
Caso clínico 2:
Doente sexo masculino, 42 anos, com queixas de diminuição AV e metamorfópsias OE. A MAVC OE era
0,3 com um descolamento seroso macular demonstrado
pelo OCT (Figura 2). Iniciou terapêutica com azatioprina
(100 mg/dia) com melhoria significativa após um mês de
tratamento (Figura 2). O doente foi submetido a terapêutica imunossupressora durante 5 meses sendo que ao quarto
mês de tratamento o OCT mostrava resolução completa do
descolamento de retina neurossensorial, verificando-se apenas um pequeno descolamento do EPR peri-foveolar, sem
repercussões funcionais (Figura 2). A MAVC OE final foi
de 0,9.
Caso clínico 3:
Doente sexo feminino, 52 anos, com queixas de metamorfópsias OE. A MAVC OE era 0,5 e apresentava no
OCT um descolamento da retina neurossensorial macular
(Figura 3). Iniciou terapêutica com azatioprina (100 mg/
dia) com resolução do descolamento seroso após 5 meses
(Figura 3). A doente cumpriu terapêutica imunossupressora
durante 13 meses com uma MAVC OE de 1,0 após suspensão do tratamento.
Houve recaída após suspensão terapêutica em 4 doentes, em 2 casos manteve-se a mesma terapêutica inicial com
nova melhoria da AV e em 2 casos, optou-se por outro fármaco imunossupressor também com melhoria funcional.
Em ambos os casos em que se alterou a terapêutica, o segundo agente imunossupressor utilizado foi o metotrexato.
A AV final destes doentes variou entre 0,7 e 1,0.
Fig. 1 | Doente sexo masculino, 44 anos, com um descolamento da retina neurossensorial macular OD (à esquerda). Após 5 meses de
terapêutica com azatioprina, houve melhoria evidente do descolamento de retina (à direita).
Fig. 2 | Doente sexo masculino, 42 anos, com um descolamento seroso macular OE (à esquerda). Iniciou terapêutica com azatioprina com
melhoria significativa após um mês de tratamento (ao centro). Após 4 meses, mostrava resolução completa do descolamento de retina neurossensorial, verificando-se apenas um pequeno descolamento do EPR peri-foveolar, sem repercussões funcionais (à direita).
436
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Coriorretinopatia Serosa Central Crónica – Uma Doença Idiopática?
Fig. 3 | Doente sexo feminino, 52 anos, com um descolamento da retina neurossensorial macular OE (à esquerda). Iniciou terapêutica com
azatioprina com resolução do descolamento seroso após 5 meses de tratamento (à direita).
Discussão
Embora tenham havido várias propostas terapêuticas
para o tratamento da CRSC, o tratamento da forma crónica
da doença merece considerações especiais já que o uso da fotocoagulação laser, por exemplo, parece ser menos eficaz em
doentes com alterações anatómicas de longa duração existindo ainda o risco de indução de neovascularização coroideia
(NVC)18. Por outro lado, não parece haver lugar para tratamento médico sistémico nesta patologia, nomeadamente com
ß-bloqueantes ou acetazolamida, em doentes com CRSC.
A utilização de terapêutica fotodinâmica tem sido recentemente descrita como uma alternativa terapêutica em
doentes com CRSC idiopática crónica19-22 sendo frequente a
sua utilização em doentes com CRSC crónica e evidência de
NVC, não se conhecendo no entanto qual o seu mecanismo
de acção nesta patologia. Para além disso, nunca foi testada
em ensaios clínicos multicêntricos, deixando desta forma em
aberto a opção por outras alternativas terapêuticas.
Considerando que algumas formas secundárias e crónicas de CRSC possam ser causadas por lesões inflamatórias
do EPR, os imunossupressores sistémicos como a azatioprina, o metotrexato ou a ciclosporina A, podem ser uma arma
terapêutica eficaz e bem tolerada embora possa ser difícil
identificar quais os doentes capazes de beneficiar desta imunossupressão, já que estas formas crónicas podem apresentar
aspectos bastante inespecíficos. No entanto, pensamos que os
bons resultados obtidos no nosso estudo sugerem o interesse
destes fármacos nesta patologia.
Um viés importante neste estudo é a ausência de um grupo de controlo sendo no futuro necessários ensaios clínicos
controlados e randomizados para identificar os casos em que
o uso desta terapêutica sistémica imunossupressora pode ser
mais vantajoso.
Conclusão
Os resultados do presente estudo sugerem que algumas
formas secundárias e crónicas da CRSC podem beneficiar
de terapêutica imunossupressora com azatiprina, metotrexato ou ciclosporina A.
Estudos randomizados com amostras de maior dimensão são necessários para melhor evidenciar o papel destes
fármacos nesta patologia e identificar os pacientes que mais
possam beneficiar da sua utilização.
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central serous chorioretinopathy: a pilot study. Retina
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Melhor Apresentação de Inflamação Ocular –
Prémio Angelini SPO 2011.
Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar.
Oftalmologia - Vol. 36: pp.439-442
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Doença de Best - Casos clínicos
Juan E. Cedrún1, Eva Chamorro1, Carlos Orduna2, Mercedes Maza1, Isabel Portero1
2
1
Fundación Retina España, Madrid
Clínica Oftalmológica Orduna, Madrid
Fundación Retina España
RESUMO
Caso clínico: Neste artigo apresentam-se as características morfológicas e funcionais de dois
pacientes afectados por distintas etapas da doença de Best, assim como os benefícios de um
programa de reabillitação visual na melhoria da qualidade de vida.
Discussão: Um adequado processo de reabilitação visual requere um programa individualizado
desenhado em função das necessidades concretas do paciente, a visão residual e a sua capacidade
pessoal.
Palavras-chave
Doença de Best, baixa visão, reabilitação visual, qualidade de vida.
Best’s Disease. Case Reports
ABSTRACT
Case Report: In this paper, morphologic and functional characteristics of two patients affected
by different stages of Best’s disease are presented. As well as benefits of visual rehabilitation in
quality of life improvement.
Discussion: A suitable visual rehabilitation process demands an individualized program designed according to specific needs of the applicant, residual vision and personal capacity.
Key-words
Best disease, low vision, visual rehabilitation, quality of life.
INTRODUÇÃO
A distrofia viteliforme de Best é uma doença bilateral
hereditária dominante que se manifesta nas primeiras décadas de vida e que provoca alterações muito características
na retina.
A mutação do gene VMD2 provoca que o epitélio pigmentar de retina (EPR) seja incapaz de bombear líquido
sub-retiniano, o qual ao acumular-se vai separando os fotorreceptores do EPR e provoca que se armazenem substâncias
componentes da lipofuscina em quantidades cada vez maiores1. A perda de fotorreceptores na área foveal ocorre por
debaixo da lesão2.
Nas primeiras etapas observa-se o depósito de um material amarelado na área macular em forma de “gema de
ovo”3,4. Neste depósito mistura-se um liquido transparente
que parece ir aumentado e com o tempo chega ao mesmo
nivel entre ambos os componentes (pseudohipopion). Conforme a evolui a doença este depósito decompõe-se e desenvolve uma fibrose ou atrofia1,5.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
439
Juan E. Cedrún, Eva Chamorro, Carlos Orduna, Mercedes Maza, Isabel Portero
Este trabalho decreve a morfología e função visual de
dois pacientes afectados por esta patología, assim como os
beneficios da reabilitação visual na sua qualidade de vida.
CASOS CLÍNICOS
Caso 1: Rapaz de 16 anos com diminuição da acuidade
visual (AV) e brilho incapacitante desde há 3 anos. A história clínica familiar revela hipercolesterolemia e tratamento
com pravastatina.
Na exploração do fundo do olho e na tomografía de coerência óptica (OCT) observa-se o olho esquerdo (OE) sem
alterações na retina e o seu olho direito (OD) com “pseudohipopion”, com acumulação de material líquido na metade
superior e lipofuscina em fase de reabsorção na metade inferior. (Figura 1)
A melhor acuidade visual corrigida (MAVC) para longe
é OD=0.9 y OE=1.2 em escala decimal e em visão ao perto
é OD=0.5 e OE=1.0 (Radner Reading test). O limiar de sensiblidade ao contraste (SC) está dentro dos limites normais
(OD=1.62%, OI=1.07%). A grelha de Amsler e o campo
visual não mostram alterações. Na consulta de baixa visão
consegue-se melhorar a AV próxima e aumentar o rendimento em leitura (palavras por minuto) com uma adição de
+1.00 y +0.50 no OD e OE, respectivamente. Consegue-se
melhorar consideravelmente o limiar de contraste com filtros de corte selectivo de 450nm (OD=1.23%, OE=0.605)
e diminuir o brilho incapacitante em ambientes exteriores
com filtros de corte 511 polarizado 60%.
Caso 2: Mulher de 41 anos com diminuição de AV e
metamorfopsia desde os 20 anos, fotofobia e brilho incapacitante desde os 26 e alteração de cores e cegueira nocturna
desde os 31.
Na história sistémica destaca-se hipercolesterolemia,
depressão, bocio e hipotiroidismo. A medicação actual é
simvastatina, velanfaxina, lamotrigina e alprazolam.
Na exploração do fundo do olho OCT observam-se fibrose com conservação de fotorreceptores centrais no OD, e
atrofia com múltiplos quistos retinianos na camada plexiforme externa, com perda de fotorreceptores no OE. (Figura 2)
A MAVC para longe é OD=0.125 e OE=1.0 em escala decimal e em visão ao perto é OD=0.13 e OE=0.5
(Radner Reading test). O limite de SC estava reduzido
no OD (OD=5.94%, OE=0.89%). A grelha de Amsler e a
Fig. 1 | Fundo do olho, tomografía de coerência óptica e campimetría de um rapaz de 16 anos afectado pela doença de Best.
440 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Doença de Best. Casos clínicos
Fig. 2 | Fundo do olho, tomografía de coerência óptica e campimetría de uma mulher de 41 anos afectada pela doença de Best.
campimetria mostram um escotoma absoluto de 10º centrais
no OD e ligeira redução na sensibilidade central no OE.
Na consulta de baixa visão conseguiu-se diminuir a fotofobia e o brilho incapacitante com um filtro de absorção
selectiva de 511nm polarizado 60% possibilitando as tarefas de visão próxima a uma distância de 25 cm, com uma
adição de + 4.00, filtro de 450 nm e um sistema de iluminação adequado.
DISCUSSÃO
Na sociedade actual, as tarefas de escrita-leitura têm muita importância na qualidade de vida. A enorme quantidade
de informação diária e o pouco tempo que dispomos, muitas
vezes obriga-nos a fazer leituras superficiais que requerem
elevada fluidez. Por isso, o objectivo a perseguir em pacientes com funções visuais reduzidas é melhorar a sua visão próxima, para conseguir um melhor rendimento na leitura.
Nos casos propostos, embora se conserve a função visual de um olho, após a reabilitação visual, consegue-se aumentar o rendimento nas tarefas de leitura através de sistemas ópticos baseados em acréscimos positivos e melhorias
na iluminação, mediante o uso de filtros de absorção selectiva e focos de luz fria. Tudo isso se traduz numa melhor
qualidade de vida do paciente.
Em ambos os sujeitos, a diferença entre os óculos de
sol convencionais e o uso de óculos com filtros de absorção
selectiva reduz o brilho e aumenta o conforto subjectivo.
A selecção do filtro adequado é determinada por uma avaliação dos parametros objectivos e subjectivos em diferentes ambientes de trabalho.
O processo de reabilitação visual requer um programa
individualizado, desenhado em função das necessidades
concretas do requerente, a visão residual que possui e as
suas capacidades pessoais. O especialista em Baixa Visão
por sua vez, incorpora os auxíliares ópticos e não ópticos
prescritos e treina o paciente sobre a sua utilização, para
estabelecer um melhor aproveitamento da visão residual.
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Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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442 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Apresentado parcialmente como comunicação no “XV
Congreso de la Sociedad Española de Retina y Vítreo”,
Madrid, España.
CONTACTO
[email protected]
Oftalmologia - Vol. 36: pp.443-446
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Membrana Neovascular Bilateral
Secundária a Estrias Angióides com
Pseudoxantoma Elasticum – Caso Clínico
Cláudia Bacalhau1, Gonçalo Almeida2, Margarida Santos3, David Martins4
Internato Complementar de Oftalmologia
2
Assistente Hospitalar de Oftalmologia
3
Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia
4
Director do Serviço de Oftalmologia
Centro Hospitalar de Setúbal – Hospital de S.Bernardo
1
RESUMO
Introdução: O Pseudoxantomaelasticum (PXE) é uma condição rara caracterizada por calcificação progressiva e fragmentação de fibras elásticas. Na retina está associada a estrias angióides,
havendo ocasionalmente surgimento de neovascularização coroideia.
Material e Métodos: os autores descrevem caso clínico de doente do sexo feminino de 48 anos
com diagnóstico de Pseudoxantoma elasticum e na qual foram diagnosticadas estrias angióides,
tendo desenvolvido neovascularização coroideia bilateral. Foi decidido tratamento intra-vítreo
mensal (6 meses) com ranibizumab para a membrana neovascular com actividade. Com o tratamento realizado registou-se melhoria morfológica mas sem recuperação da acuidade visual.
Conclusão: Apesar de algumas publicações recentes da literatura mostrarem benefício das injecções de ranibizumab na acuidade visual em doentes com neovascularização coroideia associada
a estrias angióides, isso não se verificou com o nosso caso clínico.
Palavras-chave
Estrias angióides, neovascularização coroideia, ranibizumab.
ABSTRACT
Introduction:PseudoxanthomaElasticum (PXE) is a rare condition characterized by progressive
calcification and fragmentation of elastic fibers. In the retina it is associated with angioid streaks
and choroidal neovascularization may occasionally be found.
Material and Methods: the authors describe a case of a 48-year-old female patient, with
previous diagnostic of PXE, who was diagnosed with angioid streaks and bilateral choroidal
neovascularization. It was decided to perform intra-vitreal mensal treatment (6 months) with
ranibizumab for the neovascular membrane with activity signs. We observed morphologic improvement but no recovery of visual acuity.
Conclusion: Although some recent literature publications showed benefit with ranibizumab
intra-vitreal injections in visual acuity of choroidal neovascularization associated with angioid
streaks , that was not verified with our patient.
Key-words
Angioid streaks, choroidal neovascularization, ranibizumab.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
443
Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida, Margarida Santos, David Martins
INTRODUÇAO
O Pseudoxantoma elasticum (PXE) é uma condição rara
caracterizada por calcificação progressiva e fragmentação de
fibras elásticas. Na retina está associada a estrias angióides,
que são disrupçoes da membrana de Bruch, que se torna calcificada e frágil. As estrias angióides podem associar-se a várias doenças sistémicas além do PXE, bem como aparecerem
enquanto manifestação isolada. A acuidade visual é afectada
se as estrias acometerem a mácula ou se surgiram complicaçoes associadas, das quais se destacam a neovascularização coroideia e a ruptura traumática da membrana de Bruch.
O nosso caso refere-se a uma doente com PXE associado a
estrias angióides e neovascularização coroideia bilateral.
CASO CLÍNICO
Doente de 48 anos de idade veio referenciada à Secção de Retina do Hospital por diminuição recente da acuidade visual do olho direito. Tinha diagnóstico anterior de
Pseudoxantoma elasticum, com envolvimento craniofacial,
destacando-se laxidez cutânea e pregas redundantes no pescoço. A melhor acuidade visual corrigida (MAVC) era no
OD= 20/25 e no OE=20/400. A observação do fundo ocular
mostrou estrias angióides bilaterais e alteraçoes maculares
fibróticas do olho esquerdo (Fig.1 e 2).
Foi realizada angiografia que confirmou as estrias angióides bilaterais e revelou a presença de membrana neovascular com fibrose sub-retiniana e baixa actividade no
olho esquerdo (Fig. 3 e 4).
A tomografia de coerência óptica (OCT) do OE também
documentou a membrana neovascular e a fibrose sub-retiniana (Fig. 5). O OCT do OD era normal (Fig. 5).
Fig. 1 | Retinografia OD.
444 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Três meses depois a doente referiu uma profunda diminuição da acuidade visual do olho direito, sendo reobservada pelo nosso departamento. Tinha MAVC OD=20/400.
O OCT do olho direito mostrava então uma membrana neovascular com edema macular quístico de espessura foveal
média de 867μm (Fig. 6).
Devido ao grave compromisso visual e ao surgimento
no OD de neovascularização coroideia, foi decidido realizar ciclo terapêutico com injecções intra-vítreas mensais de
agente anti-VEGF.
A doente foi submetida a 6 injecções intra-vítreas de
ranibizumab com intervalo mensal e a 1 injecção sub-tenoniana de triancinolona. Com o tratamento houve melhoria
anatómica demonstrada pelo OCT, com espessura foveal
final de 285 μm (Fig.7). Não se registou melhoria funcional
da acuidade visual (MAVC OD=20/400).
CONCLUSÃO
Os agentes anti-VEGF têm-se revelado eficazes no
tratamento de complicaçoes neovasculares associdadas
a diferentes patologias, nomeadamente com relação à degenerescência macular relacionada com a idade. Algumas
publicações recentes da literatura com séries de casos mostraram benefício das injecções intra-vítreas com anti-VEGF
na acuidade visual em doentes com neovascularização coroideia associada a estrias angióides com pseudoxantoma
elasticum. Além da melhoria da acuidade visual registou-se
Fig. 2 | Retinografia OE.
Membrana Neovascular Bilateral Secundária a Estrias Angióides com Pseudoxantoma Elasticum – Caso Clínico
Fig. 3 | Angiografia OD.
Fig. 4 | Angiografia OE.
Fig. 5 | OCT do OE e OD.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
445
Cláudia Bacalhau, Gonçalo Almeida, Margarida Santos, David Martins
Fig. 6 | OCT do OD.
Fig. 7 | OCT do OD, após os vários tratamentos intra-vítreos com ranibizumab.
ainda estabilização retiniana documentada nos meios de
imagem. Apesar destes resultados, os estudos referem que
as suas casuísticas são ainda pequenas e que estudos futuros
e complementares são necessários. No nosso caso, apesar
da melhoria morfológica obtida como tratamento preconizado, não se registou melhoria da acuidade visual, devido
ao acometimento das camadas profundas da retina.
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Prémio THEA melhor poster SPO 2011
Oftalmologia - Vol. 36: pp.447-453
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica
de Suporte Angular Acrysof Cachet® –
2 Anos de Follow-Up
Pedro Reimão1, Pedro Borges1, Ricardo Parreira1, Fernando Vaz1,2, Ramiro Salgado1, Maria Céu Pinto1
1
Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António
2
Actual Director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Braga
RESUMO
Objectivo: Avaliação de parâmetros anatómicos de segurança e estabilidade da lente AcrySof
Cachet® na câmara anterior (CA), após 2 anos de follow-up.
Material e Métodos: Estudo retrospectivo de 90 olhos de doentes com idades compreendidas
entre os 20 e os 49 anos (Média±DP: 33.0±7.7), com miopia entre -5.50 e -17.00 D (-9.66±2.96),
submetidos a implante de lente intraocular (LIO) de CA de suporte angular (AcrySof Cachet,
Alcon Inc.®). Os doentes foram sujeitos a avaliação morfométrica da CA através da realização
de Orbscan® e Pentacam®. Todos os doentes implantados tinham CA>2.8 mm e contagens endoteliais superiores a 2200 células/mm2. O follow-up foi de 24 meses. Os parâmetros avaliados
foram a profundidade da CA, a distância central da LIO ao endotélio e cristalino e a distância do
bordo da LIO ao endotélio, as perdas endoteliais centrais e periféricas, o white-to-white (W-W)
e o grau de rotação da lente.
Resultados: As perdas endoteliais centrais foram de 4.27±0.73% e as periféricas de 3.86±0.82%.
As distâncias entre a LIO e o endotélio central e entre o bordo da LIO e o endotélio periférico
foram respectivamente de 2092±189 µm e de 1524±176 µm. A distância da LIO ao cristalino
foi de 894±160 µm. A rotação da lente na CA foi de 28.5±16.0º para um W-W de 11.7±0.4mm.
Conclusões: No nosso follow-up a lente fáquica de suporte angular AcrySof Cachet® manteve
uma boa estabilidade e clearance entre endotélio corneano e cristalino, mostrando-se segura no
tratamento de miopias moderadas a altas.
Palavras-chave
Miopia elevada, lente intra-ocular de suporte angular, endotélio, rotação, câmara de Scheimpflug.
Safety and stability of phakic angle-supported lens Acrysof Cachet® –
Two years of follow-up
Abstract
Purpose: To evaluate anatomical parameters of safety and stability of AcrySof Cachet® lens in
the anterior chamber (AC), after 2 years of follow-up.
Methods: Retrospective study of 90 eyes from patients aged from 20 to 49 years old (Average±PD:
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
447
Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira, Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto
33.0±7.7), with myopia range from -5.50 to – 17.00 D (-9.66±2.96), that underwent implantation of an angle-supported AC intraocular lens (IOL) (AcrySof Cachet, Alcon Inc.®). The patients had a morphometric evaluation of the AC by performing Orbscan® and Pentacam®. All
the patients implanted had AC >2.8mm and endothelial cell density above 2200 cells/mm2. The
follow-up was 24 months. The evaluated parameters were AC depth, central distance of the IOL
to the endothelium and crystalline lens, the distance from the edge of the IOL to the endothelium,
central and peripheral endothelial losses, white-to-white (W-W) and the IOL´s rotation degree.
Results: The central endothelial losses were 4.27±0.73% and the peripheral endothelial losses
were 3.86±0.82%. The distances between the IOL and the central endothelium and the edge of
the IOL and the peripheral endothelium were 2092 ± 189 µm for the first and 1524 ± 176 µm for
the latter. The distance of the IOL to the crystalline lens was 894 ± 160 µm. IOL rotation in the
AC was 28.5 ± 16.0° for a W-W of 11.7 ± 0.4 mm.
Conclusion: In our follow-up the AcrySof Cachet® angle-supported phakic lens maintained
good stability and clearance between the corneal endothelium and the crystalline lens, showing
safety in the treatment of moderate to high myopia.
Key-words
High myopia, angle-supported intraocular lens, endothelium, rotation, Sheimpflug camera.
Introdução
A cirurgia refractiva é uma área da oftalmologia em
constante evolução e com o objectivo primordial de corrigir a miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia dos
doentes.
As opções de tratamento cirúrgico para miopias ou astigmatismos baixos a moderados recaem maioritariamente
na cirurgia por Fotoqueratectomia Refractiva (PRK) ou
Queratomileusis assistida por Laser Excimer (LASIK).
Actualmente, este é o procedimento cirúrgico mais comum
para correcção de ametropias1. Em casos de moderada a
elevada miopia, a necessidade de ablação de grandes quantidades de estroma conduz a um risco aumentado de ectasia
corneana devido à instabilidade da biomecânica corneana
ou perda de qualidade de visão. Nestes doentes, estas opções cirúrgicas tornam-se limitadas pelo decréscimo da
previsibilidade e segurança dos resultados pós-operatórios.
Por esta razão, as lentes intraoculares (LIO´s) fáquicas assumem-se como uma alternativa de elevada importância2-4.
Estas lentes têm a vantagem de preservar a citoarquitectura
corneana e a acomodação. As LIO´s fáquicas podem ser de
CA (implante por fixação à íris ou de suporte angular) ou de
câmara posterior.
Os resultados ópticos das LIO´s fáquicas de suporte angular em miopias moderadas a elevadas têm gerado um interesse renovado no seu implante. A estabilidade posicional
448 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
e segurança destas LIO´s são de enorme importância porque se pretende um implante permanente em grande proximidade com estruturas intra-oculares delicadas. Contudo, este procedimento levanta ainda algumas questões
relativamente aos potenciais riscos a longo prazo, estando
descritas complicações6. Entre elas, destacam-se as que se
relacionam com a instabilidade posicional da LIO ou de
uma clearance insuficiente entre a lente intraocular (LIO)
e o cristalino ou o endotélio cornenano. São exemplos a
diminuição da contagem das células endoteliais (CCE),
formação de catarata e glaucoma secundário5,8,9. Por isso, a
prevenção de complicações através de uma exaustiva avaliação morfométrica e de todos os parâmetros anatómicos
de segurança da CA é fundamental. Instrumentos auxiliares
de diagnóstico como Orbscan II® (Bausch&Lomb), câmara
de Scheimpflug do Pentacam® (Oculus) ou Biomicroscopia
por ultrassom (UBM) são importantes para mapeamento
completo do segmento anterior do olho10,11,13.
As LIO fáquicas de suporte angular são uma opção válida para o cirurgião porque a câmara anterior, especialmente
em olhos míopes, é o espaço mais largo de todo o segmento
anterior do olho e a sua anatomia pode ser facilmente avaliada no pré e pós-operatório.
O objectivo principal do estudo é a avaliação de parâmetros anatómicos de segurança e estabilidade a longo prazo da lente fáquica de suporte angular AcrySof Cachet®,
nos doentes com follow-up de 2 anos.
Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica de Suporte Angular Acrysof Cachet® – 2 Anos de Follow-Up
Material e Métodos
Foi efectuado um estudo retrospectivo de 90 olhos de
55 doentes com idade compreendida entre os 20 e os 49
anos (Média±DP: 33.0±7.7 anos), com miopia entre -5.50D
e -17.00 D (-9.66±2.96 D), submetidos a implante de lente
intraocular (LIO) de CA de suporte angular (AcrySof Cachet, Alcon Inc.®) após Fevereiro de 2009.
A amostra apresentava 52 olhos direitos (57.8%) e 38
olhos esquerdos (42.2%), sendo que 72.2% eram doentes
do sexo feminino e 27.8% do sexo masculino.
Foi efectuada uma selecção de doentes baseada numa história clínica detalhada. A melhor acuidade visual corrigida
(MAVC) foi medida segundo a tabela do Early Treatment of
Diabetic Retinopathy Study (ETDRS). O exame pré-operatório também incluiu a avaliação da visão para perto, refracção, diâmetro pupilar em condições mesópicas, tonometria,
gonioscopia e fundoscopia com lente de Goldmann. Foi ainda avaliada a paquimetria e topografia corneanas através de
Orbscan® e a contagem e análise da morfologia das células
endoteliais centrais e periféricas através de microscopia especular. A distância entre o limbo corneano nasal e temporal (white to white, W-W), e a profundidade da CA, foram
avaliadas por câmara de Scheimpflug recorrendo ao Pentacam®. O protocolo de observação foi repetido nas consultas
do pós-operatório, realizadas ao 1º dia/semana, 1º, 3º e 6º
mês após cirurgia e tendo a partir dessa data uma periodicidade semestral. No pós-operatório, foi realizada fundoscopia
sob dilatação pupilar com tropicamida a 1% apenas quando
o clínico achou necessário. Dois técnicos de ortóptica foram
responsáveis pela realização dos exames auxiliares.
Os critérios de inclusão foram: idade mínima de 20 anos;
estabilidade refractiva superior a 12 meses; profundidade
de CA > 2.8 mm, sendo esta, a distância entre o endotélio
corneano central e a superfície anterior do cristalino; pupila
< 6.0mm em condições mesópicas; CCE > 2200 células/
mm2; astigmatismo < 2.00 D; ausência de cirurgia ocular
prévia ou patologias associadas como glaucoma, catarata,
ou patologia degenerativa da retina, bem como diabetes ou
doenças inflamatórias sistémicas.
A lente fáquica de CA Acrysof Cachet® é uma lente monobloco, dobrável, composta de acrílico hidrofóbico. O seu
design torna-a numa lente de suporte angular. Foram utilizados três modelos da lente (L12500, L13000, L13500),
cada um com diâmetro de 12.5 mm, 13.0 mm e 13.5 mm,
respectivamente. Todas as lentes apresentam uma zona óptica de 6.0 mm.
A lente foi calculada de acordo com a refracção, queratometria, profundidade da CA e o seu tamanho de acordo
com valor do W-W. Utilizou-se, como referência, a tabela
fornecida pelo fabricante que aconselha uma lente de tamanho 0.75 a 1.25 mm superior ao valor de W-W.
As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião.
O procedimento foi efectuado sob anestesia tópica (oxibuprocaína) e com a pupila em miose, após aplicação de pilocarpina a 2% no pré-operatório. A abertura da CA foi efectuada com uma incisão límbica clear cornea de 3.2 mm (ou
2.8 mm quando utilizado o cartridge P) às 12h. Utilizou-se solução viscoelástica oftálmica coesiva para distender
e manter a CA formada, protegendo o endotélio e de fácil
remoção após implante da lente. A lente foi carregada no
injector Monarch II e injectada na CA no plano pupilar. Nos
doentes operados após Novembro de 2009 foi utilizado um
injector compatível com cartridge P. Os hápticos da lente
foram orientados na direcção do ângulo iridocorneano de
modo a coincidirem com o meridiano de 90º. Procedeu-se
em seguida à lavagem da CA para remoção total da solução
oftálmica viscocirurgica. Não foi efectuada iridectomia.
O follow-up foi de 24 meses (25.7±2.5 meses).
Para uma adequada avaliação morfométrica da CA, foi
realizada a avaliação por câmara de Scheimpflug recorrendo ao Pentacam®. Este exame foi repetido em todas as visitas do pós-operatório. Os parâmetros avaliados foram a
profundidade de CA e os valores de clearance da LIO no
meridiano de 180º: a distância da LIO ao endotélio central
(LIO-End C); a distância da LIO ao cristalino (LIO-Cris); a
distância dos bordos nasal e temporal da LIO ao endotélio
periférico (LIO-End P1 e LIO-End P2, respectivamente).
Durante o follow-up, mediu-se ainda o W-W e o grau de
rotação da lente. A posição da LIO foi calculada através da
medição no Pentacam® da rotação média em graus relativamente à posição original dos hápticos, no meridiano de
90º. Avaliou-se ainda, o grau de rotação da lente em função
da diferença entre o W-W e tamanho da lente (mm).
Todos os dados colhidos foram transferidos para SPSS
para Windows (versão 19.0, SPSS Inc.). Os procedimentos
estatísticos utilizados foram o coeficiente de correlação de
Pearson e modelos de regressão linear para verificar a associação entre as variáveis em estudo. O valor de prova foi
estabelecido em p<0.05.
Resultados
Durante o follow-up as perdas endoteliais centrais foram de 4.27±0.73% e as perdas periféricas de 3.86±0.82%
(n=90). Os resultados podem ser verificados no quadro 1.
Em relação à avaliação dos parâmetros da CA, verificou-se uma profundidade de CA de 3.14±0.21 mm com valor mínimo de 2.83 mm e máximo de 3.63 mm.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
449
Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira, Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto
Quadro 1 | Variação da contagem endotelial.
Alteração média na contagem de células
endoteliais no final do follow-up, %
Olhos (%)
Perda ≥ 20
1 (1.1)
Perda < 20 a ≥ 5
8 (8.9)
Perda < 5 a 0
79 (87.8)
Aumento
2 (2.2)
Fig. 2 | Correlação entre clearance LIO-End C e clearance LIO-End P1.
Fig. 1 | Perdas endoteliais médias.
Os resultados de clearance são apresentados no quadro 2.
A clearance média LIO-End C e LIO-Cris foi respectivamente de 2092±189 µm e de 894±160 µm. A razão entre
clearance média LIO-End C e profundidade média de CA
foi de 62.7±16.7%. Verificou-se que 91,1% dos olhos apresentavam uma clearance LIO-Cris superior a 700 μm.
clearance foi sempre inferior a 200 μm, registando-se uma
diferença média de 92.89 μm.
A profundidade da CA correlacionou-se de forma
significativa com as distâncias entre a LIO e o cristalino
[ r=0.437; p=0.003 (Figura 3)] e entre a LIO e o endotélio central [ r=0.512; p<0.001 (Figura 4) ] e periférico
[ r=0.646; p<0.001 (Figura 5) ]. Se a variável independente
passar a ser o valor de W-W e não o de CA, os resultados
são diferentes pois apenas encontramos correlação e com
menor significado estatístico entre W-W e clearance LIO-End C ( r=0.352; p=0.018 )
Quadro 2 | Valores médios de clearance na câmara anterior.
Clearance, μm
Mínimo
Máximo
Média
DP
LIO-End P1
1240
1840
1530
167
LIO-End P2
930
1850
1518
187
LIO-End C
1810
2540
2092
189
LIO-Cris
500
1250
894
160
LIO-Cris *
525
1220
903
143
*-Após dilatação pupilar
A clearance entre a LIO e o endotélio central correlacionou-se de forma significativa com a clearance entre a
LIO e o endotélio periférico [ r=0.454; p<0.001 (Figura 2)].
A clearance LIO-end P1 e LIO-End P2 foi respectivamente de 1530±167 µm e de 1518±187 μm. À excepção
de um doente, a diferença entre estas duas variáveis de
450
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Fig. 3 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO-Cris.
Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica de Suporte Angular Acrysof Cachet® – 2 Anos de Follow-Up
Fig. 4 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO-End
C.
Fig. 6 | Relação entre o grau de rotação da lente e a diferença
entre o tamanho da lente e o W-W.
Relativamente às complicações, apenas 2 olhos apresentaram aumento da pressão intra-ocular (PIO) durante
os primeiros dias do pós-operatório. Até ao momento, não
houve registos de formação de cataratas, bloqueio ou ovalização pupilar, sinéquias ou reacções inflamatórias exacerbadas de CA, descolamentos de retina.
Discussão
Fig. 5 | Relação entre a profundidade da CA e clearance LIO-End
P1.
A rotação da lente na CA na 1ª semana de follow-up foi
de 27.2±24.2º. No final do 1º ano de follow-up, a rotação da
lente na CA foi de 28.4±26.0º e no final do 2º ano, foi de
28.5±26.0º para um W-W de 11.7±0.4 mm. Na maioria dos
olhos (61%), a lente teve uma rotação inferior a 30º.
O coeficiente de correlação entre o grau de rotação da
lente e a diferença entre o W-W e tamanho da lente (diferença designada na figura 6 por WW.LIO) foi 0.71, para
p<0.001. O gráfico de regressão linear (Figura 6) ilustra a
relação entre as duas variáveis.
Os doentes implantados com Acrysof Cachet® no serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António com
follow-up de 24 meses apresentaram resultados favoráveis
no que diz respeito à previsibilidade e estabilidade da lente,
efeitos laterais e densidade das células endoteliais. Como já
relatado noutros estudos, a lente deve estar bem posicionada, com a estabilidade adequada de modo a não danificar o
endotélio corneano e o cristalino7,11,12.
O Pentacam® é utilizado para caracterizar o segmento
anterior e a posição da lente fáquica no olho. A câmara de
Scheimpflug permite a visualização e avaliação de todas as
estruturas do segmento anterior com uma boa resolução11,13.
Uma vantagem desta técnica é uma aquisição sem contacto
e rápida de dados relativos à CA.
Não se observaram efeitos laterais significativos. Como já
referido nos resultados, um aumento da PIO (n=2) foi o único
efeito lateral registado. Esteve associado a uma limpeza menos
eficaz da solução viscoelástica durante a cirurgia. Os doentes
necessitaram de tratamento anti-hipertensor durante 10 dias.
A perda de células endoteliais deve ser sempre interpretada no contexto de uma perda fisiológica anual estimada
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
451
Pedro Reimão, Pedro Borges, Ricardo Parreira, Fernando Vaz, Ramiro Salgado, Maria Céu Pinto
em 0.6%14. De um modo geral, não houve perda de células
endoteliais significativa. O respeito pelos critérios de selecção de doentes, nomeadamente no que concerne à sua
CCE pré-operatória terá sido uma das causas do sucesso.
O olho que experimentou maior taxa de perdas endoteliais
(22%) esteve associado a maior trauma cirúrgico, pois essa
diminuição de CCE verificou-se logo na consulta do 1º mês
pós-operatório. Devido à estabilização posterior da CCE,
optou-se por não realizar o explante da LIO. Analisando a
figura 1, verifica-se que é no pós-operatório imediato que
se dão as maiores taxas de perdas endoteliais, estando estas
maioritariamente relacionadas com o trauma cirúrgico.
Os aumentos na CCE que o gráfico revela estarão relacionados com processos individuais de remodelação celular ou com a variabilidade das medições (efectuadas por 2
técnicos de ortóptica). Este artefacto pode ser encontrado
quando os técnicos avaliam áreas diferentes do mesmo endotélio em visitas sucessivas.
A perda média de células endoteliais centrais
(4.27±0.73%) e periféricas (3.86±0.82%) parece-nos bastante aceitável, comparativamente com outras lentes fáquicas de CA (de suporte angular ou fixação à íris) já implantadas no nosso serviço. Contudo, ainda não existem mais
do que 2 anos de seguimento para atestar a sua segurança,
sendo necessário que todos os doentes mantenham uma vigilância em consultas semestrais.
Relativamente à posição da lente fáquica e atendendo a
que esta lente, utilizada para correcção de miopias moderadas a elevadas, é mais espessa na periferia do que no centro
da zona óptica, é crucial manter os bordos da zona óptica
afastados do endotélio. Assim, foi efectuada a medição dos
valores de clearance LIO-End P1 e LIO-End P2. Os resultados médios de ambos foram semelhantes (1530.0 e 1518.22
µm, respectivamente). Apenas um doente apresentou um
resultado de LIO-End P inferior a 1350 µm – trata-se de
um olho no qual os valores de LIO-End P1 e LIO-End P2
eram respectivamente de 1810 µm e 930 µm devido a um
tilt da lente na CA acarretando perdas de 7.1% no endotélio
periférico 15 meses após a cirurgia. Este doente encontra-se
em seguimento trimestral. Atendendo à equação da recta
da figura 5 verifica-se que para uma clearance mínima de
segurança de 1500 µm entre a LIO e o endotélio periférico, é necessária uma CA mínima de 3.07 mm para evitar
perdas endoteliais graves. Em relação à clearance LIO-End
C, a segurança foi evidente, com o valor mínimo registado
a ser de 1810 µm. Até ao momento, ainda não há registo
de cataratas, como complicação do pós-operatório. No entanto, existem 4 doentes com clearance LIO-Cris inferior a
700 µm e que são também alvo de um follow-up mais apertado. 11 doentes foram submetidos a dilatação pupilar no
452
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
pós-operatório para avaliação de queixas relacionadas com
miodesópsias de novo. Em todos os casos, a dilatação foi
eficaz. Os dados recolhidos pelo Pentacam® revelaram que
os valores de clearance LIO-Cris sofriam alterações pouco
significativas nos minutos seguintes à dilatação (quadro 2).
Apesar de existir uma tendência para a movimentação posterior da lente com a dilatação pupilar, a distância entre a
LIO e o cristalino mantém-se, certamente devido ao aplanamento da superfície anterior do cristalino7.
Outro facto importante observado é que a medição da
CA recorrendo a instrumentos como a câmara de Scheimpflug do Pentacam® traz maior precisão na estimativa do
tamanho da CA, o que já está descrito noutros trabalhos15.
Juntamente com a escolha adequada de candidatos (rigoroso respeito pelos critérios de inclusão), este facto também
se mostrou decisivo para os valores de segurança apresentados pela lente até agora.
Verificou-se que a rotação da lente não esteve associada
a qualquer tipo de complicações. A rotação foi, essencialmente, a observada durante a 1ª semana após a cirurgia. Em
40 olhos não se verificou qualquer rotação da lente após a
consulta do 1º mês e nos restantes, a média de rotação foi
de 1.3º ao fim de 2 anos. Estes dados sugerem que a lente adquire estabilidade após um período inicial de rotação
ainda no peroperatório, provavelmente relacionado com o
procedimento em si (a remoção da solução viscocirúrgica)
e desvio dos hápticos da posição original no meridiano de
90º. A estabilidade rotacional da lente foi tanto maior quanto maior a diferença entre o tamanho da lente e o W-W.
Apesar deste facto, houve a tentativa de não ultrapassar
os 1.25 mm de diferença, o poderia significar demasiada
compressão dos hápticos sobre o ângulo e o consequente
posicionamento posterior da lente. O resultado seria, eventualmente, um glaucoma secundário a bloqueio pupilar, já
descrito noutros estudos sobre implante de LIO´s fáquicas
de CA8. Por outro lado, se a diferença entre o tamanho da
lente e o W-W for diminuta (<0.5 mm) aumenta a probabilidade e o grau de rotação da lente. Analisando a figura 6
e a equação da recta, percebe-se que para a lente não rodar
ou apresentar uma rotação inferior a 20º é necessário que a
diferença não seja inferior a 0.97 mm.
Em conclusão, os dados colhidos suportaram a segurança da utilização da lente na correcção de miopias moderadas a altas. Os parâmetros avaliados por imagem revelaram
uma lente fáquica bem posicionada na CA, fornecendo uma
clearance central e periférica adequadas para o endotélio
corneano e cristalino. Para maior segurança, segundo a
nossa amostra, é aconselhavél uma CA > 3.07mm, contrariamente ao que sugere o fabricante (2.8 mm). Devido
aos casos de rotação relatados ainda no peroperatório (nas
Segurança e Estabilidade da Lente Fáquica de Suporte Angular Acrysof Cachet® – 2 Anos de Follow-Up
consultas pós-operatórias comprova-se já a estabilidade da
lente), não será de momento aconselhável a correcção de
erros astigmáticos com uma lente destas características.
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O trabalho foi apresentado como free paper, a 20 de Setembro de 2011, no XXIX Congresso da ESCRS, em Viena.
Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar.
CONTACTO
Pedro Reimão
Rua Sarmento Beires, nº 130, Leça da Palmeira
4450-723, Matosinhos
[email protected]
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
453
Oftalmologia - Vol. 36: pp.455-461
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Síndrome de Goldenhar –
Caso Clínico e Revisão da Literatura
Rita Reis1, Vasco Miranda1, Ricardo Parreira2, Pedro Menéres3, Maria Araújo4
Interna(o) Complementar
Assistente Hospitalar, Secção de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo
3
Assistente Hospitalar Graduado, Secção de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo
4
Assistente Hospitalar Graduada, Secção de Órbita e Oculoplástica
Serviço de Oftalmologia, Hospital de Santo António, Porto
1
2
Resumo
Introdução: A Síndrome de Goldenhar é uma patologia congénita rara, com uma incidência de
1 em cada 3 500 a 56 000 nascimentos. A sua base patogénica consiste numa alteração do desenvolvimento do 1º e 2º arcos branquiais cuja etiologia permanece desconhecida, podendo estar
relacionada com uma anomalia da sua vascularização durante a gravidez. As principais características oftalmológicas são a presença de colobomas palpebrais, dermóides conjuntivais e de
microftalmia (mais raramente, anoftalmia). As manifestações sistémicas são múltiplas, das quais
se destacam as alterações da morfologia craniofacial, a presença de apêndices pré-auriculares,
dismorfias vertebrais, malformações cardio-pulmonares e genito-urinárias.
Caso clínico: Os autores relatam um caso de uma menina de 3 meses cujo exame oftalmológico
sugeriu uma anoftalmia direita, entretanto confirmada por ultrassonografia. Não foram identificadas alterações palpebrais nem alterações morfológicas na região orbitária esquerda, nomeadamente dermóides e colobomas. Apresentava ainda várias alterações hemifaciais, das quais se
destacam a microssomia, apêndices pré-auriculares e hipoplasia mandibular. O estudo cardiológico realizado revelou um septo interventricular perfurado e sinais de hipertensão pulmonar.
Identificaram-se ainda múltiplas hemivértebras cervicais e torácicas. Foi colocada a hipótese
diagnóstica de Síndrome de Goldenhar.
Conclusão: As manifestações oftalmológicas mais comuns da Síndrome de Goldenhar nem
sempre estão presentes. A existência de anoftalmia obriga à intervenção cirúrgica precoce, com
o objectivo de estimular o crescimento ósseo da órbita e assim permitir um melhor resultado
estético global. A identificação de anomalias oculares deve ser estudada em conjunto com as
alterações sistémicas e enquadradas na abordagem multidisciplinar destes doentes.
Palavras-chave
Síndrome Goldenhar, espectro oculo-auriculo-vertebral, dermóides, microftlamia/anoftalmia.
Abstract
Introduction: Goldenhar Syndrome is a rare congenital anomaly, with an incidence of one in
each 3 500 to 56 000 births. Its pathogenesis remains unknown but is thought to be caused by a
disturbance in the development of the 1st and 2nd branchial arcs, possibly related to their vascularization during pregnancy. Its main ocular findings are the presence of palpebral colobomata,
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Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres, Maria Araújo
conjunctival dermoids and microphthalmia (rarely anophthalmia). There are a myriad of systemic manifestations which include craniofacial and vertebral dysmorphias, pre-auricular skin tags
and cardiopulmonary and genitourinary malformations.
Clinical case: We report a case of a three-month-old girl whose ophthalmic examination suggested a right sided anophthalmia, later confirmed with ultrasonography. No morphologic
abnormalities were identified in the left orbital region, namely dermoids or colobomata. She
also presented with hemifacial malformations, such as microssomia, pre-auricular skin tags and
mandibular hypoplasia. Cardiac examination disclosed a perforated interventricular septum and
signs of pulmonary hypertension; multiple cervical and thoracic hemivertebrae were identified.
Goldenhar Syndrome was perceived to be the most likely diagnosis.
Conclusion: Typical manifestations of Goldenhar Syndrome are not always encountered. Anophthalmic sockets warrant early surgical intervention, aiming to stimulate orbital bone growth
and therefore allowing better cosmetic outcomes. Ocular malformations must be assessed together with systemic abnormalities in an imperative multidisciplinary addressement of these
patients.
Key-words
Goldenhar Syndrome, oculoauriculovertebral spectrum, dermoids, microphthalmia/anophthalmia.
Introdução
A Síndrome (Sd) de Goldenhar é uma entidade clínica complexa com manifestações variadas e etiologia
desconhecida. Em 1845, Von Arlt1 relatou pela primeira vez uma associação de malformações auriculares e
oculares mas foi só em 1952, com M. Goldenhar, que a
tríade característica de tumores dermóides epibulbares,
apêndices pré-auriculares e mal-formações auriculares
foi descrita2. Em 1963, Gorlin et al sugeriu a designação
“microssomia hemifacial” para caracterizar a associação
de hipoplasia facial unilateral e microtia ipsilateral, que
mais tarde verificou estar frequentemente associada a alterações vertebrais. Nas décadas seguintes verificou-se
uma clara sobreposição entre a Sd Goldenhar, a microssomia hemifacial e uma série de outras entidades clínicas entretanto descritas, que se distinguiam entre si por
diferentes graus de alterações morfológicas auriculares,
oculares, faciais e cervicais, tais como a “Sd do Primeiro
Arco Branquial” e “Sd do Segundo Arco Branquial”.Foi
então em 1990 que Gorlin postulou que todas estas Síndromes corresponderiam de facto a variações de uma só
entidade clínica, com diferentes graus de atingimento auricular, ocular e vertebral, a que deu o nome de “Espectro
Oculo-auriculo-vertebral”3,4.
Os dados relativos à sua incidência variam de estudo
456
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
para estudo, havendo valores tão díspares como 1 em
cada 3500 - 5600 nascimentos5 até 1 em cada 45 000
nados-vivos6. A grande variabilidade entre as diferentes
séries publicadas é explicada pela diferença nos critérios de diagnóstico utilizados na seleção da amostra7,8.
A própria multiplicidade de termos clínicos já utilizados
para designar esta entidade é, por si só, ilustrativa da sua
grande variabilidade fenotípica, que se traduz inclusivamente na dificuldade em estabelecer critérios mínimos de
diagnóstico universalmente aceites. Actualmente são critérios mínimos de diagnóstico a presença de microtia ou
de apêndices pré-auriculares8, sendo que muitos autores
exigem a associação a hipoplasia mandibular para o estabelecimento do diagnóstico.
A maioria dos casos ocorre de forma esporádica, mas
existem relatos de casos com hereditariedade autossómica dominante8,9, autossómica recessiva8, dominante
ligada ao cromossoma X9 e até de hereditariedade multifactorial5, com interacção de vários genes e interferência
de factores ambientais. Um estudo genético identificou
duas famílias com hereditariedade autossómica dominante de penetrância incompleta8. Os estudos cromossómicos
até agora realizados não revelaram nenhuma alteração
específica10. A grande variabilidade clínica inter e intrafamiliar é uma constante, independentemente do padrão
de hereditariedade8. Sabe-se que nos casos esporádicos o
Síndrome de Goldenhar – Caso Clínico e Revisão da Literatura
atingimento é normalmente unilateral (cerca de 85% dos
casos), enquanto que nos casos familiares a bilateralidade
é mais frequente (cerca de 10 a 33% dos casos)1. Nos
casos bilaterais o atingimento é frequentemente assimétrico, sendo mais marcado na hemiface ipsilateral às principais alterações auriculares.
Os indivíduos do sexo masculino são mais frequentemente atingidos, com um ratio masculino: feminino de
3:25. No entanto, alguns autores defendem que ambos os
sexos são atingidos de igual forma, sendo a diferença até
agora reportada uma vez mais explicada pelos diferentes
critérios mínimos de diagnóstico utilizados pelos autores11,12. Um atingimento semelhante entre ambos os sexos
estaria de acordo com a hereditariedade autossómica dominante, a mais frequentemente reportada8.
Pouco se sabe relativamente à sua patogénese. A distribuição dos órgãos atingidos aponta para uma malformação do 1º e 2º arcos branquiais e 1ª fenda branquial,
que ocorrerá entre a 4ª e a 6ª semana gestacional. No entanto, as alterações decorrentes do deficiente desenvolvimento destes arcos branquiais não explicam as alterações
cardiovasculares e genitourinárias muitas vezes presentes, já que a origem embrionária é distinta7. Vários autores colocaram a hipótese de haver uma alteração ao nível
da blastogénese, possivelmente condicionada por alterações precoces do desenvolvimento vascular5,13,14. Kallen
et al15 atribuiu a patogénese da Sd. de Goldenhar a uma
alteração no desenvolvimento da crista neural. Russell
et al16 sugere uma anomalia na migração das células da
crista primitiva, resultando em alterações do desenvolvimento das estruturas mesodérmicas, já que os órgãos
primariamente afectados têm uma origem mesodérmica
comum.
Têm sido propostos como agentes teratogénicos várias
infecções maternas (rubéola, influenza1,17,18), a exposição
a radiação externa e a herbicidas ou insecticidas nos primeiros três meses de gestação. Também a ingestão de fármacos durante a gravidez aparece associada a inúmeros
casos isolados descritos na literatura, nomeadamente em
associação à Talidomida, Cocaína, produtos de medicina
tradicional (de composição indeterminada), Tamoxifeno,
Ácido Retinóico, Primidona e Fluoxetina 11,17,19,20. Alguns
autores apontam a diabetes materna como factor de risco
para o desenvolvimento desta síndrome1,7,17,18,21-23.
Além das anomalias que fazem parte da tríade diagnóstica, são ainda frequentes outras malformações auriculares, oculares e faciais, bem como um conjunto de
alterações sistémicas de gravidade variável, atingido
principalmente os sistemas cardiovascular, pulmonar, digestivo, renal, genitourinário e osteoarticular.
Caso clínico
Os autores relatam um caso de uma menina de 3 meses com hemidismorfia facial, enviada à consulta de Oftalmologia por suspeita de microftalmia direita. Apresentava
normal morfologia das pálpebras bilateralmente e exame
oftalmológico do olho esquerdo totalmente normal, nomeadamente sem tumores epibulbares visíveis. Realizou-se
ecografia ocular, que revelou ausência total de globo ocular
à direita, com nervo óptico presente; à esquerda comprovou-se a normal morfologia do globo ocular.
Fig. 1 | Aos três meses de idade: assimetria hemifacial evidente,
com hipoplasia orbitária e ausência de globo ocular direito.
A RMN orbitária entretanto realizada confirmou anoftalmia direita com hipoplasia da cavidade orbitária ipsilateral, além de uma marcada assimetria óssea craniofacial.
Fig. 2 | RMN orbitária: anoftalmia direita (1), assimetria marcada
das paredes da órbita (2) e hipoplasia orbitária direita (3).
A criança apresentava ainda microtia direita e vários
apêndices pré-auriculares, além de microssomia hemifacial, macrostomia, hipoplasia mandibular direita e agenesia do canal auditivo externo direito. A avaliação multidisciplinar permitiu identificar alterações do foro cardíaco
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Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres, Maria Araújo
(comunicações interventriculares múltiplas, foramen oval
patente e hipertensão pulmonar), urológico (hipoplasia renal ipsilateral) e vertebral (hemivértebras cervicais).
Tratava-se da primeira filha de um casal jovem, saudável
e não consanguíneo. A gravidez foi vigiada clínica e ecograficamente desde o segundo mês, tendo decorrido sem intercorrências e sem história de exposição a radiação externa
ou a fármacos (para além dos suplementos de ferro e ácido
fólico, prescritos usualmente durante a gravidez). O parto
distócico (por fórceps) ocorreu às 38 semanas num Hospital distrital do Norte do país. Os pais desconheciam antecedentes familiares patológicos relevantes. O estudo genético
entretanto realizado revelou um cariótipo 46, XX normal.
No 7º mês de vida foi colocado expansor de fundo de
saco conjuntival (expansor de Hidrogel 0.9 ml - Acri-Tec®),
simultaneamente com cirurgia maxilo-facial para correcção
de macrostomia. Onze meses depois foi colocado expansor
esférico orbitário de Hidrogel de 3 ml (também da Acri-Tec®), inserido por abertura da conjuntiva e Tenon pelo
fundo de saco inferior. O implante sofreu extrusão total,
tendo sido substituído por outro do mesmo tamanho, com
o mesmo resultado final, apesar de ambos terem sido colocados o mais posteriormente possível na órbita e de ter
sido feito encerramento por planos, com pontos isolados (fio
Poliglactina 910™, 5/00).
Em todas as cirurgias foi realizada uma tarsorrafia temporária (com fio de seda 4/00), mantida durante cerca de três
meses na primeira cirurgia e durante um mês nas três últimas
intervenções.
Fig. 3 | Colocação de expansor orbitário.
O próximo passo na reabilitação orbitária poderá ser a
colocação de expansor de tecido orbitário ou de enxerto de
gordura, seguido de colocação de prótese externa executada
à cor e à medida.
458
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
As descompensações cardiopulmonares frequentes e as
infecções genitourinárias de repetição obrigaram várias vezes ao cancelamento de intervenções cirúrgicas programadas, resultando num tempo de intervenção inicial bastante
superior ao inicialmente previsto. A abordagem conjunta
com a Cirurgia Maxilo-Facial e Cirurgia Plástica permitiu
optimizar a sequência das intervenções, com o objectivo de
atingir um melhor resultado estético/funcional e de diminuir o número de cirurgias necessárias.
Actualmente a doente é seguida nas consultas de Pediatria, Cirurgia Plástica, Cirurgia Maxilo-facial, Cardiologia,
Nefrologia, Ortopedia e Otorrinolaringologia.
O exame oftalmológico do olho esquerdo mantém-se
sem alterações, com transparência dos meios, ausência de
erros refractivos significativos e comportamento visual aparentemente normal.
Fig. 4 | – Aspecto da doente imediatamente após colocação de expansor de fundo de saco (imagem superior) e 1 mês após
colocação de expansor orbitário (imagem inferior).
Discussão
Clinicamente os doentes podem apresentar qualquer
combinação de alterações morfológicas, desde microtia
Síndrome de Goldenhar – Caso Clínico e Revisão da Literatura
e/ou hipoplasia mandibular até múltiplas manifestações
cardíacas, musculoesqueléticas, renais, pulmonares e do
Sistema Nervoso Central (SNC). As percentagens de cada
manifestação variam muito conforme as séries e a sua incidência real é, de facto, desconhecida. Nos estudos em que
são incluídos doentes que cumprem apenas os critérios considerados mínimos para o diagnóstico ocorre uma diluição
natural dos casos com manifestações sistémicas, tornando
a sua prevalência mais baixa do que a encontrada nas séries com doentes tendencialmente mais graves. No entanto,
pensa-se que cerca de 60% dos doentes têm algum tipo de
alteração ocular, 40% tem alterações auditivas e 40% alterações vertebrais5.
De todas as alterações oculares encontradas nestes
doentes a mais comum é a existência de tumores epibulbares, que surgem em 35% dos casos. Normalmente são
unilaterais, inferotemporais24 e perilímbicos, mas podem
surgir em qualquer localização. A sua existência pode condicionar complicações graves, sobretudo relacionadas com
o seu tamanho e localização. Tumores de grandes dimensões podem impedir o encerramento completo da fenda palpebral, originando sintomas de olho seco e até queratopatia
de exposição. Em alguns casos podem condicionar um astigmatismo corneano significativo pelo que, mesmo quando
não existe obstrução mecânica do eixo visual, o potencial
ambliogénico é considerável. Histologicamente os dermóides são o subtipo mais comum, mas existem também tumefacções lipodermóides, normalmente subconjuntivais e
superotemporais, muitas vezes localizadas num plano mais
posterior25. Estas podem não ser aparentes nos estudos imagiológicos (TAC e RMN) uma vez que a sua densidade é
muito semelhante à da gordura orbitária. Nos casos em que
os tumores epibulbares condicionam astigmatismo corneano significativo deverá ser realizada a sua exérese cirúrgica,
eventualmente combinada com uma queratoplastia lamelar.
Os colobomas palpebrais são mais comuns na pálpebra
superior, o que pode constituir um importante elemento no
diagnóstico diferencial com outras Sd. Dismórficos craniofaciais. Apesar de constituírem a alteração morfológica palpebral mais comum nestes doentes, podem também
ocorrer pregas no epicanto e epífora por agenesia do ponto
lacrimal1.
A microftalmia é muito mais frequente do que a anoftalmia, presente em cerca de 10% destes doentes. Os doentes
com anoftalmia (2- 4% dos casos) representam normalmente
casos mais graves, com maior prevalência de malformações
do SNC, nomeadamente calcificação da foice cerebelar, paralisia cerebral, hidrocefalia e atraso mental. A intervenção
cirúrgica precoce nos casos de anoftalmia é obrigatória para
a estimulação do desenvolvimento ósseo da órbita.
Numa revisão da literatura foram encontrados inúmeros
casos em que doentes com Sd. de Goldenhar apresentavam
várias formas de estrabismo (endotropias, exotropias, limitação da abdução e Sd de Duane tipo 1 e 2) assim como microcornea, colobomas da íris, coróide e nervo óptico, atrofia
da íris, catarata polar anterior e várias alterações do sistema
nasolacrimal (dacrioestenose congénita, fístula lacrimal e
obstrução do ducto nasolacrimal)1,24-26.
Tabela I | Frequência de alterações oftalmológicas nos
doentes com Sd. Goldenhar
Percentagem
(%)
Colobomas palpebrais
10-20
Tumores epibulbares
35
Microftlamia
10
Anoftalmia
2-4
Estrabismo
6-10
A microssomia hemifacial que caracteriza estes doentes
é provocada por alterações ósseas e articulares (nomeadamente hipoplasia mandibular e zigomática associadas a assimetria dos ramos da mandíbula). Uma vez que estas são
normalmente unilaterais, o facies característico da Sd. de
Goldenhar é assimétrico segundo um plano vertical. Esta
assimetria é evidente em apenas 20% dos casos, mas está
presente em menor grau em mais de 65% dos doentes, ainda
que não seja imediatamente aparente, sobretudo na infância.
Por motivo ainda desconhecido, várias séries referem a sua
maior ocorrência na hemiface direita5,8,27, apontando como
explicação eventuais assimetrias na arquitectura vascular.
Além das alterações morfológicas auriculares já referidas, e
que constituem os critérios mínimos de diagnóstico, mais de
dois terços destes doentes (em algumas séries 90%) manifestam surdez ou hipoacúsia neurossensorial ou de condução.
De facto, quando se consideram apenas crianças com surdez
neurossensorial, a incidência de Sd. de Goldenhar aumenta
marcadamente para uma em cada 1000 crianças28. As alterações vertebrais mais frequentemente descritas são a fusão das
vértebras cervicais, a existência de hemivértebras e de cifose
ou escoliose com diferentes níveis de gravidade.
As alterações sistémicas associadas surgem em cerca
de 50% dos doentes29. As alterações cardíacas mais frequentes são a Tetralogia de Fallot e os defeitos do septo
interventricular7. Uma vez que as malformações cardíacas
estão presentes em 18-58% dos casos e que no seu conjunto
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
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Rita Reis, Vasco Miranda, Ricardo Parreira, Pedro Menéres, Maria Araújo
constituem a principal causa de morte nestes doentes6,30,
é absolutamente obrigatório o rastreio cardiovascular na
abordagem inicial de indivíduos com suspeita de Sd. de
Goldenhar. Entre as alterações craniofaciais são comuns
a fenda palatina/lábio leporino, alterações da implantação
dentária, quistos dermóides, macrostomia, micrognatia e
microcefalia. Relativamente ao sistema musculoesquelético, são frequentes as dismorfias do esternocleidomastoideu,
o pescoço curto, as hérnias umbilicais e inguinais e a baixa
estatura, para além das já referidas alterações vertebrais.
São ainda comuns manifestações gastrointestinais (fístulas
traqueoesofágicas e imperfuração anal) e genitourinárias
(hipospádia e hipoplasia vaginal, testículos retidos, refluxo
vesicouretral e hipoplasia/agenesia renal).
Nos recém-nascidos o tratamento deverá ser orientado
para a manutenção das funções vitais, nomeadamente a respiração e nutrição, que poderão estar seriamente comprometidas nos casos mais graves1.
A reabilitação orbitária nos casos de anoftalmia será
melhor sucedida se iniciada precocemente. A decisão relativamente ao tempo cirúrgico ideal e ao tipo de abordagem
dependem do tipo de alterações das pálpebras, conjuntiva e
órbita, bem como da sua gravidade31.
A abordagem cirúrgica deve ser dirigida primariamente à correcção de eventuais anomalias palpebrais, seguida
das alterações da conjuntiva e por último da órbita. A escolha do tipo de prótese e até do seu tamanho obriga muitas
vezes a várias intervenções cirúrgicas, de modo a que seja
encontrado um tamanho suficientemente grande para ser
eficaz, sendo simultaneamente tolerável e com baixo risco
de extrusão. Apesar de não existir nenhum tratamento universalmente aceite nas formas congéntias de anoftalmia, os
expansores de silicone constituem uma opção promissora já
que permitem a expansão da órbita de uma forma previsível
e pouco traumática, duas vantagens importantes na difícil e
prolongada abordagem terapêutica destes doentes31.
O diagnóstico pré-natal (DPN) é possível através da
ecografia neonatal. De Catte et al32 publicou um caso clínico em que foi feito o DPN às 15 semanas de gestação por
observação ecográfica de uma fenda de palato associada a
microftalmia unilateral. Num outro caso o DPN foi estabelecido às 24 semanas pela presença de microssomia hemifacial associada a hipoplasia cerebelar ipsilateral32.
Nas consultas de aconselhamento genético, durante a
elaboração da árvore genealógica, deve ser dada especial
atenção à possível presença de malformações minor, sobretudo apêndices pré-auriculares de pequenas dimensões ou
dismorfias auriculares ligeiras, que frequentemente estão
presentes nos familiares de doentes inicialmente tidos como
casos sem componente hereditário.
460 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
O prognóstico depende da gravidade das alterações sistémicas associadas. Na maioria dos casos o tratamento consiste em múltiplas cirurgias, de modo a otimizar as funções
dos órgãos atingidos e melhorar o aspecto estético.
A enorme variedade clínica e morfológica da Sd. de
Goldenhar torna impossível o estabelecimento de protocolos de tratamento universais31.
O atingimento multissistémico destes doentes obriga a
uma abordagem multidisciplinar, de modo a reduzir o número de anestesias e optimizar esforços de tratamento.
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Nenhum dos Autores tem conflito de interesses a declarar.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
461
Oftalmologia - Vol. 36: pp.463-466
Comunicações Curtas e Casos Clínicos
Termo de Consentimento Informado
para Cirurgia de Catarata
Mestre Leonor Duarte Almeida
H.S. Maria, Serviço de Oftalmologia.
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Introdução
O consentimento informado ou esclarecido, fundamenta-se na informação adequada fornecida pelo médico
ao doente e no consentimento esclarecido por parte deste.
Traduz o respeito pelo princípio da autonomia do sujeito e
pressupõe um conjunto de atitudes e procedimentos, com
avaliação das respectivas expectativas, riscos e benefícios
associados.
Como exigência formal é um instrumento recentemente utilizado na prática clínica. A obtenção do T.C.L.E, não
constitui um mero cumprimento contratual na relação médico-doente, mas um complemento da atuação médica, reforçando a relação de confiança estabelecida entre ambos.
O objetivo do T.C.L.E., não é a defesa judicial mas o reforço dessa relação de confiança.1 Só é eficaz se o “paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico,
índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da
intervenção ou tratamento (Código Penal art. 157º) 1.
Do articulado do artigo 156º, que se refere a intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, pode concluir-se que a atividade médica está basicamente, delimitada pelo consentimento do doente1,4.
O médico pode ser punido a dois títulos diferentes:
Ofensa à integridade física, no caso de ter havido violação
das leges artis, e Ofensa à liberdade (direito de autodeterminação nos cuidados de saúde) no caso de, tendo agido
de acordo com as regras da profissão, não ter esclarecido
devidamente o paciente dos riscos ou consequências secundárias da intervenção2,3.
Transcrito para a nossa ordem jurídica em Dezembro
de 2001, da convenção de Oviedo de 1997, Cap. II art. 5º,
estabelece para a prática clínica os seguintes itens: Competência, Informação, Compreensão, Voluntariedade e finalmente Consentimento5.
O processo de consentimento constitui- se assim num
direito do doente e simultaneamente num dever do médico. O doente deve ser informado de maneira adequada à
sua capacidade cognitiva. O simples ato de ler e assinar um
documento, não é suficiente para a eliminação do ónus
de informar adequadamente. O médico pode e deve expor
a sua opinião sobre o tratamento que acredita ser o mais indicado. Não pode por seu turno: Impor sua vontade quanto
ao tratamento e Omitir informações sobre outros possíveis
tratamentos.
Apresentação de um termo de consentimento informado para cirurgia de catarata
Em Junho de 2012 foi apresentado no Congresso de
Cirurgia Implanto-Refrativa realizado em Tróia e por solicitação do seu coordenador, um Termo de Consentimento
Informado destinado a cirurgia de catarata resultante de um
trabalho de discussão e ponderação alargada, em torno dos
itens mais importantes que um consentimento deve comportar. Este documento reformulado de um anteriormente
apresentado, contempla as sugestões do responsável do
grupo e foi aberto á contribuição dos colegas da Sociedade
Portuguesa de Oftalmologia.
Ficou então decidido que este novo termo, deveria ser
aprovado pela Comissão Diretiva do Colégio de Oftalmologia, o que reforçaria naturalmente a sua importância normativa. Para evitar o risco de um vazio jurídico, foi contudo
consensualmente assumido que mesmo sem a chancela do
Colégio o termo de consentimento em questão iria passar
a ser usado pelos colegas que assim o desejassem na sua
prática clinica, enquanto aguarda a aprovação como documento formal a adotar.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
463
Leonor Duarte Almeidao
Metodologia adotada para a Elaboração de um correto Termo de consentimento livre e esclarecido
A forma do consentimento informado expresso (oral/
escrito) deve ser adequada a cada situação clinica e não
uniformizada. A cirurgia de catarata envolve objetivos diferentes de uma cirurgia de glaucoma ou vítreo-retiniana,
bem como distintas complicações.
Esse termo terá de contemplar a Natureza do procedimento a que irá ser submetido, Informações sobre os
Riscos prováveis, Possíveis complicações e sequelas,
Benefícios, Alternativas ao tratamento, Consequências
da negação, Autorização para obter fotografias, vídeos
e difundir em revistas médicas ou reuniões científicos e
a Possibilidade de revogação a qualquer momento antes
da intervenção.
A Resposta a todas as dúvidas, confirmando a compreensão da informação fornecida e o tipo de Linguagem
utilizada que deverá ser simples para a plena compreensão
do doente/ seus familiares se necessário, bem como a entrega de Cópia ficando outra apensa ao processo clínico
bem como o Contacto em caso de necessidade e as respetivas Assinaturas do médico e doente, acrescidas das
respetivas identificações (ex.: B. Identidade, endereço
e etc.) completam o termo de consentimento informado
adequado1.
Transparência na informação - A transparência na
quantidade e qualidade da informação transmitida pelo
médico, não é apenas um dever mecânico. Permite a compreensão no ato de assentir com a intervenção proposta,
sabendo o motivo e podendo justificar - dentro de suas
limitações cognitivas e culturais - o motivo da escolha do
tratamento adotado. O excesso de informação e esclarecimento, não são sinónimos. Como base da relação médica
- doente o que se exige é a qualidade da informação, que
não tem, necessariamente relação com a quantidade.
Prognóstico e o Diagnóstico - O Prognóstico e o Diagnóstico devem ser revelados salvo se o médico, entender
464 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
não o dever fazer. Um mau prognóstico só pode porém ser
revelado com as precauções aconselhadas pelo exato conhecimento das suas condições específicas e da sua índole
moral. Em regra deve ser revelado ao familiar mais próximo, a não ser que o doente o tenha previamente proibido
ou tenha indicado outras pessoas a quem a revelação deva
ser feita.
Conclusão
O médico enquanto fornecedor de serviços corre o risco d e ver a sua prática regulada pela optica contratual. A
utilização de um T.C.L.E será um meio moral de recuperar essa confiança, ameaçada pela despersonalização do
ato médico, pela filosofia do número, e consequente perda
de confiança mútua. O recurso a um documento com uma
metodologia própria e organizada, poderá servir de base
a um melhor entendimento, empatia e cumplicidade entre
dois parceiros privilegiados de uma relação insubstituível,
que é a relação médico-doente.
Bibliografia
1. ALMEIDA, Leonor Duarte (2011) O Consentimento
informado, Fundamentos e aplicação de adequada metodologia para a sua obtenção breves considerações.
Oftalmologia Vol. 35: pp 87-91 Jan - Março 2011
2. PEREIRA André, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra,
Coimbra Editora, 2004, 121 e ss.
3. COSTA ANDRADE Manuel da, in FIGUEIREDO DIAS
(Direcção), Comentário Conimbricense ao Código Penal,
Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 307.
4. COSTA ANDRADE, Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p.450
5. SILVA, Paula Martinho da. Convenção dos Direitos
do Homem e da Biomedicina Anotada, Lisboa Edições
Cosmos,1997 ISBN-972-762-050-
Termo de Consentimento Informado para Cirurgia de Catarata
Consentimento informado para intervenção cirúrgica
oftalmológica (Catarata) e Anestesia. Lei 1/ 2001,
reguladora do Consentimento informado,
transposta da C.O. para o ordenamento jurídico português em Dezembro de 2001)
Nome e apelido do doente
Nº do processo clínico
Nome do médico que o informa
Assinatura
O que é a doença? A catarata é responsável pela diminuição da visão ou visão turva, em virtude do cristalino, a lente
biconvexa que existe no olho e que permite focar a várias distâncias, se encontrar afetada pelo envelhecimento do olho, por
traumatismo, ou outras causas.
Qual é o tratamento? O método utilizado para melhorar a sua visão é a cirurgia, não havendo outro método alternativo,
contudo não é uma emergência cirúrgica e pode fazer-se em qualquer momento. A cirurgia realiza-se em meio asséptico e
com microscópio operatório, geralmente em regime ambulatório.
Em que consiste a cirurgia? Consiste na aspiração do cristalino opacificado por facoemulsificação e na sua substituição
por uma lente intraocular. O método utilizado não é o laser, mas sim a fragmentação de parte do cristalino por ultrassons, com
aspiração das massas restantes, através de dois pequenos orifícios, deixando íntegra a cápsula posterior, onde será colocada
a lente intraocular. Realiza-se em grande percentagem dos casos em regime ambulatório, sob anestesia local ou tópica, sem
necessidade de recorrer a anestesia geral, o que origina pouca permanência no hospital/clinica.
Como se sabe o valor da lente? Por uma medição feita no olho que avalia a potência da lente que se vai colocar. Pode
haver alguma variação no cálculo dessa lente, sendo ocasionalmente necessária a sua substituição.
É preciso levar pontos? Geralmente não são necessários pontos mas em situações particulares podem ser precisos.
Quanto tempo demora a cirurgia? A cirurgia de catarata é um procedimento que dura cerca de 20-30 minutos em regra,
excluindo os preparativos para a entrada no bloco e a conclusão da cirurgia.
Quais as complicações da cirurgia? Habitualmente não existem complicações, contudo não está isenta de riscos como
qualquer ato médico-cirúrgico, tanto durante como no pós-operatório quer imediato quer tardio.
1. Durante a cirurgia pode haver rotura da cápsula posterior, necessidade de colocar a lente em local diferente do previsto ou não se colocar, hemorragia, ou queda total ou de fragmentos do cristalino para o vítreo, o que requererá nova
intervenção. Em certas circunstâncias durante a cirurgia pode haver uma complicação que é uma situação excepcional
(1/10.000) hemorragia expulsiva, com risco para a visão.
2. Pode surgir muito raramente (em menos de 1 por cada 1000 casos), uma infeção intraocular ou endoftalmite, que
pode ser grave, apesar de todos os cuidados pré operatórios, nomeadamente desinfeção adequada. Deverá contactar
de imediato o médico se sentir alteração desproporcionada à evolução normal do pós-operatório que lhe foi explicado
(como dor, olho vermelho ou baixa de visão), porque o tratamento precoce diminui os maus resultados.
3. Pode ser necessário recorrer a tratamento de Yag Laser, se a cápsula onde se apoia a lente se opacificar, o que pode
acontecer num tempo variável após a cirurgia
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
465
Leonor Duarte Almeidao
A anestesia também tem riscos? A própria anestesia não está isenta de riscos. As anestesias loco-regional e tópica
reduzem esta possibilidade, mas não a evita completamente e tanto a anestesia geral como a local/ tópica podem apresentar
reações adversas a medicamentos ou a outros fatores.
Riscos comuns da cirurgia Habitualmente não existem complicações e ao fim de algum tempo obtém-se uma visão satisfatória. Pode haver visão um pouco turva nos primeiros dias, algum desconforto, sensação de olho seco e encadeamento com
a as luzes, mas tais sintomas desaparecerão ao fim de algum tempo. Nota: Deverá respeitar a indicações fornecidas pelo seu
médico bem como prescrições de medicamentos e colírios anexadas.
Poderá haver necessidade do uso de óculos tanto para longe como de perto, mesmo nalguns casos em que se coloquem
lentes intraoculares multifocais.
Se não surgirem complicações a visão final, dependerá do estado das restantes estruturas oculares e da associação ou não
de outras patologias oftalmológicas e sistémicas.
Notas particulares colocadas pelo cirurgião: Ex; Fragilidade zonular, glaucoma pseudo-esfoliativo, pupila que dilata
mal, Distrofia de Fuchs.
Esta informação pretende esclarecê-lo (a) para que tome uma decisão sobre se deseja ou não submeter-se a esta cirurgia
ocular. Pode levar o tempo que for necessário e coloque todas as perguntas que considerar necessárias, antes de concordar
com a proposta cirúrgica. Caso rejeita a operação fica informado (a) de que não existe outro tratamento alternativo para
corrigir a sua baixa de visão e que esta irá agravar-se.
Declaração do consentimento :
1. Declaro que fui informado/a pelo meu médico dos riscos relativos ao procedimento cirúrgico proposto, tendo-me sido
explicado as possíveis complicações.
2. Estou satisfeito/a com a informação recebida, tendo podido formular todo o tipo de perguntas que considerei convenientes e ainda me foram esclarecidas todas as dúvidas apresentadas.
3. Foi-me dada uma cópia para ler antes da tomada de decisão.
4. Autorizo ou Não (riscar o que não interessa) a utilização de fotografias ou registo da operação em vídeo com fins
científicos e de formação, com ocultação da identificação.
5. Em consequência solicito e consinto na realização da cirurgia proposta
6. Tenho contacto referenciado em caso de alarme
7. Estou informado de que posso revogar este consentimento em qualquer altura, sem que daí advenha qualquer prejuízo.
Assinatura do doente
466 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Oftalmologia - Vol. 36: pp.467-468
Caso Clínico Mistério
Resposta ao Caso do Número Anterior
Tânia Rocha1, António Mendes Carvalho1, Mário Neves2, João Filipe Silva2, António Roque Loureiro3
Serviço de Oftalmologia – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra-Hospital Geral (CHC-HG)
1
Interno Complementar de Oftalmologia – CHC-HG
2
Assistente Hospitalar de Oftalmologia – CHC-HG
3
Director do Serviço de Oftalmologia – CHC-HG
1 - Qual o diagnóstico mais provável?
a) Ametropia antiga não diagnosticada
b) Miopia aguda induzida pelo topiramato
c) Miopia aguda induzida por crise de hiperglicémia
Trata-se de uma doente do sexo feminino, 30 anos, raça
caucasiana, seguida em consulta de Neurologia por enxaquecas, medicada regularmente com paracetamol 1g-3id e
ibuprofeno 600-2id em sos. Por exacerbação das queixas,
iniciou topiramato 25mg id e aumento da dose para 2id, 15
dias depois. Sem antecedentes oftalmológicos e sistémicos
relevantes.
Recorreu ao Serviço de Urgência por diminuição súbita
da acuidade visual (AV) para longe, bilateralmente. Sem
outras queixas.
Apresentava exame neurológico normal e TAC crânio-encefálica sem alterações.
Ao exame objectivo oftalmológico apresentava: AV
ODE sem correcção 1/10; AV ODE com estenopéico 10/10;
reflexos pupilares normais, biomicroscopia e fundoscopia
sem alterações; PIO OD/OE: 14/15 mmHg.
Realizou angiografia fluoresceínica que não mostrou
alterações.
Com os dados da história clínica, exame objectivo e
exames complementares de diagnóstico as hipóteses mais
plausíveis são a miopia aguda induzida pelo topiramato e
a miopia aguda induzida por crise de hiperglicemia. A hipótese de hiperglicémia em doente com Diabetes Mellitus
inaugural/descomepensada é pouco provável uma vez que
a doente é seguida regularmente pelo médico assistente e
nega Diabetes Mellitus. Fez doseamento da glicémia: 90
mg/dl. O diagnóstico mais provável é, então, a miopia aguda induzida pelo topiramato.
O topiramato é um anticonvulsivante classificado como
monossacarídeo sulfamato substituído. O seu us tem demonstrado resultados satisfatórios em casos de epilepsia
de difícil controlo, na prevenção e tratamento de crises de enxaqueca14,11, distúrbios bipolares do humor e até
obesidade. Diversos efeitos adversos têm sido atribuídos à
terapêutica com topiramato, tanto em crianças quanto adultos, geralmente no primeiro mês do tratamento e que podem
tornar-se potencialmente graves3.
As alterações oftalmológicas não são comuns, sendo
que a mais alarmante o quadro de miopia aguda e glaucoma
de ângulo fechado bilateral3-5,11.
2 - Que dados do exame objectivo/exames complementares de diagnóstico considera úteis?
a) Refracção subjectiva e sob cicloplegia
b) Gonioscopia
c) OCT nervo óptico e campos visuais
d) Todas as anteriores
O mecanismo de acção deste síndrome não é totalmente conhecido. Vários autores acreditam que o processo
acontece por efusão uveal devido a edema do corpo ciliar, com consequente anteriorização do diafragma irido-cristaliniano, levando à diminuição da profundidade da
câmara anterior e encerramento do seio camerular, sem
bloqueio pupilar6. Alguns autores sugerem que a miopia
aguda pode também estar relacionada com a diminuição
da inibição da anidrase carbônica causada pelo topiramato e com o edema do próprio cristalino5,7,9. Face a estas características a resposta correcta é a d) todas as anteriores.
A refracção subjectiva e sob cicloplegia permite fazer o
diagnóstico de miopia. A refracção estática após cicloplegia com ciclopentolato foi OD: -4,00 (-0,50x180º) e OE:
-3,50 (-0,75x180º). Uma vez que a miopia surge frequentemente associada a glaucoma de ângulo fechado a gonioscopia é importante para avaliar o ângulo camerular e
o OCT e os campos visuais fornecem informação sobre a
lesão das fibras nervosas e perda de função visual. Na gonioscopia apresentava ângulo grau III/IV da classificação
de Shaffer e o OCT e os campos visuais não mostraram
alterações.
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
467
Bibliografia
Fig. 1 | Angio-RMN CE e cervical:
Dissecção da artéria carótida interna esquerda (seta).
3 - Tendo diagnosticado a situação, qual lhe parece a
melhor atitude terapêutica?
A miopia aguda induzida pelo topiramato é reversível
com a suspensão do medicamento e, como tal, quando
surge isolada a melhor atitude terapêutica é suspender o
topiramento e aguardar.
Quando, para além da miopia, o doente apresenta glaucoma agudo de ângulo fechado, devem ser administrados hipotensores oculares e hidratação vigorosa para
normalizar a pressão intra-ocular2,12.
4 - Perante o quadro clínico e os exames complementares de diagnóstico o que diria à doente acerca do seu
prognóstico visual?
O prognóstico visual é bom uma vez que a miopia
aguda é apenas transitória revertendo com a suspensão do
topiramato. A normalização do quadro clinico ocorre
dentro de 3 a 7 dias.
Duas semanas após a suspensão do topiramato a doente apresenta AV ODE 10/10 sem correcção.
468 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
1. Asensio-Sánchez VM, Torreblanca-Agüera B, Martínez-Calvo S, Calvo MJ, Rodríguez R. Severe ocular
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or angle closure glaucoma. Br J Clin Pharma- col.
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topiramate administration: a case report. J Med Case
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topiramate - induced acute- onset myopia and angle closure glaucoma. Am J Ophthalmol. 2004;137(1):193-5.
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topiramate, a drug used for prophylaxis of migraine.
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10.Santaella RM, Fraunfelder FW. Ocular adverse effects
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11.Stangler F, Prietsch RF, Fortes Filho JB. Glaucoma
agudo bilateral em paciente jovem secundário ao uso
de topiramato: relato de caso. Arq Bras Oftalmol.
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12.Thambi L, Kapcala LP, Chambers W, Nourjah P, Beitz
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2002;120(8):1108. Comment on Arch Ophthalmol.
200;119(8):1210-1.
Oftalmologia - Vol. 36: pp.469
Secção Histórica e Iconográfica - Histórias da Oftalmologia Portuguesa
Orgulho e preconceito
Responsável da Secção
João Segurado
IOGP - Instituto de Oftalmologia Gama Pinto
Este último capítulo das histórias da história da oftalmologia a meu cargo, deveria ser um final feliz, uma sequela, como se diz agora, em linha com os outros artigos
publicados. Um registo humorado de um episódio caricato
do nosso dia-a-dia, uma memoria longínqua de um património a extinguir, ou extinto, porém, esgotei o stock, perdi
a memória, surgiu o esperado vazio mental (que se adivinhava) e dada a insistência do nosso E.C. (Editor Chefe),
vou arriscar um tema, que alguns, (desnatados certamente) considerarão reacionário, ou pior ainda elitista. “Bons
costumes médicos”, entendidos como código de relação
inter-pares, verdadeiro DNA, que transcrito desde logo ao
jovem interno, fenotipado e cimentado na relação diária e
saudável entre colegas.
Falamos de hábitos, tradições, consolidados, por gerações, em anos de educação e respeito mutuo, traduzidos
em gestos e comportamentos que surgindo, normalizados e
espontâneos, regulam (ou deviam regular) as relações médicas. Fundados em qualidades técnicas e humanas bem
definidas constituem um código universal, que dignifica
quem o segue, ao mesmo tempo que transmite ao corpo
clinico uma noção de solidariedade e compromisso que
a todos envolve. As lideranças médicas, escolhidas inter-pares, sem interferência de poderes políticos ou administrativos formavam escolas, correntes de pensamento e
acção a que nos orgulhávamos de pertencer. Ser Cirurgião
dos Hospitais Civis de Lisboa, pertencer ao serviço do Dr.
Luis Monteiro Baptista (o Patrão),Dr. João Viana Barreto
ou Dr. Francisco Carlos da Maia, mesmo sendo o mais
pequeno interno equivalia, a vestir a jaqueta de um famoso
grupo de forcados ou ser membro de um típico e respeitável club vitoriano inglês.
Curiosamente na nota de abertura do congresso da
sofisticada Academia Americana de 2012 proferida em
Chicago por Abraham Verghese, o tema foi “ the human
touch a powerful old fashion tool that modern medicine is
in danger of loosing…”
Alguns destes comportamentos, começam a rarear quiçá por terem perdido o significado ou apenas porque deixou de haver “tempo”. Por exemplo, que bom seria ouvir
de novo no Bloco Operatório o pedido de autorização para
entrar, feito respeitosamente ao cirurgião mais velho presente, e ao anestesista, o cuidado de “pôr a mesa” a tempo
para que a cirurgia se iniciasse mal o cirurgião o entendesse, e o anestesista assim o permitisse. A compostura durante toda a intervenção que se mantinha mesmo quando
o rumo não era o pretendido. No fim, o agradecer a toda a
equipa, começando pelos mais velhos e abrangendo toda a
equipa fosse qual fosse o resultado.
Nada disto acontecia por acaso, assim, termino fazendo
votos para que novos Mestres surjam “eleitos” em função
da sua competência, qualidades humanas e capacidade de
liderança e que por sua vez estes sejam capazes de devolver o Humanismo ao Acto Médico cada vez mais condicionado por interesses pessoais e questões financeiras.
DEIXEM-NOS SER apenas MÉDICOS
João Segurado
Vol. 36 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2012 |
469
Indicações aos Autores e Normas de Publicação
Resumo
Nota: consultar texto completo das normas de publicação
em: www.spoftalmologia.pt/normas.publrevistaspo
Oftalmologia é a revista oficial da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) e publica de forma prioritária
trabalhos de investigação básica e clinica, como artigos de
revisão, artigos originais, casos clínicos, relacionados com
oftalmologia nas suas diferentes especialidades, bem como
temas de áreas de conhecimento fronteira com interesse
para a prática médico-cirúrgica e processo clínico na perspectiva da governação clínica em oftalmologia.
Processo Editorial
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das deficiências com vista a nova apresentação.
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nacionais ou internacionais.
3. Política editorial – a decisão do Conselho Redactorial para aceitação-rejeição de um trabalho apresentado para
publicação baseia-se nos seguintes factores:
I. Originalidade: assunto e/ou método original, com
informação valiosa e apresentação de resultados novos ou confirmação de resultados já anteriormente
verificados.
II. Actualidade e/ou novidade – tema que está na agenda das reuniões ou comunicações científicas ou é
novo.
III.Relevância – aplicabilidade dos resultados para
a resolução de problemas concretos da prática
oftalmológica.
IV.Inovação e significância – avanço do conhecimento
científico, técnico e/ou prática clínica.
V. Fiabilidade e validade científica – boa qualidade metodológica evidenciada.
VI.Apresentação – boa redacção e organização do texto
(boa coerência lógica e apresentação do material).
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Secções
Organização do artigo
1. Editoriais e notas - Os editoriais e notas serão encomendados pelo editor da revista a quem considere oportuno
ou da responsabilidade do editor. O convite faz-se acompanhar das normas especiais para publicação em cada caso.
2. Cartas ao editor - As contribuições para esta secção podem incluir comentários sobre artigos previamente
publicados na revista ou comentários sobre outras matérias
de interesse para oftalmologia. Esta correspondência estará sujeita à revisão por parte do editor e será publicada na
medida em que o espaço, as prioridades e interesse o permitam. Não devem ultrapassar as 500 palavras. As cartas
ao editor que versem sobre artigos previamente publicados
terão direito de resposta.
3. Artigos de revisão e “guidelines” – O objectivo da
secção é actualizar determinados temas de oftalmologia,
discutir novos conceitos ou rever conceitos clássicos tendo
em vista os novos avanços de diagnóstico e tratamento e
a divulgação das boas práticas em oftalmologia. Deverão
relacionar os conhecimentos científicos básicos com os
clínicos. Serão encomendados pelo Conselho Redactorial
a personalidades reconhecidas e ou grupos de trabalho. O
convite faz-se acompanhar das normas especiais para publicação em cada caso.
4. Artigos originais – Podem incluir-se tanto trabalhos
experimentais como clínicos, sempre que se trate de trabalhos de investigação. Os trabalhos de investigação devem
ser inéditos e não podem ter sido submetidos para publicação em outra revista estrangeira indexada. Incluem-se nesta
rubrica os prémios atribuídos no âmbito da SPO.
5. Comunicações curtas e casos clínicos – Deverão
ser manuscritos resumidos descrevendo inovações técnicas e tecnológicas, manobras cirúrgicas inovadoras,
aspectos de outras áreas do conhecimento relacionados
com a prática oftalmológica, nomeadamente laboratório
em Oftalmologia, Gestão, Economia da Saúde, Qualidade,
Acreditação e Certificação, Ética médica e Gestão do risco
em Oftalmologia, bem como casos clínicos com informação de prática clínica relevante. Serão temas variáveis em
cada revista.
6. Histórias da História da Oftalmologia Portuguesa –
Será uma rubrica curta realçando aspectos relacionados
com personalidades ou acontecimentos da oftalmologia
portuguesa.
7. Caso clínico mistério – Pretende-se uma secção interactiva entre Conselho Redactorial e os oftalmologistas
e internos de oftalmologia. Deverá haver lugar a apresentação de sugestões diagnósticas e terapêuticas simulando
as condições de efectividade da prática clínica perante um
caso clínico de difícil resolução.
1. Página do titulo/identificação – (página separada)
Contendo título do artigo, nome (s) dos (s) autor (es), serviço
(s) hospitalar (es) e departamentos ou organismos onde foi
realizada a investigação, títulos académicos e/ou hospitalares dos autores. Nesta página deve ainda figurar o endereço
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prémio obtido se for o caso. Os autores deverão manifestar se
têm algum interesse comercial no produto, equipamento ou
processo e certificar que o trabalho não foi publicado e que
cedem os direitos de autor à SPO.
2. Resumo – Em português e em Inglês com o máximo
250 palavras. Escritos num único parágrafo e com as seguintes partes: Objectivos, Desenho do estudo, Participantes, Métodos, Resultados primários e secundários, Conclusões.
3. Palavras chave – Duas listas de cinco palavras chave,
em português e em inglês, que indiquem os principais assuntos focados no texto para fins de codificação no índex.
4. Texto – Recomenda-se que o texto tenha as seguintes secções separadas: Introdução, Material e Métodos, Resultados, Discussão; poderá ser necessário fazer adaptações
a circunstâncias particulares, como por exemplo no caso de
se tratar de um caso clínico. O autor deverá indicar no texto,
em local apropriado, em numeração árabe e em superscript,
as citações bibliográficas que fizer. É da exclusiva responsabilidade do autor a verificação da exactidão das referências
bibliográficas e da sua colocação no texto.
5. Agradecimentos – Tanto a pessoas, como a entidades,
quando tal for justificado.
6. Declaração de interesses financeiros
7. Bibliografia – De modo geral segue-se o sistema de
Vancouver, com a diferença principal de que a lista das referencias bibliográficas deve ser alfabetada e subsequentemente
numerada. Se houver mais de uma referencia do mesmo autor,
serão indicadas em primeiro lugar aquelas em que o autor aparece isolado e só depois aquelas em que há mais que um autor.
8. Quadros, gráficos e figuras – são enviados em formato
electrónico, em ficheiros separados do texto. Os quadros podem ser feitos num processador de texto ou numa folha de calculo (em Excel). Os gráficos devem ser feitos em PowerPoint
ou em programa compatível. As figuras devem ser enviadas
no formato .TIF ou .JPG, um ficheiro para cada imagem com
qualidade de impressão (≥ 300 dpi).
9. Abreviaturas e símbolos – Só devem ser usadas abreviaturas de uso corrente. Se for imprescindível recorrer a
abreviaturas menos usuais, na primeira vez em que o termo
aparece no texto ele deve figurar por extenso, logo seguido
pela abreviatura entre parêntesis.
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| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
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